ANDRÉ PAZ
| SANDRA GAUDENZI ORGs.
NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS
BUG
BUG
NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS
ANDRÉ PAZ SANDRA GAUDENZI ORGs.
PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO, SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA, LEI MUNICIPAL DE INCENTIVO À CULTURA - LEI DO ISS APRESENTAM
ALBERTO SARAIVA COORDENADOR DA COLEÇÃO ARTE E TECNOLOGIA
1ª
EDIÇÃO
RIO DE JANEIRO, 2019
EDITORA
PROJETO
PATROCÍNIO
COEDIÇÃO
APOIO
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ B946 Bug: narrativas interativas e imersivas / organização André Paz, Sandra Gaudenzi; coordenador da coleção Alberto Saraiva. 1. ed. - Rio de Janeiro: Automatica, 2019.
224 p. : il. ; 25cm.
Inclui índice
(Arte & tecnologia)
“Formato bilíngue”
ISBN 978-85-64919-31-0
ISBN 978-85-64919-30-3
1. Artes - Miscelânea. I. Paz, André. II. Gaudenzi, Sandra. III. Série
19-55497
CDD: 700.2
CDU: 7.011
Vanessa Mafra Xavier Salgado Bibliotecária - CRB - 7/6644 27/02/2019 01/03/2019
APRESENTAÇÃO
Bug é um erro de programação. Algo inesperado, estranho a um sistema. Este livro trata de obras assim: incomuns no universo programado que encontramos na internet. Vivemos hiperestimulados por imagens, sons ou frases que nos chegam por televisores, celulares, monitores em elevadores. Um caleidoscópio informativo, alimentado por novas tecnologias digitais conectadas à internet. Nesse ambiente, entretanto, conseguimos também garimpar uma série de obras que propõem experiências mais instigantes. São narrativas interativas e imersivas com diferentes formatos e plataformas (websites, aplicativos para dispositivos móveis, headsets de realidade virtual, instalações, webdocumentários, documentários interativos, vídeos 360,
realidade virtual, realidade aumentada).
Uma variedade de produções que incorporam a interatividade ou imersão das novas mídias à estrutura de suas narrativas. Por trás de suas interfaces, os projetos exploram diferentes práticas de criação, produção, difusão e recepção entre realizadores, participantes e público. Processos de co-criação, produção de mídias participativas e realização de obras colaborativas potencializam diferentes formas de agenciamento. Os projetos assumem propósitos além do artístico: impacto social, ressignificação de espaços urbanos, preservação do meio ambiente, do patrimônio cultural, da memória social. Este livro faz parte do projeto da Mostra BUG, realizada no Centro Cultural Oi Futuro Flamengo, Rio de Janeiro, Brasil, entre 14 de agosto e 9 de setembro de 2018, com curadoria de André Paz, Julia Salles e Arnau Gifreu-Castells. Ele representa um aprofundamento do objetivo da Mostra: fazer uma introdução ao campo que inspire novos projetos de produção ou pesquisa de narrativas interativas e imersivas. Não há, entretanto, um formato a ser seguido pelos projetos por vir. Trata-se de uma produção de obras híbridas, cujo processo criativo está entre o audiovisual, as novas tecnologias, o design, a programação. Requer uma colaboração entre artistas, filmmakers, programadores, designers, tecnólogos, especialistas, ativistas, pesquisadores. Assim como a própria Mostra BUG, este livro segue os princípios do Bug404 (bug404.net), que deu origem a ambos. Os artigos e
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entrevistas a seguir, ao incorporar diversas vozes e visões, representam mais uma tentativa de aprofundar o diálogo entre pesquisadores e aqueles que criam e produzem as obras. O primeiro capítulo aborda todo o cenário por trás dos projetos de narrativas interativas e imersivas. André Paz e Mayra Jucá apresentam um retrato da paisagem, para além das obras: produtores, festivais, labs, centros de pesquisa. Mostram também como essas obras acontecem em ecossistemas inovadores e apresentam a proposta do Bug404 nesses termos. Sandra Gaudenzi complementa o cenário com suas considerações sobre as mudanças de mentalidade necessárias ao desenvolvimento de projetos, baseada em sua experiência como idealizadora e coordenadora do !F Lab, entre outras fontes. Por fim, os produtores Laure Cops e Wouter Vanmol, da NuNam, contam em entrevista a experiência de participarem do mesmo LAB. O capítulo Narrativas Interativas está focado no espectro de obras chamadas de documentários interativos, webdocumentários, living
documentary ou documentário transmídia. Em “Além das interfaces: conceitos e obras fundamentais de narrativas interativas”, André Paz e Katia Augusta Maciel apresentam uma introdução ao campo de pesquisa e aos conceitos básicos para se compreender e desenvolver novos projetos. Já o artigo de Arnau Gifreu-Castells aborda o estágio de desenvolvimento do documentário interativo e transmídia em diferentes lugares do mundo. Cruz,
Em seguida, em entrevista a Jéssica
Marina Thomé e Marcia Mansur, do Estúdio Crua, diretoras do
documentário interativo e transmídia Som dos Sinos (2015), analisam os bastidores deste projeto que utiliza as novas mídias para a divulgação do patrimônio imaterial, representado pela tradição dos toques de sinos das igrejas históricas de Minas Gerais, no Brasil. O terceiro capítulo é dedicado às Narrativas Imersivas. O artigo “Narrativas imersivas: imaginando múltiplas realidades”, de Julia Salles e María Laura Ruggiero, apresenta os novos desafios que se colocam no processo criativo na visão de quem produz. A entrevista a seguir oferece uma viagem guiada pelo prestigioso estúdio de realidade virtual canadense Félix & Paul, que tem se destacado, por exemplo, com obras como Through the Masks of Luzia e Dreams of O, com o Cirque de Soleil. Para completar, Xavier de la Vega apresenta o Okio Studio, pioneiro francês em realidade virtual, com obras como I
Philip e Altération, duas ficções científicas em realidade virtual. Trabalhos de Félix & Paul e Okio estão entre as obras selecionadas para a Mostra BUG, apresentadas no quarto capítulo. O evento
apresentou um panorama diverso dividido em sessões e projeções de documentários interativos, narrativas mobile, vídeos 360, animações em realidade virtual e instalação. Grande parte das obras do catálogo é analisada ao longo do livro, ilustrando as questões aprofundadas nos artigos e entrevistas. Ficam aqui como um convite ao leitor para explorar esse universo de novas formas de se contar, provocar e vivenciar histórias. ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI ORGANIZADORES
APRESENTAÇÃO OI FUTURO Contar histórias é a matéria-prima do que pode ser visto na radical exposição que ocupou todo o centro cultural Oi Futuro, de 14 de agosto a 09 de setembro de 2018. O trio de curadores – André Paz, Julia Salles e Arnau Gifreu – aliou-se a um grupo de profissionais que investigam, há muito tempo, os efeitos das tecnologias contemporâneas nas formas de narrar. Muitos desejos, muitos lugares, muitas trajetórias formaram esse grande BUG. Por meio dos mais diversos aparatos tecnológicos, a mostra mapeou, de modo instigante, as infinitas possibilidades de se contar histórias, num jogo de percepções que incluía celulares, computadores, vídeos e projeções em espaços virtuais e físicos, imersivos e interativos.
Narrativas singulares e construídas para espaços
diferenciados dos lugares clássicos do teatro, do cinema, da TV e mesmo da web. Um extenso território de criação, com realizadores do Brasil e do exterior. BUG reuniu obras que configuram diferentes perfis plásticos, no desafio da interseção entre ciência, arte e tecnologia, borrando as fronteiras entre a literatura, o audiovisual, a fotografia, a arte computacional e o design. Um projeto que colocou, de modo único, o espectador no centro, convocando-o a interagir e construir sua própria narrativa, recriando personagens e promovendo novos caminhos entre a ficção e a realidade. BUG, agora, virou livro, integrando a nossa Coleção Arte e Tecnologia, que registra as mostras que passaram pelo Oi Futuro. Ao ser recontada, uma história nunca mais será a mesma. Como o mundo, as narrativas estão em constante movimento. Eu, você e o outro, em mutação permanente. Sem começo, meio e fim.
ROBERTO GUIMARÃES GERENTE-EXECUTIVO DE CULTURA DO OI FUTURO
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VISÃO PANORÂMICA
O CENÁRIO INOVADOR DAS NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS ANDRÉ PAZ1 E MAYRA JUCÁ2
1 André Paz é professor e pesquisador da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Leciona no Mestrado Profissional em Criação e Produção Digital da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Diretor e produtor de narrativas interativas. Idealizador e coordenador do Bug404. Curador da Mostra Bug em 2018. 2 Mayra Jucá é jornalista (UFRJ), pesquisadora e realizadora de documentários e plataformas interativas e colaborativas. Doutoranda em História, Política e Bens Culturais (FGV/ CPDOC), leciona na Pós-Graduação em Cinema Documentário da FGVRJ. Fundou e dirige a produtora Cria Projetos e Narrativas.
BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS · ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0 · RIO DE JENRIO · 224 PÁGINAS EDITORA: AUTOMATICA · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO · BUG404.NET
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INTRODUÇÃO
Hamlet no Holodeck - o Futuro da Narrativa no Ciberespaço (2007), aponta o conceito de interactive storytelling e faz previsões que englo-
Novas tecnologias sempre estiveram associadas
bam diversas formas de narrativas digitais que
ao surgimento de novas linguagens, modos
surgiriam posteriormente.
de comunicação e formas narrativas. Alguns
Nesse contexto, surge todo um amplo espectro
exemplos dessa relação se tornaram clichês
de obras que chamamos neste livro de ‘narra-
inevitáveis: no século XV, Gutenberg marca
tivas interativas’ ou ‘narrativas imersivas’,
o nascimento da imprensa com a invenção de
por incorporarem a interatividade ou a imersão
uma máquina tipográfica; no século XIX, o
do espectador como um princípio fundamental da
daguerreótipo impulsiona o surgimento da
estrutura narrativa. Trata-se, na realidade, de
fotografia; e no final do mesmo século os
uma produção muito diversa, de obras híbridas,
irmãos Lumiére, com o cinematógrafo, lançam
com diferentes formatos, plataformas de suporte,
uma pedra fundamental para a fundação da
dimensões de investimento. Produções multipla-
‘forma’ cinema. Desde o século XX, o ritmo
taforma, como Highrise (2009-2017)3; webdocu-
de inovações se acentua, as mídias se sucedem
mentários seriados, como Do not Track (2016)4;
(filme, vídeo, CD-Rom, DVD) e as formas de
narrativas mobile baseadas em aplicativos, como
narrar também entram numa fase prolífica de
Alma: Une Enfant de la Violence (2012)5; vídeos
experiências. No início do século XXI, vivemos
imersivos em 360o como 6x9: A virtual experience
o marco da chegada da internet 2.0, abrindo
of solitary confinement (2016)6; instalações com
as porteiras do upload e colocando em questão
uso de plataformas de realidade virtual e apli-
a comunicação centralizada (além do ‘um para
cações em realidade aumentada, como The Enemy
muitos’, passamos a contar com novas formas
(2018)7. Parte dessa produção tem sido reconhe-
de comunicação de ‘muitos para muitos’, como
cida nos últimos anos em mostras e festivais de
observou Pierre Levy).
prestígio internacional como o IDFA DocLab, do
A difusão das mídias digitais e a con-
International Documentary Film Festival Amsterdam
solidação da internet abriram uma série de
(IDFA), na Holanda, ou o Sundance New Frontier
novas possibilidades narrativas. Quando o
Lab, nos EUA. As principais referências têm sido
ciberespaço se torna uma dimensão tão real e
mapeadas por projetos como o Docubase8, do MIT
inevitável para a existência humana quanto
Open Documentary Lab (Massachusetts Institute
o território; a cibercultura ou a cultura
of Technology), uma base de dados disponível
digital dita novos hábitos e comportamentos;
online, comentada por curadores internacionais.
a produtividade e a criatividade se potencia-
Este artigo se propõe a esboçar um retrato
lizam a partir de uma inteligência coletiva
do cenário por trás das obras: produtores, festi-
(Levy, 1994: 1997), é natural que as formas de
vais, financiadores, labs, centros de pesquisa.
se criar, interpretar e acessar histórias se transformem. Observando essas transformações,
3 http://highrise.nfb.ca/. Ver página 106.
por exemplo, Henry Jenkins (2006) introduz
5 http://alma.arte.tv. Ver página 121.
os conceitos de ‘cultura da convergência e narrativa transmídia’; e Janet Murray, em
4 www.donottrack-doc.com. Ver página 111.
6 https://www.theguardian.com/world/ng-interactive/2016/ apr/27/6x9-a-virtual-experience-of-solitary-confinement 7 www.theenemyishere.org/. Ver página 120. 8 https://docubase.mit.edu/
O CENÁRIO INOVADOR DAS NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS · ANDRÉ PAZ E MAYRA JUCÁ · 8-17
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Buscamos assim dar uma visão geral do pano de
surgiriam posteriormente abordando o mesmo tema
fundo do surgimento e realização dos proje-
(a vida em arranha-céus pelo mundo) por novos
tos. Não se trata de um mapeamento exaustivo.
ângulos. Os projetos subsequentes a Highrise
Estamos abordando uma profusão de obras de
mantiveram seu aspecto inovador, seja em termos
difícil classificação e com processos de pro-
de narrativa, método ou tecnologia, contribuindo
dução e criação diversos. Apenas localizamos
para o desenvolvimento de novas fronteiras para
referências que possam servir aos leitores
as narrativas interativas em geral.
que desejam se lançar como realizadores, que
Outro projeto relevante deste período é
buscam inspiração e apoio na viabilização de
Alma: Une Enfant de la Violence, realizado em 2012
seus projetos.
pelo grupo francês ARTE e pela produtora Upian. Trata-se de um documentário sobre a violência de gangues urbanas na Guatemala, que está base-
UM CENÁRIO EM EBULIÇÃO
ado em um aplicativo para dispositivos móveis.
Rider Spoke (2007)9, do coletivo Blast Theory, O percurso histórico das narrativas interativas
da Inglaterra, já havia utilizado um dispositivo
e imersivas digitais remete a tecnologias e
móvel, mas para construir uma narrativa com
experimentações de décadas anteriores. Neste
conjunto de relatos em áudio referencialmente
trabalho, entretanto, nos concentramos sobre
geolocalizados, acessado por um passeio de bici-
os últimos dez anos, quando se constata a
cleta. Sejam baseados em websites, aplicativos
ebulição de um cenário criativo e produtivo,
ou mesmo instalações, a verdade é que a última
com alguns marcos já consolidados.
década viu proliferarem narrativas interativas
No caso das narrativas interativas, tal-
não ficcionais que foram sendo classificadas como
vez a referência fundamental seja Highrise,
documentários interativos, i-docs, intercative
obra lançada em 2010 pela canadense Katerina
factuals, documentário expandido, documentário
Cizek e posteriormente vencedora do Emmy.
transmídia, gerando assim novas possíveis catego-
Esse documentário interativo, realizado pelo
rias, todas ainda em processo de reconhecimento.
National Film Board (NFB), trata das questões
Essas obras inauguraram campos de realiza-
sobre moradia em grandes edifícios ao redor
ção e pesquisa com seus conceitos próprios, como
do mundo. Highrise na verdade é um conjunto
é apresentado no artigo “Além das interfaces:
de projetos realizado ao longo de anos, que
conceitos e obras fundamentais de narrativas
se tornou um case emblemático por diversas
interativas”, de André Paz e Katia Augusta
razões: pela inovação estética, onde o per-
Maciel, neste mesmo livro. Em 2011, por exemplo,
curso do espectador é conduzido não apenas
em Bristol, na Inglaterra, Judith Aston, Jon
pelo texto ou pelo vídeo, mas pelo design
Dovey e Sandra Gaudenzi organizaram o primeiro
criado a partir de colagens; por seu modelo
i-docs, simpósio sobre narrativas interativas
de produção colaborativa, com profissionais
vinculado ao projeto de pesquisa homônimo do
de 13 cidades do mundo criando conteúdo de
Digital Cultures Research Center, da University
forma descentralizada para o documentário;
of the West of England. A partir de 2012, Mandy
e pelo fato de se tornar uma obra em progresso permanente, com produções derivadas que 9 https://www.blasttheory.co.uk/projects/rider-spoke/
Rose passa a integrar o grupo e o evento
exploração espacial da montanha onde o evento
se torna bienal, com mais quatro edições
aconteceu, em Seattle, nos Estados Unidos. O
realizadas até 2018. O livro I-Docs: The
texto traz informações sobre o fato, os vídeos
Evolving Practices of Interactive Documentary,
acrescentam a visão subjetiva de personagens e
lançado em 2017 por três das quatro respon-
a apresentação do cenário oferece possibilidades
sáveis pelo evento (Judith Aston, Sandra
de interação como, por exemplo, a escolha do
Gaudenzi e Mandy Rose), se tornou referência
ângulo para a visualização do local e posição
inconteste no campo. Em 2013, aconteceram a
de cada esquiador no momento do desastre. Esse
defesa e difusão das teses de doutorado de
formato simples se tornou uma referência que
Sandra Gaudenzi, The Living Documentary: from
influenciou reportagens desde então. Um ano
representing reality to co-creating reality
depois, em 2013, por exemplo, o The Guardian
in digital interactive documentary, e Arnau
lança Firestorm11, também como scrollytelling,
Gifreu-Castells, El Documental Interactivo:
desta vez mais centrada em conteúdo audiovisual,
evolución, caracterización y perspectivas de
que também recebeu diversos prêmios.
desarrollo, que se tornaram referências teó-
O jornalismo se tornou assim um mercado
ricas no campo então incipiente das narrativas
para conteúdos digitais que adotam as novas
interativas. A esta altura, era crescente o
linguagens e mídias. The Guardian e The New
interesse por estas obras digitais, que já
York Times, entre outros, se destacam hoje como
não se adequavam aos gêneros e categorias
criadores, compradores e difusores de obras,
tradicionais do audiovisual.
seguindo uma tendência que já vinha em curso e
As narrativas interativas não ficcionais se expandiram por diferentes áreas,
que vem sendo impulsionada pelo barateamento das novas tecnologias.
mas o jornalismo teve um papel destacado na
A partir de um trabalho amplo de pes-
disseminação mais ampla dessas novas possibi-
quisa, o MIT Open Documentary Lab lançou, em
lidades. Em 2012, o lançamento da reportagem
2015, a publicação Mapping the Intersection
interativa Snow Fall , pelo The New York
of Two Cultures: Interactive Documentary and
Times, contribuiu para uma compreensão mais
Digital Journalism (Mapeando a Interseção
concreta sobre como uma narrativa interativa
Entre Duas Culturas: Documentário Interativo
poderia impactar o jornalismo convencional.
e Jornalismo Digital), trazendo um panorama
Ainda centrada em um texto extenso (long-
das instituições, modelos de produção, obras,
form), dividido em seis partes, a reportagem
perfis de profissionais, principais apostas,
tinha um percurso narrativo conduzido pelo
desafios e tensões. O estudo confirma a adesão
rolamento vertical da página (scroll), o que
de grandes empresas jornalísticas, públicas e
gerou a expressão scrollytelling, e a edição
privadas, a experimentações em formatos ino-
entremeada de elementos em diversas mídias
vadores envolvendo diversas plataformas, com
(fotografia, vídeo, sound design, computação
recursos não apenas interativos, como imersivos.
gráfica, simulações em 3D). A história de
Parte do projeto Highrise, A Short History
10
uma avalanche de neve é contada a partir da
10 http://www.nytimes.com/projects/2012/
11 https://www.theguardian.com/world/interactive/2013/may/26/
snow-fall/#/?part=tunnel-creek
firestorm-bushfire-dunalley-holmes-family
O CENÁRIO INOVADOR DAS NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS · ANDRÉ PAZ E MAYRA JUCÁ · 8-17
11
of The Highrise (2013)12 é um exemplo desta
inédito de produção, comercialização e disponi-
aproximação entre o documentário interativo
bilização em massa de dispositivos e conteúdos,
e o jornalismo digital. Realizado a partir
que ampliaram as possibilidades de produção e
da colaboração entre o The New York Times
recepção de narrativas imersivas através do uso
e o National Film Board, a obra utiliza
de óculos adaptados para a visualização de vídeo
desde material histórico extraído do acervo
em 360o ou de realidade virtual.
documental do jornal até conteúdo enviado
O ano de 2015 foi marcado pelo início
pelo público, com o objetivo de investigar
da comercialização dos óculos da Samsung Gear
as raízes históricas da vida em torres ver-
(Oculus). Em 2016, o Oculus Rift passou a ser
ticais pelo mundo.
comercializado, possibilitando uma experiência em
Em 2009, a renomada jornalista norte-a-
realidade virtual autêntica. Grandes corporações
mericana Nonny De La Peña, com passagens pelas
como Facebook, Google, Sony e Samsung passaram
revistas Newsweek e The Times, pela agência
a investir na realidade virtual, entendida como
Associated Press e pelo The New York Times, se
uma plataforma computacional com infinitas pos-
tornara pesquisadora sênior da Universidade
sibilidades de aplicação na sociedade. A partir
da Califórnia do Sul e iniciara as primeiras
daí, um grande número de narrativas imersivas
experiências com realidade virtual aplicadas
começam a surgir. O universo de conteúdo para
ao jornalismo. No mesmo ano, por exemplo, ela
essas aplicações é muito amplo, incluindo, por
já tinha lançado Gone Gitmo13, uma reportagem
exemplo, materiais educativos ou games. Nosso
digital sobre a penitenciária de Guantánamo
interesse se restringe, porém, a produções do
que conquista a capa da revista International
gênero documentário ou do segmento artístico, como
Documentary Magazine. A obra interativa e
aqueles selecionados pela Mostra BUG. O capítulo
imersiva utiliza o videogame Second Life para
Narrativas Imersivas deste livro aborda um recorte
criar uma versão virtual da prisão, onde o
dessas produções. Como exemplo, apontamos 6x9:
usuário pode ser encarcerado e até mesmo
A virtual experience of solitary confinement
sofrer sessões de tortura.
The Party (2017) , ambos realizados pelo The
A disseminação do que chamamos neste livro de narrativas imersivas digitais acontece
e
14
Guardian, ilustrando a adoção desse formato por grandes empresas jornalísticas.
alguns anos depois das narrativas interativas,
Emissoras de rádio e TV, especialmente as
quando a comercialização dos dispositivos se
públicas BBC, na Inglaterra, RTVE, na Espanha,
intensifica, com custos menores acompanhados
e a franco-germânica ARTE, também vêm investindo
de uma melhora significativa na experiência
em produções de narrativa interativa e imersiva.
do usuário. Tecnologias de realidade virtual
As três mencionadas, por exemplo, estabeleceram
existem há décadas, sua origem remete ao século
departamentos específicos para a criação e teste
XIX (La Valle, 2017). As narrativas imersivas
de conteúdos digitais. Algumas vem investindo em
e volumétricas também não são um fenômeno
plataformas inovadoras, conquistando prêmios e se
recente. O que vivemos, entretanto, é um ciclo
destacando como referências centrais na cadeia produtiva de documentários tanto interativos
12 http://www.nytimes.com/projects/2013/high-rise/index.html 13 http://gonegitmo.blogspot.com/2009/03/on-cover-of-
14 www.theguardian.com/technology/2017/oct/07/the-party-a-virtual
documentary-magazine.html
-experience-of-autism-360-video. Ver página 129.
como imersivos. Elas são responsáveis tam-
e conferências, empresas produtoras, eventos
bém por um crescente número de co-produções
e mercados catalisadores de novos projetos,
internacionais, como é o caso do docugame
fundos financiadores de projetos, universidades
Prison Valley (2010)15, fruto de co-produção
e centros de pesquisa.
entre o grupo ARTE e o National Film Board,
O Canadá é talvez o país que mais se destaca
que recebeu diversos prêmios por sua aborda-
atualmente como ‘ecossistema inovador’. O já
gem inovadora onde o espectador se cadastra,
comentado National Film Board (NFB) é reconhe-
ganha uma identidade anônima e percorre o
cido internacionalmente como um dos principais
conteúdo como se estivesse num jogo, podendo
produtores e distribuidores de narrativas intera-
inclusive fazer comentários que ficam visí-
tivas e imersivas. O Documentary Organization of
veis para outros visitantes. Também é o caso
Canada (DOC) é uma instituição bastante atuante
de Altération (2017)16, narrativa imersiva
no país. Desde 1994, em Toronto, o HotDocs Film
de ficção científica em realidade virtual
Festival, um dos maiores eventos de exibição
produzida pelo grupo ARTE em parceria com o
de documentários do mundo, anos depois veio a
estúdio Okio.
concentrar as atrações com narrativas digitais
Embora as obras de narrativas interati-
interativas e imersivas no programa HotDocX.
vas e imersivas configurem dois campos dis-
Do DOC também surge o docSHIFT, que organiza o
tintos, quando observamos os seus bastidores,
DocSHIFT Summit. Em Montreal, as universidades
notamos uma série de interseções. Situada
e produtoras aparecem como um hub de pesquisas,
entre a produção audiovisual, o design e a
interatividade e experimentação artística. O
programação, toda essa produção requer não
estúdio Felix & Paul surge nesse ambiente e
apenas os recursos, técnicas e conhecimen-
desponta como um dos produtores mais criativos
tos dessas áreas como precisam desenvolver
e profícuos de narrativas em realidade virtual17,
novas ferramentas, processos e habilidades
com obras como Through the Masks of Luzia18 e
técnicas, bem como referências estéticas. São
Dreams of O19, ambas produzidas em 2017 com o
necessários ainda novos arranjos produtivos
Cirque de Soleil. Na costa Oeste, por sua vez,
dentro da chamada ‘economia criativa’ que
Vancouver se consolida como um pólo de tecnologia
viabilizem os projetos e redes propulsoras
e inovação em realidade virtual e aumentada.
de inovação tecnológica e de experimentações
Ao longo dos últimos anos, uma série de
estéticas. Por isso a produção tanto de nar-
festivais contribuíram para a consolidação do
rativa interativa quanto imersiva, sobretudo
cenário e evidenciaram o reconhecimento das
quando falamos dos documentários e animações
obras interativas e imersivas. Na Europa, o IDFA
artísticas, se desenvolve inicialmente no
DocLab, em Amsterdam, exibe e premia documentá-
contexto de alguns pólos criativos na Europa
rios produzidos em novas mídias e plataformas
e América do Norte. Nesses lugares, emergiu
com duas categorias de premiação: o DocLab Award
uma série de iniciativas relacionadas entre
for Digital Storytelling e o Immersive Non-
si que constituem ecossistemas inovadores
Fiction Award. Também oferece treinamentos para
mais férteis, como os principais festivais 17 Veja entrevista com um dos fundadores do Studio Felix&Paul na página X 15 http://prisonvalley.arte.tv. Ver página 110.
18 https://www.felixandpaul.com/?projects/luzia. Ver página 127.
16 http://www.okio-studio.com/okio-project1-alteration.html
19 https://www.felixandpaul.com/?projects/o. Ver página 127.
O CENÁRIO INOVADOR DAS NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS · ANDRÉ PAZ E MAYRA JUCÁ · 8-17
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a elaboração de projetos (DocLab Academy),
realidade virtual surgem, não por acaso, nestes
sessões de pitching e possui uma linha de
pólos. Upian (Paris); Okio Studio (Paris); Honkytonk
financiamento para trabalhos de natureza
Films (Paris); Felix & Paul Studios (Montreal e Los
interativa, imersiva e outras formas de arte
Angeles); Helios Design Labs (Toronto); Submarine
digital. Outros festivais como o Sheffield
Channel (Amsterdã); Penrose Studios (San Francisco),
Doc/Fest (Inglaterra) ampliam ano a ano o
estão entre as produtoras que vem se sobressaindo
destaque para mostras de realidade virtual
neste cenário, desenvolvendo projetos autorais mas
e outros formatos interativos e imersivos.
também obras sob encomenda para clientes da publi-
Até mesmo festivais internacionais de cinema
cidade, do jornalismo, ONGs. Além desses players
tão prestigiosos e tradicionais como os de
destacados, muitos produtores de pequeno e médio
Cannes (França) e Veneza (Itália) já possuem
porte passaram a se dedicar a projetos interati-
programas específicos para obras em plata-
vos e imersivos buscando financiamento a partir
formas inovadoras, com destaque para mostras
de rodadas de pitchings em festivais ou atentos a
e categorias competitivas exclusivamente
novas linhas de financiamento abertas por antigos
para obras em realidade virtual. Há ainda
investidores. Ligado ao Tribeca Film Festival, o
os festivais que se tornaram referência para
Tribeca Film Institute oferece, por exemplo, uma
documentários interativos como o Interdocs
linha de financiamento, o TFI New Media Fund, que
Barcelona (Espanha), que atualmente possui
apoia projetos de não-ficção sobre questões sociais
versões em países da América Latina como
contemporâneas que usam o poder do storytelling e
Chile e Colômbia.
da crossmedia em plataformas online, videogames e
Nos Estados Unidos, o Tribeca Film
aplicativos móveis, entre outros formatos.
Festival foi pioneiro - os organizadores
Para os novos produtores, os labs represen-
garantem que foi o primeiro - ao incluir uma
tam mais uma oportunidade para o desenvolvimento
categoria exclusiva para obras em realidade
de projetos. Trata-se de workshops e treinamentos
virtual (Tribeca Immersive) e a incorporar
oferecidos em feiras e festivais, como os já
obras online e até mesmo games em seu programa.
citados IDFA DocLab Academy e o Sundance New
Em 2018, o festival inovou ao abrir uma sala
Frontier. Mas há também programas mais extensos
especial para exibição de obras imersivas,
de acompanhamento e desenvolvimento de projetos
o Tribeca Cinema360. Não menos relevante, o
como o Interactive Documentary Workshop (IDW),
Sundance Festival tem o programa New Frontier
na Suiça, e o !FLAB20, na Inglaterra. O !FLAB,
Lab, que em 2013 já incorporava projetos de
programa criado e coordenado por Sandra Gaudenzi,
realidade aumentada entre outras formas de
consiste em uma série de encontros onde coaches
narrativas digitais interativas e imersivas. Na
especializados oferecem mentoria aos parti-
mesma linha do IDFA DocLab Academy de Amsterdã,
cipantes, através de dinâmicas e ferramentas
o New Frontier oferece treinamento e mentoria
direcionadas, baseadas em uma metodologia21 que
para desenvolvimento de projetos, mantendo um
parte do conceito de Desing Thinking. O programa
vínculo de médio prazo com os selecionados
é aberto a realizadores provenientes de diversos
para ajudá-los a entrar no mercado. Os primeiros estúdios especializados em obras digitais interativas e imersivas em
20 www.iflab.net 21 Sandra Gaudenzi assina artigo e entrevista, nas páginas seguintes, sobre a metodologia do programa !F Lab e o processo criativo de narrativas interativas.
campos e indústrias, com os mais variados
fundador da produtora, é também responsável
backgrounds profissionais.
pelo website webdocumentário.com.br, o primeiro
Neste universo de inovações constantes,
dedicado a disseminar novas formas de se contar
não há um formato ou processo de produção que
histórias no ambiente digital nesse sentido. Nos
funcione como um modelo a ser seguido. Cada
anos seguintes, uma série de projetos surgiu. A
projeto deve conceber seu formato, suas estra-
maioria deles esteve representada no programa da
tégias narrativas e seu processo de produção.
Mostra BUG 2018. Se destaca o premiado projeto
Essa característica acentua ainda mais a
transmídia Som dos Sinos (2014)24, do Estúdio
relevância dos laboratórios de desenvolvimento
Crua, que se multiplica em um webdocumentário,
de projetos, mas também o papel dos centros
um longa metragem documental, um aplicativo
de pesquisa e universidades na composição
para dispositivos móveis, um mapeamento sonoro
dos ‘ecossistemas inovadores’. Mais uma vez
e projeções itinerantes. O projeto se debruça
cabe destacar as iniciativas que vêm sendo
sobre a tradição dos toques de sinos das igrejas
realizadas pelo Open Documentary Lab, do MIT
históricas do estado de Minas Gerais, no Brasil.
(Massachusetts Institute of Technology), como
Como acontece em toda América Latina, a
o já citado Docubase, eventos como o Virtually
produção brasileira tem um perfil de engajamento
There, estudos como Mapping the Intersection
social e muitas obras são financiadas com recur-
of Two Cultures: Interactive Documentary and
sos de organizações da sociedade civil, fundações
Digital Journalism e o programa de residência
privadas com programas de financiamento a cam-
artística do Instituto.
panhas e projetos sociais, ou editais públicos voltados para iniciativas de cunho social. É o caso do próprio Som dos Sinos, da plataforma
CENÁRIO BRASIL: O BUG404
colaborativa Meu Rio Vale um Webdoc (2016)25, o documentário interativo Ilha Grande: cada praia
Ao longo da última década a produção de nar-
uma ilha; cada ilha um história (2016)26. O mesmo
rativas interativas e imersivas se estendeu a
se observa em relação a narrativas imersivas do
outras regiões além da Europa e na América do
gênero documentário, que começaram a surgir no
Norte. No segundo capítulo deste livro, Arnau
Brasil a partir de 2016, ano em que foi lançado
Gifreu-Castells traz um mapeamento atualizado
Rio de Lama: A Maior Tragédia Ambiental do
no artigo “Desenvolvimento atual do documen-
Brasil (2016)27, da produtora Junglebee. Na mesma
tário interativo e transmídia nas Américas,
linha, estão Fogo na Floresta (2017)28, da mesma
Europa e Austrália”. No Brasil, os primeiros
produtora, e Amazônia Adentro (2017)29, ambos
documentários interativos surgiram no começo
de 2017 e My Africa (2018)30, da ONG Conservação
da década. Filhos do Tremor – Crianças e seus
Direitos em um Haiti Devastado22, da produtora CrossContent, foi lançado em 2010, por exem-
24 www.somdossinos.com.br. Ver página 135, e entrevista com as realizadoras no capítulo 2.
plo. Rio de Janeiro: Autorretrato (2011)23,
25 www.meuriovaleumwebdoc.com.br/. Ver página 117.
da mesma produtora, é de 2011. Marcelo Bauer,
27 www.riodelama.com.br. Ver página 124.
26 http://ilhagrandewebdoc.website/. Ver página 108.
28 https://youtu.be/Jv8nkw8hy-c 29 https://www.conservation.org/global/brasil/Pages/Amazonia22 http://www.webdocumentario.com.br/haiti/
Adentro.aspx
23 www.riodejaneiroautorretrato.com.br. Ver página 109.
30 www.conservacao.org.br/myafrica. Ver página 125.
O CENÁRIO INOVADOR DAS NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS · ANDRÉ PAZ E MAYRA JUCÁ · 8-17
15
Internacional, em coprodução com parceiros. No final de 2017, um grupo de profissionais apoiados por empresas se reunia para criar uma comunidade brasileira de empreendedores atuantes no mercado de X-Reality (realidade virtual, realidade aumentada e realidade mista – conhecidos como XR). Em fevereiro de 2018 é formalizada a fundação do XRBR, um Hub Brasileiro de X-Reality. A iniciativa sem fins lucrativos visa conectar os elos da cadeia criativa e produtiva em um ambiente de troca de experiências entre profissionais, empreendedores, pesquisadores, gestores e financiadores. O HUB agrega todas as possíveis aplicações com XR, representando um universo ainda mais amplo do que o coberto pela Mostra BUG e por este livro. Mas aponta para um cenário auspicioso de desenvolvimento de um ‘ecossistema inovador’ para o campo das narrativas imersivas, conforme definimos aqui. Ainda que pareça dotada de um futuro promissor, a produção de narrativas imersivas no Brasil, hoje, não acompanha o volume e sofisticação da produção dos pólos inter-
Faz-se necessário não só um trabalho de comunicação entre os principais atores deste campo (realizadores, pesquisadores, críticos e público), como de divulgação das referências internacionais, tanto no sentido das obras, processos produtivos, procedimentos e estratégias, como das discussões e propostas estéticas. Trata-se de construir um terreno fértil que agregue inovações tecnológicas e experimentações estéticas e de linguagem, o que requer a cooperação entre realizadores e centros de pesquisa, base de dados, festivais e canais de informação a respeito desse campo incipiente e promissor.
nacionais. Mas, se olhamos para além das (PAZ E SALLES, 2015: P. 157)
interfaces, notamos a riqueza de propostas criativas, realizadas com limitados recursos financeiros. O incipiente cenário brasileiro
Este diagnóstico foi a motivação central para a
se baseia na iniciativa de empreendedores
fundação do Bug40431, um portal e rede de diálogo
que trabalham com pequenas equipes e baixo
e colaboração entre pesquisadores e realizadores
orçamento, sem um bastidor que impulsione os
que visa contribuir para a disseminação das
projetos, como festivais, linhas de finan-
narrativas interativas e imersivas no Brasil,
ciamento apropriadas, atuação de grandes
sobretudo no sentido de apoiar a concepção,
empresas. O diagnóstico apresentado em 2015
desenvolvimento e produção de novos projetos. A
por André Paz e Julia Salles, em artigo sobre
ideia é incentivar a articulação da Universidade
os documentários interativos no Brasil, segue
com diferentes atores: artistas, produtores,
atual e se estende facilmente ao que chamamos
gestores, público. O projeto partiu da divulgação
aqui de narrativas imersivas: 31 bug404.net
de conteúdo especializado em mídias sociais e
de difusão de narrativas interativas e imersivas
website e articulou acadêmicos de diferentes
no Brasil, com mais de 50 obras selecionadas,
universidades, produtores audiovisuais e
incluindo uma conferência e diversos workshops
interessados oriundos de diversas áreas profis-
na programação. Tanto a Mostra como este livro
sionais, que passam a colaborar com a produção
estão organizados como uma introdução ao campo e
de conteúdo textual, eventos, e oportunidades
uma contribuição para o fortalecimento de nosso
de parcerias técnicas ou científicas em torno
‘ecossistema’ para a realização de novos proje-
de documentários interativos, realidade vir-
tos. Os autores aqui reunidos são parceiros na
tual, docugames, narrativas mobile.
empreitada de, para além de documentar e mapear
Logo o Bug404 foi diversificando suas
um cenário, contribuir para um diálogo amplo
ações com os mesmos princípios. Na Universidade
entre os que nele atuam: curadores, pesquisado-
Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO),
res, produtores, artistas e público.
o programa de extensão BugLab apoia encontros de produtores e interessados em todo o Brasil, realiza workshops e ações de divul-
REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS
gação. Pesquisadores e alunos criam o projeto
BugBrasil, um mapeamento inicial do campo das narrativas interativas e imersivas em esfera nacional, e assumem as traduções para o português do Docubase, em colaboração com o MIT
Open Documentary Lab. A parceria com Arnau
GAUDENZI, Sandra. (2013). The Living Documentary: from representing reality to co-creating reality in digital interactive documentary. Tese de Doutorado, Goldsmiths College, University of London.
GIFREU-CASTELLS, Arnau. (2013). El Documental Interactivo: evolución, caracterización y perspectivas de desarrollo. Barcelona: UOCPress
Gifreu-Castells leva à tradução, legendagem e divulgação do metadocumentário interativo
Jenkins, H. (2006). Convergence Culture: Where Old and New Media Collide. New York: NYU Press.
COME/IN/DOC. Em uma das oficinas em São Paulo, em parceria com a Associação Kinoforum, o
LaValle, Steven M. (2017). Virtual Reality. Cambridge, Mass: Cambridge University Press.
Bug404 é facilitador do desenvolvimento de um webdocumentário em formato de hackathon. A
LEVY, Pierre. (2000). A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 3. ed. São Paulo: Loyola.
oportunidade articula um grupo de profissionais criativos em torno da proposta de realizar um projeto em seis dias. Após atingirem a meta com o lançamento do webdoc Pedalei Até Aqui? (2015)32, alguns deles seguem unidos e fundam o Crop Coletivo33, em São Paulo, dedicado a documentários interativos. Em 2018, em parceria com a produtora cultural Automática e com financiamento do Centro Cultural Oi Futuro, o BUG404 desenvolve a proposta da Mostra BUG, o primeiro evento
32 http://www.bug404.net/pedalei/. Ver página 119.
___________. (1999). Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 260 p.
MIT Open Documentary Lab. (2016a). Virtually There. Documentary Meets Virtual Reality. A Conference Presented by The Mit Open Documentary Lab, The John D and Catherine T. Macarthur Foundation and The Phi Centre.
MIT Open Documentary Lab. (2016b). Mapping the Intersection of Two Cultures: Interactive Documentary and Digital Journalism. A Report supported by the John D. and Catherine T. MacArthur Foundation
Murray, J. (2003). Hamlet no holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo: Itaú Cultural; UNESP.
Paz, André and Júlia Salles. (2015). Brasil, Mostra a sua Cara: aproximações ao cenário brasileiro de documentários interativos. Revista Doc On Line 18: 130-165. http://www.doc.ubi.pt/.
33 http://www.cropcoletivo.com.br/
O CENÁRIO INOVADOR DAS NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS · ANDRÉ PAZ E MAYRA JUCÁ · 8-17
17
VISÃO PANORÂMICA
PENSANDO AS NARRATIVAS INTERATIVAS ‘FORA DA CAIXA’: UMA CONVERSA COM SANDRA GAUDENZI POR ANDRÉ PAZ1
1 André Paz é professor e pesquisador da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Leciona no Mestrado Profissional em Criação e Produção Digital da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Diretor e produtor de narrativas interativas. Idealizador e coordenador do Bug404. Curador da Mostra Bug em 2018.
BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS · ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0 · RIO DE JENRIO · 224 PÁGINAS EDITORA: AUTOMATICA · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO · BUG404.NET
18
Quando Sandra Gaudenzi começou a acompa-
Nesta conversa que tivemos em Londres, em
nhar o campo das narrativas interativas, o
março de 2018, nos dias seguintes à rea-
termo da moda era multimídia. Depois veio a
narrativa
as
crossmedia
narrativas
e
depois
transmídia.
“Já
lização do i-Docs, onde estivemos juntos
vieram
em Bristol, Sandra explica melhor o que a
passamos
levou a definir sua própria terminologia
por tantos termos diferentes que nem me
e aprofunda sua visão sobre os ‘interati-
lembro mais”, ela brinca. Quando escreveu
vos factuais’.
sua tese de doutorado , há 10 anos, ela 2
usava o termo ‘documentário interativo’. Mas
havia
uma
insatisfação,
pois
ela
acreditava que esse conceito significava mais do que apenas um projeto que vem do universo dos documentários.
Sua busca por
um termo mais ‘inclusivo’ a levou ao con-
VAMOS COMEÇAR PELA DEFINIÇÃO DO ‘INTERATIVO FACTUAL’. NAS SUAS PALAVRAS, O QUE SIGNIFICA, E O QUE A LEVOU A SUGERIR ESTE TERMO?
ceito de ‘narrativa interativa factual’, ou
simplesmente
‘interativos
factuais’
(interactive factuals, no inglês).
