Política Operária nº31

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Fundador: Francisco Martins Rodrigues

Direitos humanos? Como já tinha acontecido na Bósnia, Kosovo, Afeganistão e Iraque, os EUA e as potências europeias voltam a levar a guerra e a destruição a mais uma nação: a Líbia. Fizeram-no evocando os direitos humanos, com os votos piedosos do costume por um mundo melhor. Graças à paciente pedagogia democrática das bombas da NATO e a bênção da ONU, os povos líbios foram persuadidos a libertar-se do “sanguinário Kadhafi”. Até que em finais de Agosto começaram a soar apressadas trompetas a rejubilar com a libertação da Líbia e a fazer vista grossa à tortura de prisioneiros e às execuções sumárias realizadas pelos “libertadores”, à perseguição e prisão sistemática dos trabalhadores estrangeiros só por serem negros, e à intervenção de tropas de elite ocidentais, como as SAS britânicas. Entretanto, a fome, a guerra e os regimes de terror campeiam na maior parte do mundo, os ditadores amigos intocáveis prosseguem a matança, com a ajuda da Arábia Saudita no Barhain e no Iémene; os palestinianos continuam o seu martírio. É o preço que os povos do chamado Terceiro Mundo têm de pagar para que os países desenvolvidos do Norte prossigam a sua espiral de concentração de riqueza e controlo dos recursos naturais e fontes energéticas. A retórica “humanista” dos donos do mundo encobre mal a sua prática de gangsters — arrogância securitária, papão terrorista, compromissos rasgados, pretextos inventados — e tudo serve para que prossiga a exploração desenfreada dos povos. Os mesmos que intervêm na Líbia, no Afeganistão e no Iraque declaram-se impotentes face à repressão na Síria, Israel, Barhain, Iémene, Arábia Saudita e à fome no Corno de África. Porque o que conta são os “arranjos” e as conveniências para a partilha do mundo entre os centros imperialistas e financeiros. Esta situação, somada à domesticação das revoluções no Egipto e na Tunísia, resulta em civilizadas e ordeiras mobilizações no primeiro mundo (inspiradas nas revoltas árabes e norte-africanas mas sem vontade e determinação para derrubar seja o que for) que encheram as praças das grandes cidades com centenas de milhares de pessoas. Impõe–se proclamar o direito humano ao comunismo e à liquidação do capitalismo.

SETEMBRO / OUTUBRO 2011 Nº 131

3,00

INDIGNAÇÃO O QUE FAZ FALTA

Sob fogo

A estreia de Nuno Crato à frente do Ministério da Educação criou expectativas no professorado, aturdido e exausto por seis anos de ofensiva socrática ininterrupta, potenciada por dois “acordos sindicais” que paralisaram a contestação e lançaram o desânimo. Pág.7

Contra o capital financeiro

SUPLEMENTO PO História da União Soviética de Peter Kenez

Os milhares de pessoas que ANTÓNIO BARATA durante dias ocuparam o cenUma nova tro financeiro de Wall Street são um movimento suficienteeconomia? mente consistente para assuANA BARRADAS mir um significado social e Carlos Rates e A político, como indica o facto de Michael Moore, Noam Rússia dos Sovietes Chomsky, a actriz Susan SaÂNGELO NOVO randon, o humorista Stephen Colbert, o filósofo Cornel West Marx esquecido? e outras figuras públicas o JOAQUIM BRANQUINHO PEQUENO terem apoiado. Pág. 9


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}ELEIÇÕES - CEE JÁ GANHOU – Os discursos desenvolvi-

mentistas do PSD ocultam o brutal ricochete que a integração europeia provocará a partir de 93. Os subsídios da CEE são na maioria dos casos um suborno à burguesia para fechar fábricas e pôr dezenas de milhar de operários na rua. A função atribuída a Portugal pela Comunidade continua a ser a de reserva de mão-de-obra barata. Direitos sociais ainda conservados pelos trabalhadores vão ser atacados em nome da “racionalidade” e da necessidade de conter a inflacção.

} AS TRÊS “SENSIBLIDADES” DO PCP – Mais uma revoada de dissidentes (na verdade, bem menor do que esperava a opinião burguesa) levantou voo depois dos acontecimentos de Moscovo, piando com indignação tardia contra a falta de espírito democrático do PCP. Estas crises de consciência dos intelectuais e quadros que há uns anos a esta parte têm abandonado o partido podem ser muito sinceras mas politicamente não valem nada. Enquanto durou a tendência de radicalização do movimento (nas décadas de 60 e 70), o PCP atraía-os porque lhes oferecia a possibilidade de praticar um progressismo não “extremista”, um “comunismo” que não obrigava a cortar com a sua ideologia democrática burguesa com argumentos “marxistas”… Mas quando a onda começou a esvaziar-se, veio o tempo de reflexão e estes intelectuais descobriram que não podiam contemporizar mais com o “stalinismo”; tornou-se-lhes claro que a realização gradual duma maior justiça social só podia vir com a social-democracia… O corte com o “stalinsmo” em nome dos valores da democracia burguesa sempre foi um corte pela direita; hoje, feito no momento em que se desvanece o poderio da “grande pátria do socialismo”, é de uma hipocrisia transparente… trata-se da passagem em tumulto do barco que se afunda, donde já não há nada a esperar, para o barco vizinho da social-democracia.

APRENDER, SEMPRE Escrevo para agradecer as palavras de solidariedade e companheirismo que tanta força, ânimo e alento transmitem, nesta contingência revolucionária entre muros, aos muitos combatentes do proletariado que militam por um mundo novo, condenados por lutarem contra este sistema capitalista que nos teme, e por isso nos prende por caminharmos na direcção certa… Agradecemos os livros, que tanto eu como o meu bem-querido camarada Telmo não deixaremos de ler. Não devemos subestimar o inimigo e os seus métodos para contaminar e confundir as nossas consciências revolucionárias. Devemos ter sempre presente a necessidade de nos formar e organizar continuamente, nas fábricas e na vida, construindo o homem e a mulher novos. Desinfectarmo-nos dos valores que sustentam este sistema apocalíptico e predador que nos subjuga, para que possamos construir uma sociedade onde cada um de nós, com saber, honradez, humildade e lealdade, realize a revolução que sonhamos e a que seremos conduzidos pela dialéctica das coisas, mais cedo do que pensamos. Estamos conscientes da necessidade de aprender com os erros do passado para que sejamos vitoriosos na tomada do poder, evitando o reformismo e a socialdemocracia, construindo uma sociedade socialista com uma base social, económica e ambiental sólida, para que o comunismo, um dia, passe do sonho à realidade. Agradecemos as vossas palavras, jornais e livros, a oportunidade de nos continuarmos a formar, que é a melhor forma de enfrentar esta etapa repressiva a que o sistema me submete mas que contribue para interiormente ganharmos uma qualidade humana a que os seus mercenários fardados jamais poderão aspirar. Não há muros nem espinhos que quebrem a nossa consciência de classe. Miguel - preso político na Penitenciária de Lama, Galiza

O COMBATE À CRISE

}“REVOLUÇÃO POLÍTICA” ATROPELA TROTSKISMO – A tese trotskista dos “Estados operários burocraticamente degenerados ou deformados”, suspensos não se sabe como entre o capitalismo e o socialismo, tinha de conduzir a uma incapacidade total para entender a luta de classes e o sentido da evolução económica na União Soviética. Bramando contra a “casta burocrática parasitária que usurpou o poder”, o trotskismo ignorou sempre o quadro essencial da questão – a restauração das relações capitalistas na URSS desde o tempo de Estaline. Restauração que veio avançando através de conjunturas mais “liberais” ou mais “conservadoras”, nas quais os trotskistas queriam ver grandes batalhas entre a “esquerda” e os “burocratas estalinistas”. Não admira que a IV Internacional acabe nesta inépcia de confundir a transição do capitalismo estatal ao capitalismo adulto como uma evolução, de atribuir méritos de esquerda a políticos de direita, de dourar com as cores heróicas de um levantamento proletário aquilo que não passa de uma agitação democrática pequeno-burguesa, a cavalo dos trabalhadores.

dinopress@sapo.pt Colaboraram neste número: Ana Barradas, António Barata, Ângelo Novo, Carlos Morais, Joaquim Branquinho Pequeno, Paulo Jorge Ambrósio, Vítor Colaço Santos Propriedade: Cooperativa Política Operária Correspondência: Apartado 1682 - 1016-001 LISBOA | TM: 960 135 270 Periodicidade: Bimestral | Tiragem: 1100 exemplares Publicação inscrita na DGCS com o número 110858

ASSINATURAS 5 números

10 números

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Continente e Ilhas Europa Resto do Mundo

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Que mais nos espera? A 5 de Junho — eleições legislativas — obrigaramnos a escolher entre a forca e a guilhotina. A gradual implementação de medidas mais severas e dramáticas do que as exigidas pela troika encontram os portugueses desprotegidos e debilitados. Com medos. No Portugal actual, a crise da crise gerou nos principais detentores da riqueza ainda mais riqueza... No lado oposto, os pobres e a miséria extrema aumentam; os desempregados reais crescem; os subsídios para estes são cortados ou diminuídos; os salários descem; a fome espreita; os números de sem-abrigo disparam; a corrupção é sempre impune; a falta de equidade é regra. No nosso país o FMI, a UE, e o BCE impuseram-nos normas de comportamento que garantirão que os banqueiros serão pagos e bem cobertos pelo Estado, mas não garantirão nada ao povo — nem esperança, progresso e bem-estar. Nem um pavio aceso no fundo do túnel. Nem túnel. Não dizem, mas garantem o fundo... Os bancos acumulam ganhos incríveis e obscenos, cobrando por tudo e por nada,enquanto o país se arruína, mas pedem esmola ao Estado, arrancando impostos ao povo como um Robin dos Bosques ao contrário. Já se ouve as pessoas protestarem nas ruas e nos fóruns das rádios e televisões. As manifestações azedas, de repúdio ou de arrependimento (nos votantes), constituem relevantes grupos de contestação. Na nossa jovem democracia, nunca um governo passou tão rapidamente do estado de graça ao estado de desgraça. Passos Coelho declarou que não continuava com aumentos escandalosos. Aumentou. Que não ia à carteira dos mais desprovidos. Foi. Que não aumentava os impostos. Mas cortou os subsídios de férias e Natal e aumentou significativamente o imposto de valor acrescentado. Comprometeu-se a não se referir às políticas do anterior governo. Quebrou o compromisso. Prometeu à honra e à escrupulosa pureza de novos princípios que não iriam repetir-se os “empregos” para os “rapazes” (jobs for the boys). Desmente-o o aumento de mais quatro administradores na Caixa Geral de Depósitos (simpatizantes, apoiantes ou militantes do PSD/CDS). Que mais nos espera?

