Bug: Narrativas Interativas e Imersivas

Page 1

ANDRÉ PAZ

| SANDRA GAUDENZI  ORGs.

NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS

BUG

BUG

NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS

ANDRÉ PAZ SANDRA GAUDENZI ORGs.


PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO, SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA, LEI MUNICIPAL DE INCENTIVO À CULTURA - LEI DO ISS APRESENTAM

ALBERTO SARAIVA COORDENADOR DA COLEÇÃO ARTE E TECNOLOGIA

EDIÇÃO

RIO DE JANEIRO, 2019

EDITORA

PROJETO

PATROCÍNIO

COEDIÇÃO

APOIO


CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ B946 Bug: narrativas interativas e imersivas / organização André Paz, Sandra Gaudenzi; coordenador da coleção Alberto Saraiva. 1. ed. - Rio de Janeiro: Automatica, 2019.

224 p. : il. ; 25cm.

Inclui índice

(Arte & tecnologia)

“Formato bilíngue”

ISBN 978-85-64919-31-0

ISBN 978-85-64919-30-3

1. Artes - Miscelânea. I. Paz, André. II. Gaudenzi, Sandra. III. Série

19-55497

CDD: 700.2

CDU: 7.011

Vanessa Mafra Xavier Salgado Bibliotecária - CRB - 7/6644 27/02/2019  01/03/2019




APRESENTAÇÃO

Bug é um erro de programação. Algo inesperado, estranho a um sistema. Este livro trata de obras assim: incomuns no universo programado que encontramos na internet. Vivemos hiperestimulados por imagens, sons ou frases que nos chegam por televisores, celulares, monitores em elevadores. Um caleidoscópio informativo, alimentado por novas tecnologias digitais conectadas à internet. Nesse ambiente, entretanto, conseguimos também garimpar uma série de obras que propõem experiências mais instigantes. São narrativas interativas e imersivas com diferentes formatos e plataformas (websites, aplicativos para dispositivos móveis, headsets de realidade virtual, instalações, webdocumentários, documentários interativos, vídeos 360,

realidade virtual, realidade aumentada).

Uma variedade de produções que incorporam a interatividade ou imersão das novas mídias à estrutura de suas narrativas. Por trás de suas interfaces, os projetos exploram diferentes práticas de criação, produção, difusão e recepção entre realizadores, participantes e público. Processos de co-criação, produção de mídias participativas e realização de obras colaborativas potencializam diferentes formas de agenciamento. Os projetos assumem propósitos além do artístico: impacto social, ressignificação de espaços urbanos, preservação do meio ambiente, do patrimônio cultural, da memória social. Este livro faz parte do projeto da Mostra BUG, realizada no Centro Cultural Oi Futuro Flamengo, Rio de Janeiro, Brasil, entre 14 de agosto e 9 de setembro de 2018, com curadoria de André Paz, Julia Salles e Arnau Gifreu-Castells. Ele representa um aprofundamento do objetivo da Mostra: fazer uma introdução ao campo que inspire novos projetos de produção ou pesquisa de narrativas interativas e imersivas. Não há, entretanto, um formato a ser seguido pelos projetos por vir. Trata-se de uma produção de obras híbridas, cujo processo criativo está entre o audiovisual, as novas tecnologias, o design, a programação. Requer uma colaboração entre artistas, filmmakers, programadores, designers, tecnólogos, especialistas, ativistas, pesquisadores. Assim como a própria Mostra BUG, este livro segue os princípios do Bug404 (bug404.net), que deu origem a ambos. Os artigos e

5


entrevistas a seguir, ao incorporar diversas vozes e visões, representam mais uma tentativa de aprofundar o diálogo entre pesquisadores e aqueles que criam e produzem as obras. O primeiro capítulo aborda todo o cenário por trás dos projetos de narrativas interativas e imersivas. André Paz e Mayra Jucá apresentam um retrato da paisagem, para além das obras: produtores, festivais, labs, centros de pesquisa. Mostram também como essas obras acontecem em ecossistemas inovadores e apresentam a proposta do Bug404 nesses termos. Sandra Gaudenzi complementa o cenário com suas considerações sobre as mudanças de mentalidade necessárias ao desenvolvimento de projetos, baseada em sua experiência como idealizadora e coordenadora do !F Lab, entre outras fontes. Por fim, os produtores Laure Cops e Wouter Vanmol, da NuNam, contam em entrevista a experiência de participarem do mesmo LAB. O capítulo Narrativas Interativas está focado no espectro de obras chamadas de documentários interativos, webdocumentários, living

documentary ou documentário transmídia. Em “Além das interfaces: conceitos e obras fundamentais de narrativas interativas”, André Paz e Katia Augusta Maciel apresentam uma introdução ao campo de pesquisa e aos conceitos básicos para se compreender e desenvolver novos projetos. Já o artigo de Arnau Gifreu-Castells aborda o estágio de desenvolvimento do documentário interativo e transmídia em diferentes lugares do mundo. Cruz,

Em seguida, em entrevista a Jéssica

Marina Thomé e Marcia Mansur, do Estúdio Crua, diretoras do

documentário interativo e transmídia Som dos Sinos (2015), analisam os bastidores deste projeto que utiliza as novas mídias para a divulgação do patrimônio imaterial, representado pela tradição dos toques de sinos das igrejas históricas de Minas Gerais, no Brasil. O terceiro capítulo é dedicado às Narrativas Imersivas. O artigo “Narrativas imersivas: imaginando múltiplas realidades”, de Julia Salles e María Laura Ruggiero, apresenta os novos desafios que se colocam no processo criativo na visão de quem produz. A entrevista a seguir oferece uma viagem guiada pelo prestigioso estúdio de realidade virtual canadense Félix & Paul, que tem se destacado, por exemplo, com obras como Through the Masks of Luzia e Dreams of O, com o Cirque de Soleil. Para completar, Xavier de la Vega apresenta o Okio Studio, pioneiro francês em realidade virtual, com obras como I

Philip e Altération, duas ficções científicas em realidade virtual. Trabalhos de Félix & Paul e Okio estão entre as obras selecionadas para a Mostra BUG, apresentadas no quarto capítulo. O evento


apresentou um panorama diverso dividido em sessões e projeções de documentários interativos, narrativas mobile, vídeos 360, animações em realidade virtual e instalação. Grande parte das obras do catálogo é analisada ao longo do livro, ilustrando as questões aprofundadas nos artigos e entrevistas. Ficam aqui como um convite ao leitor para explorar esse universo de novas formas de se contar, provocar e vivenciar histórias. ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI ORGANIZADORES

APRESENTAÇÃO OI FUTURO Contar histórias é a matéria-prima do que pode ser visto na radical exposição que ocupou todo o centro cultural Oi Futuro, de 14 de agosto a 09 de setembro de 2018. O trio de curadores – André Paz, Julia Salles e Arnau Gifreu – aliou-se a um grupo de profissionais que investigam, há muito tempo, os efeitos das tecnologias contemporâneas nas formas de narrar. Muitos desejos, muitos lugares, muitas trajetórias formaram esse grande BUG. Por meio dos mais diversos aparatos tecnológicos, a mostra mapeou, de modo instigante, as infinitas possibilidades de se contar histórias, num jogo de percepções que incluía celulares, computadores, vídeos e projeções em espaços virtuais e físicos, imersivos e interativos.

Narrativas singulares e construídas para espaços

diferenciados dos lugares clássicos do teatro, do cinema, da TV e mesmo da web. Um extenso território de criação, com realizadores do Brasil e do exterior. BUG reuniu obras que configuram diferentes perfis plásticos, no desafio da interseção entre ciência, arte e tecnologia, borrando as fronteiras entre a literatura, o audiovisual, a fotografia, a arte computacional e o design. Um projeto que colocou, de modo único, o espectador no centro, convocando-o a interagir e construir sua própria narrativa, recriando personagens e promovendo novos caminhos entre a ficção e a realidade. BUG, agora, virou livro, integrando a nossa Coleção Arte e Tecnologia, que registra as mostras que passaram pelo Oi Futuro. Ao ser recontada, uma história nunca mais será a mesma. Como o mundo, as narrativas estão em constante movimento. Eu, você e o outro, em mutação permanente. Sem começo, meio e fim.

ROBERTO GUIMARÃES GERENTE-EXECUTIVO DE CULTURA DO OI FUTURO

7


VISÃO PANORÂMICA

O CENÁRIO INOVADOR DAS NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS ANDRÉ PAZ1 E MAYRA JUCÁ2

1 André Paz é professor e pesquisador da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Leciona no Mestrado Profissional em Criação e Produção Digital da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Diretor e produtor de narrativas interativas. Idealizador e coordenador do Bug404. Curador da Mostra Bug em 2018. 2 Mayra Jucá é jornalista (UFRJ), pesquisadora e realizadora de documentários e plataformas interativas e colaborativas. Doutoranda em História, Política e Bens Culturais (FGV/ CPDOC), leciona na Pós-Graduação em Cinema Documentário da FGVRJ. Fundou e dirige a produtora Cria Projetos e Narrativas.

BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0  ·  RIO DE JENRIO  ·  224 PÁGINAS  EDITORA: AUTOMATICA  · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO  ·  BUG404.NET

8


INTRODUÇÃO

Hamlet no Holodeck - o Futuro da Narrativa no Ciberespaço (2007), aponta o conceito de interactive storytelling e faz previsões que englo-

Novas tecnologias sempre estiveram associadas

bam diversas formas de narrativas digitais que

ao surgimento de novas linguagens, modos

surgiriam posteriormente.

de comunicação e formas narrativas. Alguns

Nesse contexto, surge todo um amplo espectro

exemplos dessa relação se tornaram clichês

de obras que chamamos neste livro de ‘narra-

inevitáveis: no século XV, Gutenberg marca

tivas interativas’ ou ‘narrativas imersivas’,

o nascimento da imprensa com a invenção de

por incorporarem a interatividade ou a imersão

uma máquina tipográfica; no século XIX, o

do espectador como um princípio fundamental da

daguerreótipo impulsiona o surgimento da

estrutura narrativa. Trata-se, na realidade, de

fotografia; e no final do mesmo século os

uma produção muito diversa, de obras híbridas,

irmãos Lumiére, com o cinematógrafo, lançam

com diferentes formatos, plataformas de suporte,

uma pedra fundamental para a fundação da

dimensões de investimento. Produções multipla-

‘forma’ cinema. Desde o século XX, o ritmo

taforma, como Highrise (2009-2017)3; webdocu-

de inovações se acentua, as mídias se sucedem

mentários seriados, como Do not Track (2016)4;

(filme, vídeo, CD-Rom, DVD) e as formas de

narrativas mobile baseadas em aplicativos, como

narrar também entram numa fase prolífica de

Alma: Une Enfant de la Violence (2012)5; vídeos

experiências. No início do século XXI, vivemos

imersivos em 360o como 6x9: A virtual experience

o marco da chegada da internet 2.0, abrindo

of solitary confinement (2016)6; instalações com

as porteiras do upload e colocando em questão

uso de plataformas de realidade virtual e apli-

a comunicação centralizada (além do ‘um para

cações em realidade aumentada, como The Enemy

muitos’, passamos a contar com novas formas

(2018)7. Parte dessa produção tem sido reconhe-

de comunicação de ‘muitos para muitos’, como

cida nos últimos anos em mostras e festivais de

observou Pierre Levy).

prestígio internacional como o IDFA DocLab, do

A difusão das mídias digitais e a con-

International Documentary Film Festival Amsterdam

solidação da internet abriram uma série de

(IDFA), na Holanda, ou o Sundance New Frontier

novas possibilidades narrativas. Quando o

Lab, nos EUA. As principais referências têm sido

ciberespaço se torna uma dimensão tão real e

mapeadas por projetos como o Docubase8, do MIT

inevitável para a existência humana quanto

Open Documentary Lab (Massachusetts Institute

o território; a cibercultura ou a cultura

of Technology), uma base de dados disponível

digital dita novos hábitos e comportamentos;

online, comentada por curadores internacionais.

a produtividade e a criatividade se potencia-

Este artigo se propõe a esboçar um retrato

lizam a partir de uma inteligência coletiva

do cenário por trás das obras: produtores, festi-

(Levy, 1994: 1997), é natural que as formas de

vais, financiadores, labs, centros de pesquisa.

se criar, interpretar e acessar histórias se transformem. Observando essas transformações,

3  http://highrise.nfb.ca/. Ver página 106.

por exemplo, Henry Jenkins (2006) introduz

5  http://alma.arte.tv. Ver página 121.

os conceitos de ‘cultura da convergência e narrativa transmídia’; e Janet Murray, em

4  www.donottrack-doc.com. Ver página 111.

6  https://www.theguardian.com/world/ng-interactive/2016/ apr/27/6x9-a-virtual-experience-of-solitary-confinement 7  www.theenemyishere.org/. Ver página 120. 8  https://docubase.mit.edu/

O CENÁRIO INOVADOR DAS NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E MAYRA JUCÁ  · 8-17

9


Buscamos assim dar uma visão geral do pano de

surgiriam posteriormente abordando o mesmo tema

fundo do surgimento e realização dos proje-

(a vida em arranha-céus pelo mundo) por novos

tos. Não se trata de um mapeamento exaustivo.

ângulos. Os projetos subsequentes a Highrise

Estamos abordando uma profusão de obras de

mantiveram seu aspecto inovador, seja em termos

difícil classificação e com processos de pro-

de narrativa, método ou tecnologia, contribuindo

dução e criação diversos. Apenas localizamos

para o desenvolvimento de novas fronteiras para

referências que possam servir aos leitores

as narrativas interativas em geral.

que desejam se lançar como realizadores, que

Outro projeto relevante deste período é

buscam inspiração e apoio na viabilização de

Alma: Une Enfant de la Violence, realizado em 2012

seus projetos.

pelo grupo francês ARTE e pela produtora Upian. Trata-se de um documentário sobre a violência de gangues urbanas na Guatemala, que está base-

UM CENÁRIO EM EBULIÇÃO

ado em um aplicativo para dispositivos móveis.

Rider Spoke (2007)9, do coletivo Blast Theory, O percurso histórico das narrativas interativas

da Inglaterra, já havia utilizado um dispositivo

e imersivas digitais remete a tecnologias e

móvel, mas para construir uma narrativa com

experimentações de décadas anteriores. Neste

conjunto de relatos em áudio referencialmente

trabalho, entretanto, nos concentramos sobre

geolocalizados, acessado por um passeio de bici-

os últimos dez anos, quando se constata a

cleta. Sejam baseados em websites, aplicativos

ebulição de um cenário criativo e produtivo,

ou mesmo instalações, a verdade é que a última

com alguns marcos já consolidados.

década viu proliferarem narrativas interativas

No caso das narrativas interativas, tal-

não ficcionais que foram sendo classificadas como

vez a referência fundamental seja Highrise,

documentários interativos, i-docs, intercative

obra lançada em 2010 pela canadense Katerina

factuals, documentário expandido, documentário

Cizek e posteriormente vencedora do Emmy.

transmídia, gerando assim novas possíveis catego-

Esse documentário interativo, realizado pelo

rias, todas ainda em processo de reconhecimento.

National Film Board (NFB), trata das questões

Essas obras inauguraram campos de realiza-

sobre moradia em grandes edifícios ao redor

ção e pesquisa com seus conceitos próprios, como

do mundo. Highrise na verdade é um conjunto

é apresentado no artigo “Além das interfaces:

de projetos realizado ao longo de anos, que

conceitos e obras fundamentais de narrativas

se tornou um case emblemático por diversas

interativas”, de André Paz e Katia Augusta

razões: pela inovação estética, onde o per-

Maciel, neste mesmo livro. Em 2011, por exemplo,

curso do espectador é conduzido não apenas

em Bristol, na Inglaterra, Judith Aston, Jon

pelo texto ou pelo vídeo, mas pelo design

Dovey e Sandra Gaudenzi organizaram o primeiro

criado a partir de colagens; por seu modelo

i-docs, simpósio sobre narrativas interativas

de produção colaborativa, com profissionais

vinculado ao projeto de pesquisa homônimo do

de 13 cidades do mundo criando conteúdo de

Digital Cultures Research Center, da University

forma descentralizada para o documentário;

of the West of England. A partir de 2012, Mandy

e pelo fato de se tornar uma obra em progresso permanente, com produções derivadas que 9  https://www.blasttheory.co.uk/projects/rider-spoke/


Rose passa a integrar o grupo e o evento

exploração espacial da montanha onde o evento

se torna bienal, com mais quatro edições

aconteceu, em Seattle, nos Estados Unidos. O

realizadas até 2018. O livro I-Docs: The

texto traz informações sobre o fato, os vídeos

Evolving Practices of Interactive Documentary,

acrescentam a visão subjetiva de personagens e

lançado em 2017 por três das quatro respon-

a apresentação do cenário oferece possibilidades

sáveis pelo evento (Judith Aston, Sandra

de interação como, por exemplo, a escolha do

Gaudenzi e Mandy Rose), se tornou referência

ângulo para a visualização do local e posição

inconteste no campo. Em 2013, aconteceram a

de cada esquiador no momento do desastre. Esse

defesa e difusão das teses de doutorado de

formato simples se tornou uma referência que

Sandra Gaudenzi, The Living Documentary: from

influenciou reportagens desde então. Um ano

representing reality to co-creating reality

depois, em 2013, por exemplo, o The Guardian

in digital interactive documentary, e Arnau

lança Firestorm11, também como scrollytelling,

Gifreu-Castells, El Documental Interactivo:

desta vez mais centrada em conteúdo audiovisual,

evolución, caracterización y perspectivas de

que também recebeu diversos prêmios.

desarrollo, que se tornaram referências teó-

O jornalismo se tornou assim um mercado

ricas no campo então incipiente das narrativas

para conteúdos digitais que adotam as novas

interativas. A esta altura, era crescente o

linguagens e mídias. The Guardian e The New

interesse por estas obras digitais, que já

York Times, entre outros, se destacam hoje como

não se adequavam aos gêneros e categorias

criadores, compradores e difusores de obras,

tradicionais do audiovisual.

seguindo uma tendência que já vinha em curso e

As narrativas interativas não ficcionais se expandiram por diferentes áreas,

que vem sendo impulsionada pelo barateamento das novas tecnologias.

mas o jornalismo teve um papel destacado na

A partir de um trabalho amplo de pes-

disseminação mais ampla dessas novas possibi-

quisa, o MIT Open Documentary Lab lançou, em

lidades. Em 2012, o lançamento da reportagem

2015, a publicação Mapping the Intersection

interativa Snow Fall , pelo The New York

of Two Cultures: Interactive Documentary and

Times, contribuiu para uma compreensão mais

Digital Journalism (Mapeando a Interseção

concreta sobre como uma narrativa interativa

Entre Duas Culturas: Documentário Interativo

poderia impactar o jornalismo convencional.

e Jornalismo Digital), trazendo um panorama

Ainda centrada em um texto extenso (long-

das instituições, modelos de produção, obras,

form), dividido em seis partes, a reportagem

perfis de profissionais, principais apostas,

tinha um percurso narrativo conduzido pelo

desafios e tensões. O estudo confirma a adesão

rolamento vertical da página (scroll), o que

de grandes empresas jornalísticas, públicas e

gerou a expressão scrollytelling, e a edição

privadas, a experimentações em formatos ino-

entremeada de elementos em diversas mídias

vadores envolvendo diversas plataformas, com

(fotografia, vídeo, sound design, computação

recursos não apenas interativos, como imersivos.

gráfica, simulações em 3D). A história de

Parte do projeto Highrise, A Short History

10

uma avalanche de neve é contada a partir da

10  http://www.nytimes.com/projects/2012/

11  https://www.theguardian.com/world/interactive/2013/may/26/

snow-fall/#/?part=tunnel-creek

firestorm-bushfire-dunalley-holmes-family

O CENÁRIO INOVADOR DAS NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E MAYRA JUCÁ  · 8-17

11


of The Highrise (2013)12 é um exemplo desta

inédito de produção, comercialização e disponi-

aproximação entre o documentário interativo

bilização em massa de dispositivos e conteúdos,

e o jornalismo digital. Realizado a partir

que ampliaram as possibilidades de produção e

da colaboração entre o The New York Times

recepção de narrativas imersivas através do uso

e o National Film Board, a obra utiliza

de óculos adaptados para a visualização de vídeo

desde material histórico extraído do acervo

em 360o ou de realidade virtual.

documental do jornal até conteúdo enviado

O ano de 2015 foi marcado pelo início

pelo público, com o objetivo de investigar

da comercialização dos óculos da Samsung Gear

as raízes históricas da vida em torres ver-

(Oculus). Em 2016, o Oculus Rift passou a ser

ticais pelo mundo.

comercializado, possibilitando uma experiência em

Em 2009, a renomada jornalista norte-a-

realidade virtual autêntica. Grandes corporações

mericana Nonny De La Peña, com passagens pelas

como Facebook, Google, Sony e Samsung passaram

revistas Newsweek e The Times, pela agência

a investir na realidade virtual, entendida como

Associated Press e pelo The New York Times, se

uma plataforma computacional com infinitas pos-

tornara pesquisadora sênior da Universidade

sibilidades de aplicação na sociedade. A partir

da Califórnia do Sul e iniciara as primeiras

daí, um grande número de narrativas imersivas

experiências com realidade virtual aplicadas

começam a surgir. O universo de conteúdo para

ao jornalismo. No mesmo ano, por exemplo, ela

essas aplicações é muito amplo, incluindo, por

já tinha lançado Gone Gitmo13, uma reportagem

exemplo, materiais educativos ou games. Nosso

digital sobre a penitenciária de Guantánamo

interesse se restringe, porém, a produções do

que conquista a capa da revista International

gênero documentário ou do segmento artístico, como

Documentary Magazine. A obra interativa e

aqueles selecionados pela Mostra BUG. O capítulo

imersiva utiliza o videogame Second Life para

Narrativas Imersivas deste livro aborda um recorte

criar uma versão virtual da prisão, onde o

dessas produções. Como exemplo, apontamos 6x9:

usuário pode ser encarcerado e até mesmo

A virtual experience of solitary confinement

sofrer sessões de tortura.

The Party (2017) , ambos realizados pelo The

A disseminação do que chamamos neste livro de narrativas imersivas digitais acontece

e

14

Guardian, ilustrando a adoção desse formato por grandes empresas jornalísticas.

alguns anos depois das narrativas interativas,

Emissoras de rádio e TV, especialmente as

quando a comercialização dos dispositivos se

públicas BBC, na Inglaterra, RTVE, na Espanha,

intensifica, com custos menores acompanhados

e a franco-germânica ARTE, também vêm investindo

de uma melhora significativa na experiência

em produções de narrativa interativa e imersiva.

do usuário. Tecnologias de realidade virtual

As três mencionadas, por exemplo, estabeleceram

existem há décadas, sua origem remete ao século

departamentos específicos para a criação e teste

XIX (La Valle, 2017). As narrativas imersivas

de conteúdos digitais. Algumas vem investindo em

e volumétricas também não são um fenômeno

plataformas inovadoras, conquistando prêmios e se

recente. O que vivemos, entretanto, é um ciclo

destacando como referências centrais na cadeia produtiva de documentários tanto interativos

12  http://www.nytimes.com/projects/2013/high-rise/index.html 13  http://gonegitmo.blogspot.com/2009/03/on-cover-of-

14  www.theguardian.com/technology/2017/oct/07/the-party-a-virtual

documentary-magazine.html

-experience-of-autism-360-video. Ver página 129.


como imersivos. Elas são responsáveis tam-

e conferências, empresas produtoras, eventos

bém por um crescente número de co-produções

e mercados catalisadores de novos projetos,

internacionais, como é o caso do docugame

fundos financiadores de projetos, universidades

Prison Valley (2010)15, fruto de co-produção

e centros de pesquisa.

entre o grupo ARTE e o National Film Board,

O Canadá é talvez o país que mais se destaca

que recebeu diversos prêmios por sua aborda-

atualmente como ‘ecossistema inovador’. O já

gem inovadora onde o espectador se cadastra,

comentado National Film Board (NFB) é reconhe-

ganha uma identidade anônima e percorre o

cido internacionalmente como um dos principais

conteúdo como se estivesse num jogo, podendo

produtores e distribuidores de narrativas intera-

inclusive fazer comentários que ficam visí-

tivas e imersivas. O Documentary Organization of

veis para outros visitantes. Também é o caso

Canada (DOC) é uma instituição bastante atuante

de Altération (2017)16, narrativa imersiva

no país. Desde 1994, em Toronto, o HotDocs Film

de ficção científica em realidade virtual

Festival, um dos maiores eventos de exibição

produzida pelo grupo ARTE em parceria com o

de documentários do mundo, anos depois veio a

estúdio Okio.

concentrar as atrações com narrativas digitais

Embora as obras de narrativas interati-

interativas e imersivas no programa HotDocX.

vas e imersivas configurem dois campos dis-

Do DOC também surge o docSHIFT, que organiza o

tintos, quando observamos os seus bastidores,

DocSHIFT Summit. Em Montreal, as universidades

notamos uma série de interseções. Situada

e produtoras aparecem como um hub de pesquisas,

entre a produção audiovisual, o design e a

interatividade e experimentação artística. O

programação, toda essa produção requer não

estúdio Felix & Paul surge nesse ambiente e

apenas os recursos, técnicas e conhecimen-

desponta como um dos produtores mais criativos

tos dessas áreas como precisam desenvolver

e profícuos de narrativas em realidade virtual17,

novas ferramentas, processos e habilidades

com obras como Through the Masks of Luzia18 e

técnicas, bem como referências estéticas. São

Dreams of O19, ambas produzidas em 2017 com o

necessários ainda novos arranjos produtivos

Cirque de Soleil. Na costa Oeste, por sua vez,

dentro da chamada ‘economia criativa’ que

Vancouver se consolida como um pólo de tecnologia

viabilizem os projetos e redes propulsoras

e inovação em realidade virtual e aumentada.

de inovação tecnológica e de experimentações

Ao longo dos últimos anos, uma série de

estéticas. Por isso a produção tanto de nar-

festivais contribuíram para a consolidação do

rativa interativa quanto imersiva, sobretudo

cenário e evidenciaram o reconhecimento das

quando falamos dos documentários e animações

obras interativas e imersivas. Na Europa, o IDFA

artísticas, se desenvolve inicialmente no

DocLab, em Amsterdam, exibe e premia documentá-

contexto de alguns pólos criativos na Europa

rios produzidos em novas mídias e plataformas

e América do Norte. Nesses lugares, emergiu

com duas categorias de premiação: o DocLab Award

uma série de iniciativas relacionadas entre

for Digital Storytelling e o Immersive Non-

si que constituem ecossistemas inovadores

Fiction Award. Também oferece treinamentos para

mais férteis, como os principais festivais 17  Veja entrevista com um dos fundadores do Studio Felix&Paul na página X 15  http://prisonvalley.arte.tv. Ver página 110.

18  https://www.felixandpaul.com/?projects/luzia. Ver página 127.

16  http://www.okio-studio.com/okio-project1-alteration.html

19  https://www.felixandpaul.com/?projects/o. Ver página 127.

O CENÁRIO INOVADOR DAS NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E MAYRA JUCÁ  · 8-17

13


a elaboração de projetos (DocLab Academy),

realidade virtual surgem, não por acaso, nestes

sessões de pitching e possui uma linha de

pólos. Upian (Paris); Okio Studio (Paris); Honkytonk

financiamento para trabalhos de natureza

Films (Paris); Felix & Paul Studios (Montreal e Los

interativa, imersiva e outras formas de arte

Angeles); Helios Design Labs (Toronto); Submarine

digital. Outros festivais como o Sheffield

Channel (Amsterdã); Penrose Studios (San Francisco),

Doc/Fest (Inglaterra) ampliam ano a ano o

estão entre as produtoras que vem se sobressaindo

destaque para mostras de realidade virtual

neste cenário, desenvolvendo projetos autorais mas

e outros formatos interativos e imersivos.

também obras sob encomenda para clientes da publi-

Até mesmo festivais internacionais de cinema

cidade, do jornalismo, ONGs. Além desses players

tão prestigiosos e tradicionais como os de

destacados, muitos produtores de pequeno e médio

Cannes (França) e Veneza (Itália) já possuem

porte passaram a se dedicar a projetos interati-

programas específicos para obras em plata-

vos e imersivos buscando financiamento a partir

formas inovadoras, com destaque para mostras

de rodadas de pitchings em festivais ou atentos a

e categorias competitivas exclusivamente

novas linhas de financiamento abertas por antigos

para obras em realidade virtual. Há ainda

investidores. Ligado ao Tribeca Film Festival, o

os festivais que se tornaram referência para

Tribeca Film Institute oferece, por exemplo, uma

documentários interativos como o Interdocs

linha de financiamento, o TFI New Media Fund, que

Barcelona (Espanha), que atualmente possui

apoia projetos de não-ficção sobre questões sociais

versões em países da América Latina como

contemporâneas que usam o poder do storytelling e

Chile e Colômbia.

da crossmedia em plataformas online, videogames e

Nos Estados Unidos, o Tribeca Film

aplicativos móveis, entre outros formatos.

Festival foi pioneiro - os organizadores

Para os novos produtores, os labs represen-

garantem que foi o primeiro - ao incluir uma

tam mais uma oportunidade para o desenvolvimento

categoria exclusiva para obras em realidade

de projetos. Trata-se de workshops e treinamentos

virtual (Tribeca Immersive) e a incorporar

oferecidos em feiras e festivais, como os já

obras online e até mesmo games em seu programa.

citados IDFA DocLab Academy e o Sundance New

Em 2018, o festival inovou ao abrir uma sala

Frontier. Mas há também programas mais extensos

especial para exibição de obras imersivas,

de acompanhamento e desenvolvimento de projetos

o Tribeca Cinema360. Não menos relevante, o

como o Interactive Documentary Workshop (IDW),

Sundance Festival tem o programa New Frontier

na Suiça, e o !FLAB20, na Inglaterra. O !FLAB,

Lab, que em 2013 já incorporava projetos de

programa criado e coordenado por Sandra Gaudenzi,

realidade aumentada entre outras formas de

consiste em uma série de encontros onde coaches

narrativas digitais interativas e imersivas. Na

especializados oferecem mentoria aos parti-

mesma linha do IDFA DocLab Academy de Amsterdã,

cipantes, através de dinâmicas e ferramentas

o New Frontier oferece treinamento e mentoria

direcionadas, baseadas em uma metodologia21 que

para desenvolvimento de projetos, mantendo um

parte do conceito de Desing Thinking. O programa

vínculo de médio prazo com os selecionados

é aberto a realizadores provenientes de diversos

para ajudá-los a entrar no mercado. Os primeiros estúdios especializados em obras digitais interativas e imersivas em

20  www.iflab.net 21  Sandra Gaudenzi assina artigo e entrevista, nas páginas seguintes, sobre a metodologia do programa !F Lab e o processo criativo de narrativas interativas.


campos e indústrias, com os mais variados

fundador da produtora, é também responsável

backgrounds profissionais.

pelo website webdocumentário.com.br, o primeiro

Neste universo de inovações constantes,

dedicado a disseminar novas formas de se contar

não há um formato ou processo de produção que

histórias no ambiente digital nesse sentido. Nos

funcione como um modelo a ser seguido. Cada

anos seguintes, uma série de projetos surgiu. A

projeto deve conceber seu formato, suas estra-

maioria deles esteve representada no programa da

tégias narrativas e seu processo de produção.

Mostra BUG 2018. Se destaca o premiado projeto

Essa característica acentua ainda mais a

transmídia Som dos Sinos (2014)24, do Estúdio

relevância dos laboratórios de desenvolvimento

Crua, que se multiplica em um webdocumentário,

de projetos, mas também o papel dos centros

um longa metragem documental, um aplicativo

de pesquisa e universidades na composição

para dispositivos móveis, um mapeamento sonoro

dos ‘ecossistemas inovadores’. Mais uma vez

e projeções itinerantes. O projeto se debruça

cabe destacar as iniciativas que vêm sendo

sobre a tradição dos toques de sinos das igrejas

realizadas pelo Open Documentary Lab, do MIT

históricas do estado de Minas Gerais, no Brasil.

(Massachusetts Institute of Technology), como

Como acontece em toda América Latina, a

o já citado Docubase, eventos como o Virtually

produção brasileira tem um perfil de engajamento

There, estudos como Mapping the Intersection

social e muitas obras são financiadas com recur-

of Two Cultures: Interactive Documentary and

sos de organizações da sociedade civil, fundações

Digital Journalism e o programa de residência

privadas com programas de financiamento a cam-

artística do Instituto.

panhas e projetos sociais, ou editais públicos voltados para iniciativas de cunho social. É o caso do próprio Som dos Sinos, da plataforma

CENÁRIO BRASIL: O BUG404

colaborativa Meu Rio Vale um Webdoc (2016)25, o documentário interativo Ilha Grande: cada praia

Ao longo da última década a produção de nar-

uma ilha; cada ilha um história (2016)26. O mesmo

rativas interativas e imersivas se estendeu a

se observa em relação a narrativas imersivas do

outras regiões além da Europa e na América do

gênero documentário, que começaram a surgir no

Norte. No segundo capítulo deste livro, Arnau

Brasil a partir de 2016, ano em que foi lançado

Gifreu-Castells traz um mapeamento atualizado

Rio de Lama: A Maior Tragédia Ambiental do

no artigo “Desenvolvimento atual do documen-

Brasil (2016)27, da produtora Junglebee. Na mesma

tário interativo e transmídia nas Américas,

linha, estão Fogo na Floresta (2017)28, da mesma

Europa e Austrália”. No Brasil, os primeiros

produtora, e Amazônia Adentro (2017)29, ambos

documentários interativos surgiram no começo

de 2017 e My Africa (2018)30, da ONG Conservação

da década. Filhos do Tremor – Crianças e seus

Direitos em um Haiti Devastado22, da produtora CrossContent, foi lançado em 2010, por exem-

24  www.somdossinos.com.br. Ver página 135, e entrevista com as realizadoras no capítulo 2.

plo. Rio de Janeiro: Autorretrato (2011)23,

25  www.meuriovaleumwebdoc.com.br/. Ver página 117.

da mesma produtora, é de 2011. Marcelo Bauer,

27  www.riodelama.com.br. Ver página 124.

26  http://ilhagrandewebdoc.website/. Ver página 108.

28  https://youtu.be/Jv8nkw8hy-c 29  https://www.conservation.org/global/brasil/Pages/Amazonia22  http://www.webdocumentario.com.br/haiti/

Adentro.aspx

23  www.riodejaneiroautorretrato.com.br. Ver página 109.

30  www.conservacao.org.br/myafrica. Ver página 125.

O CENÁRIO INOVADOR DAS NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E MAYRA JUCÁ  · 8-17

15


Internacional, em coprodução com parceiros. No final de 2017, um grupo de profissionais apoiados por empresas se reunia para criar uma comunidade brasileira de empreendedores atuantes no mercado de X-Reality (realidade virtual, realidade aumentada e realidade mista – conhecidos como XR). Em fevereiro de 2018 é formalizada a fundação do XRBR, um Hub Brasileiro de X-Reality. A iniciativa sem fins lucrativos visa conectar os elos da cadeia criativa e produtiva em um ambiente de troca de experiências entre profissionais, empreendedores, pesquisadores, gestores e financiadores. O HUB agrega todas as possíveis aplicações com XR, representando um universo ainda mais amplo do que o coberto pela Mostra BUG e por este livro. Mas aponta para um cenário auspicioso de desenvolvimento de um ‘ecossistema inovador’ para o campo das narrativas imersivas, conforme definimos aqui. Ainda que pareça dotada de um futuro promissor, a produção de narrativas imersivas no Brasil, hoje, não acompanha o volume e sofisticação da produção dos pólos inter-

Faz-se necessário não só um trabalho de comunicação entre os principais atores deste campo (realizadores, pesquisadores, críticos e público), como de divulgação das referências internacionais, tanto no sentido das obras, processos produtivos, procedimentos e estratégias, como das discussões e propostas estéticas. Trata-se de construir um terreno fértil que agregue inovações tecnológicas e experimentações estéticas e de linguagem, o que requer a cooperação entre realizadores e centros de pesquisa, base de dados, festivais e canais de informação a respeito desse campo incipiente e promissor.

nacionais. Mas, se olhamos para além das (PAZ E SALLES, 2015: P. 157)

interfaces, notamos a riqueza de propostas criativas, realizadas com limitados recursos financeiros. O incipiente cenário brasileiro

Este diagnóstico foi a motivação central para a

se baseia na iniciativa de empreendedores

fundação do Bug40431, um portal e rede de diálogo

que trabalham com pequenas equipes e baixo

e colaboração entre pesquisadores e realizadores

orçamento, sem um bastidor que impulsione os

que visa contribuir para a disseminação das

projetos, como festivais, linhas de finan-

narrativas interativas e imersivas no Brasil,

ciamento apropriadas, atuação de grandes

sobretudo no sentido de apoiar a concepção,

empresas. O diagnóstico apresentado em 2015

desenvolvimento e produção de novos projetos. A

por André Paz e Julia Salles, em artigo sobre

ideia é incentivar a articulação da Universidade

os documentários interativos no Brasil, segue

com diferentes atores: artistas, produtores,

atual e se estende facilmente ao que chamamos

gestores, público. O projeto partiu da divulgação

aqui de narrativas imersivas: 31  bug404.net


de conteúdo especializado em mídias sociais e

de difusão de narrativas interativas e imersivas

website e articulou acadêmicos de diferentes

no Brasil, com mais de 50 obras selecionadas,

universidades, produtores audiovisuais e

incluindo uma conferência e diversos workshops

interessados oriundos de diversas áreas profis-

na programação. Tanto a Mostra como este livro

sionais, que passam a colaborar com a produção

estão organizados como uma introdução ao campo e

de conteúdo textual, eventos, e oportunidades

uma contribuição para o fortalecimento de nosso

de parcerias técnicas ou científicas em torno

‘ecossistema’ para a realização de novos proje-

de documentários interativos, realidade vir-

tos. Os autores aqui reunidos são parceiros na

tual, docugames, narrativas mobile.

empreitada de, para além de documentar e mapear

Logo o Bug404 foi diversificando suas

um cenário, contribuir para um diálogo amplo

ações com os mesmos princípios. Na Universidade

entre os que nele atuam: curadores, pesquisado-

Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO),

res, produtores, artistas e público.

o programa de extensão BugLab apoia encontros de produtores e interessados em todo o Brasil, realiza workshops e ações de divul-

REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS

gação. Pesquisadores e alunos criam o projeto

BugBrasil, um mapeamento inicial do campo das narrativas interativas e imersivas em esfera nacional, e assumem as traduções para o português do Docubase, em colaboração com o MIT

Open Documentary Lab. A parceria com Arnau

GAUDENZI, Sandra. (2013). The Living Documentary: from representing reality to co-creating reality in digital interactive documentary. Tese de Doutorado, Goldsmiths College, University of London.

GIFREU-CASTELLS, Arnau. (2013). El Documental Interactivo: evolución, caracterización y perspectivas de desarrollo. Barcelona: UOCPress

Gifreu-Castells leva à tradução, legendagem e divulgação do metadocumentário interativo

Jenkins, H. (2006). Convergence Culture: Where Old and New Media Collide. New York: NYU Press.

COME/IN/DOC. Em uma das oficinas em São Paulo, em parceria com a Associação Kinoforum, o

LaValle, Steven M. (2017). Virtual Reality. Cambridge, Mass: Cambridge University Press.

Bug404 é facilitador do desenvolvimento de um webdocumentário em formato de hackathon. A

LEVY, Pierre. (2000). A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 3. ed. São Paulo: Loyola.

oportunidade articula um grupo de profissionais criativos em torno da proposta de realizar um projeto em seis dias. Após atingirem a meta com o lançamento do webdoc Pedalei Até Aqui? (2015)32, alguns deles seguem unidos e fundam o Crop Coletivo33, em São Paulo, dedicado a documentários interativos. Em 2018, em parceria com a produtora cultural Automática e com financiamento do Centro Cultural Oi Futuro, o BUG404 desenvolve a proposta da Mostra BUG, o primeiro evento

32  http://www.bug404.net/pedalei/. Ver página 119.

___________. (1999). Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 260 p.

MIT Open Documentary Lab. (2016a). Virtually There. Documentary Meets Virtual Reality. A Conference Presented by The Mit Open Documentary Lab, The John D and Catherine T. Macarthur Foundation and The Phi Centre.

MIT Open Documentary Lab. (2016b). Mapping the Intersection of Two Cultures: Interactive Documentary and Digital Journalism. A Report supported by the John D. and Catherine T. MacArthur Foundation

Murray, J. (2003). Hamlet no holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo: Itaú Cultural; UNESP.

Paz, André and Júlia Salles. (2015). Brasil, Mostra a sua Cara: aproximações ao cenário brasileiro de documentários interativos. Revista Doc On Line 18: 130-165. http://www.doc.ubi.pt/.

33  http://www.cropcoletivo.com.br/

O CENÁRIO INOVADOR DAS NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E MAYRA JUCÁ  · 8-17

17


VISÃO PANORÂMICA

PENSANDO AS NARRATIVAS INTERATIVAS ‘FORA DA CAIXA’: UMA CONVERSA COM SANDRA GAUDENZI POR ANDRÉ PAZ1

1 André Paz é professor e pesquisador da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Leciona no Mestrado Profissional em Criação e Produção Digital da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Diretor e produtor de narrativas interativas. Idealizador e coordenador do Bug404. Curador da Mostra Bug em 2018.

BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0  ·  RIO DE JENRIO  ·  224 PÁGINAS  EDITORA: AUTOMATICA  · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO  ·  BUG404.NET

18


Quando Sandra Gaudenzi começou a acompa-

Nesta conversa que tivemos em Londres, em

nhar o campo das narrativas interativas, o

março de 2018, nos dias seguintes à rea-

termo da moda era multimídia. Depois veio a

narrativa

as

crossmedia

narrativas

e

depois

transmídia.

“Já

lização do i-Docs, onde estivemos juntos

vieram

em Bristol, Sandra explica melhor o que a

passamos

levou a definir sua própria terminologia

por tantos termos diferentes que nem me

e aprofunda sua visão sobre os ‘interati-

lembro mais”, ela brinca. Quando escreveu

vos factuais’.

sua tese de doutorado , há 10 anos, ela 2

usava o termo ‘documentário interativo’. Mas

havia

uma

insatisfação,

pois

ela

acreditava que esse conceito significava mais do que apenas um projeto que vem do universo dos documentários.

Sua busca por

um termo mais ‘inclusivo’ a levou ao con-

VAMOS COMEÇAR PELA DEFINIÇÃO DO ‘INTERATIVO FACTUAL’. NAS SUAS PALAVRAS, O QUE SIGNIFICA, E O QUE A LEVOU A SUGERIR ESTE TERMO?

ceito de ‘narrativa interativa factual’, ou

simplesmente

‘interativos

factuais’

(interactive factuals, no inglês).

Quando qualquer campo novo está surgindo, a terminologia muda o tempo todo. De modo

Sandra iniciou sua carreira como produ-

que é sempre uma escolha, se você aceita

tora de TV, mas migrou para a academia,

o último modismo ou procura criar sua pró-

se

digitais

pria terminologia. O motivo que me levou

interativas e hoje é professora sênior do

a adotar o termo ‘interativo factual’ nos

novo Digital and Interactive Storytelling

últimos quatro ou cinco anos foi que eu

LAB, na Universidade de Westminster, na

percebi

Inglaterra,

explorar,

e ‘documentário’ era enganoso para mui-

experimentar e se destacar nas maneiras

tas pessoas que não vinham da área dos

de se contar histórias em nossa cultura

documentários.

especializou

digital”.

em

“um

Criou

narrativas

lugar

o

!F

para

Lab3

(Interactive

Factual Lab), um programa de treinamento criativo onde projetos são incubados e os realizadores recebem apoio para chegarem a um protótipo, é autora de livros e artigos, coordena o i-Docs4, principal evento acadêmico exclusivo sobre o tema, presta consultoria e ministra palestras.

que

manter

apenas

‘interativo’

Quem trabalha com educação, por exemplo, e está criando um aplicativo sobre a antiguidade,

normalmente

não

vai

achar

que

está criando um documentário interativo porque

a

maior

parte

das

pessoas

vai

dizer “ah, mas eu não trabalho com documentários”. A mesma coisa vale para os jornalistas. Há um grande campo de jornalismo interativo e de jornalismo digital acontecendo agora, e nenhuma das pessoas

2  The Living Documentary: from representing reality to co-crea-

ting reality in digital interactive documentary, está disponível em http://www.interactivefactual.net/phd/ 3  http://www.iflab.net/

envolvidas se vê, ou ao seu trabalho, no âmbito

dos

documentários

interativos,

porque a palavra documentário se tornou

4  https://idocs2018.dcrc.org.uk/

PENSANDO AS NARRATIVAS INTERATIVAS ‘FORA DA CAIXA’: UMA CONVERSA COM SANDRA GAUDENZI  ·  POR ANDRÉ PAZ · 18-25

19


um empecilho. E é por isso que eu resolvi

podiam se expressar, postar seu conteúdo.

mudar o termo e abrir para uma definição

É quando há, de repente, um grande aumento

mais ampla, ‘interativo factual’ que é um

de conteúdo que vem das pessoas que falam

termo que uso e acho que praticamente o

de suas vidas, de suas realidades, e que

grupo todo do i-Docs, com o qual colaboro,

estão efetivamente criando conteúdo digi-

está usando.

tal factual.