Quando qualquer campo novo está surgindo, a terminologia muda o tempo todo. De modo
Sandra iniciou sua carreira como produ-
que é sempre uma escolha, se você aceita
tora de TV, mas migrou para a academia,
o último modismo ou procura criar sua pró-
se
digitais
pria terminologia. O motivo que me levou
interativas e hoje é professora sênior do
a adotar o termo ‘interativo factual’ nos
novo Digital and Interactive Storytelling
últimos quatro ou cinco anos foi que eu
LAB, na Universidade de Westminster, na
percebi
Inglaterra,
explorar,
e ‘documentário’ era enganoso para mui-
experimentar e se destacar nas maneiras
tas pessoas que não vinham da área dos
de se contar histórias em nossa cultura
documentários.
especializou
digital”.
em
“um
Criou
narrativas
lugar
o
!F
para
Lab3
(Interactive
Factual Lab), um programa de treinamento criativo onde projetos são incubados e os realizadores recebem apoio para chegarem a um protótipo, é autora de livros e artigos, coordena o i-Docs4, principal evento acadêmico exclusivo sobre o tema, presta consultoria e ministra palestras.
que
manter
apenas
‘interativo’
Quem trabalha com educação, por exemplo, e está criando um aplicativo sobre a antiguidade,
normalmente
não
vai
achar
que
está criando um documentário interativo porque
a
maior
parte
das
pessoas
vai
dizer “ah, mas eu não trabalho com documentários”. A mesma coisa vale para os jornalistas. Há um grande campo de jornalismo interativo e de jornalismo digital acontecendo agora, e nenhuma das pessoas
2 The Living Documentary: from representing reality to co-crea-
ting reality in digital interactive documentary, está disponível em http://www.interactivefactual.net/phd/ 3 http://www.iflab.net/
envolvidas se vê, ou ao seu trabalho, no âmbito
dos
documentários
interativos,
porque a palavra documentário se tornou
4 https://idocs2018.dcrc.org.uk/
PENSANDO AS NARRATIVAS INTERATIVAS ‘FORA DA CAIXA’: UMA CONVERSA COM SANDRA GAUDENZI · POR ANDRÉ PAZ · 18-25
19
um empecilho. E é por isso que eu resolvi
podiam se expressar, postar seu conteúdo.
mudar o termo e abrir para uma definição
É quando há, de repente, um grande aumento
mais ampla, ‘interativo factual’ que é um
de conteúdo que vem das pessoas que falam
termo que uso e acho que praticamente o
de suas vidas, de suas realidades, e que
grupo todo do i-Docs, com o qual colaboro,
estão efetivamente criando conteúdo digi-
está usando.
tal factual.
É uma maneira de se colocar da forma mais
Com o tempo a internet progrediu, deixamos
inclusiva possível, para que as pessoas
para trás a era CD-ROMs - é claro que os
que trabalham no campo da arte, por exem-
CD-ROMs e os DVDs foram os avós das nar-
plo, e que fazem não ficção com HoloLenses
rativas interativas – e veio o momento das
e realidade virtual, também percebam que
bandas largas (ou seja, a capacidade de ter
fazem
o
bastante conteúdo de vídeo). Foi então que
resultado é abrir o campo, e a única dis-
as revistas, os jornais, as emissoras, o
tinção aqui passa a ser se é puramente
campo da educação, as universidades aber-
factual e se usa interatividade. Destaco
tas, todo mundo começou a pensar: “espera
a interatividade, pois, a meu ver, se você
aí,
posta a sua matéria jornalística ou docu-
é aqui que podemos expor e oferecer às
um
mentário
‘interativo
internet,
YouTube,
isso
é
um
campo
inteiramente
novo,
você
pessoas conteúdo de não-ficção. E, já que permite interatividade, por que não usar?”
digital,
mas
não
no
Então
está definitivamente criando uma narrativa
na
factual’.
interativa.
Para
que seja interativa você precisa dotar o usuário de alguma capacidade de agência, e é a partir deste ponto que eu acredito que nasce um produto diferente.
No momento em que os grandes jornais como
The Guardian e o The New York Times, digamos, há uns 10 anos, começaram a pensar que o futuro do jornalismo não está mais no papel, mas está online, passaram a ter uma escolha: queremos postar apenas matérias lineares que são baseadas em texto (porque a internet é apenas um modo de
COMO VOCÊ AVALIA, HISTORICAMENTE, O SURGIMENTO DESTE NOVO CAMPO?
distribuí-las), o
meio
ou
queremos
possibilita,
ou
usar
seja,
o
que
permitir
movimentos para adiante e para trás, um O surgimento do campo interativo factual se associa estreitamente ao surgimento da internet. Foi quando a internet 2.0 permitiu às pessoas criarem conteúdos participativos, colaborativos e individuais, entre o ano 2000 e 2005, nos primórdios da a
Wikipedia ideia
de
e
que
do a
YouTube. internet
Ali
nascia
poderia
loop que se retroalimenta, e inclui a participação dos usuários na narrativa? E, claramente, de forma bem gradual, houve uma abertura para a segunda opção, que é de usar o meio no seu máximo potencial. Então eu acho que é uma evolução gradual. E que a internet, quando começa, há uns 15
ser
anos, na forma como entendemos a internet
um lugar de liberdade, onde as pessoas
hoje - como um instrumento participativo
- foi o início da narrativa interativa. E
levou ao desenvolvimento do Oculus Rift,
cada vez mais a indústria compreendeu que
que
esta era a nova forma de ser. Na verdade,
proposta viável para o mercado.
nos últimos cinco anos foi quando realmente começamos a ver grandes projetos. Com as televisões entrando nesse campo, e até organismos de financiamento de cinema começando a criar, a nível nacional, ao redor do mundo, alguns órgãos de financiamento do cinema interativo, ou de jogos interativos, para criar mais deste tipo de conteúdo.
então
se
tornou
repentinamente
uma
Agora só o que se ouve, nos últimos três anos, são pessoas pensando “oh, agora que temos uma tecnologia nova, a bom preço, vão precisar de conteúdo, então vamos nos lançar nesta nova coisa e vamos produzir conteúdo, quer de ficção ou não-ficção,
factual,
pornografia,
quer para
para
educação,
treinamento”.
para
Então,
sim, há um boom, e sim, é uma tendência significativa. Dito isto, cabe dizer também que os dispositivos de RV vendidos ao redor do mundo
NOS ÚLTIMOS DOIS ANOS A REALIDADE VIRTUAL (RV) VEM SURGINDO COMO UMA POSSIBILIDADE NARRATIVA ATRAENTE, E VEM GANHANDO FORÇA. QUAL A SUA OPINIÃO SOBRE ESTA MÍDIA?
ainda estão bem longe de se tornarem de fato
um
siderar
que
poderíamos
con-
comercialmente
novo
meio
disponível
para
todos. Por ora, o que vemos é que a curva de usuários está na verdade começando a
já
diminuir, e não está seguindo as previ-
aqueles
sões. Então vamos ver o que acontecerá
que acompanham o trabalho de Jaron Lanier
com a realidade virtual. Acho que, fre-
sabem
grande
quentemente, é mais uma questão das rea-
boom, e que a realidade virtual era pos-
lidades comerciais e de desenvolvimento
sível, mas o problema era o seu custo.
de mercados do que sobre como poderíamos
O que realmente mudou essa equação foi
usá-la (a realidade virtual) do ponto de
quando o Oculus Rift conseguiu produzir
vista criativo.
os
preço
Tenho observado que estas tendências têm
problema
vida bastante curta. Nos últimos dois anos
Para
começar,
existe
há
do
pelo
que
nos
primeiros
razoável, enjoo
a
e
realidade
menos
anos
80
25
anos,
houve
dispositivos quando
resolvem
a
um o
se falava da ‘realidade virtual’, e agora
se
a palavra da moda é a ‘realidade aumen-
você quisesse fazer deste meio um mercado
tada’, porque se fala das HoloLenses, e a
de massas. Isso só aconteceu, diria, há
Microsoft que criou a ‘realidade mista’
uns
então
era
quatro
um
pelo
um
que
ainda
provocado
virtual
problema
anos.
E
movimento, considerável
foi,
na
verdade,
o
resultado de bastante empenho por parte
já
estamos
entrando
na
próxima
grande novidade...
da jornalista que vem trabalhando com a realidade virtual e o jornalismo digital,
A minha intuição me diz que a tecnologia
Nonny De La Peña. Parte de sua pesquisa
está pronta para se baratear, e tomar a
PENSANDO AS NARRATIVAS INTERATIVAS ‘FORA DA CAIXA’: UMA CONVERSA COM SANDRA GAUDENZI · POR ANDRÉ PAZ · 18-25
21
direção
de
criar
um
mercado
de
massa.
Acho que exatamente a mesma coisa ocorre
webdocs,
webdocumentários.
O
com
torne a rainha deste segmento de mercado,
momento em que os webdocs eram novos, no
acho que será apenas de uma pequena parte
sentido em que ninguém tinha visto nada
dele. Acredito que, no longo prazo, novos
parecido antes, provavelmente já passou.
desenvolvimentos
poderão
surgir.
Ainda
precisamos ver muitos novos dispositivos que serão talvez mais próximos do que o
Google estava tentando fazer com o Google glasses. Sim, nos próximos 10 anos isso vai se desenvolver e haverá definitivamente um mercado, mas não creio que será o único mercado.
os
os
Não acredito que a realidade virtual se
Eu diria que há sete anos, por volta do ano de 2010, havia talvez uns sete, e entre 2010 e 2014 surgiram muitos webdocs. Isso fica evidente porque as emissoras estavam investindo neles, sabemos porque os jornais faziam uma boa quantidade deles, e agora não falamos mais deles. Mas não quer dizer que deixaram de existir, significa
Tal como as plataformas móveis, os celu-
apenas que eles não são mais uma novidade.
lares, tem tamanha importância na nossa
O nosso sistema de mídia agora precisa
vida, pois é neles que as pessoas real-
falar
mente consomem seu conteúdo agora, acre-
precisa
dito que nos próximos cinco anos ainda
Mas, para mim, isso também quer dizer que
teremos
no meio tempo os webdocs, o jornalismo
RV
muitas
(realidade
novas virtual)
plataformas, e
RA
e
a
(realidade
de
da
realidade
alimentar
formato
longo
virtual
a
ideia
porque
da
(longform)
ele
inovação.
que
usa
a
aumentada) e RM (realidade mista) e RX
internet para criar matérias mais longas
(realidade estendida), seja qual nome se
e ricas em mídias, com vídeo etc., hoje
dê a elas, ficarão apenas para consumido-
estão se tornando a norma. E é desta forma
res pioneiros.
que consumimos muito de nossas notícias, quando usamos os aplicativos das grandes emissoras. De modo que o webdoc não morreu, ele sim-
HÁ AQUELES QUE DIZEM QUE O WEBDOCUMENTÁRIO ESTÁ MORTO. O QUE VOCÊ ACHA?
plesmente se tornou parte de nossa cultura e não o chamamos mais por esse nome. Não precisamos mais de um nome novo para ele, porque ele está ao nosso redor e o usamos
Um aspecto que eu adoro da história das
o tempo todo. Qualquer website que seja
inovações é que as coisas são novas até que
um
as pessoas se acostumem a elas, e então,
cado, que não seja apenas de texto, que
de repente elas se tornam velhas. Basta
tenha capítulos, histórias, entrevistas,
pensar na eletricidade e na torradeira,
som e vídeo, é efetivamente um webdoc.
esses produtos tiveram uma vida como ino-
Simplesmente não usamos mais esse termo.
vações que foi razoavelmente curta, mas eles revolucionaram o modo como vivemos.
pouquinho
mais
empolgante
e
compli-
filhos e eles são adolescentes, e nenhum deles jamais ligou a nossa televisão. A televisão na nossa casa está morta. O que
TOMANDO UMA PERSPECTIVA MAIS AMPLA, QUAIS SÃO OS MAIORES DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO DO CAMPO DO ‘INTERATIVO FACTUAL’?
não quer dizer que eles não consumam conteúdo. Mas eles consomem conteúdo online e eles o consomem com uma lógica diferente. As emissoras precisam saber disso, e se
O desenvolvimento do campo do interativo
alguém quer que essa garotada se envolva
factual basicamente se resume à quanti-
com o mundo, que leiam as notícias, que
dade de dinheiro que é investida nele.
se
Acredito
precisa entender de que modo eles querem
que
as
grandes
instituições,
sejam elas as emissoras, os jornais, edu-
engajem
em
qualquer
movimento,
você
consumir informação e narrativas.
cadores, universidades, os investimentos na
inovação
a
nível
nacional,
têm
seu
Então,
eu
acredito
que
estamos
em
um
papel, e será necessário investir nisso
momento interessante, para que o campo se
porque esse é o futuro. Mas o que eu estou
desenvolva
vendo é que há muitos grandes atores que
massivos e as pessoas estão indo nesta
estão resistindo a assumir esse papel, e
direção, mas o que vemos é uma espécie
é normal, é assim que acontece. Se você é
de resistência, que ao meu ver vai ser
um jornal e investiu a vida toda em ter um
bastante
know how sobre contar histórias de maneira
pessoas e as grandes instituições come-
linear, e era aquele o seu diferencial,
çarem a perder a sua audiência, é nesse
o fato de que você precisa repentinamente
momento
mudar sua forma de contar histórias é na
vai ser um choque de realidade: ou nos
verdade bastante ameaçador.
lançamos, ou morremos.
precisamos
curta
que
-
elas
no
de
investimentos
momento
vão
se
em
ligar,
que
as
porque
Então, entendo perfeitamente que há uma tendência
a
se
manter
conservador
e
a
dizer não-não-não, não vamos nessa direção, porque se começarmos a investir em inovação e em mudar nosso modo de contar histórias, vamos mesmo ter que mudar de
VOCÊ GOSTARIA DE DIZER ALGO ESPECIALMENTE PARA A AUDIÊNCIA BRASILEIRA?
forma radical. Então há uma tendência a ficar no que já conhecemos, na esperança
Bom, primeiro que eu gostaria muito de
de que as coisas não mudem rápido demais,
ver mais projetos brasileiros. Eu conheço
e que, portanto, sabe, estaremos seguros.
alguns, mas muito poucos, e tenho certeza
Mas,
ao
mesmo
tempo,
acredito
que
vai
haver uma realidade de mercado em que as emissoras e os jornais que se recusarem a
que há muita coisa acontecendo no Brasil. Por que não há mais projetos brasileiros de alcance internacional? A segunda
mudar vão morrer. Olhe o meu caso: tenho
PENSANDO AS NARRATIVAS INTERATIVAS ‘FORA DA CAIXA’: UMA CONVERSA COM SANDRA GAUDENZI · POR ANDRÉ PAZ · 18-25
23
coisa que gostaria de dizer é que acredito que o mundo interativo tem muito ainda de
indústria
artesanal.
Ou
seja,
você
pode realmente cozinhar com seus próprios ingredientes,
você
não
precisa
sempre
fazer uma refeição de master chef, você pode criar uma refeição bastante empolgante, associando elementos que ninguém nem iria pensar em juntar. Eu acho que no movimento Open Source5 há uma
grande
margem
para
jovens
espertos
e talentosos, que não vêm de indústrias definidas, que não estão pensando, ‘oh, sou apenas um músico’, ou ‘sou apenas um cineasta’, ou ‘sou apenas um fotógrafo’. Acho que as pessoas de 20 anos hoje que sabem um pouco sobre programação, sabem que programação é uma porta de entrada para todos esses campos, e eu acho que vai ser aí onde veremos os talentos. Acho que é aí que as pessoas podem ser incrivelmente criativas, mesmo com poucos recursos. E o que eu realmente adoraria é ver essa incrível energia criativa que os brasileiros têm para a música, sabe, o carnaval e tantas outras coisas, ser aplicada ao campo interativo, porque tenho certeza de que ela está lá, só precisa se colocar de forma um pouco mais audaciosa.
5 https://opensource.org/
VISÃO PANORÂMICA
DO LINEAR AO DIGITAL INTERATIVO: UMA TRANSIÇÃO QUE DEMANDA MIND SHIFTS SANDRA GAUDENZI1
1 Sandra Gaudenzi é Chefe de Estudos do !F Lab (Laboratório Factual Interativo). Ela tem consultado, orientado, pesquisado, ministrado palestras, escrito, e blogado sobre narrativas interativas nos últimos vinte anos. É Senior Lecturer do LAB de Narrativas Interativas Digitais da Universidade de Westminster (Londres, RU); Membra visitante no Centro de Pesquisa de Culturas Digitais (UWE, RU); co-diretora do site e conferência i-Docs e co editora do livro: i-docs: as Práticas Emergentes dos Documentários Interativos. (i-docs: the Evolving Practices of Interactive Documentary).
BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS · ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0 · RIO DE JENRIO · 224 PÁGINAS EDITORA: AUTOMATICA · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO · BUG404.NET
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A maioria de nós concorda que histórias
Então, o que será que acontece com a contação
possuem um papel fundamental em nossa com-
de histórias nessa paisagem digital que tão
preensão de mundo (Bruner, 1986). Ao longo da
rapidamente evolui neste século?
vida, precisamos aprender diversos padrões
A história da mídia demonstra que as
do mundo para navegá-lo, e as histórias
narrativas sempre se adaptam para permitir que
são de grande ajuda para que esses padrões
fiquemos em dia com os novos tempos. Isso acon-
sejam explicados e lembrados sob a lógica
teceu com livros, cinema, televisão, e agora,
de nossos pais e ambiente cultural.
mais uma vez, com a internet. A narração de
As histórias esclarecem nossa existên-
histórias (storytelling) nos ajuda a explicar,
cia e nos dão sensações de pertencimento.
mas também a moldar o mundo em que vivemos.
Há psicólogos que argumentam que usamos
Mídia, tecnologia e sociedade se conectam de
histórias até mesmo para a auto compreensão,
formas reciprocamente influentes. Não é nenhuma
para entendermos o nosso mundo interior, e
surpresa então que um meio associativo como
para achar alguma coerência dentro de nossa
a internet gere novas opções narrativas hoje,
personalidade múltipla (Mc Adams, 1993). A
estendendo a lógica causal de filme e livros. O
razão disso é que “histórias lineares tem a
Obra Aberta (Eco, 1962) e o cinema avant-garde do
vantagem de simplificar coisas complexas”
século 20 - que procuravam se libertar do autor
(Thalhofer, 2018:106). Uma vez que a história
único e da narrativa aristotélica - finalmente
linear é baseada na lógica causal - isso
encontraram um meio que os liberta: a World
aconteceu, depois aquilo aconteceu – ela
Wide Web. A mídia digital reflete os nossos
contribui para formar nossa visão de mundo
tempos. Em um mundo mais incerto, as histórias
determinista, em que coisas são processá-
modernas precisam nos ajudar a lidar com as
veis e previsíveis, já que sempre terminam
nossas incertezas. Como resultado, sentimos a
em um único final. O problema é que “mais
necessidade de criar histórias abertas, que
frequentemente, as coisas não são causas
podem variar, se adaptar, serem compartilhadas,
umas das outras, elas se influenciam entre
serem co-autorais, e, às vezes, ter mais do
si” (ibidem)... Então, não seriam enganosas
que um só final.
as narrativas lineares ao proporcionarem uma explicação simplificada para o mundo?
Não se trata de dizer que os filmes estejam ultrapassados, mas apenas que a mídia digital
Há mais complicadores: o mundo está se
interativa hoje nos oferece uma plataforma para
tornando cada vez mais imprevisível. Vinte
explorar nosso mundo complexo, multivocal, e
anos de tecnologia digital mudaram o mundo
em rápida mudança. Nas palavras da teórica de
de tal forma que se exige constantemente que
mídia de telas Patricia Zimmermann,
sejamos ‘inovadores’ e “fluidos” em nossas abordagens, ou seja, nossos aprendizados anteriores não são mais considerados tão úteis hoje. Dois séculos atrás, quando a maioria das crianças eram aprendizes profis-
a nova mídia polifônica possui estratégias para rejeitar o autor único, a voz singular, a
sionais de seus pais, não era esse o caso.
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interpretação final. Ao invés disso, essas obras operam como tecnologias, sistemas e práticas para unir muitas vozes que abrem espaços para que ideias complexas e trocas participativas se desenvolvam por sua vez, de modo inesperado e via agregações (2018:10).
fazer com elas, e como elas moldam o relacionamento entre o autor/sujeito/audiência? Adotar as narrativas digitais é fazer uma transição para uma nova forma de narrativa, que questiona nosso mundo compartilhado. Podemos fazer uso de tipos de plataformas digitais em constante evolução (celular, tablet, computador, realidade virtual, realidade aumentada, hologramas, etc.) e aumentar nossa definição de narrativas para muito além da estrutura aristotélica de início/meio/fim. Por fim, é também uma tomada de posição neste mundo digital aberto. Escolher uma forma interativa, em vez de uma linear, é
Minha mensagem para os produtores de mídia é a
uma declaração por si só. É sobre abraçar as
seguinte: usar a internet como uma plataforma
mudanças de mentalidade que permitem se livrar
de distribuição mundial para os seus vídeos
da ilusão de um mundo previsível e causal e se
é um bom começo, mas é um pouco como usar um
mudar para um universo de ação mais fluido e,
carro para ir na velocidade de um cavalo. A
às vezes, imprevisível.
mídia digital permite muito mais, por que não
Quando percebi que contadores de histórias
avançar? A tecnologia móvel permite conectar
tinham dificuldades para abraçar a interativi-
sujeitos e imbuí-los de uma voz direta. Como
dade por motivos mais complexos do que a falta
adotar essa força criativa em seus projetos?
de habilidades tecnológicas, decidi criar um
Adotá-la ao construir comunidades ou adotar
workshop que questionaria e ‘remixaria’ as cren-
estratégias de co-criação e aceitar reduzir
ças autorais, práticas de mídias audiovisuais e
a autoria de suas próprias histórias? A
técnicas de ideação digital. A ideia por trás
mídia interativa permite envolver o público
do que se tornou o !F Lab (Laboratório Factual
e dar a ele o poder de escolher, pesquisar,
Interativo) era criar um espaço para que nar-
mudar, comentar ou adicionar elementos às
radores entendessem a mídia interativa como um
suas histórias. Esse poder é a agência que
espaço de liberdade, para que mergulhassem na
se dá aos usuários. Como usá-lo? Que limites
fluidez como estratégia de co-criação, e por
vamos impor? O que vão aprender com isso?
fim, criassem projetos que refletissem nosso
Plataformas digitais diferentes atendem a
mundo compartilhado, nossos medos e esperanças.
diferentes tipos e níveis de interatividade. Qual é o nível de interação e qual a plataforma adequada para a sua história?
O !F LAB E O PROCESSO WHAT IF IT
Essas escolhas são tanto as oportunidades quanto os dilemas de nosso novo
O !F Lab (Interactive Factual Lab) é um workshop
mundo digital: temos mais liberdade e mais
de treinamento financiado pela União Europeia e
escolhas, como nunca antes, mas onde estão
produzido pela agência de inovação iDrops, que
os limites de tais escolhas, o que podemos
eu co-lancei em 2015. O objetivo do !F Lab era
dar o fomento necessário para que pessoas
seus países de origem com a tarefa de pesquisar
criativas e talentosas pudessem contar his-
seu público, testar suas ideias, repetir e tes-
tórias de impacto usando a tecnologia digital
tar o conceito, e voltar preparados ao workshop
e dar um empurrãozinho no desenvolvimento da
seguinte, o Prototype Booster. A segunda sessão
indústria. O contexto para essa iniciativa era
de 5 dias foi concebida para dar apoio às equipes
a adoção pioneira de narrativas interativas
enquanto transformavam o protótipo no papel em
por parte de ‘grandes players’ (emissoras como
uma versão digital inteiramente funcional. Com
a ARTE, BBC, SBS e jornais tais como o The
esse objetivo, organizamos um Prototype Jam, em
New York Times e o The Guardian) que começou
que programadores e designers externos se junta-
a ocorrer por volta de 2008. O problema é
ram às equipes e os ajudaram a criar a primeira
que eles pouco compartilhavam sobre suas
versão digital de seus projetos. Essa atmosfera
práticas de produção, e pequenas empresas
de hackathon (maratona de programação) pressionou
audiovisuais tiveram dificuldades de entrar
os participantes a compartilhar suas ideias com
no campo. Conscientes das dificuldades que
pessoas novas, aceitar influências que vinham
os produtores criativos tinham ao se lan-
de campos diferentes e conhecimentos diversos.
çarem em territórios desconhecidos, nosso
Nem sempre foi fácil, mas na maior parte dos
objetivo no !F Lab era simples: 1. Ajudar
casos, serviu como uma forma de abrir os olhos
no desenvolvimento de formas inovadoras de
à natureza fundamentalmente pluridisciplinar da
contar histórias em âmbito digital ao nos
produção interativa.
tornarmos mentores de novos projetos, e 2.
Durante minha experiência como Chefe de
pesquisar as melhores práticas de produção
Estudos do !F Lab, percebi que se lançar na criação
da indústria, testando-as. Entre 2015 e
de um projeto interativo é excitante mas também
2018, o !F Lab guiou 72 participantes de
assustador, e que o desafio que precisava vencer
25 países e convidou experts criativos de
era criar um ambiente em que as pessoas se sen-
ponta do mundo todo para compartilhar seu
tissem inspiradas, desafiadas, apoiadas e também
conhecimento conosco.
completamente livres. No !F Lab, fizemos isso ao
A estrutura do !F Lab mudou com os anos,
misturar apresentações, trabalho ‘mão na massa’
mas sua lógica essencial era funcionar como
nos projetos, e um acompanhamento individualizado
uma incubadora de projetos via uma série de
de mentores atentos. Para garantir que todos os
workshops para grupos com ênfase ‘mão na
projetos passassem pelo mesmo processo, criamos
massa’, intercalados com períodos de descanso
dois tipos de instrumentos de aprendizado: cards
de dois meses, nos quais as equipes podiam
(cartões) e canvases (telas). Cards eram mini
atualizar as decisões tomadas nos encontros.
palestras ministradas pelos nossos treinadores,
No último workshop do !F Lab, na primeira
e já as canvases foram concebidas como exercícios
sessão de 5 dias de duração, (o Story Booster),
práticos para ajudar cada equipe a tomar decisões
reunimos todos os participantes liderados pela
relacionadas a seus próprios projetos, e progredir
equipe do !F Lab. Nesta fase, eles fizeram
até o próximo passo. Passar de uma mini-palestra
a transição, ainda no papel, do conceito
à realização através da prática ‘mão na massa’
inicial a um protótipo acabado de sua ideia
proporcionou o ponto certo de equilíbrio que
interativa. Os participantes então voltaram a
desejávamos entre guiar e dar total liberdade.
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IMAGEM 2. CARDS E CANVASES DO PROCESSO WHAT IF IT (HTTP://WWW.IFLAB.NET/)
Chamamos esse processo de WHAT IF IT, já que ele começa com uma pergunta (O QUÊ é o meu conceito?) e depois pede que você Interaja com o seu público (logo o “I”), depois Formule seu desafio e impacto (“F”), Idealize,
através da criação de protótipos
(logo o “I”) e finalmente Teste (”T”) antes de começar de novo.
IMAGEM 3. EXEMPLO DE CANVAS: O CANVAS DO CONCEITO HTTP://WWW.IFLAB.NET/
IMAGEM 1. AS 5 FASES DO PROCESSO WHAT IF IT(HTTP://WWW.IFLAB.NET/)
O processo WHAT IF IT é uma metodologia que pode ser usada por qualquer pessoa ao iniciar uma produção e não exige nenhum conhecimento técnico. Se baseia em alguns princípios fundamentais, que acredito sejam úteis como um guia na produção de narrativas inovadoras e interativas: começar pelo usuário, dotar o seu projeto de um
Ao mesmo tempo em que encorajo o leitor a
objetivo (ou impacto) claro, trabalhar com uma
baixar o The !F Lab Field Guide to Interactive
equipe multidisciplinar desde o primeiro dia,
Storytelling Ideation2 e usá-lo, também gostaria
e adotar uma abordagem do processo de produção
de lembrá-lo que nenhuma metodologia é imutável,
que é iterativa (baseada na repetição, análise
e que foi concebida para o auxiliar, não para
e aperfeiçoamento de ações) e centrada no usu-
criar limites. Por favor, experimente o método,
ário. Para ter uma ideia, veja o resumo de todo
e mude-o de acordo com suas necessidades e
o material de apoio que usamos para ajudar os
ambiente profissional. Eu fiz a mesma coisa.
participantes a identificar o ‘conceito exato’ de seus projetos.
2 http://www.iflab.net/wp-content/uploads/2019/01/The-F-Lab-FieldGuide.pdf
O professor André Paz da UFRJ me con-
DIRETRIZES, OU MUDANÇAS DE MENTALIDADE
tatou em 2017, com o convite para adaptar o
(MIND SHIFTS), PARA A PRODUÇÃO DE
WHAT IF IT para o contexto brasileiro. Graças
NARRATIVAS INOVADORAS E INTERATIVAS
ao apoio da British Academy Newton Mobility
Grant, começamos um projeto de pesquisa de
Ao começar uma narrativa interativa, nos con-
um ano com o objetivo de trazer o nosso
frontamos com uma série de perguntas: Qual
processo para o que chamamos de IF BUG LAB:
plataforma deveria escolher? Como organizar a
quatro dias de ideação interativa voltados
minha história? Qual parte deveria ser inte-
para produtores audiovisuais brasileiros.
rativa? Quais habilidades técnicas preciso
Levando em conta a relativa novidade do
ter? Quanto vai custar? Claramente não há uma
campo da narrativa interativa no Brasil, e
resposta única, mágica, e as opções são tantas
a consequente falta de recursos financeiros,
que podem ser difíceis de processar.
IF BUG LAB enfatizou fortemente os recursos
Nosso aprendizado do !F Lab, e IF BUGLAB,
de produção ao mesmo tempo em que procurou
é que ao invés de querer tomar todas decisões
preservar a natureza fundamentalmente ite-
independentemente já no primeiro dia, é mais
rativa (processo de aperfeiçoamento através
vantajoso confiar que as respostas vão se impor
de sucessivas repetições e testes de pro-
sozinhas, surgir como uma evidência, o que se
tótipos) do processo WHAT IF IT. Através
constata se seguirmos um processo de desen-
deste experimento, efetivamente testamos a
volvimento criativo. Minha proposta é que o
flexibilidade e maleabilidade dos processos
leitor se engaje com uma série de mudanças de
ideativos. Chegamos à conclusão de que mesmo
mentalidade que nos abrirão para novos desafios
que processos precisem se adaptar a contextos
digitais, e depois observar a evolução do pro-
culturais e econômicos, a sua estrutura pode
cesso. O leitor irá notar que essas mudanças de
ser bastante estável e permanecer pratica-
mentalidade caminham juntas com o processo do
mente inalterada.
WHAT IF IT, mesmo que adotemos uma terminologia
No caso do processo WHAT IF IT o resul-
com pequenas diferenças:
tado foi que se tornou necessário manter os processos principais e sua natureza iterativa, enquanto mudávamos a ênfase dada a
1. COLOQUE O USUÁRIO NO CENTRO
eles. Em outras palavras, o que nunca mudou
DO SEU PROCESSO CRIATIVO.
foi o entendimento de que na interatividade a criação não é linear e requer uma série
Nas narrativas interativas, você pede para a
de mudanças de mentalidade, uma série de
audiência intervir na sua história agindo nos
cliques que fazem com que você veja o mundo,
pontos interativos que você criou (clicar em um
o seu trabalho, seu papel nele, de forma
link, escrever um comentário, mandar um vídeo,
nova. No que segue, gostaria de voltar à
se movimentar no espaço, construir algo, etc…).
essência de cada fase do processo WHAT IF
Porém, se as opções que você criou não satisfazem
IT, adicionando o que aprendi no Brasil, e
seus usuários, você os perde. A especialista em
chegando a uma lista que espero que seja
jogos Jane Murray define agência como “o poder
útil para o leitor.
que gera satisfação [ao usuário] ao tomar ações
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significativas e ver o resultado das decisões
- aprendemos essa lição com os participantes do !F
e escolhas” (Murray, 1997:126).
Lab que vinham do campo audiovisual. Eles estavam
Se os usuários não estão curiosos para
acostumados a começar com sua própria ideia e
explorar as opções que você criou para eles,
depois entrar na produção, uma vez que eles rece-
então você não conseguiu envolvê-los. Todos já
beram a aprovação de seu projeto. Convencê-los de
assistimos programas de TV que não nos inte-
que criar empatia com a plateia desde o início não
ressaram por pura preguiça e inércia. Em uma
é só a melhor maneira de desafiar seus próprios
mídia interativa, porém, a história não vai
preconceitos, mas também é um passo fundamental
adiante se nós não interagimos com ela, então…
para deixar a plateia interessada e, em última
Fim da história. Por essa razão específica,
instância, para gerar ideias interessantes e ‘fora
você deveria ter uma mentalidade em que você
da caixa’, demandou uma atitude tente-você-mesmo.
projeta com a sua audiência, e não para sua audiência. Isso é o éthos fundamental do ‘User
Centered Design’ (UCD) (design centrado no usu-
2. FAÇA SUA PESQUISA
ário), uma vertente do ‘Design Thinking’, que começa o design de qualquer produto, serviço
Muitas pessoas desejam fazer uma narrativa
e experiência ao estudar e se envolver com seu
interativa porque acreditam que assim poderiam
usuário final. Para Donald Norman, o primeiro
evitar redes de distribuição fechadas e alcançar
designer a usar o termo, “o design centrado no
uma plateia maior. É uma expectativa falsa.
usuário enfatiza que o propósito do sistema é
O seu projeto pode ser online, mas se ninguém
servir o usuário, não é usar tecnologia espe-
sabe dele, você efetivamente não tem plateia.
cífica, não é para ser um programa elegante”
A mudança de mentalidade necessária nesse caso
(Norman, 1998:61).
é a seguinte: não espere que a audiência venha
Se você olhar cuidadosamente o processo
até você, é o seu trabalho atraí-la.
do WHAT IF IT (imagem 1), você verá que aco-
Garantir uma plateia frequentemente
modamos as cinco fases do UCD às necessidades
significa ter um orçamento promocional para
dos narradores interativos. A segunda fase é
gastar, mas também significa que você vai
interagir com o seu usuário, o que significa:
precisar ter uma estratégia de lançamento e
teste o seu conceito entrevistando seu público
algumas parcerias firmes. Enquanto encora-
alvo, aprenda quais plataformas eles usam e o
jamos o leitor a procurar parceiros desde o
que eles sabem sobre o tema, antes de começar
início, nós também sabemos que, se você não
o seu processo de criação de ideias. Somente
tem algo para mostrar, é difícil de envolvê-
depois de ter feito isso, você pode começar a
-los. É uma situação de ovo-e-galinha na qual
trabalhar em um protótipo inicial do seu con-
é necessário ter um protótipo para explicar
ceito, e que você irá testar, de novo, com seu
sua ideia, mas você também precisa de ajuda
público alvo. Esse é o começo de um processo
para criar o seu primeiro protótipo. Nossa
iterativo duplo entre você e a sua audiência.
sugestão é que você trabalhe em pequenos
Por mais estranho que possa parecer, essa
passos, onde o desenvolvimento da história e
pequena mudança de mentalidade tem sido a mais
pesquisa de parceiros caminhem juntos. Quanto
difícil, e provavelmente a mais importante
mais você progredir com sua ideia, mais você
poderá mostrá-la para pessoas diferentes
conteúdo, design e programação, ainda é diverso
e pedir ajuda.
demais para uma só pessoa conseguir fazer tudo
Para que ganhe credibilidade nesse
com qualidade. Então aceite a seguinte mudança
equilíbrio delicado, é importante que esteja
de pensamento: você precisa de ajuda, e você
preparado, e exerça absoluto domínio do seu
precisa de ajuda de pessoas que vêm de indústrias
‘jogo’. Nunca subestime a importância de
diferentes, pois elas estarão acostumadas a
conferir outros tratamentos do tema tanto nas
processos e linguagens completamente diferentes
narrativas lineares quanto nas interativas.
quando trabalham em grupos. Não há como enfatizar o bastante a impor-
• Tenha uma série de pontos comparativos
tância de se criar uma equipe multidisciplinar
entre o que você quer fazer e o que
desde o primeiro dia. Pode ser difícil no iní-
outros já fizeram.
cio, mas vai valer a pena quando você perceber
• Por que a interatividade é essencial
que elas criam ideias e soluções que você não
para envolver a sua plateia de escolha?
poderia nem imaginar. Para resolver o problema
• Seja consciente de tendências que já
de ter abordagens diferentes no trabalho, nós
existem em narrativas interativas.
sugerimos que você escolha uma série de passos
Quando a ‘próxima tecnologia’ começar
que vão te levar à produção de um primeiro pro-
a ficar para trás, você vai precisar
tótipo (também conhecido como o Menor Produto
justificar porque a adotou.
Viável - “Minimum Viable Product”) e se com-
• Você também deve ser capaz de inserir
prometer com ele, como equipe. Esse primeiro
seu projeto nos estilos diferentes de
protótipo, uma vez testado com sua plateia,
narrativas interativas que já existem.
será seu melhor aliado na busca de futuros
Afinal, você é o especialista… ou não?
financiadores e parceiros.
Esse livro é em si um recurso para ajudar o leitor a fazer análises comparativas, mas
4. CONSIDERE DAR O PAPEL DE CO-
também se deve ter em mente que há outros
CRIADOR AO SUJEITO DO SEU TRABALHO
recursos online, como o MIT Docubase , IDFA 3
DocLab4 e i-Docs5.
Se a sua história envolve comunidades específicas, então considere co-criar sua narrativa com elas. Documentaristas e artistas experimen-
3. ADOTE EQUIPES MULTIDISCIPLINARES
taram práticas participativas durante a maior
E PRODUÇÕES COM MÉTODO ITERATIVO.
parte do século passado, mas a transição para a mídia digital oferece uma flecha extra para
É desafiador ser uma ‘banda de uma pessoa só’
o seu arco: a mídia social é, por definição,
em produções digitais. O grupo de habilidades
comunitária, e a internet é, antes de mais
que você precisa dominar, entre a produção de
nada, uma rede. A mudança de mentalidade que as narrativas interativas oferecem aqui, se resume
3 http://docubase.mit.edu 4 http://www.doclab.org/category/projects/
a: por que usar sua única voz para representar outros? Se você já incorporou um certo nível de
5 http://i-docs.org/
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co-autoria com os seus usuários e sua equipe
comunidade e ter um impacto social, e a pressão
multidisciplinar, por que não estender aos
social pode aumentar muito e criar um impacto
seus personagens?
a nível político. O impacto, portanto, possui
O recém criado Estúdio de Co-Criação do
múltiplas camadas e não é linear (é sistêmico).
MIT (MIT Co-Creation Studio) enfatiza que
Isso nos leva para a nossa quinta mudança de
“A co-criação oferece alternativas para a
mentalidade: pense no impacto como um processo
visão de autor único. É uma constelação de
não-linear com vários pontos de entrada. O seu
métodos de mídia e enquadramentos. Projetos
trabalho é definir estrategicamente o quão
se originam de processos, evoluem de dentro
longe você quer que o seu projeto influencie,
de comunidades e com pessoas, ao invés de
e projetar pontos de ação tanto em sua história
serem feitos para ou sobre elas”. Visite
como em sua campanha de promoção para acionar
o site deles, e você encontrará ideias e
um movimento de impacto. Você também precisa
recursos para ajudar a elaborar projetos
estar ciente de que não lidamos com uma ciência
nos quais o impacto vem de uma colaboração
definida, as mídias de rede são dominadas por
entre o design do projeto e as comunidades
lógicas relacionais e não-causais, de forma que
a que se destina.
você só pode dançar conforme a música, fazendo
6
ajustes constantes enquanto escuta as reações que você está gerando. 5. TENHA UMA ESTRATÉGIA DE IMPACTO CLARA Pense no impacto como a mudança que você quer
6. GARANTA A COERÊNCIA DO SEU PROJETO
que o usuário viva durante a experiência do seu projeto. Veja isso como uma lista de
Finalmente, como parte do processo iterativo
‘antes’ e ‘depois’. Se você listar mudanças
de criação, volte para os fundamentos do seu
específicas que você quer que aconteçam
projeto: sua plataforma escolhida, plateias,
(que o usuário se conscientize ao aprender
impactos, parceiros e recursos. Se você deseja
sobre o seu tema, sinta uma certa emoção,
aumentar suas chances de sair do estágio da demo,
e faça algo como assinar uma petição ou
ou do protótipo, para uma produção completa, você
outros) você precisa fazer o design do seu
deve ter certeza de que esses cinco pontos estão
projeto nessa direção. A jornada de usuário
alinhados, porque isso é o que vai constituir
precisa levar a plateia onde você quer que
sua proposta, ou o tratamento do projeto.
ela vá - veja a tela de impacto (impact
Notamos através dos anos do !F Lab que,
canvas) do usuário no processo WHAT IF IT.
frequentemente, os participantes tinham respostas
Agora se distancie do seu usuário e veja
claras para cada um dos cinco pilares de seus
o panorama geral: impacto é como uma cebola,
projetos, mas eles não estavam necessariamente
ele possui camadas diferentes. No centro
relacionando-as. Por exemplo, víamos histó-
você tem o (usuário) indivíduo. Porém, seus
rias destinadas a um público de adolescentes
usuários podem ter um impacto dentro de sua
usando uma plataforma que o público não usava. Ideias para projetos tecnicamente complexos de transmídia, que exigiam vultuosos recursos
6 https://cocreationstudio.mit.edu/
financeiros, liderados por pessoas sem con-
Uma vez que você encontra a resposta
tatos na indústria. Ou até mesmo projetos
para essa pergunta essencial, você então deve
sobre tópicos que não tinham atrativos para
decidir se quer seguir o seu instinto criativo
o público selecionado, mas que o autor queria
ou prefere ter a orientação de uma metodologia
continuar por causa de seu próprio interesse
de ideação, como o processo WHAT IF IT. Essa
neles. Todos nós nos apaixonamos por nos-
escolha é completamente sua. Seja qual for a
sas histórias, mas isso não é suficiente se
escolha que você faça, provavelmente, irá notar
queremos que elas sejam ouvidas/assistidas.
que não se pode evitar algumas mudanças de
Em um ambiente não-linear em rede como é o
mentalidade que estão listadas neste artigo.
digital, ainda é importante, para levar um
Essas mudanças são mais ou menos inevitáveis
projeto adiante, que a nossa intenção seja
porque elas são parte da jornada que nos leva
coerente. Isso nos leva à nossa última, e,
a avaliar, e algumas vezes a descobrir, o que
provavelmente, mais contra-intuitiva mudança
queremos da esfera digital e que papel quere-
de mentalidade de todas: ser coerente não
mos que nossas histórias tenham ao forjá-la.
é ter previsto todas as causas que geram
Bem-vindo à mudança de mentalidade digital.
algum efeito, mas ter uma visão sistêmica onde forças diferentes podem expandir rumo à direção desejada. Pense em sua narrativa digital como uma forma viva que age no mundo por múltiplas forças. Seu trabalho é direcioná-la, e não fingir que a controla.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRUNER, Jerome (1986) Actual Minds, Possible Worlds. Cambridge: Harvard University Press.
ECO, Umberto (1962) Opera Aperta, Milano: Bompiani Editore.
Para concluir, embarcar na criação de narrativas interativas e inovadoras vai muito além de aprender novas habilidades tecnológicas. É uma afirmação política e ideológica dentro do mundo digital, no qual você se posiciona ao enquadrar e forjar o discurso
GAUDENZI, Sandra (2019) The !F Lab Field Guide to Interactive Storytelling Ideation. http://www.iflab.net/wp-content/ uploads/2019/01/The-F-Lab-Field-Guide.pdf
MC ADAMS, Dan P. (1993) The Stories we Live by. London: The Guilford Press.
MURRAY, Janet (1997) Hamlet on the Holodeck. The Free Press.
digital, o que ele é, o que ele será. As narrativas interativas não são somente uma
NORMAN, Donald (1998) User Centered System Design. New Jersey: CRC Press.
maneira de ter livre distribuição na internet e de fazer nossas histórias globais, mas também são uma forma de pensar sobre o mundo
Thalhofer, Florian, Judith Aston, and Stefano Odorico (2018) “A Few Questions for Florian Thalhofer.” Alphaville: Journal of Film and Screen Media, no. 15, Summer 2018, pp. 106– 112. www.alphavillejournal.com/Issue15/InterviewThalhofer.pdf
e sobre os relacionamentos que nós queremos construir nele. As narrativas interativas criam mais do que contam. Elas são ferramen-
ZIMMERMANN, Patricia (2018) “Thirty Speculations Toward a Polyphonic Model for New Media Documentary.” Alphaville: Journal of Film and Screen Media, no. 15, Summer 2018, pp. 9–15. www.alphavillejournal.com/Issue15/ArticleZimmerman.pdf
tas. Elas são uma forma de posicionamento. É por isso que perguntar a si mesmo “Por que essa história deveria ser interativa?”, desde o primeiro dia, é essencial. A interatividade é uma escolha autoral.