À cautela O fim das férias ficou marcado por um daqueles episódios farfalhudos com que a “classe política” vai iludindo o pagode, pondo-nos a discutir coisa nenhuma. No entanto ele não deixa de ser revelador dos tiques da nossa burguesia. Primeiro foi a vaga dos fazedores de opinião e “especialistas” encartados que inundaram os meios de comunicação para nos explicar que é impossível taxar os ricos e as grandes fortunas, com alguns a fazer votos para que Passos Coelho não cedesse à tentação demagógica de “os ricos que paguem a crise”. Não cedeu, mas anunciou que não havia como evitar novo agravamento “excepcional e temporário” dos impostos. Para todos, e não só para os ricos (que “simbolicamente” terão de pagar um pouquinho mais, uma insignificância) e menos ainda o grande capital. De imediato se ergueram vozes contra o “intolerável” agravamento de impostos, com a picante particularidade de estas vozes terem origem na coligação que apoia o programa de governo da troika – PSD, CDS e PS. Manuela Ferreira, Lobo Xavier, Marques Mendes e Mário Soares (até um deputado do CDS lembrou na Assembleia que o seu partido é contra o aumento de impostos) vieram lamentar a asfixia da classe média e a ausência de incentivos ao investimento, e alguns lançaram alertas, não vá o povo deixar de ser sereno e começar a virar tudo de pantanas. Poderiam estas vozes dissonantes indiciar que estamos perante um princípio de crise na coligação que assegura a aplicação das receitas de austeridade impostas pelo FMI e o eixo franco-alemão ao nosso país? Se ilusões havia, por mais ténues, sobre isso, o tempo se encarregou de as desfazer. A estes críticos de última hora das medidas anunciadas pelo ministro da Economia de “agravar”, ainda que simbolicamente, os impostos sobre os ricos, o que verdadeiramente os incomoda não é a taxa, que todos confessam ser insignificante e sem peso orça-

mental – abrangendo cerca de 30 mil ricos, que agora terão de desembolsar até ao fim do ano pouco mais de mil euros – só permite arrecadar ao Estado uns míseros 100 milhões. Aquilo que os incomoda é o princípio. Que o fisco e a carestia de vida esmaguem os pobres e lancem na miséria largas camadas de trabalhadores e da pequena burguesia nunca lhes mereceu mais que circunstanciais apelos à caridade. Tal como nunca os incomodou o facto de, em Portugal, o fosso entre ricos e pobres ser o maior da União Europeia e continuar a alargar-se. Pelo contrário, todos os seus pronunciamentos são de que “o programa da troika é para cumprir” e de concordância com ele. Quanto muito, mostram alguma preocupação com os efeitos recessivos, por via da redução da procura interna e do desinvestimento. Lamentam o esmagamento da “classe média”, mas compreendem a inevitabilidade. Agora intolerável mesmo é a “perseguição” aos ricos, nem que seja para aliviar a canga das classes médias. Das outras que lhe estão abaixo, dos trabalhadores pobres com e sem trabalho, dos que sobrevivem com uma refeição diária e muitas vezes menos que o salário mínimo ou pensões de indigência, essas há muito que deixaram de ser tidas em conta. De facto, aquilo que os fez levantar a voz não é a pesada canga imposta aos trabalhadores, mas que os ricos e as suas fortunas, o grande capital, as transacções e os ganhos obtidos na especulação financeira possam ser questionados em termos de justiça fiscal, que possa ser alterado o regime tributário existente em Portugal, o mais generoso da União Europeia relativamente aos ricos, aos grandes negócios, aos ganhos em bolsa e demais actividades especulativas. Não é que isso esteja em vias de acontecer. Mas seja por mero cálculo eleitoral – apertando agora para poder aliviar daqui por três anos, quando vierem as eleições – ou porque Passos Coelho está à frente de um “governo” de gente nova recrutada fora dos partidos e fazem questão de mostrar que não são paus-mandados da troika, vão acautelando. Por isso, nada melhor que uns ralhetes pedagógicos para o governo não se deixar enredar em discussões demagógicas que o condicionem e empurrem para medidas populistas e o tente a fazer os ricos pagar a crise. Para eles esta é certamente uma discussão inconveniente e desnecessária que não contribui para a paz social. ANTÓNO BARATA


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O mês em relance SACRIFÍCIOS – “Há limites para os sacrifícios”, disse o presidente da República há dias. A “contribuição especial” em sede de IRS prejudicará cerca de 4 milhões de portugueses, entre os quais 730 mil pensionistas. São mais de 800 milhões de euros. “Um roubo”, disse Carvalho da Silva ao JN, que o governo irá arrecadar para compensar os 1.600 milhões que o Estado deixará de cobrar com a redução de 4% da taxa social única das empresas. O capital e os empresários – mais uma vez – não vão pagar este imposto. Esta “contribuição especial” é injusta porque premeia e estimula a evasão. Paga o trabalhador, o pensionista, o recibo verde... não paga o empresário gatuno que declara o ordenado mínimo nacional. Fugir compensa. O direito ao trabalho transformou-se na obrigação de pagar impostos. Sempre mais, mais. Estas medidas brutais para os trabalhadores e altamente recessivas para o pequeno comércio não foram referendadas pelo PSD/CDS, durante a campanha eleitoral. Mais, Passos Coelho afirmou que não iria mexer nos impostos. Como primeira apresentação no parlamento sobre o programa do governo, tomar medidas ao contrário daquelas que prometeu é um péssimo sinal. Além de cortar os subsídios de férias e Natal e aumentar o horário de trabalho, altera o IVA pelo aumento significativo das taxas mais baixas para taxas mais altas. Vivemos num “país” do Sul e pagamos impostos nórdicos. A tolerância social está a esticar... PS E ANTÓNIO JOSÉ SEGURO – António [Guterres] José [Sócrates] Seguro, novo líder do PS protagonizou a cena mais ridícula: no intervalo de uma viagem de elevador disse que sim, disse que não, disse que talvez. É um “jota”, uma clonagem de Passos Coelho, tão profundamente “socialista” quanto o pode ser. Subiram pelas escadas das juventudes partidárias, nada fizeram de relevante na vida. A escolha de Seguro significa a rendição do PS ao governo de direita. Não é por acaso que foi preferido por esta mesma direita e pelos meios de comunicação. O PS hoje, na oposição com um discurso “de esquerda”, já não consegue enganar nem os incautos. Com o decorrer dos anos e a degenerescência fétida do PS, Soares sugere que o partido seja “refundado”. Não há emenda nesta associação de interes-

ses... Quais as definições político-ideológicas que professam para o PS? O partido vai ser demoliberal, social-democrata ou socialista? E que ideia possuem de socialismo? Vão continuar a querer ser abstrusamente (e astutamente) de “Esquerda Moderna” ou “Novo Socialismo”? Seguro não possui o estofo e o estilo de um estadista, ou a força de um político capaz de resolver o estado de abastardamento em que se encontra o PS.

CAPITALISMO ULTRALIBERAL – O ultraliberalismo está a destruir o pouco que resta das sociedades solidárias na Europa e no mundo, pela imposição brutal do poder económico sobre o poder político. Até onde isto vai parar? Quais as causas desta desgraça desgraçada? Uma política anticivilização e anti-humana construiu este sistema alicerçado no egoísmo, no individualismo exacerbado e na agravada ganância. Não é preciso ser-se comunista para dar razão a Marx: “O capitalismo chegará a um estádio tão horroroso que será necessário criar outra concepção de vida e de destino. Poderá destruir-se a si próprio”. A relação ambiciosa e desmedida com o poder e com o lucro atira as pessoas para o lixo. O dramático momento actual é de tal gravidade e chegou a tal ponto, que Bento XVI – que não é propriamente um progressista – repreendeu com extrema dureza “os excessos demoníacos do capitalismo selvagem” [sic]. Quem e que instituições nos fizeram devedores de milhares de milhões de euros? Quem são os políticos responsáveis? Os média por vezes dão-nos os nomes... e a justiça, o que dá? O problema central do nosso tempo reside na política de joelhos, diante dos deuses do dinheiro. Hannah Arent classificou: “ A banalidade do mal”. Em Portugal, Passos Coelho é mais “troikista” do que a troika (UE, BCE e FMI), cortando mais, querendo privatizar mais (agora as melhores empresas quotadas como “lixo”), gastar menos na saúde e educação e reduzir os apoios sociais ao mínimo.