É uma maneira de se colocar da forma mais

Com o tempo a internet progrediu, deixamos

inclusiva possível, para que as pessoas

para trás a era CD-ROMs - é claro que os

que trabalham no campo da arte, por exem-

CD-ROMs e os DVDs foram os avós das nar-

plo, e que fazem não ficção com HoloLenses

rativas interativas – e veio o momento das

e realidade virtual, também percebam que

bandas largas (ou seja, a capacidade de ter

fazem

o

bastante conteúdo de vídeo). Foi então que

resultado é abrir o campo, e a única dis-

as revistas, os jornais, as emissoras, o

tinção aqui passa a ser se é puramente

campo da educação, as universidades aber-

factual e se usa interatividade. Destaco

tas, todo mundo começou a pensar: “espera

a interatividade, pois, a meu ver, se você

aí,

posta a sua matéria jornalística ou docu-

é aqui que podemos expor e oferecer às

um

mentário

‘interativo

internet,

YouTube,

isso

é

um

campo

inteiramente

novo,

você

pessoas conteúdo de não-ficção. E, já que permite interatividade, por que não usar?”

digital,

mas

não

no

Então

está definitivamente criando uma narrativa

na

factual’.

interativa.

Para

que seja interativa você precisa dotar o usuário de alguma capacidade de agência, e é a partir deste ponto que eu acredito que nasce um produto diferente.

No momento em que os grandes jornais como

The Guardian e o The New York Times, digamos, há uns 10 anos, começaram a pensar que o futuro do jornalismo não está mais no papel, mas está online, passaram a ter uma escolha: queremos postar apenas matérias lineares que são baseadas em texto (porque a internet é apenas um modo de

COMO VOCÊ AVALIA, HISTORICAMENTE, O SURGIMENTO DESTE NOVO CAMPO?

distribuí-las), o

meio

ou

queremos

possibilita,

ou

usar

seja,

o

que

permitir

movimentos para adiante e para trás, um O surgimento do campo interativo factual se associa estreitamente ao surgimento da internet. Foi quando a internet 2.0 permitiu às pessoas criarem conteúdos participativos, colaborativos e individuais, entre o ano 2000 e 2005, nos primórdios da a

Wikipedia ideia

de

e

que

do a

YouTube. internet

Ali

nascia

poderia

loop que se retroalimenta, e inclui a participação dos usuários na narrativa? E, claramente, de forma bem gradual, houve uma abertura para a segunda opção, que é de usar o meio no seu máximo potencial. Então eu acho que é uma evolução gradual. E que a internet, quando começa, há uns 15

ser

anos, na forma como entendemos a internet

um lugar de liberdade, onde as pessoas

hoje - como um instrumento participativo


- foi o início da narrativa interativa. E

levou ao desenvolvimento do Oculus Rift,

cada vez mais a indústria compreendeu que

que

esta era a nova forma de ser. Na verdade,

proposta viável para o mercado.

nos últimos cinco anos foi quando realmente começamos a ver grandes projetos. Com as televisões entrando nesse campo, e até organismos de financiamento de cinema começando a criar, a nível nacional, ao redor do mundo, alguns órgãos de financiamento do cinema interativo, ou de jogos interativos, para criar mais deste tipo de conteúdo.

então

se

tornou

repentinamente

uma

Agora só o que se ouve, nos últimos três anos, são pessoas pensando “oh, agora que temos uma tecnologia nova, a bom preço, vão precisar de conteúdo, então vamos nos lançar nesta nova coisa e vamos produzir conteúdo, quer de ficção ou não-ficção,

factual,

pornografia,

quer para

para

educação,

treinamento”.

para

Então,

sim, há um boom, e sim, é uma tendência significativa. Dito isto, cabe dizer também que os dispositivos de RV vendidos ao redor do mundo

NOS ÚLTIMOS DOIS ANOS A REALIDADE VIRTUAL (RV) VEM SURGINDO COMO UMA POSSIBILIDADE NARRATIVA ATRAENTE, E VEM GANHANDO FORÇA. QUAL A SUA OPINIÃO SOBRE ESTA MÍDIA?

ainda estão bem longe de se tornarem de fato

um

siderar

que

poderíamos

con-

comercialmente

novo

meio

disponível

para

todos. Por ora, o que vemos é que a curva de usuários está na verdade começando a

diminuir, e não está seguindo as previ-

aqueles

sões. Então vamos ver o que acontecerá

que acompanham o trabalho de Jaron Lanier

com a realidade virtual. Acho que, fre-

sabem

grande

quentemente, é mais uma questão das rea-

boom, e que a realidade virtual era pos-

lidades comerciais e de desenvolvimento

sível, mas o problema era o seu custo.

de mercados do que sobre como poderíamos

O que realmente mudou essa equação foi

usá-la (a realidade virtual) do ponto de

quando o Oculus Rift conseguiu produzir

vista criativo.

os

preço

Tenho observado que estas tendências têm

problema

vida bastante curta. Nos últimos dois anos

Para

começar,

existe

do

pelo

que

nos

primeiros

razoável, enjoo

a

e

realidade

menos

anos

80

25

anos,

houve

dispositivos quando

resolvem

a

um o

se falava da ‘realidade virtual’, e agora

se

a palavra da moda é a ‘realidade aumen-

você quisesse fazer deste meio um mercado

tada’, porque se fala das HoloLenses, e a

de massas. Isso só aconteceu, diria, há

Microsoft que criou a ‘realidade mista’

uns

então

era

quatro

um

pelo

um

que

ainda

provocado

virtual

problema

anos.

E

movimento, considerável

foi,

na

verdade,

o

resultado de bastante empenho por parte

estamos

entrando

na

próxima

grande novidade...

da jornalista que vem trabalhando com a realidade virtual e o jornalismo digital,

A minha intuição me diz que a tecnologia

Nonny De La Peña. Parte de sua pesquisa

está pronta para se baratear, e tomar a

PENSANDO AS NARRATIVAS INTERATIVAS ‘FORA DA CAIXA’: UMA CONVERSA COM SANDRA GAUDENZI  ·  POR ANDRÉ PAZ · 18-25

21


direção

de

criar

um

mercado

de

massa.

Acho que exatamente a mesma coisa ocorre

webdocs,

webdocumentários.

O

com

torne a rainha deste segmento de mercado,

momento em que os webdocs eram novos, no

acho que será apenas de uma pequena parte

sentido em que ninguém tinha visto nada

dele. Acredito que, no longo prazo, novos

parecido antes, provavelmente já passou.

desenvolvimentos

poderão

surgir.

Ainda

precisamos ver muitos novos dispositivos que serão talvez mais próximos do que o

Google estava tentando fazer com o Google glasses. Sim, nos próximos 10 anos isso vai se desenvolver e haverá definitivamente um mercado, mas não creio que será o único mercado.

os

os

Não acredito que a realidade virtual se

Eu diria que há sete anos, por volta do ano de 2010, havia talvez uns sete, e entre 2010 e 2014 surgiram muitos webdocs. Isso fica evidente porque as emissoras estavam investindo neles, sabemos porque os jornais faziam uma boa quantidade deles, e agora não falamos mais deles. Mas não quer dizer que deixaram de existir, significa

Tal como as plataformas móveis, os celu-

apenas que eles não são mais uma novidade.

lares, tem tamanha importância na nossa

O nosso sistema de mídia agora precisa

vida, pois é neles que as pessoas real-

falar

mente consomem seu conteúdo agora, acre-

precisa

dito que nos próximos cinco anos ainda

Mas, para mim, isso também quer dizer que

teremos

no meio tempo os webdocs, o jornalismo

RV

muitas

(realidade

novas virtual)

plataformas, e

RA

e

a

(realidade

de

da

realidade

alimentar

formato

longo

virtual

a

ideia

porque

da

(longform)

ele

inovação.

que

usa

a

aumentada) e RM (realidade mista) e RX

internet para criar matérias mais longas

(realidade estendida), seja qual nome se

e ricas em mídias, com vídeo etc., hoje

dê a elas, ficarão apenas para consumido-

estão se tornando a norma. E é desta forma

res pioneiros.

que consumimos muito de nossas notícias, quando usamos os aplicativos das grandes emissoras. De modo que o webdoc não morreu, ele sim-

HÁ AQUELES QUE DIZEM QUE O WEBDOCUMENTÁRIO ESTÁ MORTO. O QUE VOCÊ ACHA?

plesmente se tornou parte de nossa cultura e não o chamamos mais por esse nome. Não precisamos mais de um nome novo para ele, porque ele está ao nosso redor e o usamos

Um aspecto que eu adoro da história das

o tempo todo. Qualquer website que seja

inovações é que as coisas são novas até que

um

as pessoas se acostumem a elas, e então,

cado, que não seja apenas de texto, que

de repente elas se tornam velhas. Basta

tenha capítulos, histórias, entrevistas,

pensar na eletricidade e na torradeira,

som e vídeo, é efetivamente um webdoc.

esses produtos tiveram uma vida como ino-

Simplesmente não usamos mais esse termo.

vações que foi razoavelmente curta, mas eles revolucionaram o modo como vivemos.

pouquinho

mais

empolgante

e

compli-


filhos e eles são adolescentes, e nenhum deles jamais ligou a nossa televisão. A televisão na nossa casa está morta. O que

TOMANDO UMA PERSPECTIVA MAIS AMPLA, QUAIS SÃO OS MAIORES DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO DO CAMPO DO ‘INTERATIVO FACTUAL’?

não quer dizer que eles não consumam conteúdo. Mas eles consomem conteúdo online e eles o consomem com uma lógica diferente. As emissoras precisam saber disso, e se

O desenvolvimento do campo do interativo

alguém quer que essa garotada se envolva

factual basicamente se resume à quanti-

com o mundo, que leiam as notícias, que

dade de dinheiro que é investida nele.

se

Acredito

precisa entender de que modo eles querem

que

as

grandes

instituições,

sejam elas as emissoras, os jornais, edu-

engajem

em

qualquer

movimento,

você

consumir informação e narrativas.

cadores, universidades, os investimentos na

inovação

a

nível

nacional,

têm

seu

Então,

eu

acredito

que

estamos

em

um

papel, e será necessário investir nisso

momento interessante, para que o campo se

porque esse é o futuro. Mas o que eu estou

desenvolva

vendo é que há muitos grandes atores que

massivos e as pessoas estão indo nesta

estão resistindo a assumir esse papel, e

direção, mas o que vemos é uma espécie

é normal, é assim que acontece. Se você é

de resistência, que ao meu ver vai ser

um jornal e investiu a vida toda em ter um

bastante

know how sobre contar histórias de maneira

pessoas e as grandes instituições come-

linear, e era aquele o seu diferencial,

çarem a perder a sua audiência, é nesse

o fato de que você precisa repentinamente

momento

mudar sua forma de contar histórias é na

vai ser um choque de realidade: ou nos

verdade bastante ameaçador.

lançamos, ou morremos.

precisamos

curta

que

-

elas

no

de

investimentos

momento

vão

se

em

ligar,

que

as

porque

Então, entendo perfeitamente que há uma tendência

a

se

manter

conservador

e

a

dizer não-não-não, não vamos nessa direção, porque se começarmos a investir em inovação e em mudar nosso modo de contar histórias, vamos mesmo ter que mudar de

VOCÊ GOSTARIA DE DIZER ALGO ESPECIALMENTE PARA A AUDIÊNCIA BRASILEIRA?

forma radical. Então há uma tendência a ficar no que já conhecemos, na esperança

Bom, primeiro que eu gostaria muito de

de que as coisas não mudem rápido demais,

ver mais projetos brasileiros. Eu conheço

e que, portanto, sabe, estaremos seguros.

alguns, mas muito poucos, e tenho certeza

Mas,

ao

mesmo

tempo,

acredito

que

vai

haver uma realidade de mercado em que as emissoras e os jornais que se recusarem a

que há muita coisa acontecendo no Brasil. Por que não há mais projetos brasileiros de alcance internacional? A segunda

mudar vão morrer. Olhe o meu caso: tenho

PENSANDO AS NARRATIVAS INTERATIVAS ‘FORA DA CAIXA’: UMA CONVERSA COM SANDRA GAUDENZI  ·  POR ANDRÉ PAZ · 18-25

23


coisa que gostaria de dizer é que acredito que o mundo interativo tem muito ainda de

indústria

artesanal.

Ou

seja,

você

pode realmente cozinhar com seus próprios ingredientes,

você

não

precisa

sempre

fazer uma refeição de master chef, você pode criar uma refeição bastante empolgante, associando elementos que ninguém nem iria pensar em juntar. Eu acho que no movimento Open Source5 há uma

grande

margem

para

jovens

espertos

e talentosos, que não vêm de indústrias definidas, que não estão pensando, ‘oh, sou apenas um músico’, ou ‘sou apenas um cineasta’, ou ‘sou apenas um fotógrafo’. Acho que as pessoas de 20 anos hoje que sabem um pouco sobre programação, sabem que programação é uma porta de entrada para todos esses campos, e eu acho que vai ser aí onde veremos os talentos. Acho que é aí que as pessoas podem ser incrivelmente criativas, mesmo com poucos recursos. E o que eu realmente adoraria é ver essa incrível energia criativa que os brasileiros têm para a música, sabe, o carnaval e tantas outras coisas, ser aplicada ao campo interativo, porque tenho certeza de que ela está lá, só precisa se colocar de forma um pouco mais audaciosa.

5  https://opensource.org/



VISÃO PANORÂMICA

DO LINEAR AO DIGITAL INTERATIVO: UMA TRANSIÇÃO QUE DEMANDA MIND SHIFTS SANDRA GAUDENZI1

1  Sandra Gaudenzi é Chefe de Estudos do !F Lab (Laboratório Factual Interativo). Ela tem consultado, orientado, pesquisado, ministrado palestras, escrito, e blogado sobre narrativas interativas nos últimos vinte anos. É Senior Lecturer do LAB de Narrativas Interativas Digitais da Universidade de Westminster (Londres, RU); Membra visitante no Centro de Pesquisa de Culturas Digitais (UWE, RU); co-diretora do site e conferência i-Docs e co editora do livro: i-docs: as Práticas Emergentes dos Documentários Interativos. (i-docs: the Evolving Practices of Interactive Documentary).

BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0  ·  RIO DE JENRIO  ·  224 PÁGINAS  EDITORA: AUTOMATICA  · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO  ·  BUG404.NET

26


A maioria de nós concorda que histórias

Então, o que será que acontece com a contação

possuem um papel fundamental em nossa com-

de histórias nessa paisagem digital que tão

preensão de mundo (Bruner, 1986). Ao longo da

rapidamente evolui neste século?

vida, precisamos aprender diversos padrões

A história da mídia demonstra que as

do mundo para navegá-lo, e as histórias

narrativas sempre se adaptam para permitir que

são de grande ajuda para que esses padrões

fiquemos em dia com os novos tempos. Isso acon-

sejam explicados e lembrados sob a lógica

teceu com livros, cinema, televisão, e agora,

de nossos pais e ambiente cultural.

mais uma vez, com a internet. A narração de

As histórias esclarecem nossa existên-

histórias (storytelling) nos ajuda a explicar,

cia e nos dão sensações de pertencimento.

mas também a moldar o mundo em que vivemos.

Há psicólogos que argumentam que usamos

Mídia, tecnologia e sociedade se conectam de

histórias até mesmo para a auto compreensão,

formas reciprocamente influentes. Não é nenhuma

para entendermos o nosso mundo interior, e

surpresa então que um meio associativo como

para achar alguma coerência dentro de nossa

a internet gere novas opções narrativas hoje,

personalidade múltipla (Mc Adams, 1993). A

estendendo a lógica causal de filme e livros. O

razão disso é que “histórias lineares tem a

Obra Aberta (Eco, 1962) e o cinema avant-garde do

vantagem de simplificar coisas complexas”

século 20 - que procuravam se libertar do autor

(Thalhofer, 2018:106). Uma vez que a história

único e da narrativa aristotélica - finalmente

linear é baseada na lógica causal - isso

encontraram um meio que os liberta: a World

aconteceu, depois aquilo aconteceu – ela

Wide Web. A mídia digital reflete os nossos

contribui para formar nossa visão de mundo

tempos. Em um mundo mais incerto, as histórias

determinista, em que coisas são processá-

modernas precisam nos ajudar a lidar com as

veis e previsíveis, já que sempre terminam

nossas incertezas. Como resultado, sentimos a

em um único final. O problema é que “mais

necessidade de criar histórias abertas, que

frequentemente, as coisas não são causas

podem variar, se adaptar, serem compartilhadas,

umas das outras, elas se influenciam entre

serem co-autorais, e, às vezes, ter mais do

si” (ibidem)... Então, não seriam enganosas

que um só final.

as narrativas lineares ao proporcionarem uma explicação simplificada para o mundo?

Não se trata de dizer que os filmes estejam ultrapassados, mas apenas que a mídia digital

Há mais complicadores: o mundo está se

interativa hoje nos oferece uma plataforma para

tornando cada vez mais imprevisível. Vinte

explorar nosso mundo complexo, multivocal, e

anos de tecnologia digital mudaram o mundo

em rápida mudança. Nas palavras da teórica de

de tal forma que se exige constantemente que

mídia de telas Patricia Zimmermann,

sejamos ‘inovadores’ e “fluidos” em nossas abordagens, ou seja, nossos aprendizados anteriores não são mais considerados tão úteis hoje. Dois séculos atrás, quando a maioria das crianças eram aprendizes profis-

a nova mídia polifônica possui estratégias para rejeitar o autor único, a voz singular, a

sionais de seus pais, não era esse o caso.

DO LINEAR AO DIGITAL INTERATIVO: UMA TRANSIÇÃO QUE DEMANDA MIND SHIFTS  ·  POR SANDRA GAUDENZI · 26-35

27


interpretação final. Ao invés disso, essas obras operam como tecnologias, sistemas e práticas para unir muitas vozes que abrem espaços para que ideias complexas e trocas participativas se desenvolvam por sua vez, de modo inesperado e via agregações (2018:10).

fazer com elas, e como elas moldam o relacionamento entre o autor/sujeito/audiência? Adotar as narrativas digitais é fazer uma transição para uma nova forma de narrativa, que questiona nosso mundo compartilhado. Podemos fazer uso de tipos de plataformas digitais em constante evolução (celular, tablet, computador, realidade virtual, realidade aumentada, hologramas, etc.) e aumentar nossa definição de narrativas para muito além da estrutura aristotélica de início/meio/fim. Por fim, é também uma tomada de posição neste mundo digital aberto. Escolher uma forma interativa, em vez de uma linear, é

Minha mensagem para os produtores de mídia é a

uma declaração por si só. É sobre abraçar as

seguinte: usar a internet como uma plataforma

mudanças de mentalidade que permitem se livrar

de distribuição mundial para os seus vídeos

da ilusão de um mundo previsível e causal e se

é um bom começo, mas é um pouco como usar um

mudar para um universo de ação mais fluido e,

carro para ir na velocidade de um cavalo. A

às vezes, imprevisível.

mídia digital permite muito mais, por que não

Quando percebi que contadores de histórias

avançar? A tecnologia móvel permite conectar

tinham dificuldades para abraçar a interativi-

sujeitos e imbuí-los de uma voz direta. Como

dade por motivos mais complexos do que a falta

adotar essa força criativa em seus projetos?

de habilidades tecnológicas, decidi criar um

Adotá-la ao construir comunidades ou adotar

workshop que questionaria e ‘remixaria’ as cren-

estratégias de co-criação e aceitar reduzir

ças autorais, práticas de mídias audiovisuais e

a autoria de suas próprias histórias? A

técnicas de ideação digital. A ideia por trás

mídia interativa permite envolver o público

do que se tornou o !F Lab (Laboratório Factual

e dar a ele o poder de escolher, pesquisar,

Interativo) era criar um espaço para que nar-

mudar, comentar ou adicionar elementos às

radores entendessem a mídia interativa como um

suas histórias. Esse poder é a agência que

espaço de liberdade, para que mergulhassem na

se dá aos usuários. Como usá-lo? Que limites

fluidez como estratégia de co-criação, e por

vamos impor? O que vão aprender com isso?

fim, criassem projetos que refletissem nosso

Plataformas digitais diferentes atendem a

mundo compartilhado, nossos medos e esperanças.

diferentes tipos e níveis de interatividade. Qual é o nível de interação e qual a plataforma adequada para a sua história?

O !F LAB E O PROCESSO WHAT IF IT

Essas escolhas são tanto as oportunidades quanto os dilemas de nosso novo

O !F Lab (Interactive Factual Lab) é um workshop

mundo digital: temos mais liberdade e mais

de treinamento financiado pela União Europeia e

escolhas, como nunca antes, mas onde estão

produzido pela agência de inovação iDrops, que

os limites de tais escolhas, o que podemos

eu co-lancei em 2015. O objetivo do !F Lab era


dar o fomento necessário para que pessoas

seus países de origem com a tarefa de pesquisar

criativas e talentosas pudessem contar his-

seu público, testar suas ideias, repetir e tes-

tórias de impacto usando a tecnologia digital

tar o conceito, e voltar preparados ao workshop

e dar um empurrãozinho no desenvolvimento da

seguinte, o Prototype Booster. A segunda sessão

indústria. O contexto para essa iniciativa era

de 5 dias foi concebida para dar apoio às equipes

a adoção pioneira de narrativas interativas

enquanto transformavam o protótipo no papel em

por parte de ‘grandes players’ (emissoras como

uma versão digital inteiramente funcional. Com

a ARTE, BBC, SBS e jornais tais como o The

esse objetivo, organizamos um Prototype Jam, em

New York Times e o The Guardian) que começou

que programadores e designers externos se junta-

a ocorrer por volta de 2008. O problema é

ram às equipes e os ajudaram a criar a primeira

que eles pouco compartilhavam sobre suas

versão digital de seus projetos. Essa atmosfera

práticas de produção, e pequenas empresas

de hackathon (maratona de programação) pressionou

audiovisuais tiveram dificuldades de entrar

os participantes a compartilhar suas ideias com

no campo. Conscientes das dificuldades que

pessoas novas, aceitar influências que vinham

os produtores criativos tinham ao se lan-

de campos diferentes e conhecimentos diversos.

çarem em territórios desconhecidos, nosso

Nem sempre foi fácil, mas na maior parte dos

objetivo no !F Lab era simples: 1. Ajudar

casos, serviu como uma forma de abrir os olhos

no desenvolvimento de formas inovadoras de

à natureza fundamentalmente pluridisciplinar da

contar histórias em âmbito digital ao nos

produção interativa.

tornarmos mentores de novos projetos, e 2.

Durante minha experiência como Chefe de

pesquisar as melhores práticas de produção

Estudos do !F Lab, percebi que se lançar na criação

da indústria, testando-as. Entre 2015 e

de um projeto interativo é excitante mas também

2018, o !F Lab guiou 72 participantes de

assustador, e que o desafio que precisava vencer

25 países e convidou experts criativos de

era criar um ambiente em que as pessoas se sen-

ponta do mundo todo para compartilhar seu

tissem inspiradas, desafiadas, apoiadas e também

conhecimento conosco.

completamente livres. No !F Lab, fizemos isso ao

A estrutura do !F Lab mudou com os anos,

misturar apresentações, trabalho ‘mão na massa’

mas sua lógica essencial era funcionar como

nos projetos, e um acompanhamento individualizado

uma incubadora de projetos via uma série de

de mentores atentos. Para garantir que todos os

workshops para grupos com ênfase ‘mão na

projetos passassem pelo mesmo processo, criamos

massa’, intercalados com períodos de descanso

dois tipos de instrumentos de aprendizado: cards

de dois meses, nos quais as equipes podiam

(cartões) e canvases (telas). Cards eram mini

atualizar as decisões tomadas nos encontros.

palestras ministradas pelos nossos treinadores,

No último workshop do !F Lab, na primeira

e já as canvases foram concebidas como exercícios

sessão de 5 dias de duração, (o Story Booster),

práticos para ajudar cada equipe a tomar decisões

reunimos todos os participantes liderados pela

relacionadas a seus próprios projetos, e progredir

equipe do !F Lab. Nesta fase, eles fizeram

até o próximo passo. Passar de uma mini-palestra

a transição, ainda no papel, do conceito

à realização através da prática ‘mão na massa’

inicial a um protótipo acabado de sua ideia

proporcionou o ponto certo de equilíbrio que

interativa. Os participantes então voltaram a

desejávamos entre guiar e dar total liberdade.

DO LINEAR AO DIGITAL INTERATIVO: UMA TRANSIÇÃO QUE DEMANDA MIND SHIFTS  ·  POR SANDRA GAUDENZI · 26-35

29


IMAGEM 2. CARDS E CANVASES DO PROCESSO WHAT IF IT (HTTP://WWW.IFLAB.NET/)

Chamamos esse processo de WHAT IF IT, já que ele começa com uma pergunta (O QUÊ é o meu conceito?) e depois pede que você Interaja com o seu público (logo o “I”), depois Formule seu desafio e impacto (“F”), Idealize,

através da criação de protótipos

(logo o “I”) e finalmente Teste (”T”) antes de começar de novo.

IMAGEM 3. EXEMPLO DE CANVAS: O CANVAS DO CONCEITO HTTP://WWW.IFLAB.NET/

IMAGEM 1. AS 5 FASES DO PROCESSO WHAT IF IT(HTTP://WWW.IFLAB.NET/)

O processo WHAT IF IT é uma metodologia que pode ser usada por qualquer pessoa ao iniciar uma produção e não exige nenhum conhecimento técnico. Se baseia em alguns princípios fundamentais, que acredito sejam úteis como um guia na produção de narrativas inovadoras e interativas: começar pelo usuário, dotar o seu projeto de um

Ao mesmo tempo em que encorajo o leitor a

objetivo (ou impacto) claro, trabalhar com uma

baixar o The !F Lab Field Guide to Interactive

equipe multidisciplinar desde o primeiro dia,

Storytelling Ideation2 e usá-lo, também gostaria

e adotar uma abordagem do processo de produção

de lembrá-lo que nenhuma metodologia é imutável,

que é iterativa (baseada na repetição, análise

e que foi concebida para o auxiliar, não para

e aperfeiçoamento de ações) e centrada no usu-

criar limites. Por favor, experimente o método,

ário. Para ter uma ideia, veja o resumo de todo

e mude-o de acordo com suas necessidades e

o material de apoio que usamos para ajudar os

ambiente profissional. Eu fiz a mesma coisa.

participantes a identificar o ‘conceito exato’ de seus projetos.

2  http://www.iflab.net/wp-content/uploads/2019/01/The-F-Lab-FieldGuide.pdf


O professor André Paz da UFRJ me con-

DIRETRIZES, OU MUDANÇAS DE MENTALIDADE

tatou em 2017, com o convite para adaptar o

(MIND SHIFTS), PARA A PRODUÇÃO DE

WHAT IF IT para o contexto brasileiro. Graças

NARRATIVAS INOVADORAS E INTERATIVAS

ao apoio da British Academy Newton Mobility

Grant, começamos um projeto de pesquisa de

Ao começar uma narrativa interativa, nos con-

um ano com o objetivo de trazer o nosso

frontamos com uma série de perguntas: Qual

processo para o que chamamos de IF BUG LAB:

plataforma deveria escolher? Como organizar a

quatro dias de ideação interativa voltados

minha história? Qual parte deveria ser inte-

para produtores audiovisuais brasileiros.

rativa? Quais habilidades técnicas preciso

Levando em conta a relativa novidade do

ter? Quanto vai custar? Claramente não há uma

campo da narrativa interativa no Brasil, e

resposta única, mágica, e as opções são tantas

a consequente falta de recursos financeiros,

que podem ser difíceis de processar.

IF BUG LAB enfatizou fortemente os recursos

Nosso aprendizado do !F Lab, e IF BUGLAB,

de produção ao mesmo tempo em que procurou

é que ao invés de querer tomar todas decisões

preservar a natureza fundamentalmente ite-

independentemente já no primeiro dia, é mais

rativa (processo de aperfeiçoamento através

vantajoso confiar que as respostas vão se impor

de sucessivas repetições e testes de pro-

sozinhas, surgir como uma evidência, o que se

tótipos) do processo WHAT IF IT. Através

constata se seguirmos um processo de desen-

deste experimento, efetivamente testamos a

volvimento criativo. Minha proposta é que o

flexibilidade e maleabilidade dos processos

leitor se engaje com uma série de mudanças de

ideativos. Chegamos à conclusão de que mesmo

mentalidade que nos abrirão para novos desafios

que processos precisem se adaptar a contextos

digitais, e depois observar a evolução do pro-

culturais e econômicos, a sua estrutura pode

cesso. O leitor irá notar que essas mudanças de

ser bastante estável e permanecer pratica-

mentalidade caminham juntas com o processo do

mente inalterada.

WHAT IF IT, mesmo que adotemos uma terminologia

No caso do processo WHAT IF IT o resul-

com pequenas diferenças:

tado foi que se tornou necessário manter os processos principais e sua natureza iterativa, enquanto mudávamos a ênfase dada a

1. COLOQUE O USUÁRIO NO CENTRO

eles. Em outras palavras, o que nunca mudou

DO SEU PROCESSO CRIATIVO.

foi o entendimento de que na interatividade a criação não é linear e requer uma série

Nas narrativas interativas, você pede para a

de mudanças de mentalidade, uma série de

audiência intervir na sua história agindo nos

cliques que fazem com que você veja o mundo,

pontos interativos que você criou (clicar em um

o seu trabalho, seu papel nele, de forma

link, escrever um comentário, mandar um vídeo,

nova. No que segue, gostaria de voltar à

se movimentar no espaço, construir algo, etc…).

essência de cada fase do processo WHAT IF

Porém, se as opções que você criou não satisfazem

IT, adicionando o que aprendi no Brasil, e

seus usuários, você os perde. A especialista em

chegando a uma lista que espero que seja

jogos Jane Murray define agência como “o poder

útil para o leitor.

que gera satisfação [ao usuário] ao tomar ações

DO LINEAR AO DIGITAL INTERATIVO: UMA TRANSIÇÃO QUE DEMANDA MIND SHIFTS  ·  POR SANDRA GAUDENZI · 26-35

31


significativas e ver o resultado das decisões

- aprendemos essa lição com os participantes do !F

e escolhas” (Murray, 1997:126).

Lab que vinham do campo audiovisual. Eles estavam

Se os usuários não estão curiosos para

acostumados a começar com sua própria ideia e

explorar as opções que você criou para eles,

depois entrar na produção, uma vez que eles rece-

então você não conseguiu envolvê-los. Todos já

beram a aprovação de seu projeto. Convencê-los de

assistimos programas de TV que não nos inte-

que criar empatia com a plateia desde o início não

ressaram por pura preguiça e inércia. Em uma

é só a melhor maneira de desafiar seus próprios

mídia interativa, porém, a história não vai

preconceitos, mas também é um passo fundamental

adiante se nós não interagimos com ela, então…

para deixar a plateia interessada e, em última

Fim da história. Por essa razão específica,

instância, para gerar ideias interessantes e ‘fora

você deveria ter uma mentalidade em que você

da caixa’, demandou uma atitude tente-você-mesmo.

projeta com a sua audiência, e não para sua audiência. Isso é o éthos fundamental do ‘User

Centered Design’ (UCD) (design centrado no usu-

2. FAÇA SUA PESQUISA

ário), uma vertente do ‘Design Thinking’, que começa o design de qualquer produto, serviço

Muitas pessoas desejam fazer uma narrativa

e experiência ao estudar e se envolver com seu

interativa porque acreditam que assim poderiam

usuário final. Para Donald Norman, o primeiro

evitar redes de distribuição fechadas e alcançar

designer a usar o termo, “o design centrado no

uma plateia maior. É uma expectativa falsa.

usuário enfatiza que o propósito do sistema é

O seu projeto pode ser online, mas se ninguém

servir o usuário, não é usar tecnologia espe-

sabe dele, você efetivamente não tem plateia.

cífica, não é para ser um programa elegante”

A mudança de mentalidade necessária nesse caso

(Norman, 1998:61).

é a seguinte: não espere que a audiência venha

Se você olhar cuidadosamente o processo

até você, é o seu trabalho atraí-la.

do WHAT IF IT (imagem 1), você verá que aco-

Garantir uma plateia frequentemente

modamos as cinco fases do UCD às necessidades

significa ter um orçamento promocional para

dos narradores interativos. A segunda fase é

gastar, mas também significa que você vai

interagir com o seu usuário, o que significa:

precisar ter uma estratégia de lançamento e

teste o seu conceito entrevistando seu público

algumas parcerias firmes. Enquanto encora-

alvo, aprenda quais plataformas eles usam e o

jamos o leitor a procurar parceiros desde o

que eles sabem sobre o tema, antes de começar

início, nós também sabemos que, se você não

o seu processo de criação de ideias. Somente

tem algo para mostrar, é difícil de envolvê-

depois de ter feito isso, você pode começar a

-los. É uma situação de ovo-e-galinha na qual

trabalhar em um protótipo inicial do seu con-

é necessário ter um protótipo para explicar

ceito, e que você irá testar, de novo, com seu

sua ideia, mas você também precisa de ajuda

público alvo. Esse é o começo de um processo

para criar o seu primeiro protótipo. Nossa

iterativo duplo entre você e a sua audiência.

sugestão é que você trabalhe em pequenos

Por mais estranho que possa parecer, essa

passos, onde o desenvolvimento da história e

pequena mudança de mentalidade tem sido a mais

pesquisa de parceiros caminhem juntos. Quanto

difícil, e provavelmente a mais importante

mais você progredir com sua ideia, mais você


poderá mostrá-la para pessoas diferentes

conteúdo, design e programação, ainda é diverso

e pedir ajuda.

demais para uma só pessoa conseguir fazer tudo

Para que ganhe credibilidade nesse

com qualidade. Então aceite a seguinte mudança

equilíbrio delicado, é importante que esteja

de pensamento: você precisa de ajuda, e você

preparado, e exerça absoluto domínio do seu

precisa de ajuda de pessoas que vêm de indústrias

‘jogo’. Nunca subestime a importância de

diferentes, pois elas estarão acostumadas a

conferir outros tratamentos do tema tanto nas

processos e linguagens completamente diferentes

narrativas lineares quanto nas interativas.

quando trabalham em grupos. Não há como enfatizar o bastante a impor-

• Tenha uma série de pontos comparativos

tância de se criar uma equipe multidisciplinar

entre o que você quer fazer e o que

desde o primeiro dia. Pode ser difícil no iní-

outros já fizeram.

cio, mas vai valer a pena quando você perceber

• Por que a interatividade é essencial

que elas criam ideias e soluções que você não

para envolver a sua plateia de escolha?

poderia nem imaginar. Para resolver o problema

• Seja consciente de tendências que já

de ter abordagens diferentes no trabalho, nós

existem em narrativas interativas.

sugerimos que você escolha uma série de passos

Quando a ‘próxima tecnologia’ começar

que vão te levar à produção de um primeiro pro-

a ficar para trás, você vai precisar

tótipo (também conhecido como o Menor Produto

justificar porque a adotou.

Viável - “Minimum Viable Product”) e se com-

• Você também deve ser capaz de inserir

prometer com ele, como equipe. Esse primeiro

seu projeto nos estilos diferentes de

protótipo, uma vez testado com sua plateia,

narrativas interativas que já existem.

será seu melhor aliado na busca de futuros

Afinal, você é o especialista… ou não?

financiadores e parceiros.

Esse livro é em si um recurso para ajudar o leitor a fazer análises comparativas, mas

4. CONSIDERE DAR O PAPEL DE CO-

também se deve ter em mente que há outros

CRIADOR AO SUJEITO DO SEU TRABALHO

recursos online, como o MIT Docubase , IDFA 3

DocLab4 e i-Docs5.

Se a sua história envolve comunidades específicas, então considere co-criar sua narrativa com elas. Documentaristas e artistas experimen-

3. ADOTE EQUIPES MULTIDISCIPLINARES

taram práticas participativas durante a maior

E PRODUÇÕES COM MÉTODO ITERATIVO.

parte do século passado, mas a transição para a mídia digital oferece uma flecha extra para

É desafiador ser uma ‘banda de uma pessoa só’

o seu arco: a mídia social é, por definição,

em produções digitais. O grupo de habilidades

comunitária, e a internet é, antes de mais

que você precisa dominar, entre a produção de

nada, uma rede. A mudança de mentalidade que as narrativas interativas oferecem aqui, se resume

3  http://docubase.mit.edu 4  http://www.doclab.org/category/projects/

a: por que usar sua única voz para representar outros? Se você já incorporou um certo nível de

5  http://i-docs.org/

DO LINEAR AO DIGITAL INTERATIVO: UMA TRANSIÇÃO QUE DEMANDA MIND SHIFTS  ·  POR SANDRA GAUDENZI · 26-35

33


co-autoria com os seus usuários e sua equipe

comunidade e ter um impacto social, e a pressão

multidisciplinar, por que não estender aos

social pode aumentar muito e criar um impacto

seus personagens?

a nível político. O impacto, portanto, possui

O recém criado Estúdio de Co-Criação do

múltiplas camadas e não é linear (é sistêmico).

MIT (MIT Co-Creation Studio) enfatiza que

Isso nos leva para a nossa quinta mudança de

“A co-criação oferece alternativas para a

mentalidade: pense no impacto como um processo

visão de autor único. É uma constelação de

não-linear com vários pontos de entrada. O seu

métodos de mídia e enquadramentos. Projetos

trabalho é definir estrategicamente o quão

se originam de processos, evoluem de dentro

longe você quer que o seu projeto influencie,

de comunidades e com pessoas, ao invés de

e projetar pontos de ação tanto em sua história

serem feitos para ou sobre elas”. Visite

como em sua campanha de promoção para acionar

o site deles, e você encontrará ideias e

um movimento de impacto. Você também precisa

recursos para ajudar a elaborar projetos

estar ciente de que não lidamos com uma ciência

nos quais o impacto vem de uma colaboração

definida, as mídias de rede são dominadas por

entre o design do projeto e as comunidades

lógicas relacionais e não-causais, de forma que

a que se destina.

você só pode dançar conforme a música, fazendo

6

ajustes constantes enquanto escuta as reações que você está gerando. 5. TENHA UMA ESTRATÉGIA DE IMPACTO CLARA Pense no impacto como a mudança que você quer

6. GARANTA A COERÊNCIA DO SEU PROJETO

que o usuário viva durante a experiência do seu projeto. Veja isso como uma lista de

Finalmente, como parte do processo iterativo

‘antes’ e ‘depois’. Se você listar mudanças

de criação, volte para os fundamentos do seu

específicas que você quer que aconteçam

projeto: sua plataforma escolhida, plateias,

(que o usuário se conscientize ao aprender

impactos, parceiros e recursos. Se você deseja

sobre o seu tema, sinta uma certa emoção,

aumentar suas chances de sair do estágio da demo,

e faça algo como assinar uma petição ou

ou do protótipo, para uma produção completa, você

outros) você precisa fazer o design do seu

deve ter certeza de que esses cinco pontos estão

projeto nessa direção. A jornada de usuário

alinhados, porque isso é o que vai constituir

precisa levar a plateia onde você quer que

sua proposta, ou o tratamento do projeto.

ela vá - veja a tela de impacto (impact

Notamos através dos anos do !F Lab que,

canvas) do usuário no processo WHAT IF IT.

frequentemente, os participantes tinham respostas

Agora se distancie do seu usuário e veja

claras para cada um dos cinco pilares de seus

o panorama geral: impacto é como uma cebola,

projetos, mas eles não estavam necessariamente

ele possui camadas diferentes. No centro

relacionando-as. Por exemplo, víamos histó-

você tem o (usuário) indivíduo. Porém, seus

rias destinadas a um público de adolescentes

usuários podem ter um impacto dentro de sua

usando uma plataforma que o público não usava. Ideias para projetos tecnicamente complexos de transmídia, que exigiam vultuosos recursos

6  https://cocreationstudio.mit.edu/


financeiros, liderados por pessoas sem con-

Uma vez que você encontra a resposta

tatos na indústria. Ou até mesmo projetos

para essa pergunta essencial, você então deve

sobre tópicos que não tinham atrativos para

decidir se quer seguir o seu instinto criativo

o público selecionado, mas que o autor queria

ou prefere ter a orientação de uma metodologia

continuar por causa de seu próprio interesse

de ideação, como o processo WHAT IF IT. Essa

neles. Todos nós nos apaixonamos por nos-

escolha é completamente sua. Seja qual for a

sas histórias, mas isso não é suficiente se

escolha que você faça, provavelmente, irá notar

queremos que elas sejam ouvidas/assistidas.

que não se pode evitar algumas mudanças de

Em um ambiente não-linear em rede como é o

mentalidade que estão listadas neste artigo.

digital, ainda é importante, para levar um

Essas mudanças são mais ou menos inevitáveis

projeto adiante, que a nossa intenção seja

porque elas são parte da jornada que nos leva

coerente. Isso nos leva à nossa última, e,

a avaliar, e algumas vezes a descobrir, o que

provavelmente, mais contra-intuitiva mudança

queremos da esfera digital e que papel quere-

de mentalidade de todas: ser coerente não

mos que nossas histórias tenham ao forjá-la.

é ter previsto todas as causas que geram

Bem-vindo à mudança de mentalidade digital.

algum efeito, mas ter uma visão sistêmica onde forças diferentes podem expandir rumo à direção desejada. Pense em sua narrativa digital como uma forma viva que age no mundo por múltiplas forças. Seu trabalho é direcioná-la, e não fingir que a controla.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRUNER, Jerome (1986) Actual Minds, Possible Worlds. Cambridge: Harvard University Press.

ECO, Umberto (1962) Opera Aperta, Milano: Bompiani Editore.

Para concluir, embarcar na criação de narrativas interativas e inovadoras vai muito além de aprender novas habilidades tecnológicas. É uma afirmação política e ideológica dentro do mundo digital, no qual você se posiciona ao enquadrar e forjar o discurso

GAUDENZI, Sandra (2019) The !F Lab Field Guide to Interactive Storytelling Ideation. http://www.iflab.net/wp-content/ uploads/2019/01/The-F-Lab-Field-Guide.pdf

MC ADAMS, Dan P. (1993) The Stories we Live by. London: The Guilford Press.

MURRAY, Janet (1997) Hamlet on the Holodeck. The Free Press.

digital, o que ele é, o que ele será. As narrativas interativas não são somente uma

NORMAN, Donald (1998) User Centered System Design. New Jersey: CRC Press.

maneira de ter livre distribuição na internet e de fazer nossas histórias globais, mas também são uma forma de pensar sobre o mundo

Thalhofer, Florian, Judith Aston, and Stefano Odorico (2018) “A Few Questions for Florian Thalhofer.” Alphaville: Journal of Film and Screen Media, no. 15, Summer 2018, pp. 106– 112. www.alphavillejournal.com/Issue15/InterviewThalhofer.pdf

e sobre os relacionamentos que nós queremos construir nele. As narrativas interativas criam mais do que contam. Elas são ferramen-

ZIMMERMANN, Patricia (2018) “Thirty Speculations Toward a Polyphonic Model for New Media Documentary.” Alphaville: Journal of Film and Screen Media, no. 15, Summer 2018, pp. 9–15. www.alphavillejournal.com/Issue15/ArticleZimmerman.pdf

tas. Elas são uma forma de posicionamento. É por isso que perguntar a si mesmo “Por que essa história deveria ser interativa?”, desde o primeiro dia, é essencial. A interatividade é uma escolha autoral.