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VISÃO PANORÂMICA
DE CONTADORES A FACILITADORES DE HISTÓRIAS: UMA ENTREVISTA COM LAURECOPS & WOUTER VANMOL, DA NUNAM POR SANDRA GAUDENZI1
1 Sandra Gaudenzi é Chefe de Estudos do !F Lab (Laboratório Factual Interativo). Ela tem consultado, orientado, pesquisado, ministrado palestras, escrito, e blogado sobre narrativas interativas nos últimos vinte anos. É Senior Lecturer do LAB de Narrativas Interativas Digitais da Universidade de Westminster (Londres, RU); Membra visitante no Centro de Pesquisa de Culturas Digitais (UWE, RU); co-diretora do site e conferência i-Docs e co editora do livro: i-docs: as Práticas Emergentes dos Documentários Interativos. (i-docs: the Evolving Practices of Interactive Documentary).
BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS · ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0 · RIO DE JENRIO · 224 PÁGINAS EDITORA: AUTOMATICA · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO · BUG404.NET
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NuNam2 é um studio criativo baseado na
de mapear essas transformações de mentali-
Bélgica. Seus fundadores, Laure Cops e Wouter
dade (mind shifts, em inglês) com que Laure &
Vanmol, formados em cinema e comunicação,
Wouter se depararam durante sua transição de
depois de viajar pelo mundo decidiram se
“contadores de histórias” para “facilitadores
estabelecer em sua cidade natal. Criaram a
de histórias”.
empresa em 2014 com o objetivo de fazer um cinema socialmente engajado. Me encontrei com eles em 2015, quando participaram do !F
Lab (Interactive Factual Lab), um workshop financiado pela União Europeia que dirigi entre 2015 e 2018, com o objetivo de criar narrativas digitais interativas. Laure e Wouter chegaram ao workshop
EM 2015, VOCÊS PROCURARAM O !F LAB PARA DESENVOLVER UMA HISTÓRIA DE FORMA INTERATIVA. QUAL ERA O PROJETO, E POR QUE VOCÊS ACREDITAVAM QUE ELE DEVERIA SER INTERATIVO?
porque estavam trabalhando em um projeto que não poderia ser realizado de maneira
WOUTER VANMOL (WV): Toda história que se
simples no formato de documentário. Era uma
conta é pessoal, mas essa foi (e talvez
história grande demais para se encaixar. A
ainda
dupla queria que as pessoas se sentissem
já sentimos a necessidade de contar. Aos
engajadas, queria gerar impacto, e estava se
18 anos Laure perdeu o pai, quando ele se
perguntando se a internet, ou outro formato
suicidou. Ela precisou de mais de 10 anos
interativo, poderia ajudá-los a ir além da
para se recompor depois do que aconteceu.
tela. No final, o !F Lab fez mais do que aju-
No meio tempo, sua melhor amiga Saura tam-
dá-los com suas ideias, mudando por completo
bém decidiu tirar a própria vida.
seus modos de pensar sobre seus papéis como
LAURE COPS (LC): Talvez seja uma ousadia dizer
contadores de histórias. O resultado foi a
isso, mas eu me tornei uma pessoa mais forte,
mudança de perfil da empresa, que passou
mais rica. Me custou sangue, suor e lágrimas.
da produção de histórias lineares para “um
Em algum ponto deste caminho decidi usar todo
estúdio criativo que molda histórias para
aquele horror como a minha força. Porque ao
cinema, fotografia, palavras, instalações, e
mesmo tempo em que cada suicídio é uma tragédia
projetos interativos para clientes, plateias
para as pessoas que são forçadas a lidar com
e nós mesmos”.
ele, os resultados para cada um podem ser muito
seja)
a
história
mais
pessoal
que
Mudar de uma mentalidade linear para
diferentes. Algumas pessoas que sofrem o luto
uma perspectiva interativa e de 360o signi-
do suicídio entram em espirais descendentes e
ficou mudar a forma de trabalhar, aprender
desenvolvem pensamentos suicidas elas mesmas
novas ferramentas e, principalmente, olhar
(20 a 30 por cento dos que perdem um ente
para o mundo de outro modo: menos no papel
querido
de observadores e mais como facilitadores
que conseguem passar pelo processo do luto de
de mudança. Esta entrevista é uma tentativa
maneira a olhar adiante, podem encontrar novos
para
o
suicídio),
enquanto
outras,
resultados, e um sentido, um entendimento mais 2 https://www.nunam.be/
profundo da vida (e da morte).
DE CONTADORES A FACILITADORES DE HISTÓRIA: UMA ENTREVISTA COM LAURE COPS &... · POR SANDRA GAUDENZI · 36-43
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WV: Desde o princípio sabíamos que The
histórias digitais ou interativas. Os pro-
(A Floresta Dourada) era
fessores na nossa escola vinham de ambien-
Golden Forest
3
um projeto sobre o período pós suicídio.
tes
Como é esse processo complexo de luto?
conhecimento sobre como o jornalismo estava
Como se leva adiante a nossa vida quando
ou deveria estar se adaptando à internet.
perdemos um ente querido? Como se volta
Mas é claro que eu sabia que havia algo
a abraçar a vida? Provavelmente intuímos
se desenvolvendo. Ao trabalhar como jor-
que deveria ser algo interativo, mas foi
nalista para um meio online, fui atraído
apenas no primeiro workshop do qual par-
por projetos estimulantes que surgiam, que
ticipamos, o !F Lab Storybooster 2015,
exploravam novos caminhos.
que conseguimos traduzir nossos pensamentos iniciais em razões concretas. LC:
Naquele
momento
sabíamos
que
e
ad
A
hoc.
um
guia
Floresta para
Dourada
ajudar
as
a
maior
parte
tinha
pouco
LC: Mais adiante começamos nossa própria exploração. Fizemos experiências com sof-
que-
ríamos que nosso projeto fosse anônimo
ser
offline,
deveria
pessoas
a
tware como Klynt e Racontr e fizemos um trabalho
longform com Pageflow4 sobre
de
o abastecimento de energia da Europa, que misturava
textos,
fotografia
e
vídeo.
A
lidarem com seu luto de forma a olhar
esta altura já sabíamos que existia reali-
para
dar
dade virtual, realidade aumentada, mas não
oportunidade ao usuário de percorrer o
frente.
O
sabíamos como chegar até essa mídia e como
filme no seu próprio ritmo. O usuário
produzir conteúdo para ela. Para A Floresta
precisava
Dourada
poder
projeto
dirigir
precisou
a
história
em
queríamos
que
o
projeto
fosse
direção aos sentimentos e situações com
baseado na internet porque nos parecia que
as quais estava lidando no momento. E,
desta forma chegaríamos ao maior número de
para
espectadores possível. Não era por vaidade,
fazer
isso,
o
formato
interativo
era a única solução.
mas era porque sabemos que muitas pessoas que perdem membros da família por suicídio nunca
tiveram
oportunidade
de
encontrar
ajuda em suas comunidades.
QUAL ERA O SEU ENTENDIMENTO DO PROCESSO INTERATIVO DE CONTAR HISTÓRIAS NAQUELA ÉPOCA? ME LEMBRO QUE VOCÊ QUERIA QUE O PROJETO FICASSE DISPONÍVEL NA INTERNET, POR QUÊ?
WV: Eu acho que também casou com nossa fé no uso da ‘tecnologia para o bem’. Num mundo onde a tecnologia é uma das forças motrizes levando a rupturas sociais, culturais, econômicas
e
políticas,
acreditamos
que
implementar novas tecnologias de forma a WV: Acho que sou da geração que talvez tenha sido a última a estudar jornalismo
catalisar mudanças positivas é necessário e gera esperança.
de forma praticamente cega à narração de 4 Pageflow é uma plataforma criada para facilitar a publicação de narrativas multimídia na internet. Exemplo de um projeto feito com 3 https://www.nunam.be/golden-forest
Pageflow pela NuNam: https://www.nunam.be/walking-the-line
RV, RA e RX, instalações transmídia, etc, que VOCÊ ME DISSE QUE O !F LAB TINHA SIDO UMA EXPERIÊNCIA QUE MUDOU A SUA VIDA. PODERIA EXPLICAR?
percebemos
que
estávamos
ligados
às
‘antigas possibilidades’ e que era o alvorecer de uma nova era de contação de histórias. E afinal é isso que se persegue com maior interesse: a sensação da exploração.
LC: [O conceito] “A interface é parte da experiência” foi um estalo. O !F Lab desencadeou cimento lugar
uma
espécie
profissional’.
onde
de
Foi
questionamos
o
‘amadureo
primeiro
meio.
Onde
aprendemos que ‘sua tela não é apenas uma tela’, é mais do que o espaço em branco. Descobrimos que cada meio tem seus desafios de
e
possibilidades.
chegar
para
ao
chegar
criador,
usuário.
ao
seu
explorar
essas
novas
mídias,
descobrimos
o poder da história. E mais ainda, a arte da história. A beleza do trabalho. Nos fez pensar em como estávamos usando histórias nos nossos projetos audiovisuais de jornalismo até então. WV: !FLab mudou nossas perspectivas. Não
como
um
apenas
possibilidades
aprendemos
a
mudar
de
visão,
mas
no
também aprendemos o fato fundamental que é que há diferentes perspectivas. Acredito
Possibilidades para revelar, interagir e
que !F Lab nos ensinou isso ao nos pres-
imergir… Gostamos de acreditar que cada
sionar
história tem um meio que a veste como
impacto. Nossa lição: onde a história e o
uma
meio entram em colisão? IMPACTO.
da
luva.
também
Possibilidades
objetivo
bou nos trazendo de volta para casa. Ao
histórias.
campo
mas
Possibilidades
LC: Estranhamente, entrar nesta busca aca-
pura
contação
Seja
ela
de
baseada
em
texto,
a
pesquisar
nossa
estratégia
de
áudio ou vídeo. Seja ela linear ou não linear. Seja o meio realidade aumentada, realidade virtual, radio, podcast, chatbot e assim por diante. WV: da
Antes mídia
do era
FOCAR NO USUÁRIO - AO INVÉS DE APENAS NA NARRAÇÃO DA HISTÓRIA FOI UMA MUDANÇA RADICAL PARA VOCÊS? COMO FOI QUE VOCÊS SE AJUSTARAM A ISSO, E COMO VOCÊS PLANEJAM SUAS HISTÓRIAS INTERATIVAS ATUALMENTE?
!FLab nosso conhecimento limitado
a
texto,
vídeo
ou foto. Havia ‘apenas’ TV ou cinema. E fazíamos parte do ‘nicho do vídeo’. O que a !FLab fez não foi apenas nos permitir perceber isto, mas também revelar um mundo novo de mídias e possibilidades baseado em tecnologias que ainda estão por vir.
WV: Foi realmente uma mudança radical de perspectiva mental, mas, na verdade, não foi tão difícil de se fazer. Talvez a maior mudança que os ‘realizadores tradicionais’
Na verdade, foi apenas ao nos depararmos
precisam fazer é ir além dos seus egos,
com todos estes loucos, impressionantes
porque uma grande parte do esforço de ‘focar
e intrigantes projetos na internet, em
no
usuário’
é
sobre
isso,
DE CONTADORES A FACILITADORES DE HISTÓRIA: UMA ENTREVISTA COM LAURE COPS &... · POR SANDRA GAUDENZI · 36-43
acreditamos.
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Não
é
está
apenas
a
contando.
sua É
história
encontrar
você
mas essa é a parte da diversão! - e !F Lab
terreno
realmente funcionou ao nos dar um guia de
que
um
em comum entre você e sua plateia. Você passa de um contador de histórias para um arquiteto de histórias. O que exige que você se adeque a esse papel inteiramente novo. E gostamos deste novo papel!
como atravessar esse processo interativo. Já a parte financeira do nosso empreendimento, por outro lado, é o maior desafio. Fazer um
um
filme,
um
documentário
longa-metragem...
não
custa
curto, tanto.
LC: Ao nosso ver, esse processo de focar
Mas para gerar uma experiência imersiva,
no
interativa, com o nível de qualidade que
usuário
está
intimamente
ligado
ao
entendimento de que para realizar proje-
queremos,
tos interativos você não vai ser mais o
E equipes maiores. E, portanto, desafios
implica
em
produções
maiores.
único com controle da situação. Você quer
maiores para conseguir o orçamento que se
tecnólogos criativos que pensem sobre a
precisa. Principalmente em um campo em que
história também. Você quer que os desen-
toda a indústria (financeira) ainda está de
volvedores somem algo à história. Você
certa forma se desenvolvendo.
quer que a sua plateia interaja e possivelmente seja co-criadora da história. Então, como realizadores, nos vemos cada vez mais como facilitadores. Temos uma QUE CONSELHOS VOCÊS DARIAM AOS NOVATOS NO CAMPO? COMO SE EQUACIONA DE MANEIRA CORRETA A CRIATIVIDADE E A VIABILIDADE?
visão e precisamos criar um ecossistema onde cada parte envolvida possa prosperar e contribuir em algo para esse filme maior que temos em mente. WV: E é assim que gostamos de trabalhar
WV: Adoramos trabalhar com os nossos amigos,
hoje em dia. Procuramos nos cercar de
mas sentimos muita falta de ter ‘amigos tech’
pessoas com as quais gostamos de tra-
(ou saber mais nós mesmos sobre programação/
balhar e que são ótimas nas coisas que
desenvolvimento).
nós não somos. Se fala em estar sobre
truir alguns protótipos experimentais e se
os ombros de gigantes, não é?! Montar a
lançar no percalço de uma ideia louca pelo
nossa equipe se tornou uma parte impor-
grande desconhecido adentro, só pelo prazer
tante do processo de cada projeto.
da coisa!
Quais
Ao
foram
os
principais
obstáculos
contratar
uma
Seria
maravilhoso
equipe
tech
não
cons-
sobra
que vocês encontraram depois do workshop
muito espaço para experimentar e explorar
para
apenas por diversão. Então encontre amigos
desenvolver
o
projeto
de
vocês?
Foram financeiros ou conceituais? LC: Claro que levar adiante o processo criativo, ou conceitual, é sempre repleto de desafios que precisam ser vencidos,
para brincar e experimentar juntos! E certamente amigos que tem habilidades que você não tem. Amigos que tenham uma abordagem diferente. Vai lhe dar o prazer de co-criar coisas que são mais ou menos livres, novas,
inéditas, loucas, que não são necessárias e não precisam cumprir um prazo. Vai lhe dar o prazer de fracassar sem
E QUAL É O SEU PONTO DE PARTIDA QUANDO UM CLIENTE CHEGA ATÉ VOCÊ? IDEIAS? POTENCIAL INTERATIVO? ORÇAMENTO?
consequências.
WV: Realmente depende. No caso de alguns QUAL É O SEU PRÓPRIO MÉTODO DE DESENVOLVER PROJETOS ATUALMENTE?
projetos, tivo
você
percebe
imediatamente.
potencial
Outros
tem
intera-
potencial
interativo, mas se o cliente já tem certas LC: Temos 3 tipos de projetos acontecendo
expectativas ou uma mentalidade mais tra-
simultaneamente:
dicional, pode ser trabalhoso convencê-lo
primeiro,
os
pequenos
projetos, na maior parte para clientes,
a adotar o caminho da interatividade.
bastante viáveis, mas que também podem
Em geral, quando fazemos experiências real-
gerar
mente interessantes com a interatividade,
experiências
pessoais
de
pura
diversão. Depois temos alguns projetos
são
de médio-porte. Projetos que abrem espaço
alinham”. Tem que haver uma história, tem
para a expressão criativa, mas que não
que
desafiam
São
precisa estar disposto a segui-lo no cami-
projetos nos quais trabalhamos por algu-
nho criativo (e frequentemente dar um passo
mas semanas ou alguns meses, onde fre-
para o desconhecido) e tem que existir um
quentemente há expectativas de clientes
orçamento que permita tudo isso. Essas coi-
que precisamos satisfazer. E, por fim,
sas não são (ainda) fáceis de conseguir.
temos o ‘grande projeto’. Um projeto que
No nosso caso, pelo menos. Apesar de que
faz nossos corações baterem apaixonados.
também devemos dizer que parece que há uma
O grande projeto é o que te define. O
espécie de ‘despertar pro digital’ entre
projeto que faz parte da sua obra. Este
alguns de nossos clientes. Talvez também
projeto no qual você derrama toda a sua
porque
criatividade e no qual você luta como
mentos com os nossos (potenciais) clientes,
dragão para que seja viável. É assim que
e “divulgar a profecia interativa”.
o
limite
da
viabilidade.
casos
ter
em
que
“todos
potencial
procuramos
os
planetas
interativo,
manter
bons
o
se
cliente
relaciona-
fazemos hoje em dia, mas quem sabe como faremos amanhã? Enquanto formos dragões
LC:
mansos, vamos conseguindo, não é?!
aqueles planetas a se alinharem. Há soluções
Dito
isso,
(você
você
poderia
sempre
chamar
pode
isso
de
ajudar
fazer
concessões) sobre certos obstáculos como o orçamento. Por exemplo: no caso do documentário Nueva Prosperina nos vimos às voltas precisamente Resolvemos
com
então
limites
de
descartar
o
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orçamento. caminho
da
41
‘customização total’ e usamos Wiremax um software para fazer vídeo interativo5 para criar algo como um produto mínimo viável. de
O
cliente
fundo,
e
acreditou
gostou
do
na
O QUE VOCÊ GOSTARIA DE DIZER PARA AS PESSOAS QUE SÃO NOVAS NO CAMPO, E QUE VOCÊ GOSTARIA DE TER OUVIDO EM 2015?
ideia
documentário,
e
para a próxima campanha está disposto a providenciar mais fundos para continuar pelo campo da interatividade e atingir um
WV: Tenha objetivos claros. Seja ambicioso.
nível mais alto. Então, realmente é um
Mas veja as coisas em perspectiva. Não se
processo de passo a passo.
impaciente.
Quando
começamos
A
Floresta
Dourada, esperávamos tê-la terminado em um prazo de dois anos. Mas depois de quatro anos sabemos que ainda vai nos levar pelo menos mais um (ou até mais dois) anos até que se torne uma realidade. De início, isso
QUÃO DIFERENTE É O PROCESSO QUANDO VOCÊ ESTÁ TRABALHANDO NOS SEUS PRÓPRIOS PROJETOS?
nos
parecia
uma
eternidade.
Mas
quando
colocamos em perspectiva, não estamos apenas tentando realizar um projeto com várias
LC: Uma vez que A Floresta Dourada se
versões internacionais (a esta altura isso
tornou um projeto de tão grande porte,
quer dizer uma versão em flamengo e uma
tentamos
não
em
projetos
novos.
abrir
para
Temos
muitos
muitas
outros
ideias
e
o
alemão), nosso
mas
primeiro
estamos
também
documentário
fazendo
de
média
continuamos colocando no papel, mas não
metragem. Estamos construindo, expandindo
chegamos a produzi-las. Fazemos peque-
e consolidando o nosso estúdio criativo,
nos
experimentos,
esboços
ideias
e
curtindo a companhia um do outro, os novos
aguardando
de
a
relacionamentos profissionais que criamos,
oportunidade certa antes de mostrá-los
e a beleza da vida em geral. Então, a nossa
aos outros.
grande mensagem de despedida pode ser um
as
testamos,
Agora,
mas
pensando
estamos
nisso,
realmente
é
um
pouco diferente trabalhar nas suas próprias ideias. Não incluímos o orçamento no
nosso
certeza!
processo E
mesmo
criativo. o
foco
no
Isso
com
usuário
é
menos importante do que o nosso foco na história. A história é o que nos deixa apaixonados. É a história que nos motiva a ir mais fundo.
5 Exemplo de um projeto criado com Wiremax pela NuNam: https:// www.nunam.be/nueva-prosperina
pouco brega - mas nem por isso menos importante e nada fácil de conseguir –‘viva o momento’.
NARRATIVAS INTERATIVAS
ALÉM DAS INTERFACES: CONCEITOS E OBRAS FUNDAMENTAIS DE NARRATIVAS INTERATIVAS ANDRÉ PAZ1 E KÁTIA AUGUSTA MACIEL2
1 André Paz é professor e pesquisador da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Leciona no Mestrado Profissional em Criação e Produção Digital da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Diretor e produtor de narrativas interativas. Idealizador e coordenador do Bug404. Curador da Mostra Bug em 2018. 2 Katia Augusta Maciel é professora e pesquisadora da Escola de Comunicação (ECO) e coordenadora do Mestrado Profissional em Criação e Produção de Conteúdos Digitais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS · ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0 · RIO DE JENRIO · 224 PÁGINAS EDITORA: AUTOMATICA · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO · BUG404.NET
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produção tem sido reconhecida nos últimos anos
Eu quero mapear novos terrenos e não cartografar velhas fronteiras
em festivais consagrados, como no IDFA DocLab, do International Film Festival of Documentary (IDFA), de Amsterdã. Neste livro, o artigo “O cenário inovaMARSHALL MCLUHAN
dor das narrativas interativas e imersivas”12 (Paz e Jucá, 2019) mostra como essa produção surge dentro do contexto de ecossistemas inovadores com produtoras, grandes empresas
INTRODUÇÃO
de mídia, festivais, financiadores, centros O espectro de obras que chamamos neste livro
de pesquisa, congressos. Ela está situada na
de narrativas interativas digitais apresenta
interseção entre o audiovisual, o design e a
uma produção muito diversa, com diferentes
programação. Os processos criativo e produtivo
formatos, estruturas narrativas, plataformas
requerem uma colaboração interdisciplinar e
de suporte, modos de interação e dimensões
um diálogo amplo entre quem realiza e quem
de produção3. Estamos falando de grandes
pesquisa. Por isso, a consolidação desses
produções multiplataforma, como Highrise
ecossistemas inovadores aconteceu em para-
(2009-2017) ; pequenas produções, como Ilha
lelo à emergência de um campo internacional
Grande: Cada Praia, uma Ilha; Cada Ilha,
de pesquisa, com seus laboratórios e grupos
uma História (2015) ; obras colaborativas de
de pesquisa, como o MIT Open Documentary
impacto social como The Quipu Project (2015) ;
Lab13, em Boston; e congressos específicos,
webdocumentários seriados, como Do not Track
como o I-docs14, em Bristol, e o Interdocs
(2015) ; narrativas mobile baseadas em apli-
Barcelona15. Esse campo de pesquisa estabeleceu
cativos, sejam ficcionais como Phallaina
um amplo diálogo através de artigos, livros,
(2016) ou documentais como Alma: Une Enfant
congressos e blogs, em torno de autores que
de la Violence (2012) . De uma forma mais
se tornaram referências internacionais, como
geral, essas produções têm sido mapeadas por
Sanda Gaudenzi, Arnau Gifreu-Castells, William
alguns projetos, como o exemplar Docubase ,
Uricchio, Mandy Rose, Judith Aston. O livro
do MIT Open Documentary Lab (Massachusetts
I-docs: The Evolving Practices of Interactive
Institute of Technology), uma base de dados
Documentary (2017), de Judith Aston, Sandra
sobre o campo disponível online, comentada
Gaudenzi e Mandy Rose, se tornou, por exem-
por curadores internacionais11. Toda essa
plo, uma referência recente nesse campo. No
4
5
6
7
8
9
10
Brasil, André Paz, Júlia Salles, Denis Renó, 3 Cabe ressaltar que não estamos considerando as narrativas imersivas como objeto deste artigo. 4 http://Highrise.nfb.ca/ 5 www.ilhagrandewebdoc.website. Ver página 108 6 http://interactive.quipu-project.com. Ver página 109 7 www.donottrack-doc.com. Ver página 111 8 phallaina.nouvelles-ecritures.francetv.fr/phallaina_en.php.
Katia Augusta Maciel, Vicente Gosciola, também vêm fazendo pesquisas importantes no campo. Este artigo é uma introdução às narrativas interativas digitais através de alguns
Ver página 121. 9 http://alma.arte.tv. Ver página 121
12 Ver página 8.
10 https://docubase.mit.edu/
13 http://opendoclab.mit.edu/
11 O Bug404 tem traduzido esse material e divulgado também em
14 https://idocs2018.dcrc.org.uk/
português. http://bug404.net/
15 http://www.docsbarcelona.com/en/ed-2016/festival-2016/programacio/
ALÉM DAS INTERFACES: CONCEITOS E OBRAS FUNDAMENTAIS ... · POR ANDRÉ PAZ E KÁTIA AUGUSTA MACIEL · 44-59
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conceitos básicos formulados no contexto
NARRATIVA DIGITAL INTERATIVA
desse novo campo de pesquisa, organizados a partir da perspectiva da estética relacional
No amplo universo das possibilidades narrati-
que vem sendo desenvolvida por André Paz.
vas advindas da difusão das mídias digitais e
Os conceitos foram selecionados para mapear
da internet, o que caracteriza uma narrativa
o campo e apontar as potencialidades de suas
digital interativa? Quais são as suas caracte-
obras, com o objetivo de funcionarem, assim,
rísticas específicas? A marca primordial dessas
como referências para projetos inovadores
obras é apresentar uma interface interativa,
de realização ou pesquisa. O próximo item
ao invés da tradicional tela das criações para
apresenta o campo de uma forma geral, com seus
cinema e televisão em geral. Nessas obras, o
diversos formatos e conceitos mais básicos.
espectador encontra uma experiência de interação
O item seguinte apresenta a perspectiva da
que o transforma em interator, assim como em
estética relacional que permite reconhecer
outros campos da arte interativa, conforme já
as obras como projetos que vão muito além da
descrevia Louis-Claude Paquin, em 2006, em seu
interface. Já os itens posteriores exploram,
livro Comprendre les médias interactifs. Como
respectivamente, as potencialidades que as
afirma Paquin (2006: 15): “Com as interfaces,
obras adquirem ao incorporarem diferentes
a manipulação direta, os espectadores tornam-
práticas de agenciamento de participantes
-se interatores”, pois é preciso interagir
e usuários.
fisicamente com um banco de dados para que a
No campo das narrativas interativas
narrativa aconteça.
digitais, não há um formato de obras que
O exemplo mais oportuno é da obra que se
prevaleça ou tenha se tornado hegemônico.
tornou a maior referência do campo: Highrise
Podemos identificar alguns formatos mais
(2009-2017) . Esse documentário interativo de
consolidados. Mas, na verdade, o que obser-
Katerina Cizek, realizado pelo National Film
vamos é o surgimento disseminado de obras
Board (NFB), do Canadá, explora as questões
híbridas. A marca desse campo inovador é a
sobre moradia em grandes edifícios ao redor
sua fertilidade criativa. Acreditamos que as
do mundo.
pesquisas possam contribuir para essa ferti-
Emmy-winning, multi-year, many-media, collabo-
lidade e para o desenvolvimento do campo, ao
rative documentary experiment at the National
alimentar novos projetos. Afinal, eles não
Film Board of Canada, that explores vertical
vão ‘inventar a roda’, mas inovar a partir
living around the world”. Highrise se tornou,
das obras de referências e dos diversos
na verdade, um conjunto de narrativas inte-
caminhos e possibilidades que elas apontam.
rativas sobre o mesmo tema. O documentário
Para isso, buscamos trazer conceitos que
interativo Out My Window (2010)16, por exemplo,
nos permitam mapear o terreno desse campo,
se debruça sobre a vida de pessoas que habitam
evitando classificar de forma muito rígida
arranha-céus em diferentes lugares do mundo.
essas obras híbridas que não se encaixam em
Pela interface, o interator pode escolher e
categorias muito específicas.
navegar por 49 histórias vindas de 13 cidades
Como se define em seu website: “An
16 www.outmywindow.nfb.ca. Ver página 106.
ao redor do planeta, ao entrar em páginas
Cabe aqui, entretanto, três esclarecimen-
que oferecem uma colagem interativa em 360o
tos. Primeiro, uma websérie de documentários
de suas moradias, com diferentes histórias
disponibilizada por episódios no Youtube ou
acessíveis por hiperlinks, disponíveis em
Vimeo, por exemplo, não faz parte desse universo.
conteúdo textual e audiovisual. Se escolhe
Por um simples motivo, a interatividade não
o apartamento de São Paulo, por exemplo, o
faz parte da interface da obra, ela está nos
interator terá acesso às histórias de Ivaneti
comentários ou compartilhamentos exteriores.
e sua família, moradora de uma ocupação no
Segundo, os games não fazem parte do campo aqui
Bairro da Luz e coordenadora do Movimento
abordado neste livro. Eles incorporam a inte-
dos Trabalhadores Sem Teto do centro de
ratividade e a participação à narrativa, mas
São Paulo. A narrativa acontece quando o
representam um universo próprio, muito maior,
interator, através da interface, faz suas
com suas próprias especificidades, players,
escolhas dentro de um número limitado de
práticas e propósitos. Terceiro, apenas uma
possibilidades produzidas e disponibilizadas
pequena minoria das obras é ficcional, como, por
pelos realizadores previamente.
exemplo, Phallaina (2016), de Marietta Ren, uma
A estrutura informacional de uma narra-
graphic novel francesa de rolagem, especialmente
tiva digital interativa é, portanto, um sis-
projetada para as interfaces táteis de dispo-
tema no qual várias mídias (textos, vídeos,
sitivos móveis. Disponível para Android e IOS,
animações, gráficos, dentre outros) são
a obra em aplicativo conta a história fictícia
disponibilizados pela interface. O design
de Audrey, que mora em uma cidade construída
gráfico da interface é parte fundamental
sobre palafitas por conta da ascensão contínua
da obra. A interface que dispõe o acesso ao
das águas e ondas catastróficas, e que vive uma
banco de dados. A navegação do interator a
jornada de transformação pessoal, combinando
partir de suas escolhas resulta em uma versão
ciências cognitivas e mitologia.
particular de narrativa. Nesse sentido, as ações dos interatores são cheias de significados, como observa Arnau Gifreu-Castells,
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO
em The Interactive Multimedia Documentary:
a proposed analysis model (2010). Por isso,
A grande maioria da produção de narrativas digi-
em seu livro seminal, Inventing the medium:
tais interativas não é ficcional. Por isso, em
principles of interaction design as a cul-
grande medida, essas obras são chamadas de docu-
tural practice (2012), Janet Murray afirma
mentários interativos ou I-docs - abreviação do
a necessidade de considerar os interatores
termo em inglês interactive documentary. Muitas
como ‘seres culturais’ que ativamente criam
das principais referências do campo utilizam
e negociam o significado de informações com-
esse termo, como Arnau Gifreu-Castells. I-docs
partilhadas. Portanto, quando falamos aqui em
também é o nome de um dos principais congressos
narrativa digital interativa nos referimos
do campo, realizado pela University of West
às obras que incorporam essa interatividade
England, em Bristol, Inglaterra. Em um sentido
à narrativa em meios digitais, dentro de um
amplo, os documentários interativos trabalham
contexto discursivo mais complexo.
com o tratamento criativo da realidade enquanto
ALÉM DAS INTERFACES: CONCEITOS E OBRAS FUNDAMENTAIS ... · POR ANDRÉ PAZ E KÁTIA AUGUSTA MACIEL · 44-59
47
incorporam a interatividade à narrativa.
projeto é representante de um conjunto de obras
Essas obras podem existir em um ou mais dos
que utiliza algoritmos na interatividade, como
seguintes suportes: websites, aplicativos
Digital Me (2015)20, de Sandra Gaudenzi.
para dispositivos móveis, instalações em
episódios, o interator é solicitado a forne-
galerias ou museus e performances.
cer alguns dados sobre si mesmo e experimenta
Nos
A grande maioria dos I-docs têm web-
durante a fruição da obra um processo análogo
sites como suportes, por isso também são
aos métodos e ferramentas que rastreadores
chamados de webdocumentários ou webdocs.
usam comercialmente na internet. Do not Track,
Exemplos incluem Out My Window, A Short
portanto, é um documentário interativo em série
History of the Highrise (2013)
e Universe
que não apenas narra uma história ou um dis-
Within (2015) , todos do projeto Highrise
curso, mas oferece ao interator uma experiência
. É o caso também de obras reconhecidas e
similar àquela da temática que explora. Assim
premiadas internacionalmente como Hollow
também é Network Effect (2015)21, de Jonathan
(2013)19 da documentarista Elaine McMillion
Harris e Greg Hochmuth, que explora o efeito
Sheldon, e Do not Track , do documentarista
psicológico do uso da internet na humanidade. O
Brett Gaylor, realizado pela Upian, umas das
interator tem cerca de sete minutos para visu-
produtoras de maior destaque no campo. Com
alizar um gigantesco banco de dados, induzido
uma montagem gráfica e o uso da técnica de
a um estado de ansiedade. Uma provocação a
paralaxe, Hollow explora o declínio popu-
respeito da ilusão de conhecimento e comple-
lacional de áreas rurais nos Estados Unidos
tude gerada pela internet. Essas obras fazem
por meio da história dos moradores do condado
parte do conjunto de documentários interativos
de McDowell, na Virgínia Ocidental, que tem
que colocam questões do próprio ambiente da
uma população de 20 mil habitantes, quando
internet, assim como os já citados Digital Me
já teve 100 mil na década de 1950. O projeto
e Universe Within.
17
18
contou com a participação direta da própria
Apesar de a maioria dos documentários
comunidade, que sugeriu temas e propostas
interativos estarem baseados em websites, alguns
para as pesquisas, além de fornecer parte
casos usam como principal suporte um aplicativo
do próprio material audiovisual que compõe
para dispositivos móveis. Talvez o exemplo mais
a obra. A partir de colagens interativas
conhecido seja Alma: Une Enfant de la Violence,
surpreendentes (acionadas por scroll), Hollow
realizado pelo grupo ARTE e pela produtora Upian,
utiliza vídeos, infográficos, fotografias e
dois dos maiores realizadores no campo. Alma
imagens de arquivo para explorar o universo
é um documentário sobre uma jovem homônima de
dos personagens e histórias locais, arti-
26 anos que nasceu na Guatemala e cresceu na
culadas com campanhas em mídias sociais e
pobreza, em meio a guerras de gangues urbanas,
campanhas para doação.
conhecidas como maras. Alma integrou por cinco
Já Do not Track é uma série documen-
anos um dos grupos mais violentos do país e
tal sobre privacidade e economia na web. O
viveu imersa em assassinatos, agressões e brutalidade. Nesta obra, o interator pode escolher
17 http://www.nytimes.com/projects/2013/high-rise/index.html 18 http://universewithin.nfb.ca/mobile/index.html
20 http://www.interactivefactual.net/digital-me/
19 http://hollowdocumentary.com/
21 www.networkeffect.io. Ver página 107.
entre Alma narrando seus relatos ou imagens
oferecendo experiências complementares dentro de
de algumas cenas que ilustram o que é nar-
um mesmo universo narrativo. Como aponta Carlos
rado. Também baseado em aplicativo, Rider
Scolari no livro Narrativas Transmedia: cuando
Spoke (2007), do coletivo Blast Theory, da
todos los medios cuentan (2013), diferentes
Inglaterra, já explora um conjunto de relatos
sistemas de significação (verbal, icônico,
em áudio referencialmente geolocalizados
audiovisual, textual) são agregados de uma
nas ruas enquanto os interatores circulam
maneira complementar e se expandem. Em Cultura
pelas cidades onde o trabalho foi exibido
da Convergência (2009), Henry Jenkins mostra
e experimentado. Usar as mídias de forma
como cada nova obra é fundada na anterior, ao
geolocalizada se tornou um procedimento bas-
mesmo tempo em que oferece novos ‘pontos de
tante comum entre documentários interativos
acesso’ ao universo narrativo criado. Para o
em websites ou aplicativos. Esse também é o
público, o contato com uma parte leva poten-
caso do aplicativo do projeto Som dos Sinos
cialmente à descoberta de outras. A experiência
(2014)22, que disponibiliza conteúdos audio-
transmídia, de fato, acontece através da uma
visuais georreferenciados sobre a tradição
busca ativa do público por esses ‘pontos de
dos toques de sinos das igrejas históricas
acesso’ ao sistema23.
do estado de Minas Gerais, no Brasil. Nele,
Dessa forma, um i-Doc pode ser um ‘ponto
o interator pode navegar por esses conteúdos
de acesso’ a um documentário transmídia mais
à distância, em qualquer lugar do planeta,
amplo, que atravesse diferentes plataformas on
identificando no mapa a localização das
ou off line: filme, website, livro, instalação
igrejas as quais se refere. Mas pode tam-
ou aplicativo.
bém, ao circular pela região e pelas ruas
exemplo, integra um webdoc, um longa-metragem
das próprias cidades, encontrar e navegar
documental, um aplicativo para dispositi-
por conteúdos das igrejas que estão perto
vos móveis, um mapeamento sonoro e projeções
de si fisicamente. O aplicativo faz parte,
itinerantes. Elementos estéticos singulares
na verdade, de um projeto maior que inclui
atravessam as diferentes plataformas, tais
um webdocumentário que explora o universo
como o design gráfico e o estilo de montagem
das torres dos sinos e se desdobra ainda em
audiovisual. As projeções itinerantes levam
outras plataformas. Assim, Som dos Sinos é
conteúdos audiovisuais para as paredes externas
um documentário interativo que se apresenta
das igrejas em pequenas localidades no interior
também como um documentário transmídia.
do estado de Minas Gerais. Já para Mostra BUG,
O projeto Som dos Sinos, por
especificamente, Marina Thomé e Márcia Mansur realizaram uma vídeo instalação no centro DOCUMENTÁRIO TRANSMÍDIA
cultural Oi Futuro, no Rio de Janeiro. Dessa forma, o Som dos Sinos disponibiliza um universo
A lógica transmídia pressupõe um conjunto
narrativo sobre a temática dos toques de sinos
de conteúdos que atravessa múltiplas plata-
em igrejas históricas através de múltiplas
formas com conexões narrativas e estéticas, 23 Essa lógica transmídia foi amplamente debatida e aplicada à análise de narrativas digitais interativas, como webdocumentários, no livro Direção de arte e transmidialidade (2018), organizado por 22 www.somdossinos.com.br. Ver página 135.
Amaury Fernandes e Katia Augusta Maciel.
ALÉM DAS INTERFACES: CONCEITOS E OBRAS FUNDAMENTAIS ... · POR ANDRÉ PAZ E KÁTIA AUGUSTA MACIEL · 44-59
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plataformas para diversos públicos e espaços
denuncia uma política não reconhecida oficial-
físicos. Pela natureza intrinsecamente fluida
mente de esterilização em massa de forma não
e subjetiva do encontro entre o público
consentida de mais de 300 mil mulheres e 20 mil
e cada uma das obras, o nível de imersão
homens das classes mais pobres do Peru nos anos
bem como de engajamento é sempre variado e
1990, durante o governo de Alberto Fujimori. A
distinto. A experiência do público depende
grande inovação do projeto partiu da forma como
de como cada um transita pelos diferentes
conseguiu levantar os testemunhos das vítimas,
pontos de acesso e pelo universo narrativo
em grande maioria mulheres e indígenas, e desen-
do documentário transmídia como um todo.
cadear ações integradas em busca de justiça. O projeto oferece uma linha telefônica para a qual as vítimas podem ligar de forma gratuita
UMA PERSPECTIVA PARA ALÉM DA INTERFACE
e fazer seus testemunhos de maneira anônima. Esse recurso foi fundamental, pois a maioria das
Uma vez que entendemos os conceitos de ‘nar-
mulheres falava idiomas quechua e, inserida em
rativa interativa’, ‘documentário interativo’
uma tradição oral e indígena, tinha dificuldade
e ‘documentário transmídia’, podemos, assim,
de se expressar de forma escrita ou através de
nos localizar melhor nesse campo. Surge
vídeos, ainda mais por se tratar de um tema tão
então a pergunta: o que essas obras trazem
delicado. A partir daí, o projeto se baseia na
de significante para o conjunto de possibi-
integração das tecnologias – linha telefônica
lidades narrativas em um contexto mais amplo,
e a interface digital. A interface foi conce-
humano? Pra reconhecer esse potencial, vamos
bida em função dos propósitos do projeto e da
adotar a perspectiva da estética relacional
solução criativa de engajamento das vítimas na
conforme vem sendo desenvolvida por André
produção de conteúdo em registros sonoros. Ela
Paz nos últimos anos (Paz e Salles, 2013 e
disponibiliza os registros sonoros na página
2015; Paz, 2017), a partir da redescrição
web de uma forma que diferentes interatores
criativa das propostas de Nicolas Bourriaud
possam também contribuir com novos registros
(2009) e Vilém Flusser, articuladas com as
em áudio. Assim, o documentário interativo se
contribuições do campo de pesquisa da tra-
conforma como uma obra colaborativa formada por
dição dos documentários lineares. Por essa
contribuições de diferentes grupos.
perspectiva, as obras assumem uma conotação
Pela interface de sua plataforma online,
processual em função de noções relacionais.
o interator pode escutar relatos de vítimas,
Além da interface, elas são vistas como ‘dis-
testemunhas, especialistas. Pode enviar seus
positivos’, sendo reconhecidas como processos
próprios relatos ou enviar suas mensagens e apoio
mais amplos de práticas interativas e de
às vítimas. Pode fazer doações ao projeto ou
agenciamento entre equipe, participantes e
colaborar com seu desenvolvimento, pressionando
interatores, ao longo dos processos criativo
a Justiça peruana para que os responsáveis sejam
e de realização. Vejamos um exemplo.
punidos. Portanto, o interator tem uma série
De Maria Court e Rosemarie Lerner, The
de possibilidades práticas de engajamento na
Quipu Project é um projeto de documentário
narrativa e no propósito que ela materializa.
interativo, colaborativo e transmídia, que
Mais do que uma obra terminada, o documentário
interativo The Quipu Project é um processo
luta por justiça e a necessidade do engajamento
de práticas colaborativas de agenciamento
de diferentes pessoas nesse sentido.
de vítimas e interatores em uma plataforma
A interface promove uma espécie de agen-
híbrida de conteúdos polifônicos, em mídias
ciamento lúdico das pessoas, ao abrir uma série
diversas, canalizadas por um propósito.
de possibilidades de interação e engajamento
Dessa forma, o projeto não apenas narra as
que dissolvem as fronteiras entre produção,
histórias das vítimas, ele enreda as pessoas
distribuição e recepção. Não se trata aqui de
na tentativa de resultar em impacto social
uma narrativa fechada e pré-determinada pela
concreto. Não é apenas uma narrativa que
equipe de realização, mas de experimentações
conta uma história, mas um engajamento para
possíveis. Narração e interação se mesclam em
a construção de uma nova história.
um processo aberto e indefinido. Nesse sen-
A apresentação do The Quipu Project
tido, conceber um documentário interativo é
ilustra bem o conceito de ‘dispositivo’.
uma aposta nas dinâmicas próprias que ele pode
Quando olhamos os documentários interativos
desencadear. Não é por outra razão que Gaudenzi
como um ‘dispositivo’, vemos além da inter-
(2013a e 2013b) considera os documentários
face. Um ‘dispositivo’ aqui não se refere ao
interativos como uma entidade relacional aberta
sentido no senso comum de um aparato eletrô-
com dinâmicas próprias e propõe usarmos o termo
nico, como um celular ou tablet. Trata-se
living documentary. “They put the emphasis
de um cruzamento de práticas e elementos
on becoming, rather than explaining. (…) The
técnicos, discursivos, organizacionais,
message is not in the form, it is in the inte-
estéticos, que promove efeitos e afetos em
raction” (Gaudenzi, 2013b: 26). Nesse sentido,
algum sentido24. Visto assim, a interface é
como aponta Paz (2017), a poética do documen-
um núcleo de cruzamentos de práticas e formas
tário interativo reside em grande medida na
de interação, agenciamento, relações. Mais
fertilidade do ‘dispositivo’, ou seja, em sua
do que uma obra enquanto produto, trata-se
potência para desencadear dinâmicas próprias e
de um processo para o qual não há um modelo
autônomas com efeitos e afetos imprevisíveis.
pré-concebido. Como já foi dito, não há
No caso de Quipu, o impacto do projeto
um formato ou processo produtivo consoli-
também veio em função da potência do ‘disposi-
dado de narrativas interativas. Conceber um
tivo’ criado e de uma estratégia de comunicação
documentário interativo inovador é, antes
e ações transmídia. O projeto contou com uma
da produção do conteúdo, desenvolver um
ampla divulgação pelas mídias sociais e uma
‘dispositivo’ próprio, ou seja, um cruza-
campanha extensa e delicada para conscien-
mento específico de práticas e processos
tização, articulação de uma rede nacional e
que passam pela interface. No caso de The
levantamento dos testemunhos através do trabalho
Quipu Project, a interface foi definida em
de ativistas em inúmeras localidades. Assim,
função de seu viés ativista, movida pela
como Zambrano e Gifreu-Castells
colocam, em
Aproximación al potencial colaborativo de la 24 Entendemos o conceito de dispositivo em um sentido amplo a partir da apropriação e redescrição do conceito original de Foucault, que representa um conjunto específico de campos de força e elementos heterogêneos, técnicos, arquitetônicos, dis-
narrativa documental interactive en los procesos de cambio social (2016), o projeto funcionou como uma caixa de ressonância das demandas das
cursivos, afetivos, filosóficos, morais.
