MAIO /JUN. 2011 Nº 130
Não pagamos, não pagamos
SUPLEMENTO
ANA BARRADAS
Na sequência da reprovação pela oposição no parlamento do quarto Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC 4), o governo demitiu-se levando à realização de eleições legislativas em 5 de Junho. Porém, antes de se afastar de funções e passadas três décadas depois do fim da crise revolucionária gerada pelo 25 de Abril, o actual inepto governo PS submete de novo o país, como há trinta anos, à iníqua interferência do FMI, que nos próximos anos vai determinar a forma como nós, a cidadania, continuaremos a pagar a dívida contraída pela desastrosa governação das classes dominantes, para a qual em nada contribuímos. Pelo meio ficam o golpe militar contra-revolucionário do 25 de Novembro, a entrada na CE com promessas e miragens de bem-estar, uma sucessão de governos revanchistas e neoliberais, um desenvolvimento em que, por determinação da Europa rica, foram destruídos a agricultura, as indústrias e quase todas as fontes de produto nacional potencialmente geradoras de autonomia económica. À laia de sobras, temos um resíduo de decepções, desistências e conformação dos trabalhadores a este estado de coisas. Foi assim que se aninharam na orla do regime os sindicatos inermes e dóceis que temos hoje, os partidos de oposição que desistiram de resistir e se entregaram ao remanso do reformismo colaborante, as novas camadas da pequena-burguesia que, com o seu enorme peso social, marcam negativamente a paisagem ideológica das classes exploradas com o seu espírito timorato, inimigo da mudança e, na sua ânsia de imitar as classes de cima, sempre pregando a busca da moderação e procurando o ascenso social a todo o custo.
CRAVOS DE ABRIL MURCHOS A pulsão dos que estão em posição dominante e têm acesso aos mecanismos do poder para se apossarem de bens e riqueza disponíveis e ao seu alcance tem vindo a ser assumida sem complexos, ao longo dos últimos anos, como uma espécie de direito de pernada, posse legítima, pecado menor, justo privilégio que entre pares se discute abertamente para determinar conveniências, procedimentos, partilhas e parcerias. Ao mesmo tempo, entre os de baixo aceita-se como inevitável tributo ao qual fechamos os olhos por ser inerente à função exercida e socialmente aceite. Assim temos que parte apreciável dos recursos do Estado é apropriada sem escrúpulos e sem critérios razoáveis, e desviada para fins particulares ou corporativos que nada têm a ver com o bem comum, muito pelo contrário. A crise global em curso faz desfilar diante de nós os emprestadores e os seus juros, os bancos e a sua arrogância, as agências de rating e as suas manhosas e manipuladas penalizações, a falta de investidores, a incompetência de patrões e gestores, a ganância de empresários de vistas curtas e outros percalços típicos destas conjunturas de crise tem servido de pretexto ao governo e aos partidos implicados na governação, coniventes ou aspirantes a ela, para transferirem as suas responsabilidades e procurar refazer a sua imagem num momento em que se aproximam eleições. A guerra em curso entre as diversas facções, das quais se destacam as facções PS-PSD atirando uma contra a outra as pedras da responsabilização alheia pela crise que ambos, umas vezes em conluio, outras em rivalidade, agravaram, são bem
reveladoras da sucessão de negociatas e desentendimentos com que são abordados os negócios nas mais altas esferas do Estado. Sem a mínima consideração pelos que em última análise serão vítimas insuspeitas dos desatinos inconsequentes da luta pelo poder, estes senhoritos que se julgam acima da lei e do imperativo de fidelidade às promessas com que se guindaram a altas posições nem se apercebem da situação que estão a criar. Insensíveis à crescente dificuldade dos cidadãos comuns em responder às solicitações de contenção económica a que são chamados, não sabem medir bem o grau de tolerância a que se pode chegar e não conseguem prever o ponto de viragem em que os governados considerarão insuportável a sua condição de austeridade e começarão a sair à rua a tornar visível a sua ira e indisponibilidade para continuar a jogar esse jogo. A continuarem as coisas como estão, tudo se encaminha para a prazo termos em Portugal um surto de greves, manifestações e outras formas de luta desagradáveis para quem preferiria que a domesticação dos trabalhadores se processasse na maior calma e respeito pela ordem. Foi o que se passou na Grécia e se vai percebendo um pouco por toda essa Europa aparentemente conformada com a transferência da crise para cima dos ombros dos trabalhadores. Se porventura a conjuntura se agravar, como é provavel, e as lutas dos trabalhadores europeus se generalizarem, podemos estar certos de que melhorarão as condições para se conter a ofensiva burguesa contra direitos adquiridos e se criam possibilidades para uma alteração decisiva na correlação de forças entre trabalho e capital.
2
Forças intermédias mais receosas de um possível distúrbio da ordem estabelecida – aparentemente neutras e preocupadas com a defesa de democracia parlamentar – não deixarão de propor supostas alternativas, qual delas a mais débil. É o que se passa já com a iniciativa de um grupo de jovens no dia 25 de Abril, convidando cada cidadão a depositar na escadaria da Assembleia da República um cravo vermelho... “para que o 25 de Abril não esqueça, para que permaneça vivo e todos o saibam”. É sintomático o apelo: estes jovens deviam saber que o espírito do 25 de Abril já não existe, que o regime é cada vez mais antipopular e autoritário, que estamos entregues aos ditames da arrogante Alemanha, verdadeira cabeça da Europa neoliberal, e que é ingenuidade e patetice virarmo-nos para o parlamento de maioria PS ou PSD e supormos erradamente que esses parlamentares podem ou querem interpretar as aspirações legítimas de quem se sente preterido e reclama um lugar ao sol. O que esses jovens precisavam de dizer é que o Estado de direito democrático é uma farsa e não podemos confiar nele, antes temos de o substituir por outro. FMI, POLÍCIA DE PROXIMIDADE O FMI tem um programa a fazer cumprir aos diversos agentes económicos e em particular ao Estado: aumento da taxa de exploração do trabalho, redução dos salários, redução dos preços dos elementos do capital constante para comprimir os custos de produção, aumento do capital em acções oferecidas por obrigações do Estado.