DO LINEAR AO DIGITAL INTERATIVO: UMA TRANSIÇÃO QUE DEMANDA MIND SHIFTS  ·  POR SANDRA GAUDENZI · 26-35

35


VISÃO PANORÂMICA

DE CONTADORES A FACILITADORES DE HISTÓRIAS: UMA ENTREVISTA COM LAURECOPS & WOUTER VANMOL, DA NUNAM POR SANDRA GAUDENZI1

1  Sandra Gaudenzi é Chefe de Estudos do !F Lab (Laboratório Factual Interativo). Ela tem consultado, orientado, pesquisado, ministrado palestras, escrito, e blogado sobre narrativas interativas nos últimos vinte anos. É Senior Lecturer do LAB de Narrativas Interativas Digitais da Universidade de Westminster (Londres, RU); Membra visitante no Centro de Pesquisa de Culturas Digitais (UWE, RU); co-diretora do site e conferência i-Docs e co editora do livro: i-docs: as Práticas Emergentes dos Documentários Interativos. (i-docs: the Evolving Practices of Interactive Documentary).

BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0  ·  RIO DE JENRIO  ·  224 PÁGINAS  EDITORA: AUTOMATICA  · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO  ·  BUG404.NET

36


NuNam2 é um studio criativo baseado na

de mapear essas transformações de mentali-

Bélgica. Seus fundadores, Laure Cops e Wouter

dade (mind shifts, em inglês) com que Laure &

Vanmol, formados em cinema e comunicação,

Wouter se depararam durante sua transição de

depois de viajar pelo mundo decidiram se

“contadores de histórias” para “facilitadores

estabelecer em sua cidade natal. Criaram a

de histórias”.

empresa em 2014 com o objetivo de fazer um cinema socialmente engajado. Me encontrei com eles em 2015, quando participaram do !F

Lab (Interactive Factual Lab), um workshop financiado pela União Europeia que dirigi entre 2015 e 2018, com o objetivo de criar narrativas digitais interativas. Laure e Wouter chegaram ao workshop

EM 2015, VOCÊS PROCURARAM O !F LAB PARA DESENVOLVER UMA HISTÓRIA DE FORMA INTERATIVA. QUAL ERA O PROJETO, E POR QUE VOCÊS ACREDITAVAM QUE ELE DEVERIA SER INTERATIVO?

porque estavam trabalhando em um projeto que não poderia ser realizado de maneira

WOUTER VANMOL (WV): Toda história que se

simples no formato de documentário. Era uma

conta é pessoal, mas essa foi (e talvez

história grande demais para se encaixar. A

ainda

dupla queria que as pessoas se sentissem

já sentimos a necessidade de contar. Aos

engajadas, queria gerar impacto, e estava se

18 anos Laure perdeu o pai, quando ele se

perguntando se a internet, ou outro formato

suicidou. Ela precisou de mais de 10 anos

interativo, poderia ajudá-los a ir além da

para se recompor depois do que aconteceu.

tela. No final, o !F Lab fez mais do que aju-

No meio tempo, sua melhor amiga Saura tam-

dá-los com suas ideias, mudando por completo

bém decidiu tirar a própria vida.

seus modos de pensar sobre seus papéis como

LAURE COPS (LC): Talvez seja uma ousadia dizer

contadores de histórias. O resultado foi a

isso, mas eu me tornei uma pessoa mais forte,

mudança de perfil da empresa, que passou

mais rica. Me custou sangue, suor e lágrimas.

da produção de histórias lineares para “um

Em algum ponto deste caminho decidi usar todo

estúdio criativo que molda histórias para

aquele horror como a minha força. Porque ao

cinema, fotografia, palavras, instalações, e

mesmo tempo em que cada suicídio é uma tragédia

projetos interativos para clientes, plateias

para as pessoas que são forçadas a lidar com

e nós mesmos”.

ele, os resultados para cada um podem ser muito

seja)

a

história

mais

pessoal

que

Mudar de uma mentalidade linear para

diferentes. Algumas pessoas que sofrem o luto

uma perspectiva interativa e de 360o signi-

do suicídio entram em espirais descendentes e

ficou mudar a forma de trabalhar, aprender

desenvolvem pensamentos suicidas elas mesmas

novas ferramentas e, principalmente, olhar

(20 a 30 por cento dos que perdem um ente

para o mundo de outro modo: menos no papel

querido

de observadores e mais como facilitadores

que conseguem passar pelo processo do luto de

de mudança. Esta entrevista é uma tentativa

maneira a olhar adiante, podem encontrar novos

para

o

suicídio),

enquanto

outras,

resultados, e um sentido, um entendimento mais 2  https://www.nunam.be/

profundo da vida (e da morte).

DE CONTADORES A FACILITADORES DE HISTÓRIA: UMA ENTREVISTA COM LAURE COPS &...  ·  POR SANDRA GAUDENZI · 36-43

37


WV: Desde o princípio sabíamos que The

histórias digitais ou interativas. Os pro-

(A Floresta Dourada) era

fessores na nossa escola vinham de ambien-

Golden Forest

3

um projeto sobre o período pós suicídio.

tes

Como é esse processo complexo de luto?

conhecimento sobre como o jornalismo estava

Como se leva adiante a nossa vida quando

ou deveria estar se adaptando à internet.

perdemos um ente querido? Como se volta

Mas é claro que eu sabia que havia algo

a abraçar a vida? Provavelmente intuímos

se desenvolvendo. Ao trabalhar como jor-

que deveria ser algo interativo, mas foi

nalista para um meio online, fui atraído

apenas no primeiro workshop do qual par-

por projetos estimulantes que surgiam, que

ticipamos, o !F Lab Storybooster 2015,

exploravam novos caminhos.

que conseguimos traduzir nossos pensamentos iniciais em razões concretas. LC:

Naquele

momento

sabíamos

que

e

ad

A

hoc.

um

guia

Floresta para

Dourada

ajudar

as

a

maior

parte

tinha

pouco

LC: Mais adiante começamos nossa própria exploração. Fizemos experiências com sof-

que-

ríamos que nosso projeto fosse anônimo

ser

offline,

deveria

pessoas

a

tware como Klynt e Racontr e fizemos um trabalho

longform com Pageflow4 sobre

de

o abastecimento de energia da Europa, que misturava

textos,

fotografia

e

vídeo.

A

lidarem com seu luto de forma a olhar

esta altura já sabíamos que existia reali-

para

dar

dade virtual, realidade aumentada, mas não

oportunidade ao usuário de percorrer o

frente.

O

sabíamos como chegar até essa mídia e como

filme no seu próprio ritmo. O usuário

produzir conteúdo para ela. Para A Floresta

precisava

Dourada

poder

projeto

dirigir

precisou

a

história

em

queríamos

que

o

projeto

fosse

direção aos sentimentos e situações com

baseado na internet porque nos parecia que

as quais estava lidando no momento. E,

desta forma chegaríamos ao maior número de

para

espectadores possível. Não era por vaidade,

fazer

isso,

o

formato

interativo

era a única solução.

mas era porque sabemos que muitas pessoas que perdem membros da família por suicídio nunca

tiveram

oportunidade

de

encontrar

ajuda em suas comunidades.

QUAL ERA O SEU ENTENDIMENTO DO PROCESSO INTERATIVO DE CONTAR HISTÓRIAS NAQUELA ÉPOCA? ME LEMBRO QUE VOCÊ QUERIA QUE O PROJETO FICASSE DISPONÍVEL NA INTERNET, POR QUÊ?

WV: Eu acho que também casou com nossa fé no uso da ‘tecnologia para o bem’. Num mundo onde a tecnologia é uma das forças motrizes levando a rupturas sociais, culturais, econômicas

e

políticas,

acreditamos

que

implementar novas tecnologias de forma a WV: Acho que sou da geração que talvez tenha sido a última a estudar jornalismo

catalisar mudanças positivas é necessário e gera esperança.

de forma praticamente cega à narração de 4  Pageflow é uma plataforma criada para facilitar a publicação de narrativas multimídia na internet. Exemplo de um projeto feito com 3  https://www.nunam.be/golden-forest

Pageflow pela NuNam: https://www.nunam.be/walking-the-line


RV, RA e RX, instalações transmídia, etc, que VOCÊ ME DISSE QUE O !F LAB TINHA SIDO UMA EXPERIÊNCIA QUE MUDOU A SUA VIDA. PODERIA EXPLICAR?

percebemos

que

estávamos

ligados

às

‘antigas possibilidades’ e que era o alvorecer de uma nova era de contação de histórias. E afinal é isso que se persegue com maior interesse: a sensação da exploração.

LC: [O conceito] “A interface é parte da experiência” foi um estalo. O !F Lab desencadeou cimento lugar

uma

espécie

profissional’.

onde

de

Foi

questionamos

o

‘amadureo

primeiro

meio.

Onde

aprendemos que ‘sua tela não é apenas uma tela’, é mais do que o espaço em branco. Descobrimos que cada meio tem seus desafios de

e

possibilidades.

chegar

para

ao

chegar

criador,

usuário.

ao

seu

explorar

essas

novas

mídias,

descobrimos

o poder da história. E mais ainda, a arte da história. A beleza do trabalho. Nos fez pensar em como estávamos usando histórias nos nossos projetos audiovisuais de jornalismo até então. WV: !FLab mudou nossas perspectivas. Não

como

um

apenas

possibilidades

aprendemos

a

mudar

de

visão,

mas

no

também aprendemos o fato fundamental que é que há diferentes perspectivas. Acredito

Possibilidades para revelar, interagir e

que !F Lab nos ensinou isso ao nos pres-

imergir… Gostamos de acreditar que cada

sionar

história tem um meio que a veste como

impacto. Nossa lição: onde a história e o

uma

meio entram em colisão? IMPACTO.

da

luva.

também

Possibilidades

objetivo

bou nos trazendo de volta para casa. Ao

histórias.

campo

mas

Possibilidades

LC: Estranhamente, entrar nesta busca aca-

pura

contação

Seja

ela

de

baseada

em

texto,

a

pesquisar

nossa

estratégia

de

áudio ou vídeo. Seja ela linear ou não linear. Seja o meio realidade aumentada, realidade virtual, radio, podcast, chatbot e assim por diante. WV: da

Antes mídia

do era

FOCAR NO USUÁRIO - AO INVÉS DE APENAS NA NARRAÇÃO DA HISTÓRIA FOI UMA MUDANÇA RADICAL PARA VOCÊS? COMO FOI QUE VOCÊS SE AJUSTARAM A ISSO, E COMO VOCÊS PLANEJAM SUAS HISTÓRIAS INTERATIVAS ATUALMENTE?

!FLab nosso conhecimento limitado

a

texto,

vídeo

ou foto. Havia ‘apenas’ TV ou cinema. E fazíamos parte do ‘nicho do vídeo’. O que a !FLab fez não foi apenas nos permitir perceber isto, mas também revelar um mundo novo de mídias e possibilidades baseado em tecnologias que ainda estão por vir.

WV: Foi realmente uma mudança radical de perspectiva mental, mas, na verdade, não foi tão difícil de se fazer. Talvez a maior mudança que os ‘realizadores tradicionais’

Na verdade, foi apenas ao nos depararmos

precisam fazer é ir além dos seus egos,

com todos estes loucos, impressionantes

porque uma grande parte do esforço de ‘focar

e intrigantes projetos na internet, em

no

usuário’

é

sobre

isso,

DE CONTADORES A FACILITADORES DE HISTÓRIA: UMA ENTREVISTA COM LAURE COPS &...  ·  POR SANDRA GAUDENZI · 36-43

acreditamos.

39


Não

é

está

apenas

a

contando.

sua É

história

encontrar

você

mas essa é a parte da diversão! - e !F Lab

terreno

realmente funcionou ao nos dar um guia de

que

um

em comum entre você e sua plateia. Você passa de um contador de histórias para um arquiteto de histórias. O que exige que você se adeque a esse papel inteiramente novo. E gostamos deste novo papel!

como atravessar esse processo interativo. Já a parte financeira do nosso empreendimento, por outro lado, é o maior desafio. Fazer um

um

filme,

um

documentário

longa-metragem...

não

custa

curto, tanto.

LC: Ao nosso ver, esse processo de focar

Mas para gerar uma experiência imersiva,

no

interativa, com o nível de qualidade que

usuário

está

intimamente

ligado

ao

entendimento de que para realizar proje-

queremos,

tos interativos você não vai ser mais o

E equipes maiores. E, portanto, desafios

implica

em

produções

maiores.

único com controle da situação. Você quer

maiores para conseguir o orçamento que se

tecnólogos criativos que pensem sobre a

precisa. Principalmente em um campo em que

história também. Você quer que os desen-

toda a indústria (financeira) ainda está de

volvedores somem algo à história. Você

certa forma se desenvolvendo.

quer que a sua plateia interaja e possivelmente seja co-criadora da história. Então, como realizadores, nos vemos cada vez mais como facilitadores. Temos uma QUE CONSELHOS VOCÊS DARIAM AOS NOVATOS NO CAMPO? COMO SE EQUACIONA DE MANEIRA CORRETA A CRIATIVIDADE E A VIABILIDADE?

visão e precisamos criar um ecossistema onde cada parte envolvida possa prosperar e contribuir em algo para esse filme maior que temos em mente. WV: E é assim que gostamos de trabalhar

WV: Adoramos trabalhar com os nossos amigos,

hoje em dia. Procuramos nos cercar de

mas sentimos muita falta de ter ‘amigos tech’

pessoas com as quais gostamos de tra-

(ou saber mais nós mesmos sobre programação/

balhar e que são ótimas nas coisas que

desenvolvimento).

nós não somos. Se fala em estar sobre

truir alguns protótipos experimentais e se

os ombros de gigantes, não é?! Montar a

lançar no percalço de uma ideia louca pelo

nossa equipe se tornou uma parte impor-

grande desconhecido adentro, só pelo prazer

tante do processo de cada projeto.

da coisa!

Quais

Ao

foram

os

principais

obstáculos

contratar

uma

Seria

maravilhoso

equipe

tech

não

cons-

sobra

que vocês encontraram depois do workshop

muito espaço para experimentar e explorar

para

apenas por diversão. Então encontre amigos

desenvolver

o

projeto

de

vocês?

Foram financeiros ou conceituais? LC: Claro que levar adiante o processo criativo, ou conceitual, é sempre repleto de desafios que precisam ser vencidos,

para brincar e experimentar juntos! E certamente amigos que tem habilidades que você não tem. Amigos que tenham uma abordagem diferente. Vai lhe dar o prazer de co-criar coisas que são mais ou menos livres, novas,


inéditas, loucas, que não são necessárias e não precisam cumprir um prazo. Vai lhe dar o prazer de fracassar sem

E QUAL É O SEU PONTO DE PARTIDA QUANDO UM CLIENTE CHEGA ATÉ VOCÊ? IDEIAS? POTENCIAL INTERATIVO? ORÇAMENTO?

consequências.

WV: Realmente depende. No caso de alguns QUAL É O SEU PRÓPRIO MÉTODO DE DESENVOLVER PROJETOS ATUALMENTE?

projetos, tivo

você

percebe

imediatamente.

potencial

Outros

tem

intera-

potencial

interativo, mas se o cliente já tem certas LC: Temos 3 tipos de projetos acontecendo

expectativas ou uma mentalidade mais tra-

simultaneamente:

dicional, pode ser trabalhoso convencê-lo

primeiro,

os

pequenos

projetos, na maior parte para clientes,

a adotar o caminho da interatividade.

bastante viáveis, mas que também podem

Em geral, quando fazemos experiências real-

gerar

mente interessantes com a interatividade,

experiências

pessoais

de

pura

diversão. Depois temos alguns projetos

são

de médio-porte. Projetos que abrem espaço

alinham”. Tem que haver uma história, tem

para a expressão criativa, mas que não

que

desafiam

São

precisa estar disposto a segui-lo no cami-

projetos nos quais trabalhamos por algu-

nho criativo (e frequentemente dar um passo

mas semanas ou alguns meses, onde fre-

para o desconhecido) e tem que existir um

quentemente há expectativas de clientes

orçamento que permita tudo isso. Essas coi-

que precisamos satisfazer. E, por fim,

sas não são (ainda) fáceis de conseguir.

temos o ‘grande projeto’. Um projeto que

No nosso caso, pelo menos. Apesar de que

faz nossos corações baterem apaixonados.

também devemos dizer que parece que há uma

O grande projeto é o que te define. O

espécie de ‘despertar pro digital’ entre

projeto que faz parte da sua obra. Este

alguns de nossos clientes. Talvez também

projeto no qual você derrama toda a sua

porque

criatividade e no qual você luta como

mentos com os nossos (potenciais) clientes,

dragão para que seja viável. É assim que

e “divulgar a profecia interativa”.

o

limite

da

viabilidade.

casos

ter

em

que

“todos

potencial

procuramos

os

planetas

interativo,

manter

bons

o

se

cliente

relaciona-

fazemos hoje em dia, mas quem sabe como faremos amanhã? Enquanto formos dragões

LC:

mansos, vamos conseguindo, não é?!

aqueles planetas a se alinharem. Há soluções

Dito

isso,

(você

você

poderia

sempre

chamar

pode

isso

de

ajudar

fazer

concessões) sobre certos obstáculos como o orçamento. Por exemplo: no caso do documentário Nueva Prosperina nos vimos às voltas precisamente Resolvemos

com

então

limites

de

descartar

o

DE CONTADORES A FACILITADORES DE HISTÓRIA: UMA ENTREVISTA COM LAURE COPS &...  ·  POR SANDRA GAUDENZI · 36-43

orçamento. caminho

da

41


‘customização total’ e usamos Wiremax um software para fazer vídeo interativo5 para criar algo como um produto mínimo viável. de

O

cliente

fundo,

e

acreditou

gostou

do

na

O QUE VOCÊ GOSTARIA DE DIZER PARA AS PESSOAS QUE SÃO NOVAS NO CAMPO, E QUE VOCÊ GOSTARIA DE TER OUVIDO EM 2015?

ideia

documentário,

e

para a próxima campanha está disposto a providenciar mais fundos para continuar pelo campo da interatividade e atingir um

WV: Tenha objetivos claros. Seja ambicioso.

nível mais alto. Então, realmente é um

Mas veja as coisas em perspectiva. Não se

processo de passo a passo.

impaciente.

Quando

começamos

A

Floresta

Dourada, esperávamos tê-la terminado em um prazo de dois anos. Mas depois de quatro anos sabemos que ainda vai nos levar pelo menos mais um (ou até mais dois) anos até que se torne uma realidade. De início, isso

QUÃO DIFERENTE É O PROCESSO QUANDO VOCÊ ESTÁ TRABALHANDO NOS SEUS PRÓPRIOS PROJETOS?

nos

parecia

uma

eternidade.

Mas

quando

colocamos em perspectiva, não estamos apenas tentando realizar um projeto com várias

LC: Uma vez que A Floresta Dourada se

versões internacionais (a esta altura isso

tornou um projeto de tão grande porte,

quer dizer uma versão em flamengo e uma

tentamos

não

em

projetos

novos.

abrir

para

Temos

muitos

muitas

outros

ideias

e

o

alemão), nosso

mas

primeiro

estamos

também

documentário

fazendo

de

média

continuamos colocando no papel, mas não

metragem. Estamos construindo, expandindo

chegamos a produzi-las. Fazemos peque-

e consolidando o nosso estúdio criativo,

nos

experimentos,

esboços

ideias

e

curtindo a companhia um do outro, os novos

aguardando

de

a

relacionamentos profissionais que criamos,

oportunidade certa antes de mostrá-los

e a beleza da vida em geral. Então, a nossa

aos outros.

grande mensagem de despedida pode ser um

as

testamos,

Agora,

mas

pensando

estamos

nisso,

realmente

é

um

pouco diferente trabalhar nas suas próprias ideias. Não incluímos o orçamento no

nosso

certeza!

processo E

mesmo

criativo. o

foco

no

Isso

com

usuário

é

menos importante do que o nosso foco na história. A história é o que nos deixa apaixonados. É a história que nos motiva a ir mais fundo.

5  Exemplo de um projeto criado com Wiremax pela NuNam: https:// www.nunam.be/nueva-prosperina

pouco brega - mas nem por isso menos importante e nada fácil de conseguir –‘viva o momento’.



NARRATIVAS INTERATIVAS

ALÉM DAS INTERFACES: CONCEITOS E OBRAS FUNDAMENTAIS DE NARRATIVAS INTERATIVAS ANDRÉ PAZ1 E KÁTIA AUGUSTA MACIEL2

1 André Paz é professor e pesquisador da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Leciona no Mestrado Profissional em Criação e Produção Digital da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Diretor e produtor de narrativas interativas. Idealizador e coordenador do Bug404. Curador da Mostra Bug em 2018. 2  Katia Augusta Maciel é professora e pesquisadora da Escola de Comunicação (ECO) e coordenadora do Mestrado Profissional em Criação e Produção de Conteúdos Digitais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0  ·  RIO DE JENRIO  ·  224 PÁGINAS  EDITORA: AUTOMATICA  · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO  ·  BUG404.NET

44


produção tem sido reconhecida nos últimos anos

Eu quero mapear novos terrenos e não cartografar velhas fronteiras

em festivais consagrados, como no IDFA DocLab, do International Film Festival of Documentary (IDFA), de Amsterdã. Neste livro, o artigo “O cenário inovaMARSHALL MCLUHAN

dor das narrativas interativas e imersivas”12 (Paz e Jucá, 2019) mostra como essa produção surge dentro do contexto de ecossistemas inovadores com produtoras, grandes empresas

INTRODUÇÃO

de mídia, festivais, financiadores, centros O espectro de obras que chamamos neste livro

de pesquisa, congressos. Ela está situada na

de narrativas interativas digitais apresenta

interseção entre o audiovisual, o design e a

uma produção muito diversa, com diferentes

programação. Os processos criativo e produtivo

formatos, estruturas narrativas, plataformas

requerem uma colaboração interdisciplinar e

de suporte, modos de interação e dimensões

um diálogo amplo entre quem realiza e quem

de produção3. Estamos falando de grandes

pesquisa. Por isso, a consolidação desses

produções multiplataforma, como Highrise

ecossistemas inovadores aconteceu em para-

(2009-2017) ; pequenas produções, como Ilha

lelo à emergência de um campo internacional

Grande: Cada Praia, uma Ilha; Cada Ilha,

de pesquisa, com seus laboratórios e grupos

uma História (2015) ; obras colaborativas de

de pesquisa, como o MIT Open Documentary

impacto social como The Quipu Project (2015) ;

Lab13, em Boston; e congressos específicos,

webdocumentários seriados, como Do not Track

como o I-docs14, em Bristol, e o Interdocs

(2015) ; narrativas mobile baseadas em apli-

Barcelona15. Esse campo de pesquisa estabeleceu

cativos, sejam ficcionais como Phallaina

um amplo diálogo através de artigos, livros,

(2016) ou documentais como Alma: Une Enfant

congressos e blogs, em torno de autores que

de la Violence (2012) . De uma forma mais

se tornaram referências internacionais, como

geral, essas produções têm sido mapeadas por

Sanda Gaudenzi, Arnau Gifreu-Castells, William

alguns projetos, como o exemplar Docubase ,

Uricchio, Mandy Rose, Judith Aston. O livro

do MIT Open Documentary Lab (Massachusetts

I-docs: The Evolving Practices of Interactive

Institute of Technology), uma base de dados

Documentary (2017), de Judith Aston, Sandra

sobre o campo disponível online, comentada

Gaudenzi e Mandy Rose, se tornou, por exem-

por curadores internacionais11. Toda essa

plo, uma referência recente nesse campo. No

4

5

6

7

8

9

10

Brasil, André Paz, Júlia Salles, Denis Renó, 3  Cabe ressaltar que não estamos considerando as narrativas imersivas como objeto deste artigo. 4  http://Highrise.nfb.ca/ 5  www.ilhagrandewebdoc.website. Ver página 108 6  http://interactive.quipu-project.com. Ver página 109 7  www.donottrack-doc.com. Ver página 111 8  phallaina.nouvelles-ecritures.francetv.fr/phallaina_en.php.

Katia Augusta Maciel, Vicente Gosciola, também vêm fazendo pesquisas importantes no campo. Este artigo é uma introdução às narrativas interativas digitais através de alguns

Ver página 121. 9  http://alma.arte.tv. Ver página 121

12  Ver página 8.

10  https://docubase.mit.edu/

13  http://opendoclab.mit.edu/

11  O Bug404 tem traduzido esse material e divulgado também em

14  https://idocs2018.dcrc.org.uk/

português. http://bug404.net/

15  http://www.docsbarcelona.com/en/ed-2016/festival-2016/programacio/

ALÉM DAS INTERFACES: CONCEITOS E OBRAS FUNDAMENTAIS ...  ·  POR ANDRÉ PAZ E KÁTIA AUGUSTA MACIEL · 44-59

45


conceitos básicos formulados no contexto

NARRATIVA DIGITAL INTERATIVA

desse novo campo de pesquisa, organizados a partir da perspectiva da estética relacional

No amplo universo das possibilidades narrati-

que vem sendo desenvolvida por André Paz.

vas advindas da difusão das mídias digitais e

Os conceitos foram selecionados para mapear

da internet, o que caracteriza uma narrativa

o campo e apontar as potencialidades de suas

digital interativa? Quais são as suas caracte-

obras, com o objetivo de funcionarem, assim,

rísticas específicas? A marca primordial dessas

como referências para projetos inovadores

obras é apresentar uma interface interativa,

de realização ou pesquisa. O próximo item

ao invés da tradicional tela das criações para

apresenta o campo de uma forma geral, com seus

cinema e televisão em geral. Nessas obras, o

diversos formatos e conceitos mais básicos.

espectador encontra uma experiência de interação

O item seguinte apresenta a perspectiva da

que o transforma em interator, assim como em

estética relacional que permite reconhecer

outros campos da arte interativa, conforme já

as obras como projetos que vão muito além da

descrevia Louis-Claude Paquin, em 2006, em seu

interface. Já os itens posteriores exploram,

livro Comprendre les médias interactifs. Como

respectivamente, as potencialidades que as

afirma Paquin (2006: 15): “Com as interfaces,

obras adquirem ao incorporarem diferentes

a manipulação direta, os espectadores tornam-

práticas de agenciamento de participantes

-se interatores”, pois é preciso interagir

e usuários.

fisicamente com um banco de dados para que a

No campo das narrativas interativas

narrativa aconteça.

digitais, não há um formato de obras que

O exemplo mais oportuno é da obra que se

prevaleça ou tenha se tornado hegemônico.

tornou a maior referência do campo: Highrise

Podemos identificar alguns formatos mais

(2009-2017) . Esse documentário interativo de

consolidados. Mas, na verdade, o que obser-

Katerina Cizek, realizado pelo National Film

vamos é o surgimento disseminado de obras

Board (NFB), do Canadá, explora as questões

híbridas. A marca desse campo inovador é a

sobre moradia em grandes edifícios ao redor

sua fertilidade criativa. Acreditamos que as

do mundo.

pesquisas possam contribuir para essa ferti-

Emmy-winning, multi-year, many-media, collabo-

lidade e para o desenvolvimento do campo, ao

rative documentary experiment at the National

alimentar novos projetos. Afinal, eles não

Film Board of Canada, that explores vertical

vão ‘inventar a roda’, mas inovar a partir

living around the world”. Highrise se tornou,

das obras de referências e dos diversos

na verdade, um conjunto de narrativas inte-

caminhos e possibilidades que elas apontam.

rativas sobre o mesmo tema. O documentário

Para isso, buscamos trazer conceitos que

interativo Out My Window (2010)16, por exemplo,

nos permitam mapear o terreno desse campo,

se debruça sobre a vida de pessoas que habitam

evitando classificar de forma muito rígida

arranha-céus em diferentes lugares do mundo.

essas obras híbridas que não se encaixam em

Pela interface, o interator pode escolher e

categorias muito específicas.

navegar por 49 histórias vindas de 13 cidades

Como se define em seu website: “An

16  www.outmywindow.nfb.ca. Ver página 106.


ao redor do planeta, ao entrar em páginas

Cabe aqui, entretanto, três esclarecimen-

que oferecem uma colagem interativa em 360o

tos. Primeiro, uma websérie de documentários

de suas moradias, com diferentes histórias

disponibilizada por episódios no Youtube ou

acessíveis por hiperlinks, disponíveis em

Vimeo, por exemplo, não faz parte desse universo.

conteúdo textual e audiovisual. Se escolhe

Por um simples motivo, a interatividade não

o apartamento de São Paulo, por exemplo, o

faz parte da interface da obra, ela está nos

interator terá acesso às histórias de Ivaneti

comentários ou compartilhamentos exteriores.

e sua família, moradora de uma ocupação no

Segundo, os games não fazem parte do campo aqui

Bairro da Luz e coordenadora do Movimento

abordado neste livro. Eles incorporam a inte-

dos Trabalhadores Sem Teto do centro de

ratividade e a participação à narrativa, mas

São Paulo. A narrativa acontece quando o

representam um universo próprio, muito maior,

interator, através da interface, faz suas

com suas próprias especificidades, players,

escolhas dentro de um número limitado de

práticas e propósitos. Terceiro, apenas uma

possibilidades produzidas e disponibilizadas

pequena minoria das obras é ficcional, como, por

pelos realizadores previamente.

exemplo, Phallaina (2016), de Marietta Ren, uma

A estrutura informacional de uma narra-

graphic novel francesa de rolagem, especialmente

tiva digital interativa é, portanto, um sis-

projetada para as interfaces táteis de dispo-

tema no qual várias mídias (textos, vídeos,

sitivos móveis. Disponível para Android e IOS,

animações, gráficos, dentre outros) são

a obra em aplicativo conta a história fictícia

disponibilizados pela interface. O design

de Audrey, que mora em uma cidade construída

gráfico da interface é parte fundamental

sobre palafitas por conta da ascensão contínua

da obra. A interface que dispõe o acesso ao

das águas e ondas catastróficas, e que vive uma

banco de dados. A navegação do interator a

jornada de transformação pessoal, combinando

partir de suas escolhas resulta em uma versão

ciências cognitivas e mitologia.

particular de narrativa. Nesse sentido, as ações dos interatores são cheias de significados, como observa Arnau Gifreu-Castells,

DOCUMENTÁRIO INTERATIVO

em The Interactive Multimedia Documentary:

a proposed analysis model (2010). Por isso,

A grande maioria da produção de narrativas digi-

em seu livro seminal, Inventing the medium:

tais interativas não é ficcional. Por isso, em

principles of interaction design as a cul-

grande medida, essas obras são chamadas de docu-

tural practice (2012), Janet Murray afirma

mentários interativos ou I-docs - abreviação do

a necessidade de considerar os interatores

termo em inglês interactive documentary. Muitas

como ‘seres culturais’ que ativamente criam

das principais referências do campo utilizam

e negociam o significado de informações com-

esse termo, como Arnau Gifreu-Castells. I-docs

partilhadas. Portanto, quando falamos aqui em

também é o nome de um dos principais congressos

narrativa digital interativa nos referimos

do campo, realizado pela University of West

às obras que incorporam essa interatividade

England, em Bristol, Inglaterra. Em um sentido

à narrativa em meios digitais, dentro de um

amplo, os documentários interativos trabalham

contexto discursivo mais complexo.

com o tratamento criativo da realidade enquanto

ALÉM DAS INTERFACES: CONCEITOS E OBRAS FUNDAMENTAIS ...  ·  POR ANDRÉ PAZ E KÁTIA AUGUSTA MACIEL · 44-59

47


incorporam a interatividade à narrativa.

projeto é representante de um conjunto de obras

Essas obras podem existir em um ou mais dos

que utiliza algoritmos na interatividade, como

seguintes suportes: websites, aplicativos

Digital Me (2015)20, de Sandra Gaudenzi.

para dispositivos móveis, instalações em

episódios, o interator é solicitado a forne-

galerias ou museus e performances.

cer alguns dados sobre si mesmo e experimenta

Nos

A grande maioria dos I-docs têm web-

durante a fruição da obra um processo análogo

sites como suportes, por isso também são

aos métodos e ferramentas que rastreadores

chamados de webdocumentários ou webdocs.

usam comercialmente na internet. Do not Track,

Exemplos incluem Out My Window, A Short

portanto, é um documentário interativo em série

History of the Highrise (2013)

e Universe

que não apenas narra uma história ou um dis-

Within (2015) , todos do projeto Highrise

curso, mas oferece ao interator uma experiência

. É o caso também de obras reconhecidas e

similar àquela da temática que explora. Assim

premiadas internacionalmente como Hollow

também é Network Effect (2015)21, de Jonathan

(2013)19 da documentarista Elaine McMillion

Harris e Greg Hochmuth, que explora o efeito

Sheldon, e Do not Track , do documentarista

psicológico do uso da internet na humanidade. O

Brett Gaylor, realizado pela Upian, umas das

interator tem cerca de sete minutos para visu-

produtoras de maior destaque no campo. Com

alizar um gigantesco banco de dados, induzido

uma montagem gráfica e o uso da técnica de

a um estado de ansiedade. Uma provocação a

paralaxe, Hollow explora o declínio popu-

respeito da ilusão de conhecimento e comple-

lacional de áreas rurais nos Estados Unidos

tude gerada pela internet. Essas obras fazem

por meio da história dos moradores do condado

parte do conjunto de documentários interativos

de McDowell, na Virgínia Ocidental, que tem

que colocam questões do próprio ambiente da

uma população de 20 mil habitantes, quando

internet, assim como os já citados Digital Me

já teve 100 mil na década de 1950. O projeto

e Universe Within.

17

18

contou com a participação direta da própria

Apesar de a maioria dos documentários

comunidade, que sugeriu temas e propostas

interativos estarem baseados em websites, alguns

para as pesquisas, além de fornecer parte

casos usam como principal suporte um aplicativo

do próprio material audiovisual que compõe

para dispositivos móveis. Talvez o exemplo mais

a obra. A partir de colagens interativas

conhecido seja Alma: Une Enfant de la Violence,

surpreendentes (acionadas por scroll), Hollow

realizado pelo grupo ARTE e pela produtora Upian,

utiliza vídeos, infográficos, fotografias e

dois dos maiores realizadores no campo. Alma

imagens de arquivo para explorar o universo

é um documentário sobre uma jovem homônima de

dos personagens e histórias locais, arti-

26 anos que nasceu na Guatemala e cresceu na

culadas com campanhas em mídias sociais e

pobreza, em meio a guerras de gangues urbanas,

campanhas para doação.

conhecidas como maras. Alma integrou por cinco

Já Do not Track é uma série documen-

anos um dos grupos mais violentos do país e

tal sobre privacidade e economia na web. O

viveu imersa em assassinatos, agressões e brutalidade. Nesta obra, o interator pode escolher

17  http://www.nytimes.com/projects/2013/high-rise/index.html 18  http://universewithin.nfb.ca/mobile/index.html

20  http://www.interactivefactual.net/digital-me/

19  http://hollowdocumentary.com/

21  www.networkeffect.io. Ver página 107.


entre Alma narrando seus relatos ou imagens

oferecendo experiências complementares dentro de

de algumas cenas que ilustram o que é nar-

um mesmo universo narrativo. Como aponta Carlos

rado. Também baseado em aplicativo, Rider

Scolari no livro Narrativas Transmedia: cuando

Spoke (2007), do coletivo Blast Theory, da

todos los medios cuentan (2013), diferentes

Inglaterra, já explora um conjunto de relatos

sistemas de significação (verbal, icônico,

em áudio referencialmente geolocalizados

audiovisual, textual) são agregados de uma

nas ruas enquanto os interatores circulam

maneira complementar e se expandem. Em Cultura

pelas cidades onde o trabalho foi exibido

da Convergência (2009), Henry Jenkins mostra

e experimentado. Usar as mídias de forma

como cada nova obra é fundada na anterior, ao

geolocalizada se tornou um procedimento bas-

mesmo tempo em que oferece novos ‘pontos de

tante comum entre documentários interativos

acesso’ ao universo narrativo criado. Para o

em websites ou aplicativos. Esse também é o

público, o contato com uma parte leva poten-

caso do aplicativo do projeto Som dos Sinos

cialmente à descoberta de outras. A experiência

(2014)22, que disponibiliza conteúdos audio-

transmídia, de fato, acontece através da uma

visuais georreferenciados sobre a tradição

busca ativa do público por esses ‘pontos de

dos toques de sinos das igrejas históricas

acesso’ ao sistema23.

do estado de Minas Gerais, no Brasil. Nele,

Dessa forma, um i-Doc pode ser um ‘ponto

o interator pode navegar por esses conteúdos

de acesso’ a um documentário transmídia mais

à distância, em qualquer lugar do planeta,

amplo, que atravesse diferentes plataformas on

identificando no mapa a localização das

ou off line: filme, website, livro, instalação

igrejas as quais se refere. Mas pode tam-

ou aplicativo.

bém, ao circular pela região e pelas ruas

exemplo, integra um webdoc, um longa-metragem

das próprias cidades, encontrar e navegar

documental, um aplicativo para dispositi-

por conteúdos das igrejas que estão perto

vos móveis, um mapeamento sonoro e projeções

de si fisicamente. O aplicativo faz parte,

itinerantes. Elementos estéticos singulares

na verdade, de um projeto maior que inclui

atravessam as diferentes plataformas, tais

um webdocumentário que explora o universo

como o design gráfico e o estilo de montagem

das torres dos sinos e se desdobra ainda em

audiovisual. As projeções itinerantes levam

outras plataformas. Assim, Som dos Sinos é

conteúdos audiovisuais para as paredes externas

um documentário interativo que se apresenta

das igrejas em pequenas localidades no interior

também como um documentário transmídia.

do estado de Minas Gerais. Já para Mostra BUG,

O projeto Som dos Sinos, por

especificamente, Marina Thomé e Márcia Mansur realizaram uma vídeo instalação no centro DOCUMENTÁRIO TRANSMÍDIA

cultural Oi Futuro, no Rio de Janeiro. Dessa forma, o Som dos Sinos disponibiliza um universo

A lógica transmídia pressupõe um conjunto

narrativo sobre a temática dos toques de sinos

de conteúdos que atravessa múltiplas plata-

em igrejas históricas através de múltiplas

formas com conexões narrativas e estéticas, 23  Essa lógica transmídia foi amplamente debatida e aplicada à análise de narrativas digitais interativas, como webdocumentários, no livro Direção de arte e transmidialidade (2018), organizado por 22  www.somdossinos.com.br. Ver página 135.

Amaury Fernandes e Katia Augusta Maciel.

ALÉM DAS INTERFACES: CONCEITOS E OBRAS FUNDAMENTAIS ...  ·  POR ANDRÉ PAZ E KÁTIA AUGUSTA MACIEL · 44-59

49


plataformas para diversos públicos e espaços

denuncia uma política não reconhecida oficial-

físicos. Pela natureza intrinsecamente fluida

mente de esterilização em massa de forma não

e subjetiva do encontro entre o público

consentida de mais de 300 mil mulheres e 20 mil

e cada uma das obras, o nível de imersão

homens das classes mais pobres do Peru nos anos

bem como de engajamento é sempre variado e

1990, durante o governo de Alberto Fujimori. A

distinto. A experiência do público depende

grande inovação do projeto partiu da forma como

de como cada um transita pelos diferentes

conseguiu levantar os testemunhos das vítimas,

pontos de acesso e pelo universo narrativo

em grande maioria mulheres e indígenas, e desen-

do documentário transmídia como um todo.

cadear ações integradas em busca de justiça. O projeto oferece uma linha telefônica para a qual as vítimas podem ligar de forma gratuita

UMA PERSPECTIVA PARA ALÉM DA INTERFACE

e fazer seus testemunhos de maneira anônima. Esse recurso foi fundamental, pois a maioria das

Uma vez que entendemos os conceitos de ‘nar-

mulheres falava idiomas quechua e, inserida em

rativa interativa’, ‘documentário interativo’

uma tradição oral e indígena, tinha dificuldade

e ‘documentário transmídia’, podemos, assim,

de se expressar de forma escrita ou através de

nos localizar melhor nesse campo. Surge

vídeos, ainda mais por se tratar de um tema tão

então a pergunta: o que essas obras trazem

delicado. A partir daí, o projeto se baseia na

de significante para o conjunto de possibi-

integração das tecnologias – linha telefônica

lidades narrativas em um contexto mais amplo,

e a interface digital. A interface foi conce-

humano? Pra reconhecer esse potencial, vamos

bida em função dos propósitos do projeto e da

adotar a perspectiva da estética relacional

solução criativa de engajamento das vítimas na

conforme vem sendo desenvolvida por André

produção de conteúdo em registros sonoros. Ela

Paz nos últimos anos (Paz e Salles, 2013 e

disponibiliza os registros sonoros na página

2015; Paz, 2017), a partir da redescrição

web de uma forma que diferentes interatores

criativa das propostas de Nicolas Bourriaud

possam também contribuir com novos registros

(2009) e Vilém Flusser, articuladas com as

em áudio. Assim, o documentário interativo se

contribuições do campo de pesquisa da tra-

conforma como uma obra colaborativa formada por

dição dos documentários lineares. Por essa

contribuições de diferentes grupos.

perspectiva, as obras assumem uma conotação

Pela interface de sua plataforma online,

processual em função de noções relacionais.

o interator pode escutar relatos de vítimas,

Além da interface, elas são vistas como ‘dis-

testemunhas, especialistas. Pode enviar seus

positivos’, sendo reconhecidas como processos

próprios relatos ou enviar suas mensagens e apoio

mais amplos de práticas interativas e de

às vítimas. Pode fazer doações ao projeto ou

agenciamento entre equipe, participantes e

colaborar com seu desenvolvimento, pressionando

interatores, ao longo dos processos criativo

a Justiça peruana para que os responsáveis sejam

e de realização. Vejamos um exemplo.

punidos. Portanto, o interator tem uma série

De Maria Court e Rosemarie Lerner, The

de possibilidades práticas de engajamento na

Quipu Project é um projeto de documentário

narrativa e no propósito que ela materializa.

interativo, colaborativo e transmídia, que

Mais do que uma obra terminada, o documentário


interativo The Quipu Project é um processo

luta por justiça e a necessidade do engajamento

de práticas colaborativas de agenciamento

de diferentes pessoas nesse sentido.

de vítimas e interatores em uma plataforma

A interface promove uma espécie de agen-

híbrida de conteúdos polifônicos, em mídias

ciamento lúdico das pessoas, ao abrir uma série

diversas, canalizadas por um propósito.

de possibilidades de interação e engajamento

Dessa forma, o projeto não apenas narra as

que dissolvem as fronteiras entre produção,

histórias das vítimas, ele enreda as pessoas

distribuição e recepção. Não se trata aqui de

na tentativa de resultar em impacto social

uma narrativa fechada e pré-determinada pela

concreto. Não é apenas uma narrativa que

equipe de realização, mas de experimentações

conta uma história, mas um engajamento para

possíveis. Narração e interação se mesclam em

a construção de uma nova história.

um processo aberto e indefinido. Nesse sen-

A apresentação do The Quipu Project

tido, conceber um documentário interativo é

ilustra bem o conceito de ‘dispositivo’.

uma aposta nas dinâmicas próprias que ele pode

Quando olhamos os documentários interativos

desencadear. Não é por outra razão que Gaudenzi

como um ‘dispositivo’, vemos além da inter-

(2013a e 2013b) considera os documentários

face. Um ‘dispositivo’ aqui não se refere ao

interativos como uma entidade relacional aberta

sentido no senso comum de um aparato eletrô-

com dinâmicas próprias e propõe usarmos o termo

nico, como um celular ou tablet. Trata-se

living documentary. “They put the emphasis

de um cruzamento de práticas e elementos

on becoming, rather than explaining. (…) The

técnicos, discursivos, organizacionais,

message is not in the form, it is in the inte-

estéticos, que promove efeitos e afetos em

raction” (Gaudenzi, 2013b: 26). Nesse sentido,

algum sentido24. Visto assim, a interface é

como aponta Paz (2017), a poética do documen-

um núcleo de cruzamentos de práticas e formas

tário interativo reside em grande medida na

de interação, agenciamento, relações. Mais

fertilidade do ‘dispositivo’, ou seja, em sua

do que uma obra enquanto produto, trata-se

potência para desencadear dinâmicas próprias e

de um processo para o qual não há um modelo

autônomas com efeitos e afetos imprevisíveis.

pré-concebido. Como já foi dito, não há

No caso de Quipu, o impacto do projeto

um formato ou processo produtivo consoli-

também veio em função da potência do ‘disposi-

dado de narrativas interativas. Conceber um

tivo’ criado e de uma estratégia de comunicação

documentário interativo inovador é, antes

e ações transmídia. O projeto contou com uma

da produção do conteúdo, desenvolver um

ampla divulgação pelas mídias sociais e uma

‘dispositivo’ próprio, ou seja, um cruza-

campanha extensa e delicada para conscien-

mento específico de práticas e processos

tização, articulação de uma rede nacional e

que passam pela interface. No caso de The

levantamento dos testemunhos através do trabalho

Quipu Project, a interface foi definida em

de ativistas em inúmeras localidades. Assim,

função de seu viés ativista, movida pela

como Zambrano e Gifreu-Castells

colocam, em

Aproximación al potencial colaborativo de la 24  Entendemos o conceito de dispositivo em um sentido amplo a partir da apropriação e redescrição do conceito original de Foucault, que representa um conjunto específico de campos de força e elementos heterogêneos, técnicos, arquitetônicos, dis-

narrativa documental interactive en los procesos de cambio social (2016), o projeto funcionou como uma caixa de ressonância das demandas das

cursivos, afetivos, filosóficos, morais.