ALÉM DAS INTERFACES: CONCEITOS E OBRAS FUNDAMENTAIS ... · POR ANDRÉ PAZ E KÁTIA AUGUSTA MACIEL · 44-59
51
comunidades locais e suas vítimas para o
relações. O próximo item aponta exemplos nesse
mundo. As denúncias iniciais desencadearam
sentido de projetos que estruturam de forma
todo um processo social que resultou em inves-
coerente propósitos, condições de produção e
tigações e ações na justiça peruana. Esses
práticas de agenciamento.
impactos estão em sintonia com a perspectiva da estética relacional. Os documentários interativos são experimentações criativas,
A COERÊNCIA DOS PROJETOS
‘dispositivos’ de interação que ensejam a possibilidade de novas relações no mundo.
Considerando então os documentários interati-
“Não se trata mais, entretanto, de projetos
vos além de suas interfaces, quais práticas
utópicos e da reconstrução totalizante das
têm sido usadas e como elas se relacionam com
formas de relação da sociedade, mas de ofere-
os propósitos e modos de produção do projeto
cer pequenas possibilidades de modificações
como um todo coerente? Voltemos ao exemplo de
concretas e circunscritas. A possibilidade
Highrise. O projeto apresenta de forma clara
de uma arte relacional consiste em tomar
em seu website que seu propósito é desencadear
como horizonte teórico a esfera das rela-
e participar de processos de inovação social,
ções humanas e seu contexto social e não a
além do registro e documentação: “Collectively,
afirmação de um espaço simbólico autônomo”
the projects — and the ones to come — have
(Paz, 2017: p. 90).
both shaped and realized the Highrise vision:
Nesse contexto, a autoria se desdobra
to see how the documentary process can drive
em diferentes dimensões. O processo criativo
and participate in social innovation rather
começa na concepção do ‘dispositivo’ dentro
than just to document it; and to help re-in-
do projeto como um todo, como no caso de The
vent what it means to be an urban species in
Quipu Project. Estamos falando da autoria
the 21st century”. Por um lado, Highrise se
das formas de interação em um sentido amplo.
dedicou a explorar formas e procedimentos que
A autoria aqui remete para a coerência entre
contribuíram de forma incontestável para o
o propósito do projeto e sua temática, pla-
desenvolvimento das linguagens e do campo das
taforma, formas de interação, práticas e
narrativas interativas digitais. Por outro, o
formas de engajamento e, enfim, interface.
projeto coloca em questão a vida em arranha-céus
Essa dimensão do projeto vai influenciar
através do agenciamento criativo em direção a
ou determinar em grande medida a narrativa
mudanças concretas. Pela perspectiva relacio-
e a produção e recepção do conteúdo. Outra
nal, enreda participantes e interatores de uma
dimensão da autoria diz respeito a produção
forma inovadora que visa pequenas modificações
do conteúdo em si. Por um lado, essa autoria
– inovações sociais.
pode seguir práticas de co-criação ou mídia
Highrise ilustra essa dupla natureza de
participativa. Por outro, pode seguir pelas
propósitos dos documentários interativos. Por
possibilidades de envio de conteúdo através
um lado, os projetos inovadores se propõem a
da plataforma. O desafio é não apenas ser um
explorar novas fronteiras da linguagem, alme-
processo criativo de um ‘dispositivo’, mas
jando contribuições formais para o campo, que
um ‘dispositivo criativo’, que enseje novas
são de extrema importância. Inúmeros projetos
se dedicaram e realizaram seus propósitos
padronize a realização das obras. Há possi-
nesse sentido ao se debruçar sobre dife-
bilidades de projetos de diferentes escalas,
rentes temas, como os já citados Hollow, Do
complexidades e estruturas produtivas. Dessa
not Track, Alma, The Quipu Project, Network
forma, Highrise se propõe o desafio da inovação
Effect. Por outro lado, como defende Paz
social através de um projeto multiplataforma de
(2017), parece uma espécie de propensão
grandes dimensões e ousado em termos estéticos,
natural dos documentários interativos tra-
porque o National Film Board é uma instituição
zerem também propósitos para os projetos
com amplos recursos que tem uma longa tradição
exteriores às investigações estéticas ou de
de incentivo a documentários inovadores em
Em What is interactivity for?
termos de proposta e linguagem. Realizado por
linguagens.
The social dimension of web-documentary
uma pequena produtora, o já comentado Som dos
participation, Kate Nash (2014) defende
Sinos utiliza também diversas plataformas com
que a continuidade entre a tradição de
uma inovação social para registro e divulgação
documentários e a nova produção de docu-
de um patrimônio imaterial, mas com recursos
mentários interativos acontece justamente
financeiros e humanos muito mais reduzidos. The
pelo exercício de certas funções sociais
Shirt on Your Back (2014)25, realizado pelo The
- mais do que pelas convenções do gênero
Guardian representa todo um conjunto de obras
ou práticas de produção. Entre elas, Nash
com viés jornalístico, produzido por grandes
aponta: i. Registrar, revelar ou preservar:
empresas do setor. Já As quatro Estações de
os documentários interativos podem ser
Iracema e Dirceu (2015)26 é um documentário
bancos de dados ou coleções que podem ser
interativo que conta a rotina de uma família
acessadas e organizadas de diversas formas,
em situação de miséria no sul do Brasil com
o que potencializa a convergência entre
recursos financeiros bem mais modestos, rea-
documentário e documento, como o caso já
lizado pelo Diário Catarinense.
comentado de Som dos Sinos; ii. Engajamento
Com orçamentos bem mais restritos, em espe-
cívico: os documentários interativos podem
cial na América Latina, as universidades também
promover a construção de comunidades de
têm uma produção própria, com propósitos e modos
interesses comuns e incentivar o debate e
de produção específicos. É o caso de Mujeres
ações, como Highrise; iii. Persuasão: os
en Venta (2015)27, por exemplo, que registra
documentários interativos podem exercer
e denuncia o crime de tráfico de mulheres na
papel de convencimento no discurso e opinião
Argentina, realizado pela Universidade Nacional
pública sobre determinadas questões, como
de Rosário. O trabalho usa relatos de vítimas,
em The Quipu Project.
depoimento de especialistas e dados levantados
Assim, em grande medida, os projetos
por investigação jornalística. Já O que a baía
de documentários interativos e transmídia
tem (2018)28, realizado pela Universidade Federal
assumem diferentes propósitos e funções
do Rio de Janeiro (UFRJ), se apresenta como uma
sociais, de acordo com os recursos que consegue mobilizar e seus modos de produção. Como não têm um formato pré-estabelecido no campo, não há um modo de produção que
25 www.theguardian.com/world/ng-interactive/2014/apr/bangladesh -shirt-on-your-back. Ver página 112. 26 www.clicrbs.com.br/sites/swf/DC_quatro_estacoes_iracema_dirceu. 27 www.documedia.com.ar/mujeres. Ver página 110. 28 www.baia.net.br
ALÉM DAS INTERFACES: CONCEITOS E OBRAS FUNDAMENTAIS ... · POR ANDRÉ PAZ E KÁTIA AUGUSTA MACIEL · 44-59
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aplicação prática da pesquisa de Katia Augusta
foi desenvolvida com moradores do subúrbio de
Maciel sobre como expressar e experimentar a
Toronto ao longo de dois anos. A equipe traba-
diversidade ecológica da Baía de Guanabara
lhou em oficinas com urbanistas, arquitetos,
através de uma criação audiovisual intera-
designers, programadores e os moradores, que
tiva, na cidade do Rio de Janeiro, Brasil.
foram convidados a imaginar como gostariam que
O I-Doc inclui filmagens em flat screen e
fosse o entorno e áreas comuns dos edifícios.
em 360o buscando diferentes níveis e modos
Esse processo resultou na interface de One
de engajamento. A ideia, como afirma Katia
Millionth Tower, o primeiro documentário 3D de
Augusta Maciel no artigo “Documentário inte-
código aberto, no qual o interator pode navegar
rativo: a Baía de Guanabara prêt-à-porter”
por esses projetos imaginados. Antes da plata-
(2018), é que a obra possa ser utilizada por
forma e de sua interface, porém, o ‘dispositivo’
professores para agenciar e também potencia-
integrou um conjunto de ações de restauração
lizar o ensino e aprendizagem para além dos
do patrimônio, reforma de zonas deterioradas e
muros da escola. Também realizado na mesma
até cursos de formação digital e alfabetização
universidade, por André Paz, Ilha Grande:
de jovens. Tanto em Ilha Grande, como em One
cada praia uma ilha, cada ilha, uma história
Millionth Tower, a concepção da plataforma como
é um documentário interativo que traz his-
a produção do conteúdo seguiram princípios da
tórias vividas por personagens nas diversas
co-criação. A diretora Katerina Cizec se tornou
comunidades pesqueiras das praias ao redor da
talvez o nome mais reconhecido no campo que
Ilha Grande, no estado do Rio de Janeiro. A
defende os processos de co-criação, sendo uma
narrativa interativa é baseada em uma série
das responsáveis pelo Co Creation Studio do
de vídeos que foi publicada também de forma
MIT Open Doc Lab. Os projetos de co-criação
sequencial nas mídias sociais. A interface
incorporam representantes dos grupos que são
é bastante simples. Como descreve André Paz
o assunto do projeto como participantes com
(2017), o documentário interativo foi conce-
voz ativa no processo criativo. Contam assim
bido a partir do diálogo com as comunidades
com o diálogo aberto e a colaboração entre os
locais durante uma série de ações realizadas
participantes e pesquisadores, especialistas
em um projeto maior chamado Voz Nativa, que
em tecnologia e outros profissionais, no desen-
visava apoiar o turismo de base-comunitária
volvimento do projeto e no processo produtivo.
na Ilha Grande e o protagonismo dos jovens
No livro I-docs: The Envolving Practices of
locais nesse processo.
Interactive Documentary (2017), Mandy Rose
A simplicidade da interface de Ilha
Grande contrasta com a complexidade de One
coordena a edição de toda uma sessão dedicada ao tema co-criação.
Millionth Tower (2015) , de Highrise. No
Há diversas formas de se incorporar a voz
entanto, os princípios por trás do processo de
dos participantes que representam o assunto do
criação e da relação com os assuntos e parti-
projeto. Em Ilha Grande e One Millionth Tower,
cipantes dos projetos são, em grande medida,
a concepção do dispositivo e da interface já
similares. A concepção de One Millionth Tower
é resultado desse diálogo. Outros projetos
29
incorporam os participantes como produtores de conteúdo, de mídias, que são então chamadas 29 http://Highrise.nfb.ca/onemillionthtower/
de mídias participativas. Quando o conteúdo
ATRAVÉS DA INTERFACE
participativo tem um volume determinante na constituição do conteúdo da narrativa, os documentários interativos são chamados de
Os documentários interativos exercem dife-
colaborativos. Esse é o caso do reconhecido
rentes práticas de agenciamento através da
internacionalmente 18 Days in Egypt (2011)30,
interface, que disponibiliza ao interator o
de Jigar Mehta e Yasmin Elayat. O conteúdo
acesso e navegação pela sua estrutura narra-
da obra é o conjunto de mídias enviado por
tiva - a forma como está organizado o conjunto
pessoas que viveram os 18 dias de turbu-
de mídias do sistema. Essa estrutura é com-
lência política e social no Egito. Como
posta por uma combinação finita de segmentos
coloca Paz (2017), esses projetos requerem
narrativos e assume um aspecto rizomático com
a mobilização dos participantes como um
diferentes formatos. Em trabalhos publicados
componente fundamental. Para viabilizar a
em 2001, 2011 e 2015, Marie-Laure Ryan, por
criação do conteúdo, o processo produtivo
exemplo, descreve possíveis arquiteturas
precisa criar uma comunidade de partici-
de narrativas interativas, de onde resulta
pantes ou agenciar participantes de uma
o potencial narrativo da obra. Um exemplo
comunidade pré-existente. Outros projetos
básico é o circuito em rede (ver Figura 1),
buscam agenciar os interatores através da
no qual interatores podem saltar entre uni-
interface como produtores de conteúdo ou
dades narrativas (também chamadas de nós).
outras formas de participação. Zambrano e
Nesse tipo de estrutura não há um significado
Gifreu-Castells (2016), por exemplo, focam
narrativo totalizante, como explica Tatiana
suas análises nas práticas participativas e
Levin em sua tese de doutorado Narrativa e
colaborativas em documentários interativos.
Interatividade no Webdocumentário (2016).
Eles apontam alguns casos conhecidos de docu-
Outro exemplo detalhado por Levin (2016) é
mentários interativos e colaborativos nesse
a ‘anêmona-do-mar’, estrutura na qual cada
31
sentido, como Mapping Main Street (2010)
unidade narrativa é conectada a um núcleo
e Question Bridge: Black Males (2011)32 . O
central (Figura 2). A partir de cada núcleo
caso já comentado de The Quipu Project busca
se organizam segmentos narrativos menores
tanto o engajamento dos participantes como
ou micro histórias. Aqui, a partir de um
dos interatores. O item a seguir discorre
núcleo central inicial, o interator pode
sobre a potência da interface em função dos
seguir por uma trilha e descobrir várias
modos de interatividade.
micro histórias correlacionadas, ou voltar e seguir por outra trilha.
30 http://www.18daysinegypt.com/ 31 www.mappingmainstreet.org 32 http://questionbridge.com/
ALÉM DAS INTERFACES: CONCEITOS E OBRAS FUNDAMENTAIS ... · POR ANDRÉ PAZ E KÁTIA AUGUSTA MACIEL · 44-59
55
hiperlinks, sem interferir no conteúdo da obra. O modo hipertextual está presente em maior ou menor grau em todos os I-docs, dando ao interator um caráter de explorador. Ele segue a lógica do “clique e vá” ou “clique e veja”. Dessa forma, I-docs hipertextuais podem, por Fig.133 e Fig.234
exemplo, disponibilizar vários caminhos e uma gama de perspectivas em torno de um tema ou
No trabalho já citado, Arnau Gifreu-Castells
assunto. É o caso do já apresentado Hollow, onde
(2010) apresenta todos os formatos de estru-
os moradores de McDowell, nos Estados Unidos,
turas narrativas observadas por Ryan e, mais
buscam desmistificar a visão estereotipada do
além, aprofunda a relação delas com os modos
município. McDowell sofre com a falta de empre-
de navegação. O mergulho nessas questões
gos, o tráfico de drogas e a violência, mas
está além do escopo deste artigo, mas esse
não se entrega e resiste. Através de relatos
tema é fundamental para o desenvolvimento
de várias famílias, diferentes perspectivas
de novos projetos. As obras oferecem modos
são apresentadas. De forma hipertextual, o
de navegação e interatividade que se baseiam
interator rola o mouse para cima e para baixo,
em distintas estruturas narrativas. Para
para um lado e para o outro, desvelando opções
ilustrar os modos de interatividade, entre-
de links para diversos vídeos e fotos sobre
tanto, vejamos alguns exemplos em função da
as diferentes realidades naquela localidade.
perspectiva organizada por Sandra Gaudenzi
No modo de interatividade conversacional,
em The Living Documentary: from representing
há uma espécie de diálogo entre o interator e o
reality to co-creating reality in digital
i-Doc. O sistema responde de forma específica
interactive documentary (2013). A autora
aos gestos do interator, havendo uma constante
apresenta quatro modos de interatividade:
troca na obra. O interator não apenas transita
hipertextual, conversacional, participativo
por um conteúdo fixo previamente determinado
e experiencial. Esses modos não são exclu-
como no modo hipertextual. Suas ações também
sivos. Ou seja, o mesmo i-Doc pode utilizar
influenciam no conteúdo e na história enquanto
mais de um, ainda que um deles predomine ao
ela se desenrola. As tecnologias digitais são
ponto de marcar a interatividade da obra.
empregadas aqui para dar ao interator a impres-
O modo de interação hipertextual é o
são de navegar num mundo simulado, como em um
mais empregado. Nele, o interator apenas
jogo. Universe Within, do projeto Highrise,
navega entre diferentes conteúdos previamente
encarna essa conversa tanto no sentido metafó-
arranjados pelo autor e disponibilizados
rico aqui empregado, como no sentido literal.
pela interface. O interator se move entre
Três personagens se apresentam e se propõem a guiar a experiência narrativa. Os avatares
33 Estrutura em rede. Fonte: Peeling the Onion: Layers of
Interactivity in Digital Narrative Texts (2011). Marie-Laure Ryan. Disponível em: http://www.marilaur.info/onion.htm 34 Legenda: Estrutura da Anêmona do Mar. Fonte: Peeling the
Onion: Layers of Interactivity in Digital Narrative Texts (2011). Marie-Laure Ryan. Disponível em: http://www.marilaur.info/onion.htm
representam algoritmos com os quais se pode dialogar, a partir de questões provocativas sobre a vida digital. A obra explora assim a relação de pessoas que habitam arranha-céus em
diversas cidades do mundo com a web, enquanto
Facebook, artigos de blog ou até mesmo apenas
provoca o interator a refletir sobre como
contar a um amigo ajudará muito”. Assim, o
ele próprio se relaciona com a rede. O já
que configura esse modo de interatividade é a
comentado Do not Track se utiliza em geral
participação do interator no conteúdo, a partir
do modo hipertextual para disponibilizar
da disseminação da banda larga, como nos casos
conteúdo sobre como funciona a economia da
já destacados de 18 Days in Egypt, Mapping Main
vigilância na web. Mas se utiliza também do
Street e Question Bridge: Black Males (2011)35.
modo conversacional em diversos momentos
O que se destaca nessas obras não é a escolha
chave, quando, por exemplo, solicita dados
pelo interator da ordem de visualização dos
pessoais do interator para respondê-lo com
conteúdos previamente disponibilizados (modo
um retrato do seu perfil. Essa é uma marca
hipertextual), nem a conversa interator-sistema
do projeto: oferece uma experiência ao inte-
(modo conversacional), mas a participação do
rator de como, de forma análoga, seus dados
interator na criação, produção e difusão do
são utilizados por sites, redes sociais,
conteúdo da obra.
plataformas de streaming. Portanto, utiliza
No modo experiencial de interatividade,
o modo conversacional para conscientizar o
as obras exploram um espaço híbrido entre o
interator de como a web é um espaço onde
ambiente digital e o mundo concreto. Buscam
movimentos, falas e identidades são grava-
expandir a vivência de um lugar ou de uma ins-
das, rastreadas e utilizadas. Dos telefones
talação artística, por exemplo, correlacionando
celulares a redes sociais, tudo é vigiado
a narrativa digital interativa a movimentos do
na busca por informações estratégicas para
corpo no espaço, percepções da visão, audição,
a publicidade.
tato. Como explicam Gaudenzi e Aston (2012),
Já no modo participativo, o interator é
I-docs podem adicionar camadas à percepção da
inserido no processo criativo da obra, con-
realidade, gerando uma experiência para os
vidado a enviar fotos, depoimentos, vídeos,
interatores que é física e virtual ao mesmo
ou editar, remixar, traduzir, legendar.
tempo. É comum as obras integrarem as mídias
Como já comentado sobre o projeto Quipu,
geolocalizadas (locative media), através da
o interator pode enviar seus relatos ou
utilização do GPS (Global Positioning System)
mensagens às vítimas para fazer parte da
e dispositivos móveis. É o caso, por exemplo,
obra. Pode também se tornar voluntário e
do aplicativo do já citado Som dos Sinos, onde
ajudar a transcrever e legendar testemunhos
o interator pode acessar fisicamente nas peque-
enviados ao projeto. Mais além, como dito
nas localidades do interior de Minas Gerais
anteriormente, o interator também pode fazer
conteúdos diversos geolocalizados sobre os
doações, assinar uma petição pública, ou se
toques de sinos das igrejas que visita. Também
engajar em diversas ações de divulgação do
baseado em aplicativo, em Rider Spoke (2007)36,
projeto. Afinal, como coloca o website da
do coletivo Blast Theory, da Inglaterra, o
obra: “O objetivo do nosso projeto é ajudar
interator circula de bicicleta por pontos da
essas histórias a alcançar o maior número
cidade onde explora um conjunto de relatos
de pessoas possível e, para isso, confiamos em pessoas como você! Tweets, posts no
35 http://questionbridge.com/ 36 https://www.blasttheory.co.uk/projects/rider-spoke/
ALÉM DAS INTERFACES: CONCEITOS E OBRAS FUNDAMENTAIS ... · POR ANDRÉ PAZ E KÁTIA AUGUSTA MACIEL · 44-59
57
em áudio georreferenciados, deixados por
interatores, ao longo dos processos criativo
outros interatores que passaram pelos mesmos
e de realização. E destacamos a necessidade de
lugares. Já A Cartography of Iconic Memory
coerência entre essas práticas, o formato, a
(2014)37, de Morgan Rhys Tams, conta com
estrutura produtiva e o propósito do projeto.
códigos QR permanentemente instalados na
Esperamos, assim, contribuir de alguma forma
pequena vila de pescadores de Skagströnd,
para a fertilidade criativa desse campo ino-
na Islândia. Usando um smartphone para ler
vador e estimulante.
os códigos, o interator pode ver pequenas animações especificamente criadas para cada local, buscando trazer vida nova a lugares praticamente esquecidos no interior da Islândia rural. Para interagir com a obra,
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASTON, J. (2017). Sandra Gaudenzi and Mandy Rose. I-docs: The Envolving Practices of Interactive Documentary. London and New York: Columbia University Press.
o participante deve seguir um mapa de um local a outro, percorrendo ruas de cascalho,
BOURRIAUD, N. (2009). Estética Relacional. São Paulo: Martins Fontes.
campos enormes e a costa rochosa. A outra alternativa é conhecer o projeto através do webdocumentário que tenta recriar a experiência da instalação artística para aqueles que não podem estar fisicamente na Islândia.
GAUDENZI, Sandra. (2013a). The Living Documentary: from representing reality to co-creating reality in digital interactive documentary. Thesis. London: University of London.
GAUDENZI, Sandra. (2013b). The Interactive Documentary as a Living Documentary. Revista Doc On Line 14 , p. 9-31. Accessed 30 August 2017. http://www.doc.ubi.pt/
Os I-docs utilizam um ou mais modos de interatividade de diferentes formas. Como foi dito no início deste artigo, não há um formato hegemônico, mas um conjunto de obras híbridas que compartilham uma série de características comuns de maneira criativa e inovadora. Nesse ambiente, cada projeto precisa encontrar a maneira mais eficiente de explorar as atribuições e especificidades do meio digital, bem como das diversas linguagens, mídias e tecnologias que o atravessam.
GIFREU-CASTELLS, Arnau. (2010).The Interactive Multimedia Documentary: a proposed analysis model. Thesis. Pompeu Fabra University.
JENKINS, H. (2006). Convergence Culture: Where Old and New Media Collide. New York: NYU Press.
LEVIN, T. (2016). Narrativa e Interatividade no Webdocumentário [Tese]. Universidade Federal da Bahia.
MACIEL, K.A e Fernandes, A. (2018). Direção de arte e transmidialidade. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.
MACIEL, K.A. (2018). Documentário interativo: a Baía de Guanabara Prêt-à-Porter. Revista de Geografia. v.35, n.1.: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistageografia/index
Nosso intuito não foi, portanto, apontar caminhos a serem seguidos, mas referências que possam inspirar novos projetos de narrativas interativas digitais ou de pesquisa nesse campo. Para isso, assumimos uma pers-
MURRAY, J. (2012). Inventing the medium: principles of interaction design as a cultural practice. Londres: The MIT Press.
NASH, K. (2014). What is interactivity for? The social dimension of web-documentary participation. Continuum: Journal of Media & Cultural Studies, p. 37-41.
pectiva que reconhece as obras como processos mais amplos de práticas interativas e de
PAQUIN, Louis-Claude. (2006). Comprendre les médias interactifs, Québec: Isabelle Quentin Éditeur.
agenciamento entre equipe, participantes e Paz, André and Júlia Salles. (2013). Dispositivo, Acaso e Criatividade: Por uma estética relacional do webdocumentário. Revista Doc On Line 14, p. 33-69. http://www.doc.ubi.pt/. 37 http://www.morgantams.com/cartography/
PAZ, André and Júlia Salles. (2015). Brasil, Mostra a sua Cara: aproximações ao cenário brasileiro de documentários interativos. Revista Doc On Line 18, p. 130-165. http:// www.doc.ubi.pt/.
PAZ, André. (2017). Documentário interativo e estratégia de impacto social. Revista Doc On Line. Num. Esp.: 81-108. http://www.doc.ubi.pt/.
RYAN, M.L. (2001). Narrative as Virtual Reality: Immersion and Interactivity in Literature and Electronic Media. Baltimore: Johns Hopkins University Press, series Parallax.
RYAN, M.L. (2011). Peeling the Onion: Layers of User Participation in Digital Narrative Texts. New Narratives: Stories and Storytelling in the Digital Age. P. 35-62. Eds. Ruth Page and Bronwen Thomas. Lincoln: University of Nebraska.
RYAN, M.L. (2015). Narrative as Virtual Reality 2: Revisiting Immersion and Interactivity in Literature and Electronic Media. Baltimore: Johns Hopkins University Press, series Parallax.
SCOLARI, C. (2013). Narrativas transmedia: cuando todos los medios cuentan. Barcelona: Grupo Planeta.
ZAMBRANO, V. & Gifreu-Castell, A. (2016). Aproximación al potencial colaborativo de la narrativa documental interactive en los procesos de cambio social. Cultura, Lenguage y Representación. XV 53-169.
NARRATIVAS INTERATIVAS
DESENVOLVIMENTO ATUAL DO DOCUMENTÁRIO INTERATIVO E TRANSMÍDIA NAS AMÉRICAS, EUROPA E AUSTRÁLIA ARNAU GIFREU-CASTELLS1
1 Arnau Gifreu-Castells é professor, pesquisador e diretor no campo do audiovisual multimídia. Foi pesquisador associado do Comparative Media Studies / Open Documentary Lab (MIT, 2013-2018) e participa do i-Docs (University of the West of England). Leciona na Universidade ERAM em Girona e coordena atividades interativas no Festival Internacional DocsBarcelona. Publicou vários livros e artigos sobre documentários interativos.
BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS · ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0 · RIO DE JENRIO · 224 PÁGINAS EDITORA: AUTOMATICA · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO · BUG404.NET
60
1. INTRODUÇÃO
(Inglaterra), interDocsBarcelona (Barcelona), entre outros, promovem e exibem ano após ano obras deste tipo, assim como congressos especia-
O documentário interativo e transmídia tem
lizados no documentário interativo como i-Docs
como base formas de expressão narrativas
(Inglaterra), ou em não-ficção como Visible
que nascem do encontro dos novos caminhos
Evidence. Cada vez mais empresas e produtoras
possibilitados pelo gênero documental a
decidem entrar neste tipo de produção, embora
partir da tecnologia. O objetivo e propósito
o grosso da produção continue sendo liderado
deste trabalho é oferecer uma aproximação
por emissoras como ARTE (França), National
do todo e uma análise (não exaustiva) sobre
Film Board do Canadá ou Special Broadcasting
o estado de desenvolvimento dos países que
Service (Austrália). Também o meio informativo
têm um trabalho e produção notáveis neste
e jornalístico tem entrado com força, com The
campo na atualidade (2018). Para isso, vamos
New York Times e The Guardian na liderança. As
focar nos três continentes que, atualmente,
produtoras mais prolíficas continuam se con-
concentram uma boa parte do desenvolvimento
centrando na França e no Canadá, onde existem
e produção nesta matéria específica: as
mais meios e recursos para produzir, como no
Américas, a Europa e a Austrália.
caso de Upian ou Honkytonk Films (França),
Em 2013, apresentamos uma tese de douto-
Submarine Channel (Holanda), Helios Design Labs,
rado sobre o estudo e análise do documentário
Felix & Paul Studios ou Akufen (Canadá), apenas
interativo. Aproveitando a pesquisa efetuada
para citar alguns exemplos. Também o número de
durante o período 2007-2013, também publicamos
pesquisadores que abrangem o documentário inte-
um artigo na revista científica Obra Digital,
rativo e transmídia em seus trabalhos aumenta
denominado “El documental interactivo: estado
dia após dia, destacando-se neste campo vários
de desarrollo actual” [O documentário inte-
nomes femininos como Sandra Gaudenzi, Kate
rativo: estado do desenvolvimento atual]
Nash, Mandy Rose, Judith Aston ou Julia Scott-
(Gifreu-Castells, 2013). Nessa primeira abor-
Stevenson. O software como fórmula específica
dagem, dividimos o estado de desenvolvimento
que parece consolidar-se neste tipo de produ-
em quatro partes: ‘Eventos e congressos’
ções é o desenvolvimento web nativo através da
(1); ‘Empresas, produtoras especializadas,
linguagem HTML 5 (com CSS, Javascript e Bases
praticantes e atores’ (2); ‘Pesquisadores’
de dados principalmente como complemento), os
(3) e ‘Software específico’ (4).
gestores de conteúdos dinâmicos como Wordpress
Desde o momento que apresentamos a primeira pesquisa e seus relativos relatórios
ou Joomla, e especialmente alguns editores multimídia como Klynt ou Korsakow.
(tese doutoral e artigos), há seis anos, o
Desse modo, as tendências que anunciá-
campo do documentário interativo e transmídia
vamos nesse artigo sobre o estado de desen-
vem evoluindo e se consolidando continua-
volvimento no ano 2013 apontam na direção da
mente, até chegar num ponto de normalização
permanência, consolidação e expansão desse
dentro do gênero documentário. Eventos e fes-
âmbito. Como observamos em trabalhos ante-
tivais como IDFA Doclab (Holanda), Hot Docs
riores (Gifreu-Castells, 2017), parece que a
Film Festival (Canadá), Sheffield Doc/Fest
forma do documentário interativo e transmídia
DESENVOLVIMENTO ATUAL DO DOCUMENTÁRIO INTERATIVO E TRANSMÍDIA NAS AMÉRICAS, EUROPA... · ARNAU GIFREU CASTELLS
· 60-71
61
nos países anglo-saxões e francófonos está
meios digitais e o documentário, assim como
mudando e se transformando num documentário
produtoras especializadas no campo do documen-
do tipo imersivo, dentro do conceito que
tário interativo e transmídia. No entanto, a
podemos denominar de ‘Realidade Aumentada’
principal rádio difusora do país, a National
(Milgram y Kishino, 1994). Ao mesmo tempo,
Film Board of Canada (NFB), criada em 1939 pelo
estas novas vias adotadas pelo documentário,
governo canadense, é a que mais se destaca.
tendo a tecnologia como mediadora, parecem
A tradição e apreciação do Canadá pelo
encontrar-se num momento culminante nos
cinema de não ficção, e especialmente, a nar-
países de língua latina, especialmente na
rativa documental, não é recente: em meados
Ibero-América, em países como Argentina,
do século XX se destacou como berço do Cinema
Colômbia, Chile ou México. Antes de iniciar
Direto, uma corrente documental cujo principal
a análise dos principais países envolvidos no
objetivo era filmar diretamente a realidade
desenvolvimento, produção e pesquisa dessas
e representá-la de forma sincera. Este tipo
novas narrativas de não-ficção, é preciso
de cinema, que nasceu entre 1958 e 1962, mais
observar que este trabalho não pretende fazer
especificamente na província canadense de
uma análise exaustiva de tudo o que acontece
Quebec e nos Estados Unidos, teve Jean Rouch
neste âmbito, mas uma primeira investigação
como seu principal expoente. Outra inovação
sobre quais acreditamos ser suas pontas mais
importante se deu através da temática social
relevantes em 2018. Dessa maneira, formulamos
e de intervenção cidadã, sendo o projeto mais
para esta edição do livro BUG uma evolução
representativo Challenge for Change (NFB,
do trabalho apresentado em 2013.
1967-1980), que ajudou a dar voz a comunidades desfavorecidas do Canadá empoderando-as com câmaras e outros dispositivos de filma-
2. O ESTADO DE DESENVOLVIMENTO 2
NAS AMÉRICAS
gem. Esse projeto seminal de cinema tradicional resultou, no início do século XXI, em
Filmmaker in Residence (Katerina Cizek, NFB, 2.1 CANADÁ
2006)3, e, posteriormente, no símbolo chave do documentário transmídia atual do National
Na nossa primeira parada vamos explorar
Film Board, Highrise (Katerina Cizek, NFB,
o continente americano, especialmente a
2009-2015)4. Com o passar do tempo, o NFB vem
América do Norte. No Canadá, a cada ano são
se especializando em quatro áreas que conver-
destinados milhões de dólares para a pro-
gem e se complementam no campo da narrativa
dução interativa e transmídia de conteúdos
transmídia de não ficção: o documentário, a
de ficção e não ficção. O governo oferece
animação, a educação e a interação5. A pro-
financiamento público por meio do Canadian
dução interativa e transmídia do NFB é ampla
Media Fund e outros editais, existem várias instituições dedicadas à convergência dos
3 O NFB ensaiando Highrise (Blog Webdocs. Historias del siglo XXI – RTVE.ES) http://blog.rtve.es/webdocs/2016/01/9-filmmaker-inresidence-nfb-ensayando-highrise.html
2 Para ver as ilustrações desta seção com prints selecionados pelo autor, acesse: http://agifreu.com/img_catalogo_mostrabug/America_P.jpg
4 www.outmywindow.nfb.ca. Ver página 106. 5 As sete maravilhas do NFB (Blog Webdocs. Historias del siglo XXI – RTVE.ES) http://blog.rtve.es/webdocs/2016/04/2-las-siete-maravillas-del-nfb-parte-1.html
e diversificada, e pode ser consultada
de projetos com financiamentos generosos.
na seção Interactive
em seu portal web.
Em relação à pesquisa e desenvolvimento de
Do NFB destacamos os projetos Highrise ,
projetos educativos, destaca-se, entre os
Waterlife (Kevin McMahon, 2009)7, Welcome
centros e grupos de pesquisa americanos, o
to Pine Point (Paul Shoebridge e Michael
MIT Open Documentary Lab.
6
Simons, 2011)8, Bear 71 (Jeremy Mendes e
Em relação à produção, destacamos dois nomes
Leanne Allison, 2012) , A Journal of Insomnia
na vertente criativa: Sharon Daniel14 e Jonathan
(Thibaut Duverneix, Bruno Choinière,
Harris15. Sharon Daniel é uma artista que pro-
Guillaume Braun e Philippe Lambert, 2013)10,
duz documentários interativos e participativos
In Limbo (Antoine Viviani, 2015) , Way to go
focados em temas de justiça social, econômica,
(Vincent Morisset, Philippe Lambert, Édouard
ambiental e penal, construindo arquivos online
Lanctôt-Benoit e Caroline Robert, 2015)12 e
e interfaces que aproximam as histórias de comu-
The Enemy (Karim Ben Khelifa, 2017) .
nidades marginalizadas para além dos limites
9
11
13
sociais, culturais e econômicos. Destacamos as obras Public Secrets (2008)16, Blood Sugar (Sharon 2.2. ESTADOS UNIDOS
Daniel e Erik Loyer; Vectors Journal, 2010)17, Inside the Distance (LINC-KU Leuven, STUK Arts
Embora os Estados Unidos não sejam um país
Centre, Courtisane, University of California em
que ofereça financiamento público volumoso
Santa Cruz, Fórum Europeu de Justiça Restaurativa,
para produzir este tipo de documentários,
Suggonomè - Serviço de Mediação Flamenca, OPAK,
ao longo do tempo vêm proliferando vários
2013)18 e Undoing Time PLEDGE/S.O.S (2013)19.
festivais e iniciativas privadas que mere-
Jonathan Harris é um criador único, já que devido
cem destaque. É o caso de festivais como
a uma formação combinada entre fotografia e com-
Tribeca, Sundance ou South by Southwest,
putação, trabalha como um artista renascentista,
entre outros, em que o documentário intera-
tendo desenvolvido uma habilidade extraordiná-
tivo e transmídia faz parte da programação
ria e domínio de vários códigos e linguagens.
há muito tempo. Diversos festivais também
Destacamos seus projetos We feel Fine (Jonathan
introduziram a categoria do documentário
Harris e Sep Kamvar, 2006)20, Cowbird (2011)21, I
interativo e transmídia dentro de suas
love your work (2013)22 e Network Effect (Jonathan
respectivas competições. Mas talvez o
Harris e Greg Hochmuth, 2015)23.
mais interessante nestes festivais seja o instituto de promoção e financiamento: especialmente o de Tribeca e Sundance. A Fundação Ford também promove este tipo
14 http://www.sharondaniel.net/.
La travesía de Sharon Daniel: De Public Secrets a Inside the distance. Parte 1-3 (Blog Webdocs. Historias del siglo XXI – RTVE.ES). http://blog.rtve.es/webdocs/2014/08/3.html 15 http://number27.org/. Jonathan Harris, el hombre orquestra (Blog
Webdocs. Historias del siglo XXI– RTVE.ES). http://blog.rtve.es/ webdocs/2016/02/4-jonathan-harris-el-hombre-orquestra.html 6 https://www.nfb.ca/interactive/
16 http://www.sharondaniel.net/#publicsecrets
7 https://www.nfb.ca/film/waterlife/
17 http://www.sharondaniel.net/bloodsugar/
8 https://www.nfb.ca/interactive/welcome_to_pine_point/
18 http://www.sharondaniel.net/inside-the-distance/
9 https://bear71vr.nfb.ca/
19 http://www.sharondaniel.net/undoing-time/
10 https://www.nfb.ca/interactive/a_journal_of_insomnia/
20 http://wefeelfine.org/
11 https://www.nfb.ca/interactive/in_limbo/
21 http://cowbird.com/
12 http://a-way-to-go.com/
22 http://iloveyourwork.net/
13 http://theenemyishere.org/
23 http://networkeffect.io/. Ver página 107.
DESENVOLVIMENTO ATUAL DO DOCUMENTÁRIO INTERATIVO E TRANSMÍDIA NAS AMÉRICAS, EUROPA... · ARNAU GIFREU CASTELLS
· 60-71
63
2.3 ARGENTINA
incompleta se não mencionássemos o departamento de Comunicação Multimídia da Universidade Nacional
A Argentina é, sem dúvida, o país mais
de Rosário que, através de seu diretor Fernando
fértil no âmbito estudado dentro da América
Irigaray, lidera este projeto singular, e cuja
Latina. Os eventos e atividades na Argentina
série de documentários transmídia sob a marca
em relação ao documentário interativo e
DocuMedia Periodismo Social Multimedia, obteve
transmídia se concentram principalmente em
importantes reconhecimentos durante os últimos
sua capital, Buenos Aires, e na cidade de
anos. Destacamos Calles perdidas (Documedia-UNR,
Rosário. Os eventos dedicados ao tema como
2013)26 e Mujeres en venta (Documedia-UNR, 2015)27.
Doc Buenos Aires, Doclab, Foro de Periodismo
Além disso, a Argentina é o único país da
Digital-Encuentro de Narrativas Transmedia
América Latina que tem feito co-produções com
de Rosario, Mediamorfosis, Festival de Mar
as duas emissoras públicas que mais apostam no
del Plata ou Ventana Sur incluem este tipo
documentário interativo mundialmente: ARTE e
de narrativas em suas edições mais recentes.
o National Film Board of Canada. Como exemplo
Em relação à experimentação e produção,
citamos Primal (Bruno Stagnaro, Caroline Hayeur,
os especiais multimídia do jornal Clarín
David Mongeau-Petitpas, Manuel Archain e Marc-
(1996-2009) foram os primeiros trabalhos
Antoine Jacques, 2014)28, a primeira co-produção
pioneiros em não ficção no cone sul do con-
da entidade canadense com o Canal Encuentro da
tinente americano. Trata-se de um conjunto
Argentina, o canal de televisão do Ministério
de mais de 40 peças dirigidas por Gustavo
de Educação da República Argentina.
Sierra e produzidas pela equipe multimídia de Clarin.com, das quais destacamos El
viaje que el Ernesto se convirtió en el Che
2.4. COLÔMBIA
(2007). Em relação a criadores importantes, o jornalista Alvaro Liuzzi é um dos pioneiros
A Colômbia é outro dos países emergentes no cone
que vem trabalhando na convergência entre
sul em relação à produção e promoção do documen-
documentário e jornalismo com um conceito
tário interativo e transmídia. Este país conta
inovador: utilizar as plataformas de não
com uma rede consolidada de eventos e mercados em
ficção com o objetivo de reviver em seu
relação ao meio audiovisual e aos novos meios,
público fatos históricos chave na Argentina,
entre eles: Bogotá Audiovisual Market, Festival
como o 30o
aniversário da guerra entre
Internacional de Cine de Cartagena de Indias,
Argentina e Grã Bretanha nas Malvinas, a
Colombia 4.0, Festival de la Imagen, Muestra
identidade de Rodolfo Walsh em Clave Digital,
Internacional de Documental de Bogotá, Festival
ou a comemoração dos 30 anos de democracia
de Cine Creative Commons Bogotá, DocsBarcelona
no país. Destacamos seus projetos Proyecto
Medellín, Ambulante Colombia, etc. Além disso,
Walsh (Alvaro Liuzzi, 2010)24 e Malvinas 30
existe um potente sistema de estímulos promovido
(Alvaro Liuzzi, 2012)25.
pelo governo e Proimagenes, com financiamentos
Do mesmo modo, a análise estaria 26 http://www.documedia.com.ar/callesperdidas/ 24 http://proyectowalsh.com.ar/
27 http://www.documedia.com.ar/mujeres/. Ver página 110.
25 https://docubase.mit.edu/project/malvinas-30/
28 http://primal.nfb.ca/es
e editais como Crea Digital (Ministério de
2.5. BRASIL
Tecnologias da Informação e Comunicação), o Edital de documentário interativo para a
No Brasil, o desenvolvimento da não ficção inte-
web (Ministério da Cultura), o Fundo para o
rativa e transmídia apresenta bases sólidas,
Desenvolvimento Cinematográfico (Proimágenes
embora se encontre em estado incipiente devido
Colombia), New Media Colombia e New Media
à falta de subvenções públicas e investimento
Canadá (Proimágenes Colombia), etc.
privado. Porém, mesmo com esse baixo investimento,
Na Colômbia, como na Argentina, as
produtoras como Cross Content, sob a liderança
primeiras narrativas de não ficção inte-
de Marcelo Bauer, têm criado plataformas como
rativa começaram pela via do jornalismo.