OS BONS PADRINHOS

E AS

BOAS GORDURAS

– 5.821 euros é o salário da chefe de gabinete do ministro da Economia, e o mais elevado. “A qualidade tem de ser paga”, justificou o ministro. Já o chefe de gabinete do primeiro-ministro teve de se contentar com o magro salário de 4.592 euros, e os restantes chefes de gabinete dos ministérios com 3.892 euros. 474,12 euros é quanto ganha um “colaborador-especialista” nomeado pelo secretário de Estado da Cultura, não se sabendo em que é especialista, nem quais as suas funções. Onze foram os motoristas nomeados só para o gabinete de Passos Coelho, o que dá uma ideia da pujança da frota automóvel do governo, que ao todo nomeou 130 motoristas e secretárias.

Azares – João Machado, director regional da Madeira para os Assuntos Fiscais, e vários dirigentes do clube de futebol Nacional da Madeira (que tem tido no governo de Alberto João Jardim um generoso e empenhado contribuinte) estão a contas com a justiça. O Ministério Público acusa-os de terem usado uma offshore para fugir ao fisco: fraude fiscal qualificada, fraude contra a segurança social e branqueamento de capitais são as acusações. CANSADA – Assunção Esteves, ex-membro do Tribunal Constitucional e deputada do PSD agora eleita para presidir à Assembleia da República, está cansada, reformou-se com 42 anos após 10 anos de trabalho. Agora guarda a reforma para mais tarde acumular com a de presidente da Assembleia. Coitada, como poderia viver com 2.445 euros?

A taxa extra no 13º mês não vai taxar rendimento de capital, ou seja: juros de aplicações financeiras, dividendos e até as mais-valias. Um desvio colossal de verba, que não entra na “repartição equitativa dos sacrifícios”. VÍTOR COLAÇO SANTOS


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Da farsa à tragédia No início de Agosto o governo anunciou, com o ar de quem está a fazer obra, e para troika ver, que o caso BPN chegava ao fim, livrando as finanças públicas de um dos seus mais pesados encargos. Por 40 milhões de euros – preço de amigo – havia “despachado” o banco para o BIC, propriedade da influente empresária angolana filha de José Eduardo dos Santos e do mais rico trabalhador português, pagador de impostos, comendador e patriota Américo Amorim (patriotismo que não o impede de sediar as suas empresas na Holanda, para fugir ao fisco português) e onde pontificam os “homens do presidente” Cavaco, capitaneados por Mira Amaral. Assim, um banco criado pela “iniciativa privada” cavaquista regressou à “iniciativa privada” do PSD cavaquista depois de uma escorregadela em que os indefectíveis das virtudes do mercado sem Estado meteram na gaveta as suas convicções liberais e apelaram aos milhões do erário público. “Escorregadela” que se veio a revelar também um caso de polícia e que custou ao Estado (ainda está por se apurar) entre 2,4 mil milhões e 5 mil milhões de euros. DEPOIS DA FARSA, A TRAGÉDIA Vista mais de perto, esta operação de salvação das finanças e da dívida pública assemelha-se a vigarice: por 40 milhões o BIC ficou com os balcões, o património móvel e imóvel que dá lucro e o direito de seleccionar a metade dos trabalhadores que lhe interessa. A Segurança Social com o encargo de indemnizar os 830 trabalhadores despedidos e o Estado com a obrigação de dar ao BIC 450 milhões para o ajudar a criar a sua rede de retalho, mais os prejuízos que vierem a dar as partes não rentáveis do BPN que não foram “compradas” pelo BIC. Assim o Estado assume, além do prejuízo dos 2,4 mil milhões enterrados no BPN para o “salvar” – na verdade para garantir as “poupanças” milionárias investidas pela “livre ini-

ciativa” cavaquista – mais 3,9 mil milhões correspondentes aos “maus activos”. Entretanto a justiça, como manda a tradição nos casos que envolvem gente rica, poderosa e acima de toda a suspeita, faz que anda mas não anda, até que venha a famosa prescrição. Assim, três anos passados sobre “aturadas” investigações (pontuadas pelas habituais guerras entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária), a “justiça” achou por bem complicar e dividiu o caso BPN em 18 processos. Não é preciso ser bruxo para adivinhar a embrulhada que tal divisão vai causar, arrastando e confundindo as investigações e se, por obra do azar, isso alguma vez vier a acontecer, os julgamentos. Assim não admira que até hoje nenhum dos administradores do BPN tenha sido julgado e os círculos bem informados co-

mecem a dar como adquirido que não vai haver julgamento algum ou, no caso de tal acontecer, nada se provará. Por exemplo, Oliveira e Costa, o bode expiatório do caso BPN, já arrolou 600 testemunhas de defesa, facto que demonstra bem a palhaçada que é a justiça portuguesa quando se trata de lidar com “gente fina”.

Incumprimento da Grécia

Portugal ficará numa situação muito mais difícil porque, a seguir à Grécia – a bancarrota está por um delgado fio – é o país mais débil e fragilizado economicamente da Zona Euro. O capitalismo de casino gerou toda esta situação. Por cá os milhares de milhões injectados no BPN são um dos vários péssimos exemplos. Quietos e caladinhos é que é bom Os mercados vão atirar“Uma onda de greves sistemáticas não teria outra conse-se ao nosso país com quência senão empobrecer o país e tornar mais difícil a vida unhas, dentes e a agresside quem já tem uma vida muito difícil”. (Paulo Portas, Ministro vidade que os tem cade Estado, 7/9). racterizado. No próximo mês de Treta ministerial “A minha chefe de gabinete é uma super-chefe de gabinete. Novembro, Atenas não Está a perder mais de 50 mil euros de ordenado por estar a irá ter dinheiro para cumtrabalhar para nós”. (Álvaro Santos Pereira, Ministro da Ecoprir com os seus compronomia, na Assembleia da República, justificando o elevado salámissos. Será uma grande rio da sua braço-direito – cerca de 6 mil euros, Expresso, 6/8). desgraça! Todos os passos que foram (mal) daPois é dos pelos nossos gover“Pedro Passos Coelho bem avisou que iria fazer cortes na nos são muito semelhandespesa. Só não disse que era na nossa”. (Ricardo Araújo tes àqueles que foram triPereira, Visão, 8/9). lhados até à actualidade

pelo governo grego. Para alguns, a Grécia acabará por ser excluída da Zona Euro. Mesmo que houvesse perdão parcial da sua dívida, imediatamente dispararia o custo da dívida portuguesa. Os prejuízos seriam aterradores. Aquele país já está a ser olhado e estudado como um laboratório para se ficar a saber com o que podemos contar. Para a Zona Euro o incumprimento grego tem como consequências: pôr em causa a capacidade, a credibilidade e o projecto da União Europeia, que afinal não serve os seus 500 milhões de habitantes, mas parte deles... Seguir-se-iam acentuadas desvalorizações do euro com impactos negativos na balança de transações da Alemanha, onde a sra. Ângela Merkel irá pagar muito caro esta forma de estar mais virada e preocupada em fazer política para os seus eleitores do que a tentar resolver os gravíssimos problemas económicos europeus. Os eurobonds (euro-obrigações) nesta situação seriam uma saída para Portugal, Grécia e Irlanda ficarem menos sobrecarregados com juros. Amanhã a Espanha, Bélgica, Itália... A Europa está a chocar o ovo da serpente?! VÍTOR COLAÇO SANTOS


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Na república das bananas imoralidade, da injustiça e da meia dúzia de senhores de família gananciosos. O sistema está exausto e falido. Não se pode depositar esperança nesta actual situação contaminada de incultura, ignorância, estupidez, propaganda, ilusionismo, falsas evidências,... Não se pode respeitar o estado a que o Estado chegou, porque a ignorância, a mentira e a estupidez não devem ser respeitadas – antes energica-

mente combatidas. A actual República tem andado, maioritariamente, nas mãos de gente de baixa índole, de deficientes morais, com maus resultados detectáveis à vista desarmada. Portugal levantar-se-á quando, tendo sempre como referência as pessoas, se sustentar na justiça social, na igualdade de oportunidades, na solidariedade activa e não na indigência do cidadão trabalhador.

A Madeira é um Jardim Jaime Ramos “ataca” DN da Madeira – epígrafe da notícia publicada no DN de 19/07, p. 12, sob o título a maiúsculas POLÉMICA, em que J. Ramos, secretário-geral do PSD/Madeira, suspendeu uma conferência de imprensa devido à presença de jornalistas do DN do Funchal. Está bem enquadrada com a notícia do lado: Alberto João Jardim fecha portas à Comissão Nacional de Eleições, na qual mais uma vez é revelado o carácter não-democrático do “Bokassa da Madeira”, assim apodado por Jaime Gama, ex-presidente da Assembleia da República. Se o autocrata Jardim (ninguém o manda calar), já aviltou tantos jornalistas (e não só) com todos os impropérios possíveis e imaginários, faz sentido que o seu sucessor J. Ramos faça o mesmo. Esta atitude, além de acintosa, é repugnante, odiosa e ataca a honra dos jornalistas do DN madeirense. O Diário de Notícias do Funchal não é o Jornal da Madeira – este, eco do governo Regional da Madeira – subsidiado e sustentado com milhares e milhares de euros (também) pelos sujeitos passivos e tansos fiscais do “contenente”. Na década transacta, durante uma semana, visitei a betonizada ilha da Madeira e Porto Santo e daqui remeti para Portugal alguns postais ilustrados, dando conta de (ainda) alguma belezas naturais e esgrimindo no terreiro da política o absolutismo do governo regional. Pois bem mal, nem um único postal chegou ao destino... Os carteiros dos CTTs merecem-me confiança. Em Porto Santo, quis comprar o DN da Madeira. Em vão: “não vendo”, “não tenho” ou “já esgotou”, respostas nos postos de ven-

da. Pensei: Será que o DN madeirense já está como o extinto e famigerado Comércio do Funchal? Falei com madeirenses e, quando abordava a política, as respostas eram feitas de silêncio sepulcral. Só no Machico um ex-pescador, depois de várias insistências, disse: “Oh senhor!, aqui ainda não chegou o 25 de Abril!”, escapando-se de seguida. Aos jornalistas do Diário de Notícias do Funchal, um abraço de solidariedade, coragem e força!, para continuarem a trabalhar para informar – sem medos!