As isenções e subsídios ao capital para lhe dar meios de cumprir este programa só podem sair dos fundos do Estado que para isso contrai as dívidas necessárias ao mesmo tempo que procede a cortes dramáticos em serviços públicos, salários e outros. Foi aliás assim – privatizando em benefício dos bancos parte da riqueza social disponível (sem FMI) – que há três anos os salvou da bancarrota. Não faltará em Portugal o complemento keynesiano, que consiste em encontrar como pretexto a necessidade de maior regulação para melhor fazer passar a ideia de privatizar tudo quanto ainda der lucro ou possa ser vendido a baixo preço. É oportuno recordar que estas receitas para uma economia de mercado baseada na livre concorrência levaram ao estabelecimento de ditaduras militares na América Latina, a começar pelo Chile de Pinochet. E não é de mais recordar que receitas de austeridade engendradas pelas cabeças pensantes do FMI noutros países, sobretudo em África, só contribuíram para agravar ainda mais a situação social e económica dos seus cidadãos, reduzindo as possibilidades de crescimento e desenvolvimento autónomo desses países, poderosamente subjugados pelas potências imperialistas, num padrão de relações que nada ficam a dever às antigas relações coloniais. Para suster a queda do sistema, o Estado português, acolitado e aconselhado pelo FMI e pelas suas duvidosas receitas, actua agora como instrumento que vai beneficiar a burguesia monopolista e fazer dos trabalhadores as suas vítimas. Ao ingerir-se nos assuntos internos do país, quase por imposição internacional e
tendo como base justificativa problemáticas análises económicas cujo principal intuito parece consistir em arrastar a Espanha neste processo de desqualificação internacional em que estão envolvidos os chamados PIGGS, o FMI mais não faz do que actuar como polícia de proximidade: certificar-se de que as normas entram em aplicação e são obedecidas sem contestação ou turbulência, doa a quem doer, para reposição do mito neoliberal. Os cidadãos que não se revêem nos partidos do regime e se sentem inconformados com a ditadura dos mercados financeiros deveriam rebelar-se e pressionar as instituições para as impedir de despojarem a democracia de todos os seus atributos. Foi o que aconteceu na Islândia. Indignados com a factura da dívida soberana, mobilizaram-se e foram para a rua, exigindo uma nova Constituição contra os abusos do sistema financeiro e convocando um referendo realizado nesse mês de Abril, em que 93% dos eleitores se pronunciaram contra o pagamento da dívida. Já em 2000, Néstor Kirchner, presidente argentino, impelido pela pressão popular, comunicou aos credores que a dívida do país era ilegítima e propôs-se pagar apenas uma parte. O FMI indignou-se, mas os credores foram obrigados a ceder e a Argentina levantou-se temporariamente da terrível situação em que se encontrava. A Europa agrupada na sua associação de interesses, a União Europeia, mostrou o que vale desde que se iniciou a crise na Grécia, que deixou entregue à sua sorte. O desenvolvimento europeu continua a diversas velocidades, e os mais ricos exploram os mais pobres através de empréstimos ruinosos que lhes enchem os bolsos e não resolvem a mais mínima das dificuldades dos países menos desenvolvidos, aprofundando a distância entre si. MARX: QUE DIZ ELE DE NOVO? Ao fim de cento e tal anos, o fantasma de Karl Marx ainda não se calou e a sua voz profética e contemporânea vê agora confirmadas muitas de previsões que no seu tempo fez, conforme reconhecem inclusive figuras reconhecidas da economia burguesa. Algumas das ideias marxistas, postas à luz da actual crise, revelam-se agora em toda a sua clareza, apontando para soluções que o capitalismo está incapaz de encontrar. Com efeito, como dizia e diz ainda Marx: – Quanto mais o capital cresce, mais ele produz a sua própria crise de sobreacumulação, sobreprodução, subconsumo e queda tendencial da taxa de lucro. – Vivemos na actualidade mais uma das vagas cíclicas que afogam o proletariado, sacrificado às conveniências do capital a braços com uma grave crise. Neste momento, o capital no seu todo não tem onde aportar nem forma de se reproduzir. – O capitalismo descreve agora a sua curva descendente como movimento histórico
que precisa de ser superado por já não conseguir funcionar eficazmente. Está esgotada a projecção mítica e invencível projectada pelo neoliberalismo do capitalismo como sistema virtuoso contribuindo para o estabelecimento do bem comum. Os factos vão no sentido previsto por Marx, ao contrário do que, por exemplo, em 1999 o conceituado sociólogo Boaventura Sousa Santos imprevidentemente proclamou. – A crise do capitalismo não leva necessariamente ao seu fim. Se não se exercerem resistências e contratendências organizadas com um objectivo bem definido, podemos estar à beira da crise final e catastrófica. Não basta existir uma crise económica para que haja uma revolução. As acções das classes sociais é que são decisivas. Estas não podem limitar-se à luta económicas, mas têm de se travar também ao nível ideológico, fazendo os trabalhadores assumir como sua a luta política pela tomada do poder por meio de uma revolução socialista. DIZER NÃO AO REFORMISMO Infelizmente temos de dizer que, contra o sistema e o regime, apenas podemos contar com pequeníssimas formações de extrema-esquerda, todas elas com uma diminuta capacidade de influenciar, por se revelarem incapazes de crescer