‘Webdocumentario.com.br’, que acolhem produções
Tratou-se de uma série de reportagens
de baixo orçamento.
interativas denominadas Reportaje 36029
Em relação à pesquisa e formação, dois pio-
produzidas pela equipe de Novas Mídias
neiros em narrativas digitais, Denis Porto Renó
do País de Cali, sob a direção de Felipe
e Vicente Gosciola, tem se dedicado a estudar
Lloreda. Além da produção das reportagens
e formar na área da não ficção a partir de suas
360o do País de Cali, destacamos os seguin-
duas principais formas de expressão: o jorna-
tes documentários interativos e transmídia:
lismo e o documentário. Destaca-se, também, o
4 Ríos (Elder M. Tobar, Orgánica Digital,
trabalho do grupo de pesquisadores e cineastas
Centro Ático Universidade Pontifícia
que se uniram e criaram a plataforma Bug404, uma
Javeriana, Identity School of Digital
iniciativa promovida por André Paz com o apoio
Arts; Animaedro Estúdio de Animação e
de Julia Salles, Claudia Holanda, Kátia Augusta
Fundação Chasquis, 2011)30; Cuentos de vie-
Maciel e Mayra Jucá. Bug40435 tem como objetivo
jos (Marcelo Dematei, Carlos Smith, Laura
contribuir para a expansão de dito campo no
Piaggio e Ana Ferrer, Hierro Animación,
Brasil, não só através de pesquisa e divulgação
Piaggiodematei e Señal Colombia, 2013) ;
de estudos sobre narrativas interativas no mundo
Pregoneros de Medellín (Ángela Carabalí e
e no Brasil, como também por meio de conferên-
Thibault Durand, Grupo Carabalí, 2015)32;
cias, cursos, oficinas e eventos. Tem o mérito
Paciente (Jorge Caballero, Gusano Films,
de estabelecer uma rede brasileira sobre novas
2016)
31
e Desarmados (Fabio Díaz Vergara,
narrativas, oferecer conhecimento e suporte
Paola Morales Escobar e Juan Sebastián
técnico para criar documentários interativos e
Zuluaga, Departamento de Comunicação
apoiar a produção de projetos estratégicos, como
Social, Universidade EAFIT, 2017)34.
Black-box e Bug Brasil.
33
Destacamos alguns projetos pioneiros como
Canto do Brasil (Geoffrey Hiller, 2006)36, Rio de Janeiro: Autoretrato (Marcelo Bauer, Sérgio Moraes, Giovanni Francischelli e Lucian Rosa, 29 https://www.elpais.com.co/reportaje360/web/home.html
2011)37, Copa para Quem (Maryse Williquet,
30 http://4rios.co/ 31 http://cuentosdeviejos.com/
35 http://bug404.net/
32 https://pregonerosdemedellin.com/#es
36 http://www.hillerphoto.com/brazil/intro.htm
33 http://pacientedoc.com/
37 http://riodejaneiroautorretrato.com.br/dev2011/Content/Swf/in-
34 http://desarmados.org/
dex_portugues.html. Ver página 109.
DESENVOLVIMENTO ATUAL DO DOCUMENTÁRIO INTERATIVO E TRANSMÍDIA NAS AMÉRICAS, EUROPA... · ARNAU GIFREU CASTELLS
· 60-71
65
Switch asbl, 2014)38, Ilha Grande: Cada
ou Honkytonk Films, e de outras entidades
Praia, uma Ilha; Cada Ilha, uma História
que contribuem para a produção e expansão
(André Paz, 2016)
39
e Som dos sinos (Marcia
Mansur e Marina Thomé, Estúdio Crua, 2017)40.
deste tipo de obras. A principal emissora europeia, o canal
ARTE, é uma entidade que sempre se interessou pelos produtos culturais e artís41
3. O ESTADO DE DESENVOLVIMENTO NA EUROPA
ticos, potencializando a cultura em todos os níveis. Seu departamento de web sempre
3.1 FRANÇA
apostou na experimentação e inovação com as formas não lineares e com os gêneros
A França é o país europeu que mais apostou
de não ficção (especialmente reportagem e
na narrativa documental interativa e
documentário). Toda a experiência adquirida
transmídia desde suas origens. O sistema
com o desenvolvimento dos formatos ópticos
francês audiovisual e de novas mídias
(CD Rom e DVD Rom) dos anos 90 na França
conta com muitos estímulos que se originam
abriu caminho, várias décadas após, para
e fundamentam principalmente em três
uma constante inovação na experiência do
pilares chave: primeiro, o fato de que
usuário e usabilidade na web.
o cinema foi fundado e é original deste
A toda esta estrutura de base, temos
país (1895), portanto a França tem uma
que somar um circuito de mercados e fes-
longa tradição cinematográfica junto a
tivais que possibilita o desenvolvimento,
outros países como os Estados Unidos. Em
financiamento, produção, exibição e distri-
segundo lugar, é um país que tem apostado
buição destas obras. Para mencionar alguns,
na inovação e experimentação tecnológica
destacamos Cross Video Days (Paris), Sunny
em vários campos. Por fim, e talvez o
Side of the Doc (La Rochelle) ou Marche du
mais determinante: conta com um sistema
Film (Cannes).
de estímulos e financiamentos públicos no
Produzidos na França, recomendamos
campo cinematográfico e de novas mídias
os projetos Gaza-Sderot. Life in spite
que contribuem para expandir a cultura
of everything (Khalil al Muzayyen, Robby
francesa. Boa parte das produções intera-
Elmaliah, Films/Trabelsi Productions ,
tivas e transmídia recebeu contribuições
The Sapir College, Ramattan Studios, Bo
generosas por parte de emissoras públi-
Travail!, Upian, 2008) 43; Prison Valley
cas, como ARTE42 ou France Télévisions,
(David Dufresne, Philippe Brault, Upian,
do governo, por meio do Centre National
ARTE , 2010) 4 4; Alma. A Tale of vio-
du Cinéma et de l’Image Animée (CNC), e
lence (Miquel Dewever-Plana, Isabelle
de um conjunto de produtoras, como Upian
Fougère, ARTE, Upian, 2012)45; Type:rider (Cosmografik, Agat Films & Cie, Ex Nihilo,
38 http://www.copaparaquem.com/ 39 http://www.ilhagrandewebdoc.website/
BulkyPix, ARTE, 2013)46; Do not track (Brett
40 http://somdossinos.com.br/ 41 Para ver as ilustrações desta seção com prints seleciona-
43 http://gaza-sderot.arte.tv/
dos pelo autor, acesse:
44 http://prisonvalley.arte.tv/?lang=en. Ver página 110.
http://agifreu.com/img_catalogo_mostrabug/Europe_P.jpg
45 http://alma.arte.tv/. Ver página 121.
42 https://www.arte.tv/sites/en/webproductions/
46 http://typerider.arte.tv/#/
Gaylor, Upian, ARTE, ONF, BR, 2016)
;
Femke Wolting. Atualmente, detém estúdios
Dada-Data (Anita Hugi e David Dufresne,
em Amsterdam e Los Angeles, e embora nos
Akufen, RSI, RTS, SRF, ARTE, 2016)
47
e
primeiros anos tenha se focado no desen-
Phallaina (Marietta Ren, Smallbang, CNC,
volvimento e produção de filmes lineares
FranceTV Nouvelles Ecritures, 2016) .
e interativos, o objetivo da empresa nos
48
49
últimos tempos tem sido criar projetos transmídia significativos com ênfase especial na 3.2 HOLANDA
animação interativa e nos jogos digitais. Da Holanda, destacamos três projetos
A Holanda é outro ator importante neste
interativos de não ficção produzidos por
campo por dois motivos particulares: pelo
Submarine Channel:
desenvolvimento do IDFA Doclab50, a seção
Risk Conspiracy (Tommy Pallotta, Submarine
interativa do International Documentary
Channel, VPRO, Dutch Cultural Media Fund,
Film Festival de Amsterdam, o festi-
SNS Reaal Fund, VSB Fund, Gasterra, 2010)51;
val mais importante de documentários do
Unspeak (Tommy Pallotta, Submarine Channel,
mundo, junto ao Hot Docs Film Festival,
VPRO, Creative Industries Fund NL, Dutch
em Toronto (Canadá). Há mais de 10 anos,
Cultural Media Fund, Netherlands Ministry
o IDFA Doclab premia os melhores docu-
of Culture, The City of Amsterdam, The
mentários interativos em sua competição
Netherlands Film Fund, 2013)52 e Last Hijack
anual, oferece exposições, uma conferên-
Interactive (Tommy Pallotta e Femke Wolting,
cia, navegações guiadas e vários eventos
Razor Film, ZDF, IKON, Creative Industries
relacionados no final de novembro. Também
Fund NL, The City of Amsterdam, The Dutch
co-produz projetos numa linha de difusão
Cultural Media Fund, The Netherlands Film
do conhecimento e preservação digital
Fund, 2014)53.
Collapsus: The Energy
(Moments of Innovation, Online Database, etc.). O segundo ator chave neste país é a emissora pública VPRO, que destina
3.3 INGLATERRA
fundos volumosos à produção de ficção e não ficção interativa e transmídia.
A Inglaterra, como a Holanda, conta com dois ou
Finalmente, o terceiro convidado
três ativos importantes em relação ao campo ana-
para a festa são as produtoras, e espe-
lisado. Em primeiro lugar, em Bristol se realiza,
cialmente uma delas se constitui como
desde 2011, a conferência mais importante do
uma das empresas mais férteis na produção
mundo sobre documentários interativos, denominada
do documentário interativo do mundo: a
i-Docs54. Trata-se de um encontro realizado a
Submarine Channel. Este estúdio holandês
cada dois anos organizado por Judith Aston,
especializado nas narrativas transmídia
Sandra Gaudenzi e Mandy Rose. A este encontro
foi fundado em 2000 por Bruno Felix e
assistem boa parte das pessoas interessadas neste
47 https://donottrack-doc.com/en/. Ver página 111.
51 http://www.collapsus.com/
48 http://dada-data.net/en/
52 https://unspeak.submarinechannel.com/
49 http://phallaina.nouvelles-ecritures.francetv.fr/. Ver página 121.
53 http://lasthijack.submarinechannel.com/
50 https://www.doclab.org/
54 http://i-docs.org/
DESENVOLVIMENTO ATUAL DO DOCUMENTÁRIO INTERATIVO E TRANSMÍDIA NAS AMÉRICAS, EUROPA... · ARNAU GIFREU CASTELLS
· 60-71
67
âmbito a nível acadêmico, já que a Inglaterra
3.4 ESPANHA
concentra uma boa parte dos pesquisadores deste campo, que embora não sejam naturais do
A Espanha oferece um amplo leque de projetos
país, desenvolvem sua carreira acadêmica aqui.
interativos de não-ficção, mas na maioria dos
Em segundo lugar, sua emissora prin-
casos são produções com orçamentos limitados.
cipal, a British Broadcasting Corporation
Se, por um lado, o país tem demonstrado
(BBC), lançou algumas iniciativas que pro-
interesse e gerado expectativas, além de
moveram o desenvolvimento e produção deste
deter uma boa formação e um sistema eficaz
tipo de narrativas, como é o caso de BBC
de exibição e distribuição através de eventos
Taster
ou BBC Connected Studio , que são
e festivais consolidados (DocsBarcelona,
plataformas para a criação e desenvolvimento
Documenta Madrid, Medimed, etc.), por outro
de narrativas digitais. Por último, vale
lado o financiamento tem sido quase inexis-
mencionar que este país conta com formação
tente. Isso limita a expansão das obras,
de alto nível no campo e centros de prestigio
embora sirva como exemplo inequívoco de como
reconhecidos (DCRC-Digital Cultures Research
é possível produzir com poucos recursos,
Centre da Universidade do Oeste da Inglaterra,
muita criatividade e sistemas alternativos
Digital and Interactive Storytelling LAB da
de captação de recursos.
55
56
Universidade de Westminster, etc.), assim como
Na Espanha destaca-se em primeiro lugar
um circuito relevante de eventos e festivais
sua emissora pública mais importante: Radio
que promovem a criação e financiamento de
Televisión Española. O modelo de Laboratorio
documentários interativos: Sheffield Doc/
de Innovación Audiovisual criado no depar-
Fest, Mozilla Festival, etc.
tamento de meios interativos de RTVE (Lab
Se a Inglaterra não se destaca pela sua
RTVE)60 é único no mundo, reunindo uma equipe
produção, encontramos ainda bons exemplos
pequena e muito qualificada que trabalha na
de convergência entre jornalismo e documen-
experimentação constante em torno das lingua-
tário como em The Guardian, e os projetos
gens das novas narrativas. O Lab RTVE começou
Global guide to the first world war (Francesca
muito ativo nos primeiros anos, para terminar
Panetta, Lindsay Poulton e Iain Chambers,
se centrando na co-produção de projetos de
The Guardian, Kiln.it, 2014)
e The shirt
webdoc com sua marca denominada Factoría de
on your back (Lindsay Poulton, The Guardian,
webdocs, e recentemente gerando conteúdos
WorldView, 2014) . Também destacamos Anyone’s
para Playz, a plataforma de conteúdos exclu-
Child Mexico: families for safer drug control
sivamente digitais de RTVE.ES.
57
58
(Matthew Brown, Ewan Cass-Kavanagh, Mary Ryder
O segundo importante ator espanhol é o
e Jane Slater, University of Bristol, 2017) .
festival DocsBarcelona61, que desde 2013 promove
59
sua seção interativa e transmídia do festival, 55 https://www.bbc.co.uk/taster/ 56 http://www.bbc.co.uk/connectedstudio/ 57 https://www.theguardian.com/world/ng-interactive/2014/ jul/23/a-global-guide-to-the-first-world-war-interactive-docu-
denominada interDocs Barcelona, que conta com conferências, navegações interativas, casos de estudo, exposições, hackaton e um pitch
mentary 58 https://www.theguardian.com/world/ng-interactive/2014/apr/ bangladesh-shirt-on-your-back
60 http://www.rtve.es/lab/
59 http://mexico.anyoneschild.org/
61 http://www.docsbarcelona.com/
interativo. Este festival vem crescendo
NA AUSTRÁLIA68
principalmente durante os últimos cinco anos e atualmente o projeto compreende uma
A Austrália possui duas emissoras inte-
escola de formação (DocsSchool); um dos
ressadas em promover a interatividade e a
sistemas de distribuição de documentários
narrativa transmídia em seus conteúdos: a
mais extenso do mundo, o DocsBarcelona del
Special Broadcasting Service (SBS)69 e a
Mes, que abrange 95 salas na Espanha e em
Australian Broadcasting Corporation (ABC). A
vários países da América Latina; e três
SBS é a emissora que tem produzido as obras
festivais em diferentes cidades/países:
mais importantes e representativas neste
Barcelona (Espanha), Medellin (Colômbia)
campo desde 2010, que antes eram realizadas
e Valparaiso (Chile). Várias produtoras
pioneiramente pela outra emissora do país,
espanholas completam este panorama, entre
a ABC. A essas duas instituições temos que
as quais destacamos Barret films , com
acrescentar o órgão do governo destinado a
sede na cidade de Valencia e especializada
fomentar a produção cinematográfica: Screen
em documentários interativos e transmí-
Australia70, uma agência do Governo Federal
dia comprometidos com a temática social
encarregada de apoiar o desenvolvimento,
e ativista.
produção e promoção de filmes australianos.
62
Em relação a projetos com certo
A Screen Australia tem como objetivo ins-
impacto e inovadores em relação à narra-
pirar, informar e envolver o público através da
tiva na Espanha, destacamos Montelab (Lab
narração de histórias australianas, oferecendo
RTVE, Documentos TV, 2014) ; 0 responsables
financiamento e estímulos a partir da etapa
(Barret Films, 2015)64; Las Sinsombrero
de proposta e roteiro, financiando escritores
(Tània Balló, Manuel Jiménez e Serrana
e equipes de produção cinematográfica, até a
Torres, Intropía Media, Yo la perdono,
produção e pós-produção para que os autores
RTVE, Ministério da Educação, 2015) ;
possam desenvolver e concluir seus filmes. Em
Bugarach. Como sobrevivir al Apocalipsis
relação à produção de documentários, há alguns
(Sergi Cameron, Nanook Films, Lab RTVE,
anos lançaram a categoria Focus on interac-
Interactius e Playfilm, 2016)
tive com o objetivo de estimular e promover a
63
65
66
e Sexo,
maracas y chihuahuas (Minimal Films, Lab RTVE, TVC, Labyrinth Studio, 2016)67.
produção de documentários interativos. Também destacamos o trabalho de pesquisa e formação que vem sendo realizado em centros de pesquisa e universidades como
4. O ESTADO DE DESENVOLVIMENTO
é o caso de RMIT University e seu non/
fiction Lab, grupo e centro de pesquisa
68 Para ver as ilustrações desta seção com prints selecionados pelo autor, acesse: 62 https://barret.coop/
http://agifreu.com/img_catalogo_mostrabug/Auatralia_P.jpg
63 http://lab.rtve.es/montelab/
69 https://www.sbs.com.au/features
64 http://www.0responsables.com/?l=ca
70 https://www.screenaustralia.gov.au/. Titles produced – Focus on
65 https://www.lassinsombrero.com/
interactive – Screen Australia
66 http://lab.rtve.es/webdocs/bugarach/
https://www.screenaustralia.gov.au/fact-finders/production-trends/
67 http://lab.rtve.es/webdocs/xavier-cugat/
documentary-production/focus-on-interactive/titles-produced
DESENVOLVIMENTO ATUAL DO DOCUMENTÁRIO INTERATIVO E TRANSMÍDIA NAS AMÉRICAS, EUROPA... · ARNAU GIFREU CASTELLS
· 60-71
69
liderado por Adrian Miles e Francesca Rendle-Short. Deste país destacamos os projetos Long Journey, Young Lives (David Goldie e Hilary Balmond, ABC, 2002)71,
Africa to Australia (SBS Online, 2010)72, The Block: Stories form a Meeting Place (Matt Smith, Alicia Hamilton e Poppy Stockell, SBS, 2012)73, The Boat (Matt Huynh, SBS Online, 2015)74, I’m your man (Kylie Boltin e Damian McDermott, SBS, 2017)75 e Kgari (Ella Rubeli, Boris Etingof e Kylie Boltin, SBS, 2017)76.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GIFREU-CASTELLS, A. (2013). El documental interactivo: estado de desarrollo actual. Obra Digital, 5. pp. 29-55.Vic: Universidad de Vic. ISSN: 2014-5039. https://www.raco.cat/index.php/ObraDigital/article/view/264707/352399
GIFREU-CASTELLS, A. (2017). Interactive Documentary Aqui y Ahora (Here & Now) Themes and Directions in South America. Judith Aston; Sandra Gaudenzi; Mandy Rose (Eds.): (2017). i-Docs: The Evolving Practices of Interactive Documentary. New York: Columbia University Press. ISBN: 023118123X. MILGRAM, P.; Kishino, F. (1994). A Taxonomy of Mixed Reality Visual Displays. IEICE Transactions on Information and Systems, E77-D, 1321-1329. http://www.alice.id.tue.nl/references/milgram-kishino-1994.pdf
71 http://www.abc.net.au/longjourney/documentary_broadband.html 72 http://www.sbs.com.au/africatoaustralia/ 73 http://www.sbs.com.au/theblock/ 74 http://www.sbs.com.au/theboat/ 75 http://www.sbs.com.au/imyourman/ 76 http://www.sbs.com.au/kgari/
NARRATIVAS INTERATIVAS
MÍDIAS E PLATAFORMAS ECOAM O SOM DOS SINOS POR JÉSSICA CRUZ1
1 Jéssica Cruz é formada em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero (SP), trabalha como produtora audiovisual, é produtora dos documentários lineares Filhos da Aids (2012) e Carolina (2016) e do documentário interativo Bixiga Existe (2017).
BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS · ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0 · RIO DE JENRIO · 224 PÁGINAS EDITORA: AUTOMATICA · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO · BUG404.NET
72
A instalação interativa Som dos Sinos2, exibida pela primeira vez na Mostra BUG, faz parte de um projeto maior, homônimo,
COMO NASCEU O ESTÚDIO CRUA?
que inclui aplicativo mobile, documentário interativo, documentário linear e exibições itinerantes nas cidades onde as imagens e
MARINA THOMÉ (MT): O Som dos Sinos foi o
sons foram captados. A obra transmídia foi
fundador na verdade, porque eu conheci a
pensada para valorizar os mais de 40 toques
Marcia acho que foi em 2012 e ela trabalhava
de sinos tombados como patrimônio imaterial
com antropologia e patrimônio imaterial e
em nove cidades de Minas Gerais.
eu trabalhava com tecnologia e documentá-
Marcia Mansur e Marina Thomé, as funda-
rio, e a gente queria fazer algum projeto
doras do Estúdio CRUA, em São Paulo, são as
juntas que trabalhasse patrimônio imaterial
realizadoras do projeto. Ambas começaram suas
e novas mídias. A Crua foi fundada a partir
carreiras no campo das narrativas interati-
do Som do Sinos, vamos dizer assim, porque
vas em 2011, cada uma de um lado do oceano
a gente teve essas experiências interna-
Atlântico, ainda sem se conhecer. Marina fez
cionais, e aqui no Brasil em 2012 não tinha
parte da primeira turma de mestrado em docu-
muita coisa, ainda mais na área de promoção
mentário interativo na Universitat Autònoma
do patrimônio cultural.
de Barcelona. Las Sombras del Progreso3 foi seu primeiro i-doc, produzido na Espanha. Já Marcia fez parte da coordenação dos residentes da UnionDocs, uma organização sem fins lucrativos norte-americana que produz docu-
COMO O SOM DOS SINOS FOI FINANCIADO?
mentários e que tem sido grande incentivadora das narrativas digitais interativas. Living
Los Sures4, webdoc que se tornou referência
Marcia
do UnionDocs, estava sendo produzido na
é
época pelos residentes sob sua coordenação.
mento, propaganda, é uma área que tem menos
Nesta entrevista, Marcia e Marina nos
verba. Na época, a gente ganhou um edital
contam dos bastidores de seu mais importante
da Eletrobrás, que eu acho que nem existe
trabalho, dos modelos de produção que vêm
mais, na linha de patrimônio cultural ima-
testando, e das perspectivas de financiamento
terial, então essa ideia de fazer um projeto
de projetos para a área.
transmídia não estava no edital, não era uma
muito
Mansur
(MM):
diferente
da
Essa área
área de
cultural entreteni-
linha de tecnologia, não, o edital era de patrimônio imaterial, só que a gente foi o único preponente que pensou em um projeto que envolvesse novas mídias, aí ganhou.
2 www.somdossinos.com.br. Ver página 135. 3 http://www.sombrasdelprogreso.com/ 4 http://lossur.es/
MÍDIAS E PLATAFORMAS ECOAM O SOM DOS SINOS · POR JÉSSICA CRUZ
· 72-81
73
E COMO FOI O PROCESSO DE PRODUÇÃO DO SOM DOS SINOS, ENGLOBANDO TODA A OBRA TRANSMÍDIA?
E TUDO SAIU COMO O PLANEJADO?
MT: A gente cometeu um erro: não pegamos o MT: A gente fez uma viagem de campo, já colheu um pouco de repertório audiovisual, mas para pesquisa. Quando a gente chegou
para
gravar,
a
gente
um
filme,
um
documento
chamado
forma
pouco
formato
audiovisual
do
do
tinha
do
pro-
jeto como um todo, a gente sabia o que a gente ia filmar, como ia filmar, já tinha descrito quais os personagens que a gente queria achar, por exemplo, além dos sineiros que já tinha essas representações
da
juventude,
da
tradição,
tinha também uma coisa de falar com a comunidade,
a
gente
tinha
uma
relação
de personagens, queríamos uma parteira, porque ia ter uma questão do nascimento e na morte do sino, coveiros, um escultor, santeiro...No campo, quando chegamos, a gente
foi
descobrindo
os
personagens,
mas a gente já tinha tudo isso mapeado.
GPS de todas as igrejas que a gente foi, e isso para o App foi um problema, porque a gente não pegou as coordenadas e depois tivemos
que
trabalho.
buscar
Como
é
isso
um
e
deu
projeto
um
super
transmídia,
tinha muita coisa em campo, a gente teve que captar som, tinha as entrevistas para o
App, as coordenadas das igrejas, as fotos, os
frames
para
o
para
o
App,
longa-metragem,
todo que
o
tem
material um
tempo
bem diferente dos planos, uma montagem bem mais espaçada, tem uma coisa toda com a fé popular, então a gente tinha muito material para captar com direções audiovisuais diferentes, mas a grande maioria a gente conseguiu pensar antes, acho que só a temática do webdoc que era dentro da torre foi uma coisa posterior de edição e de conceito principal,
e
essa
parte
do
App
que
deu
muito trabalho, acho que o produto que mais deu trabalho foi o aplicativo.
Em termos técnicos, o webdoc precisaria de cenas mais imersivas, então a gente já ia com essa câmera mais imersiva, que subia as escadas, que descia as escaEM TERMOS DE EQUIPE, O QUE TINHA DE NOVO? VOCÊS TIVERAM DIFICULDADE PARA ACHAR PROFISSIONAIS CAPACITADOS?
das, que ia pegando detalhes da fachada das torres, que ia pegando os nomes dos sineiros na parte interna, na pedra, a gente já sabia que queria mostrar a torre aos poucos, não queria nada de planos
MT:
gerais,
trabalharam nesse projeto, mas tinha uma
você
planos gerais.
pode
ver
que
tem
poucos
A
gente
contratou
40
pessoas,
que
equipe principal, que eram os editores e assistentes de edição, porque a gente tinha muita edição de imagem. De tecnologia, a gente teve uma empresa que fez o App no Rio
de
Janeiro,
programadora
MM: Foi legal que os profissionais de tec-
que fez o webdoc em São Paulo. Teve uma
nologia com quem a gente trabalhou curtiram
diretora de arte que fez tudo, que foi
fazer um projeto documental, eles tiveram
super legal. Eu acho assim, em termos de
uma certa liberdade de criação, porque na
design foi uma coisa que a gente teve
maior parte dos jobs de tecnologia são de
menos dificuldade nas interfaces, porque
entregas um pouco mais rígidas. Então, eu
a Haydee Uekubo, que é essa pessoa de
lembro que as pessoas também curtiam, um
criação,
pouco apostavam, porque é raro um projeto
é
e
depois
alguém
uma
que
trabalhou
muito
tempo em agência de propaganda, então é
documental
uma pessoa muito rápida para pensar em
dizer, naquela época, hoje já está um pouco
interface e ela fez a marca, as solu-
mais comum, mas há 4 anos atrás, era um
ções...
muito,
pouco mais raro para esses profissionais
programadora mulher, diretora de arte,
com quem a gente trabalhou. Então, eu acho
a roteirista do filme, eu, a Marcia, a
que a galera curtiu também.
A
mulherada
trabalhou
que
use
a
tecnologia,
quer
produtora Julia Franceschinni, produção local, então teve muita mulher na equipe. Já
em
termos
de
programação,
eu
acho
difícil achar equipe, a pessoa geralmente é de programação e trabalha com site, é difícil
achar
alguém
que
trabalhe
QUE PRODUTOS ESTAVAM PLANEJADOS DESDE O INÍCIO DO SOM DOS SINOS?
com
user experience e com webdocumentário, é
muito
que
MM: A gente já pensou nesse formato que
traba-
teria: um longa-metragem, um documentário
lham com tecnologia e user experience,
interativo, uma plataforma multimídia, um
estão
difícil
se
achar
formando
programação
para
isso.
pessoas
Acho
que
storytelling,
mas
eu
aplicativo
georreferenciado
pelos
toques
não acho fácil de achar, especialmente
dos sinos de Minas Gerais e um retorno em
para a área de cultura, porque a área de
todas as nove cidades onde a gente gravou
propaganda tem muito dinheiro. O budget
para fazer projeção na fachada externa das
do Som dos Sinos foi R$ 297 mil para
igrejas dessas cidades. Então, a ideia era
todos os produtos, o que não é nada, né?
que
Então na área de cultura é muito mais
público diferente e um conteúdo diferente,
difícil
a partir de um mesmo arsenal de material.
achar
pessoas
de
programação,
cada
um
desses
produtos
tivesse
um
eles cobram por hora e são caros, então essa que os
foi é
um
uma
grande
grande
diretores
dificuldade,
problema.
também,
E
acho
acho
que
documentaristas,
a gente vê muito isso nas aulas, eles não
conhecem
o
webdocumentário,
então
não sabem nem como fazer um escopo de tecnologia, não sabem demandar.
MÍDIAS E PLATAFORMAS ECOAM O SOM DOS SINOS · POR JÉSSICA CRUZ
· 72-81
75
FALE UM POUCO DO MATERIAL CAPTADO. COMO FOI O APROVEITAMENTO?
COMO FOI CONCEBIDO O WEBDOCUMENTÁRIO SOM DOS SINOS, ESPECIFICAMENTE?
MT: No webdocumentário, a proposta era proMM: A gente teve uma produção de aproxi-
porcionar uma imersão no universo das tor-
madamente 100 horas (de vídeo), mais de
res. A gente viu no cinema itinerante nas
40 entrevistas, muitas festas, procis-
cidades, que as torres são pouco visitadas,
sões... Desse conteúdo, a gente desmem-
né? Não é uma coisa turística, porque tam-
brou os produtos que compõem o Som dos
bém tem uma questão até de perigo, elas não
Sinos.
que
são muito bem preservadas, o acesso físico
tem mais de 100 faixas de áudio, temos
não é fácil, então as pessoas tinham muita
em torno de 45 igrejas que a gente geor-
curiosidade
referenciou no App e alguns áudios em
dos sineiros, das torres. Cada torre tem
cada uma dessas igrejas, são sons tanto
uma
de toque de sinos, quanto de entrevis-
sol bate, o tipo de sino, o toque, então
tas com sineiros e com a comunidade do
nesse
entorno.
você ficasse imerso nas torres, a forma de
O
aplicativo,
por
exemplo,
para
configuração
conhecer
da
esse
arquitetura,
webdocumentário,
a
ideia
universo
onde
era
o
que
navegação também condizia muito com esse trajeto que a gente faz, você vai subindo, tem um vídeo que te pergunta “Você quer conhecer os sineiros?”, você clica e vai COMO FUNCIONA O APLICATIVO?
subindo a torre, em uma navegação vertical, vai conhecendo esses sineiros, cada um tem
MM:
Você
pode
traçar
seu
caminho
até
aquela igreja, a ideia era um pouco trabalhar com esse conceito de áudio-guia a céu aberto e trabalhar com públicos que visitam essas igrejas de Minas Gerais. Mas também um público de jovens, que o projeto pudesse se relacionar com essas novas os
gerações,
sinos
hoje
são
em
meninos
dia,
que
meninos
tocam
de
14,
15 anos, que passam a adolescência ali na torre e estão se filmando, postando no Youtube eles mesmos. A gente pensou
um papel ali. Tem
uma
navegação
que
é
o
contrário,
é
para baixo, ela é vertical, mas você vai entrando,
você
dá
um
scroll para baixo,
que é a seção sinos, nessa seção a gente fez uma coisa em paralaxe, uma coisa mais animada, com áudio das pessoas, e falando um pouco sobre o sino mesmo, que material ele é feito, harmonia, as notas musicais, a gente foi fazendo uma coisa mais focada em áudio, fotografias, animações e texto.
também que era legal que esse conteúdo
A seção toques, a gente fez uma animação
estivesse
focada no relógio, então quando o usuário
disponível
no
essa galera se ver também.
celular
para
entra, o sistema já reconhece pelo IP dele
que horas que é no lugar onde ele está,
São Paulo e esse ano a gente já estendeu
agora são 13h20 nesse momento algum sino
um pouco mais esses trabalhos coletivos,
toca
queria
fazendo laboratórios de dois, três meses
falar um pouco da relação do sino com
de duração, sobre temas específicos. Fora
em
Minas
Gerais,
a
gente
workshops
o tempo, o relógio é um menu circular
uma
e você vai vendo os diferentes toques
gente
dependendo da hora do dia em que você
Tiradentes. Esse ano, a gente tem feito uma
está, e esse é o webdocumentário do Som
estratégia
dos Sinos.
tem
série
de
teve
no
festival
de
residência
em de
festivais, fotografia
a de
circulação
internacional,
na
vamos
França,
dar
uma
Masterclass na Espanha, justamente sobre a
produção
de
projetos
transmídia
para
patrimônio imaterial. Em Lisboa vamos dar um E A INSTALAÇÃO INTERATIVA?
workshop
sobre
patrimônio
cultural
e
novas mídias, então essa área de patrimônio cultural
e
o
MT: O interessante é que na Mostra BUG a
atrelado
a
minha
gente fez um produto inédito, que é um
que
6º produto do Som dos Sinos. Na mostra
design, fotografia, documentário...
são três projetores que relacionam esse
MT: No CRUA Doc estamos na fase de distri-
é
uso
de
novas
mídias
é
bem
expertise e da Marina,
antropologia,
comunicação
digital,
universo da torre, e você está imerso
buição do Gary, que é um curta, finali-
nessas imagens. Tem um conteúdo que é
zando a distribuição do Som do Sinos, que
do webdoc, e em um dos projetores tem um
a gente vendeu para o Canal Brasil. Alzira
conteúdo inédito.
Espindola, a gente ganhou o Itaú Cultural agora
para
desenvolver
o
longa-metragem
da vida dela, então, estamos trabalhando nesses projetos agora. QUAL O ARRANJO PRODUTIVO DO ESTÚDIO CRUA?
MM: A gente atua em duas frentes princi-
COMO ESTÃO SE DESENVOLVENDO AS NOVAS NARRATIVAS NO BRASIL?
pais, uma é a CRUA Doc, que é a nossa produção autoral de documentários lineares e a CRUA Lab, que é a área de formação. A
MT: No Brasil, a gente está tendo uma série
gente tem concentrado a maior parte dos
de investimentos, tanto públicos, a pró-
nossos projetos transmídia e interativos
pria SPCine tentando fazer com essa oficina
na
de economia criativa, que envolve trans-
área
de
formação,
seja
teórica
ou
prática. A gente desenvolveu no ano pas-
mídia...
sado esse modelo dos hackthons, fazendo
surgindo, focadas em realidade virtual. O
mapeamentos
Brasil tem começado a aparecer mais nessas
coletivos
dos
bairros
de
MÍDIAS E PLATAFORMAS ECOAM O SOM DOS SINOS · POR JÉSSICA CRUZ
· 72-81
Tem
algumas
empresas
que
estão
77
feiras
internacionais,
também
essas
grandes produtoras com núcleos interativos e que cada vez mais estão tomando
QUE DESAFIOS VOCÊS TÊM ENFRENTADO?
chão, tanto na área de propaganda e agora na área de entretenimento, que envolve cinema,
tem
muito
festival
com
VR,
e
acho que o Brasil está começando a criar algumas alternativas nesse sentido.
MT:
Um
é
a
gente
conseguir
uma questão, porque
formação,
é
quando a gente faz
esses laboratórios, tem pessoas de várias áreas
diferentes,
tem
filmmaker,
um
um
Quando a gente fez o Som dos Sinos era
fotógrafo,
uma coisa totalmente nova, e acho que
um arquiteto, e muito pouco curso de for-
ainda é para a área de patrimônio cul-
mação, curso técnico, tanto que a SPCine
tural. Acho que um caminho para as nar-
está criando esses cursos, está chamando
rativas interativas é de impacto social.
essas empresas para poderem criar cursos
Acho que mais do que para área de entre-
de formação mesmo. Então acho que formação
tenimento,
um
designer,
um
pesquisador,
Brasil,
é uma questão, que a gente precisa. Dois:
que precisa, que tem uma necessidade de
banda larga, no Brasil, a gente enfrenta
trabalhar com direitos humanos, impac-
muito esse problema, a gente vai dar aula,
tos sociais, uma estratégia transmídia
inclusive em São Paulo, não tem internet
é muito importante, tanto para alcançar
para dar aula em instituições grandes.
em
um
país
como
o
mais público, quanto para fazer projetos que consigam viabilizar ajuda externa, articulação em rede.
E, com certeza, investimento público para isso, são editais muito pequenos, as pessoas não são muito bem remuneradas em todos os
isso
sentidos, como eu disse, projetos de tecno-
no nosso trabalho de formação, a gente
logia são caros, as pessoas são remuneradas
produz
colaborativamente,
por hora, então não é fácil você contratar
ideias
de
E
acho
que
a
CRUA
fazer
enxerga
parcerias
muito
a
gente
para
tem
traba-
lhar com VR nos próximos laboratórios.
com
um
custo
tão
baixo.
Tecnologia
você
precisa de dispositivo, você vai fazer uma
Em termos de tecnologia, vai mudando, a
exposição de 360o e RV, você tem que ter o
cada ano já muda muito, toda aula que
cardboard, internet boa, fio, cabo, tem que
a gente vai dar tem tecnologias novas
ter alta tecnologia, Led, a gente faz muita
para falar e discutir, o próprio celu-
coisa com projetor, os lugares grandes não
lar, em termos de produção muda muito
tem projetor, como você vai fazer uma expo-
a produção audiovisual, o Brasil tenta
sição interativa? É muito difícil, eu fui
correr atrás, mas é difícil, porque lá
na exposição do Bill Viola, são uns puta
fora eles já estão em outro momento, já
projetores, projetando em granito, imagina
se discute preservação audiovisual nesse
quanto custa, é muito dinheiro. Como você
meio de transmídia.
vai
ser
artista
visual
e
trabalhar
com
projetor e RV? Isso é dinheiro! Falta de
investimento,
formação
e
banda
larga,
esses são os desafios.
só que onde tem verba para isso que não é propaganda, não é interesse privado?
AS EMPRESAS PRIVADAS JÁ ENXERGAM AS NOVAS NARRATIVAS COMO UM BOM INVESTIMENTO?
O DOCUMENTÁRIO INTERATIVO ENTREVILAS5, DO ESTÚDIO CRUA, TAMBÉM ESTÁ NA MOSTRA BUG. QUAL A HISTÓRIA DESTA PRODUÇÃO?
MT: Vai ter cada vez mais investimento privado,
a
própria
propaganda
já
gira
MM:
O
Entrevilas
foi
um
projeto
lindo,
a
fazia tempo que a gente vinha desenvolvendo
jornada do usuário que a gente fala, mas
o elemento temático, então a gente já vem
nesse caso é a jornada do consumidor,
trabalhando com a cidade de São Paulo, e
todo mundo tem um celular, as empresas
entendemos que as vilas operárias seriam um
vão investir nisso porque é onde os con-
dispositivo narrativo incrível para falar
sumidores estão. O investimento digital
da história de São Paulo, para falar sobre
está cada vez maior, e já ultrapassou a
relações de trabalho e sobre questões que
TV. Só que na nossa área, que é impacto
são
social e patrimônio cultural, isso sim
formas de moradia na cidade. A gente apre-
é
investir,
sentou para o Centro de Pesquisa e Formação
porque quando você trabalha com impacto
do SESC, que são parceiros da CRUA já há 3
social, mesmo, não estou falando de uma
anos, um projeto de laboratório, isso era
empresa que fala que a beleza da mulher
outro desejo nosso. A gente desenvolveu a
é o que vale, estou falando de impacto
metodologia de hackathons, que são 6 dias,
social que envolve uma série de verten-
8 horas por dia, de 15 a 20 pessoas, então
tes políticas, não vai querer se expor,
é
não é propaganda.
coisa de urgência, que une as pessoas na
em
torno
muito
de
storytelling,
difícil
uma
porque
empresa
é
muito
uma
atuais
maratona
hoje,
como
intensiva,
imigração
que
tem
e
essa
criação colaborativa. Mas a gente queria Então
na
área
de
patrimônio
cultural,
experimentar algo mais de longo prazo, mais
direitos humanos, tem que ter um finan-
estendido, possibilidades da narrativa em
ciamento. Acho que é uma dificuldade, por
relação à tecnologia, que a gente pudesse
exemplo, é a mesma briga que as insti-
se aprofundar com isso. Essa foi a proposta
tuições sociais tem para conseguir ver-
desse laboratório de três meses sobre as
bas para seus projetos, tipo Greenpeace,
vilas operárias.
Unicef, Anistia Internacional, o que a gente luta na CRUA é para trabalhar com
MT: O projeto foi super bonito, com 14 pes-
projetos transmídia em direitos humanos,
soas, cada grupo teve escolhas narrativas
5 www.entrevilasdoc.com.br. Ver página 115.
MÍDIAS E PLATAFORMAS ECOAM O SOM DOS SINOS · POR JÉSSICA CRUZ
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79
bem interessantes, eles foram em cinco vilas
operárias
diferentes.
Teve
um
grupo que falou sobre moradia, como é morar uma casa que é patrimônio, outro grupo
foi
pelos
esportes
que
têm
nas
vilas, que é uma coisa que une as pessoas mais idosas, histórias das vilas, e um grupo que falou bastante do bairro de Perus, onde tem uma fábrica antiga e uma vila onde hoje em dia não se pode entrar. MM: Eles criaram esse conceito de uma vila imaginária, então eles não fizeram a navegação principal por vilas. Eles usaram componentes principais das vilas operárias em São Paulo, a maioria tinha a fábrica, casas, áreas de lazer, tinha escola, guarita, então são esses elementos de controle, faziam com que os operários não precisassem sair, não precisassem se dispersar, não perdessem tempo indo para o trabalho, então era tudo um ambiente de controle... O que eles fizeram foi procurar conexões mais poéticas com esse conteúdo.
NARRATIVAS IMERSIVAS
NARRATIVAS IMERSIVAS: IMAGINANDO MÚLTIPLAS REALIDADES JULIA SALLES1 E MARÍA LAURA RUGGIERO2
1 Julia Salles é produtora e curadora de mídias interativas e imersivas. Julia também é professora no Departamento de Comunicação da Université de Montréal (UdeM, Canadá) e doutoranda em Comunicação na Université du Québec à Montréal (UQAM). 2 María Laura Ruggiero é produtora e roteirista de filmes, e designer de narrativas na SeirenFilms. Formada em Design de Imagem e Som (UBA, Argentina), é professora e consultora de projetos de novas mídias interativas pelo mundo. É também fundadora e diretora criativa da StoryHackers.
BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS · ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0 · RIO DE JENRIO · 224 PÁGINAS EDITORA: AUTOMATICA · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO · BUG404.NET
82
Apenas nos últimos anos as condições
INTRODUÇÃO
tecnológicas possibilitaram o ressurgimento da realidade virtual. Entre profissionais da Em 1995, depois de 4 anos de desenvolvimento,
área, é comum afirmar que 2015 é o ano zero da
a Nintendo lançou o Virtual Boy, um dos
realidade virtual, considerando que o início
primeiros dispositivos comercializados a
da comercialização dos óculos da Samsung Gear
utilizar imagens 3D estereoscópicas . O Virtual
(Oculus), seguido pelo Oculus Rift no começo de
Boy foi, porém, um fracasso de vendas e, com
2016, marcam o ponto de partida para um maior
lançamento limitado a alguns territórios, teve
acesso ao conteúdo em RV.
3
a produção interrompida no ano seguinte ao
Mas afinal, o que é realidade virtual? A
seu lançamento. O cenário 20 anos mais tarde
realidade virtual é uma experiência audiovi-
é bem diferente. Calcula-se que em 2016 foram
sual imersiva que oferece ao público a sensação
vendidos em torno de 6 milhões de óculos de
de presença em um ambiente virtual através de
realidade virtual (RV) - 11 milhões se contar-
técnicas de imagem em 360° e de áudio espacia-
mos os óculos Google Cardboard, dispositivo
lizado. O fato de a imagem ser em 360° permite
de realidade virtual feito de papel-cartão
que o participante olhe para todos os lados
e muitas vezes distribuído gratuitamente4.
durante a experiência de RV (sua visão não é
Virtual Boy é considerado o precursor
restrita ao enquadramento da tela 2D). Se além
dos óculos de realidade virtual vendidos
de 360° a imagem for estereoscópica, a sensação
atualmente e acabou voltando à moda entre
de profundidade e de volume da imagem é ainda
fãs nostálgicos. O fato é que o hardware dos
mais acentuada. Soma-se a estes formatos de
anos 90 ainda não permitia uma experiência
imagem o áudio espacializado (ou ambisônico),
confortável em realidade virtual. No Virtual
que permite o posicionamento das fontes sonoras
Boy, as imagens eram bicromáticas (utilizando
em uma esfera virtual ao redor do participante,
apenas preto e vermelho), o dispositivo para
imitando a experiência sonora do mundo físico.
a visualização era muito grande e pouco con-
Além das simulações de imagem e de som, algu-
fortável, causando dor nos olhos e na cabeça
mas experiências de realidade virtual procuram
após algum tempo de uso, além de ser muito
ativar outros sentidos como o olfato e o tato.
caro para os padrões da época.