ALÉM DAS INTERFACES: CONCEITOS E OBRAS FUNDAMENTAIS ...  ·  POR ANDRÉ PAZ E KÁTIA AUGUSTA MACIEL · 44-59

51


comunidades locais e suas vítimas para o

relações. O próximo item aponta exemplos nesse

mundo. As denúncias iniciais desencadearam

sentido de projetos que estruturam de forma

todo um processo social que resultou em inves-

coerente propósitos, condições de produção e

tigações e ações na justiça peruana. Esses

práticas de agenciamento.

impactos estão em sintonia com a perspectiva da estética relacional. Os documentários interativos são experimentações criativas,

A COERÊNCIA DOS PROJETOS

‘dispositivos’ de interação que ensejam a possibilidade de novas relações no mundo.

Considerando então os documentários interati-

“Não se trata mais, entretanto, de projetos

vos além de suas interfaces, quais práticas

utópicos e da reconstrução totalizante das

têm sido usadas e como elas se relacionam com

formas de relação da sociedade, mas de ofere-

os propósitos e modos de produção do projeto

cer pequenas possibilidades de modificações

como um todo coerente? Voltemos ao exemplo de

concretas e circunscritas. A possibilidade

Highrise. O projeto apresenta de forma clara

de uma arte relacional consiste em tomar

em seu website que seu propósito é desencadear

como horizonte teórico a esfera das rela-

e participar de processos de inovação social,

ções humanas e seu contexto social e não a

além do registro e documentação: “Collectively,

afirmação de um espaço simbólico autônomo”

the projects — and the ones to come — have

(Paz, 2017: p. 90).

both shaped and realized the Highrise vision:

Nesse contexto, a autoria se desdobra

to see how the documentary process can drive

em diferentes dimensões. O processo criativo

and participate in social innovation rather

começa na concepção do ‘dispositivo’ dentro

than just to document it; and to help re-in-

do projeto como um todo, como no caso de The

vent what it means to be an urban species in

Quipu Project. Estamos falando da autoria

the 21st century”. Por um lado, Highrise se

das formas de interação em um sentido amplo.

dedicou a explorar formas e procedimentos que

A autoria aqui remete para a coerência entre

contribuíram de forma incontestável para o

o propósito do projeto e sua temática, pla-

desenvolvimento das linguagens e do campo das

taforma, formas de interação, práticas e

narrativas interativas digitais. Por outro, o

formas de engajamento e, enfim, interface.

projeto coloca em questão a vida em arranha-céus

Essa dimensão do projeto vai influenciar

através do agenciamento criativo em direção a

ou determinar em grande medida a narrativa

mudanças concretas. Pela perspectiva relacio-

e a produção e recepção do conteúdo. Outra

nal, enreda participantes e interatores de uma

dimensão da autoria diz respeito a produção

forma inovadora que visa pequenas modificações

do conteúdo em si. Por um lado, essa autoria

– inovações sociais.

pode seguir práticas de co-criação ou mídia

Highrise ilustra essa dupla natureza de

participativa. Por outro, pode seguir pelas

propósitos dos documentários interativos. Por

possibilidades de envio de conteúdo através

um lado, os projetos inovadores se propõem a

da plataforma. O desafio é não apenas ser um

explorar novas fronteiras da linguagem, alme-

processo criativo de um ‘dispositivo’, mas

jando contribuições formais para o campo, que

um ‘dispositivo criativo’, que enseje novas

são de extrema importância. Inúmeros projetos


se dedicaram e realizaram seus propósitos

padronize a realização das obras. Há possi-

nesse sentido ao se debruçar sobre dife-

bilidades de projetos de diferentes escalas,

rentes temas, como os já citados Hollow, Do

complexidades e estruturas produtivas. Dessa

not Track, Alma, The Quipu Project, Network

forma, Highrise se propõe o desafio da inovação

Effect. Por outro lado, como defende Paz

social através de um projeto multiplataforma de

(2017), parece uma espécie de propensão

grandes dimensões e ousado em termos estéticos,

natural dos documentários interativos tra-

porque o National Film Board é uma instituição

zerem também propósitos para os projetos

com amplos recursos que tem uma longa tradição

exteriores às investigações estéticas ou de

de incentivo a documentários inovadores em

Em What is interactivity for?

termos de proposta e linguagem. Realizado por

linguagens.

The social dimension of web-documentary

uma pequena produtora, o já comentado Som dos

participation, Kate Nash (2014) defende

Sinos utiliza também diversas plataformas com

que a continuidade entre a tradição de

uma inovação social para registro e divulgação

documentários e a nova produção de docu-

de um patrimônio imaterial, mas com recursos

mentários interativos acontece justamente

financeiros e humanos muito mais reduzidos. The

pelo exercício de certas funções sociais

Shirt on Your Back (2014)25, realizado pelo The

- mais do que pelas convenções do gênero

Guardian representa todo um conjunto de obras

ou práticas de produção. Entre elas, Nash

com viés jornalístico, produzido por grandes

aponta: i. Registrar, revelar ou preservar:

empresas do setor. Já As quatro Estações de

os documentários interativos podem ser

Iracema e Dirceu (2015)26 é um documentário

bancos de dados ou coleções que podem ser

interativo que conta a rotina de uma família

acessadas e organizadas de diversas formas,

em situação de miséria no sul do Brasil com

o que potencializa a convergência entre

recursos financeiros bem mais modestos, rea-

documentário e documento, como o caso já

lizado pelo Diário Catarinense.

comentado de Som dos Sinos; ii. Engajamento

Com orçamentos bem mais restritos, em espe-

cívico: os documentários interativos podem

cial na América Latina, as universidades também

promover a construção de comunidades de

têm uma produção própria, com propósitos e modos

interesses comuns e incentivar o debate e

de produção específicos. É o caso de Mujeres

ações, como Highrise; iii. Persuasão: os

en Venta (2015)27, por exemplo, que registra

documentários interativos podem exercer

e denuncia o crime de tráfico de mulheres na

papel de convencimento no discurso e opinião

Argentina, realizado pela Universidade Nacional

pública sobre determinadas questões, como

de Rosário. O trabalho usa relatos de vítimas,

em The Quipu Project.

depoimento de especialistas e dados levantados

Assim, em grande medida, os projetos

por investigação jornalística. Já O que a baía

de documentários interativos e transmídia

tem (2018)28, realizado pela Universidade Federal

assumem diferentes propósitos e funções

do Rio de Janeiro (UFRJ), se apresenta como uma

sociais, de acordo com os recursos que consegue mobilizar e seus modos de produção. Como não têm um formato pré-estabelecido no campo, não há um modo de produção que

25  www.theguardian.com/world/ng-interactive/2014/apr/bangladesh -shirt-on-your-back. Ver página 112. 26  www.clicrbs.com.br/sites/swf/DC_quatro_estacoes_iracema_dirceu. 27  www.documedia.com.ar/mujeres. Ver página 110. 28  www.baia.net.br

ALÉM DAS INTERFACES: CONCEITOS E OBRAS FUNDAMENTAIS ...  ·  POR ANDRÉ PAZ E KÁTIA AUGUSTA MACIEL · 44-59

53


aplicação prática da pesquisa de Katia Augusta

foi desenvolvida com moradores do subúrbio de

Maciel sobre como expressar e experimentar a

Toronto ao longo de dois anos. A equipe traba-

diversidade ecológica da Baía de Guanabara

lhou em oficinas com urbanistas, arquitetos,

através de uma criação audiovisual intera-

designers, programadores e os moradores, que

tiva, na cidade do Rio de Janeiro, Brasil.

foram convidados a imaginar como gostariam que

O I-Doc inclui filmagens em flat screen e

fosse o entorno e áreas comuns dos edifícios.

em 360o buscando diferentes níveis e modos

Esse processo resultou na interface de One

de engajamento. A ideia, como afirma Katia

Millionth Tower, o primeiro documentário 3D de

Augusta Maciel no artigo “Documentário inte-

código aberto, no qual o interator pode navegar

rativo: a Baía de Guanabara prêt-à-porter”

por esses projetos imaginados. Antes da plata-

(2018), é que a obra possa ser utilizada por

forma e de sua interface, porém, o ‘dispositivo’

professores para agenciar e também potencia-

integrou um conjunto de ações de restauração

lizar o ensino e aprendizagem para além dos

do patrimônio, reforma de zonas deterioradas e

muros da escola. Também realizado na mesma

até cursos de formação digital e alfabetização

universidade, por André Paz, Ilha Grande:

de jovens. Tanto em Ilha Grande, como em One

cada praia uma ilha, cada ilha, uma história

Millionth Tower, a concepção da plataforma como

é um documentário interativo que traz his-

a produção do conteúdo seguiram princípios da

tórias vividas por personagens nas diversas

co-criação. A diretora Katerina Cizec se tornou

comunidades pesqueiras das praias ao redor da

talvez o nome mais reconhecido no campo que

Ilha Grande, no estado do Rio de Janeiro. A

defende os processos de co-criação, sendo uma

narrativa interativa é baseada em uma série

das responsáveis pelo Co Creation Studio do

de vídeos que foi publicada também de forma

MIT Open Doc Lab. Os projetos de co-criação

sequencial nas mídias sociais. A interface

incorporam representantes dos grupos que são

é bastante simples. Como descreve André Paz

o assunto do projeto como participantes com

(2017), o documentário interativo foi conce-

voz ativa no processo criativo. Contam assim

bido a partir do diálogo com as comunidades

com o diálogo aberto e a colaboração entre os

locais durante uma série de ações realizadas

participantes e pesquisadores, especialistas

em um projeto maior chamado Voz Nativa, que

em tecnologia e outros profissionais, no desen-

visava apoiar o turismo de base-comunitária

volvimento do projeto e no processo produtivo.

na Ilha Grande e o protagonismo dos jovens

No livro I-docs: The Envolving Practices of

locais nesse processo.

Interactive Documentary (2017), Mandy Rose

A simplicidade da interface de Ilha

Grande contrasta com a complexidade de One

coordena a edição de toda uma sessão dedicada ao tema co-criação.

Millionth Tower (2015) , de Highrise. No

Há diversas formas de se incorporar a voz

entanto, os princípios por trás do processo de

dos participantes que representam o assunto do

criação e da relação com os assuntos e parti-

projeto. Em Ilha Grande e One Millionth Tower,

cipantes dos projetos são, em grande medida,

a concepção do dispositivo e da interface já

similares. A concepção de One Millionth Tower

é resultado desse diálogo. Outros projetos

29

incorporam os participantes como produtores de conteúdo, de mídias, que são então chamadas 29  http://Highrise.nfb.ca/onemillionthtower/


de mídias participativas. Quando o conteúdo

ATRAVÉS DA INTERFACE

participativo tem um volume determinante na constituição do conteúdo da narrativa, os documentários interativos são chamados de

Os documentários interativos exercem dife-

colaborativos. Esse é o caso do reconhecido

rentes práticas de agenciamento através da

internacionalmente 18 Days in Egypt (2011)30,

interface, que disponibiliza ao interator o

de Jigar Mehta e Yasmin Elayat. O conteúdo

acesso e navegação pela sua estrutura narra-

da obra é o conjunto de mídias enviado por

tiva - a forma como está organizado o conjunto

pessoas que viveram os 18 dias de turbu-

de mídias do sistema. Essa estrutura é com-

lência política e social no Egito. Como

posta por uma combinação finita de segmentos

coloca Paz (2017), esses projetos requerem

narrativos e assume um aspecto rizomático com

a mobilização dos participantes como um

diferentes formatos. Em trabalhos publicados

componente fundamental. Para viabilizar a

em 2001, 2011 e 2015, Marie-Laure Ryan, por

criação do conteúdo, o processo produtivo

exemplo, descreve possíveis arquiteturas

precisa criar uma comunidade de partici-

de narrativas interativas, de onde resulta

pantes ou agenciar participantes de uma

o potencial narrativo da obra. Um exemplo

comunidade pré-existente. Outros projetos

básico é o circuito em rede (ver Figura 1),

buscam agenciar os interatores através da

no qual interatores podem saltar entre uni-

interface como produtores de conteúdo ou

dades narrativas (também chamadas de nós).

outras formas de participação. Zambrano e

Nesse tipo de estrutura não há um significado

Gifreu-Castells (2016), por exemplo, focam

narrativo totalizante, como explica Tatiana

suas análises nas práticas participativas e

Levin em sua tese de doutorado Narrativa e

colaborativas em documentários interativos.

Interatividade no Webdocumentário (2016).

Eles apontam alguns casos conhecidos de docu-

Outro exemplo detalhado por Levin (2016) é

mentários interativos e colaborativos nesse

a ‘anêmona-do-mar’, estrutura na qual cada

31

sentido, como Mapping Main Street (2010)

unidade narrativa é conectada a um núcleo

e Question Bridge: Black Males (2011)32 . O

central (Figura 2). A partir de cada núcleo

caso já comentado de The Quipu Project busca

se organizam segmentos narrativos menores

tanto o engajamento dos participantes como

ou micro histórias. Aqui, a partir de um

dos interatores. O item a seguir discorre

núcleo central inicial, o interator pode

sobre a potência da interface em função dos

seguir por uma trilha e descobrir várias

modos de interatividade.

micro histórias correlacionadas, ou voltar e seguir por outra trilha.

30  http://www.18daysinegypt.com/ 31  www.mappingmainstreet.org 32  http://questionbridge.com/

ALÉM DAS INTERFACES: CONCEITOS E OBRAS FUNDAMENTAIS ...  ·  POR ANDRÉ PAZ E KÁTIA AUGUSTA MACIEL · 44-59

55


hiperlinks, sem interferir no conteúdo da obra. O modo hipertextual está presente em maior ou menor grau em todos os I-docs, dando ao interator um caráter de explorador. Ele segue a lógica do “clique e vá” ou “clique e veja”. Dessa forma, I-docs hipertextuais podem, por Fig.133 e Fig.234

exemplo, disponibilizar vários caminhos e uma gama de perspectivas em torno de um tema ou

No trabalho já citado, Arnau Gifreu-Castells

assunto. É o caso do já apresentado Hollow, onde

(2010) apresenta todos os formatos de estru-

os moradores de McDowell, nos Estados Unidos,

turas narrativas observadas por Ryan e, mais

buscam desmistificar a visão estereotipada do

além, aprofunda a relação delas com os modos

município. McDowell sofre com a falta de empre-

de navegação. O mergulho nessas questões

gos, o tráfico de drogas e a violência, mas

está além do escopo deste artigo, mas esse

não se entrega e resiste. Através de relatos

tema é fundamental para o desenvolvimento

de várias famílias, diferentes perspectivas

de novos projetos. As obras oferecem modos

são apresentadas. De forma hipertextual, o

de navegação e interatividade que se baseiam

interator rola o mouse para cima e para baixo,

em distintas estruturas narrativas. Para

para um lado e para o outro, desvelando opções

ilustrar os modos de interatividade, entre-

de links para diversos vídeos e fotos sobre

tanto, vejamos alguns exemplos em função da

as diferentes realidades naquela localidade.

perspectiva organizada por Sandra Gaudenzi

No modo de interatividade conversacional,

em The Living Documentary: from representing

há uma espécie de diálogo entre o interator e o

reality to co-creating reality in digital

i-Doc. O sistema responde de forma específica

interactive documentary (2013). A autora

aos gestos do interator, havendo uma constante

apresenta quatro modos de interatividade:

troca na obra. O interator não apenas transita

hipertextual, conversacional, participativo

por um conteúdo fixo previamente determinado

e experiencial. Esses modos não são exclu-

como no modo hipertextual. Suas ações também

sivos. Ou seja, o mesmo i-Doc pode utilizar

influenciam no conteúdo e na história enquanto

mais de um, ainda que um deles predomine ao

ela se desenrola. As tecnologias digitais são

ponto de marcar a interatividade da obra.

empregadas aqui para dar ao interator a impres-

O modo de interação hipertextual é o

são de navegar num mundo simulado, como em um

mais empregado. Nele, o interator apenas

jogo. Universe Within, do projeto Highrise,

navega entre diferentes conteúdos previamente

encarna essa conversa tanto no sentido metafó-

arranjados pelo autor e disponibilizados

rico aqui empregado, como no sentido literal.

pela interface. O interator se move entre

Três personagens se apresentam e se propõem a guiar a experiência narrativa. Os avatares

33  Estrutura em rede. Fonte: Peeling the Onion: Layers of

Interactivity in Digital Narrative Texts (2011). Marie-Laure Ryan. Disponível em: http://www.marilaur.info/onion.htm 34  Legenda: Estrutura da Anêmona do Mar. Fonte: Peeling the

Onion: Layers of Interactivity in Digital Narrative Texts (2011). Marie-Laure Ryan. Disponível em: http://www.marilaur.info/onion.htm

representam algoritmos com os quais se pode dialogar, a partir de questões provocativas sobre a vida digital. A obra explora assim a relação de pessoas que habitam arranha-céus em


diversas cidades do mundo com a web, enquanto

Facebook, artigos de blog ou até mesmo apenas

provoca o interator a refletir sobre como

contar a um amigo ajudará muito”. Assim, o

ele próprio se relaciona com a rede. O já

que configura esse modo de interatividade é a

comentado Do not Track se utiliza em geral

participação do interator no conteúdo, a partir

do modo hipertextual para disponibilizar

da disseminação da banda larga, como nos casos

conteúdo sobre como funciona a economia da

já destacados de 18 Days in Egypt, Mapping Main

vigilância na web. Mas se utiliza também do

Street e Question Bridge: Black Males (2011)35.

modo conversacional em diversos momentos

O que se destaca nessas obras não é a escolha

chave, quando, por exemplo, solicita dados

pelo interator da ordem de visualização dos

pessoais do interator para respondê-lo com

conteúdos previamente disponibilizados (modo

um retrato do seu perfil. Essa é uma marca

hipertextual), nem a conversa interator-sistema

do projeto: oferece uma experiência ao inte-

(modo conversacional), mas a participação do

rator de como, de forma análoga, seus dados

interator na criação, produção e difusão do

são utilizados por sites, redes sociais,

conteúdo da obra.

plataformas de streaming. Portanto, utiliza

No modo experiencial de interatividade,

o modo conversacional para conscientizar o

as obras exploram um espaço híbrido entre o

interator de como a web é um espaço onde

ambiente digital e o mundo concreto. Buscam

movimentos, falas e identidades são grava-

expandir a vivência de um lugar ou de uma ins-

das, rastreadas e utilizadas. Dos telefones

talação artística, por exemplo, correlacionando

celulares a redes sociais, tudo é vigiado

a narrativa digital interativa a movimentos do

na busca por informações estratégicas para

corpo no espaço, percepções da visão, audição,

a publicidade.

tato. Como explicam Gaudenzi e Aston (2012),

Já no modo participativo, o interator é

I-docs podem adicionar camadas à percepção da

inserido no processo criativo da obra, con-

realidade, gerando uma experiência para os

vidado a enviar fotos, depoimentos, vídeos,

interatores que é física e virtual ao mesmo

ou editar, remixar, traduzir, legendar.

tempo. É comum as obras integrarem as mídias

Como já comentado sobre o projeto Quipu,

geolocalizadas (locative media), através da

o interator pode enviar seus relatos ou

utilização do GPS (Global Positioning System)

mensagens às vítimas para fazer parte da

e dispositivos móveis. É o caso, por exemplo,

obra. Pode também se tornar voluntário e

do aplicativo do já citado Som dos Sinos, onde

ajudar a transcrever e legendar testemunhos

o interator pode acessar fisicamente nas peque-

enviados ao projeto. Mais além, como dito

nas localidades do interior de Minas Gerais

anteriormente, o interator também pode fazer

conteúdos diversos geolocalizados sobre os

doações, assinar uma petição pública, ou se

toques de sinos das igrejas que visita. Também

engajar em diversas ações de divulgação do

baseado em aplicativo, em Rider Spoke (2007)36,

projeto. Afinal, como coloca o website da

do coletivo Blast Theory, da Inglaterra, o

obra: “O objetivo do nosso projeto é ajudar

interator circula de bicicleta por pontos da

essas histórias a alcançar o maior número

cidade onde explora um conjunto de relatos

de pessoas possível e, para isso, confiamos em pessoas como você! Tweets, posts no

35  http://questionbridge.com/ 36  https://www.blasttheory.co.uk/projects/rider-spoke/

ALÉM DAS INTERFACES: CONCEITOS E OBRAS FUNDAMENTAIS ...  ·  POR ANDRÉ PAZ E KÁTIA AUGUSTA MACIEL · 44-59

57


em áudio georreferenciados, deixados por

interatores, ao longo dos processos criativo

outros interatores que passaram pelos mesmos

e de realização. E destacamos a necessidade de

lugares. Já A Cartography of Iconic Memory

coerência entre essas práticas, o formato, a

(2014)37, de Morgan Rhys Tams, conta com

estrutura produtiva e o propósito do projeto.

códigos QR permanentemente instalados na

Esperamos, assim, contribuir de alguma forma

pequena vila de pescadores de Skagströnd,

para a fertilidade criativa desse campo ino-

na Islândia. Usando um smartphone para ler

vador e estimulante.

os códigos, o interator pode ver pequenas animações especificamente criadas para cada local, buscando trazer vida nova a lugares praticamente esquecidos no interior da Islândia rural. Para interagir com a obra,

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASTON, J. (2017). Sandra Gaudenzi and Mandy Rose. I-docs: The Envolving Practices of Interactive Documentary. London and New York: Columbia University Press.

o participante deve seguir um mapa de um local a outro, percorrendo ruas de cascalho,

BOURRIAUD, N. (2009). Estética Relacional. São Paulo: Martins Fontes.

campos enormes e a costa rochosa. A outra alternativa é conhecer o projeto através do webdocumentário que tenta recriar a experiência da instalação artística para aqueles que não podem estar fisicamente na Islândia.

GAUDENZI, Sandra. (2013a). The Living Documentary: from representing reality to co-creating reality in digital interactive documentary. Thesis. London: University of London.

GAUDENZI, Sandra. (2013b). The Interactive Documentary as a Living Documentary. Revista Doc On Line 14 , p. 9-31. Accessed 30 August 2017. http://www.doc.ubi.pt/

Os I-docs utilizam um ou mais modos de interatividade de diferentes formas. Como foi dito no início deste artigo, não há um formato hegemônico, mas um conjunto de obras híbridas que compartilham uma série de características comuns de maneira criativa e inovadora. Nesse ambiente, cada projeto precisa encontrar a maneira mais eficiente de explorar as atribuições e especificidades do meio digital, bem como das diversas linguagens, mídias e tecnologias que o atravessam.

GIFREU-CASTELLS, Arnau. (2010).The Interactive Multimedia Documentary: a proposed analysis model. Thesis. Pompeu Fabra University.

JENKINS, H. (2006). Convergence Culture: Where Old and New Media Collide. New York: NYU Press.

LEVIN, T. (2016). Narrativa e Interatividade no Webdocumentário [Tese]. Universidade Federal da Bahia.

MACIEL, K.A e Fernandes, A. (2018). Direção de arte e transmidialidade. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.

MACIEL, K.A. (2018). Documentário interativo: a Baía de Guanabara Prêt-à-Porter. Revista de Geografia. v.35, n.1.: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistageografia/index

Nosso intuito não foi, portanto, apontar caminhos a serem seguidos, mas referências que possam inspirar novos projetos de narrativas interativas digitais ou de pesquisa nesse campo. Para isso, assumimos uma pers-

MURRAY, J. (2012). Inventing the medium: principles of interaction design as a cultural practice. Londres: The MIT Press.

NASH, K. (2014). What is interactivity for? The social dimension of web-documentary participation. Continuum: Journal of Media & Cultural Studies, p. 37-41.

pectiva que reconhece as obras como processos mais amplos de práticas interativas e de

PAQUIN, Louis-Claude. (2006). Comprendre les médias interactifs, Québec: Isabelle Quentin Éditeur.

agenciamento entre equipe, participantes e Paz, André and Júlia Salles. (2013). Dispositivo, Acaso e Criatividade: Por uma estética relacional do webdocumentário. Revista Doc On Line 14, p. 33-69. http://www.doc.ubi.pt/. 37  http://www.morgantams.com/cartography/


PAZ, André and Júlia Salles. (2015). Brasil, Mostra a sua Cara: aproximações ao cenário brasileiro de documentários interativos. Revista Doc On Line 18, p. 130-165. http:// www.doc.ubi.pt/.

PAZ, André. (2017). Documentário interativo e estratégia de impacto social. Revista Doc On Line. Num. Esp.: 81-108. http://www.doc.ubi.pt/.

RYAN, M.L. (2001). Narrative as Virtual Reality: Immersion and Interactivity in Literature and Electronic Media. Baltimore: Johns Hopkins University Press, series Parallax.

RYAN, M.L. (2011). Peeling the Onion: Layers of User Participation in Digital Narrative Texts. New Narratives: Stories and Storytelling in the Digital Age. P. 35-62. Eds. Ruth Page and Bronwen Thomas. Lincoln: University of Nebraska.

RYAN, M.L. (2015). Narrative as Virtual Reality 2: Revisiting Immersion and Interactivity in Literature and Electronic Media. Baltimore: Johns Hopkins University Press, series Parallax.

SCOLARI, C. (2013). Narrativas transmedia: cuando todos los medios cuentan. Barcelona: Grupo Planeta.

ZAMBRANO, V. & Gifreu-Castell, A. (2016). Aproximación al potencial colaborativo de la narrativa documental interactive en los procesos de cambio social. Cultura, Lenguage y Representación. XV 53-169.


NARRATIVAS INTERATIVAS

DESENVOLVIMENTO ATUAL DO DOCUMENTÁRIO INTERATIVO E TRANSMÍDIA NAS AMÉRICAS, EUROPA E AUSTRÁLIA ARNAU GIFREU-CASTELLS1

1 Arnau Gifreu-Castells é professor, pesquisador e diretor no campo do audiovisual multimídia. Foi pesquisador associado do Comparative Media Studies / Open Documentary Lab (MIT, 2013-2018) e participa do i-Docs (University of the West of England). Leciona na Universidade ERAM em Girona e coordena atividades interativas no Festival Internacional DocsBarcelona. Publicou vários livros e artigos sobre documentários interativos.

BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0  ·  RIO DE JENRIO  ·  224 PÁGINAS  EDITORA: AUTOMATICA  · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO  ·  BUG404.NET

60


1. INTRODUÇÃO

(Inglaterra), interDocsBarcelona (Barcelona), entre outros, promovem e exibem ano após ano obras deste tipo, assim como congressos especia-

O documentário interativo e transmídia tem

lizados no documentário interativo como i-Docs

como base formas de expressão narrativas

(Inglaterra), ou em não-ficção como Visible

que nascem do encontro dos novos caminhos

Evidence. Cada vez mais empresas e produtoras

possibilitados pelo gênero documental a

decidem entrar neste tipo de produção, embora

partir da tecnologia. O objetivo e propósito

o grosso da produção continue sendo liderado

deste trabalho é oferecer uma aproximação

por emissoras como ARTE (França), National

do todo e uma análise (não exaustiva) sobre

Film Board do Canadá ou Special Broadcasting

o estado de desenvolvimento dos países que

Service (Austrália). Também o meio informativo

têm um trabalho e produção notáveis neste

e jornalístico tem entrado com força, com The

campo na atualidade (2018). Para isso, vamos

New York Times e The Guardian na liderança. As

focar nos três continentes que, atualmente,

produtoras mais prolíficas continuam se con-

concentram uma boa parte do desenvolvimento

centrando na França e no Canadá, onde existem

e produção nesta matéria específica: as

mais meios e recursos para produzir, como no

Américas, a Europa e a Austrália.

caso de Upian ou Honkytonk Films (França),

Em 2013, apresentamos uma tese de douto-

Submarine Channel (Holanda), Helios Design Labs,

rado sobre o estudo e análise do documentário

Felix & Paul Studios ou Akufen (Canadá), apenas

interativo. Aproveitando a pesquisa efetuada

para citar alguns exemplos. Também o número de

durante o período 2007-2013, também publicamos

pesquisadores que abrangem o documentário inte-

um artigo na revista científica Obra Digital,

rativo e transmídia em seus trabalhos aumenta

denominado “El documental interactivo: estado

dia após dia, destacando-se neste campo vários

de desarrollo actual” [O documentário inte-

nomes femininos como Sandra Gaudenzi, Kate

rativo: estado do desenvolvimento atual]

Nash, Mandy Rose, Judith Aston ou Julia Scott-

(Gifreu-Castells, 2013). Nessa primeira abor-

Stevenson. O software como fórmula específica

dagem, dividimos o estado de desenvolvimento

que parece consolidar-se neste tipo de produ-

em quatro partes: ‘Eventos e congressos’

ções é o desenvolvimento web nativo através da

(1); ‘Empresas, produtoras especializadas,

linguagem HTML 5 (com CSS, Javascript e Bases

praticantes e atores’ (2); ‘Pesquisadores’

de dados principalmente como complemento), os

(3) e ‘Software específico’ (4).

gestores de conteúdos dinâmicos como Wordpress

Desde o momento que apresentamos a primeira pesquisa e seus relativos relatórios

ou Joomla, e especialmente alguns editores multimídia como Klynt ou Korsakow.

(tese doutoral e artigos), há seis anos, o

Desse modo, as tendências que anunciá-

campo do documentário interativo e transmídia

vamos nesse artigo sobre o estado de desen-

vem evoluindo e se consolidando continua-

volvimento no ano 2013 apontam na direção da

mente, até chegar num ponto de normalização

permanência, consolidação e expansão desse

dentro do gênero documentário. Eventos e fes-

âmbito. Como observamos em trabalhos ante-

tivais como IDFA Doclab (Holanda), Hot Docs

riores (Gifreu-Castells, 2017), parece que a

Film Festival (Canadá), Sheffield Doc/Fest

forma do documentário interativo e transmídia

DESENVOLVIMENTO ATUAL DO DOCUMENTÁRIO INTERATIVO E TRANSMÍDIA NAS AMÉRICAS, EUROPA...  ·  ARNAU GIFREU CASTELLS

· 60-71

61


nos países anglo-saxões e francófonos está

meios digitais e o documentário, assim como

mudando e se transformando num documentário

produtoras especializadas no campo do documen-

do tipo imersivo, dentro do conceito que

tário interativo e transmídia. No entanto, a

podemos denominar de ‘Realidade Aumentada’

principal rádio difusora do país, a National

(Milgram y Kishino, 1994). Ao mesmo tempo,

Film Board of Canada (NFB), criada em 1939 pelo

estas novas vias adotadas pelo documentário,

governo canadense, é a que mais se destaca.

tendo a tecnologia como mediadora, parecem

A tradição e apreciação do Canadá pelo

encontrar-se num momento culminante nos

cinema de não ficção, e especialmente, a nar-

países de língua latina, especialmente na

rativa documental, não é recente: em meados

Ibero-América, em países como Argentina,

do século XX se destacou como berço do Cinema

Colômbia, Chile ou México. Antes de iniciar

Direto, uma corrente documental cujo principal

a análise dos principais países envolvidos no

objetivo era filmar diretamente a realidade

desenvolvimento, produção e pesquisa dessas

e representá-la de forma sincera. Este tipo

novas narrativas de não-ficção, é preciso

de cinema, que nasceu entre 1958 e 1962, mais

observar que este trabalho não pretende fazer

especificamente na província canadense de

uma análise exaustiva de tudo o que acontece

Quebec e nos Estados Unidos, teve Jean Rouch

neste âmbito, mas uma primeira investigação

como seu principal expoente. Outra inovação

sobre quais acreditamos ser suas pontas mais

importante se deu através da temática social

relevantes em 2018. Dessa maneira, formulamos

e de intervenção cidadã, sendo o projeto mais

para esta edição do livro BUG uma evolução

representativo Challenge for Change (NFB,

do trabalho apresentado em 2013.

1967-1980), que ajudou a dar voz a comunidades desfavorecidas do Canadá empoderando-as com câmaras e outros dispositivos de filma-

2. O ESTADO DE DESENVOLVIMENTO 2

NAS AMÉRICAS

gem. Esse projeto seminal de cinema tradicional resultou, no início do século XXI, em

Filmmaker in Residence (Katerina Cizek, NFB, 2.1 CANADÁ

2006)3, e, posteriormente, no símbolo chave do documentário transmídia atual do National

Na nossa primeira parada vamos explorar

Film Board, Highrise (Katerina Cizek, NFB,

o continente americano, especialmente a

2009-2015)4. Com o passar do tempo, o NFB vem

América do Norte. No Canadá, a cada ano são

se especializando em quatro áreas que conver-

destinados milhões de dólares para a pro-

gem e se complementam no campo da narrativa

dução interativa e transmídia de conteúdos

transmídia de não ficção: o documentário, a

de ficção e não ficção. O governo oferece

animação, a educação e a interação5. A pro-

financiamento público por meio do Canadian

dução interativa e transmídia do NFB é ampla

Media Fund e outros editais, existem várias instituições dedicadas à convergência dos

3  O NFB ensaiando Highrise (Blog Webdocs. Historias del siglo XXI – RTVE.ES) http://blog.rtve.es/webdocs/2016/01/9-filmmaker-inresidence-nfb-ensayando-highrise.html

2  Para ver as ilustrações desta seção com prints selecionados pelo autor, acesse: http://agifreu.com/img_catalogo_mostrabug/America_P.jpg

4  www.outmywindow.nfb.ca. Ver página 106. 5  As sete maravilhas do NFB (Blog Webdocs. Historias del siglo XXI – RTVE.ES) http://blog.rtve.es/webdocs/2016/04/2-las-siete-maravillas-del-nfb-parte-1.html


e diversificada, e pode ser consultada

de projetos com financiamentos generosos.

na seção Interactive

em seu portal web.

Em relação à pesquisa e desenvolvimento de

Do NFB destacamos os projetos Highrise ,

projetos educativos, destaca-se, entre os

Waterlife (Kevin McMahon, 2009)7, Welcome

centros e grupos de pesquisa americanos, o

to Pine Point (Paul Shoebridge e Michael

MIT Open Documentary Lab.

6

Simons, 2011)8, Bear 71 (Jeremy Mendes e

Em relação à produção, destacamos dois nomes

Leanne Allison, 2012) , A Journal of Insomnia

na vertente criativa: Sharon Daniel14 e Jonathan

(Thibaut Duverneix, Bruno Choinière,

Harris15. Sharon Daniel é uma artista que pro-

Guillaume Braun e Philippe Lambert, 2013)10,

duz documentários interativos e participativos

In Limbo (Antoine Viviani, 2015) , Way to go

focados em temas de justiça social, econômica,

(Vincent Morisset, Philippe Lambert, Édouard

ambiental e penal, construindo arquivos online

Lanctôt-Benoit e Caroline Robert, 2015)12 e

e interfaces que aproximam as histórias de comu-

The Enemy (Karim Ben Khelifa, 2017) .

nidades marginalizadas para além dos limites

9

11

13

sociais, culturais e econômicos. Destacamos as obras Public Secrets (2008)16, Blood Sugar (Sharon 2.2. ESTADOS UNIDOS

Daniel e Erik Loyer; Vectors Journal, 2010)17, Inside the Distance (LINC-KU Leuven, STUK Arts

Embora os Estados Unidos não sejam um país

Centre, Courtisane, University of California em

que ofereça financiamento público volumoso

Santa Cruz, Fórum Europeu de Justiça Restaurativa,

para produzir este tipo de documentários,

Suggonomè - Serviço de Mediação Flamenca, OPAK,

ao longo do tempo vêm proliferando vários

2013)18 e Undoing Time PLEDGE/S.O.S (2013)19.

festivais e iniciativas privadas que mere-

Jonathan Harris é um criador único, já que devido

cem destaque. É o caso de festivais como

a uma formação combinada entre fotografia e com-

Tribeca, Sundance ou South by Southwest,

putação, trabalha como um artista renascentista,

entre outros, em que o documentário intera-

tendo desenvolvido uma habilidade extraordiná-

tivo e transmídia faz parte da programação

ria e domínio de vários códigos e linguagens.

há muito tempo. Diversos festivais também

Destacamos seus projetos We feel Fine (Jonathan

introduziram a categoria do documentário

Harris e Sep Kamvar, 2006)20, Cowbird (2011)21, I

interativo e transmídia dentro de suas

love your work (2013)22 e Network Effect (Jonathan

respectivas competições. Mas talvez o

Harris e Greg Hochmuth, 2015)23.

mais interessante nestes festivais seja o instituto de promoção e financiamento: especialmente o de Tribeca e Sundance. A Fundação Ford também promove este tipo

14  http://www.sharondaniel.net/.

La travesía de Sharon Daniel: De Public Secrets a Inside the distance. Parte 1-3 (Blog Webdocs. Historias del siglo XXI – RTVE.ES). http://blog.rtve.es/webdocs/2014/08/3.html 15  http://number27.org/. Jonathan Harris, el hombre orquestra (Blog

Webdocs. Historias del siglo XXI– RTVE.ES). http://blog.rtve.es/ webdocs/2016/02/4-jonathan-harris-el-hombre-orquestra.html 6  https://www.nfb.ca/interactive/

16  http://www.sharondaniel.net/#publicsecrets

7  https://www.nfb.ca/film/waterlife/

17  http://www.sharondaniel.net/bloodsugar/

8  https://www.nfb.ca/interactive/welcome_to_pine_point/

18  http://www.sharondaniel.net/inside-the-distance/

9  https://bear71vr.nfb.ca/

19  http://www.sharondaniel.net/undoing-time/

10  https://www.nfb.ca/interactive/a_journal_of_insomnia/

20  http://wefeelfine.org/

11  https://www.nfb.ca/interactive/in_limbo/

21  http://cowbird.com/

12  http://a-way-to-go.com/

22  http://iloveyourwork.net/

13  http://theenemyishere.org/

23  http://networkeffect.io/. Ver página 107.

DESENVOLVIMENTO ATUAL DO DOCUMENTÁRIO INTERATIVO E TRANSMÍDIA NAS AMÉRICAS, EUROPA...  ·  ARNAU GIFREU CASTELLS

· 60-71

63


2.3 ARGENTINA

incompleta se não mencionássemos o departamento de Comunicação Multimídia da Universidade Nacional

A Argentina é, sem dúvida, o país mais

de Rosário que, através de seu diretor Fernando

fértil no âmbito estudado dentro da América

Irigaray, lidera este projeto singular, e cuja

Latina. Os eventos e atividades na Argentina

série de documentários transmídia sob a marca

em relação ao documentário interativo e

DocuMedia Periodismo Social Multimedia, obteve

transmídia se concentram principalmente em

importantes reconhecimentos durante os últimos

sua capital, Buenos Aires, e na cidade de

anos. Destacamos Calles perdidas (Documedia-UNR,

Rosário. Os eventos dedicados ao tema como

2013)26 e Mujeres en venta (Documedia-UNR, 2015)27.

Doc Buenos Aires, Doclab, Foro de Periodismo

Além disso, a Argentina é o único país da

Digital-Encuentro de Narrativas Transmedia

América Latina que tem feito co-produções com

de Rosario, Mediamorfosis, Festival de Mar

as duas emissoras públicas que mais apostam no

del Plata ou Ventana Sur incluem este tipo

documentário interativo mundialmente: ARTE e

de narrativas em suas edições mais recentes.

o National Film Board of Canada. Como exemplo

Em relação à experimentação e produção,

citamos Primal (Bruno Stagnaro, Caroline Hayeur,

os especiais multimídia do jornal Clarín

David Mongeau-Petitpas, Manuel Archain e Marc-

(1996-2009) foram os primeiros trabalhos

Antoine Jacques, 2014)28, a primeira co-produção

pioneiros em não ficção no cone sul do con-

da entidade canadense com o Canal Encuentro da

tinente americano. Trata-se de um conjunto

Argentina, o canal de televisão do Ministério

de mais de 40 peças dirigidas por Gustavo

de Educação da República Argentina.

Sierra e produzidas pela equipe multimídia de Clarin.com, das quais destacamos El

viaje que el Ernesto se convirtió en el Che

2.4. COLÔMBIA

(2007). Em relação a criadores importantes, o jornalista Alvaro Liuzzi é um dos pioneiros

A Colômbia é outro dos países emergentes no cone

que vem trabalhando na convergência entre

sul em relação à produção e promoção do documen-

documentário e jornalismo com um conceito

tário interativo e transmídia. Este país conta

inovador: utilizar as plataformas de não

com uma rede consolidada de eventos e mercados em

ficção com o objetivo de reviver em seu

relação ao meio audiovisual e aos novos meios,

público fatos históricos chave na Argentina,

entre eles: Bogotá Audiovisual Market, Festival

como o 30o

aniversário da guerra entre

Internacional de Cine de Cartagena de Indias,

Argentina e Grã Bretanha nas Malvinas, a

Colombia 4.0, Festival de la Imagen, Muestra

identidade de Rodolfo Walsh em Clave Digital,

Internacional de Documental de Bogotá, Festival

ou a comemoração dos 30 anos de democracia

de Cine Creative Commons Bogotá, DocsBarcelona

no país. Destacamos seus projetos Proyecto

Medellín, Ambulante Colombia, etc. Além disso,

Walsh (Alvaro Liuzzi, 2010)24 e Malvinas 30

existe um potente sistema de estímulos promovido

(Alvaro Liuzzi, 2012)25.

pelo governo e Proimagenes, com financiamentos

Do mesmo modo, a análise estaria 26  http://www.documedia.com.ar/callesperdidas/ 24  http://proyectowalsh.com.ar/

27  http://www.documedia.com.ar/mujeres/. Ver página 110.

25  https://docubase.mit.edu/project/malvinas-30/

28  http://primal.nfb.ca/es


e editais como Crea Digital (Ministério de

2.5. BRASIL

Tecnologias da Informação e Comunicação), o Edital de documentário interativo para a

No Brasil, o desenvolvimento da não ficção inte-

web (Ministério da Cultura), o Fundo para o

rativa e transmídia apresenta bases sólidas,

Desenvolvimento Cinematográfico (Proimágenes

embora se encontre em estado incipiente devido

Colombia), New Media Colombia e New Media

à falta de subvenções públicas e investimento

Canadá (Proimágenes Colombia), etc.

privado. Porém, mesmo com esse baixo investimento,

Na Colômbia, como na Argentina, as

produtoras como Cross Content, sob a liderança

primeiras narrativas de não ficção inte-

de Marcelo Bauer, têm criado plataformas como

rativa começaram pela via do jornalismo.