e superar as suas insuficiências e estarem pouco preocupadas com a necessidade de se concertarem entre si em lutas e campanhas pontuais ou não que poderiam fazer a diferença. Assim, no momento actual, se se pusesse de pé um forte esforço de divulgação e propaganda no sentido de mostrar aos trabalhadores que as obrigações contraídas em nosso nome para o pagamento da dívida soberana mais não fazem do que arruinar-nos e comprometerem o nosso futuro imediato, poderia criar-se um movimento alargado e poderoso sob o lema “Não pagamos, não pagamos” – evocando a inspiradora peça de teatro de Dario Fo – que demonstrasse tratar-se de uma exigência abusiva, insensata e impossível de cumprir. Com efeito, a totalidade dos sacrifícios que hoje nos propõem não chegará para satisfazer a cobrança de juros crescentes sobre uma quantia incobrável, por desproporção com a estrutura económica do pais, o fraco volume da sua força de trabalho, o peso da corrupção e das mordomias das classes dominantes, a capacidade reduzida do aparelho produtivo e o enorme défice de investimentos em projectos viáveis e geradores de postos de trabalho. Mais do que isso, o que uma esquerda consequente e anti-reformista devia proclamar e fazer compreender é que a única alternativa a prazo é a alternativa socialista, baseada na necessidade da produção social da riqueza a ser gerida de forma social, levando à sua acumulação social, concebida esta como valor de uso e não como mercadoria. Os comunistas de todos os quadrantes deveriam, se quisessem fazer jus ao seu no-
me, apoiar os trabalhadores nesta conjuntura para desempenharem o seu papel: resistir e não aceitar carregar o fardo principal da crise, organizando-se para levar por diante o lema “Não pagamos, não pagamos”. Esta ideia poderia ser criativamente desdobrada em várias vertentes: que nenhum direito seja retirado; que não se agravem as condições já precárias de sobrevivência; que o Estado seja impedido pela pressão popular de deitar mão a recursos públicos para com eles colmatar falhas por perdas de capital ou para incentivar a economia da burguesia monopolista; que não se sintam os trabalhadores obrigados a optar entre a solução governativa A ou B da burguesia e reconheçam que naufragaram todas as belas soluções de crescimento económico por esta apresentadas, que só os atiraram para uma situação ainda mais insustentável, sem fim à vista. Os eleitores consciente devem recusar o debate patético em que se envolvem o BE e o PCP sobre “como sair da crise”, pela simples razão de que não há salvação dentro do sistema e que não vale a pena estarem a tentar deitar a mão ao criminoso PS em queda, supostamente contra a direita – como se o partido de Sócrates fosse de esquerda – e em nome dos trabalhadores. Estes não precisam de ser enganados. Antes têm que optar pela melhor maneira de atender aos seus reais interesses e aos da humanidade em geral e impedir que, ciclicamente, todo o seu esforço produtivo seja reduzido a zero por nova crise estrutural, com todas as consequências altamente gravosas que daí podem advir. É a sua própria sobrevivência que está em jogo, uma vez que a burguesia em geral – à qual está intimamente associada a burguesia portuguesa –, na sua ânsia de salvar o capital e as taxas de lucro, só tem aproximado os seres humanos de uma catástrofe genocida. Bourdieu dizia que a política é a arte de “fazer crer que se pode fazer o que se diz”. E o que há a dizer é que ninguém se pode apropriar da riqueza colectiva. É esse desafio que está posto à nossa frente.
3
A Revolução tecnológica no coração das contradições do capitalismo senil SAMIR AMIN
1- A revolução tecnológica contemporânea é um facto importante que não ponho em dúvida e considero, inclusive, o ponto de partida necessário para a análise do que é novo na evolução do capitalismo. A diferença está, por um lado, na análise que se faz da natureza desta revolução, em comparação com as precedentes, e, por outro, nas consequências políticas que daí se podem extrair. Como tal, analiso as revoluções tecnológicas nos termos da lei do valor. Nesta análise, a produção é, em definitivo, o produto do trabalho social e o progresso da sua produtividade manifesta-se pela redução da quantidade de trabalho social total necessário para a produção de uma unidade de valor de uso. 2- As revoluções tecnológicas anteriores na história do capitalismo (a primeira, a da máquina a vapor e das máquinas têxteis dos finais do século XVIII, princípios do XIX; a segunda, a do ferro, do carvão e dos caminhos de ferro, em meados do século XIX; a terceira, a da electricidade, do petróleo, do automóvel e do avião em princípios do século XX) traduziram-se todas elas numa redução da quantidade de trabalho social total necessário para a produção dos valores de uso considerados. Mas também no aumento da proporção que representa a quantidade de trabalho indirecto (atribuído à produção dos meios de produção) relativamente ao trabalho directo (atribuído à produção final). A revolução tecnológica em curso inverte esta tendência. Permite o progresso da produtividade do trabalho social por meio da adopção de tecnologias que se traduzem na redução da proporção do trabalho indirecto. Resumo estas observações no seguinte 4 esquema quantitativo simplificado:
Quantidade de trabalho necessário (para a produção de uma unidade de valor de uso dada) Trabalho total (1)
Trabalho directo (2)
Trabalho indirecto(3)
Relação (3)/(2)