Burdea e Coiffet propõem a seguinte definição: “A realidade virtual é uma interface de alta
3 A estereoscopia é uma técnica binocular de imagem que funciona da seguinte forma: durante a captação da imagem, duas lentes alinhadas no eixo horizontal registram imagens da mesma cena com um distanciamento correspondente à distância entre os olhos esquerdo e direito do sistema de visão humano. Em seguida, a exibição da imagem estereoscópica é feita em um dispositivo binocular que exibe no visor do olho direito a imagem captada pela lente à direita do dispositivo de captação (o mesmo procedimento é aplicado no visor do olho esquerdo). Assim, a sensação de profundidade é restituída de forma semelhante ao processo de visão humana, que estima a profundidade com base na triangulação entre o objeto observado e as posições dos olhos esquerdo e direito. O mesmo procedimento pode se aplicar a imagens de síntese. 4 https://www.statista.com/statistics/752110/
tecnologia entre usuário e computador, que emprega simulação em tempo real e interações via vários canais sensoriais. As modalidades sensoriais são a visual, auditiva, táctil, olfativa e de paladar” (Burdea & Coiffet, 2003, p. 3). Todas estas características contribuem para uma impressão viva de ter sido transportado ao espaço virtual. Em alguns tipos de experiência de RV também é possível se ‘deslocar’ dentro da imagem. Um conceito que ficou bastante popular para
global-vr-headset-sales-by-brand/
NARRATIVAS IMERSIVAS: IMAGINANDO MÚLTIPLAS REALIDADES · JULIA SALLES E MARÍA LAURA RUGGIERO
· 82-91
83
classificar o grau de interatividade com a
sobre os equipamentos corre o risco de estar
imagem em dispositivos de RV é o de ‘graus
rapidamente desatualizado.
de liberdades’ (muitas vezes referido como
Quanto ao conteúdo, algumas das principais
DoF, do inglês, degrees of freedom). No caso
plataformas de distribuição de experiências
das imagens em 360° (estereoscópicas ou não),
narrativas em RV são SteamVR, Oculus, Within.
fala-se em 3 graus de liberdade: o olhar pode
Você pode fazer o download de games, vídeos e
se movimentar nos eixos horizontal, vertical
outras experiências, como Kurious, do Cirque du
e diagonal. Neste caso, a imagem reage aos
Soleil. A produção e distribuição de conteúdo
movimentos que o participante pode fazer
para realidade virtual também tem ganhado força
com a cabeça: olhar para os lados, olhar
no campo do jornalismo: The Guardian, New York
para cima e para baixo, inclinar a cabeça.
Times, AJ+ e ARTE são exemplos de veículos
No entanto, se o participante movimentar
pioneiros na área do jornalismo em RV. Como
seu corpo no espaço (sem alterar a posição
relata Marcelle Hopkins, vice editora de vídeo e
da cabeça), a imagem virtual 360° não se
co-diretora de realidade virtual no The Times:
altera. Para os deslocamentos do corpo no
“Jornalistas e tecnologistas de várias áreas
espaço são necessários outros ‘graus de
no The Times começaram a experimentar com a
liberdade’. Seis graus de liberdade, ou 6DoF,
realidade virtual há poucos anos. Lançamos o
refere-se à possibilidade de a imagem reagir
NYT RV em novembro de 2015 ao publicar o docu-
aos deslocamentos do participante para os
mentário RV The Displaced (sobre três crianças
lados, para frente/trás, e para cima/baixo.
refugiadas por guerra) e a distribuição de
Com isso, além dos movimentos de rotação da
mais de um milhão de dispositivos de realidade
cabeça, a imagem também reage aos movimentos
virtual Google. Desde então, produzimos mais
do corpo no espaço.
de 20 filmes RV, e aprendemos muito com cada
No caso da RV 360° (3DoF), para poder
um deles” (Hopkins, 2017).
fazer a experiência, o participante precisa
Festivais de cinema também têm tido um
de um óculos de realidade virtual (preferen-
papel importante na difusão de conteúdo de
cialmente com um fone de ouvido) e conteúdo
realidade virtual criando programas dedicados
em 360°. A experiência em 6DoF exige um dis-
à exibição de narrativas digitais e em RV.
positivo um pouco mais complexo, pois além
Casos emblemáticos desta abertura dos festivais
dos óculos e do conteúdo específico, muitas
de cinema à realidade virtual são o programa
vezes há a necessidade de sensores externos,
New Frontier, do Sundance Film Festival, o
joysticks e computadores com processador e
DocLab, do IDFA (International Documentary Film
carta gráfica muito potentes. Todos estes
Festival of Amsterdam), e mais recentemente,
elementos necessários à experiência em 6DoF
Venice VR, o programa dedicado à realidade
acabam encarecendo bastante o consumo deste
virtual da Mostra de Veneza.
tipo de tecnologia, o que diminui muito sua
Como podemos observar, as formas de difu-
acessibilidade. Hoje em dia existem muitos
são e de consumo de realidade virtual apresentam
tipos de óculos de realidade virtual no
algumas especificidades e diferenças em relação
mercado. O cenário de hardware evolui muito
ao cinema e outras narrativas audiovisuais
rapidamente, portanto, qualquer comentário
lineares. O mesmo acontece com a criação do
conteúdo. Neste artigo, abordaremos alguns
todos esses fatores, vemos que o campo audiovi-
aspectos do processo criativo de reali-
sual começou uma expansão em direção ao design
dade virtual: como pensar e desenvolver
de experiência.
uma experiência imersiva que traz o corpo do participante para dentro do conteúdo audiovisual? Como construir uma narrativa
COREOGRAFIA DA ATENÇÃO
na qual elementos essenciais da linguagem cinematográfica (como o enquadramento) são
Nas narrativas lineares as ações se inscre-
transformados? Buscamos neste texto propor
vem dentro de um enquadramento definido pelo
algumas pistas iniciais para uma linguagem
diretor. Já nas narrativas-de-experiência, o
em construção.
enquadramento ainda existe como esfera, o que permite ao diretor uma versão mais avançada do seu papel tradicional. O diretor cria narrativas
EVOLUÇÃO DA NARRATIVA EM DIREÇÃO
espaciais e gera algo maior que um quadro limi-
AO DESIGN DE EXPERIÊNCIAS
tado: ele constrói um espaço 3D que contém um universo narrativo de características especiais.
Desde a invenção do cinematógrafo e durante
Entre as características que fazem da RV um
a explosão do rádio, teatro e TV massivas,
modo narrativo singular, surge o conceito de
as narrativas passaram por vários graus de
‘coreografia da atenção’.
imersão e conexão com a plateia. A emergência
Em experiências de RV, não se pode garantir
do mundo digital não apenas gerou a possibi-
que o participante ou visitante observe exata-
lidade de criar um hiperrealismo sintético,
mente o que o diretor deseja. Nem é o objetivo
mas também abriu as portas às narrativas
deste tipo de tecnologia-técnica monopolizar
transmídia, recriando um mundo de entrete-
a atenção do participante, mas é certo que há
nimento que hoje permite a participação no
vários modos de projetarmos caminhos que serão
processo criativo e uma ampla gama de opções
criados com base na atenção do participante.
de interação com as histórias.
As narrativas espaciais podem ser cria-
O mundo digital abriu a porta para uma
das de vários modos: como uma coreografia que
grande quantidade de mudanças que geraram
trabalha com pontos nodais de emoção distri-
uma reconfiguração dos papéis na indústria
buídos pelo espaço 3D, ou com uma direção de
do cinema e do audiovisual. Sem descartar
arte detalhada que dirija o movimento da aten-
o passado e o presente, o futuro imersivo
ção para propor significados. Movimento, cor,
desponta como uma construção repleta de
luzes e sombras, design sonoro, e os próprios
desafios para criadores e participantes.
diálogos podem agir como ganchos que levam o
Atenção, empatia, usuários, protótipos e
participante a rotas possíveis no multiverso
interatividade são alguns dos termos que
de histórias.
começam a se tornar centrais na criação
A atenção pode ser dirigida como uma
audiovisual. Observamos a transformação de
coreografia desde a fase de concepção: pode-se
histórias lineares em universos narrativos,
trabalhar com modelos em diferentes escalas ou
de plateia em participantes. Considerando
com atores que se deslocam no espaço. Também
NARRATIVAS IMERSIVAS: IMAGINANDO MÚLTIPLAS REALIDADES · JULIA SALLES E MARÍA LAURA RUGGIERO
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85
é possível mensurar a atenção através de
Square Enix, também explora diferentes téc-
mapas de calor em um protótipo que funcione
nicas narrativas que podem contribuir com
como demo. Para que a força da experiência
a ‘coreografia da atenção’. A combinação
imersiva não se torne opressora, é neces-
do formato tradicional de Mangá em 2D com
sário entender e equalizar a quantidade de
imagem e áudio 360o permite a passagem de
informação sensorial que o participante irá
um regime de enquadramento para um regime
receber para traçar seus possíveis caminhos
de imersão. Dessa forma, a coreografia da
na história. Algumas das obras em RV que
atenção se constrói num vai-e-vem entre 2D
participaram da Mostra BUG ilustram bem
e 3D, entre enquadramento da cena e presença
como o conceito de ‘coreografia da atenção’
no espaço virtual. Essa técnica também nos
opera em narrativas desse tipo.
permite ter a sensação de entrar no mundo
A Mostra BUG exibiu dois trabalhos,
fictício do Mangá, de forma que podemos
frutos da colaboração entre Felix & Paul
entrar no enquadramento e nos vemos rodeados
Studios e Cirque du Soleil, ambos baseados
de personagens fictícios que estão vivendo
em Montreal (Canadá). Nesta colaboração,
a história ao nosso redor.
eles exploraram várias técnicas que podem ser aplicadas na ‘coreografia da atenção’.
Through the Masks of Luzia5, baseado em
ESPECTADOR. PARTICIPANTE. JOGADOR. VISITANTE
um dos espetáculos do Cirque du Soleil, é “considerada a primeira experiência em rea-
Desde que as histórias começaram a se expandir
lidade virtual feita por meio de processos
ultrapassando as plataformas lineares tradi-
de hiperestereoscopia e hipoestereoscopia”.
cionais e começaram a envolver dispositivos
Estas técnicas permitem que “o participante
digitais, o papel da audiência mudou e evoluiu,
ora se sinta como um gigante ora como uma
não só em termos de marketing, mas também em
miniatura em meio a cenas de acrobacias
termos de narrativa. Neste processo, o grupo
inacreditáveis. Para aumentar ainda mais a
que se denominava como audiência começou a
imersão, as equipes de criação da companhia
entrar na narrativa de corpo inteiro e a
redesenharam as performances artísticas,
retomar, de forma híbrida, outros papéis. De
criando algo completamente novo”.
espectador a participante, a audiência ganhou
Já em Dreams of O6, para que a experiência em realidade virtual pudesse acompa-
uma nova perspectiva: se tornou visitante de mundos criados ou capturados.
nhar os momentos aquáticos da coreografia, a
Como é entrar em uma narrativa com nosso
Felix & Paul Studios desenvolveu uma câmera
corpo inteiro? Se por um lado essas experiên-
VR com imagem de alta qualidade adaptada
cias não ocorrem apenas na realidade virtual
para o mergulho.
e na realidade aumentada, mas também aconte-
Tales of Wedding Rings , uma expe-
cem em experiências abertas, mais parecidas
riência de Mangá imersivo produzida pela
com teatros não-convencionais ou teatros sem
7
um palco principal, por outro, a experiência 5 https://www.felixandpaul.com/?projects/luzia
Ver página 127.
6 https://www.felixandpaul.com/?projects/o. Ver página 127. 7 www.jp.square-enix.com/mangainvr/ Ver página 133.
mediada pela tecnologia envolve um grau maior de controle em seu design.
O design da narrativa que envolve o
e nosso envolvimento mudam de acordo com o
participante-humano-visitante no universo da
papel que nos é dado na narrativa. Há alguns
história tem 3 estágios diferentes: a transição
universos narrativos que são mais carregados
para o mundo virtual, a experiência virtual
emocionalmente e nesses casos é preferível
propriamente dita, e a experiência subsequente.
projetar essas experiências de forma que os
Na primeira fase, se cria um processo
participantes as vivam de modo incorpóreo. Se
de pseudo desmaterialização: o participante,
o participante é algum tipo de fantasma que
por um curto período de tempo, para de exis-
tudo vê, isso pode em alguns casos distanci-
tir somente na realidade física enquanto se
á-lo do conflito e protegê-lo emocionalmente
prepara para a transição ao mundo alterna-
de uma situação altamente carregada. Há outros
tivo. Esta transição é parte fundamental
universos de história onde a perspectiva será
da experiência total de design e é a chave
intimamente ligada à capacidade de ação e inte-
para a imersão.
ração do usuário-visitante.
Como se conecta o mundo físico (o espaço
Step to the Line8, de Ricardo Laganaro,
onde a experiência ocorre) ao mundo virtual?
apresentado na Mostra BUG, é uma experiência
A experiência deste universo se faz sentado,
imersiva em prisões de segurança máxima na
de pé, caminhando? Como a sensorialidade do
Califórnia, EUA que utiliza diferentes téc-
mundo físico penetra no mundo virtual?
nicas narrativas para construir o papel do
Os primeiros segundos da experiência
participante. Em Step to the Line, o ponto
são dedicados apenas ao ajustamento físico:
de vista narrativo se alterna entre modos de
Sinto-me confortável no novo espaço e com-
maior sensação de presença física e modos de
preendo as regras do mundo criado? Quem sou
observação incorpórea. Um dos recursos que
eu? O que acontecerá comigo? O que eu posso
contribui para a sensação de presença física
fazer? Tenho pés e mãos? Tenho corpo?
na imagem é o direcionamento à câmera do olhar
Ao fazer a transição para o mundo vir-
dos personagens. Ricardo Laganaro explora
tual, entram em cena questões sobre o papel
diferentes técnicas para provocar, ora o
do participante na narrativa e a criação da
sentimento no participante de ser testemunha
sensação de ‘presença’. Como saberei quem
da realidade do sistema prisional americano,
sou como um visitante? Será por uma refe-
ora para colocar em primeiro plano a perspec-
rência física ou uma pista da história? No
tiva dos prisioneiros. Esta experiência em
momento em que adentramos na virtualidade
realidade virtual é “parte do programa VR for
e nos observamos tendo um corpo, possuímos
Good, que conectou dez cineastas em ascensão
existência naquele universo de história.
com organizações sem fins lucrativos para
Estamos vivos no espaço virtual. O papel
criar projetos provocadores sobre questões
dado ao participante na narrativa combina à
sociais”9.
sensação de ‘presença’, com a possibilidade
A fase após o término da experiência no
de mudar o curso do enredo. Não é o mesmo
espaço virtual é parte integrante da experiência
ser o protagonista de uma história e ser um
total. É o final ou a transição para outras
cúmplice ou uma testemunha. A nossa interpretação da história, o impacto emocional
8 www.oculus.com/vr-for-good/programs/step-to-the-line. Ver página 126 9 https://www.oculus.com/vr-for-good/
NARRATIVAS IMERSIVAS: IMAGINANDO MÚLTIPLAS REALIDADES · JULIA SALLES E MARÍA LAURA RUGGIERO
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87
plataformas. Dependendo do conteúdo e da
complicado e inexato. Histórias, em qualquer
sensorialidade da experiência, a maneira
plataforma, tem a possibilidade de mudar o
como saímos da história é completamente
mundo, porque narrativas em geral despertam
diferente em cada caso: não é o mesmo sair
um processo empático.
da experiência de um documentário de guerra
Pensar em uma plataforma tecnológica,
e sair de um passeio de montanha-russa. É
tal como realidade virtual, como um tipo de
importante ter em mente que durante essa
plugin que nos permite sentir como outros, é
experiência o visitante é pura emoção, ele
reduzir todos os processos humanos a uma mera
não se concentra em reflexões durante os
ativação tecnológica. Se a história que esta-
minutos de existência na realidade virtual,
mos contando não possui um design cuidadoso e
mas esse tempo de reflexão chega no final.
imersivo, um desenrolar emocional habilidoso,
A transição de volta da virtualidade para o
e um processo de narrativa detalhado, gerare-
mundo físico deve gerar um espaço adequado
mos experiências que podem ser igualadas a um
para reflexão ou uma nova ação.
‘turismo de situação’. Viagens virtuais podem nos levar a vários eventos e emoções, mas o modo como chegamos
EMPATIA, EMOÇÕES E DESIGN FEITO
lá fará a diferença entre poverty porn ou uma
POR HUMANOS: O PLUGIN EMPÁTICO?
experiência de impacto profundo. O termo poverty
porn foi introduzido pela primeira vez nos anos Desde o começo da última onda de RV, o conceito
80 e sugeria o uso de mídia, especialmente
de ‘empatia’ foi lançado como um componente
filmes e fotos, explorando situações de pobreza
significativo. A ideia de ‘Máquina Empática’
ou injustiça para aumentar doações a uma causa
Chris Milk, na palestra The
ou para introduzir situações sociais difíceis e
Birth of Virtual Reality as an art form (O
específicas para audiências privilegiadas. A RV
nascimento da realidade virtual como forma de
e essa noção vaga de uma tecnologia empática e
arte), na plataforma TED Talk, em 2015, mostra
imersiva imediatamente virou um terreno fértil
que a realidade virtual cria um solo fértil
para uma nova onda de poverty porn.
desenvolvida por
para a indústria de entretenimento faminta por
É importante lembrar que toda história e
engajamento e atenção. “A [realidade virtual]
contador de história, que são eficazes em suas
conecta humanos com outros humanos de maneira
missões, ativam empatia e esse processo não
tão profunda como jamais vi em qualquer outra
diz respeito apenas à tecnologia utilizada.
mídia, e consegue mudar a percepção que as
Estudos em neurociência (Stephens, Silbert, &
pessoas têm umas das outras. (...) É por isso
Hasson, 2010) afirmam que nossos cérebros sin-
que eu acho que a realidade virtual tem o
cronizam as emoções do contador de história com
potencial para de fato mudar o mundo10.
as emoções da audiência que escuta ou assiste.
Apesar de existirem elementos factuais
As mesmas partes do cérebro se ativam quando
para igualar RV com um processo empático,
sentimos junto com outros, como uma ponte que
pensar em RV como uma máquina empática é
nos conecta pela história. Então essa máquina empática já existe, é o que conduziu a humani-
10 https://www.ted.com/talks/ chris_milk_the_birth_of_virtual_reality_as_an_art_form
dade por anos desde que os primeiros contadores
de histórias apareceram em nosso planeta, a
porque elas criam um estranho tipo de compro-
máquina empática é a história sendo contada
misso. Mas será que é um problema relacionado
ou vivida. Mas a RV estaria melhorando isso,
à tecnologia? Não. A narrativa está faltando
fazendo isso evoluir ou apenas é um outro
nesta equação. Precisaríamos construir mais
meio para se experimentar histórias?
máquinas empáticas ou construir nós mesmos
A realidade virtual e nosso mundo
como melhores contadores de história? Poderei
mediado por telas onde narrativas digitais
ser empático no mundo virtual se não o sou na
nos protegem da opção de ser vulnerável, nos
realidade?
dão uma forma segura para participar de uma
Quando crio uma experiência de realidade
ação individual ou coletiva, sem realmente
virtual em que o participante é jogado em uma
vivenciar isso e com uma saída de emergência
zona de conflito, e vive a dor de outros,
bem definida.
estaria despertando empatia? Ou provocando
As maravilhas do mundo digital nos per-
empatia? Um meme me faz ser engraçado? Photoshop
mitem ser ativistas-de-um-clique, defendendo
me faz ser bonito? Posso viajar para o inte-
causas dolorosas do nosso sofá de couro, a
rior da dor enquanto estou protegido com uma
salvo da crueldade. Isso permite que nos
armadura digital?
conectemos a centenas de pessoas em um dia
Entender que estamos vendo o nascer de
sem realmente ter conectado com nenhuma.
uma nova linguagem é a chave para nos pergun-
Também nos permite falar coisas que nunca
tarmos como devemos tratar da empatia dentro
falaríamos pessoalmente. Nós já vivemos em
do processo de design. Para ser mais preciso:
realidades virtuais toda vez que entramos em
estamos no alvorecer de uma nova tecnologia que
redes sociais, equipados ou não com óculos
ainda não criou sua linguagem. E linguagem é
de realidade virtual do Google.
importante. A linguagem abre e destrói barrei-
Mais uma vez, o problema não está na
ras do possível ou imaginável. A linguagem nos
tecnologia e sim no quanto participantes,
permite dar nome aos nossos sonhos e medos e
criadores e cidadãos de um mundo digital se
por esse processo, construir o que é possível.
dedicam para entender a realidade atual,
A criação dessa linguagem é o processo
tendo que lidar agora com um mundo virtual,
chave que não deveria ser ligado unicamente
real e aumentado, compartilhado. Ser um
aos criadores da ferramenta. Nós não queremos
cidadão de milhares de lugares ao mesmo
que os inventores da imprensa sejam os únicos
tempo não é fácil.
que podem publicar livros, queremos?
O uso das ferramentas de realidade vir-
Participar do processo onde linguagens e
tual para uma nova sociedade de informação
narrativas emergentes são criadas deveria ser
ainda é questionável. Em uma experiência eu
um diálogo diverso desde o princípio, consi-
posso ser o centro de um conflito, mas se eu
derando origem, gênero, acesso à tecnologia e
estou olhando para ele de fora (desconexão)
visões criativas. Se faltar essa diversidade
eu não consigo atuar, eu continuo um voyeur
na proposta da linguagem audiovisual, faltará
externo e flutuante da dor dos outros.
verdade, ela se tornará uma linguagem monopo-
As realidades sintéticas podem nos
lizada ou uma linguagem morta. E o mesmo acon-
roubar a opção de ser realmente vulnerável,
tecerá se faltar emoção ou se a narrativa for
NARRATIVAS IMERSIVAS: IMAGINANDO MÚLTIPLAS REALIDADES · JULIA SALLES E MARÍA LAURA RUGGIERO
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conduzida por comiseração. Citando o trabalho
linear até que o participante sentisse certas
de Brene Brown (The power of vulnerability,
emoções ou foi uma jornada que levou o par-
XX), apresentado na plataforma TED talk, a
ticipante por diferentes estados emocionais
“Empatia alimenta a conexão; comiseração
(curiosidade-tensão-medo-terror por exemplo)?
conduz à desconexão” . 11
Como construímos medo, tristeza, alegria
A exploração atual da linguagem de RV
ou êxtase? Da mesma forma que a imersão e empa-
irá mais cedo ou mais tarde levar à democra-
tia não são processos automáticos dirigidos
tização da tecnologia, mas também à demo-
pela tecnologia, gerar emoções também é um
cratização de uma linguagem aberta que irá
processo construtivo e humano. Trabalhar com
começar a se mesclar com nossas vidas e com
os nós emocionais em uma narrativa imersiva,
nossos meios preferidos de entretenimento,
sugere conectar com a realidade física antes
informações e prazer.
de conectar com a realidade virtual. Como nos lembramos de experiências humanas que foram realmente memoráveis? O que sentimos
DESIGN CONDUZIDO POR HUMANOS E EMOÇÕES
naquela noite em que estávamos com muito medo de ficarmos sozinhos na floresta? O que sentiu
Criações em transmídia, realidades virtuais e
naquela vez em que você estava tão apaixonado
experiências interativas tem a peculiaridade
pela vida que não conseguia parar de sorrir? Ao
de poder adicionar camadas de complexidade
nos lembrarmos, se tentarmos esmiuçar as nossas
diferentes e novas habilidades para os pro-
experiências, distinguindo elementos sensoriais
cessos criativos da narrativa audiovisual.
e de narrativa, vamos chegar a vários elementos
Esses tipos de criações são abordados
que vão nos ajudar a construir e reconstruir
por um processo de design que tem em mente
emoções. Quando estamos felizes, sentimos tudo
o participante-humano durante a criação da
em um ritmo diferente de quando estamos com medo.
narrativa e da jornada visual que ele irá
As percepções variam em cores, tonalidades, a
experimentar.
percepção de uma geometria fica mais amigável
Esse processo de narrativa também é
ou mais intimidante. O relato detalhado de uma
um processo de design sensorial para criar,
experiência vivida ajuda a conectar com todos os
balancear e gerar histórias (enredo) e emo-
elementos que fizeram parte desta experiência.
ções em uma atmosfera virtual. Uma forma de
Este relato pode contribuir para que possamos
entrar nesse processo de design pode ser pela
em seguida analisar e replicar estes elementos
engenharia reversa, criando uma experiência
na experiência na realidade virtual. A rea-
através de pontos nodais que concentrem
lidade física, sonhos e memórias são cruciais
emoções diferentes.
para o processo de design de outras realidades
Exemplo: Quando estiver saindo da expe-
alternativas.
riência de RV, qual é o sentimento que desejo
Entender a arte e o ofício de uma mídia
que o participante traga de volta consigo
incluindo a vasta quantidade de elementos que
para a realidade-física? Foi uma trajetória
a linguagem híbrida audiovisual e experiencial incorpora, requer paciência e vontade de explorar. Essa exploração exige de nós que
11 https://www.ted.com/talks/brene_brown_on_vulnerability?language=pt-br
entremos em um terreno diferente que começa a surgir na sociedade atual: a transição do contar-história para o vivenciar-história. Nessa jornada de exploração das conexões de conteúdo, plataformas tecnológicas e interação, precisamos que os criadores não apenas recriem o que vivemos como realidade, mas também as vastas possibilidades que se abrem de interferir neste universo, com uma visão artística poderosa. O desafio será identificar uma experiência que vale a pena ser recriada, e depois levá-la adiante, construindo versões alternativas daquela experiência plena de significado, provocando a exploração infinita do campo artístico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BROWN, Brene. (2010). The power of vulnerability. TED Conference. https://www.ted.com/talks/ brene_brown_on_vulnerability?language=pt-br
BURDEA, G., & COIFFET, P. (2003). Virtual Reality Technology. Presence: Teleoperators and Virtual Environments , 12(6), p. 663-664. doi:10.1162/105474603322955950
HOPKINS, M. (Oct. 18, 2017). Pioneering Virtual Reality and New Video Technologies in Journalism. New York Times, p. B4. https://www.nytimes.com/2017/10/18/technology/ personaltech/virtual-reality-video.html
MILK, C. (Producer). (2015). The Birth of Virtual Reality as an art form. TED conference. https://www.youtube.com/watch?v=cJg_tPB0Nu0
STEPHENS, G. J., SILBERT, L. J., & HASSON, U. (2010). Speaker–listener neural coupling underlies successful communication. Proceedings of the National Academy of Sciences, 201008662. doi:10.1073/pnas.1008662107. https://www.pnas.org/content/107/32/14425
NARRATIVAS IMERSIVAS: IMAGINANDO MÚLTIPLAS REALIDADES · JULIA SALLES E MARÍA LAURA RUGGIERO
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NARRATIVAS IMERSIVAS
FÉLIX & PAUL STUDIOS: VISITA GUIADA AO PRESTIGIADO ESTÚDIO DE REALIDADE VIRTUAL1 POR FANNY BELVISI2
1 Entrevista realizada em março de 2016. Publicada originalmente no livro Au-delà du webdoc: Les nouveaux territoires de la création documentaire (Le Blog documentaire éditions, Junho 2018, Paris). 2 Fanny Belvisi é formada em Letras e História da Arte, trabalhou no ramo da arte contemporânea e migrou para o universo do cinema, tendo cursado formação em documentários no Ateliers Varan, em 2013. Desde 2017 produz documentários para diversos canais de televisão. É colaboradora do Le Blog Documentaire desde 2015.
BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS · ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0 · RIO DE JENRIO · 224 PÁGINAS EDITORA: AUTOMATICA · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO · BUG404.NET
92
É no coração da vibrante Montreal que fica o
filial, pois tem muitas oportunidades em LA”,
famoso Félix & Paul Studios, a dois passos
afirma Cindy Philippe, que me recebeu para a
do Centre Phi, local de experimentações
visita numa fria manhã de março no estúdio.
artísticas na cidade. A proximidade não
Cindy é uma espécie de super assistente
é apenas geográfica, as duas instituições
dos três fundadores do estúdio. Desde 2015, é
mantêm fortes relações, e não é incomum que
ela que cuida da agenda lotada, coordena seus
o Centre Phi exponha os últimos projetos
compromissos, os faz encontrar as pessoas certas
do estúdio.
no momento certo, filtra os inúmeros projetos
Em março de 2016, o Centre Phi propôs
que chegam na sua caixa de e-mails e apresenta
um ‘jardim de realidades virtuais’, onde o
só os que condizem com a filosofia da casa. Ela
público era convidado a fazer uma imersão em
também gerencia uma parte da comunicação da
quatro obras de RV (realidade virtual), com
start-up (site, redes sociais, Instagram). “Não
um novo olhar sobre as grandes questões do
dá tempo de se entediar aqui. O importante é que
século XX. Dentre elas estavam Inside impact:
todo mundo gosta do que faz. Como nosso padrão
East Africa with President Clinton3 e Nomads:
de qualidade é muito alto, precisamos dedicar
Maasai , de autoria de Félix Lajeunesse e
muitas horas e também alegria ao trabalho. A
Paul Raphaël, fundadores do estúdio.
pessoa tem que querer dar o seu melhor. Todo
4
Nós quisemos, então, saber mais sobre
mundo é muito empenhado”, valoriza.
essas duas personalidades. A logo do estúdio
Com um prato de cookies caseiros e uma
os representa: um deles montado em um alce e
xícara de chá pelando nas mãos, ela me apresen-
o outro em um dromedário. Apesar da imagem
tou o espaço, onde tudo é secreto. Não se pode
fazer rir, ela traduz o desejo dos sócios, de
tirar fotos, por exemplo. O estúdio se divide
expandir de Norte a Sul. De fato, a pequena
em duas grandes partes: na entrada encontra-
start-up criada em 2013 não para de crescer
mos os desenvolvedores que gerenciam os dados
e abarca projetos cada vez mais ambiciosos.
recebidos (e eventuais bugs), garantindo que
Sabe-se que dromedários não são comuns na
eles se adaptem corretamente à tecnologia uti-
vasta fauna da costa oeste americana, mas
lizada – a saber: capacetes Gear VR Samsung,
ainda assim o Félix & Paul Studios abriu uma
alimentados pelo periférico Oculus –, e que
filial em Los Angeles.
desenvolvem uma câmera para RV que responda
“Em última instância, para Félix, Paul e
melhor a necessidades de projetos futuros.
Stéphane (último membro fundador da start-up),
A segunda parte do espaço, separada pela
a ideia é ser um VERDADEIRO estúdio de cinema
cozinha, é composta pela equipe de pós-produção,
para RV. A tecnologia avança muito rapida-
que gerencia a parte da montagem dos projetos,
mente. Não há razão alguma para que isso
o som e a sincronização. Ao todo, 25 pessoas
não possa ir muito mais longe e que a gente
participam das produções do estúdio, fora 10
não se torne um grande estúdio. Nossa sede
vagas a serem preenchidas na pós-produção, que
fica em Montreal, mas foi preciso abrir a
tem sempre mais importância. “Nós crescemos muito em pouco tempo, mas ainda estamos pre-
3 https://www.felixandpaul.com/?projects/ inside_impact_east_africa
cisando de pessoal, porque pretendemos ampliar ainda mais”, anuncia Cindy.
4 https://www.felixandpaul.com/?projects/maasai
FÉLIX & PAUL STUDIOS: VISITA GUIADA AO PRESTIGIADO ESTÚDIO DE REALIDADE VIRTUAL · POR FANNY BELVISI
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Depois dos cookies e do chá, é hora de
e sintaxe, que estão aqui bem confusas. O
acessar as obras propriamente ditas. O que
espectador está verdadeiramente dividido entre
sustenta a reputação da Félix & Paul Studios
um aqui (seu corpo) e um ali (sua consciência).
é justamente o posicionamento que assumem
Se esta mídia é a materialização de um antigo
frente aos projetos, com uma abordagem docu-
sonho do Homem – o poder da onipresença – a que
mental que permite um mergulho no coração
nova relação com o corpo ela nos leva?
de situações ‘reais’ onde o espectador vive uma experiência quase ‘pura’.
Roland Barthes analisa, em 1968, o que ele chama de ‘efeito do real’8 no âmbito da
Cindy coloca o imponente, e para ser
literatura realista. Esse ‘efeito do real’ na
sincero bem desconfortável, capacete de RV
presença, no contexto dos textos literários,
nos meus olhos e um par de fones nos ouvidos.
mais especificamente dos romances realistas do
A viagem começa com uma das primeiras rea-
século XIX, trata de elementos descritivos que
lizações do estúdio, Strangers with Patrick
não tem nenhum valor funcional. Ou seja, que não
Watson5, na qual o espectador é imerso na
são úteis para a narrativa em si do romance.
intimidade de um músico ensaiando em um estú-
Esse ‘efeito’ surge claramente relacionado
dio. Seguimos nossa exploração com Nomads:
aos elementos descritivos do texto que agregam
Herders6, fascinante incursão nas paisagens
menos à ação, mas validam uma relação imediata
da Mongólia com uma cena impressionante onde
e autêntica com o real. Tendo em mente esta
o espectador se infiltra no interior de uma
reflexão, podemos nos perguntar: a força da
yurt e se encontra cercado por uma família
realidade virtual não viria também justamente
de mongóis comendo e entretida em seus afa-
deste ‘efeito do real’? Tomando esse entendi-
zeres. Temos a mesma sensação de vertigem
mento como fundamento, pode-se concluir que a
diante de um tête-à-tête com Bill Clinton,
narrativa dos filmes produzidos até agora é
praticamente em carne e osso, sentado no
relativamente fraca, e que o espectador final-
seu escritório, falando conosco em Inside
mente chega mais perto da sensação de assistir
impact: East Africa with President Clinton.
à uma descrição da realidade – que não é a sua
E como o Félix & Paul Studios se lançou na
– mais do que se ater a uma história.
ficção, Cindy nos mostra o projeto Wild -
A realidade virtual oferece ao espectador
The Experience , apresentado no Festival
uma experiência estética potente de estímulo
Sundance em 2014, elaborado em parceria com
dos sentidos. Contudo, privando o público de
Fox Searchlight e Fox Innovation Lab, à época
uma distância física em relação à obra, ela não
da estreia do filme Wild.
lhe tira também, de um certo modo, sua distância
7
No final das contas, a experiência
crítica, aquela que permite apreciar uma obra
sensorial é convincente, ainda que a mídia
e a representação do real que ela propõe? Além
levante muitas reflexões. A realidade virtual
disso, que representação da realidade oferece a
altera questões críticas do cinema ‘clás-
realidade virtual? Como ela difere do cinema? O
sico’, e nos obriga a repensar sua gramática
que acontece com os conceitos de enquadramento e planos? O papel do diretor permanece o mesmo
5 https://www.felixandpaul.com/?projects/introtovr 6 https://www.felixandpaul.com/?projects/herders 7 https://www.felixandpaul.com/?projects/wild
8 www.persee.fr/doc/comm_0588-8018_1968_num_11_1_1158
ou será que ele passa a assumir a função de
dessas pausas, o espectador está mais apto
um diretor de teatro que organiza o cenário
a retomar a intensidade dramática.
e os personagens e depois sai de cena para dar espaço ao espetáculo? Ninguém com mais legitimidade do que Félix Lajeunesse para responder a esses questionamentos.
Na realidade virtual, temos essa primeira dimensão, ou seja, a intensidade do sto-
rytelling. Mas temos também a intensidade da presença do espectador que moldamos em função do tipo de experiência que pretendemos
proporcionar.
Em
Nomads:
Herders,
temos planos que têm uma intensidade mais forte do que outros. Assim que o especSEUS FILMES TEM UMA DURAÇÃO GERALMENTE DE 8 A 10 MINUTOS. ESSA TEMPORALIDADE ESTÁ, EM PARTE, LIGADA A DIFICULDADES TÉCNICAS. MAS ESSA ESCOLHA POR FORMATOS CURTOS ESTARIA TAMBÉM RELACIONADA AO FATO DE OS SEUS FILMES EXIGIREM UMA FORTE INTERAÇÃO DO ESPECTADOR, PRINCIPALMENTE NOS DOCUMENTÁRIOS? É UM DESEJO DE CONTROLAR A NOSSA CAPACIDADE DE ATENÇÃO?
tador chega na yurt com as pessoas, não tem narração propriamente dita, mas existe uma
sensação
de
conexão
muito
forte
com
aquelas pessoas. No entanto, não acontece nada
de
especial.
Se
se
tratasse
de
um
filme clássico, essa cena seria um acessório e ordinária. Contudo, se a pensarmos em termos de evolução da sensação de presença, ela é protagonista na experiência vivida. O
laço
com
esses
personagens
é
criado
neste momento. Normalmente, eu nunca teria FÉLIX LAJEUNESSE (FL): A ideia de ‘pre-
começado com essa cena logo no início da
sença’ na realidade virtual precisa ser
experiência.
moldada em função da história contada,
se ajeitando e a cena é emocionalmente mais
como
forte
um
instrumento.
Em
todo
caso,
é
por
Gradualmente,
estar
onde
as
está.
coisas
O
vão
espectador
assim que trabalhamos. Não é um recurso
precisa estar psicologicamente preparado.
que deva ser usado em intensidade máxima
Nós levamos muito isso em consideração e
o tempo todo. Nós a moldamos através da
trabalhamos a realidade virtual sob essa
história. Se a gente só cria momentos
ótica, tanto nos projetos de ficção quanto
muito
nos documentários.
intensos,
encadeados
na
narra-
tiva, isso nos leva a uma experiência densa demais. Nos filmes que produzimos, há momentos em que tentamos reduzir a intensidade da sensação de presença, dar tempo de o espectador respirar e retomar
o
fôlego.
É
como
em
uma
história
onde recorremos a planos mais abertos, vendo a cena de longe, para poder tomar uma certa distância da história. Depois
A
matéria
prima
com
a
qual
trabalhamos
é o estado de espírito do espectador. Na realidade virtual, estamos na cabeça dele. A partir do momento em que você o insere em uma obra, você tem toda a sua atenção, ele
não
pode
escapar,
nem
se
desconec-
tar. O espectador é confrontado a conhecer o que lhe está sendo apresentado. É uma mídia muito sensível, onde é possível
FÉLIX & PAUL STUDIOS: VISITA GUIADA AO PRESTIGIADO ESTÚDIO DE REALIDADE VIRTUAL · POR FANNY BELVISI
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proporcionar um impacto real no estado
máximo à experiência sensorial humana: a
de espírito do público.
maneira como enxergamos as coisas natural-
Para mim, uma obra de RV sem qualidade irrita, porque eu estou lá dentro e não
mente na realidade, como as escutamos, e como as percebemos no espaço.
posso sair. Eu estou mergulhado em uma
A RV recebe e expressa as coisas de forma
coisa que detém toda a minha percepção.
muito análoga à do ser humano. Se trata de
Isso me tira do sério! Por outro lado,
uma experiência imediata, muito íntima e
se fosse um filme clássico, eu poderia
que não parece fazer grande distinção entre
diminuir meu nível de atenção e pensar
a consciência do espectador e a do artista
em
que criou o filme.
outras
coisas.
Isso
não
é
possível
em um filme de realidade virtual. Existe um vínculo muito estreito criado com o espectador.
Em
Herders,
nós
prestamos
muita atenção na evolução da história e na maneira como vamos agir no estado de espírito do espectador. Porque essa mídia consegue nos tocar de maneira muito sensível, nós tentamos fazer isso de uma forma muito cuidadosa, respeitando a inteligência e sensibilidade do espectador.
A natureza própria da mídia é diferente, logo a posição do espectador também é. Mas eu não acredito que a RV, mesmo na sua forma mais
real,
permita
uma
confusão.
Mesmo
quando filmamos momentos da vida integralmente, setores da vida não manipulados, o cérebro do espectador continua consciente de que ele está imerso em uma experiência, que ele pode sair a qualquer momento. Ele não
acha
que
foi
teletransportado.
A
RV
cria uma sensação de imersão na cabeça do espectador, mas não se trata de uma desconexão completa. DO SEU PONTO DE VISTA, REALIDADE VIRTUAL E CINEMA SÃO DUAS COISAS COMPLETAMENTE DISTINTAS? SE A RV PERMITE AO ESPECTADOR SE APROXIMAR DA REALIDADE, TRATASE AINDA DE UMA ‘REPRESENTAÇÃO DA REALIDADE’ NA SUA OPINIÃO? E, SE SIM, QUAIS SÃO AS MODALIDADES E AS CARACTERÍSTICAS?
NO CINEMA O DIRETOR SELECIONA E DECUPA O REAL GRAÇAS AOS PLANOS QUE ELE ESCOLHE. NA REALIDADE VIRTUAL ESSA OPERAÇÃO NÃO EXISTE DESTA FORMA, JÁ QUE O ESPECTADOR SELECIONA ELE PRÓPRIO O QUE ELE QUER – OU NÃO – ASSISTIR DA CENA PROPOSTA. COMO O SENHOR PROCEDE?
FL: Sim, absolutamente, RV é uma representação
da
realidade!
A
única
grande
diferença é que há muito menos distância entre
a
representação
e
o
espectador.
FL:
Essa
pergunta
sobre
enquadramento
é
O que muda, então, é a relação que se
um questionamento comum para muitas pes-
mantém com esta representação. A mídia
soas que vêm do cinema. Elas enxergam a
é feita de tal forma a se assimilar ao
RV essencialmente sob a ótica da liberdade que
é
dada
ao
espectador.
Esse
aspecto
constitui
uma
mudança
fundamental
em
que
acabamos
de
relatar,
porque
é
uma
relação ao cinema, mas sobre o qual não
reflexão que se dá em termos de pontos de
pensamos nunca a respeito no momento de
interesses. Se pensa em estratégia, assim
produção de um projeto. Para nós, esse é
como um cineasta.
um conceito que não existe. Nós criamos momentos
e
trazemos
o
espectador
para
o interior deles. Nós trabalhamos para que
o
lugar
que
o
espectador
escolhe
para assistir a esses momentos não tenha muita
importância.
Em
todas
as
situa-
ções da vida, nós temos a possibilidade de olhar para outro lugar, de exercer o
nosso
atenção lhar
direito para
onde
de
onde
direcionar
queremos,
desejamos,
de
de
acordo
nossa mergucom
o
que chega para nós, de acordo com o que queremos olhar. Isso acontece dentro do nosso inconsciente. A gente não diz para
Ao
contrário,
de
maneira
a
mais
gente
enxerga
antropológica,
a
câmera
tendo
em
vista o papel e o ponto de vista do espectador dentro de cada momento. (Qual é o sentido da presença do espectador? Qual o motivo de estar dentro desta cena?). Não é muito grave se o espectador não vê isto ou aquilo. O importante é entender onde deve estar sentado o espectador. Assim que você toma essa decisão, você enxerga a câmera como
um
personagem
e
você
acaba
fazendo
escolhas que são coerentes com a natureza deste personagem.
nós mesmos: “estou fazendo a escolha de olhar isto ou aquilo…” Nós
tentamos
criar
momentos
nos
quais
o espectador vá se sentir num estado de espírito análogo ao da realidade, momentos onde não tentamos controlar o que
NA SUA OPINIÃO, QUAIS SÃO OS EIXOS QUE VOCÊS AINDA PRECISAM DESENVOLVER? QUAIS SÃO AS PISTAS DE EVOLUÇÃO E DE APERFEIÇOAMENTO?
quer que seja. O espectador é livre de viver o que ele quer, como na realidade. O
que
é
condições entre
o
importante que
para
nós
proporcionem
espectador
e
um
o
é
criar
encontro
momento.
Nós
precisamos assegurar que nosso trabalho de diretor, que consiste em criar esse encontro, seja feito em boas condições e que confira veracidade ao espectador, seja corretamente realizado.
360o, eu a posiciono em um determinado ponto porque assim teremos um bom ponto vista
quando
o
personagem
muito fácil fazer uma besteira. Mas se você realmente quer atingir uma forma de expressão hábil, ser capaz de tocar as pessoas e que a obra persista nelas, é difícil! Você tem que conhecer bem os conceitos e o DNA da sua mídia para que soe verdadeiro. Nos próximos anos, o que vai mudar é o que
Se a gente for pensar “minha câmera é uma
de
FL: A realidade virtual é uma mídia frágil. É
entrar”,
então a gente se confronta ao problema
diz respeito à duração dos projetos. Eles vão se estender no tempo e abordar histórias mais complexas,
contendo
aspectos
diferentes.