‘Webdocumentario.com.br’, que acolhem produções

Tratou-se de uma série de reportagens

de baixo orçamento.

interativas denominadas Reportaje 36029

Em relação à pesquisa e formação, dois pio-

produzidas pela equipe de Novas Mídias

neiros em narrativas digitais, Denis Porto Renó

do País de Cali, sob a direção de Felipe

e Vicente Gosciola, tem se dedicado a estudar

Lloreda. Além da produção das reportagens

e formar na área da não ficção a partir de suas

360o do País de Cali, destacamos os seguin-

duas principais formas de expressão: o jorna-

tes documentários interativos e transmídia:

lismo e o documentário. Destaca-se, também, o

4 Ríos (Elder M. Tobar, Orgánica Digital,

trabalho do grupo de pesquisadores e cineastas

Centro Ático Universidade Pontifícia

que se uniram e criaram a plataforma Bug404, uma

Javeriana, Identity School of Digital

iniciativa promovida por André Paz com o apoio

Arts; Animaedro Estúdio de Animação e

de Julia Salles, Claudia Holanda, Kátia Augusta

Fundação Chasquis, 2011)30; Cuentos de vie-

Maciel e Mayra Jucá. Bug40435 tem como objetivo

jos (Marcelo Dematei, Carlos Smith, Laura

contribuir para a expansão de dito campo no

Piaggio e Ana Ferrer, Hierro Animación,

Brasil, não só através de pesquisa e divulgação

Piaggiodematei e Señal Colombia, 2013) ;

de estudos sobre narrativas interativas no mundo

Pregoneros de Medellín (Ángela Carabalí e

e no Brasil, como também por meio de conferên-

Thibault Durand, Grupo Carabalí, 2015)32;

cias, cursos, oficinas e eventos. Tem o mérito

Paciente (Jorge Caballero, Gusano Films,

de estabelecer uma rede brasileira sobre novas

2016)

31

e Desarmados (Fabio Díaz Vergara,

narrativas, oferecer conhecimento e suporte

Paola Morales Escobar e Juan Sebastián

técnico para criar documentários interativos e

Zuluaga, Departamento de Comunicação

apoiar a produção de projetos estratégicos, como

Social, Universidade EAFIT, 2017)34.

Black-box e Bug Brasil.

33

Destacamos alguns projetos pioneiros como

Canto do Brasil (Geoffrey Hiller, 2006)36, Rio de Janeiro: Autoretrato (Marcelo Bauer, Sérgio Moraes, Giovanni Francischelli e Lucian Rosa, 29  https://www.elpais.com.co/reportaje360/web/home.html

2011)37, Copa para Quem (Maryse Williquet,

30  http://4rios.co/ 31  http://cuentosdeviejos.com/

35  http://bug404.net/

32  https://pregonerosdemedellin.com/#es

36  http://www.hillerphoto.com/brazil/intro.htm

33  http://pacientedoc.com/

37  http://riodejaneiroautorretrato.com.br/dev2011/Content/Swf/in-

34  http://desarmados.org/

dex_portugues.html. Ver página 109.

DESENVOLVIMENTO ATUAL DO DOCUMENTÁRIO INTERATIVO E TRANSMÍDIA NAS AMÉRICAS, EUROPA...  ·  ARNAU GIFREU CASTELLS

· 60-71

65


Switch asbl, 2014)38, Ilha Grande: Cada

ou Honkytonk Films, e de outras entidades

Praia, uma Ilha; Cada Ilha, uma História

que contribuem para a produção e expansão

(André Paz, 2016)

39

e Som dos sinos (Marcia

Mansur e Marina Thomé, Estúdio Crua, 2017)40.

deste tipo de obras. A principal emissora europeia, o canal

ARTE, é uma entidade que sempre se interessou pelos produtos culturais e artís41

3. O ESTADO DE DESENVOLVIMENTO NA EUROPA

ticos, potencializando a cultura em todos os níveis. Seu departamento de web sempre

3.1 FRANÇA

apostou na experimentação e inovação com as formas não lineares e com os gêneros

A França é o país europeu que mais apostou

de não ficção (especialmente reportagem e

na narrativa documental interativa e

documentário). Toda a experiência adquirida

transmídia desde suas origens. O sistema

com o desenvolvimento dos formatos ópticos

francês audiovisual e de novas mídias

(CD Rom e DVD Rom) dos anos 90 na França

conta com muitos estímulos que se originam

abriu caminho, várias décadas após, para

e fundamentam principalmente em três

uma constante inovação na experiência do

pilares chave: primeiro, o fato de que

usuário e usabilidade na web.

o cinema foi fundado e é original deste

A toda esta estrutura de base, temos

país (1895), portanto a França tem uma

que somar um circuito de mercados e fes-

longa tradição cinematográfica junto a

tivais que possibilita o desenvolvimento,

outros países como os Estados Unidos. Em

financiamento, produção, exibição e distri-

segundo lugar, é um país que tem apostado

buição destas obras. Para mencionar alguns,

na inovação e experimentação tecnológica

destacamos Cross Video Days (Paris), Sunny

em vários campos. Por fim, e talvez o

Side of the Doc (La Rochelle) ou Marche du

mais determinante: conta com um sistema

Film (Cannes).

de estímulos e financiamentos públicos no

Produzidos na França, recomendamos

campo cinematográfico e de novas mídias

os projetos Gaza-Sderot. Life in spite

que contribuem para expandir a cultura

of everything (Khalil al Muzayyen, Robby

francesa. Boa parte das produções intera-

Elmaliah, Films/Trabelsi Productions ,

tivas e transmídia recebeu contribuições

The Sapir College, Ramattan Studios, Bo

generosas por parte de emissoras públi-

Travail!, Upian, 2008) 43; Prison Valley

cas, como ARTE42 ou France Télévisions,

(David Dufresne, Philippe Brault, Upian,

do governo, por meio do Centre National

ARTE , 2010) 4 4; Alma. A Tale of vio-

du Cinéma et de l’Image Animée (CNC), e

lence (Miquel Dewever-Plana, Isabelle

de um conjunto de produtoras, como Upian

Fougère, ARTE, Upian, 2012)45; Type:rider (Cosmografik, Agat Films & Cie, Ex Nihilo,

38  http://www.copaparaquem.com/ 39  http://www.ilhagrandewebdoc.website/

BulkyPix, ARTE, 2013)46; Do not track (Brett

40  http://somdossinos.com.br/ 41  Para ver as ilustrações desta seção com prints seleciona-

43  http://gaza-sderot.arte.tv/

dos pelo autor, acesse:

44  http://prisonvalley.arte.tv/?lang=en. Ver página 110.

http://agifreu.com/img_catalogo_mostrabug/Europe_P.jpg

45  http://alma.arte.tv/. Ver página 121.

42  https://www.arte.tv/sites/en/webproductions/

46  http://typerider.arte.tv/#/


Gaylor, Upian, ARTE, ONF, BR, 2016)

;

Femke Wolting. Atualmente, detém estúdios

Dada-Data (Anita Hugi e David Dufresne,

em Amsterdam e Los Angeles, e embora nos

Akufen, RSI, RTS, SRF, ARTE, 2016)

47

e

primeiros anos tenha se focado no desen-

Phallaina (Marietta Ren, Smallbang, CNC,

volvimento e produção de filmes lineares

FranceTV Nouvelles Ecritures, 2016) .

e interativos, o objetivo da empresa nos

48

49

últimos tempos tem sido criar projetos transmídia significativos com ênfase especial na 3.2 HOLANDA

animação interativa e nos jogos digitais. Da Holanda, destacamos três projetos

A Holanda é outro ator importante neste

interativos de não ficção produzidos por

campo por dois motivos particulares: pelo

Submarine Channel:

desenvolvimento do IDFA Doclab50, a seção

Risk Conspiracy (Tommy Pallotta, Submarine

interativa do International Documentary

Channel, VPRO, Dutch Cultural Media Fund,

Film Festival de Amsterdam, o festi-

SNS Reaal Fund, VSB Fund, Gasterra, 2010)51;

val mais importante de documentários do

Unspeak (Tommy Pallotta, Submarine Channel,

mundo, junto ao Hot Docs Film Festival,

VPRO, Creative Industries Fund NL, Dutch

em Toronto (Canadá). Há mais de 10 anos,

Cultural Media Fund, Netherlands Ministry

o IDFA Doclab premia os melhores docu-

of Culture, The City of Amsterdam, The

mentários interativos em sua competição

Netherlands Film Fund, 2013)52 e Last Hijack

anual, oferece exposições, uma conferên-

Interactive (Tommy Pallotta e Femke Wolting,

cia, navegações guiadas e vários eventos

Razor Film, ZDF, IKON, Creative Industries

relacionados no final de novembro. Também

Fund NL, The City of Amsterdam, The Dutch

co-produz projetos numa linha de difusão

Cultural Media Fund, The Netherlands Film

do conhecimento e preservação digital

Fund, 2014)53.

Collapsus: The Energy

(Moments of Innovation, Online Database, etc.). O segundo ator chave neste país é a emissora pública VPRO, que destina

3.3 INGLATERRA

fundos volumosos à produção de ficção e não ficção interativa e transmídia.

A Inglaterra, como a Holanda, conta com dois ou

Finalmente, o terceiro convidado

três ativos importantes em relação ao campo ana-

para a festa são as produtoras, e espe-

lisado. Em primeiro lugar, em Bristol se realiza,

cialmente uma delas se constitui como

desde 2011, a conferência mais importante do

uma das empresas mais férteis na produção

mundo sobre documentários interativos, denominada

do documentário interativo do mundo: a

i-Docs54. Trata-se de um encontro realizado a

Submarine Channel. Este estúdio holandês

cada dois anos organizado por Judith Aston,

especializado nas narrativas transmídia

Sandra Gaudenzi e Mandy Rose. A este encontro

foi fundado em 2000 por Bruno Felix e

assistem boa parte das pessoas interessadas neste

47  https://donottrack-doc.com/en/. Ver página 111.

51  http://www.collapsus.com/

48  http://dada-data.net/en/

52  https://unspeak.submarinechannel.com/

49  http://phallaina.nouvelles-ecritures.francetv.fr/. Ver página 121.

53  http://lasthijack.submarinechannel.com/

50  https://www.doclab.org/

54  http://i-docs.org/

DESENVOLVIMENTO ATUAL DO DOCUMENTÁRIO INTERATIVO E TRANSMÍDIA NAS AMÉRICAS, EUROPA...  ·  ARNAU GIFREU CASTELLS

· 60-71

67


âmbito a nível acadêmico, já que a Inglaterra

3.4 ESPANHA

concentra uma boa parte dos pesquisadores deste campo, que embora não sejam naturais do

A Espanha oferece um amplo leque de projetos

país, desenvolvem sua carreira acadêmica aqui.

interativos de não-ficção, mas na maioria dos

Em segundo lugar, sua emissora prin-

casos são produções com orçamentos limitados.

cipal, a British Broadcasting Corporation

Se, por um lado, o país tem demonstrado

(BBC), lançou algumas iniciativas que pro-

interesse e gerado expectativas, além de

moveram o desenvolvimento e produção deste

deter uma boa formação e um sistema eficaz

tipo de narrativas, como é o caso de BBC

de exibição e distribuição através de eventos

Taster

ou BBC Connected Studio , que são

e festivais consolidados (DocsBarcelona,

plataformas para a criação e desenvolvimento

Documenta Madrid, Medimed, etc.), por outro

de narrativas digitais. Por último, vale

lado o financiamento tem sido quase inexis-

mencionar que este país conta com formação

tente. Isso limita a expansão das obras,

de alto nível no campo e centros de prestigio

embora sirva como exemplo inequívoco de como

reconhecidos (DCRC-Digital Cultures Research

é possível produzir com poucos recursos,

Centre da Universidade do Oeste da Inglaterra,

muita criatividade e sistemas alternativos

Digital and Interactive Storytelling LAB da

de captação de recursos.

55

56

Universidade de Westminster, etc.), assim como

Na Espanha destaca-se em primeiro lugar

um circuito relevante de eventos e festivais

sua emissora pública mais importante: Radio

que promovem a criação e financiamento de

Televisión Española. O modelo de Laboratorio

documentários interativos: Sheffield Doc/

de Innovación Audiovisual criado no depar-

Fest, Mozilla Festival, etc.

tamento de meios interativos de RTVE (Lab

Se a Inglaterra não se destaca pela sua

RTVE)60 é único no mundo, reunindo uma equipe

produção, encontramos ainda bons exemplos

pequena e muito qualificada que trabalha na

de convergência entre jornalismo e documen-

experimentação constante em torno das lingua-

tário como em The Guardian, e os projetos

gens das novas narrativas. O Lab RTVE começou

Global guide to the first world war (Francesca

muito ativo nos primeiros anos, para terminar

Panetta, Lindsay Poulton e Iain Chambers,

se centrando na co-produção de projetos de

The Guardian, Kiln.it, 2014)

e The shirt

webdoc com sua marca denominada Factoría de

on your back (Lindsay Poulton, The Guardian,

webdocs, e recentemente gerando conteúdos

WorldView, 2014) . Também destacamos Anyone’s

para Playz, a plataforma de conteúdos exclu-

Child Mexico: families for safer drug control

sivamente digitais de RTVE.ES.

57

58

(Matthew Brown, Ewan Cass-Kavanagh, Mary Ryder

O segundo importante ator espanhol é o

e Jane Slater, University of Bristol, 2017) .

festival DocsBarcelona61, que desde 2013 promove

59

sua seção interativa e transmídia do festival, 55  https://www.bbc.co.uk/taster/ 56  http://www.bbc.co.uk/connectedstudio/ 57  https://www.theguardian.com/world/ng-interactive/2014/ jul/23/a-global-guide-to-the-first-world-war-interactive-docu-

denominada interDocs Barcelona, que conta com conferências, navegações interativas, casos de estudo, exposições, hackaton e um pitch

mentary 58  https://www.theguardian.com/world/ng-interactive/2014/apr/ bangladesh-shirt-on-your-back

60  http://www.rtve.es/lab/

59  http://mexico.anyoneschild.org/

61  http://www.docsbarcelona.com/


interativo. Este festival vem crescendo

NA AUSTRÁLIA68

principalmente durante os últimos cinco anos e atualmente o projeto compreende uma

A Austrália possui duas emissoras inte-

escola de formação (DocsSchool); um dos

ressadas em promover a interatividade e a

sistemas de distribuição de documentários

narrativa transmídia em seus conteúdos: a

mais extenso do mundo, o DocsBarcelona del

Special Broadcasting Service (SBS)69 e a

Mes, que abrange 95 salas na Espanha e em

Australian Broadcasting Corporation (ABC). A

vários países da América Latina; e três

SBS é a emissora que tem produzido as obras

festivais em diferentes cidades/países:

mais importantes e representativas neste

Barcelona (Espanha), Medellin (Colômbia)

campo desde 2010, que antes eram realizadas

e Valparaiso (Chile). Várias produtoras

pioneiramente pela outra emissora do país,

espanholas completam este panorama, entre

a ABC. A essas duas instituições temos que

as quais destacamos Barret films , com

acrescentar o órgão do governo destinado a

sede na cidade de Valencia e especializada

fomentar a produção cinematográfica: Screen

em documentários interativos e transmí-

Australia70, uma agência do Governo Federal

dia comprometidos com a temática social

encarregada de apoiar o desenvolvimento,

e ativista.

produção e promoção de filmes australianos.

62

Em relação a projetos com certo

A Screen Australia tem como objetivo ins-

impacto e inovadores em relação à narra-

pirar, informar e envolver o público através da

tiva na Espanha, destacamos Montelab (Lab

narração de histórias australianas, oferecendo

RTVE, Documentos TV, 2014) ; 0 responsables

financiamento e estímulos a partir da etapa

(Barret Films, 2015)64; Las Sinsombrero

de proposta e roteiro, financiando escritores

(Tània Balló, Manuel Jiménez e Serrana

e equipes de produção cinematográfica, até a

Torres, Intropía Media, Yo la perdono,

produção e pós-produção para que os autores

RTVE, Ministério da Educação, 2015) ;

possam desenvolver e concluir seus filmes. Em

Bugarach. Como sobrevivir al Apocalipsis

relação à produção de documentários, há alguns

(Sergi Cameron, Nanook Films, Lab RTVE,

anos lançaram a categoria Focus on interac-

Interactius e Playfilm, 2016)

tive com o objetivo de estimular e promover a

63

65

66

e Sexo,

maracas y chihuahuas (Minimal Films, Lab RTVE, TVC, Labyrinth Studio, 2016)67.

produção de documentários interativos. Também destacamos o trabalho de pesquisa e formação que vem sendo realizado em centros de pesquisa e universidades como

4. O ESTADO DE DESENVOLVIMENTO

é o caso de RMIT University e seu non/

fiction Lab, grupo e centro de pesquisa

68  Para ver as ilustrações desta seção com prints selecionados pelo autor, acesse: 62  https://barret.coop/

http://agifreu.com/img_catalogo_mostrabug/Auatralia_P.jpg

63  http://lab.rtve.es/montelab/

69  https://www.sbs.com.au/features

64  http://www.0responsables.com/?l=ca

70  https://www.screenaustralia.gov.au/. Titles produced – Focus on

65  https://www.lassinsombrero.com/

interactive – Screen Australia

66  http://lab.rtve.es/webdocs/bugarach/

https://www.screenaustralia.gov.au/fact-finders/production-trends/

67  http://lab.rtve.es/webdocs/xavier-cugat/

documentary-production/focus-on-interactive/titles-produced

DESENVOLVIMENTO ATUAL DO DOCUMENTÁRIO INTERATIVO E TRANSMÍDIA NAS AMÉRICAS, EUROPA...  ·  ARNAU GIFREU CASTELLS

· 60-71

69


liderado por Adrian Miles e Francesca Rendle-Short. Deste país destacamos os projetos Long Journey, Young Lives (David Goldie e Hilary Balmond, ABC, 2002)71,

Africa to Australia (SBS Online, 2010)72, The Block: Stories form a Meeting Place (Matt Smith, Alicia Hamilton e Poppy Stockell, SBS, 2012)73, The Boat (Matt Huynh, SBS Online, 2015)74, I’m your man (Kylie Boltin e Damian McDermott, SBS, 2017)75 e Kgari (Ella Rubeli, Boris Etingof e Kylie Boltin, SBS, 2017)76.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GIFREU-CASTELLS, A. (2013). El documental interactivo: estado de desarrollo actual. Obra Digital, 5. pp. 29-55.Vic: Universidad de Vic. ISSN: 2014-5039. https://www.raco.cat/index.php/ObraDigital/article/view/264707/352399

GIFREU-CASTELLS, A. (2017). Interactive Documentary Aqui y Ahora (Here & Now) Themes and Directions in South America. Judith Aston; Sandra Gaudenzi; Mandy Rose (Eds.): (2017). i-Docs: The Evolving Practices of Interactive Documentary. New York: Columbia University Press. ISBN: 023118123X. MILGRAM, P.; Kishino, F. (1994). A Taxonomy of Mixed Reality Visual Displays. IEICE Transactions on Information and Systems, E77-D, 1321-1329. http://www.alice.id.tue.nl/references/milgram-kishino-1994.pdf

71  http://www.abc.net.au/longjourney/documentary_broadband.html 72  http://www.sbs.com.au/africatoaustralia/ 73  http://www.sbs.com.au/theblock/ 74  http://www.sbs.com.au/theboat/ 75  http://www.sbs.com.au/imyourman/ 76  http://www.sbs.com.au/kgari/



NARRATIVAS INTERATIVAS

MÍDIAS E PLATAFORMAS ECOAM O SOM DOS SINOS POR JÉSSICA CRUZ1

1  Jéssica Cruz é formada em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero (SP), trabalha como produtora audiovisual, é produtora dos documentários lineares Filhos da Aids (2012) e Carolina (2016) e do documentário interativo Bixiga Existe (2017).

BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0  ·  RIO DE JENRIO  ·  224 PÁGINAS  EDITORA: AUTOMATICA  · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO  ·  BUG404.NET

72


A instalação interativa Som dos Sinos2, exibida pela primeira vez na Mostra BUG, faz parte de um projeto maior, homônimo,

COMO NASCEU O ESTÚDIO CRUA?

que inclui aplicativo mobile, documentário interativo, documentário linear e exibições itinerantes nas cidades onde as imagens e

MARINA THOMÉ (MT): O Som dos Sinos foi o

sons foram captados. A obra transmídia foi

fundador na verdade, porque eu conheci a

pensada para valorizar os mais de 40 toques

Marcia acho que foi em 2012 e ela trabalhava

de sinos tombados como patrimônio imaterial

com antropologia e patrimônio imaterial e

em nove cidades de Minas Gerais.

eu trabalhava com tecnologia e documentá-

Marcia Mansur e Marina Thomé, as funda-

rio, e a gente queria fazer algum projeto

doras do Estúdio CRUA, em São Paulo, são as

juntas que trabalhasse patrimônio imaterial

realizadoras do projeto. Ambas começaram suas

e novas mídias. A Crua foi fundada a partir

carreiras no campo das narrativas interati-

do Som do Sinos, vamos dizer assim, porque

vas em 2011, cada uma de um lado do oceano

a gente teve essas experiências interna-

Atlântico, ainda sem se conhecer. Marina fez

cionais, e aqui no Brasil em 2012 não tinha

parte da primeira turma de mestrado em docu-

muita coisa, ainda mais na área de promoção

mentário interativo na Universitat Autònoma

do patrimônio cultural.

de Barcelona. Las Sombras del Progreso3 foi seu primeiro i-doc, produzido na Espanha. Já Marcia fez parte da coordenação dos residentes da UnionDocs, uma organização sem fins lucrativos norte-americana que produz docu-

COMO O SOM DOS SINOS FOI FINANCIADO?

mentários e que tem sido grande incentivadora das narrativas digitais interativas. Living

Los Sures4, webdoc que se tornou referência

Marcia

do UnionDocs, estava sendo produzido na

é

época pelos residentes sob sua coordenação.

mento, propaganda, é uma área que tem menos

Nesta entrevista, Marcia e Marina nos

verba. Na época, a gente ganhou um edital

contam dos bastidores de seu mais importante

da Eletrobrás, que eu acho que nem existe

trabalho, dos modelos de produção que vêm

mais, na linha de patrimônio cultural ima-

testando, e das perspectivas de financiamento

terial, então essa ideia de fazer um projeto

de projetos para a área.

transmídia não estava no edital, não era uma

muito

Mansur

(MM):

diferente

da

Essa área

área de

cultural entreteni-

linha de tecnologia, não, o edital era de patrimônio imaterial, só que a gente foi o único preponente que pensou em um projeto que envolvesse novas mídias, aí ganhou.

2  www.somdossinos.com.br. Ver página 135. 3  http://www.sombrasdelprogreso.com/ 4  http://lossur.es/

MÍDIAS E PLATAFORMAS ECOAM O SOM DOS SINOS  ·  POR JÉSSICA CRUZ

· 72-81

73


E COMO FOI O PROCESSO DE PRODUÇÃO DO SOM DOS SINOS, ENGLOBANDO TODA A OBRA TRANSMÍDIA?

E TUDO SAIU COMO O PLANEJADO?

MT: A gente cometeu um erro: não pegamos o MT: A gente fez uma viagem de campo, já colheu um pouco de repertório audiovisual, mas para pesquisa. Quando a gente chegou

para

gravar,

a

gente

um

filme,

um

documento

chamado

forma

pouco

formato

audiovisual

do

do

tinha

do

pro-

jeto como um todo, a gente sabia o que a gente ia filmar, como ia filmar, já tinha descrito quais os personagens que a gente queria achar, por exemplo, além dos sineiros que já tinha essas representações

da

juventude,

da

tradição,

tinha também uma coisa de falar com a comunidade,

a

gente

tinha

uma

relação

de personagens, queríamos uma parteira, porque ia ter uma questão do nascimento e na morte do sino, coveiros, um escultor, santeiro...No campo, quando chegamos, a gente

foi

descobrindo

os

personagens,

mas a gente já tinha tudo isso mapeado.

GPS de todas as igrejas que a gente foi, e isso para o App foi um problema, porque a gente não pegou as coordenadas e depois tivemos

que

trabalho.

buscar

Como

é

isso

um

e

deu

projeto

um

super

transmídia,

tinha muita coisa em campo, a gente teve que captar som, tinha as entrevistas para o

App, as coordenadas das igrejas, as fotos, os

frames

para

o

para

o

App,

longa-metragem,

todo que

o

tem

material um

tempo

bem diferente dos planos, uma montagem bem mais espaçada, tem uma coisa toda com a fé popular, então a gente tinha muito material para captar com direções audiovisuais diferentes, mas a grande maioria a gente conseguiu pensar antes, acho que só a temática do webdoc que era dentro da torre foi uma coisa posterior de edição e de conceito principal,

e

essa

parte

do

App

que

deu

muito trabalho, acho que o produto que mais deu trabalho foi o aplicativo.

Em termos técnicos, o webdoc precisaria de cenas mais imersivas, então a gente já ia com essa câmera mais imersiva, que subia as escadas, que descia as escaEM TERMOS DE EQUIPE, O QUE TINHA DE NOVO? VOCÊS TIVERAM DIFICULDADE PARA ACHAR PROFISSIONAIS CAPACITADOS?

das, que ia pegando detalhes da fachada das torres, que ia pegando os nomes dos sineiros na parte interna, na pedra, a gente já sabia que queria mostrar a torre aos poucos, não queria nada de planos

MT:

gerais,

trabalharam nesse projeto, mas tinha uma

você

planos gerais.

pode

ver

que

tem

poucos

A

gente

contratou

40

pessoas,

que

equipe principal, que eram os editores e assistentes de edição, porque a gente tinha muita edição de imagem. De tecnologia, a gente teve uma empresa que fez o App no Rio


de

Janeiro,

programadora

MM: Foi legal que os profissionais de tec-

que fez o webdoc em São Paulo. Teve uma

nologia com quem a gente trabalhou curtiram

diretora de arte que fez tudo, que foi

fazer um projeto documental, eles tiveram

super legal. Eu acho assim, em termos de

uma certa liberdade de criação, porque na

design foi uma coisa que a gente teve

maior parte dos jobs de tecnologia são de

menos dificuldade nas interfaces, porque

entregas um pouco mais rígidas. Então, eu

a Haydee Uekubo, que é essa pessoa de

lembro que as pessoas também curtiam, um

criação,

pouco apostavam, porque é raro um projeto

é

e

depois

alguém

uma

que

trabalhou

muito

tempo em agência de propaganda, então é

documental

uma pessoa muito rápida para pensar em

dizer, naquela época, hoje já está um pouco

interface e ela fez a marca, as solu-

mais comum, mas há 4 anos atrás, era um

ções...

muito,

pouco mais raro para esses profissionais

programadora mulher, diretora de arte,

com quem a gente trabalhou. Então, eu acho

a roteirista do filme, eu, a Marcia, a

que a galera curtiu também.

A

mulherada

trabalhou

que

use

a

tecnologia,

quer

produtora Julia Franceschinni, produção local, então teve muita mulher na equipe. Já

em

termos

de

programação,

eu

acho

difícil achar equipe, a pessoa geralmente é de programação e trabalha com site, é difícil

achar

alguém

que

trabalhe

QUE PRODUTOS ESTAVAM PLANEJADOS DESDE O INÍCIO DO SOM DOS SINOS?

com

user experience e com webdocumentário, é

muito

que

MM: A gente já pensou nesse formato que

traba-

teria: um longa-metragem, um documentário

lham com tecnologia e user experience,

interativo, uma plataforma multimídia, um

estão

difícil

se

achar

formando

programação

para

isso.

pessoas

Acho

que

storytelling,

mas

eu

aplicativo

georreferenciado

pelos

toques

não acho fácil de achar, especialmente

dos sinos de Minas Gerais e um retorno em

para a área de cultura, porque a área de

todas as nove cidades onde a gente gravou

propaganda tem muito dinheiro. O budget

para fazer projeção na fachada externa das

do Som dos Sinos foi R$ 297 mil para

igrejas dessas cidades. Então, a ideia era

todos os produtos, o que não é nada, né?

que

Então na área de cultura é muito mais

público diferente e um conteúdo diferente,

difícil

a partir de um mesmo arsenal de material.

achar

pessoas

de

programação,

cada

um

desses

produtos

tivesse

um

eles cobram por hora e são caros, então essa que os

foi é

um

uma

grande

grande

diretores

dificuldade,

problema.

também,

E

acho

acho

que

documentaristas,

a gente vê muito isso nas aulas, eles não

conhecem

o

webdocumentário,

então

não sabem nem como fazer um escopo de tecnologia, não sabem demandar.

MÍDIAS E PLATAFORMAS ECOAM O SOM DOS SINOS  ·  POR JÉSSICA CRUZ

· 72-81

75


FALE UM POUCO DO MATERIAL CAPTADO. COMO FOI O APROVEITAMENTO?

COMO FOI CONCEBIDO O WEBDOCUMENTÁRIO SOM DOS SINOS, ESPECIFICAMENTE?

MT: No webdocumentário, a proposta era proMM: A gente teve uma produção de aproxi-

porcionar uma imersão no universo das tor-

madamente 100 horas (de vídeo), mais de

res. A gente viu no cinema itinerante nas

40 entrevistas, muitas festas, procis-

cidades, que as torres são pouco visitadas,

sões... Desse conteúdo, a gente desmem-

né? Não é uma coisa turística, porque tam-

brou os produtos que compõem o Som dos

bém tem uma questão até de perigo, elas não

Sinos.

que

são muito bem preservadas, o acesso físico

tem mais de 100 faixas de áudio, temos

não é fácil, então as pessoas tinham muita

em torno de 45 igrejas que a gente geor-

curiosidade

referenciou no App e alguns áudios em

dos sineiros, das torres. Cada torre tem

cada uma dessas igrejas, são sons tanto

uma

de toque de sinos, quanto de entrevis-

sol bate, o tipo de sino, o toque, então

tas com sineiros e com a comunidade do

nesse

entorno.

você ficasse imerso nas torres, a forma de

O

aplicativo,

por

exemplo,

para

configuração

conhecer

da

esse

arquitetura,

webdocumentário,

a

ideia

universo

onde

era

o

que

navegação também condizia muito com esse trajeto que a gente faz, você vai subindo, tem um vídeo que te pergunta “Você quer conhecer os sineiros?”, você clica e vai COMO FUNCIONA O APLICATIVO?

subindo a torre, em uma navegação vertical, vai conhecendo esses sineiros, cada um tem

MM:

Você

pode

traçar

seu

caminho

até

aquela igreja, a ideia era um pouco trabalhar com esse conceito de áudio-guia a céu aberto e trabalhar com públicos que visitam essas igrejas de Minas Gerais. Mas também um público de jovens, que o projeto pudesse se relacionar com essas novas os

gerações,

sinos

hoje

são

em

meninos

dia,

que

meninos

tocam

de

14,

15 anos, que passam a adolescência ali na torre e estão se filmando, postando no Youtube eles mesmos. A gente pensou

um papel ali. Tem

uma

navegação

que

é

o

contrário,

é

para baixo, ela é vertical, mas você vai entrando,

você

um

scroll para baixo,

que é a seção sinos, nessa seção a gente fez uma coisa em paralaxe, uma coisa mais animada, com áudio das pessoas, e falando um pouco sobre o sino mesmo, que material ele é feito, harmonia, as notas musicais, a gente foi fazendo uma coisa mais focada em áudio, fotografias, animações e texto.

também que era legal que esse conteúdo

A seção toques, a gente fez uma animação

estivesse

focada no relógio, então quando o usuário

disponível

no

essa galera se ver também.

celular

para

entra, o sistema já reconhece pelo IP dele


que horas que é no lugar onde ele está,

São Paulo e esse ano a gente já estendeu

agora são 13h20 nesse momento algum sino

um pouco mais esses trabalhos coletivos,

toca

queria

fazendo laboratórios de dois, três meses

falar um pouco da relação do sino com

de duração, sobre temas específicos. Fora

em

Minas

Gerais,

a

gente

workshops

o tempo, o relógio é um menu circular

uma

e você vai vendo os diferentes toques

gente

dependendo da hora do dia em que você

Tiradentes. Esse ano, a gente tem feito uma

está, e esse é o webdocumentário do Som

estratégia

dos Sinos.

tem

série

de

teve

no

festival

de

residência

em de

festivais, fotografia

a de

circulação

internacional,

na

vamos

França,

dar

uma

Masterclass na Espanha, justamente sobre a

produção

de

projetos

transmídia

para

patrimônio imaterial. Em Lisboa vamos dar um E A INSTALAÇÃO INTERATIVA?

workshop

sobre

patrimônio

cultural

e

novas mídias, então essa área de patrimônio cultural

e

o

MT: O interessante é que na Mostra BUG a

atrelado

a

minha

gente fez um produto inédito, que é um

que

6º produto do Som dos Sinos. Na mostra

design, fotografia, documentário...

são três projetores que relacionam esse

MT: No CRUA Doc estamos na fase de distri-

é

uso

de

novas

mídias

é

bem

expertise e da Marina,

antropologia,

comunicação

digital,

universo da torre, e você está imerso

buição do Gary, que é um curta, finali-

nessas imagens. Tem um conteúdo que é

zando a distribuição do Som do Sinos, que

do webdoc, e em um dos projetores tem um

a gente vendeu para o Canal Brasil. Alzira

conteúdo inédito.

Espindola, a gente ganhou o Itaú Cultural agora

para

desenvolver

o

longa-metragem

da vida dela, então, estamos trabalhando nesses projetos agora. QUAL O ARRANJO PRODUTIVO DO ESTÚDIO CRUA?

MM: A gente atua em duas frentes princi-

COMO ESTÃO SE DESENVOLVENDO AS NOVAS NARRATIVAS NO BRASIL?

pais, uma é a CRUA Doc, que é a nossa produção autoral de documentários lineares e a CRUA Lab, que é a área de formação. A

MT: No Brasil, a gente está tendo uma série

gente tem concentrado a maior parte dos

de investimentos, tanto públicos, a pró-

nossos projetos transmídia e interativos

pria SPCine tentando fazer com essa oficina

na

de economia criativa, que envolve trans-

área

de

formação,

seja

teórica

ou

prática. A gente desenvolveu no ano pas-

mídia...

sado esse modelo dos hackthons, fazendo

surgindo, focadas em realidade virtual. O

mapeamentos

Brasil tem começado a aparecer mais nessas

coletivos

dos

bairros

de

MÍDIAS E PLATAFORMAS ECOAM O SOM DOS SINOS  ·  POR JÉSSICA CRUZ

· 72-81

Tem

algumas

empresas

que

estão

77


feiras

internacionais,

também

essas

grandes produtoras com núcleos interativos e que cada vez mais estão tomando

QUE DESAFIOS VOCÊS TÊM ENFRENTADO?

chão, tanto na área de propaganda e agora na área de entretenimento, que envolve cinema,

tem

muito

festival

com

VR,

e

acho que o Brasil está começando a criar algumas alternativas nesse sentido.

MT:

Um

é

a

gente

conseguir

uma questão, porque

formação,

é

quando a gente faz

esses laboratórios, tem pessoas de várias áreas

diferentes,

tem

filmmaker,

um

um

Quando a gente fez o Som dos Sinos era

fotógrafo,

uma coisa totalmente nova, e acho que

um arquiteto, e muito pouco curso de for-

ainda é para a área de patrimônio cul-

mação, curso técnico, tanto que a SPCine

tural. Acho que um caminho para as nar-

está criando esses cursos, está chamando

rativas interativas é de impacto social.

essas empresas para poderem criar cursos

Acho que mais do que para área de entre-

de formação mesmo. Então acho que formação

tenimento,

um

designer,

um

pesquisador,

Brasil,

é uma questão, que a gente precisa. Dois:

que precisa, que tem uma necessidade de

banda larga, no Brasil, a gente enfrenta

trabalhar com direitos humanos, impac-

muito esse problema, a gente vai dar aula,

tos sociais, uma estratégia transmídia

inclusive em São Paulo, não tem internet

é muito importante, tanto para alcançar

para dar aula em instituições grandes.

em

um

país

como

o

mais público, quanto para fazer projetos que consigam viabilizar ajuda externa, articulação em rede.

E, com certeza, investimento público para isso, são editais muito pequenos, as pessoas não são muito bem remuneradas em todos os

isso

sentidos, como eu disse, projetos de tecno-

no nosso trabalho de formação, a gente

logia são caros, as pessoas são remuneradas

produz

colaborativamente,

por hora, então não é fácil você contratar

ideias

de

E

acho

que

a

CRUA

fazer

enxerga

parcerias

muito

a

gente

para

tem

traba-

lhar com VR nos próximos laboratórios.

com

um

custo

tão

baixo.

Tecnologia

você

precisa de dispositivo, você vai fazer uma

Em termos de tecnologia, vai mudando, a

exposição de 360o e RV, você tem que ter o

cada ano já muda muito, toda aula que

cardboard, internet boa, fio, cabo, tem que

a gente vai dar tem tecnologias novas

ter alta tecnologia, Led, a gente faz muita

para falar e discutir, o próprio celu-

coisa com projetor, os lugares grandes não

lar, em termos de produção muda muito

tem projetor, como você vai fazer uma expo-

a produção audiovisual, o Brasil tenta

sição interativa? É muito difícil, eu fui

correr atrás, mas é difícil, porque lá

na exposição do Bill Viola, são uns puta

fora eles já estão em outro momento, já

projetores, projetando em granito, imagina

se discute preservação audiovisual nesse

quanto custa, é muito dinheiro. Como você

meio de transmídia.

vai

ser

artista

visual

e

trabalhar

com

projetor e RV? Isso é dinheiro! Falta de


investimento,

formação

e

banda

larga,

esses são os desafios.

só que onde tem verba para isso que não é propaganda, não é interesse privado?

AS EMPRESAS PRIVADAS JÁ ENXERGAM AS NOVAS NARRATIVAS COMO UM BOM INVESTIMENTO?

O DOCUMENTÁRIO INTERATIVO ENTREVILAS5, DO ESTÚDIO CRUA, TAMBÉM ESTÁ NA MOSTRA BUG. QUAL A HISTÓRIA DESTA PRODUÇÃO?

MT: Vai ter cada vez mais investimento privado,

a

própria

propaganda

gira

MM:

O

Entrevilas

foi

um

projeto

lindo,

a

fazia tempo que a gente vinha desenvolvendo

jornada do usuário que a gente fala, mas

o elemento temático, então a gente já vem

nesse caso é a jornada do consumidor,

trabalhando com a cidade de São Paulo, e

todo mundo tem um celular, as empresas

entendemos que as vilas operárias seriam um

vão investir nisso porque é onde os con-

dispositivo narrativo incrível para falar

sumidores estão. O investimento digital

da história de São Paulo, para falar sobre

está cada vez maior, e já ultrapassou a

relações de trabalho e sobre questões que

TV. Só que na nossa área, que é impacto

são

social e patrimônio cultural, isso sim

formas de moradia na cidade. A gente apre-

é

investir,

sentou para o Centro de Pesquisa e Formação

porque quando você trabalha com impacto

do SESC, que são parceiros da CRUA já há 3

social, mesmo, não estou falando de uma

anos, um projeto de laboratório, isso era

empresa que fala que a beleza da mulher

outro desejo nosso. A gente desenvolveu a

é o que vale, estou falando de impacto

metodologia de hackathons, que são 6 dias,

social que envolve uma série de verten-

8 horas por dia, de 15 a 20 pessoas, então

tes políticas, não vai querer se expor,

é

não é propaganda.

coisa de urgência, que une as pessoas na

em

torno

muito

de

storytelling,

difícil

uma

porque

empresa

é

muito

uma

atuais

maratona

hoje,

como

intensiva,

imigração

que

tem

e

essa

criação colaborativa. Mas a gente queria Então

na

área

de

patrimônio

cultural,

experimentar algo mais de longo prazo, mais

direitos humanos, tem que ter um finan-

estendido, possibilidades da narrativa em

ciamento. Acho que é uma dificuldade, por

relação à tecnologia, que a gente pudesse

exemplo, é a mesma briga que as insti-

se aprofundar com isso. Essa foi a proposta

tuições sociais tem para conseguir ver-

desse laboratório de três meses sobre as

bas para seus projetos, tipo Greenpeace,

vilas operárias.

Unicef, Anistia Internacional, o que a gente luta na CRUA é para trabalhar com

MT: O projeto foi super bonito, com 14 pes-

projetos transmídia em direitos humanos,

soas, cada grupo teve escolhas narrativas

5  www.entrevilasdoc.com.br. Ver página 115.

MÍDIAS E PLATAFORMAS ECOAM O SOM DOS SINOS  ·  POR JÉSSICA CRUZ

· 72-81

79


bem interessantes, eles foram em cinco vilas

operárias

diferentes.

Teve

um

grupo que falou sobre moradia, como é morar uma casa que é patrimônio, outro grupo

foi

pelos

esportes

que

têm

nas

vilas, que é uma coisa que une as pessoas mais idosas, histórias das vilas, e um grupo que falou bastante do bairro de Perus, onde tem uma fábrica antiga e uma vila onde hoje em dia não se pode entrar. MM: Eles criaram esse conceito de uma vila imaginária, então eles não fizeram a navegação principal por vilas. Eles usaram componentes principais das vilas operárias em São Paulo, a maioria tinha a fábrica, casas, áreas de lazer, tinha escola, guarita, então são esses elementos de controle, faziam com que os operários não precisassem sair, não precisassem se dispersar, não perdessem tempo indo para o trabalho, então era tudo um ambiente de controle... O que eles fizeram foi procurar conexões mais poéticas com esse conteúdo.



NARRATIVAS IMERSIVAS

NARRATIVAS IMERSIVAS: IMAGINANDO MÚLTIPLAS REALIDADES   JULIA SALLES1 E MARÍA LAURA RUGGIERO2

1  Julia Salles é produtora e curadora de mídias interativas e imersivas. Julia também é professora no Departamento de Comunicação da Université de Montréal (UdeM, Canadá) e doutoranda em Comunicação na Université du Québec à Montréal (UQAM). 2  María Laura Ruggiero é produtora e roteirista de filmes, e designer de narrativas na SeirenFilms. Formada em Design de Imagem e Som (UBA, Argentina), é professora e consultora de projetos de novas mídias interativas pelo mundo. É também fundadora e diretora criativa da StoryHackers.

BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0  ·  RIO DE JENRIO  ·  224 PÁGINAS  EDITORA: AUTOMATICA  · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO  ·  BUG404.NET

82


Apenas nos últimos anos as condições

INTRODUÇÃO

tecnológicas possibilitaram o ressurgimento da realidade virtual. Entre profissionais da Em 1995, depois de 4 anos de desenvolvimento,

área, é comum afirmar que 2015 é o ano zero da

a Nintendo lançou o Virtual Boy, um dos

realidade virtual, considerando que o início

primeiros dispositivos comercializados a

da comercialização dos óculos da Samsung Gear

utilizar imagens 3D estereoscópicas . O Virtual

(Oculus), seguido pelo Oculus Rift no começo de

Boy foi, porém, um fracasso de vendas e, com

2016, marcam o ponto de partida para um maior

lançamento limitado a alguns territórios, teve

acesso ao conteúdo em RV.

3

a produção interrompida no ano seguinte ao

Mas afinal, o que é realidade virtual? A

seu lançamento. O cenário 20 anos mais tarde

realidade virtual é uma experiência audiovi-

é bem diferente. Calcula-se que em 2016 foram

sual imersiva que oferece ao público a sensação

vendidos em torno de 6 milhões de óculos de

de presença em um ambiente virtual através de

realidade virtual (RV) - 11 milhões se contar-

técnicas de imagem em 360° e de áudio espacia-

mos os óculos Google Cardboard, dispositivo

lizado. O fato de a imagem ser em 360° permite

de realidade virtual feito de papel-cartão

que o participante olhe para todos os lados

e muitas vezes distribuído gratuitamente4.

durante a experiência de RV (sua visão não é

Virtual Boy é considerado o precursor

restrita ao enquadramento da tela 2D). Se além

dos óculos de realidade virtual vendidos

de 360° a imagem for estereoscópica, a sensação

atualmente e acabou voltando à moda entre

de profundidade e de volume da imagem é ainda

fãs nostálgicos. O fato é que o hardware dos

mais acentuada. Soma-se a estes formatos de

anos 90 ainda não permitia uma experiência

imagem o áudio espacializado (ou ambisônico),

confortável em realidade virtual. No Virtual

que permite o posicionamento das fontes sonoras

Boy, as imagens eram bicromáticas (utilizando

em uma esfera virtual ao redor do participante,

apenas preto e vermelho), o dispositivo para

imitando a experiência sonora do mundo físico.

a visualização era muito grande e pouco con-

Além das simulações de imagem e de som, algu-

fortável, causando dor nos olhos e na cabeça

mas experiências de realidade virtual procuram

após algum tempo de uso, além de ser muito

ativar outros sentidos como o olfato e o tato.

caro para os padrões da época.