A- Ponto de partida
100
80
20
0,25
B- Primeiras revoluções
50
25
25
1,00
C- Revoluções em curso
25
17
8
0,50
A produtividade do trabalho social duplica quando se passa de A a B à custa de uma intensificação capitalista das tecnologias adoptadas, enquanto que um progresso da produtividade, idêntico quando se passa de B a C (o dobro desta) vem acompanhado de uma inversão do movimento da intensidade capitalista dos métodos de produção. 3- As relações de produção capitalistas implicam que a entrada na produção esteja reservada aos que possuem capital suficiente para instalar os equipamentos necessários. Assim, o aumento da intensidade capitalista através da qual se manifestaram as sucessivas revoluções industriais nos séculos XIX e XX proporcionou ao capital um domínio crescente sobre os trabalhadores desprovidos de outros meios que não fossem a venda da sua força de trabalho para sobreviverem (incapazes, pois, de produzir por si mesmos – isto é, sem capital – bens competitivos). A inversão do movimento pelo qual se manifesta o progresso científico e tecnológico tende a abolir o poder do capital, abrindo o acesso à produção? Existem pelo menos duas razões para que não o seja em absoluto. A primeira é que as revoluções tecnológicas sucessivas, incluída a que está em curso,
implicaram a crescente centralização do capital. A unidade mais eficaz para a produção de numerosos valores de uso chave (mas certamente não todos os valores de uso) é aquela que centraliza uma maior quantidade de produção destes valores: uma fábrica concebida para produzir dez automóveis ou dez computadores por ano não é competitiva (mas um advogado, um médico ou um pequeno gabinete não são menos eficazes que uma grande empresa que opera nestes sectores da actividade). Por isso, mesmo que baixasse sensivelmente a intensidade capitalista, a entrada na produção continuaria reservada aos que dispõem de um capital sempre considerável para adiantar (para a compra de equipamentos, a antecipação dos salários e a constituição das existências necessárias à de produção e à sua comercialização). A segunda é que a continuação da revolução tecnológica exige investimentos de investigação cada vez mais importantes. Um trabalhador isolado ou um pequeno colectivo de trabalhadores, mesmo que bem qualificados, em geral não estão em condições de levar a cabo estas investigações. Aqui têm vantagem os centros capazes de concentrar capacidades de investigação mobilizando um grande número de investigadores: Estado e grandes empresas. Este elemento constitutivo do mo-
nopólio dos proprietários face à indigência dos outros (os proletários) exige hoje uma proporção do investimento total dos capitais necessária para a entrada na produção muito mais forte do que o era há cinquenta anos. É posto então em marcha o reforço deste monopólio de uma maneira cada vez mais sistemática por parte das legislações protectoras da propriedade intelectual e industrial, destinadas de facto a sobreproteger os oligopólios de produção. 4- A evolução das revoluções tecnológicas articula-se igualmente com a da qualificação do trabalho social exigido para a produção que abrangem. As formas anteriores da produção não exigiam nenhuma qualificação particular à maioria dos trabalhadores – de facto, os operários das linhas de montagem foram desqualificados. As formas novas são, com frequência, muito mais exigentes. Pode dizer-se que o trabalhador mais qualificado desfruta de maior “liberdade” face ao capital que o emprega? Que beneficia ao menos de um poder de negociação melhor estabelecido? Sobre este tema existem muitas ilusões que é necessário dissipar. Em segmentos particulares, conjunturalmente, a força de trabalho qualificada pode marcar pontos e melhorar a sua capacidade negocial. Mas isso não impede os poderes públicos de prosseguirem o objectivo de criar a longo prazo um excedente adequado de oferta de trabalho. É frequente os empregados das empresas modernas ou os trabalhadores independentes encontrarem-se subempregados, continuando a depender na sua esmagadora maioria de quem os emprega. 5- Além disso, o frequente debilitamento da intensidade capitalista nas formas modernas de produção permite a melhoria da taxa de lucro, mantendo iguais as demais condições. Estendido à massa da população, quer esteja estagnada, quer em crescimento lento, o lucro tende a açambarcar uma porção crescente dos rendimentos líquidos. A tendência do sistema para produzir um excedente que a seguir não pode ser absorvido por investimentos dedicados à ampliação e aprofundamento do sistema produtivo (uma tendência forte do capitalismo moderno dos oligopólios, como mostrou Paul Sweezy, cuja análise compartilho) vê-se reforçada pela nova revolução tecnológica. Este desequilíbrio global está na origem da crise estrutural do capitalismo neoliberal contemporâneo, ou seja, da estagnação relativa que o caracteriza. Este excedente pode ser absorvido de diferentes maneiras. Pode ser aplicado em despesas suplementares de esbanjamento social, como a manutenção de polícias privadas associadas à crescente desigualdade na repartição dos rendimentos, como sucede nos Estados Unidos. Mas poderia também sê-lo através de políticas de gastos sociais úteis (educação e saúde), que constituem então formas indirectas de reforço dos rendimentos dos trabalhadores (que permitem, aliás, o relançamento da procura e da produção) ou por meio dos gastos militares (a opção dos EUA).