A
gente deve ganhar também mais flexibilidade e leveza.
FÉLIX & PAUL STUDIOS: VISITA GUIADA AO PRESTIGIADO ESTÚDIO DE REALIDADE VIRTUAL · POR FANNY BELVISI
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O desafio que a gente se impõe enquanto estúdio e enquanto diretores é o de mergulhar cada vez mais na ficção. Até o momento,
APLICADA AO DOCUMENTÁRIO, A RV PROPORCIONA ÀS VEZES AO ESPECTADOR UM SENTIMENTO DE VOYEUR. ELE ESTÁ PRESENTE NA CENA E, AO MESMO TEMPO, EXPERIMENTA UMA PASSIVIDADE. O PRAZER QUE A RV PROPORCIONA VEM TAMBÉM DE UM SENTIMENTO DE TRANSGRESSÃO DO PROIBIDO: O ESPECTADOR É CONVIDADO A UMA CENA, MAS SABE PERFEITAMENTE QUE NÃO DEVERIA ESTAR ALI. O QUE O SENHOR PENSA SOBRE ESSE ASPECTO: O ESPECTADOR QUE NAVEGA ENTRE PRESENÇA E PASSIVIDADE?
estamos muito prudentes. É importante para nós entender primeiro a matéria com a qual estamos trabalhando. Nós estamos indo na direção de projetos mais ambiciosos em termos de ficção.
SE VOCÊS MERGULHAREM COMPLETAMENTE NOS PROJETOS DE FICÇÃO, VÃO ABANDONAR O DOCUMENTÁRIO?
FL:
Neste
momento,
há
muito
discurso
na
indústria com relação a essa problemática, FL: Nós não vamos abandonar o documentá-
especialmente entre as pessoas que vem do
rio, pelo contrário! O que eu vou dizer
universo
é um pouco exagerado, mas eu sempre tive
presente não é nada, seria preciso poder
a impressão de que o documentário nunca
mexer e interagir. É um discurso que não se
encontrou seu lugar de fato no cinema.
baseia no storytelling, mas apenas na inte-
Como se a expressão documental através
ração. No fim das contas, é uma tendência a
da mídia cinematográfica nunca tivesse
dogmatizar as coisas: “isso deve ser assim,
encontrado
ou então não é RV”. Para mim, o problema
seu
ápice,
pelo
fato
de
o
dos
games.
Segundo
eles,
estar
com o fato de se sentir em movimento, é que
cinema ser artificialmente fabricado.
isso chega muito rápido no limite! Você se O documentário no cinema tenta atingir
encontra
o real, mas isso fica longínquo e difí-
mente, cheio de regras muito evidentes para
cil, a partir do momento que o cinema é
ser uma experiência da realidade, onde, ao
uma mídia artificial, uma representação
contrário,
pura como a pintura.
a gente dá liberdade, mais fica evidente
Por fim, o documentário que persegue a
que ela é limitada. Isso acaba por definir
veracidade acaba passando por uma mídia
regras do que se pode e o que não pode
artificial. Sinto que se o documentário
fazer durante a experiência.
não
Por
consegue
cinema,
o
seu
perfeitamente
ápice
outro
tudo
lado,
espécie
é
de
possível.
estou
jogo,
obvia-
Quanto
convencido
de
mais
que
quanto mais o espectador está em contato
Os
com a RV, mais o sentimento de passividade
diretores vão finalmente encontrar uma
diminui. Ele acaba se integrando completa-
via de desenvolvimento para suas obras
mente a essa sensação.
ocorra
na
realidade
possível
no
uma
que
isso
é
atingir
em
virtual.
onde possam se expressar plenamente.
NARRATIVAS IMERSIVAS
OKIO STUDIO, O PIONEIRO DA REALIDADE VIRTUAL FRANCESA POR TRÁS DE I, PHILIP E ALTÉRATION1 POR XAVIER DE LA VEGA2
1 Texto produzido em 2016 e atualizado pelo autor em 2018. Publicado originalmente no livro Au-delà du webdoc: Les nouveaux territoires de la création documentaire (Le Blog documentaire éditions, Junho 2018, Paris). 2 Xavier de la Vega é produtor e roteirista de narrativas interativas. Oriundo do jornalismo, se especializou em design interativo na École de L’image des Gobelins. É autor e produtor do newsgame BeMySavior (LeVentSeLève, OBS, 2015). Atualmente é produtor de realidade virtual na Picseyes Films, em Paris. Tradução: Mariana Gago.
BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS · ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0 · RIO DE JENRIO · 224 PÁGINAS EDITORA: AUTOMATICA · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO · BUG404.NET
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Eles produziram, em 2016, a primeira ficção
incorporou em sua programação, fala sobre o
científica francesa em realidade virtual:
escritor de ficção científica americano Philip
I, Philip3. O filme integra um dispositivo
K. Dick. É, sem dúvidas, o primeiro grande
transmídia criado pelo canal ARTE que gira
projeto francês em realidade virtual. Nesse
em torno do universo de Philip K. Dick, com
meio tempo, os dois trintões criaram o Okio
um documentário linear para a TV, o videogame
Studio, produtora de realidade virtual que
Californium e I, Philip. Em seguida, a Okio
logo virou referência no meio. “Passamos um
Studio retornou à ficção em realidade virtual
ano experimentando a realidade virtual em todos
com Altération4. A atividade de Antoine Cayrol
as direções”, conta Antoine. “Nós fabricávamos
e Pierre Zandrowicz não se resume a essas
nossas câmeras. Filmamos de esqui, skate, de
duas obras, mas foram elas que os colocaram
carro na montanha russa, para entender como
na vanguarda mundial, não muito longe dos
funcionava, o que dava certo e o que não dava.
canadenses do Quebec Félix & Paul.
A partir daí, as pessoas começaram a nos con-
Tudo começou com a exibição de uma sessão de Grand Huit (montanha russa, em
vidar. Tínhamos nos tornado especialistas em realidade virtual”.
francês). Uma sessão que provocou suor frio,
De fato, o Okio viu suas produções se
vertigem e pânico. Nada incomum quando se
multiplicarem rapidamente. I, Philip, e tam-
trata de montanhas russas... A não ser
bém Altération, entre outros vários filmes da
pelo fato de que Antoine Cayrol e Pierre
produtora, se inserem na categoria ‘drama’.
Zandrowicz, respectivamente produtor e
Havia também o Okio-Report, que deu origem a
diretor criativo da FatCatFilms, não tinham
inúmeras reportagens em vídeo 360 para o Le
previsto a ida à FoireduTrône (um parque
Parisiene France Ô. Por fim, havia o setor
de diversões em Paris) naquela noite. Eles
‘marcas’: Okio fez produções de publicidade em
tinham ido encontrar uns amigos produtores
realidade virtual para Jean-Paul Gautier, para
e um capacete DK - a primeira versão do
a companhia de gás Engie, para o Téléthon... A
Óculus Rift - se encontrava no fundo da
publicidade se tornou, inclusive, a atividade
sala. Podia-se experimentar uma descida
principal do estúdio. Foi assim que Antoine
virtual na montanha russa, com uma imagem
Cayrol e Pierre Zandrowicz se desvincularam do
de má qualidade. No entanto, assim que os
Okio, no final de 2017, e criaram, junto com
dois deixaram a sala para fumar e trocar
Arnaud Colinart, a Atlas V.
impressões sobre a experiência, ambos tive-
I, Philip nasceu quase que por acaso.
ram um estalo. Disseram ao mesmo tempo: “e
Pierre Zandrowicz teve, durante muito tempo, o
se fizéssemos um filme?”.
projeto do filme na gaveta. “Tínhamos tentado
Dois anos e meio mais tarde, o filme
fazer um documentário, um longa-metragem, um
estava pronto. I, Philip, um dos primeiros
curta-metragem, mas a história era complexa
curtas-metragens de ficção em realidade
e os patrocínios não davam conta. Percebemos
virtual que a emissora de TV francesa ARTE
que uma solução seria contar a história com um capacete de realidade virtual, fazendo o
3 http://www.Okio-studio.com/Okio-project4-I-philip.html Ver página 129.
espectador criar um sentimento de empatia com essa cabeça de robô”, relata ele. I, Philip é
4 http://www.Okio-studio.com/Okio-project1-alteration.html
OKIO STUDIO, O PIONEIRO DA REALIDADE VIRTUAL FRANCESA... · POR XAVIER DE LA VEGA
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um filme com ponto de vista subjetivo, onde o
E foi assim que nasceu o nosso curta-metragem,
espectador se infiltra na cabeça de um robô
onde, assim que o espectador coloca seu capa-
e reconstitui o espírito de Philip K. Dick.
cete de realidade virtual, ele se encontra no
Assim que Antoine apresentou os primeiros
interior da cabeça de um robô, uma espécie de
demos sobre sua experiência em realidade vir-
criatura digital no meio dos humanos.
tual no polo web da ARTE, Gilles Freissinier,
Para rodar I, Philip, foi preciso inven-
chefe do polo, convencido de suas capacidades,
tar do zero um dispositivo de filmagem. “Nós
logo perguntou se tinham projetos em realidade
alinhamos algumas técnicas para ter um efeito
virtual. Um projeto sobre Philip K. Dick? Que
verdadeiro de cinema, não queríamos um efeito
coincidência! A ARTE acabava de lançar um
de GoPro (seis câmeras GoPro acopladas são um
dispositivo transmídia que girava em torno
padrão para reportagens em 360°). Além do mais,
do escritor. “Eu não tinha nem finalizado o
desejávamos rodar em relevo”, conta Pierre.
roteiro quando Antoine chegou com a notícia de
Sendo assim, ele acoplou duas câmeras Red (câmera
que a ARTE queria lê-lo”, conta Pierre. Algumas
digital de altíssima definição) para filmar
semanas de trabalho depois, o canal anunciou:
em 3D. Os microfones foram instalados no topo
“vamos ao banco!”. Patrocinaram a montagem do
das câmeras, o que os obrigou a suprimir os
curta-metragem, cujo orçamento foi a bagatela
ventiladores e a fixar um tubo comprido na
de 500.000 euros. Isso é o que chamamos de
parte de trás dos equipamentos para garantir
estar na hora certa, no lugar certo.
a ventilação necessária. “Era uma câmera bem
Os responsáveis pelo polo web da ARTE
estranha...”. “De onde vem nosso desejo de
conseguiram financiar em um primeiro momento
filmar em relevo? Ora, do desejo de recriar a
o demo do projeto, para submeter sua produção
realidade! Assistir no capacete de realidade
à aprovação e verificar se seria possível
virtual um vídeo em 360° é como ver através de
realizar o maior desafio do filme – rodá-lo
uma bolha. A realidade é em relevo”, finaliza
integralmente com uma câmera subjetiva.
Antoine.
Assumiram o risco, já que, até então, só se
Os dois sócios e produtores pertencem a
tinha ciência de um único longa-metragem de
um grupo internacional restrito de hackers da
ficção filmado com esse recurso (Lady in the
realidade virtual, junto com os canadenses Félix
Lake, 1947), que teve mais repercussão pela
& Paul ou o americano Chris Milk (de Within),
curiosidade que suscitou do que por ter se
que fabricam seus próprios utensílios de fil-
tornado uma referência cinematográfica de
magem para realizarem um sonho antigo: recriar
fato. Marianne Lévy-Leblond e Lili Blumers,
a realidade da maneira mais fiel possível. “Se
da ARTE web, temiam que o olhar-câmera dos
mantivermos o nosso nível de exigência, vamos
personagens, presente em muitas cenas do
continuar a construir câmeras. Até o momento, o
filme, não funcionasse. “Trabalhamos um mês
que fazemos é fabricar a melhor câmera possível
e meio no demo e fomos apresentar”, explica
para aquele filme. A próxima não terá nada a
Pierre. “Eles viram o filme uma única vez –
ver com a câmera de I, Philip”.
foi super frustrante – e disseram: “ok, cool!”
Pierre rapidamente desistiu de filmar em
Perguntamos se não queriam assistir mais uma
360°, o que implicava em deixar a cena uma vez
vez. Responderam-nos “não, não, está bom!”
acionada a câmera. Mas isso significava se lançar
em desafios arriscados. “Como queríamos um
E tem outros elementos, dispostos lá e cá, que
stitching perfeito (o stitching consiste
enriquecem a história”, acrescenta Antoine.
em costurar vários pontos de vista a fim
E o enquadramento, essa decisão crucial
de reconstituir uma imagem em 360°), nós
do cineasta, que exclui, acentua, aumenta,
rodávamos em muitas etapas. Concretamente,
complexifica, dá ritmo à ação; esse quadro
quando dois atores dialogavam, eu não os
não foi igualmente abolido? Logo imaginamos os
filmava juntos, mas primeiro um, depois o
guardiões da sétima ARTE se exaltando, prestes
outro... Só que o segundo não tinha direito
a mostrarem suas garras: sem enquadramento,
de responder, não podia nem sequer mexer,
ainda podemos falar em cinema? “Essa história
porque prejudicava o som”. Ou seja, o filme
de dizer que não existe quadro, porque sua
em 360° nos obrigava a reinventar o bom e
câmera filma tudo...”, vocifera Pierre. “Em 360
velho plano-contra plano. “A filmagem era
a gente não filma tudo. É a posição da câmera
muito desafiadora para os atores”, completa
que induz – ou não – à sensação de estar no
Antoine. “Mas aí, Pierre podia dirigir os
lugar de outrem. A composição do quadro ainda
atores, o diretor iluminava a cena...”.
é uma escolha decisiva. Nós filmamos uma cena
Enfim, tratava-se de fazer cinema.
na praia de Etretat (na região da Normandia).
E o que acontece com o cinema em um
Poderíamos ter colocado a câmera em milhares
filme em 360o? Sabemos que sua gramática
de lugares diferentes. Escolhemos um, onde as
fica revirada. Para começar, não existe
rochas, filmadas em relevo, acrescentavam à
“fora de cena”, já que a câmera capta a cena
narrativa. Não podemos dizer que não há mais
em todos os ângulos. ‘O “fora de cena’ na
quadro. Ao contrário, tem muito mais quadro do
realidade virtual é o cômodo ao lado. Tem
que antes. A realidade virtual mete medo nos
uma cena, em I, Philip, em que escutamos
realizadores, eles temem que seu papel desa-
a conversa de dois personagens que não
pareça. No entanto, na realidade virtual, tem
vemos. Eles estão em outro cômodo, no final
uma infinidade de decisões a serem tomadas”.
do corredor”, aponta Pierre. Sendo assim,
A realidade virtual é um cinema com uma
para o espectador, o quadro se constrói por
interatividade inerente, ativada pelos movi-
exclusão, já que, a cada momento, ele vê uma
mentos da cabeça (e do corpo, dependendo do
fração da imagem em 360o. Isso significa
dispositivo). Mas como antecipar como o espec-
que o diretor precisa de uma ação que se
tador vai reagir àquela imagem? “Nosso papel
desenrole em vários pontos do quadro. “A
principal é de guiar o olhar do espectador. Mas
realidade virtual implica em uma hierar-
existe também o que eu chamaria de uma interati-
quia entre os elementos da cena. Primeiro
vidade passiva: o espetador desbloqueia alguns
temos os elementos fundamentais, que o
elementos dentro da imagem. Um personagem só
espectador não pode perder para compreender
aparece se ele olhar naquela direção, mas ele
a história. Uma boa parte da narrativa na
simplesmente não aparece caso o espectador não
realidade virtual consiste em guiar o olhar
olhe para o lado certo. Essa interatividade
do espectador, através do som, da luz, dos
é que acho mais interessante do que em webdo-
movimentos de imagem, para que ele veja o
cumentários, onde as escolhas são claras (ir
que deve ser visto e quando deve ser visto.
para a direita ou para a esquerda?). Aqui, o
OKIO STUDIO, O PIONEIRO DA REALIDADE VIRTUAL FRANCESA... · POR XAVIER DE LA VEGA
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espectador não tem consciência do que ele
a resposta é absolutamente afirmativa: “a rea-
perdeu”, observa Pierre. É possível que I,
lidade virtual vai certamente ter uma grande
Philip tenha se beneficiado de tal interação
importância no futuro – Goldman Sachs prevê uma
por redirecionar os movimentos do especta-
trajetória comparável com a da televisão. Mas
dor para o coração da ação. A faculdade de
ela vai continuar coexistindo com os conteúdos
virar cabeça por todos os lados, em algum
da web e audiovisuais. Não há nada que diga que
momento, pode prejudicar a identificação
o espectador tenha um desejo de ficar imerso
do espectador com o robô e, portanto, a sua
permanentemente na realidade virtual. Eles vão
presença na ação.
preferir alternar entre conteúdos imersivos e
Esse sentimento de ‘presença’ virou um
uma partida de futebol em 2D, com alternância
mantra para os adeptos da realidade virtual.
de planos; ou então entre uma aba da internet
Assim que assistiu com capacete à obra Síria:
com um documentário e sequências específicas
a batalha pelo Norte, que o Okio-report
em realidade virtual. O futuro está na comple-
produziu para o Le Parisiencom a agência de
mentação das mídias”.
imprensa Smart, sediada na Síria, Pierre, pela primeira vez em sua vida, teve a sensação de onipresença. “De uma hora pra outra a Síria era aqui, eu estava lá.” Com essa experimentação que contempla todas as potencialidades da realidade virtual, ainda há lugar para a produção digital clássica – se ousarmos falar em classicismo para formatos de 10 anos atrás? Para Antoine,
CAPÍTULO 4 | CHAPTER 4
MOSTRA BUG - CATÁLOGO THE BUG EXHIBITION – CATALOG
BUG - NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS · ANDRÉ PAZ E SANDRA GAUDENZI/ORG ISBN 978-85-64919-30-3 / 978-85-64919-31-0 · RIO DE JENRIO · 224 PÁGINAS EDITORA: AUTOMATICA · COEDIÇÃO: LETRA E IMAGEM / OI FUTURO · BUG404.NET
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Highrise: Out My Window
2010
Highrise: Out My Window fala da vida urbana por meio de pessoas que habitam arranha-céus e observam o mundo de suas janelas. São 49 histórias vindas de 13 cidades ao redor do planeta. O documentário mostra recortes diverso`s de vidas imersas em gigantescas torres residenciais de concreto. É um dos primeiros documentários interativos com visualização em 360o do mundo e foi a primeira iniciativa do premiado projeto multiplataforma e colaborativo Highrise, ainda em desenvolvimento, sempre com foco na experiência humana em grandes edifícios.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: NATIONAL FILM BOARD OF CANADA (NFB) •
outmywindow.nfb.ca
Highrise: Out My Window discusses urban life through the stories of people who inhabit skyscrapers and observe the world through their windows. There are 49 stories from 13 cities around the planet. The documentary shows various slices of life as immersed in gigantic, concrete-slab towers. It is one of the world’s first, interactive 360o documentaries and was the first initiative from the award-winning, multiplatform and collaborative project, Highrise, still in development, and always with a focus on the human experience in large buildings.
REALIZAÇÃO/CREATOR: KATERINA CIZEK
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • CANADÁ/CANADA
INTERACTIVE NARRATIVES
NARRATIVAS INTERATIVAS
NARRATIVAS INTERATIVAS | INTERACTIVE NARRATIVES · 106-119
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Hollow
2013
2015
Network Effect explora o efeito psicológico do uso da internet na humanidade. O projeto se baseia nos infinitos cruzamentos de informações que o usuário pode gerar a partir de um gigantesco banco de dados composto por 10 mil videoclipes, 10 mil frases faladas, notícias, tweets, gráficos, listas e milhões de dados postados por indivíduos na web. Só há uma questão: a janela de visualização é limitada a cerca de sete minutos (cálculo feito a partir da expectativa de vida média no país de onde a página é acessada), induzindo o usuário a um estado de ansiedade, de impossibilidade de conclusão. Uma provocação a respeito da ilusão de conhecimento e completude gerada pela internet.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: JONATHAN HARRIS E GREG HOCHMUTH • REALIZAÇÃO/CREATOR: JONATHAN HARRIS E GREG HOCHMUTH
networkeffect.io
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • EUA/USA
Network Effect
Hollow é um documentário interativo que investiga o declínio populacional da América rural por meio da história dos moradores do condado de McDowell, na Virgínia Ocidental. Em 2013, a população era composta por 22 mil moradores, bem abaixo dos 100 mil durante o auge industrial vivido em meados do século XX. O motivo principal seria a saída de jovens e adultos em busca de melhores oportunidades de emprego em cidades maiores, um fenômeno ainda em curso.
Network Effect explores the psychological effects of internet use on humanity. The project is based on the infinite cross sections of information which the user can generate through a gigantic database composed of 10 thousand video clips, 10 thousand spoken phrases, news stories, tweets, graphics, lists, and millions of data posted by individuals on the web. There is only one issue: the viewing window is limited to around seven minutes (a calculation based on the average life expectancy in the country from which the page is accessed), inducing in the user a state of anxiety, frustrating any attempt at conclusion. A provocation related to the illusion of knowledge and completeness generated by the internet.
Hollow is an interactive documentary which investigates rural America’s population decline through the story of the residents of McDowell country, West Virginia. In 2013, the population consisted of 22 thousand residents, well below the 100 thousand experienced during the industrial boom in the 20th century. The main motive for youths and adults to leave was the search of better job opportunities in bigger cities, a phenomenon which continues today.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: REQUISITE MEDIA, LLC • REALIZAÇÃO/CREATOR: ELAINE MCMILLION SHELDON
hollowdocumentary.com
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • EUA/USA
Ilha Grande: Cada Praia, uma Ilha; Cada Ilha, uma História 2015
2017
The web documentary, Ilha Grande: Cada Praia, uma Ilha; Cada Ilha, uma História, gathers stories about characters and curiosities from nine beaches of Ilha Grande, an island paradise located in southern Rio de Janeiro state. It also offers suggestions of local guides, housing, restaurants, and transportation services. The webdoc is part of a development project aiming to promote social technology which supports community-based tourism initiatives in environmentally protected areas.
A Colônia de Itapuã, localizada no município gaúcho de Viamão, foi um dos 33 “vilarejos-hospital” construídos na década de 1940 pelo então presidente Getúlio Vargas para isolar pessoas com hanseníase. A colônia chegou a abrigar 1.454 pessoas, muitas delas abandonadas por suas famílias. Hoje, apenas 35 moradores permanecem lá, todos com mais de 60 anos. A Cidade Inventada reúne vasto material sobre o passado e o presente do lugar, como vídeos, mapas, gravações em fita cassete feitas pelos moradores e um cinejornal produzido na época da inauguração da colônia. O objetivo é evitar que Itapuã caia no esquecimento.
Itapuã, located in the municipality of Viamão in Rio Grande do Sul, was one of the 33 “hospital villages” constructed in the 1940s by then-president Getúlio Vargas to quarantine people with Hansen’s Disease. The colony was home to 1,454 people, many of whom were abandoned by their families. Today, only 35 residents remain, all more than 60 years old. The Invented Village gathers a vast array of material on the village’s past and present, including videos, maps, cassette tape recordings made by residents, and a newsreel produced for the colony’s inauguration. The objective is to keep Itapuã from falling into the abyss of the forgotten.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: TEMPO PORTO ALEGRE • REALIZAÇÃO/CREATOR: LILIANA SULZBACH
acidadeinventada.com.br
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL
A Cidade Inventada
O webdocumentário Ilha Grande: Cada Praia, uma Ilha; Cada Ilha, uma História reúne histórias de personagens e curiosidades sobre nove praias deste que é considerado um paraíso no sul do estado do Rio de Janeiro. Também traz sugestões de guias locais, hospedagens, restaurantes e serviços de transporte. O webdoc faz parte de um projeto de desenvolvimento e difusão de uma tecnologia social voltada para apoiar iniciativas de turismo de base comunitária no entorno de áreas protegidas.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: LABORATÓRIO DE TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO SOCIAL (LTDS) DA UFRJ • REALIZAÇÃO/CREATOR: ANDRÉ PAZ
ilhagrandewebdoc.website
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL
NARRATIVAS INTERATIVAS | INTERACTIVE NARRATIVES · 106-119
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2011
2015
Through self-representation, three photographers, residents of the Maré favela (AF Rodrigues, Jaqueline Felix, and Ratão Diniz) provide their perspectives in discussing the stereotypes of Rio de Janeiro favelas. These youths narrate their lives amidst a backdrop of contradiction: they portray the happiness of everyday life and the difficulties faced by those who live in often precarious urban conditions. It addresses a Rio distant from the traditional postcard image. Due to this, however, it is far more real and human.
The Quipu Project é um projeto transmídia, interativo e colaborativo sobre as mais de 300 mil pessoas afetadas pelo programa de esterilização forçada que ocorreu no Peru nos anos 1990. A premissa fundamental é divulgar os testemunhos de quem sofreu e continua sofrendo as consequências dessa violação, em termos físicos e psicológicos, e buscar maneiras de apoiá-los tanto com reconhecimento quanto reparação dos danos.
The Quipu Project is a transmedia, interactive, and collaborative project about the more than 300 thousand people affected by the forced sterilization project which occurred in Peru in the 1990s. The fundamental premise is to disseminate the testimonies of those who suffered and continue to suffer the consequences of this violation, both physical and psychological, and search for ways to support them through recognition and reparation.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: CHAKA STUDIO • REALIZAÇÃO/CREATOR: MARIA COURT E ROSEMARIE LERNER
interactive.quipu-project.com
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • INGLATERRA/ENGLAND
The Quipu Project
Por meio da autorrepresentação, três fotógrafos moradores do Complexo da Maré (AF Rodrigues, Jaqueline Felix e Ratão Diniz) trazem seus olhares e colocam em discussão os estereótipos criados sobre as favelas cariocas. Esses jovens se ocupam em narrar suas vidas num cenário de contrastes: retratam as alegrias do dia a dia e as dificuldades de quem convive com condições urbanas muitas vezes precárias. Trata-se de um Rio de Janeiro longe das imagens dos cartões-postais tradicionais. Mas, por isso mesmo, muito mais real e humano.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: CROSS CONTENT • REALIZAÇÃO/CREATOR: MARCELO BAUER
riodejaneiroautorretrato.com.br
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL
Rio de Janeiro: Autorretrato
Prison Valley 2010
2015
Prison Valley is an interactive road movie which puts the user in the place of a journalist investigating the United States prison industry. The story takes place at the heart of the American prison sector: Fremont County, Colorado, the home of 36 thousand people and 13 prisons. One of these is called ADX Supermax, the only maximum security prison on American territory.
Mujeres en Venta aborda as etapas do crime de tráfico de mulheres na Argentina, desde a captura e maneiras de enganá-las até as rotas que são percorridas, a exploração sexual e o resgate. Os relatos corajosos das vítimas que conseguiram escapar do horror se cruzam com os dados produzidos por uma minuciosa investigação jornalística e com o testemunho de especialistas, familiares e organizações antitráfico.
Women for Sale addresses the stages of the criminal trafficking of women in Argentina, from their capture and manners of tricking them, to the trafficking routes, sexual exploitation, and rescue. The courageous accounts from victims who managed to escape their horror intersect with data produced from a detailed journalistic investigation and with testimony from specialists, relatives, and anti-trafficking organizations.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: #DCMTEAM | PRODUCCIONES TRANSMEDIA – UNIVERSIDADE NACIONAL DE ROSÁRIO • REALIZAÇÃO/CREATOR: DFERNANDO IRIGARAY E SUA EQUIPE DO DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO MULTIMÍDIA (#DCMTEAM)
documedia.com.ar/mujeres
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • ARGENTINA
Mujeres en Venta
Prison Valley é um road movie interativo que coloca o usuário no lugar de um jornalista que investiga a indústria carcerária nos Estados Unidos. A história se passa no coração do setor carcerário americano: o condado de Fremont, no Colorado, lugar que abriga 36 mil pessoas e treze prisões. Uma delas é a chamada ADX Supermax, única prisão de segurança máxima em território norte-americano.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: ARTE E UPIAN • REALIZAÇÃO/CREATOR: DAVID DUFRESNE E PHILIPPE BRAULT
prisonvalley.arte.tv
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • FRANÇA/FRANCE
NARRATIVAS INTERATIVAS | INTERACTIVE NARRATIVES · 106-119
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Do Not Track
2015
2016
Jerusalem: We Are Here é um documentário interativo que, por meio da tecnologia, traz os palestinos de volta a Jerusalém, de onde foram expulsos em 1948 para a constituição do Estado de Israel. O projeto foi desenvolvido entre 2012 e 2015 por meio de uma plataforma colaborativa que mapeou e trouxe à tona histórias de uma cidade não mais visível. Para isso, contou com a participação de palestinos que pesquisaram sobre o passado de suas famílias e seu doloroso presente. Junto com a equipe do documentário, produziram vídeos curtos e poéticos, repletos de nostalgia. Além de acessar os filmes, o público também pode participar de três tours virtuais pelas ruas do bairro de Katamon. Enquanto as cenas mostram uma Jerusalém contemporânea, a narração em off fala sobre o cotidiano na década de 1940.
Jerusalem: We Are Here is an interactive documentary which, using technology, brings Palestinians back to Jerusalem, from which they were expelled in 1948 for the creation of the State of Israel. The project was developed between 2012 and 2015 through a collaborative platform which mapped a no longer visible city, bringing back a forgotten history. It counted on the participation of Palestinians, who researched their family’s past and their painful present. Together with the documentary’s team, they produced short, poetic videos filled with nostalgia. As well as accessing the films, the public can also participate in three virtual tours through the streets of the Katamon neighborhood. While the scenes show a contemporary Jerusalem, the narrator speaks of everyday life in the 1940s.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: HELIOS DESIGN LABS • REALIZAÇÃO/CREATOR: DORIT NAAMAN
info.jerusalemwearehere.com
REALIZAÇÃO/CREATOR:
Do Not Track is a documentary series about privacy and the web economy. During each of the seven interactive episodes, the user is asked to provide some data about herself and, with this, experience the methods and tools which trackers use commercially. The idea is to provoke reflections regarding the personal information which is collected and utilized by numerous companies and services, even when the person does not consciously authorize its use. Each episode explores one aspect of how the web has transformed into a space where movement, speech, and identity are recorded, tracked, and used without permission. From cellular telephones to social networks, from personalized advertisements to Big Data, each episode will have its own focus, narrative and visual style.
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • CANADÁ/CANADA
Jerusalem: We Are Here
Do Not Track é uma série documental sobre privacidade e economia na web. Durante cada um dos setes episódios interativos, o usuário é solicitado a fornecer alguns dados sobre si mesmo e, com isso, experimenta os métodos e ferramentas que rastreadores usam comercialmente. A ideia é provocar reflexões a respeito das informações pessoais que são coletadas e utilizadas por inúmeras empresas e serviços, mesmo quando a pessoa não autoriza conscientemente o uso. Cada episódio explora um aspecto de como a web tem se transformado em um espaço onde movimentos, fala e identidade são gravados, rastreados e utilizados sem permissão. Dos telefones celulares a redes sociais, de publicidade personalizada a Big Data, cada episódio tem um foco, narrativa e visual próprios.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: UPIAN, NATIONAL FILM BOARD OF CANADA (NFB), ARTE E BAYERISCHER RUNDFUNK (BR) • BRETT GAYLOR
donottrack-doc.com
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • CANADÁ/CANADA
Momento MX 2017
2014
Momento MX is an interactive documentary which sketches a picture of the recent creative communities in Mexico. The user can explore two thematic axes: one dedicated to independent publishers in Mexico City, and another which explores the electronic and experimental music scene in the country. Each theme includes five sections - actors, processes, products, markets, and panorama - and each of them unfolds in one interactive video and one immersive, 360o video. For example, the navigation architecture allows the user to compare the industries. The project foresees the future publication of four more thematic axes.
The Shirt on Your Back é um documentário interativo baseado no desastre de Rana Plaza, o acidente mais fatal da história da indústria mundial. Em 2013, uma gigantesca fábrica têxtil ruiu, matando mais de 1.130 pessoas e ferindo o dobro. Neste trabalho, o ciclo de vida de uma camisa é traçado e usado como mote disparador de questões sobre o terrível custo humano envolvido na fabricação dos milhares de peças que saem de Bangladesh direto para as prateleiras de marcas de roupas “fast fashion” em todo o mundo.
The Shirt on Your Back is an interactive documentary based on the Rana Plaza disaster, the deadliest accident in the history of global industry. In 2013, a gigantic textile factory collapsed, killing more than 1,130 people and injuring twice that. In this work, the life cycle of a shirt is traced and used as a jumping-off point for questions about the terrible human cost involved in fabricating the thousands of pieces which leave Bangladesh directly for the shelves of “fast fashion” clothing brands all over the world.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: THE GUARDIAN • REALIZAÇÃO/CREATOR: LINDSAY POULTON
theguardian.com/world/ng-interactive/2014/apr/bangladesh-shirt-on-your-back
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • INGLATERRA E BANGLADESH/ENGLAND AND BANGLADESH
The Shirt on Your Back
Momento MX é um documentário interativo que traça um panorama sobre as recentes comunidades criativas no México. O usuário pode explorar dois eixos temáticos: um dedicado a editores independentes na Cidade do México e outro que explora o cenário da música eletrônica e experimental no país. Cada tema inclui cinco seções – atores, processos, produtos, mercado e panorama – e cada uma delas se desdobra em um vídeo interativo e um vídeo imersivo em 360o. A arquitetura de navegação permite ao usuário, por exemplo, comparar as indústrias entre si. O projeto prevê a publicação futura de mais quatro eixos temáticos.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: AURA CULTURA · REALIZAÇÃO/CREATOR: PABLO MARTÍNEZ ZÁRATE
momentomx.com
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • MÉXICO/MEXICO
NARRATIVAS INTERATIVAS | INTERACTIVE NARRATIVES · 106-119
113
2011
2010
Bugarach: Cómo Sobrevivir al Apocalipsis is an interactive documentary about the only place which, according to the ancient Mayan civilization, would survive the end of the world, which they predicted for 21 December, 2012: the small village of Bugarach, north of the French Pyrenees. The playful platform gathers data and trivia about the place, and works like a videogame: the user can only advance in the story and survive the apocalypse by carrying out certain tasks - which include meeting some of the two-hundred residents and exploring the streets and forests in search of clues about the locale and the origin of the enigmatic prediction. The user’s choices, as well as the seasons of the year and its climatic changes are factors which alter the way the story is revealed. The project also includes other facets: a linear documentary, a participatory virtual community, and print and digital editions of a photobook with reflections on the film, based on the experience of filming.
This Land é um documentário interativo baseado na experiência vivida pela documentarista Dianne Whelan, primeira mulher a acompanhar a expedição de uma patrulha militar no norte do Canadá. Formada por sete homens, ocidentais e inuítes, o objetivo da missão era alcançar o extremo norte do país. Viajando em trenós motorizados, eles percorreram mais de 2 mil quilômetros em um dos locais mais ermos do planeta. Dianne registrou toda a experiência em vídeo, fotos e texto, narrados para esse projeto por Karin Konoval. A navegação é orientada em função dos dias – dezesseis, no total – que o grupo levou para completar a épica aventura no Ártico. Além disso, também são disponibilizados alguns dados climáticos que evidenciam as condições extremas que enfrentaram.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: NATIONAL FILM BOARD OF CANADA (NFB) • REALIZAÇÃO/CREATOR: DIANNE WHELAN E JEREMY MENDES
thisland.nfb.ca
This Land is an interactive documentary based on the experience of the documentarian Dianne Whelan, the first woman to join the expedition of a military patrol in northern Canada. Composed of seven Western and Inuit men, the mission’s objective was to reach the country’s extreme north. Riding snowmobiles, they traveled over 2 thousand kilometers in one of the most isolated areas on the planet. Dianne documented the experience in video, photos, and text, with narration by Karin Konoval. Navigation is guided by the days - sixteen in total -which the group took to complete the epic, Arctic adventure. Beyond these, there is also climate data which demonstrates the extreme conditions faced by the team.
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • CANADÁ/CANADA
This Land
Bugarach: Cómo Sobrevivir al Apocalipsis é um documentário interativo sobre o único lugar que, de acordo com a antiga civilização maia, sobreviveria ao fim do mundo previsto para o dia 21 de dezembro de 2012: a pequena vila de Bugarach, ao norte dos Pirineus franceses. A plataforma lúdica funciona como um videogame: o usuário só consegue avançar na história e sobreviver ao apocalipse se realizar algumas tarefas – o que inclui conhecer alguns dos duzentos moradores e explorar ruas e florestas em busca de pistas sobre o local e a origem da enigmática previsão. O projeto inclui um documentário linear, uma comunidade participativa virtual e edições impressa e digital de um livro de fotografias baseado nas experiências das filmagens.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: NANOUK FILMS E LAB RTVE • REALIZAÇÃO/CREATOR: SERGI CAMERON
lab.rtve.es/webdocs/bugarach/
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • ESPANHA/SPAIN
Bugarach: Cómo Sobrevivir al Apocalipsis
Amazônia 2017
2015
The web documentary Amazônia, is a compilation of reports, videos, infographics, photographs, and podcasts about the Amazon, produced by the magazine Pesquisa Fapesp over nearly twenty years. The content was grouped in seven larger themes - geological formation, biodiversity, pre-Colombian peoples, populations, climate, biotechnologies, and perspectives -, addressing distinct areas of knowledge. The web documentary provides more than three hours of audio and video, as well as dozens of reports, interviews, and infographics.
Redes Estratégicas é um projeto composto por cinco vídeos interativos que apresentam parte das pesquisas-ações coordenadas pelo Departamento de Ações Programáticas Estratégicas (Dapes) do Ministério da Saúde, de 2011 a 2015. O trabalho se organiza em torno de redes temáticas, que incluem saúde da mulher, da criança, da pessoa com deficiência e da pessoa privada de liberdade. A divulgação dessas experiências tem o objetivo de ampliar a comunicação e informação sobre os temas e evidenciar a importância do Sistema Único de Saúde (SUS) na garantia de direitos básicos. O projeto conta com recursos de acessibilidade (Audiodescrição e Libras).
Redes Estratégicas is a project composed of five interactive videos which present part of the research-actions coordinated by the Department of Strategic and Programmatic Actions (DAPES) of the Ministry of Health between 2011 and 2015. The work is organized around thematic networks, which include women’s health, children’s health, and the health of handicapped people and those deprived of their freedom. The dissemination of these experiences has the objective of amplifying communication and information on these topics and demonstrating the importance of the Single Health System (SUS) in guaranteeing basic rights. The project includes accessibility features (Audio-description and Brazilian Sign Language).
PRODUÇÃO/PRODUCTION: JARDIM DIGITAL • REALIZAÇÃO/CREATOR: GIULIANO DJAHJAH, GUSTAVO JUNQUEIRA E JULIO BRAGA
redesestrategicassus.org
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL
Redes Estratégicas
O webdocumentário Amazônia é uma compilação de reportagens, vídeos, infográficos, fotografias e podcasts sobre a Amazônia produzidos pela revista Pesquisa Fapesp ao longo de quase vinte anos. Os conteúdos foram agrupados em sete grandes temas – formação geológica, biodiversidade, povos pré-colombianos, populações, clima, biotecnologias e perspectivas –, abrangendo distintas áreas do conhecimento. Estão disponíveis no webdoc mais de três horas de áudios e vídeos, além de dezenas de reportagens, entrevistas, animações e infográficos.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: PERIPÉCIA FILMES • REALIZAÇÃO/CREATOR: TIAGO MARCONI E CAIO POLESI
revistapesquisa.fapesp.br/webdoc/amazonia
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL
NARRATIVAS INTERATIVAS | INTERACTIVE NARRATIVES · 106-119
115
Rio Frescobol
2018
2018 BRASIL/BRAZIL
Rio Frescobol is an interactive documentary which shows some of the history of this genuine Rio de Janeiro sport. Athletes and amateurs gathered at Copacabana beach and Flamengo Park present the philosophy and culture of frescobol, as well as the basic strokes of the sport and some trivia about it.
EntreVilas é o primeiro documentário interativo que mergulha nas vilas operárias e no contexto da urbanização paulistana. A proposta é discutir as relações entre trabalho e moradia, registrar o contexto em que as vilas foram construídas e sua relevância na constituição das famílias e na expansão da cidade de São Paulo. Com vídeos, fotos e textos, o projeto costura um traçado imaginário entre temáticas e personagens das vilas Maria Zélia (Cia. Nacional de Tecidos de Juta, 1916), Cerealina (Indústrias Reunidas Fábrica Matarazzo, 1924), Triângulo (Cia. Brasileira de Cimento Portland, 1926) e Economizadora (Moinho Santista, 1935).
EntreVilas is the first interactive documentary to dive into the model villages and the context of São Paulo urbanization. The proposal is to discuss the relationships between work and housing, documenting the context in which the villages were constructed and their relevance in the constitution of families and in the expansion of the city of Sao Paulo. With videos, photos, and texts, the project stiches together an imaginary outline between the themes and characters from the villages of Maria Zélia (Cia. Nacional de Tecidos de Juta, 1916), Cerealina (Indústrias Reunidas Fábrica Matarazzo, 1924), Triângulo (Cia. Brasileira de Cimento Portland, 1926) and Economizadora (Santista Mill, 1935).
PRODUÇÃO/PRODUCTION: ESTÚDIO CRUA • REALIZAÇÃO/CREATOR: ESTÚDIO CRUA
entrevilasdoc.com.br
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY •
EntreVilas
Rio Frescobol é um documentário interativo que mostra um pouco da história deste esporte genuinamente carioca. Atletas e amadores reunidos na praia de Copacabana e no Aterro do Flamengo apresentam a filosofia e a cultura do frescobol, além dos golpes e curiosidades sobre o esporte.
PRODUÇÃO: CENTRAL DE PRODUÇÃO MULTIMÍDIA DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO DA UFRJ • REALIZAÇÃO: MESTRADO PROFISSIONAL EM CRIAÇÃO E PRODUÇÃO DE CONTEÚDOS DIGITAIS DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO DA UFRJ. A PARTIR DA IDEIA ORIGINAL DE ANTONIO J. CARVALHO, ALUNOS, PROFESSORES E TÉCNICOS TRABALHARAM COLABORATIVAMENTE NA REALIZAÇÃO DA OBRA / PRODUCTION: UFRJ SCHOOL OF COMMUNICATION MESTRADO PROFISSIONAL EM CRIAÇÃO E PRODUÇÃO DE CONTEÚDOS DIGITAIS. ORIGINAL IDEA BY ANTONIO J. CARVALHO. STUDENTS, PROFESSORS, AND TECHNICIANS WORKED IN COLLABORATION TO PRODUCE THE WORK.
riofrescobol.art.br
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL
2015
2017
Farmers Iracema and Dirceu Conofre de Campos and their fourteen children are part of a statistic which is not always associated with the state of Santa Catarina: that of people in extreme poverty. Over two years and seven months, a reporter accompanied this family, documenting their pain and their victories in audio, photo, and video. This material forms the foundation of As Quatro Estrações de Iracema e Dirceu, an interactive platform which invites the user to travel along this economic and social journey with a basis in the cycles of nature. The work won the 37th Vladimir Herzog Prize for Amnesty and Human Rights in the Multimedia category.
Híbridos is an ethnographic study into the multiplicity of the world of sacred, Brazilian ceremonies, and also into cinematographic language and its poetic potential. The interactive website hosts around 150 films, interviews, texts, and links to other authors’ works, the result of documenting more than seventy different ceremonies around the country over three years of wandering. From Afro-Brazilian ceremonies in Bahia to the new version of Umbanda in Minas Gerais; from ancestral indigenous ceremonies in Acre to the growing evangelical services in Rio de Janeiro, the project is the largest poetic collection of Brazilian spiritual culture, and is also unveiled as a feature film, live cinema performances, and site specific installations.