Burdea e Coiffet propõem a seguinte definição: “A realidade virtual é uma interface de alta

3  A estereoscopia é uma técnica binocular de imagem que funciona da seguinte forma: durante a captação da imagem, duas lentes alinhadas no eixo horizontal registram imagens da mesma cena com um distanciamento correspondente à distância entre os olhos esquerdo e direito do sistema de visão humano. Em seguida, a exibição da imagem estereoscópica é feita em um dispositivo binocular que exibe no visor do olho direito a imagem captada pela lente à direita do dispositivo de captação (o mesmo procedimento é aplicado no visor do olho esquerdo). Assim, a sensação de profundidade é restituída de forma semelhante ao processo de visão humana, que estima a profundidade com base na triangulação entre o objeto observado e as posições dos olhos esquerdo e direito. O mesmo procedimento pode se aplicar a imagens de síntese. 4  https://www.statista.com/statistics/752110/

tecnologia entre usuário e computador, que emprega simulação em tempo real e interações via vários canais sensoriais. As modalidades sensoriais são a visual, auditiva, táctil, olfativa e de paladar” (Burdea & Coiffet, 2003, p. 3). Todas estas características contribuem para uma impressão viva de ter sido transportado ao espaço virtual. Em alguns tipos de experiência de RV também é possível se ‘deslocar’ dentro da imagem. Um conceito que ficou bastante popular para

global-vr-headset-sales-by-brand/

NARRATIVAS IMERSIVAS: IMAGINANDO MÚLTIPLAS REALIDADES  ·  JULIA SALLES E MARÍA LAURA RUGGIERO

· 82-91

83


classificar o grau de interatividade com a

sobre os equipamentos corre o risco de estar

imagem em dispositivos de RV é o de ‘graus

rapidamente desatualizado.

de liberdades’ (muitas vezes referido como

Quanto ao conteúdo, algumas das principais

DoF, do inglês, degrees of freedom). No caso

plataformas de distribuição de experiências

das imagens em 360° (estereoscópicas ou não),

narrativas em RV são SteamVR, Oculus, Within.

fala-se em 3 graus de liberdade: o olhar pode

Você pode fazer o download de games, vídeos e

se movimentar nos eixos horizontal, vertical

outras experiências, como Kurious, do Cirque du

e diagonal. Neste caso, a imagem reage aos

Soleil. A produção e distribuição de conteúdo

movimentos que o participante pode fazer

para realidade virtual também tem ganhado força

com a cabeça: olhar para os lados, olhar

no campo do jornalismo: The Guardian, New York

para cima e para baixo, inclinar a cabeça.

Times, AJ+ e ARTE são exemplos de veículos

No entanto, se o participante movimentar

pioneiros na área do jornalismo em RV. Como

seu corpo no espaço (sem alterar a posição

relata Marcelle Hopkins, vice editora de vídeo e

da cabeça), a imagem virtual 360° não se

co-diretora de realidade virtual no The Times:

altera. Para os deslocamentos do corpo no

“Jornalistas e tecnologistas de várias áreas

espaço são necessários outros ‘graus de

no The Times começaram a experimentar com a

liberdade’. Seis graus de liberdade, ou 6DoF,

realidade virtual há poucos anos. Lançamos o

refere-se à possibilidade de a imagem reagir

NYT RV em novembro de 2015 ao publicar o docu-

aos deslocamentos do participante para os

mentário RV The Displaced (sobre três crianças

lados, para frente/trás, e para cima/baixo.

refugiadas por guerra) e a distribuição de

Com isso, além dos movimentos de rotação da

mais de um milhão de dispositivos de realidade

cabeça, a imagem também reage aos movimentos

virtual Google. Desde então, produzimos mais

do corpo no espaço.

de 20 filmes RV, e aprendemos muito com cada

No caso da RV 360° (3DoF), para poder

um deles” (Hopkins, 2017).

fazer a experiência, o participante precisa

Festivais de cinema também têm tido um

de um óculos de realidade virtual (preferen-

papel importante na difusão de conteúdo de

cialmente com um fone de ouvido) e conteúdo

realidade virtual criando programas dedicados

em 360°. A experiência em 6DoF exige um dis-

à exibição de narrativas digitais e em RV.

positivo um pouco mais complexo, pois além

Casos emblemáticos desta abertura dos festivais

dos óculos e do conteúdo específico, muitas

de cinema à realidade virtual são o programa

vezes há a necessidade de sensores externos,

New Frontier, do Sundance Film Festival, o

joysticks e computadores com processador e

DocLab, do IDFA (International Documentary Film

carta gráfica muito potentes. Todos estes

Festival of Amsterdam), e mais recentemente,

elementos necessários à experiência em 6DoF

Venice VR, o programa dedicado à realidade

acabam encarecendo bastante o consumo deste

virtual da Mostra de Veneza.

tipo de tecnologia, o que diminui muito sua

Como podemos observar, as formas de difu-

acessibilidade. Hoje em dia existem muitos

são e de consumo de realidade virtual apresentam

tipos de óculos de realidade virtual no

algumas especificidades e diferenças em relação

mercado. O cenário de hardware evolui muito

ao cinema e outras narrativas audiovisuais

rapidamente, portanto, qualquer comentário

lineares. O mesmo acontece com a criação do


conteúdo. Neste artigo, abordaremos alguns

todos esses fatores, vemos que o campo audiovi-

aspectos do processo criativo de reali-

sual começou uma expansão em direção ao design

dade virtual: como pensar e desenvolver

de experiência.

uma experiência imersiva que traz o corpo do participante para dentro do conteúdo audiovisual? Como construir uma narrativa

COREOGRAFIA DA ATENÇÃO

na qual elementos essenciais da linguagem cinematográfica (como o enquadramento) são

Nas narrativas lineares as ações se inscre-

transformados? Buscamos neste texto propor

vem dentro de um enquadramento definido pelo

algumas pistas iniciais para uma linguagem

diretor. Já nas narrativas-de-experiência, o

em construção.

enquadramento ainda existe como esfera, o que permite ao diretor uma versão mais avançada do seu papel tradicional. O diretor cria narrativas

EVOLUÇÃO DA NARRATIVA EM DIREÇÃO

espaciais e gera algo maior que um quadro limi-

AO DESIGN DE EXPERIÊNCIAS

tado: ele constrói um espaço 3D que contém um universo narrativo de características especiais.

Desde a invenção do cinematógrafo e durante

Entre as características que fazem da RV um

a explosão do rádio, teatro e TV massivas,

modo narrativo singular, surge o conceito de

as narrativas passaram por vários graus de

‘coreografia da atenção’.

imersão e conexão com a plateia. A emergência

Em experiências de RV, não se pode garantir

do mundo digital não apenas gerou a possibi-

que o participante ou visitante observe exata-

lidade de criar um hiperrealismo sintético,

mente o que o diretor deseja. Nem é o objetivo

mas também abriu as portas às narrativas

deste tipo de tecnologia-técnica monopolizar

transmídia, recriando um mundo de entrete-

a atenção do participante, mas é certo que há

nimento que hoje permite a participação no

vários modos de projetarmos caminhos que serão

processo criativo e uma ampla gama de opções

criados com base na atenção do participante.

de interação com as histórias.

As narrativas espaciais podem ser cria-

O mundo digital abriu a porta para uma

das de vários modos: como uma coreografia que

grande quantidade de mudanças que geraram

trabalha com pontos nodais de emoção distri-

uma reconfiguração dos papéis na indústria

buídos pelo espaço 3D, ou com uma direção de

do cinema e do audiovisual. Sem descartar

arte detalhada que dirija o movimento da aten-

o passado e o presente, o futuro imersivo

ção para propor significados. Movimento, cor,

desponta como uma construção repleta de

luzes e sombras, design sonoro, e os próprios

desafios para criadores e participantes.

diálogos podem agir como ganchos que levam o

Atenção, empatia, usuários, protótipos e

participante a rotas possíveis no multiverso

interatividade são alguns dos termos que

de histórias.

começam a se tornar centrais na criação

A atenção pode ser dirigida como uma

audiovisual. Observamos a transformação de

coreografia desde a fase de concepção: pode-se

histórias lineares em universos narrativos,

trabalhar com modelos em diferentes escalas ou

de plateia em participantes. Considerando

com atores que se deslocam no espaço. Também

NARRATIVAS IMERSIVAS: IMAGINANDO MÚLTIPLAS REALIDADES  ·  JULIA SALLES E MARÍA LAURA RUGGIERO

· 82-91

85


é possível mensurar a atenção através de

Square Enix, também explora diferentes téc-

mapas de calor em um protótipo que funcione

nicas narrativas que podem contribuir com

como demo. Para que a força da experiência

a ‘coreografia da atenção’. A combinação

imersiva não se torne opressora, é neces-

do formato tradicional de Mangá em 2D com

sário entender e equalizar a quantidade de

imagem e áudio 360o permite a passagem de

informação sensorial que o participante irá

um regime de enquadramento para um regime

receber para traçar seus possíveis caminhos

de imersão. Dessa forma, a coreografia da

na história. Algumas das obras em RV que

atenção se constrói num vai-e-vem entre 2D

participaram da Mostra BUG ilustram bem

e 3D, entre enquadramento da cena e presença

como o conceito de ‘coreografia da atenção’

no espaço virtual. Essa técnica também nos

opera em narrativas desse tipo.

permite ter a sensação de entrar no mundo

A Mostra BUG exibiu dois trabalhos,

fictício do Mangá, de forma que podemos

frutos da colaboração entre Felix & Paul

entrar no enquadramento e nos vemos rodeados

Studios e Cirque du Soleil, ambos baseados

de personagens fictícios que estão vivendo

em Montreal (Canadá). Nesta colaboração,

a história ao nosso redor.

eles exploraram várias técnicas que podem ser aplicadas na ‘coreografia da atenção’.

Through the Masks of Luzia5, baseado em

ESPECTADOR. PARTICIPANTE. JOGADOR. VISITANTE

um dos espetáculos do Cirque du Soleil, é “considerada a primeira experiência em rea-

Desde que as histórias começaram a se expandir

lidade virtual feita por meio de processos

ultrapassando as plataformas lineares tradi-

de hiperestereoscopia e hipoestereoscopia”.

cionais e começaram a envolver dispositivos

Estas técnicas permitem que “o participante

digitais, o papel da audiência mudou e evoluiu,

ora se sinta como um gigante ora como uma

não só em termos de marketing, mas também em

miniatura em meio a cenas de acrobacias

termos de narrativa. Neste processo, o grupo

inacreditáveis. Para aumentar ainda mais a

que se denominava como audiência começou a

imersão, as equipes de criação da companhia

entrar na narrativa de corpo inteiro e a

redesenharam as performances artísticas,

retomar, de forma híbrida, outros papéis. De

criando algo completamente novo”.

espectador a participante, a audiência ganhou

Já em Dreams of O6, para que a experiência em realidade virtual pudesse acompa-

uma nova perspectiva: se tornou visitante de mundos criados ou capturados.

nhar os momentos aquáticos da coreografia, a

Como é entrar em uma narrativa com nosso

Felix & Paul Studios desenvolveu uma câmera

corpo inteiro? Se por um lado essas experiên-

VR com imagem de alta qualidade adaptada

cias não ocorrem apenas na realidade virtual

para o mergulho.

e na realidade aumentada, mas também aconte-

Tales of Wedding Rings , uma expe-

cem em experiências abertas, mais parecidas

riência de Mangá imersivo produzida pela

com teatros não-convencionais ou teatros sem

7

um palco principal, por outro, a experiência 5  https://www.felixandpaul.com/?projects/luzia

Ver página 127.

6  https://www.felixandpaul.com/?projects/o. Ver página 127. 7  www.jp.square-enix.com/mangainvr/ Ver página 133.

mediada pela tecnologia envolve um grau maior de controle em seu design.


O design da narrativa que envolve o

e nosso envolvimento mudam de acordo com o

participante-humano-visitante no universo da

papel que nos é dado na narrativa. Há alguns

história tem 3 estágios diferentes: a transição

universos narrativos que são mais carregados

para o mundo virtual, a experiência virtual

emocionalmente e nesses casos é preferível

propriamente dita, e a experiência subsequente.

projetar essas experiências de forma que os

Na primeira fase, se cria um processo

participantes as vivam de modo incorpóreo. Se

de pseudo desmaterialização: o participante,

o participante é algum tipo de fantasma que

por um curto período de tempo, para de exis-

tudo vê, isso pode em alguns casos distanci-

tir somente na realidade física enquanto se

á-lo do conflito e protegê-lo emocionalmente

prepara para a transição ao mundo alterna-

de uma situação altamente carregada. Há outros

tivo. Esta transição é parte fundamental

universos de história onde a perspectiva será

da experiência total de design e é a chave

intimamente ligada à capacidade de ação e inte-

para a imersão.

ração do usuário-visitante.

Como se conecta o mundo físico (o espaço

Step to the Line8, de Ricardo Laganaro,

onde a experiência ocorre) ao mundo virtual?

apresentado na Mostra BUG, é uma experiência

A experiência deste universo se faz sentado,

imersiva em prisões de segurança máxima na

de pé, caminhando? Como a sensorialidade do

Califórnia, EUA que utiliza diferentes téc-

mundo físico penetra no mundo virtual?

nicas narrativas para construir o papel do

Os primeiros segundos da experiência

participante. Em Step to the Line, o ponto

são dedicados apenas ao ajustamento físico:

de vista narrativo se alterna entre modos de

Sinto-me confortável no novo espaço e com-

maior sensação de presença física e modos de

preendo as regras do mundo criado? Quem sou

observação incorpórea. Um dos recursos que

eu? O que acontecerá comigo? O que eu posso

contribui para a sensação de presença física

fazer? Tenho pés e mãos? Tenho corpo?

na imagem é o direcionamento à câmera do olhar

Ao fazer a transição para o mundo vir-

dos personagens. Ricardo Laganaro explora

tual, entram em cena questões sobre o papel

diferentes técnicas para provocar, ora o

do participante na narrativa e a criação da

sentimento no participante de ser testemunha

sensação de ‘presença’. Como saberei quem

da realidade do sistema prisional americano,

sou como um visitante? Será por uma refe-

ora para colocar em primeiro plano a perspec-

rência física ou uma pista da história? No

tiva dos prisioneiros. Esta experiência em

momento em que adentramos na virtualidade

realidade virtual é “parte do programa VR for

e nos observamos tendo um corpo, possuímos

Good, que conectou dez cineastas em ascensão

existência naquele universo de história.

com organizações sem fins lucrativos para

Estamos vivos no espaço virtual. O papel

criar projetos provocadores sobre questões

dado ao participante na narrativa combina à

sociais”9.

sensação de ‘presença’, com a possibilidade

A fase após o término da experiência no

de mudar o curso do enredo. Não é o mesmo

espaço virtual é parte integrante da experiência

ser o protagonista de uma história e ser um

total. É o final ou a transição para outras

cúmplice ou uma testemunha. A nossa interpretação da história, o impacto emocional

8  www.oculus.com/vr-for-good/programs/step-to-the-line. Ver página 126 9  https://www.oculus.com/vr-for-good/

NARRATIVAS IMERSIVAS: IMAGINANDO MÚLTIPLAS REALIDADES  ·  JULIA SALLES E MARÍA LAURA RUGGIERO

· 82-91

87


plataformas. Dependendo do conteúdo e da

complicado e inexato. Histórias, em qualquer

sensorialidade da experiência, a maneira

plataforma, tem a possibilidade de mudar o

como saímos da história é completamente

mundo, porque narrativas em geral despertam

diferente em cada caso: não é o mesmo sair

um processo empático.

da experiência de um documentário de guerra

Pensar em uma plataforma tecnológica,

e sair de um passeio de montanha-russa. É

tal como realidade virtual, como um tipo de

importante ter em mente que durante essa

plugin que nos permite sentir como outros, é

experiência o visitante é pura emoção, ele

reduzir todos os processos humanos a uma mera

não se concentra em reflexões durante os

ativação tecnológica. Se a história que esta-

minutos de existência na realidade virtual,

mos contando não possui um design cuidadoso e

mas esse tempo de reflexão chega no final.

imersivo, um desenrolar emocional habilidoso,

A transição de volta da virtualidade para o

e um processo de narrativa detalhado, gerare-

mundo físico deve gerar um espaço adequado

mos experiências que podem ser igualadas a um

para reflexão ou uma nova ação.

‘turismo de situação’. Viagens virtuais podem nos levar a vários eventos e emoções, mas o modo como chegamos

EMPATIA, EMOÇÕES E DESIGN FEITO

lá fará a diferença entre poverty porn ou uma

POR HUMANOS: O PLUGIN EMPÁTICO?

experiência de impacto profundo. O termo poverty

porn foi introduzido pela primeira vez nos anos Desde o começo da última onda de RV, o conceito

80 e sugeria o uso de mídia, especialmente

de ‘empatia’ foi lançado como um componente

filmes e fotos, explorando situações de pobreza

significativo. A ideia de ‘Máquina Empática’

ou injustiça para aumentar doações a uma causa

Chris Milk, na palestra The

ou para introduzir situações sociais difíceis e

Birth of Virtual Reality as an art form (O

específicas para audiências privilegiadas. A RV

nascimento da realidade virtual como forma de

e essa noção vaga de uma tecnologia empática e

arte), na plataforma TED Talk, em 2015, mostra

imersiva imediatamente virou um terreno fértil

que a realidade virtual cria um solo fértil

para uma nova onda de poverty porn.

desenvolvida por

para a indústria de entretenimento faminta por

É importante lembrar que toda história e

engajamento e atenção. “A [realidade virtual]

contador de história, que são eficazes em suas

conecta humanos com outros humanos de maneira

missões, ativam empatia e esse processo não

tão profunda como jamais vi em qualquer outra

diz respeito apenas à tecnologia utilizada.

mídia, e consegue mudar a percepção que as

Estudos em neurociência (Stephens, Silbert, &

pessoas têm umas das outras. (...) É por isso

Hasson, 2010) afirmam que nossos cérebros sin-

que eu acho que a realidade virtual tem o

cronizam as emoções do contador de história com

potencial para de fato mudar o mundo10.

as emoções da audiência que escuta ou assiste.

Apesar de existirem elementos factuais

As mesmas partes do cérebro se ativam quando

para igualar RV com um processo empático,

sentimos junto com outros, como uma ponte que

pensar em RV como uma máquina empática é

nos conecta pela história. Então essa máquina empática já existe, é o que conduziu a humani-

10  https://www.ted.com/talks/ chris_milk_the_birth_of_virtual_reality_as_an_art_form

dade por anos desde que os primeiros contadores


de histórias apareceram em nosso planeta, a

porque elas criam um estranho tipo de compro-

máquina empática é a história sendo contada

misso. Mas será que é um problema relacionado

ou vivida. Mas a RV estaria melhorando isso,

à tecnologia? Não. A narrativa está faltando

fazendo isso evoluir ou apenas é um outro

nesta equação. Precisaríamos construir mais

meio para se experimentar histórias?

máquinas empáticas ou construir nós mesmos

A realidade virtual e nosso mundo

como melhores contadores de história? Poderei

mediado por telas onde narrativas digitais

ser empático no mundo virtual se não o sou na

nos protegem da opção de ser vulnerável, nos

realidade?

dão uma forma segura para participar de uma

Quando crio uma experiência de realidade

ação individual ou coletiva, sem realmente

virtual em que o participante é jogado em uma

vivenciar isso e com uma saída de emergência

zona de conflito, e vive a dor de outros,

bem definida.

estaria despertando empatia? Ou provocando

As maravilhas do mundo digital nos per-

empatia? Um meme me faz ser engraçado? Photoshop

mitem ser ativistas-de-um-clique, defendendo

me faz ser bonito? Posso viajar para o inte-

causas dolorosas do nosso sofá de couro, a

rior da dor enquanto estou protegido com uma

salvo da crueldade. Isso permite que nos

armadura digital?

conectemos a centenas de pessoas em um dia

Entender que estamos vendo o nascer de

sem realmente ter conectado com nenhuma.

uma nova linguagem é a chave para nos pergun-

Também nos permite falar coisas que nunca

tarmos como devemos tratar da empatia dentro

falaríamos pessoalmente. Nós já vivemos em

do processo de design. Para ser mais preciso:

realidades virtuais toda vez que entramos em

estamos no alvorecer de uma nova tecnologia que

redes sociais, equipados ou não com óculos

ainda não criou sua linguagem. E linguagem é

de realidade virtual do Google.

importante. A linguagem abre e destrói barrei-

Mais uma vez, o problema não está na

ras do possível ou imaginável. A linguagem nos

tecnologia e sim no quanto participantes,

permite dar nome aos nossos sonhos e medos e

criadores e cidadãos de um mundo digital se

por esse processo, construir o que é possível.

dedicam para entender a realidade atual,

A criação dessa linguagem é o processo

tendo que lidar agora com um mundo virtual,

chave que não deveria ser ligado unicamente

real e aumentado, compartilhado. Ser um

aos criadores da ferramenta. Nós não queremos

cidadão de milhares de lugares ao mesmo

que os inventores da imprensa sejam os únicos

tempo não é fácil.

que podem publicar livros, queremos?

O uso das ferramentas de realidade vir-

Participar do processo onde linguagens e

tual para uma nova sociedade de informação

narrativas emergentes são criadas deveria ser

ainda é questionável. Em uma experiência eu

um diálogo diverso desde o princípio, consi-

posso ser o centro de um conflito, mas se eu

derando origem, gênero, acesso à tecnologia e

estou olhando para ele de fora (desconexão)

visões criativas. Se faltar essa diversidade

eu não consigo atuar, eu continuo um voyeur

na proposta da linguagem audiovisual, faltará

externo e flutuante da dor dos outros.

verdade, ela se tornará uma linguagem monopo-

As realidades sintéticas podem nos

lizada ou uma linguagem morta. E o mesmo acon-

roubar a opção de ser realmente vulnerável,

tecerá se faltar emoção ou se a narrativa for

NARRATIVAS IMERSIVAS: IMAGINANDO MÚLTIPLAS REALIDADES  ·  JULIA SALLES E MARÍA LAURA RUGGIERO

· 82-91

89


conduzida por comiseração. Citando o trabalho

linear até que o participante sentisse certas

de Brene Brown (The power of vulnerability,

emoções ou foi uma jornada que levou o par-

XX), apresentado na plataforma TED talk, a

ticipante por diferentes estados emocionais

“Empatia alimenta a conexão; comiseração

(curiosidade-tensão-medo-terror por exemplo)?

conduz à desconexão” . 11

Como construímos medo, tristeza, alegria

A exploração atual da linguagem de RV

ou êxtase? Da mesma forma que a imersão e empa-

irá mais cedo ou mais tarde levar à democra-

tia não são processos automáticos dirigidos

tização da tecnologia, mas também à demo-

pela tecnologia, gerar emoções também é um

cratização de uma linguagem aberta que irá

processo construtivo e humano. Trabalhar com

começar a se mesclar com nossas vidas e com

os nós emocionais em uma narrativa imersiva,

nossos meios preferidos de entretenimento,

sugere conectar com a realidade física antes

informações e prazer.

de conectar com a realidade virtual. Como nos lembramos de experiências humanas que foram realmente memoráveis? O que sentimos

DESIGN CONDUZIDO POR HUMANOS E EMOÇÕES

naquela noite em que estávamos com muito medo de ficarmos sozinhos na floresta? O que sentiu

Criações em transmídia, realidades virtuais e

naquela vez em que você estava tão apaixonado

experiências interativas tem a peculiaridade

pela vida que não conseguia parar de sorrir? Ao

de poder adicionar camadas de complexidade

nos lembrarmos, se tentarmos esmiuçar as nossas

diferentes e novas habilidades para os pro-

experiências, distinguindo elementos sensoriais

cessos criativos da narrativa audiovisual.

e de narrativa, vamos chegar a vários elementos

Esses tipos de criações são abordados

que vão nos ajudar a construir e reconstruir

por um processo de design que tem em mente

emoções. Quando estamos felizes, sentimos tudo

o participante-humano durante a criação da

em um ritmo diferente de quando estamos com medo.

narrativa e da jornada visual que ele irá

As percepções variam em cores, tonalidades, a

experimentar.

percepção de uma geometria fica mais amigável

Esse processo de narrativa também é

ou mais intimidante. O relato detalhado de uma

um processo de design sensorial para criar,

experiência vivida ajuda a conectar com todos os

balancear e gerar histórias (enredo) e emo-

elementos que fizeram parte desta experiência.

ções em uma atmosfera virtual. Uma forma de

Este relato pode contribuir para que possamos

entrar nesse processo de design pode ser pela

em seguida analisar e replicar estes elementos

engenharia reversa, criando uma experiência

na experiência na realidade virtual. A rea-

através de pontos nodais que concentrem

lidade física, sonhos e memórias são cruciais

emoções diferentes.

para o processo de design de outras realidades

Exemplo: Quando estiver saindo da expe-

alternativas.

riência de RV, qual é o sentimento que desejo

Entender a arte e o ofício de uma mídia

que o participante traga de volta consigo

incluindo a vasta quantidade de elementos que

para a realidade-física? Foi uma trajetória

a linguagem híbrida audiovisual e experiencial incorpora, requer paciência e vontade de explorar. Essa exploração exige de nós que

11  https://www.ted.com/talks/brene_brown_on_vulnerability?language=pt-br


entremos em um terreno diferente que começa a surgir na sociedade atual: a transição do contar-história para o vivenciar-história. Nessa jornada de exploração das conexões de conteúdo, plataformas tecnológicas e interação, precisamos que os criadores não apenas recriem o que vivemos como realidade, mas também as vastas possibilidades que se abrem de interferir neste universo, com uma visão artística poderosa. O desafio será identificar uma experiência que vale a pena ser recriada, e depois levá-la adiante, construindo versões alternativas daquela experiência plena de significado, provocando a exploração infinita do campo artístico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BROWN, Brene. (2010). The power of vulnerability. TED Conference. https://www.ted.com/talks/ brene_brown_on_vulnerability?language=pt-br

BURDEA, G., & COIFFET, P. (2003). Virtual Reality Technology. Presence: Teleoperators and Virtual Environments , 12(6), p. 663-664. doi:10.1162/105474603322955950

HOPKINS, M. (Oct. 18, 2017). Pioneering Virtual Reality and New Video Technologies in Journalism. New York Times, p. B4. https://www.nytimes.com/2017/10/18/technology/ personaltech/virtual-reality-video.html

MILK, C. (Producer). (2015). The Birth of Virtual Reality as an art form. TED conference. https://www.youtube.com/watch?v=cJg_tPB0Nu0

STEPHENS, G. J., SILBERT, L. J., & HASSON, U. (2010). Speaker–listener neural coupling underlies successful communication. Proceedings of the National Academy of Sciences, 201008662. doi:10.1073/pnas.1008662107. https://www.pnas.org/content/107/32/14425

NARRATIVAS IMERSIVAS: IMAGINANDO MÚLTIPLAS REALIDADES  ·  JULIA SALLES E MARÍA LAURA RUGGIERO

· 82-91

91


NARRATIVAS IMERSIVAS

FÉLIX & PAUL STUDIOS: VISITA GUIADA AO PRESTIGIADO ESTÚDIO DE REALIDADE VIRTUAL1 POR FANNY BELVISI2

1  Entrevista realizada em março de 2016. Publicada originalmente no livro Au-delà du webdoc: Les nouveaux territoires de la création documentaire (Le Blog documentaire éditions, Junho 2018, Paris). 2  Fanny Belvisi é formada em Letras e História da Arte, trabalhou no ramo da arte contemporânea e migrou para o universo do cinema, tendo cursado formação em documentários no Ateliers Varan, em 2013. Desde 2017 produz documentários para diversos canais de televisão. É colaboradora do Le Blog Documentaire desde 2015.

BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0  ·  RIO DE JENRIO  ·  224 PÁGINAS  EDITORA: AUTOMATICA  · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO  ·  BUG404.NET

92


É no coração da vibrante Montreal que fica o

filial, pois tem muitas oportunidades em LA”,

famoso Félix & Paul Studios, a dois passos

afirma Cindy Philippe, que me recebeu para a

do Centre Phi, local de experimentações

visita numa fria manhã de março no estúdio.

artísticas na cidade. A proximidade não

Cindy é uma espécie de super assistente

é apenas geográfica, as duas instituições

dos três fundadores do estúdio. Desde 2015, é

mantêm fortes relações, e não é incomum que

ela que cuida da agenda lotada, coordena seus

o Centre Phi exponha os últimos projetos

compromissos, os faz encontrar as pessoas certas

do estúdio.

no momento certo, filtra os inúmeros projetos

Em março de 2016, o Centre Phi propôs

que chegam na sua caixa de e-mails e apresenta

um ‘jardim de realidades virtuais’, onde o

só os que condizem com a filosofia da casa. Ela

público era convidado a fazer uma imersão em

também gerencia uma parte da comunicação da

quatro obras de RV (realidade virtual), com

start-up (site, redes sociais, Instagram). “Não

um novo olhar sobre as grandes questões do

dá tempo de se entediar aqui. O importante é que

século XX. Dentre elas estavam Inside impact:

todo mundo gosta do que faz. Como nosso padrão

East Africa with President Clinton3 e Nomads:

de qualidade é muito alto, precisamos dedicar

Maasai , de autoria de Félix Lajeunesse e

muitas horas e também alegria ao trabalho. A

Paul Raphaël, fundadores do estúdio.

pessoa tem que querer dar o seu melhor. Todo

4

Nós quisemos, então, saber mais sobre

mundo é muito empenhado”, valoriza.

essas duas personalidades. A logo do estúdio

Com um prato de cookies caseiros e uma

os representa: um deles montado em um alce e

xícara de chá pelando nas mãos, ela me apresen-

o outro em um dromedário. Apesar da imagem

tou o espaço, onde tudo é secreto. Não se pode

fazer rir, ela traduz o desejo dos sócios, de

tirar fotos, por exemplo. O estúdio se divide

expandir de Norte a Sul. De fato, a pequena

em duas grandes partes: na entrada encontra-

start-up criada em 2013 não para de crescer

mos os desenvolvedores que gerenciam os dados

e abarca projetos cada vez mais ambiciosos.

recebidos (e eventuais bugs), garantindo que

Sabe-se que dromedários não são comuns na

eles se adaptem corretamente à tecnologia uti-

vasta fauna da costa oeste americana, mas

lizada – a saber: capacetes Gear VR Samsung,

ainda assim o Félix & Paul Studios abriu uma

alimentados pelo periférico Oculus –, e que

filial em Los Angeles.

desenvolvem uma câmera para RV que responda

“Em última instância, para Félix, Paul e

melhor a necessidades de projetos futuros.

Stéphane (último membro fundador da start-up),

A segunda parte do espaço, separada pela

a ideia é ser um VERDADEIRO estúdio de cinema

cozinha, é composta pela equipe de pós-produção,

para RV. A tecnologia avança muito rapida-

que gerencia a parte da montagem dos projetos,

mente. Não há razão alguma para que isso

o som e a sincronização. Ao todo, 25 pessoas

não possa ir muito mais longe e que a gente

participam das produções do estúdio, fora 10

não se torne um grande estúdio. Nossa sede

vagas a serem preenchidas na pós-produção, que

fica em Montreal, mas foi preciso abrir a

tem sempre mais importância. “Nós crescemos muito em pouco tempo, mas ainda estamos pre-

3  https://www.felixandpaul.com/?projects/ inside_impact_east_africa

cisando de pessoal, porque pretendemos ampliar ainda mais”, anuncia Cindy.

4  https://www.felixandpaul.com/?projects/maasai

FÉLIX & PAUL STUDIOS: VISITA GUIADA AO PRESTIGIADO ESTÚDIO DE REALIDADE VIRTUAL  ·  POR FANNY BELVISI

· 92-99

93


Depois dos cookies e do chá, é hora de

e sintaxe, que estão aqui bem confusas. O

acessar as obras propriamente ditas. O que

espectador está verdadeiramente dividido entre

sustenta a reputação da Félix & Paul Studios

um aqui (seu corpo) e um ali (sua consciência).

é justamente o posicionamento que assumem

Se esta mídia é a materialização de um antigo

frente aos projetos, com uma abordagem docu-

sonho do Homem – o poder da onipresença – a que

mental que permite um mergulho no coração

nova relação com o corpo ela nos leva?

de situações ‘reais’ onde o espectador vive uma experiência quase ‘pura’.

Roland Barthes analisa, em 1968, o que ele chama de ‘efeito do real’8 no âmbito da

Cindy coloca o imponente, e para ser

literatura realista. Esse ‘efeito do real’ na

sincero bem desconfortável, capacete de RV

presença, no contexto dos textos literários,

nos meus olhos e um par de fones nos ouvidos.

mais especificamente dos romances realistas do

A viagem começa com uma das primeiras rea-

século XIX, trata de elementos descritivos que

lizações do estúdio, Strangers with Patrick

não tem nenhum valor funcional. Ou seja, que não

Watson5, na qual o espectador é imerso na

são úteis para a narrativa em si do romance.

intimidade de um músico ensaiando em um estú-

Esse ‘efeito’ surge claramente relacionado

dio. Seguimos nossa exploração com Nomads:

aos elementos descritivos do texto que agregam

Herders6, fascinante incursão nas paisagens

menos à ação, mas validam uma relação imediata

da Mongólia com uma cena impressionante onde

e autêntica com o real. Tendo em mente esta

o espectador se infiltra no interior de uma

reflexão, podemos nos perguntar: a força da

yurt e se encontra cercado por uma família

realidade virtual não viria também justamente

de mongóis comendo e entretida em seus afa-

deste ‘efeito do real’? Tomando esse entendi-

zeres. Temos a mesma sensação de vertigem

mento como fundamento, pode-se concluir que a

diante de um tête-à-tête com Bill Clinton,

narrativa dos filmes produzidos até agora é

praticamente em carne e osso, sentado no

relativamente fraca, e que o espectador final-

seu escritório, falando conosco em Inside

mente chega mais perto da sensação de assistir

impact: East Africa with President Clinton.

à uma descrição da realidade – que não é a sua

E como o Félix & Paul Studios se lançou na

– mais do que se ater a uma história.

ficção, Cindy nos mostra o projeto Wild -

A realidade virtual oferece ao espectador

The Experience , apresentado no Festival

uma experiência estética potente de estímulo

Sundance em 2014, elaborado em parceria com

dos sentidos. Contudo, privando o público de

Fox Searchlight e Fox Innovation Lab, à época

uma distância física em relação à obra, ela não

da estreia do filme Wild.

lhe tira também, de um certo modo, sua distância

7

No final das contas, a experiência

crítica, aquela que permite apreciar uma obra

sensorial é convincente, ainda que a mídia

e a representação do real que ela propõe? Além

levante muitas reflexões. A realidade virtual

disso, que representação da realidade oferece a

altera questões críticas do cinema ‘clás-

realidade virtual? Como ela difere do cinema? O

sico’, e nos obriga a repensar sua gramática

que acontece com os conceitos de enquadramento e planos? O papel do diretor permanece o mesmo

5  https://www.felixandpaul.com/?projects/introtovr 6  https://www.felixandpaul.com/?projects/herders 7  https://www.felixandpaul.com/?projects/wild

8  www.persee.fr/doc/comm_0588-8018_1968_num_11_1_1158


ou será que ele passa a assumir a função de

dessas pausas, o espectador está mais apto

um diretor de teatro que organiza o cenário

a retomar a intensidade dramática.

e os personagens e depois sai de cena para dar espaço ao espetáculo? Ninguém com mais legitimidade do que Félix Lajeunesse para responder a esses questionamentos.

Na realidade virtual, temos essa primeira dimensão, ou seja, a intensidade do sto-

rytelling. Mas temos também a intensidade da presença do espectador que moldamos em função do tipo de experiência que pretendemos

proporcionar.

Em

Nomads:

Herders,

temos planos que têm uma intensidade mais forte do que outros. Assim que o especSEUS FILMES TEM UMA DURAÇÃO GERALMENTE DE 8 A 10 MINUTOS. ESSA TEMPORALIDADE ESTÁ, EM PARTE, LIGADA A DIFICULDADES TÉCNICAS. MAS ESSA ESCOLHA POR FORMATOS CURTOS ESTARIA TAMBÉM RELACIONADA AO FATO DE OS SEUS FILMES EXIGIREM UMA FORTE INTERAÇÃO DO ESPECTADOR, PRINCIPALMENTE NOS DOCUMENTÁRIOS? É UM DESEJO DE CONTROLAR A NOSSA CAPACIDADE DE ATENÇÃO?

tador chega na yurt com as pessoas, não tem narração propriamente dita, mas existe uma

sensação

de

conexão

muito

forte

com

aquelas pessoas. No entanto, não acontece nada

de

especial.

Se

se

tratasse

de

um

filme clássico, essa cena seria um acessório e ordinária. Contudo, se a pensarmos em termos de evolução da sensação de presença, ela é protagonista na experiência vivida. O

laço

com

esses

personagens

é

criado

neste momento. Normalmente, eu nunca teria FÉLIX LAJEUNESSE (FL): A ideia de ‘pre-

começado com essa cena logo no início da

sença’ na realidade virtual precisa ser

experiência.

moldada em função da história contada,

se ajeitando e a cena é emocionalmente mais

como

forte

um

instrumento.

Em

todo

caso,

é

por

Gradualmente,

estar

onde

as

está.

coisas

O

vão

espectador

assim que trabalhamos. Não é um recurso

precisa estar psicologicamente preparado.

que deva ser usado em intensidade máxima

Nós levamos muito isso em consideração e

o tempo todo. Nós a moldamos através da

trabalhamos a realidade virtual sob essa

história. Se a gente só cria momentos

ótica, tanto nos projetos de ficção quanto

muito

nos documentários.

intensos,

encadeados

na

narra-

tiva, isso nos leva a uma experiência densa demais. Nos filmes que produzimos, há momentos em que tentamos reduzir a intensidade da sensação de presença, dar tempo de o espectador respirar e retomar

o

fôlego.

É

como

em

uma

história

onde recorremos a planos mais abertos, vendo a cena de longe, para poder tomar uma certa distância da história. Depois

A

matéria

prima

com

a

qual

trabalhamos

é o estado de espírito do espectador. Na realidade virtual, estamos na cabeça dele. A partir do momento em que você o insere em uma obra, você tem toda a sua atenção, ele

não

pode

escapar,

nem

se

desconec-

tar. O espectador é confrontado a conhecer o que lhe está sendo apresentado. É uma mídia muito sensível, onde é possível

FÉLIX & PAUL STUDIOS: VISITA GUIADA AO PRESTIGIADO ESTÚDIO DE REALIDADE VIRTUAL  ·  POR FANNY BELVISI

· 92-99

95


proporcionar um impacto real no estado

máximo à experiência sensorial humana: a

de espírito do público.

maneira como enxergamos as coisas natural-

Para mim, uma obra de RV sem qualidade irrita, porque eu estou lá dentro e não

mente na realidade, como as escutamos, e como as percebemos no espaço.

posso sair. Eu estou mergulhado em uma

A RV recebe e expressa as coisas de forma

coisa que detém toda a minha percepção.

muito análoga à do ser humano. Se trata de

Isso me tira do sério! Por outro lado,

uma experiência imediata, muito íntima e

se fosse um filme clássico, eu poderia

que não parece fazer grande distinção entre

diminuir meu nível de atenção e pensar

a consciência do espectador e a do artista

em

que criou o filme.

outras

coisas.

Isso

não

é

possível

em um filme de realidade virtual. Existe um vínculo muito estreito criado com o espectador.

Em

Herders,

nós

prestamos

muita atenção na evolução da história e na maneira como vamos agir no estado de espírito do espectador. Porque essa mídia consegue nos tocar de maneira muito sensível, nós tentamos fazer isso de uma forma muito cuidadosa, respeitando a inteligência e sensibilidade do espectador.

A natureza própria da mídia é diferente, logo a posição do espectador também é. Mas eu não acredito que a RV, mesmo na sua forma mais

real,

permita

uma

confusão.

Mesmo

quando filmamos momentos da vida integralmente, setores da vida não manipulados, o cérebro do espectador continua consciente de que ele está imerso em uma experiência, que ele pode sair a qualquer momento. Ele não

acha

que

foi

teletransportado.

A

RV

cria uma sensação de imersão na cabeça do espectador, mas não se trata de uma desconexão completa. DO SEU PONTO DE VISTA, REALIDADE VIRTUAL E CINEMA SÃO DUAS COISAS COMPLETAMENTE DISTINTAS? SE A RV PERMITE AO ESPECTADOR SE APROXIMAR DA REALIDADE, TRATASE AINDA DE UMA ‘REPRESENTAÇÃO DA REALIDADE’ NA SUA OPINIÃO? E, SE SIM, QUAIS SÃO AS MODALIDADES E AS CARACTERÍSTICAS?

NO CINEMA O DIRETOR SELECIONA E DECUPA O REAL GRAÇAS AOS PLANOS QUE ELE ESCOLHE. NA REALIDADE VIRTUAL ESSA OPERAÇÃO NÃO EXISTE DESTA FORMA, JÁ QUE O ESPECTADOR SELECIONA ELE PRÓPRIO O QUE ELE QUER – OU NÃO – ASSISTIR DA CENA PROPOSTA. COMO O SENHOR PROCEDE?

FL: Sim, absolutamente, RV é uma representação

da

realidade!

A

única

grande

diferença é que há muito menos distância entre

a

representação

e

o

espectador.

FL:

Essa

pergunta

sobre

enquadramento

é

O que muda, então, é a relação que se

um questionamento comum para muitas pes-

mantém com esta representação. A mídia

soas que vêm do cinema. Elas enxergam a

é feita de tal forma a se assimilar ao

RV essencialmente sob a ótica da liberdade que

é

dada

ao

espectador.

Esse

aspecto


constitui

uma

mudança

fundamental

em

que

acabamos

de

relatar,

porque

é

uma

relação ao cinema, mas sobre o qual não

reflexão que se dá em termos de pontos de

pensamos nunca a respeito no momento de

interesses. Se pensa em estratégia, assim

produção de um projeto. Para nós, esse é

como um cineasta.

um conceito que não existe. Nós criamos momentos

e

trazemos

o

espectador

para

o interior deles. Nós trabalhamos para que

o

lugar

que

o

espectador

escolhe

para assistir a esses momentos não tenha muita

importância.

Em

todas

as

situa-

ções da vida, nós temos a possibilidade de olhar para outro lugar, de exercer o

nosso

atenção lhar

direito para

onde

de

onde

direcionar

queremos,

desejamos,

de

de

acordo

nossa mergucom

o

que chega para nós, de acordo com o que queremos olhar. Isso acontece dentro do nosso inconsciente. A gente não diz para

Ao

contrário,

de

maneira

a

mais

gente

enxerga

antropológica,

a

câmera

tendo

em

vista o papel e o ponto de vista do espectador dentro de cada momento. (Qual é o sentido da presença do espectador? Qual o motivo de estar dentro desta cena?). Não é muito grave se o espectador não vê isto ou aquilo. O importante é entender onde deve estar sentado o espectador. Assim que você toma essa decisão, você enxerga a câmera como

um

personagem

e

você

acaba

fazendo

escolhas que são coerentes com a natureza deste personagem.

nós mesmos: “estou fazendo a escolha de olhar isto ou aquilo…” Nós

tentamos

criar

momentos

nos

quais

o espectador vá se sentir num estado de espírito análogo ao da realidade, momentos onde não tentamos controlar o que

NA SUA OPINIÃO, QUAIS SÃO OS EIXOS QUE VOCÊS AINDA PRECISAM DESENVOLVER? QUAIS SÃO AS PISTAS DE EVOLUÇÃO E DE APERFEIÇOAMENTO?

quer que seja. O espectador é livre de viver o que ele quer, como na realidade. O

que

é

condições entre

o

importante que

para

nós

proporcionem

espectador

e

um

o

é

criar

encontro

momento.