Pobreza material e espiritual O empobrecimento espiritual e cultural acompanha o empobrecimento material. Portugal entristece pela ausência de nobreza. Ortega disse: “Nobre é quem vive em essencial servidão”, servidão da causa e coisa pública, neste caso. Mais que a bancarrota que (quase) nos está colada, é a banalização da

O homem do leme O Dr. Cavaco promoveu nos idos de 80 o “moderno”, o “leve”, “desenvolto”, “fresco” e dizia: “deixem-nos trabalhar”. Trabalhou com os yuppies retardados. O aspecto era grotesco. Os efeitos devastadores. É desse tempo o abate da frota de pesca, de dizerem aos agricultores: “Não cultivem, arranquem vinhas e oliveiras, que pagamos para isso”. É o responsável pela destruição da nossa indústria. Cometeu outro estrago, que configura crime: quando vieram os fundos destinados à formação profissional – toneladas de notas vindas de Bruxelas – seriam as universidades técnicas a gerir esses fundos. Cavaco Silva, que tinha um contencioso com as universidades, decidiu que seriam centros de formação a fazê-lo e foi a mais completa, secreta, profunda, prejudicial corrupção que alguma vez houve em Portugal. Criaram-se cursos fantasmas que não permitiram a requalificação da mão-de-obra. Um dia far-se-á o levantamento dos dez anos do reino de Cavaco. Como presidente de “todos” os portugueses perfila-se como defensor do regresso ao mar (pescas), competitividade das empresas (indústria) e regresso à terra (agricultura). Mu-

dam-se os tempos, muda-se o discurso oportunista de conveniência... Num país de mais de dois milhões de pobres, mais de um milhão de desempregados e precários, a presidência da República gasta um orçamento anual de milhões de euros, comparável ao de reis e rainhas de países mais ricos que o nosso... Cavaco tem sido um avalista e cúmplice dos troikistas, sendo uma boa almofada para este desgoverno. Falou no 5 de Outubro: “Acabaram-se as ilusões”. A populaça já há muito que tinha mudado de lentes, mas o presidente não, pelos vistos... VÍTOR COLAÇO SANTOS


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Cratismo debaixo de fogo As primeiras medidas de Nuno Crato à frente do Ministério da Educação caracterizaram-se por uma aparente moderação dos selváticos e continuados ataques da governança PS ao serviço público de educação e aos professores. Ccriou expectativas no professorado, aturdido e exausto pelos seis anos de ofensiva socrática ininterrupta, potenciada por dois “acordos sindicais” que paralisaram a contestação e lançaram o desânimo. Assim, manteve na lei (só até 2012!) a disciplina de educação visual e tecnológica – atacada por Sócrates mas prontamente restaurada pela luta inaudita, avançada e independente dos catorze mil professores desta disciplina que, unidos e mobilizados, travaram o despedimento de sete mil pares seus. Suspendeu por meses a criação de mais mega-agrupamentos, reduzindo o caudal de fecho de escolas primárias – programado pelos governos socráticos. O novo ministro iniciou ainda negociações com as cúpulas sindicais, que viriam a caucionar o odiado modelo de avaliação de Sócrates e Lurdes Rodrigues, recauchutado com meros remendos cosméticos que conservaram as quotas previstas no SIADAP e a discriminação dos professores contratados, costumeiros bombos da festa destes acordos sindicais/ministeriais. Por fim, anunciou medidas aparentemente moralizadoras, como a extinção de serviços oficiais inúteis, a reavaliação das mafiosas “Parque Escolar” e “Novas Oportunidades” e a guerra à burocracia nos organismos e nas escolas. A máscara “boazinha” de Crato viria contudo a cair mais cedo do que se esperaria, com a antecipação do calendário de cortes nos sectores sociais do estado – educação, saúde e segurança social à cabeça - exigidos pelo memorando da troika e do CDS, PSD e PS. E na educação, com as progressões na carreira e respectivos vencimentos já saqueados, o alvo escolhido pelo ministério foi os postos de trabalho da contratação, cortados à força pela extinção de horários resultantes do abate massivo de escolas e relançamento dos mega-agrupamentos, da suspensão de novas turmas nocturnas e sobrelotação das diurnas, da extinção do estudo acompanhado e da área projecto, etc., a que se somou a tentativa ilegal de imposição de contratos mensais com o consequente roubo dos meses de Julho e Agosto e da indemnização pelo fim de contrato. O reflexo destas novas investidas foi quase imediato: o concurso de professores contratados despejou no desemprego, logo a 31 de Agosto, 37 mil professores, registando menos oito mil colocações que o concurso do ano anterior. Antevendo este inferno, as estruturas sindicais de precários tocaram a rebate ainda em Julho, aprovando lúcida e unanimemente, em

várias reuniões, um calendário de acções de rua, protesto e mobilização a pôr de pé logo nesse dia 31 e a desenvolver em crescendo, propostas que, como habitualmente, viriam a ser ignoradas e congeladas pela cúpula sindical reformista. Desarmada a contratação, sem reacção de base, a ofensiva ministerial seguiu o seu curso, com a desregulamentação selvagem das fases seguintes do concurso. O clímax desta desregulamentação foi atingido a 19 de Setembro na segunda colocação (semanal) dos excedentários 37 mil, a partir da bolsa de recrutamento. Segundo tudo indicia, o Ministério nos dias anteriores deu ordem aos seus técnicos informáticos para barrarem a aplicação que permitiria às escolas lançar os seus horários supervenientes de duração anual, para contratação nesse campo específico, só permitindo a operacionalidade do campo sobrante, o dos horários temporários – a que muitos professores com mais tempo e serviço não tinham legitimamente concorrido. Isto levou a que muitos candidatos em lista nacional ordenada fossem ultrapassados pelos colegas com muito menos graduação e tempo de serviço, sendo desta forma condenados ao desemprego a médio prazo. Os activistas precários mais radicais, por ausência de respostas das direcções sindicais, já se tinham organizado e promovido também uma concentração de professores desempregados no Rossio a 10 de Setembro. A indignação e raiva por este trambique ministerial foi a gasolina que incendiou e precipitou os acontecimentos. Assim, descrentes no desfecho da queixa sindical à Procuradoria Geral da República, decidiram a ocupação do Ministério,

no Palácio das Laranjeiras, até que ministro ou secretário de Estado lhes prometesse corrigir o erro. A ocupação durou um dia, noite e manhã seguinte, sendo as respostas do secretário de Estado insatisfatórias para os presentes. Mas o sucesso mediático e o curso independente desta luta estavam ganhos e a prova foi a presença de um combativo bloco precário autónomo no sábado seguinte, desfilando na manifestação da CGTP com pancartas, cartazes e palavras de ordem próprias gritadas ao longo de todo o cortejo. Este movimento continua, com reuniões abertas para decidir novas formas de luta. Da sua combatividade e coerência depende o futuro de milhares, já que este ano, até Dezembro, o Ministério só realizará mais uma “bolsa de recrutamento semanal” (colocação colectiva a partir da lista nacional graduada de candidatos) passando de seguida as colocações a ser feitas por “contratação individual pela escola”, sem enquadramento legal, valendo ali o compadrio e lambe-botismo aos directores, hoje quase tão discricionários como os reitores fascistas. Só a continuada mobilização e auto-organização dos professores desempregados e precários e a luta rija e prolongada manterão o Ministério debaixo de fogo para inverter este galope para o abismo. PAULO JORGE AMBRÓSIO


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Morrer a trabalhar Todos os anos morrem por acidentes de trabalho algumas dezenas de operários, principalmente nas obras de construção civil, em quedas ou soterrados. E raro é o patrão que responde por isso, sendo as culpas atribuídas às próprias vítimas por não cumprirem as normas de segurança. Opinião diferente costumam ter os trabalhadores e os sindicatos, atribuindo os acidentes às horas de trabalho excessivo, falta de preocupação dos patrões com as questões de segurança e a formação profissional. Estes, em muitos casos, acusam os trabalhadores de cobardia quando estes querem melhor segurança e condições de trabalho, reclamam da fiscalização insuficiente, etc. Três exemplos: A 29 de Setembro morreu o operário da Cimpor de Alhandra Bruno Miguel Mendes, de 30 anos, internado desde 2 de Setembro na sequência de um acidente de trabalho. Bruno Mendes foi atingido por uma descarga de areia, usada na transformação do cimento, com uma temperatura à volta dos mil graus, quando com outros colegas se preparava para realizar a limpeza e manutenção numa conduta dos fornos. Outros dois operários foram também atingidos, sofrendo queimaduras menos graves. Como de costume a cimenteira lamenta a morte, não encontra explicação para o acidente e garante que a segurança dos trabalhadores é um “valor fundamental” da empresa e uma “preocupação assumida por pelos órgãos de gestão”. Uma explicação estranha, já que este

} 29 empresas faliram, neste ano, nos concelhos de Alenquer, Arruda dos Vinhos, Azambuja e Vila Franca de Xira, deixando 93 trabalhadores no desemprego e uma dívida de mais de 100 mil euros de salários por pagar. Há cerca de 10 mil desempregados inscritos nos centros de emprego destes concelhos, mais de 20 mil com contratos precários e mais de 600 pessoas deixaram de receber o Rendimento Social de Inserção. 5 milhões e 467 mil euros é quanto devem aos trabalhadores as empresas que encerraram, existindo processos por resolver com 20 anos, como é o caso da Argibay, em Alverca. São muitos os trabalhadores da região com salários em atraso. (Coordenadora da Intersindical de Vila Franca de Xira, Outubro).

não é o primeiro acidente do género, nem Bruno Mendes a primeira vítima mortal na Cimpor. A 10 de Outubro mais outro trabalhador morreu, agora um mineiro, soterrado. Foi nas minas da Panasqueira, Covilhã, devido a um “descuido”, no dizer da administração. Tinha 20 anos e morreu quando o tecto da galeria onde trabalhava ruiu. Outro ficou ferido. Em solidariedade, os mineiros recusaram entrar na mina e paralisaram até ao funeral do camarada. Ao contrário da administração, alegam falhas na segurança e que o pessoal novo não tem formação, tal como o sindicato dos mineiros, para quem “este acidente não é fruto

dimento segue-se a um outro, de 24 enfermeiros, em Lisboa.