Acresce ainda que as formas da globalização postas em marcha pelo neoliberalismo dominante permitem reproduzir e tornar mais profundas as assimetrias internacionais graves no acesso de uns e de outros ao excedente em questão. A este respeito escrevi (cf. Samir Amin, Le virus libéral, ed. Le Temps des Cerises, 2003, p. 129 e seguintes) que na actual conjuntura política marcada pela militarização da globalização e pela ofensiva hegemonista de Washington, o sistema funciona a favor dos Estados Unidos, que absorvem uma boa proporção do excedente gerado pelos demais, para o aplicar num reforço dos seus gastos militares. 6- Uma revolução tecnológica transforma sempre as formas concretas de organização do trabalho e, por conseguinte, a estrutura das classes dominadas. Mas a revolução contemporânea não abriu um campo amplo à organização de redes horizontais de trabalhadores capazes, com isso, de se emanciparem, ao menos em parte, das exigências do capital dominante. As situações deste tipo são completamente marginais. Pelo contrário, a evolução dominante dos mercados de trabalho é caracterizada por um fraccionamento reforçado que dá ao capital uma margem de manobra para obter benefícios. A pauperização produzida por esta evolução expressa-se na crescente proporção de trabalhadores não estabilizados (desempregados, precários, informais) como demonstrei noutro lado (cf. Samir Amin Le virus libéral, p. 35 e seguintes, ed. Le temps des Cerises, Paris 2003). 7- Todos estes fenómenos associados à revolução tecnológica contemporânea colocam a questão do futuro do capitalismo e do que implica a lógica dos seus desdobramentos para os trabalhadores e os povos. Pela minha parte, parece-me que esta evolução põe em causa a legitimidade do capitalismo como sistema social civilizado e eficaz. O capitalismo obtinha a sua legitimidade do facto de o crescimento da produção exigir investimentos de capital cada vez mais maciços que somente os capitalistas podiam reunir. Estes assumiam um risco (cuja importância a teoria convencional sempre exagerou), davam empregos a uma mão-de-obra pouco qualificada, aceitando com isso a ideia de que os trabalhadores não eram capazes por si mesmos de assegurar a eficácia da produção. Quando os trabalhadores – organizados em sindicatos de massas, correspondentes à sua concentração em grandes unidades de produção – conseguem impor ao capital uma repartição estabilizada dos rendimentos líquidos (os salários que beneficiam de um crescimento igual ao da produtividade social do trabalho) e a conjuntura internacional favorece este compromisso social (por temor à competição comunista), a legitimidade do sistema sai reforçada. As evoluções contemporâneas anularam amplamente estes fundamentos de legitimidade. Hoje existe uma maioria de trabalhadores qualificada (e com isso mais apta a organizar eficazmente a produção por si mes-
ma), mas simultaneamente está mais debilitada face aos patrões. Os investimentos necessários para iniciar uma produção são menos importantes e estariam ao alcance de um possível colectivo se as instituições do Estado e da economia estivessem concebidas para tornar possível a realização dos projectos que são capazes de formular. Dito de outra maneira, o capitalismo como forma de organização social teve o seu tempo. Outras formas – socialistas – parecem, ao invés, em melhores condições de assegurar tanto a eficácia (e a redução do desperdício) como a justiça social e a equidade internacional. Mas as relações de produção capitalistas e as relações imperialistas sempre dominantes opõem-se aos avanços nas direcções necessárias para uma superação do capitalismo; e opõem-se a isso com una violência redobrada. A minha análise põe a tónica nas contradições do sistema e na sua agudização. Este enfoque não é o que nos propõem os textos dominantes sobre a “revolução tecnológica”. Este ignorou, logo à partida, a lei do valor, substituindo-a pelo conceito superficial de “competitividade nos mercados”. Mas este discurso da economia convencional é perfeitamente tautológico (porque a única produtividade que tem sentido é a do trabalho social) e por definição ignora até os efeitos da dominação do capital oligopolístico. Todos os autores que critiquei inserem-se na denominada corrente pós-modernista (Castells entre outros) e coíbem-se de abordar estas questões de método fundamentais, a ela aderindo sem por em dúvida a economia convencional. O método do pós-modernismo (aqui penso particularmente em Castells e em Negri) pressupõe que a evolução do sistema (entre outros devido à revolução tecnológica em questão) já aboliu classes e nações, ou pelo menos está em vias de o fazer, e já fez do indivíduo o sujeito directo e principal da história. Este retorno à ideologia plana do liberalismo – o discurso permanente do capitalismo sobre si mesmo – constitui precisamente o objecto central das minhas críticas. Expressas em termos de votos piedosos e de formulações “politically correct” (que Castells sempre se preocupou em não superar) estas visões evolucionistas dirigidas pelo economismo e pelo tecnologismo da ideologia dominante pressupõem que o capitalismo “se superará pacificamente por si mesmo”. Eu mantenho-me nas posições do marxismo: se bem que as condições de outro sistema (superior) estejam bem reunidas por esta evolução, as contradições que ela agudiza (e não reduz!) só serão resolvidas pelas lutas através das quais se expressam. Por si próprio o capitalismo – superado objectivamente (e com isso digo senil) – não engendra uma nova sociedade, mas sim a pura barbárie. Desmentem o realismo da minha análise a ofensiva generalizada dos poderes ao serviço do capital dominante e a militarização do imperialismo? Não brotará “outro mundo” da submissão à lógica dos desdobramentos do sistema e sim da luta decidida contra o mesmo. 5
A Índia radiante e a verdadeira ARUNDHATI ROY Recentemente um jovem amigo falava-me da sua vida em Caxemira, do pântano de venalidade política e oportunismo, da insensibilidade brutal das forças de segurança e das incipientes fronteiras de uma sociedade saturada de violência, onde os militares, a polícia, as secretas, os funcionários públicos, os homens de negócios e até os jornalistas se vêem ao fim de algum tempo transformados numa coisa e noutra. Falou do que é viver com matanças sem fim, com cada vez mais “desaparecimentos”, medo, rumores, a alienante separação entre o que as pessoas de Caxemira sabem que se passa e o que nos dizem que se está passando. “Caxemira foi um negócio, agora é um hospício” – diz-me. Quanto mais penso neste comentário, mais ele me parece uma descrição apropriada a toda a Índia. Caxemira e o Nordeste são as alas do manicómio onde se albergam os sectores mais perigosos. Porém, na região central, o cisma entre conhecimento e informação, entre o que sabemos e o que nos dizem, entre o que se sabe e não sabe, o que é escondido e o que é revelado, entre factos e conjecturas, entre o “real” e o virtual, também se tornou um terreno de especulação 6 sem fim e de loucura potencial.