Nós

precisamos assegurar que nosso trabalho de diretor, que consiste em criar esse encontro, seja feito em boas condições e que confira veracidade ao espectador, seja corretamente realizado.

360o, eu a posiciono em um determinado ponto porque assim teremos um bom ponto vista

quando

o

personagem

muito fácil fazer uma besteira. Mas se você realmente quer atingir uma forma de expressão hábil, ser capaz de tocar as pessoas e que a obra persista nelas, é difícil! Você tem que conhecer bem os conceitos e o DNA da sua mídia para que soe verdadeiro. Nos próximos anos, o que vai mudar é o que

Se a gente for pensar “minha câmera é uma

de

FL: A realidade virtual é uma mídia frágil. É

entrar”,

então a gente se confronta ao problema

diz respeito à duração dos projetos. Eles vão se estender no tempo e abordar histórias mais complexas,

contendo

aspectos

diferentes.

A

gente deve ganhar também mais flexibilidade e leveza.

FÉLIX & PAUL STUDIOS: VISITA GUIADA AO PRESTIGIADO ESTÚDIO DE REALIDADE VIRTUAL  ·  POR FANNY BELVISI

· 92-99

97


O desafio que a gente se impõe enquanto estúdio e enquanto diretores é o de mergulhar cada vez mais na ficção. Até o momento,

APLICADA AO DOCUMENTÁRIO, A RV PROPORCIONA ÀS VEZES AO ESPECTADOR UM SENTIMENTO DE VOYEUR. ELE ESTÁ PRESENTE NA CENA E, AO MESMO TEMPO, EXPERIMENTA UMA PASSIVIDADE. O PRAZER QUE A RV PROPORCIONA VEM TAMBÉM DE UM SENTIMENTO DE TRANSGRESSÃO DO PROIBIDO: O ESPECTADOR É CONVIDADO A UMA CENA, MAS SABE PERFEITAMENTE QUE NÃO DEVERIA ESTAR ALI. O QUE O SENHOR PENSA SOBRE ESSE ASPECTO: O ESPECTADOR QUE NAVEGA ENTRE PRESENÇA E PASSIVIDADE?

estamos muito prudentes. É importante para nós entender primeiro a matéria com a qual estamos trabalhando. Nós estamos indo na direção de projetos mais ambiciosos em termos de ficção.

SE VOCÊS MERGULHAREM COMPLETAMENTE NOS PROJETOS DE FICÇÃO, VÃO ABANDONAR O DOCUMENTÁRIO?

FL:

Neste

momento,

muito

discurso

na

indústria com relação a essa problemática, FL: Nós não vamos abandonar o documentá-

especialmente entre as pessoas que vem do

rio, pelo contrário! O que eu vou dizer

universo

é um pouco exagerado, mas eu sempre tive

presente não é nada, seria preciso poder

a impressão de que o documentário nunca

mexer e interagir. É um discurso que não se

encontrou seu lugar de fato no cinema.

baseia no storytelling, mas apenas na inte-

Como se a expressão documental através

ração. No fim das contas, é uma tendência a

da mídia cinematográfica nunca tivesse

dogmatizar as coisas: “isso deve ser assim,

encontrado

ou então não é RV”. Para mim, o problema

seu

ápice,

pelo

fato

de

o

dos

games.

Segundo

eles,

estar

com o fato de se sentir em movimento, é que

cinema ser artificialmente fabricado.

isso chega muito rápido no limite! Você se O documentário no cinema tenta atingir

encontra

o real, mas isso fica longínquo e difí-

mente, cheio de regras muito evidentes para

cil, a partir do momento que o cinema é

ser uma experiência da realidade, onde, ao

uma mídia artificial, uma representação

contrário,

pura como a pintura.

a gente dá liberdade, mais fica evidente

Por fim, o documentário que persegue a

que ela é limitada. Isso acaba por definir

veracidade acaba passando por uma mídia

regras do que se pode e o que não pode

artificial. Sinto que se o documentário

fazer durante a experiência.

não

Por

consegue

cinema,

o

seu

perfeitamente

ápice

outro

tudo

lado,

espécie

é

de

possível.

estou

jogo,

obvia-

Quanto

convencido

de

mais

que

quanto mais o espectador está em contato

Os

com a RV, mais o sentimento de passividade

diretores vão finalmente encontrar uma

diminui. Ele acaba se integrando completa-

via de desenvolvimento para suas obras

mente a essa sensação.

ocorra

na

realidade

possível

no

uma

que

isso

é

atingir

em

virtual.

onde possam se expressar plenamente.



NARRATIVAS IMERSIVAS

OKIO STUDIO, O PIONEIRO DA REALIDADE VIRTUAL FRANCESA POR TRÁS DE I, PHILIP E ALTÉRATION1 POR XAVIER DE LA VEGA2

1  Texto produzido em 2016 e atualizado pelo autor em 2018. Publicado originalmente no livro Au-delà du webdoc: Les nouveaux territoires de la création documentaire (Le Blog documentaire éditions, Junho 2018, Paris). 2  Xavier de la Vega é produtor e roteirista de narrativas interativas. Oriundo do jornalismo, se especializou em design interativo na École de L’image des Gobelins. É autor e produtor do newsgame BeMySavior (LeVentSeLève, OBS, 2015). Atualmente é produtor de realidade virtual na Picseyes Films, em Paris. Tradução: Mariana Gago.

BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0  ·  RIO DE JENRIO  ·  224 PÁGINAS  EDITORA: AUTOMATICA  · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO  ·  BUG404.NET

100


Eles produziram, em 2016, a primeira ficção

incorporou em sua programação, fala sobre o

científica francesa em realidade virtual:

escritor de ficção científica americano Philip

I, Philip3. O filme integra um dispositivo

K. Dick. É, sem dúvidas, o primeiro grande

transmídia criado pelo canal ARTE que gira

projeto francês em realidade virtual. Nesse

em torno do universo de Philip K. Dick, com

meio tempo, os dois trintões criaram o Okio

um documentário linear para a TV, o videogame

Studio, produtora de realidade virtual que

Californium e I, Philip. Em seguida, a Okio

logo virou referência no meio. “Passamos um

Studio retornou à ficção em realidade virtual

ano experimentando a realidade virtual em todos

com Altération4. A atividade de Antoine Cayrol

as direções”, conta Antoine. “Nós fabricávamos

e Pierre Zandrowicz não se resume a essas

nossas câmeras. Filmamos de esqui, skate, de

duas obras, mas foram elas que os colocaram

carro na montanha russa, para entender como

na vanguarda mundial, não muito longe dos

funcionava, o que dava certo e o que não dava.

canadenses do Quebec Félix & Paul.

A partir daí, as pessoas começaram a nos con-

Tudo começou com a exibição de uma sessão de Grand Huit (montanha russa, em

vidar. Tínhamos nos tornado especialistas em realidade virtual”.

francês). Uma sessão que provocou suor frio,

De fato, o Okio viu suas produções se

vertigem e pânico. Nada incomum quando se

multiplicarem rapidamente. I, Philip, e tam-

trata de montanhas russas... A não ser

bém Altération, entre outros vários filmes da

pelo fato de que Antoine Cayrol e Pierre

produtora, se inserem na categoria ‘drama’.

Zandrowicz, respectivamente produtor e

Havia também o Okio-Report, que deu origem a

diretor criativo da FatCatFilms, não tinham

inúmeras reportagens em vídeo 360 para o Le

previsto a ida à FoireduTrône (um parque

Parisiene France Ô. Por fim, havia o setor

de diversões em Paris) naquela noite. Eles

‘marcas’: Okio fez produções de publicidade em

tinham ido encontrar uns amigos produtores

realidade virtual para Jean-Paul Gautier, para

e um capacete DK - a primeira versão do

a companhia de gás Engie, para o Téléthon... A

Óculus Rift - se encontrava no fundo da

publicidade se tornou, inclusive, a atividade

sala. Podia-se experimentar uma descida

principal do estúdio. Foi assim que Antoine

virtual na montanha russa, com uma imagem

Cayrol e Pierre Zandrowicz se desvincularam do

de má qualidade. No entanto, assim que os

Okio, no final de 2017, e criaram, junto com

dois deixaram a sala para fumar e trocar

Arnaud Colinart, a Atlas V.

impressões sobre a experiência, ambos tive-

I, Philip nasceu quase que por acaso.

ram um estalo. Disseram ao mesmo tempo: “e

Pierre Zandrowicz teve, durante muito tempo, o

se fizéssemos um filme?”.

projeto do filme na gaveta. “Tínhamos tentado

Dois anos e meio mais tarde, o filme

fazer um documentário, um longa-metragem, um

estava pronto. I, Philip, um dos primeiros

curta-metragem, mas a história era complexa

curtas-metragens de ficção em realidade

e os patrocínios não davam conta. Percebemos

virtual que a emissora de TV francesa ARTE

que uma solução seria contar a história com um capacete de realidade virtual, fazendo o

3  http://www.Okio-studio.com/Okio-project4-I-philip.html Ver página 129.

espectador criar um sentimento de empatia com essa cabeça de robô”, relata ele. I, Philip é

4  http://www.Okio-studio.com/Okio-project1-alteration.html

OKIO STUDIO, O PIONEIRO DA REALIDADE VIRTUAL FRANCESA...  ·  POR XAVIER DE LA VEGA

· 100-104

101


um filme com ponto de vista subjetivo, onde o

E foi assim que nasceu o nosso curta-metragem,

espectador se infiltra na cabeça de um robô

onde, assim que o espectador coloca seu capa-

e reconstitui o espírito de Philip K. Dick.

cete de realidade virtual, ele se encontra no

Assim que Antoine apresentou os primeiros

interior da cabeça de um robô, uma espécie de

demos sobre sua experiência em realidade vir-

criatura digital no meio dos humanos.

tual no polo web da ARTE, Gilles Freissinier,

Para rodar I, Philip, foi preciso inven-

chefe do polo, convencido de suas capacidades,

tar do zero um dispositivo de filmagem. “Nós

logo perguntou se tinham projetos em realidade

alinhamos algumas técnicas para ter um efeito

virtual. Um projeto sobre Philip K. Dick? Que

verdadeiro de cinema, não queríamos um efeito

coincidência! A ARTE acabava de lançar um

de GoPro (seis câmeras GoPro acopladas são um

dispositivo transmídia que girava em torno

padrão para reportagens em 360°). Além do mais,

do escritor. “Eu não tinha nem finalizado o

desejávamos rodar em relevo”, conta Pierre.

roteiro quando Antoine chegou com a notícia de

Sendo assim, ele acoplou duas câmeras Red (câmera

que a ARTE queria lê-lo”, conta Pierre. Algumas

digital de altíssima definição) para filmar

semanas de trabalho depois, o canal anunciou:

em 3D. Os microfones foram instalados no topo

“vamos ao banco!”. Patrocinaram a montagem do

das câmeras, o que os obrigou a suprimir os

curta-metragem, cujo orçamento foi a bagatela

ventiladores e a fixar um tubo comprido na

de 500.000 euros. Isso é o que chamamos de

parte de trás dos equipamentos para garantir

estar na hora certa, no lugar certo.

a ventilação necessária. “Era uma câmera bem

Os responsáveis pelo polo web da ARTE

estranha...”. “De onde vem nosso desejo de

conseguiram financiar em um primeiro momento

filmar em relevo? Ora, do desejo de recriar a

o demo do projeto, para submeter sua produção

realidade! Assistir no capacete de realidade

à aprovação e verificar se seria possível

virtual um vídeo em 360° é como ver através de

realizar o maior desafio do filme – rodá-lo

uma bolha. A realidade é em relevo”, finaliza

integralmente com uma câmera subjetiva.

Antoine.

Assumiram o risco, já que, até então, só se

Os dois sócios e produtores pertencem a

tinha ciência de um único longa-metragem de

um grupo internacional restrito de hackers da

ficção filmado com esse recurso (Lady in the

realidade virtual, junto com os canadenses Félix

Lake, 1947), que teve mais repercussão pela

& Paul ou o americano Chris Milk (de Within),

curiosidade que suscitou do que por ter se

que fabricam seus próprios utensílios de fil-

tornado uma referência cinematográfica de

magem para realizarem um sonho antigo: recriar

fato. Marianne Lévy-Leblond e Lili Blumers,

a realidade da maneira mais fiel possível. “Se

da ARTE web, temiam que o olhar-câmera dos

mantivermos o nosso nível de exigência, vamos

personagens, presente em muitas cenas do

continuar a construir câmeras. Até o momento, o

filme, não funcionasse. “Trabalhamos um mês

que fazemos é fabricar a melhor câmera possível

e meio no demo e fomos apresentar”, explica

para aquele filme. A próxima não terá nada a

Pierre. “Eles viram o filme uma única vez –

ver com a câmera de I, Philip”.

foi super frustrante – e disseram: “ok, cool!”

Pierre rapidamente desistiu de filmar em

Perguntamos se não queriam assistir mais uma

360°, o que implicava em deixar a cena uma vez

vez. Responderam-nos “não, não, está bom!”

acionada a câmera. Mas isso significava se lançar


em desafios arriscados. “Como queríamos um

E tem outros elementos, dispostos lá e cá, que

stitching perfeito (o stitching consiste

enriquecem a história”, acrescenta Antoine.

em costurar vários pontos de vista a fim

E o enquadramento, essa decisão crucial

de reconstituir uma imagem em 360°), nós

do cineasta, que exclui, acentua, aumenta,

rodávamos em muitas etapas. Concretamente,

complexifica, dá ritmo à ação; esse quadro

quando dois atores dialogavam, eu não os

não foi igualmente abolido? Logo imaginamos os

filmava juntos, mas primeiro um, depois o

guardiões da sétima ARTE se exaltando, prestes

outro... Só que o segundo não tinha direito

a mostrarem suas garras: sem enquadramento,

de responder, não podia nem sequer mexer,

ainda podemos falar em cinema? “Essa história

porque prejudicava o som”. Ou seja, o filme

de dizer que não existe quadro, porque sua

em 360° nos obrigava a reinventar o bom e

câmera filma tudo...”, vocifera Pierre. “Em 360

velho plano-contra plano. “A filmagem era

a gente não filma tudo. É a posição da câmera

muito desafiadora para os atores”, completa

que induz – ou não – à sensação de estar no

Antoine. “Mas aí, Pierre podia dirigir os

lugar de outrem. A composição do quadro ainda

atores, o diretor iluminava a cena...”.

é uma escolha decisiva. Nós filmamos uma cena

Enfim, tratava-se de fazer cinema.

na praia de Etretat (na região da Normandia).

E o que acontece com o cinema em um

Poderíamos ter colocado a câmera em milhares

filme em 360o? Sabemos que sua gramática

de lugares diferentes. Escolhemos um, onde as

fica revirada. Para começar, não existe

rochas, filmadas em relevo, acrescentavam à

“fora de cena”, já que a câmera capta a cena

narrativa. Não podemos dizer que não há mais

em todos os ângulos. ‘O “fora de cena’ na

quadro. Ao contrário, tem muito mais quadro do

realidade virtual é o cômodo ao lado. Tem

que antes. A realidade virtual mete medo nos

uma cena, em I, Philip, em que escutamos

realizadores, eles temem que seu papel desa-

a conversa de dois personagens que não

pareça. No entanto, na realidade virtual, tem

vemos. Eles estão em outro cômodo, no final

uma infinidade de decisões a serem tomadas”.

do corredor”, aponta Pierre. Sendo assim,

A realidade virtual é um cinema com uma

para o espectador, o quadro se constrói por

interatividade inerente, ativada pelos movi-

exclusão, já que, a cada momento, ele vê uma

mentos da cabeça (e do corpo, dependendo do

fração da imagem em 360o. Isso significa

dispositivo). Mas como antecipar como o espec-

que o diretor precisa de uma ação que se

tador vai reagir àquela imagem? “Nosso papel

desenrole em vários pontos do quadro. “A

principal é de guiar o olhar do espectador. Mas

realidade virtual implica em uma hierar-

existe também o que eu chamaria de uma interati-

quia entre os elementos da cena. Primeiro

vidade passiva: o espetador desbloqueia alguns

temos os elementos fundamentais, que o

elementos dentro da imagem. Um personagem só

espectador não pode perder para compreender

aparece se ele olhar naquela direção, mas ele

a história. Uma boa parte da narrativa na

simplesmente não aparece caso o espectador não

realidade virtual consiste em guiar o olhar

olhe para o lado certo. Essa interatividade

do espectador, através do som, da luz, dos

é que acho mais interessante do que em webdo-

movimentos de imagem, para que ele veja o

cumentários, onde as escolhas são claras (ir

que deve ser visto e quando deve ser visto.

para a direita ou para a esquerda?). Aqui, o

OKIO STUDIO, O PIONEIRO DA REALIDADE VIRTUAL FRANCESA...  ·  POR XAVIER DE LA VEGA

· 100-104

103


espectador não tem consciência do que ele

a resposta é absolutamente afirmativa: “a rea-

perdeu”, observa Pierre. É possível que I,

lidade virtual vai certamente ter uma grande

Philip tenha se beneficiado de tal interação

importância no futuro – Goldman Sachs prevê uma

por redirecionar os movimentos do especta-

trajetória comparável com a da televisão. Mas

dor para o coração da ação. A faculdade de

ela vai continuar coexistindo com os conteúdos

virar cabeça por todos os lados, em algum

da web e audiovisuais. Não há nada que diga que

momento, pode prejudicar a identificação

o espectador tenha um desejo de ficar imerso

do espectador com o robô e, portanto, a sua

permanentemente na realidade virtual. Eles vão

presença na ação.

preferir alternar entre conteúdos imersivos e

Esse sentimento de ‘presença’ virou um

uma partida de futebol em 2D, com alternância

mantra para os adeptos da realidade virtual.

de planos; ou então entre uma aba da internet

Assim que assistiu com capacete à obra Síria:

com um documentário e sequências específicas

a batalha pelo Norte, que o Okio-report

em realidade virtual. O futuro está na comple-

produziu para o Le Parisiencom a agência de

mentação das mídias”.

imprensa Smart, sediada na Síria, Pierre, pela primeira vez em sua vida, teve a sensação de onipresença. “De uma hora pra outra a Síria era aqui, eu estava lá.” Com essa experimentação que contempla todas as potencialidades da realidade virtual, ainda há lugar para a produção digital clássica – se ousarmos falar em classicismo para formatos de 10 anos atrás? Para Antoine,


CAPÍTULO 4 | CHAPTER 4

MOSTRA BUG - CATÁLOGO THE BUG EXHIBITION – CATALOG

BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS  ·  ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0  ·  RIO DE JENRIO  ·  224 PÁGINAS  EDITORA: AUTOMATICA  · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO  ·  BUG404.NET

105


Highrise: Out My Window

2010

Highrise: Out My Window fala da vida urbana por meio de pessoas que habitam arranha-céus e observam o mundo de suas janelas. São 49 histórias vindas de 13 cidades ao redor do planeta. O documentário mostra recortes diverso`s de vidas imersas em gigantescas torres residenciais de concreto. É um dos primeiros documentários interativos com visualização em 360o do mundo e foi a primeira iniciativa do premiado projeto multiplataforma e colaborativo Highrise, ainda em desenvolvimento, sempre com foco na experiência humana em grandes edifícios.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: NATIONAL FILM BOARD OF CANADA (NFB) •

outmywindow.nfb.ca

Highrise: Out My Window discusses urban life through the stories of people who inhabit skyscrapers and observe the world through their windows. There are 49 stories from 13 cities around the planet. The documentary shows various slices of life as immersed in gigantic, concrete-slab towers. It is one of the world’s first, interactive 360o documentaries and was the first initiative from the award-winning, multiplatform and collaborative project, Highrise, still in development, and always with a focus on the human experience in large buildings.

REALIZAÇÃO/CREATOR: KATERINA CIZEK

DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • CANADÁ/CANADA

INTERACTIVE NARRATIVES

NARRATIVAS INTERATIVAS


NARRATIVAS INTERATIVAS  |  INTERACTIVE NARRATIVES · 106-119

107

Hollow

2013

2015

Network Effect explora o efeito psicológico do uso da internet na humanidade. O projeto se baseia nos infinitos cruzamentos de informações que o usuário pode gerar a partir de um gigantesco banco de dados composto por 10 mil videoclipes, 10 mil frases faladas, notícias, tweets, gráficos, listas e milhões de dados postados por indivíduos na web. Só há uma questão: a janela de visualização é limitada a cerca de sete minutos (cálculo feito a partir da expectativa de vida média no país de onde a página é acessada), induzindo o usuário a um estado de ansiedade, de impossibilidade de conclusão. Uma provocação a respeito da ilusão de conhecimento e completude gerada pela internet.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: JONATHAN HARRIS E GREG HOCHMUTH • REALIZAÇÃO/CREATOR: JONATHAN HARRIS E GREG HOCHMUTH

networkeffect.io

DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • EUA/USA

Network Effect

Hollow é um documentário interativo que investiga o declínio populacional da América rural por meio da história dos moradores do condado de McDowell, na Virgínia Ocidental. Em 2013, a população era composta por 22 mil moradores, bem abaixo dos 100 mil durante o auge industrial vivido em meados do século XX. O motivo principal seria a saída de jovens e adultos em busca de melhores oportunidades de emprego em cidades maiores, um fenômeno ainda em curso.

Network Effect explores the psychological effects of internet use on humanity. The project is based on the infinite cross sections of information which the user can generate through a gigantic database composed of 10 thousand video clips, 10 thousand spoken phrases, news stories, tweets, graphics, lists, and millions of data posted by individuals on the web. There is only one issue: the viewing window is limited to around seven minutes (a calculation based on the average life expectancy in the country from which the page is accessed), inducing in the user a state of anxiety, frustrating any attempt at conclusion. A provocation related to the illusion of knowledge and completeness generated by the internet.

Hollow is an interactive documentary which investigates rural America’s population decline through the story of the residents of McDowell country, West Virginia. In 2013, the population consisted of 22 thousand residents, well below the 100 thousand experienced during the industrial boom in the 20th century. The main motive for youths and adults to leave was the search of better job opportunities in bigger cities, a phenomenon which continues today.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: REQUISITE MEDIA, LLC • REALIZAÇÃO/CREATOR: ELAINE MCMILLION SHELDON

hollowdocumentary.com

DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • EUA/USA


Ilha Grande: Cada Praia, uma Ilha; Cada Ilha, uma História 2015

2017

The web documentary, Ilha Grande: Cada Praia, uma Ilha; Cada Ilha, uma História, gathers stories about characters and curiosities from nine beaches of Ilha Grande, an island paradise located in southern Rio de Janeiro state. It also offers suggestions of local guides, housing, restaurants, and transportation services. The webdoc is part of a development project aiming to promote social technology which supports community-based tourism initiatives in environmentally protected areas.

A Colônia de Itapuã, localizada no município gaúcho de Viamão, foi um dos 33 “vilarejos-hospital” construídos na década de 1940 pelo então presidente Getúlio Vargas para isolar pessoas com hanseníase. A colônia chegou a abrigar 1.454 pessoas, muitas delas abandonadas por suas famílias. Hoje, apenas 35 moradores permanecem lá, todos com mais de 60 anos. A Cidade Inventada reúne vasto material sobre o passado e o presente do lugar, como vídeos, mapas, gravações em fita cassete feitas pelos moradores e um cinejornal produzido na época da inauguração da colônia. O objetivo é evitar que Itapuã caia no esquecimento.

Itapuã, located in the municipality of Viamão in Rio Grande do Sul, was one of the 33 “hospital villages” constructed in the 1940s by then-president Getúlio Vargas to quarantine people with Hansen’s Disease. The colony was home to 1,454 people, many of whom were abandoned by their families. Today, only 35 residents remain, all more than 60 years old. The Invented Village gathers a vast array of material on the village’s past and present, including videos, maps, cassette tape recordings made by residents, and a newsreel produced for the colony’s inauguration. The objective is to keep Itapuã from falling into the abyss of the forgotten.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: TEMPO PORTO ALEGRE • REALIZAÇÃO/CREATOR: LILIANA SULZBACH

acidadeinventada.com.br

DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL

A Cidade Inventada

O webdocumentário Ilha Grande: Cada Praia, uma Ilha; Cada Ilha, uma História reúne histórias de personagens e curiosidades sobre nove praias deste que é considerado um paraíso no sul do estado do Rio de Janeiro. Também traz sugestões de guias locais, hospedagens, restaurantes e serviços de transporte. O webdoc faz parte de um projeto de desenvolvimento e difusão de uma tecnologia social voltada para apoiar iniciativas de turismo de base comunitária no entorno de áreas protegidas.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: LABORATÓRIO DE TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO SOCIAL (LTDS) DA UFRJ • REALIZAÇÃO/CREATOR: ANDRÉ PAZ

ilhagrandewebdoc.website

DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL


NARRATIVAS INTERATIVAS  |  INTERACTIVE NARRATIVES · 106-119

109

2011

2015

Through self-representation, three photographers, residents of the Maré favela (AF Rodrigues, Jaqueline Felix, and Ratão Diniz) provide their perspectives in discussing the stereotypes of Rio de Janeiro favelas. These youths narrate their lives amidst a backdrop of contradiction: they portray the happiness of everyday life and the difficulties faced by those who live in often precarious urban conditions. It addresses a Rio distant from the traditional postcard image. Due to this, however, it is far more real and human.

The Quipu Project é um projeto transmídia, interativo e colaborativo sobre as mais de 300 mil pessoas afetadas pelo programa de esterilização forçada que ocorreu no Peru nos anos 1990. A premissa fundamental é divulgar os testemunhos de quem sofreu e continua sofrendo as consequências dessa violação, em termos físicos e psicológicos, e buscar maneiras de apoiá-los tanto com reconhecimento quanto reparação dos danos.

The Quipu Project is a transmedia, interactive, and collaborative project about the more than 300 thousand people affected by the forced sterilization project which occurred in Peru in the 1990s. The fundamental premise is to disseminate the testimonies of those who suffered and continue to suffer the consequences of this violation, both physical and psychological, and search for ways to support them through recognition and reparation.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: CHAKA STUDIO • REALIZAÇÃO/CREATOR: MARIA COURT E ROSEMARIE LERNER

interactive.quipu-project.com

DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • INGLATERRA/ENGLAND

The Quipu Project

Por meio da autorrepresentação, três fotógrafos moradores do Complexo da Maré (AF Rodrigues, Jaqueline Felix e Ratão Diniz) trazem seus olhares e colocam em discussão os estereótipos criados sobre as favelas cariocas. Esses jovens se ocupam em narrar suas vidas num cenário de contrastes: retratam as alegrias do dia a dia e as dificuldades de quem convive com condições urbanas muitas vezes precárias. Trata-se de um Rio de Janeiro longe das imagens dos cartões-postais tradicionais. Mas, por isso mesmo, muito mais real e humano.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: CROSS CONTENT • REALIZAÇÃO/CREATOR: MARCELO BAUER

riodejaneiroautorretrato.com.br

DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL

Rio de Janeiro: Autorretrato


Prison Valley 2010

2015

Prison Valley is an interactive road movie which puts the user in the place of a journalist investigating the United States prison industry. The story takes place at the heart of the American prison sector: Fremont County, Colorado, the home of 36 thousand people and 13 prisons. One of these is called ADX Supermax, the only maximum security prison on American territory.

Mujeres en Venta aborda as etapas do crime de tráfico de mulheres na Argentina, desde a captura e maneiras de enganá-las até as rotas que são percorridas, a exploração sexual e o resgate. Os relatos corajosos das vítimas que conseguiram escapar do horror se cruzam com os dados produzidos por uma minuciosa investigação jornalística e com o testemunho de especialistas, familiares e organizações antitráfico.

Women for Sale addresses the stages of the criminal trafficking of women in Argentina, from their capture and manners of tricking them, to the trafficking routes, sexual exploitation, and rescue. The courageous accounts from victims who managed to escape their horror intersect with data produced from a detailed journalistic investigation and with testimony from specialists, relatives, and anti-trafficking organizations.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: #DCMTEAM | PRODUCCIONES TRANSMEDIA – UNIVERSIDADE NACIONAL DE ROSÁRIO • REALIZAÇÃO/CREATOR: DFERNANDO IRIGARAY E SUA EQUIPE DO DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO MULTIMÍDIA (#DCMTEAM)

documedia.com.ar/mujeres

DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • ARGENTINA

Mujeres en Venta

Prison Valley é um road movie interativo que coloca o usuário no lugar de um jornalista que investiga a indústria carcerária nos Estados Unidos. A história se passa no coração do setor carcerário americano: o condado de Fremont, no Colorado, lugar que abriga 36 mil pessoas e treze prisões. Uma delas é a chamada ADX Supermax, única prisão de segurança máxima em território norte-americano.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: ARTE E UPIAN • REALIZAÇÃO/CREATOR: DAVID DUFRESNE E PHILIPPE BRAULT

prisonvalley.arte.tv

DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • FRANÇA/FRANCE


NARRATIVAS INTERATIVAS  |  INTERACTIVE NARRATIVES · 106-119

111

Do Not Track

2015

2016

Jerusalem: We Are Here é um documentário interativo que, por meio da tecnologia, traz os palestinos de volta a Jerusalém, de onde foram expulsos em 1948 para a constituição do Estado de Israel. O projeto foi desenvolvido entre 2012 e 2015 por meio de uma plataforma colaborativa que mapeou e trouxe à tona histórias de uma cidade não mais visível. Para isso, contou com a participação de palestinos que pesquisaram sobre o passado de suas famílias e seu doloroso presente. Junto com a equipe do documentário, produziram vídeos curtos e poéticos, repletos de nostalgia. Além de acessar os filmes, o público também pode participar de três tours virtuais pelas ruas do bairro de Katamon. Enquanto as cenas mostram uma Jerusalém contemporânea, a narração em off fala sobre o cotidiano na década de 1940.

Jerusalem: We Are Here is an interactive documentary which, using technology, brings Palestinians back to Jerusalem, from which they were expelled in 1948 for the creation of the State of Israel. The project was developed between 2012 and 2015 through a collaborative platform which mapped a no longer visible city, bringing back a forgotten history. It counted on the participation of Palestinians, who researched their family’s past and their painful present. Together with the documentary’s team, they produced short, poetic videos filled with nostalgia. As well as accessing the films, the public can also participate in three virtual tours through the streets of the Katamon neighborhood. While the scenes show a contemporary Jerusalem, the narrator speaks of everyday life in the 1940s.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: HELIOS DESIGN LABS • REALIZAÇÃO/CREATOR: DORIT NAAMAN

info.jerusalemwearehere.com

REALIZAÇÃO/CREATOR:

Do Not Track is a documentary series about privacy and the web economy. During each of the seven interactive episodes, the user is asked to provide some data about herself and, with this, experience the methods and tools which trackers use commercially. The idea is to provoke reflections regarding the personal information which is collected and utilized by numerous companies and services, even when the person does not consciously authorize its use. Each episode explores one aspect of how the web has transformed into a space where movement, speech, and identity are recorded, tracked, and used without permission. From cellular telephones to social networks, from personalized advertisements to Big Data, each episode will have its own focus, narrative and visual style.

DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • CANADÁ/CANADA

Jerusalem: We Are Here

Do Not Track é uma série documental sobre privacidade e economia na web. Durante cada um dos setes episódios interativos, o usuário é solicitado a fornecer alguns dados sobre si mesmo e, com isso, experimenta os métodos e ferramentas que rastreadores usam comercialmente. A ideia é provocar reflexões a respeito das informações pessoais que são coletadas e utilizadas por inúmeras empresas e serviços, mesmo quando a pessoa não autoriza conscientemente o uso. Cada episódio explora um aspecto de como a web tem se transformado em um espaço onde movimentos, fala e identidade são gravados, rastreados e utilizados sem permissão. Dos telefones celulares a redes sociais, de publicidade personalizada a Big Data, cada episódio tem um foco, narrativa e visual próprios.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: UPIAN, NATIONAL FILM BOARD OF CANADA (NFB), ARTE E BAYERISCHER RUNDFUNK (BR) • BRETT GAYLOR

donottrack-doc.com

DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • CANADÁ/CANADA


Momento MX 2017

2014

Momento MX is an interactive documentary which sketches a picture of the recent creative communities in Mexico. The user can explore two thematic axes: one dedicated to independent publishers in Mexico City, and another which explores the electronic and experimental music scene in the country. Each theme includes five sections - actors, processes, products, markets, and panorama - and each of them unfolds in one interactive video and one immersive, 360o video. For example, the navigation architecture allows the user to compare the industries. The project foresees the future publication of four more thematic axes.

The Shirt on Your Back é um documentário interativo baseado no desastre de Rana Plaza, o acidente mais fatal da história da indústria mundial. Em 2013, uma gigantesca fábrica têxtil ruiu, matando mais de 1.130 pessoas e ferindo o dobro. Neste trabalho, o ciclo de vida de uma camisa é traçado e usado como mote disparador de questões sobre o terrível custo humano envolvido na fabricação dos milhares de peças que saem de Bangladesh direto para as prateleiras de marcas de roupas “fast fashion” em todo o mundo.

The Shirt on Your Back is an interactive documentary based on the Rana Plaza disaster, the deadliest accident in the history of global industry. In 2013, a gigantic textile factory collapsed, killing more than 1,130 people and injuring twice that. In this work, the life cycle of a shirt is traced and used as a jumping-off point for questions about the terrible human cost involved in fabricating the thousands of pieces which leave Bangladesh directly for the shelves of “fast fashion” clothing brands all over the world.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: THE GUARDIAN • REALIZAÇÃO/CREATOR: LINDSAY POULTON

theguardian.com/world/ng-interactive/2014/apr/bangladesh-shirt-on-your-back

DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • INGLATERRA E BANGLADESH/ENGLAND AND BANGLADESH

The Shirt on Your Back

Momento MX é um documentário interativo que traça um panorama sobre as recentes comunidades criativas no México. O usuário pode explorar dois eixos temáticos: um dedicado a editores independentes na Cidade do México e outro que explora o cenário da música eletrônica e experimental no país. Cada tema inclui cinco seções – atores, processos, produtos, mercado e panorama – e cada uma delas se desdobra em um vídeo interativo e um vídeo imersivo em 360o. A arquitetura de navegação permite ao usuário, por exemplo, comparar as indústrias entre si. O projeto prevê a publicação futura de mais quatro eixos temáticos.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: AURA CULTURA · REALIZAÇÃO/CREATOR: PABLO MARTÍNEZ ZÁRATE

momentomx.com

DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • MÉXICO/MEXICO


NARRATIVAS INTERATIVAS  |  INTERACTIVE NARRATIVES · 106-119

113

2011

2010

Bugarach: Cómo Sobrevivir al Apocalipsis is an interactive documentary about the only place which, according to the ancient Mayan civilization, would survive the end of the world, which they predicted for 21 December, 2012: the small village of Bugarach, north of the French Pyrenees. The playful platform gathers data and trivia about the place, and works like a videogame: the user can only advance in the story and survive the apocalypse by carrying out certain tasks - which include meeting some of the two-hundred residents and exploring the streets and forests in search of clues about the locale and the origin of the enigmatic prediction. The user’s choices, as well as the seasons of the year and its climatic changes are factors which alter the way the story is revealed. The project also includes other facets: a linear documentary, a participatory virtual community, and print and digital editions of a photobook with reflections on the film, based on the experience of filming.

This Land é um documentário interativo baseado na experiência vivida pela documentarista Dianne Whelan, primeira mulher a acompanhar a expedição de uma patrulha militar no norte do Canadá. Formada por sete homens, ocidentais e inuítes, o objetivo da missão era alcançar o extremo norte do país. Viajando em trenós motorizados, eles percorreram mais de 2 mil quilômetros em um dos locais mais ermos do planeta. Dianne registrou toda a experiência em vídeo, fotos e texto, narrados para esse projeto por Karin Konoval. A navegação é orientada em função dos dias – dezesseis, no total – que o grupo levou para completar a épica aventura no Ártico. Além disso, também são disponibilizados alguns dados climáticos que evidenciam as condições extremas que enfrentaram.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: NATIONAL FILM BOARD OF CANADA (NFB) • REALIZAÇÃO/CREATOR: DIANNE WHELAN E JEREMY MENDES

thisland.nfb.ca

This Land is an interactive documentary based on the experience of the documentarian Dianne Whelan, the first woman to join the expedition of a military patrol in northern Canada. Composed of seven Western and Inuit men, the mission’s objective was to reach the country’s extreme north. Riding snowmobiles, they traveled over 2 thousand kilometers in one of the most isolated areas on the planet. Dianne documented the experience in video, photos, and text, with narration by Karin Konoval. Navigation is guided by the days - sixteen in total -which the group took to complete the epic, Arctic adventure. Beyond these, there is also climate data which demonstrates the extreme conditions faced by the team.

DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • CANADÁ/CANADA

This Land

Bugarach: Cómo Sobrevivir al Apocalipsis é um documentário interativo sobre o único lugar que, de acordo com a antiga civilização maia, sobreviveria ao fim do mundo previsto para o dia 21 de dezembro de 2012: a pequena vila de Bugarach, ao norte dos Pirineus franceses. A plataforma lúdica funciona como um videogame: o usuário só consegue avançar na história e sobreviver ao apocalipse se realizar algumas tarefas – o que inclui conhecer alguns dos duzentos moradores e explorar ruas e florestas em busca de pistas sobre o local e a origem da enigmática previsão. O projeto inclui um documentário linear, uma comunidade participativa virtual e edições impressa e digital de um livro de fotografias baseado nas experiências das filmagens.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: NANOUK FILMS E LAB RTVE • REALIZAÇÃO/CREATOR: SERGI CAMERON

lab.rtve.es/webdocs/bugarach/

DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • ESPANHA/SPAIN

Bugarach: Cómo Sobrevivir al Apocalipsis


Amazônia 2017

2015

The web documentary Amazônia, is a compilation of reports, videos, infographics, photographs, and podcasts about the Amazon, produced by the magazine Pesquisa Fapesp over nearly twenty years. The content was grouped in seven larger themes - geological formation, biodiversity, pre-Colombian peoples, populations, climate, biotechnologies, and perspectives -, addressing distinct areas of knowledge. The web documentary provides more than three hours of audio and video, as well as dozens of reports, interviews, and infographics.

Redes Estratégicas é um projeto composto por cinco vídeos interativos que apresentam parte das pesquisas-ações coordenadas pelo Departamento de Ações Programáticas Estratégicas (Dapes) do Ministério da Saúde, de 2011 a 2015. O trabalho se organiza em torno de redes temáticas, que incluem saúde da mulher, da criança, da pessoa com deficiência e da pessoa privada de liberdade. A divulgação dessas experiências tem o objetivo de ampliar a comunicação e informação sobre os temas e evidenciar a importância do Sistema Único de Saúde (SUS) na garantia de direitos básicos. O projeto conta com recursos de acessibilidade (Audiodescrição e Libras).

Redes Estratégicas is a project composed of five interactive videos which present part of the research-actions coordinated by the Department of Strategic and Programmatic Actions (DAPES) of the Ministry of Health between 2011 and 2015. The work is organized around thematic networks, which include women’s health, children’s health, and the health of handicapped people and those deprived of their freedom. The dissemination of these experiences has the objective of amplifying communication and information on these topics and demonstrating the importance of the Single Health System (SUS) in guaranteeing basic rights. The project includes accessibility features (Audio-description and Brazilian Sign Language).

PRODUÇÃO/PRODUCTION: JARDIM DIGITAL • REALIZAÇÃO/CREATOR: GIULIANO DJAHJAH, GUSTAVO JUNQUEIRA E JULIO BRAGA

redesestrategicassus.org

DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL

Redes Estratégicas

O webdocumentário Amazônia é uma compilação de reportagens, vídeos, infográficos, fotografias e podcasts sobre a Amazônia produzidos pela revista Pesquisa Fapesp ao longo de quase vinte anos. Os conteúdos foram agrupados em sete grandes temas – formação geológica, biodiversidade, povos pré-colombianos, populações, clima, biotecnologias e perspectivas –, abrangendo distintas áreas do conhecimento. Estão disponíveis no webdoc mais de três horas de áudios e vídeos, além de dezenas de reportagens, entrevistas, animações e infográficos.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: PERIPÉCIA FILMES • REALIZAÇÃO/CREATOR: TIAGO MARCONI E CAIO POLESI

revistapesquisa.fapesp.br/webdoc/amazonia

DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL


NARRATIVAS INTERATIVAS  |  INTERACTIVE NARRATIVES · 106-119

115

Rio Frescobol

2018

2018 BRASIL/BRAZIL

Rio Frescobol is an interactive documentary which shows some of the history of this genuine Rio de Janeiro sport. Athletes and amateurs gathered at Copacabana beach and Flamengo Park present the philosophy and culture of frescobol, as well as the basic strokes of the sport and some trivia about it.

EntreVilas é o primeiro documentário interativo que mergulha nas vilas operárias e no contexto da urbanização paulistana. A proposta é discutir as relações entre trabalho e moradia, registrar o contexto em que as vilas foram construídas e sua relevância na constituição das famílias e na expansão da cidade de São Paulo. Com vídeos, fotos e textos, o projeto costura um traçado imaginário entre temáticas e personagens das vilas Maria Zélia (Cia. Nacional de Tecidos de Juta, 1916), Cerealina (Indústrias Reunidas Fábrica Matarazzo, 1924), Triângulo (Cia. Brasileira de Cimento Portland, 1926) e Economizadora (Moinho Santista, 1935).

EntreVilas is the first interactive documentary to dive into the model villages and the context of São Paulo urbanization. The proposal is to discuss the relationships between work and housing, documenting the context in which the villages were constructed and their relevance in the constitution of families and in the expansion of the city of Sao Paulo. With videos, photos, and texts, the project stiches together an imaginary outline between the themes and characters from the villages of Maria Zélia (Cia. Nacional de Tecidos de Juta, 1916), Cerealina (Indústrias Reunidas Fábrica Matarazzo, 1924), Triângulo (Cia. Brasileira de Cimento Portland, 1926) and Economizadora (Santista Mill, 1935).

PRODUÇÃO/PRODUCTION: ESTÚDIO CRUA • REALIZAÇÃO/CREATOR: ESTÚDIO CRUA

entrevilasdoc.com.br

DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY •

EntreVilas

Rio Frescobol é um documentário interativo que mostra um pouco da história deste esporte genuinamente carioca. Atletas e amadores reunidos na praia de Copacabana e no Aterro do Flamengo apresentam a filosofia e a cultura do frescobol, além dos golpes e curiosidades sobre o esporte.

PRODUÇÃO: CENTRAL DE PRODUÇÃO MULTIMÍDIA DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO DA UFRJ • REALIZAÇÃO: MESTRADO PROFISSIONAL EM CRIAÇÃO E PRODUÇÃO DE CONTEÚDOS DIGITAIS DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO DA UFRJ. A PARTIR DA IDEIA ORIGINAL DE ANTONIO J. CARVALHO, ALUNOS, PROFESSORES E TÉCNICOS TRABALHARAM COLABORATIVAMENTE NA REALIZAÇÃO DA OBRA / PRODUCTION: UFRJ SCHOOL OF COMMUNICATION MESTRADO PROFISSIONAL EM CRIAÇÃO E PRODUÇÃO DE CONTEÚDOS DIGITAIS. ORIGINAL IDEA BY ANTONIO J. CARVALHO. STUDENTS, PROFESSORS, AND TECHNICIANS WORKED IN COLLABORATION TO PRODUCE THE WORK.

riofrescobol.art.br

DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL


2015

2017

Farmers Iracema and Dirceu Conofre de Campos and their fourteen children are part of a statistic which is not always associated with the state of Santa Catarina: that of people in extreme poverty. Over two years and seven months, a reporter accompanied this family, documenting their pain and their victories in audio, photo, and video. This material forms the foundation of As Quatro Estrações de Iracema e Dirceu, an interactive platform which invites the user to travel along this economic and social journey with a basis in the cycles of nature. The work won the 37th Vladimir Herzog Prize for Amnesty and Human Rights in the Multimedia category.

Híbridos is an ethnographic study into the multiplicity of the world of sacred, Brazilian ceremonies, and also into cinematographic language and its poetic potential. The interactive website hosts around 150 films, interviews, texts, and links to other authors’ works, the result of documenting more than seventy different ceremonies around the country over three years of wandering. From Afro-Brazilian ceremonies in Bahia to the new version of Umbanda in Minas Gerais; from ancestral indigenous ceremonies in Acre to the growing evangelical services in Rio de Janeiro, the project is the largest poetic collection of Brazilian spiritual culture, and is also unveiled as a feature film, live cinema performances, and site specific installations.