} Várias IPSS não pagaram os salários de Setembro devido às dívidas, principalmente do Ministério da Saúde. Só as Misericórdias empregam 75 mil trabalhadores directos e outros tantos indirectos. (Presidente da União das Misericórdias). } 3.900 casas foram entregues aos bancos, este ano, por famílias e imobiliárias que não conseguem pagar os créditos, o que representa um agravamento de 7,9% face ao período homólogo de 2010. (Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal).

}No próximo ano a economia portuguesa vai recuar 1,9% e o PIB 2,2%. As exporta} Foram despedidos 22 enfermeiros no ções crescerão só 4,8% e não os 6,6% esconcelho de Odivelas, por correio electró- perados pelo governo. O desemprego aunico, em meados de Setembro. Este despe- mentará mais 1%. (Banco de Portugal).

do acaso, como a empresa pretende transmitir. Esta empresa tem culpas no cartório. Se a empresa cumprisse cabalmente a sua missão no que concerne a higiene e segurança na mina, tinha dado soluções aos trabalhadores para verificarem os tectos da mina onde fazem as explosões para evitar estes acidentes. A empresa não o faz”. O administrador da Beralt Tin & Wolfram, empresa que desde 2000 explora a mina de volfrâmio, prometeu averiguações e a abertura do tradicional inquérito. O que não o impediu de ir adiantando que achava “estranho. Como é que se olha para o tecto e se vê que há pedras soltas, em vez de vir embora tratar do assunto, fica-se à espera que elas caiam”. Parece anedota, mas não é. 11 de Outubro. Outro mineiro morto, desta vez em resultado do despiste da máquina que conduzia na rampa de acesso ao fundo da mina. O trabalhador, de 31 anos e natural de Aljustrel, era filho de um antigo mineiro e conduzia um Dumper MTT quando, segundo Jacinto Anacleto, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Mineira (STIM), “a máquina terá ficado sem travões”. O dirigente sindical acrescentou que “o sindicato vai apresentar uma queixa no Ministério Público para que a Polícia Judiciária investigue as causas do acidente”, lembrando que, quando os trabalhadores reclamam formação como mineiros, “a administração não liga e desvaloriza o assunto”. Contactada pela comunicação social a administração da Almina-Minas de Aljustrel, o administrador delegado informou que “o administrador não tem tempo livre e já fez um comunicado para uma agência”. A Almina é uma empresa que resulta da aquisição das Pirites Alentejanas pela Martifer, dos Irmãos Martins, cuja aquisição foi feita por um euro, e viabilizada pelo governo de José Sócrates, tendo como principal interlocutor o ex-ministro Manuel Pinho.


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Enfrentar o capital financeiro Os milhares de pessoas que pela primeira vez durante semanas ocupam o centro financeiro de Wall Street não mereceram a atenção dos grandes média. O movimento é suficientemente consistente para assumir um significado social e político, como indica o facto de Michael Moore, Noam Chomsky, a actriz Susan Sarandon, o humorista Stephen Colbert, o filósofo Cornel West e outras figuras públicas o terem apoiado. É uma boa resposta para os que pedem De facto, os manifestantes, que decidiram de 100 cidades do país: Somos os 99 por cento enfrentar o capital financeiro no seu coração, da população que não toleram mais a ganância austeridade aos que menos podem e ao mesmo tempo concedem estímulos aos bancos e aos têm uma mensagem forte que já alastrou a mais e a corrupção dos um por cento restantes”. empresários, esses sim, os agentes da crise. O resultado é que o número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza nos Estados Unidos englobou 15,1% da população em 2010, 46,2 milhões de pessoas, o maior contingente nestas condições dos últimos 52 anos. O índice de aumento no número de pobres é o maior desde 1993. Entretanto, o Serviço Nacional de Estatísticas do Trabalho informa que não se criou emprego nos EUA, em Agosto de 2011. Os EUA precisam criar 125 mil empregos por mês, apenas para sustentar o crescimento populacional. “Conhecemos a devastação causada por uma economia em que os trabalhadores, as suas famílias, o meio ambiente e o nosso futuro são sacrificados para que uns poucos privilegiados possam ganhar mais dinheiro à custa do trabalho de todos, menos o deles”, disse o presidente do sindicato nacional dos trabalhadores do sector siderúrgico (USW), com 1,2 milhões de filiados e o maior do país. Outros sindicatos aderiram à manifestação que não se dispersa há semanas. A polícia esmera-se na repressão: milhares de presos, espancamentos e cargas brutais, uso de gás pimenta e o fecho da ponte de Brooklyn Acusados de participar em actos de sabotagem no sul da Galiza contra interesses para encurralar os manifestantes. Os cortes na da burguesia e do Estado espanhol, encontram-se presos os camaradas Miguel educação, saúde e infra-estruturas que Barack Nicolás e Telmo Varela. Detidos em 15 de Dezembro e 9 de Março, respectivamente, Obama tão diligentemente promove só fazem ambos são operários metalúrgicos e membros da central sindical galega CUT (Telmo engrossar o descontentamento e afectar negatié secretário da Comarca de Vigo), tendo desempenhado papel destacado nas massivas vamente a economia. greves gerais de 29 de Setembro e 27 de Janeiro. Michael Bloomberg, o presidente da CâmaA sua prisão insere-se na persistente campanha do Estado espanhol de criminara de Nova Iorque e um dos multimilionários lização das lutas dos trabalhadores, com o objectivo de os atemorizar e desmobilizar mais conhecidos, comentou: “Muitos jovens e, em particular, golpear os seus elementos mais conscientes. Contra eles tem vindo saem da universidade e não encontram trabaa ser desenvolvida pela imprensa uma obscena campanha de intoxicação e condilho. Foi isso que aconteceu no Cairo e em Macionamento da opinião pública e do sistema judicial, condenando-os antes de sequer drid. Não queremos este tipo de distúrbios serem julgados. aqui”. A questão é que não se trata de um moAos amigos e leitores da PO apelamos a que manifestem a sua solidariedade com vimento de universitários – forma de desclassios camaradas galegos presos escrevendo para: ficar o seu alcance e potencial – mas sim a expressão da revolta e desespero de muitas camaMiguel Nicolás Aparício Telmo Varela Fernández das da população. CP Lama – Módulo 9 CP Lama – Módulo 12

Miguel e Telmo, liberdade!