Sempre que há um ataque dito terrorista, o governo faz questão de intervir e atribuir culpas, após pouca ou nenhuma investigação. O incêndio do expresso Sabarmati, em Godhra, a 13 de Dezembro de 2001, o ataque ao parlamento, o massacre dos sikhs pelos chamados terroristas em Chittisinghpura, em Março de 2000, são alguns exemplos (descobriu-se que os chamados terroristas, posteriormente assassinados pelas forças de segurança, eram afinal inocentes camponeses. Mais tarde o governo estatal admitiu que eram falsas as amostras de sangue submetidas a exames de ADN). Em qualquer destes casos, os factos vindos a público colocaram perguntas inquietantes que foram de imediato abafadas. Tomemos o caso de Godhra: na altura o ministro do Interior disse que se tratava de um complô dos Serviços de espionagem do Paquistão. Por sua vez, a organização integrista Conselho Mundial Hindu acusou um grupo muçulmano de lançar bombas de gasolina. As conjecturas são infindáveis. Todos acreditaram no que querem acreditar, e o incidente foi usado para cínica e sistematicamente atiçar o frenesim comunal.
DE CRIMINOSO A TERRORISTA O governo dos EUA usou a mentira e a desinformação sobre o 11 de Setembro para invadir não um país, mas dois. E só deus sabe o que ainda nos espera. O governo da Índia usa a mesma estratégia. Não contra outros países, mas contra o seu povo. Na última década, o número de pessoas assassinadas pelas forças de segurança são milhares. Em Caxemira, umas 80 mil foram assassinadas desde 1989. Milhares simplesmente “desapareceram”. Segundo os registos da Associação de Pais de Pessoas Desaparecidas, mais de 3 mil foram assassinadas em 2003, das quais 463 eram soldados. Neste tempo de hipernacionalismo, se os assassinados são etiquetados de bandidos terroristas, insurgentes ou extremistas, os seus assassinos podem pavonear-se como cruzados dos interesses nacionais sem ter de prestar contas a ninguém. Mesmo que fosse verdade (e asseguro que não é) que todos os assassinados eram terroristas, insurgentes ou extremistas, isso apenas nos diria que algo de terrivelmente mau tem de existir numa sociedade para empurrar tanta gente para actos desesperados.
Esta actuação do Estado indiano consagrou-se com a Lei de Prevenção do Terrorismo (POTA), promulgada em 10 estados. Uma leitura sumária mostra que esta é uma lei draconiana e ubíqua. É uma lei versátil que pode aplicar-se a quem se queira – do agente da Al Qaeda apanhado com explosivos ao adivasi tocando lauta sob uma árvore, a ti ou a mim. O genial da POTA é que ela pode ser o que o governo quiser que seja. Vivemos sob a indulgência dos que nos governam. Em Tamil Nadu, a POTA foi usada para afogar a crítica ao governo. No leste, no Uttar Pradesh, está a ser usada para travar os que se atrevem a protestar contra o roubo das suas terras e pelo direito a um sustento. Em Gujarat e Mumbai é usada quase exclusivamente contra os muçulmanos. Aí, no pogrom feito com a ajuda do Estado, em 2002, calcula-se que terão sido assassinados 2 mil muçulmanos, expulsos 150 mil e acusadas 278 pessoas ao abrigo da POTA (destas, 286 eram muçulmanos e um era sikh!). A POTA estabelece que as confissões arrancadas aos detidos pela polícia sejam consideradas provas em tribunal. Em Março de 2004 fui membro de um tribunal do povo sobre a POTA. Durante dois dias escutámos estarrecedores testemunhos sobre o que acontece na nossa maravilhosa democracia. Asseguro-lhes que nas nossas esquadras de polícia acontece tudo: pessoas obrigadas o beber a sua urina, a ficar nuas, humilhações, choques eléctricos, queimaduras com pontas de cigarro, introdução de barras de ferro no ânus, espancamentos até à morte. Centenas de pessoas acusadas ao abrigo da POTA, incluindo crianças, são encarceradas e mantidas em prisão sem direito a fiança e julgadas nos tribunais especiais da POTA, à porta fechada. A maioria é pobre e pertence às castas inferiores dalit e adivasi, ou muçulmanos, e por norma são acusados de um ou dois crimes. Seria ingénuo pensar que a POTA está a ser “mal aplicada”. Pelo contrário. Ela está a ser usada pelas razões que levaram à sua promulgação. Se as recomendações da Comissão Malimath, que advoga a eliminação de certos aspectos da lei criminal, forem postas em prática, a POTA tornar-se-á redundante. Se isso acontecer acabam-se os criminosos, passando a haver só terroristas. Genial.
