DESFAZENDO E REFAZENDO A fotografia de Cristiano Mascaro
Trabalho apresentado à disciplina Metodologia e Didática do Ensino Superior (HF 954), ministrada pela professora Kátia Kasper, como pré-requisito à conclusão do décimo segundo módulo Curso de Especialização em Estética e Filosofia da Arte, Departamento de Filosofia, Setor de Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná.
Bruno Stock
Editorial Este trabalho é uma tentativa de contar a trajetória e formação de Cristiano Mascaro, um dos fotógrafos mais representativos do Brasil. Meu objetivo foi produzir uma espécie de fascículo especial de revista sobre fotografia, em um formato de perfil – gênero muito recorrente no meio jornalístico –, de forma a mesclar um trabalho acadêmico com algo mais mundano. O conteúdo deste trabalho foi produzido a partir de uma pesquisa em materiais disponíveis na Internet (documentos, textos e entrevistas audiovisuais) e também através de gravações feitas por mim durante conversas e no decorrer de uma disciplina que cursei com o fotógrafo na especialização em Fotografia e Imagem em Movimento nos dias 03 e 04 de julho de 2009.
DESFAZENDO E REFAZENDO Com mais de 40 anos de fotografia, Cristiano Mascaro é um dos principais fotógrafos brasileiros e se tornou referência em relação à fotografia de cidades e de arquitetura.
“NO FINAL DE SEMANA, IA PARA O CINEMA CAMINHANDO, PELO SIMPLES PRAZER DE VER OS PRÉDIOS.”
Quando se fala de Cristiano Mascaro, imagens de São Paulo vem à mente, mas o fotógrafo não gosta do título que lhe conferem de “o fotógrafo de São Paulo”. Ele se considera um fotógrafo urbano e completa: “Eu gosto de chegar numa cidade e ver as pessoas caminhando entre prédios, diante de um muro. Isso é que me atrai. Arquitetura eu faço por encomenda.”1 Para ele, São Paulo é a cidade que mais fotografou porque é onde mora, é a sua cidade. Entretanto, Mascaro realizou trabalhos por todo Brasil, principalmente nos seus trabalhos autorais. A ligação do fotógrafo com arquitetura é muito forte e antiga. Apesar de nunca ter atuado na profissão, Cristiano Mascaro é graduado (196468) em arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/ USP). Mas o fotógrafo aponta que seu interesse pela cidade vem da época de menino. Mascaro nasceu em Catanduvas, interior do estado de São Paulo, em 1944, mas cresceu na capital paulista. Por morar em um bairro próximo ao centro, tinha um contato muito próximo com a cidade: “Quando comecei a sair sozinho, ia para a escola a pé ou de bonde. E, do bonde, ficava o tempo todo olhando a cidade desfilar diante de mim. No final de semana, ia para o cinema caminhando, pelo simples prazer de ver os prédios.”2
O interesse pela fotografia surgiu justamente durante a faculdade de arquitetura, em um momento de acaso e que se tornou um marco na vida do artista. Certo dia, fugindo de uma aula de “Resistência de materiais”, Cristiano foi à biblioteca e pegou um livro do fotógrafo francês Henri Cartier-Bresson. “Nunca tinha visto fotografias assim, eu só conhecia fotografias da publicidade ou do jornalismo, imagens que exploram a condição humana ou são um elogio à natureza. As fotos do Cartier-Bresson eram sobre o cotidiano, a não-notícia, aquilo que você acha que não ia render e ele conseguia tornar aquilo algo comovente. Foi essa foto que eu vi, uma cena comum, de um casal de noivos, ela no balanço e ele a empurrando, que me encantou e marcou muito meu trabalho. A partir daí comecei a fotografar.”3 Passando a se dedicar à fotografia enquanto cursava arquitetura, em 1967, ganhou um concurso universitário de fotografia, no qual um dos membros do júri era Cláudia Andujar, fotógrafa da revista Realidade. Apesar de muito novo, Cláudia indicou Cristiano para trabalhar na equipe em formação da revista Veja, na qual o fotógrafo participou desde o número zero. A experiência no jornalismo foi decisiva na formação do