FEEVER FILMES E PETITES PLANÈTES • REALIZAÇÃO/CREATOR: PRISCILLA TELMON E VINCENT

Híbridos é uma pesquisa etnográfica sobre a multiplicidade do mundo das cerimônias sagradas brasileiras e também sobre a linguagem cinematográfica e seu potencial poético. O website interativo abriga cerca de 150 filmes, entrevistas, textos e links para trabalhos de outros autores, resultado do registro de mais de sessenta cerimônias diferentes pelo país afora durante três anos de andanças. Dos cultos afro-brasileiros da Bahia às novas formas da umbanda em Minas Gerais; dos rituais indígenas ancestrais no Acre aos crescentes cultos evangélicos no Rio de Janeiro, o projeto é a maior coleção poética sobre a cultura espiritual brasileira e se desdobra também em um filme longa-metragem, performances de cinema ao vivo e instalações site specific.

MOON

PRODUÇÃO/PRODUCTION:

hibridos.cc

DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL E FRANÇA/BRAZIL AND FRANCE

Híbridos: Os Espíritos do Brasil

Os agricultores Iracema e Dirceu Canofre de Campos e seus catorze filhos fazem parte de uma estatística nem sempre associada ao estado de Santa Catarina: a das pessoas em situação de miséria. Ao longo de dois anos e sete meses, uma repórter acompanhou essa família, registrando em áudio, foto e vídeo suas dores e vitórias. Esse material é a base de As Quatro Estações de Iracema e Dirceu, uma plataforma interativa que convida o usuário a percorrer essa travessia econômica e social com base nos ciclos da natureza. O trabalho venceu o 37o Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos na categoria Multimídia.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: DIÁRIO CATARINENSE • REALIZAÇÃO/CREATOR: ÂNGELA BASTOS

clicrbs.com.br/sites/swf/DC_quatro_estacoes_iracema_dirceu

DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL

As Quatro Estações de Iracema e Dirceu


NARRATIVAS INTERATIVAS  |  INTERACTIVE NARRATIVES · 106-119

117

Mapas Afetivos

2014

2016

Cities are not made of concrete, but stories, and their people are their greatest wealth, their color. The project, Mapas Afetivos, unites and geo-locates dozens of video accounts of both famous and everyday people, about notable memories imprinted in the neighborhoods, streets, parks and homes which, sometimes, no longer exist. Through these accounts, it is possible to become familiar with a once invisible city, now more human, composed of affects and intimacy. The project also includes cultural workshops on affective recognition of territories in various cities around the country.

Meu Rio Vale um Webdoc é um documentário interativo que apresenta um mosaico de “postais audiovisuais” do Rio de Janeiro, criados por alunos do curso homônimo realizado nas Naves do Conhecimento em 2016. Os vídeos apresentam as principais paisagens e personagens de Irajá, Madureira, Vila Aliança, Padre Miguel, Triagem, Nova Brasília, Penha e Santa Cruz, locais onde o curso foi realizado. A produção coletiva reúne imagens de drone, vídeos em 360o, time-lapses, clipes musicais e registros de percursos e leituras poéticas, rodas de rap e de capoeira, além de entrevistas com artistas, religiosos e peladeiros locais. O usuário ainda pode enviar um postal audiovisual por e-mail, escolhendo três vídeos de cada bairro.

Meu Rio Vale um Webdoc is an interactive and collaborative documentary which presents a mosaic of “audiovisual postcards” of Rio de Janeiro, created by groups of students from the course held in Naves do Conhecimento in 2016. The collective production gathered drone images, 360o videos, time lapses, interviews, musical clips, from each of the eight neighborhoods which host the Naves do Conhecimento (Irajá, Madureira, Vila Aliança, Padre Miguel, Triagem, Nova Brasília, Penha, and Santa Cruz). The user can also send an audiovisual postcard by email, and choose three videos from each neighborhood to create it.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: NAVES DO CONHECIMENTO E CRIA PROJETOS E NARRATIVAS • REALIZAÇÃO/CREATOR: ALUNOS DAS NAVES DO CONHECIMENTO, FELIPE VARANDA E MAYRA JUCÁ

meuriovaleumwebdoc.com.br

DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • EUA/USA

Meu Rio Vale um Webdoc

As cidades não são feitas de concreto, mas de histórias, e têm nas pessoas sua maior riqueza, seu colorido. O projeto Mapas Afetivos reúne e geolocaliza dezenas de relatos em vídeo, de gente famosa e de desconhecidos, sobre memórias marcantes impressas em bairros, ruas, parques e casas que, por vezes, nem existem mais. Por meio dessas falas, é possível conhecer uma cidade antes invisível, mais humana, composta por afeto e intimidade. O projeto inclui também oficinas culturais de reconhecimento afetivo de territórios em diversas cidades do país.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: LIQUID MEDIA LAB • REALIZAÇÃO/CREATOR: FELIPE LAVIGNATTI E ANDRÉ DEAK

mapasafetivos.com.br

DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL


2016

2013

The Oficinas Kinoforum de Realização Audiovisual [Kinoforum Audiovisual Production Workshops] interactive catalog gathers a vast array of content produced by the project, which was created in 2001 by the Associação Cultural Kinoforum to awaken an interest in film production amongst underprivileged youth. During its workshops, participants have the opportunity to elaborate, produce, and film their own work.

Se Eu Demorar uns Meses é um webdocumentário composto por dez vídeos curtos baseados nos relatos de presos políticos opositores à ditadura militar brasileira. Foram interpretados por Juan Martyn e Neusa Velasco e gravados no interior do Memorial da Resistência, antigo prédio do DOPS – considerada uma das polícias políticas mais truculentas do país –, mais especificamente nas áreas que reproduzem as celas tal como eram no período entre 1971 e 1982. O projeto também reúne fotografias coletadas no Arquivo Público do Estado de São Paulo. Um resgate da memória que coloca o documentário e a linguagem web como ferramentas a serviço da reflexão e da verdade, abordando questões políticas, sociais, culturais e, sobretudo, históricas.

If I Am a Few Months Late is a web documentary consisting of ten short videos based on the accounts of political prisoners who opposed the Brazilian military dictatorship. They were interpreted by Juan Martyn and Neusa Velasco and recorded inside the Memorial da Resistência, the old headquarters of DOPS - considered to be one of the most violent political police forces in the country -, more specifically in the areas which reproduce the cells as they were between 1971 and 1982. The project also gathers photographs collected from the São Paulo State Public Archives. A recovery of memory which uses the web documentary and language as tools in service of reflection and truth, addressing political, social, cultural, and, above all, historical issues.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: DOCTELA • REALIZAÇÃO/CREATOR: GIOVANNI FRANCISCHELLI E LÍVIA PEREZ

doctela.com.br/se-eu-demorar-uns-meses/

DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL

Se Eu Demorar uns Meses

O catálogo interativo das Oficinas Kinoforum de Realização Audiovisual reúne o vasto conteúdo produzido pelo projeto, criado em 2001 pela Associação Cultural Kinoforum para despertar o interesse de jovens carentes pela criação cinematográfica. Durante as oficinas, os participantes têm a oportunidade de elaborar, produzir e filmar seus próprios trabalhos.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: ASSOCIAÇÃO CULTURAL KINOFORUM E CROP COLETIVO • REALIZAÇÃO/CREATOR: ASSOCIAÇÃO CULTURAL KINOFORUM E CROP COLETIVO

kinoforum.org.br/oficinas/

DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL

Oficinas Kinoforum de Realização Audiovisual


NARRATIVAS INTERATIVAS  |  INTERACTIVE NARRATIVES · 106-119

119

Pedalei Até Aqui?

2015

2014

The interactive documentary, Pedalei Até Aqui?, features stories and accounts of those who travel by bike and fight for the mode of transportation in the city of Sao Paulo. The project gathers videos, photos, audio, and texts collected during the opening of the last stretch of the Ave. Paulista bike path, on August 23rd, 2015, considered a milestone moment in the history of Sao Paulo bike activism. The production and execution of the whole platform was carried out in five days by nine participants in the Webkino workshops, during the 26th Sao Paulo International Short Film Festival.

Copa para Quem é um documentário interativo sobre temas obscuros que envolvem a Copa do Mundo FIFA de 2014, realizada no Brasil. Quais os reais impactos deste megaevento na vida da população? Assuntos como turismo sexual, população de rua, desapropriações e movimentos sociais são tratados por meio da perspectiva de personagens que moram em Fortaleza (Ceará), uma das doze cidades-sede do evento e detentora de altos índices de desigualdade e violência.

Copa para Quem is an interactive documentary about the darker themes revolving around the 2014 FIFA World Cup held in Brazil. In what ways did this mega event impact the lives of the people? Subjects such as sex tourism, the homeless population, forced displacement, and social movements are addressed from the perspective of people who live in Fortaleza (Ceará), one of the event’s twelve host cities, and a place with high levels of inequality and violence.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: SWITCH ASBL • REALIZAÇÃO/CREATOR: MARYSE WILLIQUET

copaparaquem.com

DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BÉLGICA/BELGIUM

Copa para Quem

O documentário interativo Pedalei Até Aqui? traz histórias e relatos de quem anda de bike e de quem luta por essa modalidade de transporte na cidade de São Paulo. O projeto reúne vídeos, fotos, áudios e textos colhidos durante a abertura do último trecho da ciclovia da Avenida Paulista, no dia 23 de agosto de 2015, considerada um marco para a história do cicloativismo paulistano. A produção e execução de toda a plataforma foram realizadas em cinco dias pelos nove participantes da Oficina de Webkino, durante o 26o Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: BUG 404 E CROP COLETIVO • REALIZAÇÃO/CREATOR: ANDRÉ PAZ E JULIA SALLES

bug404.net/pedalei/

DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL


The Enemy

2017

The Enemy é um aplicativo para dispositivo móvel que mescla realidade aumentada e mista para colocar o participante frente a frente com combatentes de três das zonas de conflito atuais mais dramáticas e violentas do mundo: El Salvador, República Democrática do Congo e a fronteira de Israel e Palestina. Antes da experiência principal, é exibido um vídeo em 360o do local selecionado para contextualizar as histórias que estão prestes a serem vivenciadas. Surgem então os combatentes contando suas narrativas, e o participante, com o celular em mãos, pode caminhar até um deles e examiná-lo mais de perto.

The Enemy is a mobile device application which blends augmented and mixed reality to place the participant face to face with combatants from three of the most dramatic and violent conflict zones in the world: El Salvador, the Democratic Republic of the Congo, and the Israeli Palestinian border. Before the main experience, a 360o video of the selected locale is shown to contextualize the stories which are ready to be experienced. Then the combatants arise, telling their narratives, and the participant, cell phone in hand, can walk to one of them and explore them up close.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: NATIONAL FILM BOARD OF CANADA (NFB), CAMERA LUCIDA, EMISSIVE, FRANCETV NOUVELLES ÉCRITURES AND DPT. • REALIZAÇÃO/CREATOR: KARIM BEN KHELIFA

theenemyishere.org

NARRATIVA MOBILE/MOBILE NARRATIVE • CANADÁ E FRANÇA/CANADA AND FRANCE

MOBILE NARRATIVES

NARRATIVAS MOBILE


NARRATIVAS MOBILE  |  MOBILE NARRATIVES · 120-123

121

2012

2016

Alma: A Tale of Violence is a documentary for mobile devices about a 26-year-old who was born in Guatemala and grew up in a reality in which laws and justice are constantly disrespected, where impunity reins and families mired in poverty destroy each other amidst the wars of urban gangs known as “maras”; For five years, Alma belonged to one of the most violent gangs in the country and lived immersed in murders, assaults, and brutality. She tells her powerful life story like a confession, face to face with the user, who can also choose whether or not to see some scenes which subjectively illustrate the story she tells.

Phallaina é considerada a primeira graphic novel de rolagem, especialmente projetada para as telas táteis de dispositivos móveis. Conta a história fictícia de Audrey, que mora em uma cidade construída sobre palafitas por conta da ascensão contínua das águas e ondas catastróficas. Ela sofre desde criança com alucinações de baleias e é diagnosticada com uma forma particular de epilepsia chamada “fiseter”, que permite que ela prenda a respiração embaixo d’água por muito mais tempo que o normal. Em busca de cura, ela inicia uma jornada de transformação pessoal, combinando ciências cognitivas e mitologia.

Phallaina is considered first scrolling graphic novel, specifically designed for the touch screens of mobile devices. It tells the fictitious story of Audrey who lives in a city built on stilts because of the continually rising waters and tidal waves. Since she was a child, she has suffered from hallucinations of whales and is diagnosed with a peculiar form of epilepsy called “physeter”, which allows her to hold her breath under water for far longer than normal. In search of a cure, she embarks on a journey of personal transformation, combining cognitive science with mythology.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: SMALL BANG STUDIO AND FRANCETV NOUVELLES ÉCRITURES • REALIZAÇÃO/CREATOR: MARIETTA REN

phallaina.nouvelles-ecritures.francetv.fr/phallaina_en.php

NARRATIVA MOBILE/MOBILE NARRATIVE • FRANÇA/FRANCE

Phallaina

Alma: Une Enfant de la Violence é um documentário para dispositivo móvel sobre a jovem homônima de 26 anos que nasceu na Guatemala e cresceu em uma realidade na qual leis e justiça são continuamente desrespeitadas, onde impera a impunidade e famílias atoladas na pobreza se destroem em meio a guerras de gangues urbanas, conhecidas como “maras”. Alma integrou por cinco anos um dos grupos mais violentos do país e viveu imersa em assassinatos, agressões e brutalidade. Ela narra sua forte história de vida como uma confissão, frente a frente com o usuário, que também pode escolher acionar ou não algumas cenas que ilustram, por vezes de maneira subjetiva, o que é contado pela personagem.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: ARTE, UPIAN, AND AGENCE VU • REALIZAÇÃO/CREATOR: ISABELLE FOUGÉRE AND MIQUEL DEWEVER PLANA

alma.arte.tv/en/webdoc/

NARRATIVA MOBILE/MOBILE NARRATIVE • FRANÇA/FRANCE

Alma: Une Enfant de la Violence


Inventeca 2018

2017

Inventeca presents various stories illustrated by authors of children’s and young adult literature, and allows the user to record their own narration. The application is ideal for fathers and mothers to tell their children stories, pushing them to create their own narratives, either together, or by recording audios for their children to listen to when their parents are away.

Nautilus é uma adaptação do livro Vinte mil léguas submarinas, de Júlio Verne. O app book é composto por 22 capítulos e traz o épico em linguagem audiovisual e interativa, totalmente narrado, com animações e efeitos de som. Conta com conteúdo extra sobre a vida do autor e suas motivações para criar narrativas de ficção, incluindo detalhes do livro que inspiraram cientistas e acabaram se tornando grandes invenções humanas na vida real. A proposta é levar os leitores a experimentar o pensamento inovador, unindo ciência e fantasia. Nautilus recebeu o Prêmio Jabuti de Literatura em 2017.

Nautilus is an adaptation of Jules Verne’s Twenty Thousand Leagues Under the Sea. The app book is composed of 22 chapters and features the epic in audiovisual, interactive language, fully narrated, with animations and sound effects. It includes extra content about the author’s life and his motivations for writing fiction, including details of the book which inspired scientists and whose ideas ended up becoming great human inventions in real life. The proposal is to lead the readers to experiment with innovative thought, uniting science and fantasy. Nautilus received the Prêmio Jabuti literature prize in 2017.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: STORYMAX • REALIZAÇÃO/CREATOR: SAMIRA ALMEIDA, FERNANDO TANGI AND MAURÍCIO BOFF

storymax.me/nautilus

NARRATIVA MOBILE/MOBILE NARRATIVE • CANADÁ E FRANÇA/CANADA AND FRANCE

Nautilus

Inventeca apresenta diversas histórias ilustradas por autores de literatura infantojuvenil, e permite que os usuários gravem em áudio sua própria contação. O aplicativo é ideal para pais e mães contarem histórias aos filhos, instigando-os a criarem suas próprias narrativas, criando juntos, ou deixando áudios gravados para as crianças ouvirem quando os pais estiverem ausentes.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: STORYMAX • REALIZAÇÃO/CREATOR: SAMIRA ALMEIDA, FERNANDO TANGI AND LAURO GOE

storymax.me/inventeca

NARRATIVA MOBILE/MOBILE NARRATIVE • BRASIL/BRAZIL


VÍDEO IMERSIVO  |  IMMERSIVE VIDEO · 123-129

Frritt-Flacc

2016

Frritt-Flacc é um app book de sete capítulos que traz o homônimo conto de suspense e terror de Júlio Verne, propondo uma reflexão sobre diferenças sociais e a pobreza ao apresentar o mesquinho Dr. Trifulgas – um médico que só presta atendimento a ricos – e mostrar o que o destino lhe reserva. A leitura engajadora, cheia de interatividade, efeitos de som e conteúdo extra, fez com que Frritt-Flacc fosse o único livro digital premiado entre os dez melhores livros de 2016, de acordo com a Cátedra Unesco de Leitura, além do Opening Up Reading Digital Fiction UK.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: STORYMAX, NOVOZYMES E SESI PARANÁ • REALIZAÇÃO/CREATOR: SAMIRA ALMEIDA E FERNANDO TANGI

storymax.me/frrittflacc

NARRATIVA MOBILE/MOBILE NARRATIVE • FRANÇA/FRANCE

Fritt-Flacc is a seven-chapter app book which features Jules Verne’s tale of horror and suspense, proposing a reflection on social differences and poverty by presenting the stingy Dr. Trifulgas - a doctor who only tends to the rich - and shows what destiny has in store for him. An engaged reading, full of interactivity, sound effects, and extra content, made Frritt-Flacc the only award- winning digital book among the ten best books of 2016, according to the Cátedra UNESCO de Leitura, as well as Opening Up Reading Digital Fiction UK.

IMMERSIVE VÍDEO

VÍDEO IMERSIVO


Fogo na Floresta

2017

Fogo na Floresta é um documentário sobre o povo Waurá, uma das quinze etnias indígenas que vivem dentro do território do Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso. O filme retrata em narrativa imersiva o cotidiano da aldeia Piyulaga e as maneiras encontradas pelos indígenas para manter sua cultura tradicional, mesmo incorporando hábitos e tecnologias dos “brancos”. Também serve como um alerta para o perigo dos incêndios que, devido ao desmatamento ao redor do parque e ao agravamento das mudanças climáticas, saem muitas vezes do controle e ameaçam a vida na reserva. Este é o primeiro filme imersivo produzido em uma aldeia indígena na Floresta Amazônica e é narrado pela atriz Fernanda Torres.

Fogo na Floresta is a documentary about the Waurá, one of fifteen indigenous ethnicities living in the Xingu Indigenous Park in Mato Grosso. The film portrays, in immersive narration, the everyday life of the Piyulga village and the ways the indigenous people have found to maintain their traditional culture, even while incorporating habits and technologies from the “whites”; It also serves as a warning about the danger of fires, which, due to the deforestation around the park and the worsening of climate change, often burn out of control and threaten life within the reserve. This is the first immersive film produced in an indigenous village in the Amazon Forest, and is narrated by the actress Fernanda Torres.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: ACADEMIA DE FILMES AND INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA) • REALIZAÇÃO/CREATOR: TADEU JUNGLE

youtu.be/Jv8nkw8hy-c

VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • BRASIL/BRAZIL

2016

This short, immersive narrative documentary portrays the survivors of Brazil’s worst environmental tragedy with sensibility and melancholy. River of Mud shows what is left of the village Bento Rodrigues after the failure of the Samarco dam in Mariana (MG), and contrasts the devastated landscape with the emotional memories of its residents.

REALIZAÇÃO/CREATOR: TADEU JUNGLE

O curta-metragem documental em narrativa imersiva retrata os sobreviventes da maior tragédia ambiental do Brasil com delicadeza e melancolia. Rio de Lama mostra o que restou da vila de Bento Rodrigues após o rompimento da barragem da Samarco em Mariana (MG) e contrapõe a paisagem arrasada com as memórias afetivas de seus moradores..

PRODUÇÃO/PRODUCTION: JUNGLEBEE •

riodelama.com.br/

VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • BRASIL/BRAZIL

Rio de Lama: A Maior Tragédia Ambiental do Brasil


BUG404.NET  ·  MOSTRA BUG  · 125

Amazônia Adentro 2017

2018

Amazônia Adentro is an immersive, 360 o documentary filmed in the middle of the forest. It is narrated by Kamanha Panashekung, of the Trio tribe in Suriname. Along the journey, he tells a bit about the relationship the indigenous have with the biome, and it is possible to see animals and even an archaeological site, all in an interactive, immersive format. The film, recorded in 360 o and dubbed by actor Marcos Palmeira, has the objective of guaranteeing that the participant hears, sees, and feels why the greatest tropical forest in the world is fundamental to human wellbeing, and why the indigenous are so important for its conservation.

My Africa é um filme de narrativa imersiva produzido em meio ao Santuário de Elefantes Reteti, no Quênia, primeiro caso de uma instituição criada e gerenciada por uma comunidade local. A história é narrada pela jovem Naltwasha Leripe, que conduz o participante em uma experiência imersiva no dia a dia do povo Samburu, retratando as maneiras que encontram para garantir o próprio sustento e a sobrevivência dos animais que se encontram no território – há o registro, por exemplo, do resgate de um elefante das mãos de caçadores. O principal objetivo do projeto é despertar a consciência sobre a importância da conservação da vida selvagem no continente africano e as possibilidades de garantir a coexistência de humanos e animais.

My Africa is an immersive narrative film produced in the middle of the Reteti Elephant Sanctuary in Kenya, the first such institution which was created and managed by a local community. The story is narrated by the young Naltwasha Leripe, who guides the participant along in an immersive, day-today experience of the Samburu people, portraying the ways they have found to guarantee their own livelihood and the survival of the animals found in the territory - for example, it it shows the moment an elephant is rescued from the hands of hunters. The main objective of the project is to raise awareness of the importance of wildlife conservation on the African continent and the possibilities of guaranteeing the coexistence of humans and animals.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: PASSION PLANET AND VISION3 • REALIZAÇÃO/CREATOR: CONSERVATION INTERNATIONAL

conservacao.org.br/myafrica

VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • BRASIL E KENYA/BRAZIL AND KENYA

My Africa

Amazônia Adentro é um documentário imersivo rodado em 360º no meio da floresta. A narrativa é conduzida pelo indígena Kamanja Panashekung, da tribo Trio, do Suriname. Durante o percurso, ele conta um pouco da relação dos índios com o bioma e é possível avistar animais e até mesmo um sítio arqueológico, tudo de forma interativa e imersiva. O filme, gravado em 360o e dublado pelo ator Marcos Palmeira, tem como objetivo garantir que o participante ouça, veja e sinta por que a maior floresta tropical do mundo é fundamental para o bem-estar humano e por que os indígenas são tão importantes para a sua conservação.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: JAUNT VR • REALIZAÇÃO/CREATOR: CONSERVATION INTERNATIONAL

conservation.org/global/brasil/Pages/Amazonia-Adentro.aspx

VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • BRASIL, EQUADOR E SURINAME/BRAZIL, ECUADOR AND SURINAME


Step to the Line

2017

Revelação

2018

Revelação é uma narrativa imersiva inspirada na obra As Cores do Crepúsculo: A Estética do Envelhecer, de Rubem Alves. Proporciona uma experiência imersiva a bordo de um ônibus, colocando o participante na perspectiva do personagem principal, um idoso, que narra suas impressões sobre as cenas que se sucedem durante o trajeto. Realização:

PRODUÇÃO/PRODUCTION: PYNTADO ENTRETENIMENTO AND GOVISION • REALIZAÇÃO/CREATOR: GUSTAVO MARTINEZ AND THIAGO TOSHIO

facebook.com/PyntadoEntretenimento/

VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • BRASIL/BRAZIL

Revelação is an immersive narrative inspired by Rubem Alves’ As Cores do Crepúsculo: A Estética do Envelhecer. It provides an immersive experience on board a bus, placing the participant in the shoes of the main character, a senior, who narrates his impressions about the scenes which take place along the journey.

Step to the Line is an immersive experience in maximum security prisons in California, USA. The virtual reality documentary aims to show new perspectives of prisons and the prison system. It is part of the VR for Good program, which connected ten rising filmmakers with nonprofit organizations to create provocative projects about social issues.

REALIZAÇÃO/CREATOR: RICARDO LAGANARO

Step to the Line é uma experiência imersiva em prisões de segurança máxima na Califórnia, EUA. O documentário em realidade virtual tem como objetivo trazer novas perspectivas sobre os prisioneiros e o sistema prisional. É parte do programa VR for Good, que conectou dez cineastas em ascensão com organizações sem fins lucrativos para criar projetos provocadores sobre questões sociais.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: OCULUS AND DEFY VENTURES •

oculus.com/vr-for-good/programs/step-to-the-line

VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • BRASIL/BRAZIL


BUG404.NET  ·  MOSTRA BUG  · 127

2017

2016

Through the Masks of LUZIA, based on one of Cirque du Soleil’s acclaimed shows, is a celebration of Mexican culture, enmeshed in surrealism and dreamlike fantasy. Considered the first virtual reality experience made through hyper- and hypostereoscopic processes, it allows the participant to feel like a giant, only to then feel tiny in the midst of unbelievable acrobatic scenes. To further augment the immersion, the company’s creative teams redesigned the artistic performance to create something completely new.

Mergulhe no mundo hipnótico de Dreams of “O”, em uma experiência em narrativa imersiva composta por acrobacias aéreas, mergulhos ousados, fogo e os personagens anfíbios surreais do famoso espetáculo do Cirque du Soleil. Para captar as complexas coreografias de água que constituem parte da essência da apresentação, a equipe contou com uma câmera VR para mergulho, de alta velocidade, construída especialmente para o projeto e considerada a primeira do gênero no mundo.

Dive into the hypnotic world of Dreams of “O”, in an immersive narrative experience comprised of aerial acrobatics, daring dives, fire, and the surreal amphibious characters of Cirque du Soleil’s famous spectacle. To capture the complex water choreography which constitutes part of the presentation’s essence, the team used an underwater, high-speed VR camera, constructed specifically for the project and considered to be the first of its kind in the world.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: CIRQUE DO SOLEIL AND FELIX & PAUL STUDIOS REALIZAÇÃO/CREATORS: FÉLIX LAJEUNESSE, PAUL RAPHAËL AND FRANÇOIS BLOUIN.

https://www.felixandpaul.com/?projects/o

VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • CANADÁ/CANADA

Dreams of “O”

Through the Masks of LUZIA, baseado em um dos aclamados espetáculos do Cirque du Soleil, é uma celebração da cultura mexicana, envolta em surrealismo e fantasia onírica. Considerada a primeira experiência em realidade virtual feita por meio de processos de hiperestereoscopia e hipoestereoscopia, permite que o participante ora se sinta como um gigante ora como uma miniatura em meio a cenas de acrobacias inacreditáveis. Para aumentar ainda mais a imersão, as equipes de criação da companhia redesenharam as performances artísticas, criando algo completamente novo.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: CIRQUE DU SOLEIL AND FELIX & PAUL STUDIOS • REALIZAÇÃO/CREATOR: FÉLIX LAJEUNESSE, PAUL RAPHAËLN E FRANÇOIS BLOUIN

oculus.com/experiences/gear-vr/1360461600675039/

VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • CANADÁ/CANADA

Through the Masks of LUZIA


Syria’s Silence

2016

2017

This immersive narrative documentary tells the story of Al-Shaddada, a city a few kilometers from the front line of the Islamic State terrorist group. The area was recently liberated, but the majority of its residents had already abandoned their homes long before. Syria’s Silence portrays a Kurdish ghost city, where rubble is strewn across the streets and a dark tension hangs in the air.

Em 2014, combatentes do Estado Islâmico invadiram o Iraque e atacaram a comunidade Yazidi de Sinjar. Os homens foram mortos e mais de 3 mil mulheres e meninas foram escravizadas sexualmente. Algumas conseguiram escapar e formaram um grupo de combate feminino intitulado Senhoras do Sol, com o objetivo de resgatar suas irmãs e proteger a honra e a dignidade de seu povo. A experiência em narrativa imersiva em The Sun Ladies acompanha a jornada pessoal da líder do grupo, Xate Shingali. Revela desde as suas raízes como famosa cantora no Curdistão até a nova vida como soldada nas linhas de frente, arriscando tudo para acabar com a violência contra seu povo.

In 2014, Islamic State combatants invaded Iraq and attacked the Yazidi community of Sinjar. The men were killed and more than 3 thousand women and girls were made into sex slaves. Some managed to escape and form a female combat group called The Sun Ladies, with the objective of rescuing their sisters and protecting the honor and dignity of their people. The immersive narrative experience in The Sun Ladies accompanies the personal journey of the group’s leader, Xate Shingali. It portrays her story from her roots as a famous singer in Kurdistan to her new life as a frontline soldier, risking everything to end the violence against her people.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: LUCID DREAMS PRODUCTIONS • REALIZAÇÃO/CREATOR: CELINE TRICART, CHRISTIAN STEPHEN E MARIA BELLO

luciddreamsprod.com/

VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • EUA/USA

The Sun Ladies

Este documentário em narrativa imersiva conta a história de Al-Shaddadi, uma cidade a poucos quilômetros da linha de frente do grupo terrorista Estado Islâmico. O lugar acaba de ser libertado, mas a maioria dos habitantes já havia abandonado suas casas bem antes. Syria’s Silence retrata uma cidade fantasma curda, onde destroços se espalham pelas ruas e uma tensão sombria está suspensa no ar.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: FISHEYE • REALIZAÇÃO/CREATOR: JENS FRANSSEN

fisheyevr.eu/portfolio/syrias-silence

VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • BÉLGICA/BELGIUM


I, Philip 2016

2017

I, Philip is a science fiction film in immersive narrative. Philip - or just Phil - is an android created in 2005 by an American robotics engineer, and is a copy of the famous science fiction author Philip K. Dick. Within a few weeks, Phil becomes famous on the web and in the author’s fan groups, and he is presented in various conferences around the world until the disappearance of his creator during a flight from Dallas to Las Vegas. Through the memory of the robot and the engineer himself, the film offers an interpretation of Phil’s life.

The Party é uma experiência em narrativa imersiva sobre autismo, que coloca o participante no lugar da adolescente Layla, recém-diagnosticada, durante a festa de aniversário surpresa de sua mãe. Por meio da narração dos pensamentos de Layla, é possível experienciar a sobrecarga sensorial e auditiva a que fica exposta e suas tentativas de lidar com uma situação estressante usando os mecanismos de enfrentamento que criou para administrar sua ansiedade. O drama fornece uma poderosa perspectiva em primeira pessoa sobre os desafios que situações sociais podem representar para autistas. O projeto envolveu a consultoria e participação direta de mulheres de espectro autista, como Sumita Majumdar, que escreveu o roteiro, e Honey Jones, que faz a voz de Layla.

The Party is an immersive narrative about autism, which puts the participant in the place of the recently-diagnosed teenager, Layla, during her mother’s surprise birthday party. Through the narration of Layla’s thoughts, it is possible to experience the sensory overload which she is exposed to, and her attempts to deal with a stressful situation using the coping mechanisms she has created to deal with her anxiety. The drama provides a powerful, first-person perspective of the challenges which social situations can represent to autistic people. The project involved the consultation and direct participation of women on the autism spectrum, such as Sumita Majumdar, who wrote the script, and Honey Jones, who provides Layla’s voice.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: THE GUARDIAN • REALIZAÇÃO/CREATOR: AMRICK BREGMAN, LUCY HAWKING, AND SHEHANI FERNANDO

https://www.theguardian.com/technology/2017/oct/07/theparty-a-virtual-experience-of-autism-360-video

VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • INGLATERRA/ENGLAND

The Party

I, Philip é um filme de ficção científica em narrativa imersiva. Philip – ou apenas Phil – é um androide criado em 2005 por um engenheiro de robótica americano, e é a cópia do famoso autor de ficção científica Philip K. Dick. Em poucas semanas, Phil fica famoso na web e nos círculos de fãs do autor e é apresentado em várias conferências ao redor do mundo. Até o desaparecimento de seu criador, durante um voo entre Dallas e Las Vegas. Por meio das memórias do robô e do próprio engenheiro, o filme oferece uma interpretação da vida de Phil.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: ARTE AND OKIO STUDIO • REALIZAÇÃO/CREATOR: PIERRE ZANDROWICZ

www.mk2films.com/en/film/i-philip

VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • FRANÇA/FRANCE


The Little Prince

2018

In The Little Prince, the participant dives into Antoine de Saint-Exupéry’s classic work, interacting with his characters like never before. Since its first edition in 1943, the book has sold 140 million copies, making it the fourth best selling book of all time. This is the work’s first virtual reality adaptation.

REALIZAÇÃO/CREATOR: RED ACCENT STUDIOS

Em The Little Prince, o participante mergulha na clássica obra de Antoine de Saint-Exupéry, interagindo com seus personagens como nunca antes. Desde a primeira edição, em 1943, o livro já vendeu mais de 140 milhões de cópias, entrando no quarto lugar dos mais vendidos de todos os tempos. Esta é a primeira adaptação da obra para realidade virtual.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: RED ACCENT STUDIOS •

thelittleprincevr.com/

REALIDADE VIRTUAL/VR • FRANÇA/FRANCE

VIRTUAL REALITY

REALIDADE VIRTUAL


REALIDADE VIRTUAL  |  VIRTUAL REALITY · 130-134

131

Nothing Happens

2012

2016

Nothing Happens is a virtual reality art installation which questions the role of the spectator by inviting the participant to witness an event through a new way of watching, and also of being watched. This is possible thanks to VR technology, which allows for a deep immersion in the narrative.

REALIZAÇÃO/CREATOR: MICHELLE E URI KRANOT

Allumette é um filme em realidade virtual inspirado no conto A Pequena Vendedora de Fósforos, de Hans Christian Andersen. A história trata do amor de uma mãe pela filha e os sacrifícios que ambas fazem por um bem maior. Depois de sofrer uma tragédia, a jovem se agarra à esperança para persistir em seu caminho. O mundo fantástico criado para abrigar a história lembra uma Veneza flutuando no céu, com nuvens cobrindo os edifícios como ondas, em meios a canais de ar sinuosos como rios.

Allumette is a virtual reality film inspired by Hans Christian Andersen’s tale, The Little Match Girl. The story is about a mother’s love for her daughter, and the sacrifices they both make for a greater good. After suffering a tragedy, the young girl clings to the hope of continuing along her path. The fantasy world created to hold the story is reminiscent of a Venice floating in the sky, with clouds covering the buildings like waves, among channels of air as sinuous as rivers.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: PENROSE STUDIOS • REALIZAÇÃO/CREATOR: EUGENE YK CHUNG

penrosestudios.com/stories/2016/4/13/introducing-allumette

REALIDADE VIRTUAL/VR • EUA/USA

Allumette

Nothing Happens é uma instalação artística com realidade virtual que questiona o papel do espectador, convidando o participante a testemunhar um evento sob uma nova maneira de olhar, mas também de ser assistido. Um espetáculo de ver e também ser visto e vigiado. Sobre estar presente. Isso é possível graças à tecnologia VR, que permite uma profunda imersão na narrativa.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: DANSK TEGNEFILM E MIYU PRODUCTIONS •

tindrum.dk/project/nothing-happens/

REALIDADE VIRTUAL/VR • DINAMARCA E FRANÇA/DENMARK AND FRANCE


Altération 2017

2017

Alexandro volunteers for an experiment about dreams, but does not know that scientists will inject him with Elsa, a form of artificial intelligence which will digitize and take over his subconscious to help her turn into a human being. Alteration is science fiction in virtual reality, which gives the participant the chance to accompany the experiment directly from Alexandro’s invaded mind, while Elsa evolves.

The Dream Collector is a virtual reality animation which tells the story of a man and his playful dog, who spend days in a garbage dump looking for “treasure.” The objects they find - a broken guitar, a ripped baseball glove, an deflated soccer ball, for example - are the remains of abandoned dreams. Determined to give them new meaning, the man carefully fixes them and gives them away as presents.

REALIZAÇÃO/CREATOR: LI MI

The Dream Collector é uma animação feita em realidade virtual que conta a história de um homem e seu cachorro brincalhão que passam os dias em um depósito de lixo procurando “tesouros”. Os objetos encontrados – um violão quebrado, uma luva de beisebol rasgada, uma bola de futebol vazia, por exemplo – são como remanescentes de sonhos abandonados. Determinado a ressignificá-los, o homem conserta minuciosamente cada um e os dá de presente.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: PINTA STUDIOS •

pintastudios.com

REALIDADE VIRTUAL/VR • CHINA

The Dream Collector

Alexandro se voluntaria para um experimento sobre sonhos, mas não está ciente de que os cientistas irão implantar nele Elsa, uma inteligência artificial que irá digitalizar e assumir seu subconsciente com o objetivo de se transformar em um ser humano. Altération é uma ficção científica em realidade virtual que dá a chance do participante acompanhar o experimento direto da mente invadida de Alexandro, enquanto Elsa evolui.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: ARTE FRANCE, OKIO STUDIO, METRONOMIC E SAINT-GEORGE STUDIO • REALIZAÇÃO/CREATOR: JÉRÔME BLANQUET

arte.tv/sites/webproductions/alteration

REALIDADE VIRTUAL/VR • FRANÇA/FRANCE


REALIDADE VIRTUAL  |  VIRTUAL REALITY · 130-134

133

Museum of Symmetry

2018

2018

An absurd mind-and-body romp, the Museum of Symmetry uses virtual reality to reproduce the explosive universe of cartoonist and animator Paloma Dawkins. Like a metaphor for real life transported to a room, the experience leads the participant through landscapes of earth, fire, wind and water, where 2D characters inhabit a 3D environment. In a clear provocation to the conventional narrative of games, there are no rules to be followed or objectives to be fulfilled. Only an invitation to enjoy, in a disconcerting environment inspired by geometry and nature. Perhaps the biggest surprise is not what happens during the gameplay itself, but how you feel once you return to the real world.

Tales of Wedding Rings é um mangá japonês imersivo, desenvolvido em realidade virtual. A experiência mantém a clássica estética monocromática e adiciona um campo de visão em 360o. A história gira em torno da relação entre dois estudantes adolescentes: Satou e Hime. O rapaz acaba seguindo a amiga de infância por um portal que os leva a outro mundo. Satou descobre então que Hime é uma princesa e, por circunstâncias bizarras, casa-se com ela, transformando-se no Ring King. Acaba descobrindo que, para cumprir seu maior desafio, banir Abyss King, precisará se casar novamente… com outras cinco princesas! O que mais pode acontecer nessa aventura?

Tales of Wedding Rings is an immersive Japanese manga developed in virtual reality. The experience maintains the classic, monochromatic aesthetic and adds a 360o field of vision. The story revolves around the relationship between two teenage students: Satou and Hime. The boy ends up following his childhood friend through a portal that takes them to another world. Satou then discovers that Hime is a princess and, through bizarre circumstances, marries her, becoming the Ring King. He ends up discovering that, to overcome his greatest challenge, that of banishing the Abyss King, he will need to marry again...with five other princesses! What else might happen along this adventure?

PRODUÇÃO/PRODUCTION: SQUARE ENIX • REALIZAÇÃO/CREATOR: KAEI SOU

jp.square-enix.com/mangainvr/

REALIDADE VIRTUAL/VR • JAPÃO/JAPAN

Tales of Wedding Rings

Um absurdo jogo de mente e corpo, o Museum of Symmetry reproduz em realidade virtual o explosivo universo da cartunista e animadora Paloma Dawkins. Como uma metáfora da vida real transportada para uma sala, a experiência leva o participante a paisagens de terra, fogo, vento e água, onde personagens 2D habitam um cenário 3D. Em uma clara provocação à narrativa convencional de jogos, não há regras a serem cumpridas ou objetivos a serem conquistados. Apenas um convite ao deleite, em um cenário desconcertante inspirado na geometria e na natureza. Talvez a maior surpresa não seja o que acontece durante a experiência, mas que sensações ficam quando se retorna ao mundo real.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: CASA RARA STUDIO E NATIONAL FILM BOARD OF CANADA (NFB) • REALIZAÇÃO/CREATOR: MICHELLE E URI KRANOT

mediaspace.nfb.ca/epk/museumofsymmetry

REALIDADE VIRTUAL/VR • CANADÁ/CANADA


Zero Days VR 2017

2015

Way to Go é uma experiência interativa em um mundo particular. Uma paisagem de folhas e flores silvestres, repleta de vida oculta. Um jardim e um deserto, um piscar de olhos melancólico. O participante é uma caricatura com rosto e membros, caminhando. Ou correndo. Ou voando. Como um desbravador em uma grande aventura. Ou simplesmente um indivíduo em um passeio contemplativo. Usando animações feitas à mão, música, vídeo 360 e programação, Way to Go é um mundo de sonhos. Em um momento em que existe acesso a tanto, e se enxerga tão pouco, o projeto propõe o delicioso e súbito prazer da descoberta.

Way to Go is an interactive experience in a private world. A landscape of leaves and wild flowers, filled with hidden life. A garden and a desert, a melancholic blink of the eye. The participant is a cartoon, with face and limbs, that walks. Or runs. Or flies. Like a pioneer on a grand adventure. Or simply an individual on a contemplative hike. Using handmade animation, 360 video, and programming, Way to Go is a world of dreams. At a time when we have access to so much, and see so little, the project will remind you of the luscious, sudden pleasure of discovery.

REALIZAÇÃO/CREATOR: VINCENT

Zero Days VR is a virtual reality version of the award-winning short film with the same name. The story revolves around the Stuxnet virus, the first cyber weapon known to cause physical damage in the real world. The participant experiences the invisible world of cyber warfare from the perspective of the virus, designed by the USA and Israel, and sent on a clandestine mission to sabotage an underground Iranian nuclear facility.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: NATIONAL FILM BOARD OF CANADA (NFB) E FRANCETV NOUVELLES ÉCRITURES • MORISSET

a-way-to-go.com

REALIDADE VIRTUAL/VR • CANADÁ E FRANÇA/CANADA AND FRANCE

Way to Go

Zero Days VR é a versão em realidade virtual do premiado curta-metragem de mesmo nome. A história gira em torno do vírus Stuxnet, considerado a primeira arma cibernética do mundo capaz de causar danos físicos no mundo real. O participante experimenta o mundo invisível da guerra cibernética da perspectiva do vírus, projetado pelos EUA e Israel e enviado em uma missão clandestina para sabotar uma instalação nuclear iraniana subterrânea.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: SCATTER • REALIZAÇÃO/CREATOR: YASMIN ELAYAT

zerodaysvr.com

REALIDADE VIRTUAL/VR • EUA/USA


Som dos Sinos

2014

The Sounds of Bells is a multiplatform project and a pioneer in the use of new media to disseminate intangible cultural heritage. Focusing on the sound of bells and the work of bell ringers, it gathers a broad range of audiovisual material from nine historical cities in Minas Gerais, known for their more than forty different bell sounds, which identify liturgical rites, deaths, types of masses, births, fires, and holy hours. An immersive experience into the world of belfries and the relation of the human with the divine.

REALIZAÇÃO/CREATOR: MARCIA MANSUR E MARINA THOMÉ

Som dos Sinos é um projeto multiplataforma e pioneiro na utilização de novas mídias para a divulgação de patrimônio imaterial. Tendo como foco o Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro, reúne um amplo material audiovisual sobre nove cidades históricas de Minas Gerais, conhecidas por seus mais de quarenta toques de sinos, que identificam ritos litúrgicos, mortes, tipos de missas, partos, incêndios e horários sacros. Uma experiência imersiva no ambiente dos campanários e na relação do humano com o divino.

PRODUÇÃO/PRODUCTION: ESTÚDIO CRUA •

somdossinos.com.br

INSTALAÇÃO TRANSMÍDIA/TRANSMEDIA INSTALLATION • BRASIL/BRAZIL

TRANSMEDIA INSTALLATION

INSTALAÇÃO TRANSMÍDIA


BUG  | SANDRA GAUDENZI  ORGs.

NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS ANDRÉ PAZ

ANDRÉ PAZ SANDRA GAUDENZI ORGs.

NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS

BUG


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.