EDIÇÕES DINOSSAURO Lutas Velhas - Futuro Novo - Paula Godinho, Miguel Cardina, Luís Farinha, João Marques Lopes, Inês Fonseca, António Barata | 136 Pág. | 14 Euros História de uma vida - Francisco Martins Rodrigues | 362 Págs. – 13,65 Euros Anti-Dimitrov - 1935/1985: meio século de derrotas da revolução - Francisco Martins Rodrigues | 328 Págs. – 21 Euros
Os anos do silêncio - Francisco Martins Rodrigues | 120 Págs. – 11 Euros Abril traído - Francisco Martins Rodrigues | 120 Págs. – 8,40 Euros Cuba: a transição - Janette Habel, James Petras, Robin Eastman-Abaya, Narciso Isa Conde, Guillermo Almeyra, Heinz Dieterich | 128 Pág. | 8 Euros Crónicas iraquianas - De que lado vem a barbárie? - Manuel Raposo | 120 Págs. – 9 Euros
Europa sem máscara - Henri Houben, George Polikeit, Arno Nauber, Ralf Jespers, Jo Cottenier, Herwig Lerouge, Nadine Rosa-Rosso | 200 Págs. – 8,40 Euros
O gulag americano - Susie Day, Angela Davis, Eve Goldberg, Linda Evans, Monthly Review | 104 Págs. – 6,30 Euros
Ruanda - um genocídio na consciência - Michel Sitbon | 184 Páginas – 5,50 Euros A teia - Harold Pinter | 56 Págs. – 8,40 Euros De Cabul a Bagdad - a guerra infinita - António Louçã, Pedro Caldeira Rodrigues, Rui Zink, Carlos Morais, Francisco Martins Rodrigues, Tarik Al-Khudairy | 72 Págs. – 9,45 Euros
Direito de agressão – a agonia do império USA - Michel Chossudovsky, Phyllis Bennis, Arundhati Roy, Noam Chomsky, Geoffrey Geuens, Naomi Klein, Michael Ruppert, Ramsey Clark | 160 Págs. – 12 Euros A crise crónica ou o estado senil do capitalismo - Tom Thomas | 160 Pág. | 12 Euros Livro Negro do racismo em Portugal - Elsa Sertório - 196 Págs. – 10,50 Euros Mundo em declínio - Claude Bitot | 68 Págs. – 6,30 Euros O espírito humano no socialismo - Óscar Wilde | 64 Págs. – 7 Euros Marx e a liberdade - Terry Eagleton | 80 Págs. – 6,30 Euros O Estado e o Capital - o exemplo francês - Tom Thomas | 172 Págs. – 14 Euros Desafios da mundialização - Samir Amin | 306 Págs – 14,96 Euros O Eurocentrismo - crítica de uma ideologia - Samir Amin | 256 Págs. – 14,70 Euros A hegemonia do capital financeiro e a sua crítica - Tom Thomas | 184 Págs. – 9,45 Euros
História da Comuna de 1871 - Prosper-Olivier Lissagaray | 358 Págs. – 14,70 Euros A conspiração dos Iguais - Ilya Ehrenburg | 190 Págs. – 12 Euros O império a preto e branco - Ana Barradas | 80 Págs. – 9,45 Euros Aivados - posse da terra, resistência e memória no Alentejo - Inês Fonseca | 224 Págs. | 15 Euros
Marx no seu tempo | 176 Págs. – 11,55 Euros A última revolta em Timor - Jaime do Inso | 176 Págs. – 12 Euros Resistência - Pedro Goulart | 144 Págs. – 9,45 Euros Pais de Abril, filhos de Novembro - memória do 25 de Abril - Tiago Matos Silva | 180 Págs. – 10,50 Euros LITERÁRIOS
SENTIMO-NOS BEM
O segredo de Conceição - Cândido Gonçalez Ferreira | 200 Pág. - 16,05 Euros As aventuras de uma pretinha à procura de Deus - Bernard Shaw | 120 Pág. -
Actualmente, em Jammu, Caxemira e muitos estados do nordeste da Índia, a Lei de Poderes Especiais das Forças Armadas permite que os oficiais do exército usem a força (e matem) contra qualquer pessoa suspeita de alterar a ordem pública ou ter uma arma. Ninguém na Índia pode ter ilusões sobre onde isto nos leva. A documentação sobre casos de tortura, desaparecimentos, mortes na prisão, e violação em resultado de tumultos (realizada pelas forças de segurança) faz ferver o sangue. Mas o facto é que, apesar
12 Euros
Brecht – Poesia, Textos, Teatro - Bertolt Brecht | 128 Págs. – 8,40 Euros Contos de Odessa - Isaak Babel | 128 Págs. – 10,50 Euros Contos - Guy de Maupassant | 120 Págs. – 10,50 Euros Coração forte - Licínio Azevedo | 176 Págs. – 9,45 Euros Notícias da raiva | 180 Págs. – 18 Euros
Pedidos a Política Operária / Edições Dinossauro Apartado 1682 - 1016-001 LISBOA
7
de tudo isto, a Índia tem a reputação entre a comunidade internacional de ser uma democracia legítima e entre a sua própria classe média é considerada um triunfo. Este estado de coisas não é alheio ao facto da recusa do Estado em investigar e julgar casos sobre os quais existem bastantes provas, como o massacre de 3 mil sikhs em Delhi, em 1984; o de muçulmanos em Bombaim, em 1993, e em Gujarat, em 2002; o assassinato de Chandrashekhar Prasad, ex-presidente do sindicato estudantil da Universidade Jawaharlal Nehru; o assassinato há 12 anos de Shankar Guha Nyogi. Estes são só alguns exemplos. A montanha de testemunhos e de provas incriminatórias são insuficientes quando o aparelho de Estado está contra ti. Entretanto, os economistas enchem os jornais a informar-nos sobre o crescimento do PIB, fenomenal e sem precedentes. As lojas transbordam com bens de consumo. Os armazéns estatais transbordam com cereais. Longe deste círculo de luz, os agricultores, carregados de dívidas, suicidam-se às centenas. De todo o país chegam informes sobre a fome e a subnutrição. Utsa Patnaik, conhecido economista agrícola, calcula que do início dos anos 90 a 2001 o consumo de cereais tenha caído para níveis mais baixos que os da Segunda Guerra Mundial, inclusive abaixo dos registados na grande fome de Bengala, em que morreram 3 milhões de pessoas. Na índia urbana, por todo o lado há lojas, restaurantes, estações de comboio, aeroportos, ginásios, hospitais, monitores de televisão anunciando promessas eleitorais. Uma Índia Radiante, Sentimo-nos Bem. Só precisas de tapar os ouvidos ao nauseabundo ruído das botas de um polícia nas costas de alguém, só precisas de desviar os olhos da miséria, dos bairros pobres, das quebrantadas pessoas na rua e encontrar o ecrã amigo de um televisor. E estarás naquele outro belo mundo. O mundo da dança, do canto e dos permanentes movimentos pélvicos de Bollywood, dos permanentemente privilegiados, dos indianos permanentemente felizes que ondeiam a