“NUNCA TINHA VISTO FOTOGRAFIAS ASSIM. AS FOTOS DO CARTIER-BRESSON ERAM SOBRE O COTIDIANO, A NÃO-NOTÍCIA, AQUILO QUE VOCÊ ACHA QUE NÃO IA RENDER E ELE CONSEGUIA TORNAR AQUILO ALGO COMOVENTE.” fotógrafo, que admite ter “pulado” algumas etapas: “Eu acabei queimando algumas etapas, que muitas vezes são necessárias para a formação do fotógrafo, para o seu amadurecimento. Eu já cai numa grande revista, numa grande estrutura. Mas foi um tremendo aprendizado. Eu sai de uma escola de arquitetura, que é algo mais ‘refinado’ e cai no jornalismo, que nós chamamos de ‘pauleira’. Isso para mim foi muito bom.”4 O período como fotojornalista não foi muito longo, durou apenas
“EU ACHEI INTERESSANTE AQUELA CENA. UMA FIGURA HUMANA MÍNIMA IMERSA NAQUELE UNIVERSO DE PILARES NEGROS DE GRANITO. EU FIZ ESSA FOTO E ISSO ME DETONOU: ‘ESSE ASSUNTO ME INTERESSA’.” de 1968 a 1972, sendo que por um ano Mascaro viveu na França e atuou apenas como correspondente para o Grupo Abril. Apesar de curta a carreira como fotojornalista, foi durante os anos de Veja que Cristiano Mascaro se deparou com o tipo de fotografia que se tornaria sua forma de expressão. O fotógrafo conta que no jornalismo é preciso se fotografar os mais variados assuntos em um mesmo dia, como, por exemplo, fazer o retrato de um banqueiro pela manhã, a estréia da Elke Maravilha em um desfile de moda à tarde e um jogo de futebol durante à noite. Em uma dessas “correrias” para cobrir pautas, Mascaro se deparou com uma cena que lhe chamou a atenção. Próximo à Praça da Sé, em São Paulo, havia um homem escorado no prédio da Caixa Econômica Federal: “Eu achei interessante aquela cena. Uma figura humana mínima imersa naquele universo de pilares negros de granito. Eu fiz essa foto e isso me detonou: ‘Esse assunto me interessa’.”3
Em 1972, após ser convidado para falar sobre fotojornalismo na escola de fotografia Enfoco, Cristiano se tornou professor na mesma escola, onde atuou até 1975. Durante sua estada na escola começou a desenvolver seu trabalho autoral: “A Enfoco me convidou para fazer uma exposição e a partir da foto que eu fiz daquele sujeito eu comecei a fotografar sobre São Paulo. A exposição se chamou ‘Paisagens Urbanas’.”4 Ainda durante o período na escola Enfoco, Cristiano voltou para a academia, agora como coordenador do Laboratório de Recursos Audiovisuais da FAU/USP. Cargo que ocupou até 1988. De 1976 a 1988 foi professor na FAU/Santos. Durante os anos como acadêmico pôde continuar a desenvolver seu trabalho autoral paralelamente. Ainda no universo da academia Cristiano conclui mestrado com a dissertação “A Fotografia na Interpretação do Espaço Urbano”, em 1986, e doutorado, defendendo a tese “A Fotografia e a Arquitetura”, em 1995.
“A GENTE TEM O DESAFIO ETERNO DESFAZER E REFAZER A REALIDADE, DE DEIXÁ-LA MAIS COMOVENTE E EXPRESSIVA.”
Estilo Mascaro afirma ser um fotógrafo pedestre, que anda pela cidade observando-a e conhecendo-a, a espera de algo surgir a sua frente: “Você vai andando e as coisas vão aparecendo, é como nadar em um rio contra a corrente. Mas às vezes você pode ficar sentado em um banco de praça à espera de algo acontecer, como se estivesse observando um rio caudaloso à sua frente.”3 Mas Cristiano lembra que, ao se fotografar não adianta ficar procurando os assuntos, programando o que virá, mas sim ficar atento ao mundo: “Cartier-Bresson dizia: ‘quando você procura, você não acha’. Tem um texto do Ferreira Gullar no meu livro que se chama ‘Espantos’, e é muito essa coisa de você estar caminhando e de repente se dá de cara com alguma coisa. E é muito emocionante você pegar aquilo no ar, pois aquilo desaparece, repentinamente.”3 O estilo de Cartier-Bresson e dos seus colegas foi fundamental na direção que tomou o trabalho de Mascaro, para o qual “a fotografia é o terreno do que vai acontecer. Você está sempre um segundo a frente, imaginando toda uma combinação de primeiro plano e fundo, de forma e composição, e torce para que tudo vá na direção esperada.”5 É basicamente este o princípio que Cartier-Bresson chamou de o instante decisivo na fotografia – momento no qual a composição, o cenário, os