Monte Racelo s/n 36.830 Lama – Galiza

Monte Racelo s/n 36.830 Lama - Galiza

ANA BARRADAS


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Tottenham em brasa Em Tottenham, o bairro revoltoso e pobre ao norte da capital britânica, viu o seu orçamento social cortado pela autarquia em 75%, o que provocou o encerramento de 8 dos 13 centros de lazer e assistência à juventude. É a política do “Estado mínimo”. Do outro lado, a intensidade da violência e os assaltos às lojas que tanto escandalizaram os bem-comportados durante os distúrbios recentes indicam uma motivação clara por parte da maioria dos manifestantes, quase todos jovens desempregados e sem futuro: atingir níveis de consumo de objectos que identificam a sua própria sepultura, com as receitas dos nato pela polícia de um dos seus líderes locais? com projecção e ascenso social, massificados mais ricos a crescer 273 vezes mais que as dos Não admira que Enfield, Walthamstow, Islington e Brixton, bairros da periferia de Lone padronizados para aliciar os mais alienados, mais pobres. Tottenham é a zona com o maior nível de dres também muito desfavorecidos, tenham como se todos pudessem aceder a eles. Espontâneo e caótico, o surto verificado significa, desemprego de Londres e uma das dez mais seguido o exemplo e ocupado as ruas mostranpara além dessa sua exterioridade visível, que pobres do Reino Unido. Com os cortes no orça- do a sua fúria. Fazem justiça pelas suas próprias estes cidadãos precisam de exprimir a sua rai- mento, desapareceram os clubes juvenis, mui- mãos. A possível. va e indignação pelos meios que têm à disposi- to frequentados durante o verão e as férias escoção: o vandalismo de quem se sente injustiçado lares. Com tanto tempo livre nas mãos, com o ANA BARRADAS e esquecido. Mark Duggan, de 29 anos, tinha dinheiro erigido em valor supremo, que se sido baleado e morto pela polícia dentro de esperava dos jovens indignados com o assassium táxi, em circunstâncias mal esclarecidas. O chefe da esquadra de polícia de Tottenham tinha-se recusado a falar com a família da vítima antes de a rebelião se iniciar, apesar das centenas de jovens concentrados à espera de uma explicação. COLÔMBIA MÁRTIR Mais do que em toda a parte, é Desde 7 de Agosto de 2010 foram evidente aqui a inoperância, passiviassassinados impunemente 34 defensores dade e crise profunda em que se endos direitos humanos, 17 dirigentes rurais contra a esquerda, tradicionalmente que exigiam a devolução das terras usurpadas orientada para canalizar a revolta aos camponeses, e 27 sindicalistas, a maioria para movimentos sociais organizada Central Sindical de Trabalhadores (CUT). dos e coerentes, capazes de dar forMilhares foram ameaçados de morte. ça e acutilância a manifestações de Prosseguem a expulsão e o desaparecidescontentamento contra a ordem mento de pessoas e a prática das execuções capitalista. Ausente e de costas volde civis pelo exército, com 29 novos casos tadas para a massa dominada pelos este ano. Continua crítica a situação nas prigangues de bairro, não quis saber do sões onde deliberadamente apodrecem 7 mil potencial revolucionário daquela presos políticos civis e mais de 500 presos força social em busca de expressão. políticos guerrilheiros, que suportam condiO historiador inglês Timothy ções aberrantes de encarceramento. InformaClark pôs o dedo na ferida ao referir ções recentes indicam que o número de 7500 a “assustadora realidade” represenpresos políticos poderá estar subavaliado já que, sindicalistas assassinados em todo o mundo, 60% tada pelo facto de que “nunca antes devido ao aumento das prisões arbitrárias nos últi- são-no na Colômbia, que também detém o recorde os miseráveis da terra existiram em mos anos, esse valor deverá andar perto dos 9500. no que respeita à tortura e aos desaparecimentos tal situação híbrida de perplexidade É pesada a responsabilidade do Estado por esta no Cone Sul: a ONU regista 57.200 desaparecidos, e fúria, com as imagens de consumisituação. Perante os meios de comunicação nega a a Comissão de Busca 62.000 e os familiares 250.000. dores satisfeitos despejadas todas as existência dos grupos narco-paramilitares, recor- Um informe da Medicina Legal regista o desaparecinoites pela televisão diante da plarendo ao expediente de lhes alterar a designação mento de 38.255 pessoas em três anos. Com o Suteia dos seus novos servos endividapara “bandos criminosos emergentes”, ao mesmo dão, a Colômbia é o país com maior número de dos, em quartos alugados a preços tempo que os continua a utilizar em estreita colabo- desalojados: são 5,2 milhões as pessoas obrigadas exorbitantes”. O liberalismo no seu ração com a polícia. melhor. O “fetiche da mercadoria” a deslocar-se devido à pressão a aos massacres dos A Colômbia tem o exército mais bem equipado paramilitares, cometidos com a finalidade de liberque Marx já apontava a ganhar terdo mundo, pelos EUA, a par de Israel e Egipto. É tar terras para os grandes latifundiários e as multinareno, ignorando o valor produzido uma força genocida: nas traseiras do batalhão da cionais – 40% do território colombiano está concespelo trabalho contido no objecto e Força Ómega (ao serviço do Plano Colômbia) en- sionado a multinacionais mineiras. (Kaosenred, atraindo a cobiça dos que se deixam contra-se a maior vala comum do continente ameri- Agosto). seduzir. É o fracasso retumbante do cano, com 2 mil cadáveres de desaparecidos. Dos modelo neoliberal que vai cavando


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EGIPTO

Tudo por decidir Uma frase pintada na Praça Tahrir: “O povo quer que o próximo presidente da República se vá embora” mostra a face mais extrema do descontentamento que finalmente se exprimiu nestes últimos meses. Em greve estiveram os assalariados da companhia de transporte público do Cairo e de Alexandria, os médicos dos hospitais públicos, os trabalhadores dos portos do mar Vermelho, os bancários e outros sectores, todos exigindo melhorias nas condições de trabalho e aumentos de salários. Entretanto, o governo está a braços com um enorme deficit e o crescimento económico passou de 6% para 2%. O movimento popular reclama eleições justas e o cumprimento das promessas feitas pelo governo de transição: medidas de ordem social, salário mínimo, saneamento da administração pública, prisão dos polícias implicados na violência contra os manifestantes, fim dos julgamentos de civis em tribunais militares, fim da legislação do antigo regime contrá-

ria à liberdade política e de expressão, criação de partidos políticos, reexame dos acordos de paz entre o Egipto e Israel em 1978. Ahmed Ezzat, coordenador dos comités populares para a defesa da Revolução, promete que, se não se respeitar espírito da revolução, “cada bairro do país será uma nova Praça Tahrir”. Os islamitas da Irmandade Muçulmana estão muito mais organizados que os movimentos laicos – Wafd, Ghad ou a Frente Democrá-

tica – e que o Movimento 6 de Abril, que esteve à frente dos protestos de 2008. Conta com 3 e 4 milhões de pessoas e bem implantados nos subúrbios do Cairo, dirigem bancos, hospitais, consultórios médicos, oferecem escolas grátis e estão à frente de numerosas associações de caridade. Apesar dessa supremacia, há no movimento geral em curso uma espécie de fé na acção comum por uma maior liberdade. Mas tudo está por decidir.

EUA dizem não à Palestina Ver a Palestina insistir no seu direito a existir como país numa altura em que o imperialismo consegue impor o domínio a quem se oponha aos seus aliados é no mínimo apostar numa causa perdida no curto prazo. Foi o que a Autoridade Palestiniana fez nestas últimas semanas, unilateralmente e sem consultar ninguém. Os esforços em volta da campanha internacional que lançou, apoiada nos que têm dado a cara pela causa, são mal empregados porque não encontram eco naqueles a quem se dirigem em primeira mão: as Nações Unidas, a União Europeia e os “grandes” que manipulam estas instituições. O pedido de reconhecimento pela ONU da Palestina como Estado deparou-se com várias bofetadas com luva, todas elas

tendentes a remeter o requerente para a única posição que admitem conferir-lhe, tendo todos como certo o veto norte-americano: a de vencido sem poder de negociação. Propõem-lhe em resposta uma paz humilhante que reduz a zero as suas pretensões de independência e a obriga a ficar de joelhos para sempre. A ocupação israelita prosse-

guirá sem travão, a diplomacia norte-americana na região sai reforçada, as negociações infindáveis só trarão benefícios a Israel, que passa a dispor de mais de metade da Cisjordânia, e os pales-

tinianos comuns, com uma das maiores taxas de desemprego do mundo e sem nada a perder, mobilizar-se-ão no futuro contra a situação cada vez mais desfavorável.


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Líbia de joelhos Com o derrube do regime de Kadhafi, a NATO criou o seu primeiro protectorado colonial em África. Ninguém o exprimiu com mais verdade e crueza do que John Arbuthnot Fisher, primeiro lorde do Almirantado da Marinha Real Britânica: “Se aqui e no exterior todos perceberem que estamos prontos para a guerra a qualquer momento, com todas as unidades das nossas forças na linha de frente prontas para entrar em combate e ferir o inimigo no ventre, pisoteando-o quando estiver no chão, para ferver os seus prisioneiros em azeite e torturar as suas mulheres e os seus filhos, ninguém se atreverá no nosso caminho”. É este o espírito com que se instala o governo de coligação tribal apoiado

pelos ocupantes e pela aviação inglesa que bombardeou Tripoli e Sirte até à rendição. Adeus, direitos humanos, adeus, democracia: autoritário e arrogante, o novo regime conta entre os seus líderes homens que ocuparam posições de destaque no governo que ajudaram a derrubar. O caos está instalado. O governo tem o patrocínio e a tutela da NATO. Todos sabem que isso significa o início da construção de uma força de intervenção ocidental capaz de conter os excessos possíveis da “primavera árabe” e assim estender o seu poder militar a todo o Médio Oriente. Para já, com o olho na Síria e na Palestina. Nos seus planos, o resto virá depois. Talvez se enganem.

Escola ocidental Em 2 de Setembro, na conferência para a reconstrução da Líbia, em Paris, Sarkozi contou a saga da luta das democracias contra o sanguinário Kadhafi. Na mesma altura, caía no domínio público uma parte dos arquivos dos serviços secretos e da polícia política do ditador em fuga. E assim confirmou-se que desde 2003 as polícias líbias trabalhavam regularmente com a CIA, que trocavam informações com os serviços britânicos e alemães e recebiam formação por parte da espionagem francesa; que industriais franceses e britânicos venderam armas à Líbia e a firma francesa Bull, assessorada por especialistas militares, vendeu-lhe sistemas informáticos para controlar correio electrónico. Nem a CIA nem as secretas francesas desmentiram as revelações, justificando-as com a “luta contra o terrorismo”. Por seu lado, a Bull desculpa-se dizendo que a venda daquele material de espionagem foi autorizada pelo governo francês. Os relatórios regulares trocados entre polícias e militares líbios e franceses mostram que os contratos de compra e manutenção de armas foram encorajados ao mais alto nível, passando pelas idas de Chirac a Tripoli e Kadhafi a Paris. (Adaptado de Lutte Ouvrière, 23/9)