bandeira tricolor e Se Sentem sempre Bem. Cada vez se torna mais difícil distinguir entre o mundo real e o virtual. Leis como a POTA são como botões de televisão. Podes usá-los para apagar os mais pobres, os molestados e os malqueridos. É O FASCISMO? Na Índia temos de lidar com as perigosas contracorrentes do capitalismo neoliberal e o neofascismo comunal. Se a palavra capitalismo ainda não perdeu por completo o seu brilho, o uso da fascista é frequentemente considerada uma ofensa. Pelo que nos interrogamos: usamos esta palavra de forma ligeira? Exageramos ao qualificar o que suportamos diariamente de fascismo? Quando um governo mais ou menos abertamente apoia um pogrom em que são brutalmente assassinadas 2 mil pessoas, isso não é fascismo? Quando as mulheres dessa comunidade minoritária são violadas em público e queimadas vivas, não se trata de fascismo? Quando as autoridades se entendem para que ninguém seja castigado por esses crimes, não se trata de fascismo? Quando 150 mil pessoas são expulsas de suas casas e fechadas num gueto, económica e socialmente boicotadas, não é isso fascismo? Quando pintores, escritores, especialistas e cineastas que protestam são abusados e ameaçados, quando queimam, proíbem e destroem as suas obras, não se trata de fascismo? Quando um governo promulga um decreto impondo a alteração arbitrária do conteúdo dos manuais escolares de história, isso não é fascismo? Quando o partido no poder e a sua quadrilha de intelectuais de sempre consentem o assassinato, a violação, o fogo posto e a “justiça” das massas como uma resposta apropriada a um acontecimento histórico trágico, verdadeiro ou não, ocorrido há séculos, não se trata de fascismo? Quando o primeiro-ministro que preside a tudo isto é aclamado como um homem de Estado e um visionário, não estamos a erguer os alicerces de um fascismo pleno? Abril 2011
RELENDO... ROSA A massa deve aprender a lutar e a agir na própria luta. Hoje sente-se que os trabalhadores de Berlim, em grande número, têm aprendido a agir. Eles não são os mesmos do dia 9 de Novembro; eles sabem o que querem e o que devem fazer. Entretanto, os seus líderes, os órgãos executivos das suas vontades, estão bem informados? Os presidentes e delegados revolucionários têm a energia e a determinação dos elementos radicais do USPD produzidos neste meio tempo? A sua capacidade de acção acompanhou a crescente energia das massas? Tememos não poder responder a estas questões com um sim categórico. Que os líderes ainda sejam os mesmos de 9 de Novembro, que pouco tenham aprendido. Vinte e quatro horas se passaram desde que o governo de Ebert atacou Eichhorn. As massas seguiram entusiasmadas o apelo de seus líderes; espontaneamente e pelos seus meios obrigaram à recondução de Eichhorn. Por sua iniciativa ocuparam o Vorwärts e prenderam os editores burgueses da Agência Telegráfica de Wolff e, na medida do possível, armaram-se. E enquanto isso, que fizeram os seus líderes? O decidiram? Que medidas tomaram para garantir a vitória da revolução nesta situação tensa em que se decide o destino da revolução? Nós não vimos ou ouvido nada! Talvez os representantes dos trabalhadores estejam a deliberar profunda e produtivamente. Agora, no entanto, é tempo de agir. Ebert, Scheidemann, e outros, com certeza não estão perdendo o seu tempo com conferências. Certamente não estão dormindo. Mas preparando silenciosamente as suas intrigas com a energia e a cautela habituais dos contra-revolucionários; eles estão afiando as suas espadas para apanhar a revolução desprevenida e assassiná-la. Outros cobardes já estão activamente trabalhando na pavimentação do caminho das “negociações”, fazendo acordos e lançando pontes através do abismo que se abriu entre as massas de trabalhadores e soldados e o governo de Ebert, induzindo a revolução a fazer um “acordo” com seus inimigos mortais. Agora não há tempo a perder. Medidas abrangentes devem ser realizadas imediatamente. Instruções claras e rápidas devem ser dadas às massas, aos soldados fiéis à revolução. A sua energia e combatividade devem ser direccionadas para objectivos certos. Os elementos indecisos entre as tropas podem ser ganhos para a sagrada causa do povo com acções decididas e claras tomadas pelos grupos revolucionários. Ajam! Ajam! Corajosamente, decididamente, consistentemente — este é o “maldito” dever e obrigação dos dirigentes revolucionários e dos autênticos líderes do partido socialista. Desarmem a contra-revolução, armem as massas, ocupem todas as posições de poder. Ajam rápido! A revolução obriga. Agora as horas valem meses, os dias anos da história mundial. Deixem os órgãos da revolução conscientes de suas principais obrigações!
8
Rosa Luxemburgo, O que os liders estão fazendo?, 7 de Janeiro de 1919)