objetos e os personagens se configuram no instante mais expressivo da cena. Esse tipo de atitude fotográfica se comunica com o conceito que Mascaro empresta do crítico de literatura Antônio Cândido e que considera a essência da fotografia: “A gente tem o desafio eterno desfazer e refazer a realidade, de deixá-la mais comovente e expressiva. O fotografo está vivendo aquilo que esta fazendo, algo que não é ficção. E a fotografia é tentar transformar em ficção aquela realidade, de passar para o lado de lá do espelho.”3 O trabalho autoral de Mascaro é feito em preto e branco. Sem conseguir achar explicação conclusiva sobre os motivos que o levaram a usar os tons de cinza para expressar sua visão, o fotógrafo aponta que o preto e branco ajuda na construção das ficções da fotografia, uma vez que nos distanciam daquela realidade. Também é preciso se levar em conta as influências externas, como a dos fotógrafos europeus da Magnum (agência criada por Henri Cartier-Bresson, Robert Capa, David Seymour e George Rodger), o cinema francês, com a Nouvelle Vague, entre outras: “Eu acho que acabei entendendo o universo visual em preto e branco. São Paulo não ajuda muito, é tudo em tons de cinza.”3
Publicações
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- A Cidade. São Paulo, Cia. Rhodia do Brasil, 1979 - Cristiano Mascaro – As Melhores Fotos/The Best Photos. São Paulo: Sver & Boccato Editores, 1989 - Luzes da Cidade. São Paulo: DBA, 1996 - Itinerários Culturales en Brasil. Buenos Aires, 1999. Buenos Aires: Embaixada do Brasil - São Paulo. São Paulo: Editora Senac, 2000 - O patrimônio construído. São Paulo: Editora Capivara, 2002 - Instituto do Rio Grande do Sul. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2003 - Cristiano Mascaro – Coleção Senac de Fotografia volume 11. São Paulo: Editora Senac, 2006. - Cidades Reveladas. São Paulo: Bei, 2006.
Referências bibliográficas TAIRA, C. Entrevista com Cristiano Mascaro. Disponível em: <http://chucrutem.wordpress.com/2008/06/24/a-arquitetura-fotojornalistica-de-cristiano-mascaro/> Acessado de 02 a 5 de jul. 2005. 1
MELENDEZ, A. ; SERAPIÃO, F. Entrevista com Cristiano Mascaro. Disponível em: <http://www.arcoweb.com.br/entrevista/cristiano-mascaro-05-03-2008.html> Acessado de 02 a 5 de jul. 2005. 2
3
Gravação feita em aula e entrevista com Cristiano Mascaro em 04 de julho de 2009.
LOPES, I. Foto em Pauta: Cristiano Mascaro. Agosto 2004. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=auzuJdOp2XE> Acessado de 02 a 5 de jul. 2005. 4
MOULATLET, A.L. Portal Imprensa: Com um olhar atento sobre as cidades, Cristiano Mascaro revela belezas sutis. Publicado em 27 de fev. 2008. Disponível em: <http://portalimprensa.uol.com.br/portal/ponto_de_vista/2008/02/27/imprensa17473.shtml> Acessado de 02 a 5 de jul. 2005. 5
COLEÇÃO PIRELLI / MASP: Cristiano Mascaro. Disponível em: <http://site.pirelli.14bits.com.br/autores/11/> Acessado de 02 a 5 de jul. 2005. 6
* Foto da capa: Bruno Oliveira Alves ** Foto da contra-capa: Henri Cartier-Bresson.
Outros materiais consultados INSTITUTO ITAÚ CULTURAL. Cristiano Mascaro. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=a01gVgHNiAs> Acessado de 02 a 5 de jul. 2005. ____. Enciclopédia Itaú Cultural: Cristiano Mascaro. Disponível em: <http://www.itaucultural.org.br/AplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_ verbete=1471&cd_idioma=28555&cd_item=1> Acessado de 02 a 5 de jul. 2005. MASCARO, C. Retratos do Brasil. Revista Brasileiros, agosto de 2007. Disponível em: <http://www.revistabrasileiros.com.br/imagens/2598/em/textos/469/> Acessado de 02 a 5 de jul. 2005.
“FOI ESSA FOTO QUE EU VI, UMA CENA COMUM, DE UM CASAL DE NOIVOS, ELA NO BALANÇO E ELE A EMPURRANDO, QUE ME ENCANTOU E MARCOU MUITO MEU TRABALHO. A PARTIR DAÍ COMECEI A FOTOGRAFAR.”