Gerónimo regressa aos seus antepassados

Em 2 de Junho chegou a notícia que o ex-líder dos Panteras Negras Gerónimo Ji Jaga, nascido Elmer G. Pratt, morreu no exílio, na Tanzânia. A vida de Gerónimo foi uma guerra intensa, quase total. Regressado do Vietname, onde participou na guerra imperialista, adere ao Partido dos Panteras Negras em Los Angeles e inicia a luta pelo seu povo. Com o assassinato pelo FBI do líder dos Panteras de Los Angeles Alprentice “Bunchy” Carter, Gerónimo Pratt ascende ao cargo de vice-ministro da Defesa do Partido. Em 8 de Dezembro de 1969 a polícia ataca a sede de Los Angeles dos Panteras Negras utilizando metralhadoras e granadas. Dirigidos por Gerónimo, estes resistem durante 6 horas ao assalto policial. A influência e brilhantismo de Gerónimo incomodou fortemente os governos estatais, locais e federais, que o acusaram, em 1970, de ter cometido um assassinato ocorrido a quilómetros do local onde se encontrava. Foi libertado 27 anos depois, em 1997, quando os arquivos do governo federal confirmaram que ele se encontrava a 600 quilómetros do local do crime e que a principal testemunha de acusação era um agente infiltrado do Departamento de Polícia e da Procuradoria de Los Angeles. (Ver PO 61). Depois de percorrer o país, dando conferências organizadas pelos seus apoiantes, Gerónimo exilou-se, juntando-se a uma pequena comunidade de expatriados que vive próximo de Dar es Salam, na Tanzânia. Tal como outros Panteras Negras, nunca confiou nas autoridades americanas no que respeita à preservação da sua vida e liberdade. Apesar de ter passado os últimos anos de vida sob o brilho do sol africano, nunca perdeu os modos da sua terra de nascimento, a Louisiana. Afinal, foi aí, na Louisiana, que descobriu a tradição de autodefesa armada dos negros, os Diáconos para a Defesa, um grupo armado que resistiu e dissuadiu pela força a violência do Ku Klux Klan, em luta por uma terra fértil. Gerónio Ji Jaga, um guerreiro do seu povo, regressou aos seus antepassados. (Do corredor da morte, Mumia Abu Jamal)


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Casta política cleptómana Recentemente, numha clara e desesperada tentativa de lavagem da péssima imagem e desprestígio popular, o conjunto de inquilin@s das Cortes e o Senado espanhóis dérom a conhecer o seu património pessoal. O resultado nom é surpreendente, pois é vox populi que nom estamos governados por filantrópicos servidores públicos, mas por umha medíocre casta política cleptómana habituada ao saque dos fundos públicos de forma “legal” – mediante salários desorbitados, pluses, ajudas de custo, verbas vitalícias, reformas douradas –, mas também de maneira ilegal na forma de comissons e utilizaçom de informaçom privilegiada na hora de investir em bolsa ou em iniciativas económicas. Mais de 163.000• e duas vivendas é o património médio que declaram possuir os deputados e senadores. Esta escandalosa revelaçom constata que estamos governados por umha corrupta camarilha carente de escrúpulos que se dedica pura e simplesmente à ladroeira. Mas o furto planificado e organizado é muito superior ao declarado, pois nos dados divulgados nom se inclui boa parte do que tenhem mediante testaferros. A DEMAGOGIA DA AUSTERIDADE Estes dados saem à luz quando a “austeridade” e a necessidade de realizar “sacrifícios compartilhados” fam parte do discurso hegemónico entre os políticos profissionais como única e milagreira receita de contribuir para superar a crise capitalista. Lamentavelmente, a nossa formaçom social é devedora ainda das derrotas estratégicas impingidas à classe obreira e à Pátria na metade da década dos anos trinta e setenta do século passado. A esta lousa devemos acrescentar o férreo controlo do aparelho propagandístico sistémico que, com precisom e eficácia, implementa estratégias alienantes bombardeando a “opiniom pública” com doses ilimitadas de demagogia e desinformaçom. Poder económico, representaçom política e aparelho de desinformaçom som umha tríada que em perfeita sincronizaçom exercem de muro de contençom do cada vez maior, embora muito insuficiente, emergente mal-estar social. Tanto no parlamentinho de cartom do Hórreo compostelano, como nas cámaras madrilenas encena-se um género teatral sincrético entre o teatro do absurdo, a comédia, a fábula e a revista de variedades cujo resultado é umha tragédia para o povo. PODER ECONÓMICO E REPRESENTAÇOM POLÍTICA Na realidade a casta política tam só defende as necessidades do grande capital. As razons polas quais atualmente está tam bem remunerada nom som difíceis de dilucidar: é a garantia de poder assegurar a defesa dos interesses da

plutocracia que controla o “poder político” institucional como simples fantoche. A esquerda institucional e os grandes sindicatos só rugem de forma esporádica e inofensiva para poder manter a sua cada vez menor legitimidade popular. Carecem de umha estratégia de luita. Temem mais a revolta social, umha explosom popular incontrolada, que as diretrizes da CEOE. Estám esterilizadas para qualquer transformaçom. Os vínculos criados entre poder económico e representaçom política som posteriormente premiados ocupando responsabilidades na gestom ou no assessoramento daquelas empresas às quais se ajudou a obter lucros multimilionários facilitando informaçom privilegiada ou dando apoio político na lógica da competência que carateriza a economia de mercado. Isto nom tem arranjo possível no quadro da economia de mercado. Já nom tenhem a mais mínima credibilidade as amáveis medidas políticas social-democratas de redistribuiçom dos excedentes, pois a crise é tam profunda e sistémica que, ou bem se impom umha readequaçom do capitalismo global caraterizada polo autoritarismo e o incremento da repressom e violência generalizada, ou se opta por dar a volta à situaçom. ERRADICAR POSIÇONS INGÉNUAS

setenta em boa parte de ocidente. Carece de um projeto revolucionário, pois exprime a frustraçom de quem tinha previsto e assegurada umha vida cómoda e na atualidade está condenada a ser carne de canhom da proletarizaçom e o empobrecimento. @s comunistas estamos suficientemente vacinad@s para nom nos deixarmos fascinar por fenómenos destas caraterísticas. Mas tampouco devemos desprezá-los nem subestimá-los, pois exprimem que algo novo está a nascer e que as nossas análises, prognósticos e sobretodo a resistência e firmeza nos princípios nos anos duros do neoliberalismo da longa década de noventa fôrom e som corretos. Hoje, como na etapa da Comuna de Paris, da Revoluçom bolchevique, da Revoluçom Cubana, dos grandes levantamentos e explosons sociais contra a opressom, nom há mais saída e alternativa que umha Revoluçom social e nacional. Esta só poderá lograr derrubar a vellha ordem em processo de reformulaçom e reajustamento mediante umha insurreiçom que nom pretenda simplesmente influir no curso dos acontecimentos, mas tomar o poder. E só o proletariado em aliança com o conjunto do povo trabalhador tem capacidades reais para avançar por esta via.

Na Galiza, ainda nom estám maduras as condiçons sociais, ainda existem instrumentos de “coesom popular”, poderosos amortecedores sociais, que facilitam umha precária, mas de momento real estabilidade. O fenómeno da recente “revolta” das clasCARLOS MORAIS ses médias juvenis urbanas de vocaçom mesocrática som expoente desse mal-estar social que está a fermentar, INFORMAÇÃO ALTERNATIVA mas nom é ainda a onda que pode fazer abalar o sistema. As reivindicaçons e o programa do denominado movimento dos indignaDiário Liberdade é um projecto jornalístico alternativo dos, maioritariamenanticapitalista e anti-imperialista, virado para a realidade social e te, só procura voltar as lutas de classes na península Ibérica, América Latina e África de à situaçom do mal denominado Estado expressão portuguesa e galega de Bem-Estar, hegewww.diarioliberdade.org mónico na década de


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GUERREIRAS, texto teatral de Luciana Lyra, música de Alessandra Leão, Creative commons, São Paulo, 2010.

últimas décadas, industrializada, formatada e estereotipada, com muitos poucos motivos de interesse.

CHAVS: THE DEMONIZATION OF THE WORKING CLASS, Owen Jones

GENTS DY RINCON Cabo Verde spiritual traditional acoustic music, 2010.

Há 350 anos, em Tejucupapo, vila do litoral de Pernambuco, as mulheres em desespero de causa enfrentaram um destacamento de soldados holandeses e, contra todas as probabilidades, derrotaram-nos. Eram mulheres comuns, camponesas e donas de casa analfabetas que, forçadas pelas circunstâncias, se mobilizaram como puderam para salvar as suas famílias e os seus bens. Este facto pouco conhecido, mas ainda na memória popular dos que vivem naquela região, foi o ponto de partida para a construção desta peça de teatro de rua. Não para contar a história, mas para a reinventar à luz dos problemas actuais com que o género feminino se debate (violência, machismo, violação, maternidade, paixão, morte, estereótipos de beleza e comportamento, crenças, etc.). É esse espírito de luta que as autoras do texto e da música com grande criatividade tentam recuperar. O livro vem acompanhado de um CD com a excelente música da peça, nos antípodas daquela que nos vem chegando do Brasil nas

Esta é uma gravação realizada à margem dos circuitos comerciais, tornada possível pela solidariedade dos amigos dos músicos e o apoio de algumas associações. A música é excelente, algo diferente daquilo que estamos correntemente habituados a ouvir como música cabo-verdiana. É uma música que, sem se afastar das origens, está aberta a outras influências, moderna, com preocupações sociais, a sonhar com um outro mundo, mais justo, livre e solidário. Guents dy rincon definem-se como “um exército de humildes pescadores multiculturais, pacíficos e pacifistas, sem armas mas com muita alma, que zelam através das Artes para um novo mundo emergente, sem barreiras nem fronteiras”. O CD pode ser adquirido em h t t p : / / w w w. m y s p a c e . c o m / guentsdyrincon

INFORMAÇÃO ALTERNATIVA

kaosenlared é um projecto alternativo de contra-informação anticapitalista e anti-imperialista. Com importante e relevante presença internacional, conta com uma execelente rede alargada de colaboradores ibéricos e latinoamericanos www.kaosenlared.net