FEEVER FILMES E PETITES PLANÈTES • REALIZAÇÃO/CREATOR: PRISCILLA TELMON E VINCENT
Híbridos é uma pesquisa etnográfica sobre a multiplicidade do mundo das cerimônias sagradas brasileiras e também sobre a linguagem cinematográfica e seu potencial poético. O website interativo abriga cerca de 150 filmes, entrevistas, textos e links para trabalhos de outros autores, resultado do registro de mais de sessenta cerimônias diferentes pelo país afora durante três anos de andanças. Dos cultos afro-brasileiros da Bahia às novas formas da umbanda em Minas Gerais; dos rituais indígenas ancestrais no Acre aos crescentes cultos evangélicos no Rio de Janeiro, o projeto é a maior coleção poética sobre a cultura espiritual brasileira e se desdobra também em um filme longa-metragem, performances de cinema ao vivo e instalações site specific.
MOON
PRODUÇÃO/PRODUCTION:
hibridos.cc
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL E FRANÇA/BRAZIL AND FRANCE
Híbridos: Os Espíritos do Brasil
Os agricultores Iracema e Dirceu Canofre de Campos e seus catorze filhos fazem parte de uma estatística nem sempre associada ao estado de Santa Catarina: a das pessoas em situação de miséria. Ao longo de dois anos e sete meses, uma repórter acompanhou essa família, registrando em áudio, foto e vídeo suas dores e vitórias. Esse material é a base de As Quatro Estações de Iracema e Dirceu, uma plataforma interativa que convida o usuário a percorrer essa travessia econômica e social com base nos ciclos da natureza. O trabalho venceu o 37o Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos na categoria Multimídia.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: DIÁRIO CATARINENSE • REALIZAÇÃO/CREATOR: ÂNGELA BASTOS
clicrbs.com.br/sites/swf/DC_quatro_estacoes_iracema_dirceu
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL
As Quatro Estações de Iracema e Dirceu
NARRATIVAS INTERATIVAS | INTERACTIVE NARRATIVES · 106-119
117
Mapas Afetivos
2014
2016
Cities are not made of concrete, but stories, and their people are their greatest wealth, their color. The project, Mapas Afetivos, unites and geo-locates dozens of video accounts of both famous and everyday people, about notable memories imprinted in the neighborhoods, streets, parks and homes which, sometimes, no longer exist. Through these accounts, it is possible to become familiar with a once invisible city, now more human, composed of affects and intimacy. The project also includes cultural workshops on affective recognition of territories in various cities around the country.
Meu Rio Vale um Webdoc é um documentário interativo que apresenta um mosaico de “postais audiovisuais” do Rio de Janeiro, criados por alunos do curso homônimo realizado nas Naves do Conhecimento em 2016. Os vídeos apresentam as principais paisagens e personagens de Irajá, Madureira, Vila Aliança, Padre Miguel, Triagem, Nova Brasília, Penha e Santa Cruz, locais onde o curso foi realizado. A produção coletiva reúne imagens de drone, vídeos em 360o, time-lapses, clipes musicais e registros de percursos e leituras poéticas, rodas de rap e de capoeira, além de entrevistas com artistas, religiosos e peladeiros locais. O usuário ainda pode enviar um postal audiovisual por e-mail, escolhendo três vídeos de cada bairro.
Meu Rio Vale um Webdoc is an interactive and collaborative documentary which presents a mosaic of “audiovisual postcards” of Rio de Janeiro, created by groups of students from the course held in Naves do Conhecimento in 2016. The collective production gathered drone images, 360o videos, time lapses, interviews, musical clips, from each of the eight neighborhoods which host the Naves do Conhecimento (Irajá, Madureira, Vila Aliança, Padre Miguel, Triagem, Nova Brasília, Penha, and Santa Cruz). The user can also send an audiovisual postcard by email, and choose three videos from each neighborhood to create it.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: NAVES DO CONHECIMENTO E CRIA PROJETOS E NARRATIVAS • REALIZAÇÃO/CREATOR: ALUNOS DAS NAVES DO CONHECIMENTO, FELIPE VARANDA E MAYRA JUCÁ
meuriovaleumwebdoc.com.br
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • EUA/USA
Meu Rio Vale um Webdoc
As cidades não são feitas de concreto, mas de histórias, e têm nas pessoas sua maior riqueza, seu colorido. O projeto Mapas Afetivos reúne e geolocaliza dezenas de relatos em vídeo, de gente famosa e de desconhecidos, sobre memórias marcantes impressas em bairros, ruas, parques e casas que, por vezes, nem existem mais. Por meio dessas falas, é possível conhecer uma cidade antes invisível, mais humana, composta por afeto e intimidade. O projeto inclui também oficinas culturais de reconhecimento afetivo de territórios em diversas cidades do país.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: LIQUID MEDIA LAB • REALIZAÇÃO/CREATOR: FELIPE LAVIGNATTI E ANDRÉ DEAK
mapasafetivos.com.br
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL
2016
2013
The Oficinas Kinoforum de Realização Audiovisual [Kinoforum Audiovisual Production Workshops] interactive catalog gathers a vast array of content produced by the project, which was created in 2001 by the Associação Cultural Kinoforum to awaken an interest in film production amongst underprivileged youth. During its workshops, participants have the opportunity to elaborate, produce, and film their own work.
Se Eu Demorar uns Meses é um webdocumentário composto por dez vídeos curtos baseados nos relatos de presos políticos opositores à ditadura militar brasileira. Foram interpretados por Juan Martyn e Neusa Velasco e gravados no interior do Memorial da Resistência, antigo prédio do DOPS – considerada uma das polícias políticas mais truculentas do país –, mais especificamente nas áreas que reproduzem as celas tal como eram no período entre 1971 e 1982. O projeto também reúne fotografias coletadas no Arquivo Público do Estado de São Paulo. Um resgate da memória que coloca o documentário e a linguagem web como ferramentas a serviço da reflexão e da verdade, abordando questões políticas, sociais, culturais e, sobretudo, históricas.
If I Am a Few Months Late is a web documentary consisting of ten short videos based on the accounts of political prisoners who opposed the Brazilian military dictatorship. They were interpreted by Juan Martyn and Neusa Velasco and recorded inside the Memorial da Resistência, the old headquarters of DOPS - considered to be one of the most violent political police forces in the country -, more specifically in the areas which reproduce the cells as they were between 1971 and 1982. The project also gathers photographs collected from the São Paulo State Public Archives. A recovery of memory which uses the web documentary and language as tools in service of reflection and truth, addressing political, social, cultural, and, above all, historical issues.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: DOCTELA • REALIZAÇÃO/CREATOR: GIOVANNI FRANCISCHELLI E LÍVIA PEREZ
doctela.com.br/se-eu-demorar-uns-meses/
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL
Se Eu Demorar uns Meses
O catálogo interativo das Oficinas Kinoforum de Realização Audiovisual reúne o vasto conteúdo produzido pelo projeto, criado em 2001 pela Associação Cultural Kinoforum para despertar o interesse de jovens carentes pela criação cinematográfica. Durante as oficinas, os participantes têm a oportunidade de elaborar, produzir e filmar seus próprios trabalhos.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: ASSOCIAÇÃO CULTURAL KINOFORUM E CROP COLETIVO • REALIZAÇÃO/CREATOR: ASSOCIAÇÃO CULTURAL KINOFORUM E CROP COLETIVO
kinoforum.org.br/oficinas/
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL
Oficinas Kinoforum de Realização Audiovisual
NARRATIVAS INTERATIVAS | INTERACTIVE NARRATIVES · 106-119
119
Pedalei Até Aqui?
2015
2014
The interactive documentary, Pedalei Até Aqui?, features stories and accounts of those who travel by bike and fight for the mode of transportation in the city of Sao Paulo. The project gathers videos, photos, audio, and texts collected during the opening of the last stretch of the Ave. Paulista bike path, on August 23rd, 2015, considered a milestone moment in the history of Sao Paulo bike activism. The production and execution of the whole platform was carried out in five days by nine participants in the Webkino workshops, during the 26th Sao Paulo International Short Film Festival.
Copa para Quem é um documentário interativo sobre temas obscuros que envolvem a Copa do Mundo FIFA de 2014, realizada no Brasil. Quais os reais impactos deste megaevento na vida da população? Assuntos como turismo sexual, população de rua, desapropriações e movimentos sociais são tratados por meio da perspectiva de personagens que moram em Fortaleza (Ceará), uma das doze cidades-sede do evento e detentora de altos índices de desigualdade e violência.
Copa para Quem is an interactive documentary about the darker themes revolving around the 2014 FIFA World Cup held in Brazil. In what ways did this mega event impact the lives of the people? Subjects such as sex tourism, the homeless population, forced displacement, and social movements are addressed from the perspective of people who live in Fortaleza (Ceará), one of the event’s twelve host cities, and a place with high levels of inequality and violence.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: SWITCH ASBL • REALIZAÇÃO/CREATOR: MARYSE WILLIQUET
copaparaquem.com
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BÉLGICA/BELGIUM
Copa para Quem
O documentário interativo Pedalei Até Aqui? traz histórias e relatos de quem anda de bike e de quem luta por essa modalidade de transporte na cidade de São Paulo. O projeto reúne vídeos, fotos, áudios e textos colhidos durante a abertura do último trecho da ciclovia da Avenida Paulista, no dia 23 de agosto de 2015, considerada um marco para a história do cicloativismo paulistano. A produção e execução de toda a plataforma foram realizadas em cinco dias pelos nove participantes da Oficina de Webkino, durante o 26o Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: BUG 404 E CROP COLETIVO • REALIZAÇÃO/CREATOR: ANDRÉ PAZ E JULIA SALLES
bug404.net/pedalei/
DOCUMENTÁRIO INTERATIVO/INTERACTIVE DOCUMENTARY • BRASIL/BRAZIL
The Enemy
2017
The Enemy é um aplicativo para dispositivo móvel que mescla realidade aumentada e mista para colocar o participante frente a frente com combatentes de três das zonas de conflito atuais mais dramáticas e violentas do mundo: El Salvador, República Democrática do Congo e a fronteira de Israel e Palestina. Antes da experiência principal, é exibido um vídeo em 360o do local selecionado para contextualizar as histórias que estão prestes a serem vivenciadas. Surgem então os combatentes contando suas narrativas, e o participante, com o celular em mãos, pode caminhar até um deles e examiná-lo mais de perto.
The Enemy is a mobile device application which blends augmented and mixed reality to place the participant face to face with combatants from three of the most dramatic and violent conflict zones in the world: El Salvador, the Democratic Republic of the Congo, and the Israeli Palestinian border. Before the main experience, a 360o video of the selected locale is shown to contextualize the stories which are ready to be experienced. Then the combatants arise, telling their narratives, and the participant, cell phone in hand, can walk to one of them and explore them up close.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: NATIONAL FILM BOARD OF CANADA (NFB), CAMERA LUCIDA, EMISSIVE, FRANCETV NOUVELLES ÉCRITURES AND DPT. • REALIZAÇÃO/CREATOR: KARIM BEN KHELIFA
theenemyishere.org
NARRATIVA MOBILE/MOBILE NARRATIVE • CANADÁ E FRANÇA/CANADA AND FRANCE
MOBILE NARRATIVES
NARRATIVAS MOBILE
NARRATIVAS MOBILE | MOBILE NARRATIVES · 120-123
121
2012
2016
Alma: A Tale of Violence is a documentary for mobile devices about a 26-year-old who was born in Guatemala and grew up in a reality in which laws and justice are constantly disrespected, where impunity reins and families mired in poverty destroy each other amidst the wars of urban gangs known as “maras”; For five years, Alma belonged to one of the most violent gangs in the country and lived immersed in murders, assaults, and brutality. She tells her powerful life story like a confession, face to face with the user, who can also choose whether or not to see some scenes which subjectively illustrate the story she tells.
Phallaina é considerada a primeira graphic novel de rolagem, especialmente projetada para as telas táteis de dispositivos móveis. Conta a história fictícia de Audrey, que mora em uma cidade construída sobre palafitas por conta da ascensão contínua das águas e ondas catastróficas. Ela sofre desde criança com alucinações de baleias e é diagnosticada com uma forma particular de epilepsia chamada “fiseter”, que permite que ela prenda a respiração embaixo d’água por muito mais tempo que o normal. Em busca de cura, ela inicia uma jornada de transformação pessoal, combinando ciências cognitivas e mitologia.
Phallaina is considered first scrolling graphic novel, specifically designed for the touch screens of mobile devices. It tells the fictitious story of Audrey who lives in a city built on stilts because of the continually rising waters and tidal waves. Since she was a child, she has suffered from hallucinations of whales and is diagnosed with a peculiar form of epilepsy called “physeter”, which allows her to hold her breath under water for far longer than normal. In search of a cure, she embarks on a journey of personal transformation, combining cognitive science with mythology.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: SMALL BANG STUDIO AND FRANCETV NOUVELLES ÉCRITURES • REALIZAÇÃO/CREATOR: MARIETTA REN
phallaina.nouvelles-ecritures.francetv.fr/phallaina_en.php
NARRATIVA MOBILE/MOBILE NARRATIVE • FRANÇA/FRANCE
Phallaina
Alma: Une Enfant de la Violence é um documentário para dispositivo móvel sobre a jovem homônima de 26 anos que nasceu na Guatemala e cresceu em uma realidade na qual leis e justiça são continuamente desrespeitadas, onde impera a impunidade e famílias atoladas na pobreza se destroem em meio a guerras de gangues urbanas, conhecidas como “maras”. Alma integrou por cinco anos um dos grupos mais violentos do país e viveu imersa em assassinatos, agressões e brutalidade. Ela narra sua forte história de vida como uma confissão, frente a frente com o usuário, que também pode escolher acionar ou não algumas cenas que ilustram, por vezes de maneira subjetiva, o que é contado pela personagem.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: ARTE, UPIAN, AND AGENCE VU • REALIZAÇÃO/CREATOR: ISABELLE FOUGÉRE AND MIQUEL DEWEVER PLANA
alma.arte.tv/en/webdoc/
NARRATIVA MOBILE/MOBILE NARRATIVE • FRANÇA/FRANCE
Alma: Une Enfant de la Violence
Inventeca 2018
2017
Inventeca presents various stories illustrated by authors of children’s and young adult literature, and allows the user to record their own narration. The application is ideal for fathers and mothers to tell their children stories, pushing them to create their own narratives, either together, or by recording audios for their children to listen to when their parents are away.
Nautilus é uma adaptação do livro Vinte mil léguas submarinas, de Júlio Verne. O app book é composto por 22 capítulos e traz o épico em linguagem audiovisual e interativa, totalmente narrado, com animações e efeitos de som. Conta com conteúdo extra sobre a vida do autor e suas motivações para criar narrativas de ficção, incluindo detalhes do livro que inspiraram cientistas e acabaram se tornando grandes invenções humanas na vida real. A proposta é levar os leitores a experimentar o pensamento inovador, unindo ciência e fantasia. Nautilus recebeu o Prêmio Jabuti de Literatura em 2017.
Nautilus is an adaptation of Jules Verne’s Twenty Thousand Leagues Under the Sea. The app book is composed of 22 chapters and features the epic in audiovisual, interactive language, fully narrated, with animations and sound effects. It includes extra content about the author’s life and his motivations for writing fiction, including details of the book which inspired scientists and whose ideas ended up becoming great human inventions in real life. The proposal is to lead the readers to experiment with innovative thought, uniting science and fantasy. Nautilus received the Prêmio Jabuti literature prize in 2017.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: STORYMAX • REALIZAÇÃO/CREATOR: SAMIRA ALMEIDA, FERNANDO TANGI AND MAURÍCIO BOFF
storymax.me/nautilus
NARRATIVA MOBILE/MOBILE NARRATIVE • CANADÁ E FRANÇA/CANADA AND FRANCE
Nautilus
Inventeca apresenta diversas histórias ilustradas por autores de literatura infantojuvenil, e permite que os usuários gravem em áudio sua própria contação. O aplicativo é ideal para pais e mães contarem histórias aos filhos, instigando-os a criarem suas próprias narrativas, criando juntos, ou deixando áudios gravados para as crianças ouvirem quando os pais estiverem ausentes.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: STORYMAX • REALIZAÇÃO/CREATOR: SAMIRA ALMEIDA, FERNANDO TANGI AND LAURO GOE
storymax.me/inventeca
NARRATIVA MOBILE/MOBILE NARRATIVE • BRASIL/BRAZIL
VÍDEO IMERSIVO | IMMERSIVE VIDEO · 123-129
Frritt-Flacc
2016
Frritt-Flacc é um app book de sete capítulos que traz o homônimo conto de suspense e terror de Júlio Verne, propondo uma reflexão sobre diferenças sociais e a pobreza ao apresentar o mesquinho Dr. Trifulgas – um médico que só presta atendimento a ricos – e mostrar o que o destino lhe reserva. A leitura engajadora, cheia de interatividade, efeitos de som e conteúdo extra, fez com que Frritt-Flacc fosse o único livro digital premiado entre os dez melhores livros de 2016, de acordo com a Cátedra Unesco de Leitura, além do Opening Up Reading Digital Fiction UK.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: STORYMAX, NOVOZYMES E SESI PARANÁ • REALIZAÇÃO/CREATOR: SAMIRA ALMEIDA E FERNANDO TANGI
storymax.me/frrittflacc
NARRATIVA MOBILE/MOBILE NARRATIVE • FRANÇA/FRANCE
Fritt-Flacc is a seven-chapter app book which features Jules Verne’s tale of horror and suspense, proposing a reflection on social differences and poverty by presenting the stingy Dr. Trifulgas - a doctor who only tends to the rich - and shows what destiny has in store for him. An engaged reading, full of interactivity, sound effects, and extra content, made Frritt-Flacc the only award- winning digital book among the ten best books of 2016, according to the Cátedra UNESCO de Leitura, as well as Opening Up Reading Digital Fiction UK.
IMMERSIVE VÍDEO
VÍDEO IMERSIVO
Fogo na Floresta
2017
Fogo na Floresta é um documentário sobre o povo Waurá, uma das quinze etnias indígenas que vivem dentro do território do Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso. O filme retrata em narrativa imersiva o cotidiano da aldeia Piyulaga e as maneiras encontradas pelos indígenas para manter sua cultura tradicional, mesmo incorporando hábitos e tecnologias dos “brancos”. Também serve como um alerta para o perigo dos incêndios que, devido ao desmatamento ao redor do parque e ao agravamento das mudanças climáticas, saem muitas vezes do controle e ameaçam a vida na reserva. Este é o primeiro filme imersivo produzido em uma aldeia indígena na Floresta Amazônica e é narrado pela atriz Fernanda Torres.
Fogo na Floresta is a documentary about the Waurá, one of fifteen indigenous ethnicities living in the Xingu Indigenous Park in Mato Grosso. The film portrays, in immersive narration, the everyday life of the Piyulga village and the ways the indigenous people have found to maintain their traditional culture, even while incorporating habits and technologies from the “whites”; It also serves as a warning about the danger of fires, which, due to the deforestation around the park and the worsening of climate change, often burn out of control and threaten life within the reserve. This is the first immersive film produced in an indigenous village in the Amazon Forest, and is narrated by the actress Fernanda Torres.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: ACADEMIA DE FILMES AND INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA) • REALIZAÇÃO/CREATOR: TADEU JUNGLE
youtu.be/Jv8nkw8hy-c
VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • BRASIL/BRAZIL
2016
This short, immersive narrative documentary portrays the survivors of Brazil’s worst environmental tragedy with sensibility and melancholy. River of Mud shows what is left of the village Bento Rodrigues after the failure of the Samarco dam in Mariana (MG), and contrasts the devastated landscape with the emotional memories of its residents.
REALIZAÇÃO/CREATOR: TADEU JUNGLE
O curta-metragem documental em narrativa imersiva retrata os sobreviventes da maior tragédia ambiental do Brasil com delicadeza e melancolia. Rio de Lama mostra o que restou da vila de Bento Rodrigues após o rompimento da barragem da Samarco em Mariana (MG) e contrapõe a paisagem arrasada com as memórias afetivas de seus moradores..
PRODUÇÃO/PRODUCTION: JUNGLEBEE •
riodelama.com.br/
VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • BRASIL/BRAZIL
Rio de Lama: A Maior Tragédia Ambiental do Brasil
BUG404.NET · MOSTRA BUG · 125
Amazônia Adentro 2017
2018
Amazônia Adentro is an immersive, 360 o documentary filmed in the middle of the forest. It is narrated by Kamanha Panashekung, of the Trio tribe in Suriname. Along the journey, he tells a bit about the relationship the indigenous have with the biome, and it is possible to see animals and even an archaeological site, all in an interactive, immersive format. The film, recorded in 360 o and dubbed by actor Marcos Palmeira, has the objective of guaranteeing that the participant hears, sees, and feels why the greatest tropical forest in the world is fundamental to human wellbeing, and why the indigenous are so important for its conservation.
My Africa é um filme de narrativa imersiva produzido em meio ao Santuário de Elefantes Reteti, no Quênia, primeiro caso de uma instituição criada e gerenciada por uma comunidade local. A história é narrada pela jovem Naltwasha Leripe, que conduz o participante em uma experiência imersiva no dia a dia do povo Samburu, retratando as maneiras que encontram para garantir o próprio sustento e a sobrevivência dos animais que se encontram no território – há o registro, por exemplo, do resgate de um elefante das mãos de caçadores. O principal objetivo do projeto é despertar a consciência sobre a importância da conservação da vida selvagem no continente africano e as possibilidades de garantir a coexistência de humanos e animais.
My Africa is an immersive narrative film produced in the middle of the Reteti Elephant Sanctuary in Kenya, the first such institution which was created and managed by a local community. The story is narrated by the young Naltwasha Leripe, who guides the participant along in an immersive, day-today experience of the Samburu people, portraying the ways they have found to guarantee their own livelihood and the survival of the animals found in the territory - for example, it it shows the moment an elephant is rescued from the hands of hunters. The main objective of the project is to raise awareness of the importance of wildlife conservation on the African continent and the possibilities of guaranteeing the coexistence of humans and animals.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: PASSION PLANET AND VISION3 • REALIZAÇÃO/CREATOR: CONSERVATION INTERNATIONAL
conservacao.org.br/myafrica
VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • BRASIL E KENYA/BRAZIL AND KENYA
My Africa
Amazônia Adentro é um documentário imersivo rodado em 360º no meio da floresta. A narrativa é conduzida pelo indígena Kamanja Panashekung, da tribo Trio, do Suriname. Durante o percurso, ele conta um pouco da relação dos índios com o bioma e é possível avistar animais e até mesmo um sítio arqueológico, tudo de forma interativa e imersiva. O filme, gravado em 360o e dublado pelo ator Marcos Palmeira, tem como objetivo garantir que o participante ouça, veja e sinta por que a maior floresta tropical do mundo é fundamental para o bem-estar humano e por que os indígenas são tão importantes para a sua conservação.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: JAUNT VR • REALIZAÇÃO/CREATOR: CONSERVATION INTERNATIONAL
conservation.org/global/brasil/Pages/Amazonia-Adentro.aspx
VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • BRASIL, EQUADOR E SURINAME/BRAZIL, ECUADOR AND SURINAME
Step to the Line
2017
Revelação
2018
Revelação é uma narrativa imersiva inspirada na obra As Cores do Crepúsculo: A Estética do Envelhecer, de Rubem Alves. Proporciona uma experiência imersiva a bordo de um ônibus, colocando o participante na perspectiva do personagem principal, um idoso, que narra suas impressões sobre as cenas que se sucedem durante o trajeto. Realização:
PRODUÇÃO/PRODUCTION: PYNTADO ENTRETENIMENTO AND GOVISION • REALIZAÇÃO/CREATOR: GUSTAVO MARTINEZ AND THIAGO TOSHIO
facebook.com/PyntadoEntretenimento/
VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • BRASIL/BRAZIL
Revelação is an immersive narrative inspired by Rubem Alves’ As Cores do Crepúsculo: A Estética do Envelhecer. It provides an immersive experience on board a bus, placing the participant in the shoes of the main character, a senior, who narrates his impressions about the scenes which take place along the journey.
Step to the Line is an immersive experience in maximum security prisons in California, USA. The virtual reality documentary aims to show new perspectives of prisons and the prison system. It is part of the VR for Good program, which connected ten rising filmmakers with nonprofit organizations to create provocative projects about social issues.
REALIZAÇÃO/CREATOR: RICARDO LAGANARO
Step to the Line é uma experiência imersiva em prisões de segurança máxima na Califórnia, EUA. O documentário em realidade virtual tem como objetivo trazer novas perspectivas sobre os prisioneiros e o sistema prisional. É parte do programa VR for Good, que conectou dez cineastas em ascensão com organizações sem fins lucrativos para criar projetos provocadores sobre questões sociais.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: OCULUS AND DEFY VENTURES •
oculus.com/vr-for-good/programs/step-to-the-line
VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • BRASIL/BRAZIL
BUG404.NET · MOSTRA BUG · 127
2017
2016
Through the Masks of LUZIA, based on one of Cirque du Soleil’s acclaimed shows, is a celebration of Mexican culture, enmeshed in surrealism and dreamlike fantasy. Considered the first virtual reality experience made through hyper- and hypostereoscopic processes, it allows the participant to feel like a giant, only to then feel tiny in the midst of unbelievable acrobatic scenes. To further augment the immersion, the company’s creative teams redesigned the artistic performance to create something completely new.
Mergulhe no mundo hipnótico de Dreams of “O”, em uma experiência em narrativa imersiva composta por acrobacias aéreas, mergulhos ousados, fogo e os personagens anfíbios surreais do famoso espetáculo do Cirque du Soleil. Para captar as complexas coreografias de água que constituem parte da essência da apresentação, a equipe contou com uma câmera VR para mergulho, de alta velocidade, construída especialmente para o projeto e considerada a primeira do gênero no mundo.
Dive into the hypnotic world of Dreams of “O”, in an immersive narrative experience comprised of aerial acrobatics, daring dives, fire, and the surreal amphibious characters of Cirque du Soleil’s famous spectacle. To capture the complex water choreography which constitutes part of the presentation’s essence, the team used an underwater, high-speed VR camera, constructed specifically for the project and considered to be the first of its kind in the world.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: CIRQUE DO SOLEIL AND FELIX & PAUL STUDIOS REALIZAÇÃO/CREATORS: FÉLIX LAJEUNESSE, PAUL RAPHAËL AND FRANÇOIS BLOUIN.
https://www.felixandpaul.com/?projects/o
VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • CANADÁ/CANADA
Dreams of “O”
Through the Masks of LUZIA, baseado em um dos aclamados espetáculos do Cirque du Soleil, é uma celebração da cultura mexicana, envolta em surrealismo e fantasia onírica. Considerada a primeira experiência em realidade virtual feita por meio de processos de hiperestereoscopia e hipoestereoscopia, permite que o participante ora se sinta como um gigante ora como uma miniatura em meio a cenas de acrobacias inacreditáveis. Para aumentar ainda mais a imersão, as equipes de criação da companhia redesenharam as performances artísticas, criando algo completamente novo.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: CIRQUE DU SOLEIL AND FELIX & PAUL STUDIOS • REALIZAÇÃO/CREATOR: FÉLIX LAJEUNESSE, PAUL RAPHAËLN E FRANÇOIS BLOUIN
oculus.com/experiences/gear-vr/1360461600675039/
VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • CANADÁ/CANADA
Through the Masks of LUZIA
Syria’s Silence
2016
2017
This immersive narrative documentary tells the story of Al-Shaddada, a city a few kilometers from the front line of the Islamic State terrorist group. The area was recently liberated, but the majority of its residents had already abandoned their homes long before. Syria’s Silence portrays a Kurdish ghost city, where rubble is strewn across the streets and a dark tension hangs in the air.
Em 2014, combatentes do Estado Islâmico invadiram o Iraque e atacaram a comunidade Yazidi de Sinjar. Os homens foram mortos e mais de 3 mil mulheres e meninas foram escravizadas sexualmente. Algumas conseguiram escapar e formaram um grupo de combate feminino intitulado Senhoras do Sol, com o objetivo de resgatar suas irmãs e proteger a honra e a dignidade de seu povo. A experiência em narrativa imersiva em The Sun Ladies acompanha a jornada pessoal da líder do grupo, Xate Shingali. Revela desde as suas raízes como famosa cantora no Curdistão até a nova vida como soldada nas linhas de frente, arriscando tudo para acabar com a violência contra seu povo.
In 2014, Islamic State combatants invaded Iraq and attacked the Yazidi community of Sinjar. The men were killed and more than 3 thousand women and girls were made into sex slaves. Some managed to escape and form a female combat group called The Sun Ladies, with the objective of rescuing their sisters and protecting the honor and dignity of their people. The immersive narrative experience in The Sun Ladies accompanies the personal journey of the group’s leader, Xate Shingali. It portrays her story from her roots as a famous singer in Kurdistan to her new life as a frontline soldier, risking everything to end the violence against her people.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: LUCID DREAMS PRODUCTIONS • REALIZAÇÃO/CREATOR: CELINE TRICART, CHRISTIAN STEPHEN E MARIA BELLO
luciddreamsprod.com/
VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • EUA/USA
The Sun Ladies
Este documentário em narrativa imersiva conta a história de Al-Shaddadi, uma cidade a poucos quilômetros da linha de frente do grupo terrorista Estado Islâmico. O lugar acaba de ser libertado, mas a maioria dos habitantes já havia abandonado suas casas bem antes. Syria’s Silence retrata uma cidade fantasma curda, onde destroços se espalham pelas ruas e uma tensão sombria está suspensa no ar.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: FISHEYE • REALIZAÇÃO/CREATOR: JENS FRANSSEN
fisheyevr.eu/portfolio/syrias-silence
VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • BÉLGICA/BELGIUM
I, Philip 2016
2017
I, Philip is a science fiction film in immersive narrative. Philip - or just Phil - is an android created in 2005 by an American robotics engineer, and is a copy of the famous science fiction author Philip K. Dick. Within a few weeks, Phil becomes famous on the web and in the author’s fan groups, and he is presented in various conferences around the world until the disappearance of his creator during a flight from Dallas to Las Vegas. Through the memory of the robot and the engineer himself, the film offers an interpretation of Phil’s life.
The Party é uma experiência em narrativa imersiva sobre autismo, que coloca o participante no lugar da adolescente Layla, recém-diagnosticada, durante a festa de aniversário surpresa de sua mãe. Por meio da narração dos pensamentos de Layla, é possível experienciar a sobrecarga sensorial e auditiva a que fica exposta e suas tentativas de lidar com uma situação estressante usando os mecanismos de enfrentamento que criou para administrar sua ansiedade. O drama fornece uma poderosa perspectiva em primeira pessoa sobre os desafios que situações sociais podem representar para autistas. O projeto envolveu a consultoria e participação direta de mulheres de espectro autista, como Sumita Majumdar, que escreveu o roteiro, e Honey Jones, que faz a voz de Layla.
The Party is an immersive narrative about autism, which puts the participant in the place of the recently-diagnosed teenager, Layla, during her mother’s surprise birthday party. Through the narration of Layla’s thoughts, it is possible to experience the sensory overload which she is exposed to, and her attempts to deal with a stressful situation using the coping mechanisms she has created to deal with her anxiety. The drama provides a powerful, first-person perspective of the challenges which social situations can represent to autistic people. The project involved the consultation and direct participation of women on the autism spectrum, such as Sumita Majumdar, who wrote the script, and Honey Jones, who provides Layla’s voice.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: THE GUARDIAN • REALIZAÇÃO/CREATOR: AMRICK BREGMAN, LUCY HAWKING, AND SHEHANI FERNANDO
https://www.theguardian.com/technology/2017/oct/07/theparty-a-virtual-experience-of-autism-360-video
VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • INGLATERRA/ENGLAND
The Party
I, Philip é um filme de ficção científica em narrativa imersiva. Philip – ou apenas Phil – é um androide criado em 2005 por um engenheiro de robótica americano, e é a cópia do famoso autor de ficção científica Philip K. Dick. Em poucas semanas, Phil fica famoso na web e nos círculos de fãs do autor e é apresentado em várias conferências ao redor do mundo. Até o desaparecimento de seu criador, durante um voo entre Dallas e Las Vegas. Por meio das memórias do robô e do próprio engenheiro, o filme oferece uma interpretação da vida de Phil.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: ARTE AND OKIO STUDIO • REALIZAÇÃO/CREATOR: PIERRE ZANDROWICZ
www.mk2films.com/en/film/i-philip
VÍDEO IMERSIVO/IMMERSIVE VIDEO • FRANÇA/FRANCE
The Little Prince
2018
In The Little Prince, the participant dives into Antoine de Saint-Exupéry’s classic work, interacting with his characters like never before. Since its first edition in 1943, the book has sold 140 million copies, making it the fourth best selling book of all time. This is the work’s first virtual reality adaptation.
REALIZAÇÃO/CREATOR: RED ACCENT STUDIOS
Em The Little Prince, o participante mergulha na clássica obra de Antoine de Saint-Exupéry, interagindo com seus personagens como nunca antes. Desde a primeira edição, em 1943, o livro já vendeu mais de 140 milhões de cópias, entrando no quarto lugar dos mais vendidos de todos os tempos. Esta é a primeira adaptação da obra para realidade virtual.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: RED ACCENT STUDIOS •
thelittleprincevr.com/
REALIDADE VIRTUAL/VR • FRANÇA/FRANCE
VIRTUAL REALITY
REALIDADE VIRTUAL
REALIDADE VIRTUAL | VIRTUAL REALITY · 130-134
131
Nothing Happens
2012
2016
Nothing Happens is a virtual reality art installation which questions the role of the spectator by inviting the participant to witness an event through a new way of watching, and also of being watched. This is possible thanks to VR technology, which allows for a deep immersion in the narrative.
REALIZAÇÃO/CREATOR: MICHELLE E URI KRANOT
Allumette é um filme em realidade virtual inspirado no conto A Pequena Vendedora de Fósforos, de Hans Christian Andersen. A história trata do amor de uma mãe pela filha e os sacrifícios que ambas fazem por um bem maior. Depois de sofrer uma tragédia, a jovem se agarra à esperança para persistir em seu caminho. O mundo fantástico criado para abrigar a história lembra uma Veneza flutuando no céu, com nuvens cobrindo os edifícios como ondas, em meios a canais de ar sinuosos como rios.
Allumette is a virtual reality film inspired by Hans Christian Andersen’s tale, The Little Match Girl. The story is about a mother’s love for her daughter, and the sacrifices they both make for a greater good. After suffering a tragedy, the young girl clings to the hope of continuing along her path. The fantasy world created to hold the story is reminiscent of a Venice floating in the sky, with clouds covering the buildings like waves, among channels of air as sinuous as rivers.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: PENROSE STUDIOS • REALIZAÇÃO/CREATOR: EUGENE YK CHUNG
penrosestudios.com/stories/2016/4/13/introducing-allumette
REALIDADE VIRTUAL/VR • EUA/USA
Allumette
Nothing Happens é uma instalação artística com realidade virtual que questiona o papel do espectador, convidando o participante a testemunhar um evento sob uma nova maneira de olhar, mas também de ser assistido. Um espetáculo de ver e também ser visto e vigiado. Sobre estar presente. Isso é possível graças à tecnologia VR, que permite uma profunda imersão na narrativa.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: DANSK TEGNEFILM E MIYU PRODUCTIONS •
tindrum.dk/project/nothing-happens/
REALIDADE VIRTUAL/VR • DINAMARCA E FRANÇA/DENMARK AND FRANCE
Altération 2017
2017
Alexandro volunteers for an experiment about dreams, but does not know that scientists will inject him with Elsa, a form of artificial intelligence which will digitize and take over his subconscious to help her turn into a human being. Alteration is science fiction in virtual reality, which gives the participant the chance to accompany the experiment directly from Alexandro’s invaded mind, while Elsa evolves.
The Dream Collector is a virtual reality animation which tells the story of a man and his playful dog, who spend days in a garbage dump looking for “treasure.” The objects they find - a broken guitar, a ripped baseball glove, an deflated soccer ball, for example - are the remains of abandoned dreams. Determined to give them new meaning, the man carefully fixes them and gives them away as presents.
REALIZAÇÃO/CREATOR: LI MI
The Dream Collector é uma animação feita em realidade virtual que conta a história de um homem e seu cachorro brincalhão que passam os dias em um depósito de lixo procurando “tesouros”. Os objetos encontrados – um violão quebrado, uma luva de beisebol rasgada, uma bola de futebol vazia, por exemplo – são como remanescentes de sonhos abandonados. Determinado a ressignificá-los, o homem conserta minuciosamente cada um e os dá de presente.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: PINTA STUDIOS •
pintastudios.com
REALIDADE VIRTUAL/VR • CHINA
The Dream Collector
Alexandro se voluntaria para um experimento sobre sonhos, mas não está ciente de que os cientistas irão implantar nele Elsa, uma inteligência artificial que irá digitalizar e assumir seu subconsciente com o objetivo de se transformar em um ser humano. Altération é uma ficção científica em realidade virtual que dá a chance do participante acompanhar o experimento direto da mente invadida de Alexandro, enquanto Elsa evolui.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: ARTE FRANCE, OKIO STUDIO, METRONOMIC E SAINT-GEORGE STUDIO • REALIZAÇÃO/CREATOR: JÉRÔME BLANQUET
arte.tv/sites/webproductions/alteration
REALIDADE VIRTUAL/VR • FRANÇA/FRANCE
REALIDADE VIRTUAL | VIRTUAL REALITY · 130-134
133
Museum of Symmetry
2018
2018
An absurd mind-and-body romp, the Museum of Symmetry uses virtual reality to reproduce the explosive universe of cartoonist and animator Paloma Dawkins. Like a metaphor for real life transported to a room, the experience leads the participant through landscapes of earth, fire, wind and water, where 2D characters inhabit a 3D environment. In a clear provocation to the conventional narrative of games, there are no rules to be followed or objectives to be fulfilled. Only an invitation to enjoy, in a disconcerting environment inspired by geometry and nature. Perhaps the biggest surprise is not what happens during the gameplay itself, but how you feel once you return to the real world.
Tales of Wedding Rings é um mangá japonês imersivo, desenvolvido em realidade virtual. A experiência mantém a clássica estética monocromática e adiciona um campo de visão em 360o. A história gira em torno da relação entre dois estudantes adolescentes: Satou e Hime. O rapaz acaba seguindo a amiga de infância por um portal que os leva a outro mundo. Satou descobre então que Hime é uma princesa e, por circunstâncias bizarras, casa-se com ela, transformando-se no Ring King. Acaba descobrindo que, para cumprir seu maior desafio, banir Abyss King, precisará se casar novamente… com outras cinco princesas! O que mais pode acontecer nessa aventura?
Tales of Wedding Rings is an immersive Japanese manga developed in virtual reality. The experience maintains the classic, monochromatic aesthetic and adds a 360o field of vision. The story revolves around the relationship between two teenage students: Satou and Hime. The boy ends up following his childhood friend through a portal that takes them to another world. Satou then discovers that Hime is a princess and, through bizarre circumstances, marries her, becoming the Ring King. He ends up discovering that, to overcome his greatest challenge, that of banishing the Abyss King, he will need to marry again...with five other princesses! What else might happen along this adventure?
PRODUÇÃO/PRODUCTION: SQUARE ENIX • REALIZAÇÃO/CREATOR: KAEI SOU
jp.square-enix.com/mangainvr/
REALIDADE VIRTUAL/VR • JAPÃO/JAPAN
Tales of Wedding Rings
Um absurdo jogo de mente e corpo, o Museum of Symmetry reproduz em realidade virtual o explosivo universo da cartunista e animadora Paloma Dawkins. Como uma metáfora da vida real transportada para uma sala, a experiência leva o participante a paisagens de terra, fogo, vento e água, onde personagens 2D habitam um cenário 3D. Em uma clara provocação à narrativa convencional de jogos, não há regras a serem cumpridas ou objetivos a serem conquistados. Apenas um convite ao deleite, em um cenário desconcertante inspirado na geometria e na natureza. Talvez a maior surpresa não seja o que acontece durante a experiência, mas que sensações ficam quando se retorna ao mundo real.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: CASA RARA STUDIO E NATIONAL FILM BOARD OF CANADA (NFB) • REALIZAÇÃO/CREATOR: MICHELLE E URI KRANOT
mediaspace.nfb.ca/epk/museumofsymmetry
REALIDADE VIRTUAL/VR • CANADÁ/CANADA
Zero Days VR 2017
2015
Way to Go é uma experiência interativa em um mundo particular. Uma paisagem de folhas e flores silvestres, repleta de vida oculta. Um jardim e um deserto, um piscar de olhos melancólico. O participante é uma caricatura com rosto e membros, caminhando. Ou correndo. Ou voando. Como um desbravador em uma grande aventura. Ou simplesmente um indivíduo em um passeio contemplativo. Usando animações feitas à mão, música, vídeo 360 e programação, Way to Go é um mundo de sonhos. Em um momento em que existe acesso a tanto, e se enxerga tão pouco, o projeto propõe o delicioso e súbito prazer da descoberta.
Way to Go is an interactive experience in a private world. A landscape of leaves and wild flowers, filled with hidden life. A garden and a desert, a melancholic blink of the eye. The participant is a cartoon, with face and limbs, that walks. Or runs. Or flies. Like a pioneer on a grand adventure. Or simply an individual on a contemplative hike. Using handmade animation, 360 video, and programming, Way to Go is a world of dreams. At a time when we have access to so much, and see so little, the project will remind you of the luscious, sudden pleasure of discovery.
REALIZAÇÃO/CREATOR: VINCENT
Zero Days VR is a virtual reality version of the award-winning short film with the same name. The story revolves around the Stuxnet virus, the first cyber weapon known to cause physical damage in the real world. The participant experiences the invisible world of cyber warfare from the perspective of the virus, designed by the USA and Israel, and sent on a clandestine mission to sabotage an underground Iranian nuclear facility.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: NATIONAL FILM BOARD OF CANADA (NFB) E FRANCETV NOUVELLES ÉCRITURES • MORISSET
a-way-to-go.com
REALIDADE VIRTUAL/VR • CANADÁ E FRANÇA/CANADA AND FRANCE
Way to Go
Zero Days VR é a versão em realidade virtual do premiado curta-metragem de mesmo nome. A história gira em torno do vírus Stuxnet, considerado a primeira arma cibernética do mundo capaz de causar danos físicos no mundo real. O participante experimenta o mundo invisível da guerra cibernética da perspectiva do vírus, projetado pelos EUA e Israel e enviado em uma missão clandestina para sabotar uma instalação nuclear iraniana subterrânea.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: SCATTER • REALIZAÇÃO/CREATOR: YASMIN ELAYAT
zerodaysvr.com
REALIDADE VIRTUAL/VR • EUA/USA
Som dos Sinos
2014
The Sounds of Bells is a multiplatform project and a pioneer in the use of new media to disseminate intangible cultural heritage. Focusing on the sound of bells and the work of bell ringers, it gathers a broad range of audiovisual material from nine historical cities in Minas Gerais, known for their more than forty different bell sounds, which identify liturgical rites, deaths, types of masses, births, fires, and holy hours. An immersive experience into the world of belfries and the relation of the human with the divine.
REALIZAÇÃO/CREATOR: MARCIA MANSUR E MARINA THOMÉ
Som dos Sinos é um projeto multiplataforma e pioneiro na utilização de novas mídias para a divulgação de patrimônio imaterial. Tendo como foco o Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro, reúne um amplo material audiovisual sobre nove cidades históricas de Minas Gerais, conhecidas por seus mais de quarenta toques de sinos, que identificam ritos litúrgicos, mortes, tipos de missas, partos, incêndios e horários sacros. Uma experiência imersiva no ambiente dos campanários e na relação do humano com o divino.
PRODUÇÃO/PRODUCTION: ESTÚDIO CRUA •
somdossinos.com.br
INSTALAÇÃO TRANSMÍDIA/TRANSMEDIA INSTALLATION • BRASIL/BRAZIL
TRANSMEDIA INSTALLATION
INSTALAÇÃO TRANSMÍDIA
BUG | SANDRA GAUDENZI ORGs.
NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS ANDRÉ PAZ
ANDRÉ PAZ SANDRA GAUDENZI ORGs.
NARRATIVAS INTERATIVAS E IMERSIVAS
BUG