O autor deste livro tem 28 anos e trabalhou na área sindical e como assessor parlamentar para um deputado trabalhista. A sua tese é a de que o ódio de classe é o último preconceito aceitável do ponto de vista da sociedade inglesa. Com base em registos, entrevistas e informação fidedignas, Jones estigmatiza o desprezo da classe média pela classe operária. Os operários são chamados “chavs”, significando “classe baixa”, ou seja, aqueles que não se apresentam impecavelmente limpos e bem comportados, considerados toscos, violentos e criminosos. O novo vocábulo começou a ser usado há uns dez anos e chegou à publicidade das agências de viagens que oferecem “actividades em que não haverá presença de chavs” ou dos ginásios que anunciam aulas de “luta chav”. Jones explica este fenómeno demonstrando que na Grã-Bretanha as classes estão cada vez mais segregadas em termos de rendimentos e locais de residência, o que agrava a falta de intercomunicação classista. O encarniçamento dos políticos conservadores contra os sindicatos contribuiu para privar o operariado da pouca visibilidade que tinha, de forma que a classe média se tornou a classe que condiciona a opinião pública no sentido de a levar a temer e ridicularizar os operários. Ilustrando esta apreciação, Jones refere o caso da mãe de um bairro pobre que simulou o rapto da própria filha para receber uma recompensa da polí-

cia de 50.000 libras, história essa que foi longamente explorada pelos jornais para passarem a imagem de que nos meios operários esta é a moral dominante. A tese pioneira de Jones causou celeuma. Mostrando como, depois de ter sido considerada “o sal da terra”, a classe operária passou a ser vista como “a escumalha da terra”, o autor denuncia a ignorância e preconceito que estão por trás desta caricatura, baseada na constante obsessão dos média de retratar uma subclasse branca e indigente, estereótipo usado pelos políticos para passarem ao lado dos problemas sociais e económicos resultantes da desigualdade. Ignora-se assim uma realidade mais complexa: a da crescente pobreza e desespero das comunidades desestruturadas ou tornadas precárias pelas mudanças sociais e industriais e praticamente deixadas por sua conta pelas políticas neoliberais das últimas décadas. Segundo um inquérito do blog político Left Foot Forward, Owen Jones foi considerado “a pessoa com pensamento à esquerda mais influente do ano”.

A TIME TO DIE: THE ATTICA PRISON REVOLT, Tom Wicker, ed. Haymarket Books, 2011.

Quarenta anos depois da revolta da prisão de Attica, este livro de Tom Wicker, ex-repórter do jornal New York Times que cobriu o acontecimento em Setembro de 1971 e foi um dos mediadores entre os presos e as autoridades, faz o relato emocionado do que foram aqueles quatro dias. Os presos fizeram reféns e forçaram a direcção da cadeia a negociar. Por fim, a polícia lançou um


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ataque em que morreram dezenas de presos desarmados e vários funcionários prisionais. É sinal dos tempos actuais que EM DEBATE, a descrição de Wicker continue nº 2 de 2011, Laboratório de muito actual. As horríveis condiSociologia do Trabalho ções de Attica persistem em mui- (LASTRO) do Departamento de tas cadeias norte-americanas e, Sociologia e Ciência Política da multiplicadas várias vezes, evoluíUniversidade Federal de Santa ram para um dos sistemas prisioCatarina, no Brasil. nais mais condenáveis em todo o mundo, com constantes violações dos direitos humanos, um dos mais recentes dos quais foi a execução Contém artigos que resultam de Troy Davis, que proclamou a de trabalhos de investigação teósua inocência até ao fim. rica, histórica e de campo de pesquisadores de vários países, entre os quais Portugal, com abordagens que vão desde a Comuna de Paris, o Maio de 1968, a revolução portuguesa de 1974-1975, a Comuna Altenha (Bolívia), a luta de Oaxaca WANGARI MAATHAI (México), os Conselhos Populares de Fortaleza (Brasil), as Comisiones Obreras (Espanha), as empresas recuperadas na Argentina, até ao trabalho autogestionário na economia solidária. Além disso, divulga aspectos da mundialização capitalista, com implicações sobre as condições de dependência e fragilidade democrática, bem como sobre a divisão sexual do trabalho; um artigo sobre as vítimas da ditadura e memória histórica na Colômbia; três resenhas, uma delas traduzida, sobre um livro de Joseph Dietzgen, e Morreu Wangari Maathai, cam- outra que apresenta uma pesquisa peã de muitas causas: África, as teórica sobre a obra de Anton Panmulheres, os pobres, desenvolvi- nekoek. mento rural, sustentabilidade ambiental, paz, democracia, direitos humanos. Por isso foi louvada por uns e vilipendiada por outros, espancada pela polícia e assaltantes a soldo, presa, perseguida e amada pelo seu povo humilde. Respondeu sempre a tudo com bom senso, determinação, coragem, esperança e fé nos valores humanos e nos elementos de mudança. Em 2004 tornou-se a primeira africana a receber o Prémio Nobel. Nessa altura falou do seu orgulho na capacidade de resistência das mulheres africanas; na necessidade de justiça, integridade e confiança; numa cultura de paz; nas árvores Até 31 Dez. - A Voz das Vítimas que é preciso plantar, na biodiver- é a primeira exposição sobre o tesidade local e cultural. E apelou ma da repressão e da resistência à para “a expansão do espaço demo- ditadura salazarista. Tem um site: crático e a construção de socie- www. avozdasvitimas.net ou dades boas e justas que permitam www.aljube.net e também está no o florescimento da criatividade e facebook. Foi decidido o seu prolongadas energias dos seus cidadãos.” mento até 31 de Dezembro de 2011, dado o interesse que despertou: ao longo de cinco meses foi visitada por mais de 12.000

pessoas, um número impressionante. 15 Outubro - Manifestação Internacional promovida por jovens indignados. Em Lisboa realiza-se às 15 horas, do Marquês de Pombal a São Bento, onde às 17 horas se realiza uma assembleia popular. Para as zero horas está prevista uma vigília. 20 a 30 Outubro - DocLisboa IX Festival Internacional de Cinema de Lisboa. Fstival de cinema documental, irá decorrer em várias salas de cinema da capital. 20 a 27 Outbro - Semana de Luta organizada pela CGTP contra: A destruição dos direitos laborais e Sociais; O empobrecimento e as injustiças. Por Emprego, Salários, Pensões, Direitos Sociais.

Na

A Batalha, 245, Lisboa Abrente, 61, Compostela Boletim Anarco-Sindicalista , 38, Lisboa. Challenge, v43 - 18, Brooklyn, Nova Iorque Communisme, 63, Bruxelas Contramarcha, 57, Madrid El Martinete, 24, Madrid Éxodo, 109, Madrid Il Comunista, Julho, Milão Insurreiçom, 13, Galiza Lute ouvrière, 2250, Paris Lutte de classe, 137, Paris Monthly Review, v63 – 3, Nova Iorque O militante socialista, 89, Lisboa O PedroSo, 45, Compostela Partisan, 250, Paris Perspectivas, 38, São Paulo Proletari communisti , Julho, Taranto Resumen Latinoamericano , 113, Donostia/San Sebastian Voz própria, 24, Compostela

selva

Os estudos desconhecidos de Che Guevara A propósito dos seus nos de leitura da Bolívia Cadernos Cader Néstor Kohan Edição conjunta Abrente - Dinossauro Tiveram que passar mais de quatro décadas desde o assassinato do Che Guevara para começarem a aflorar, tímidamente, outras facetas da sua vida. O Che como estudioso do capitalismo, analista das dificuldades da transição para o socialismo, teórico dos problemas da revolução mundial e polemista no interior do marxismo. Néstor Kohan estudou essas dimensões do Che como estudioso sistemático do marxismo, leitor dos clássicos do pensamento social e apaixonado explorador da literatura revolucionária. Em suma, o Che como pensador radical.

430 páginas - Preço: 25 euros Clube Dinossauro - 20 euros


O parto da Grande Babilónia Quando sentiu chegar a sua hora difícil, retirou-se para o mais íntimo dos seus aposentos e rodeou-se de médicos e adivinhos. Levantou-se num murmúrio. Na casa entravam homens graves de semblantes sérios e saíam com semblantes preocupados e pálidos. E o preço da pomada branca dobrou nos salões de beleza. Na rua juntava-se o povo e ficava ali desde pela manhã à noite, de estômago vazio. A primeira coisa que se ouviu soou nas traves do telhado como um valente traque seguido de um enorme grito PAZ!, sobre o que o fedor aumentou. Logo a seguir jorrou sangue de um fino repuxo aquoso. E vieram mais ruídos em série incessante, cada um mais horrendo que o outro. A Grande Babilónia vomitou e isso soou como LIBERDADE! e tossiu e isso soou como JUSTIÇA! E num lençol ensanguentado trouxeram para o balcão um fedelho que guinchava e que mostraram ao povo com repicar de sinos e era a GUERRA! E ele tinha mil pais.

Bertolt Brecht (1898 – 1956) Nasceu em Augsburgo, na Alemanha. As suas primeiras peças de teatro importantes datam de 1922 e são fortemente impressionistas. Os poemas, sempre presentes nas peças, imitam com ironia canções de cabaré e baladas populares ou parodiam estilos mais “respeitáveis”, como os hinos religiosos. Em 1928 adere ao comunismo, a sua obra torna-se militante e começa a desenvolver a teoria do “teatro épico”. Em 1933, perseguido pelo nazismo, foge para a Dinamarca. Em 1940/41, passando pela Suécia e a URSS, vai para os EUA. Em 1947 é alvo da fúria anticomunista maccarthista e obrigado a depor na tenebrosa Comissão de

Actividades Anti-Americanas do Senado. Regressa à Europa, fixa-se em Berlim Leste, em 1949, e naturaliza--se austríaco. É considerado um dos maiores e mais influentes dramaturgos e poetas alemães do século XX, superior a Rilke.

Dizem-mos muitas vezes que os pobres sentem reconhecimento pela caridade. Alguns deles sentem-no, sem dúvida, mas os melhores entre os pobres nunca são agradecidos. São ingratos, descontentes, insubmissos e revoltados. E têm toda a razão para o ser… Porque haveriam de estar reconhecidos pelas migalhas que caem da mesa do rico? Oscar Wilde, O espírito humano no socialismo


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