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Todos os direitos em língua portuguesa reservados por: 2011 BV Films Editora Ltda © 2010, e-mail: comercial@bvfilms.com.br Rua Visconde de Itaboraí, 311 – Centro – Niterói – RJ CEP: 24.030-090 – Tel.: 21-2127-2600 www.bvfilms.com.br / www.bvmusic.com.br
É expressamente proibida a reprodução deste livro, no seu todo ou em parte, por quaisquer meios, sem o devido consentimento por escrito. This book was first published in the United States by Outreach Inc., 2230 Oak Ridge Way, Vista, Califórnia, 92081, with the title Jake’s Choice, Copyright © 2010 by Jim and Rachel Britts. Used by permission. Translated and used by permission of Outreach Inc. www.outreach.com.br Arte da Capa: Tim Downs Design Gráfico e Layout: Alexia Wuerdeman Edição: Marcia Ford e Toni Ridgaway Editor Responsável: Claudio Rodrigues Coeditor: Thiago Rodrigues Diagramação e Gráficos: Josnei Formagio Tradução: Mitsue Siqueira Revisão de Texto: Ariana Fátima C. Baptista Ana Carolina Salerno ISBN: 978-85-61411-78-7 1a edição – Julho/2011 Impressão: Imprensa da Fé Classificação: Romance/ Ficção Impresso no Brasil
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7:33 pm. / De: Amy / Para: Jake Só queria ver se vc encontrou seu dormitório direitinho. Bjos e Abçs 8:17 pm. / De: Amy / Para: Jake Mal posso esperar pra saber tudo sobre seu novo colega de quarto. Te amo <3 9:32 pm. / De: Amy / Para: Jake Como vão as coisas com seu pai? Ele ainda tá aí? 11:27 pm. / De: Amy / Para: Jake Você tá vivo? 1:01 am. / De: Amy / Para: Jake Tenho aula amanhã às 8h, por favor, me liga. Estou com muito sono. 2:07 pm. / De: Amy / Para: Jake Acho que nos falarmos toda noite NÃO vai rolar zzzzzzzzzzzzzzz
JakE passOu Os OlhOs pElas mENsagENs dE amy quan-
do, finalmente, desmoronou em seu quarto às três da manhã, no horário de Kentucky... meia-noite para Amy. Como ele não viu todas aquelas mensagens? E pior ainda, como ele esqueceu de ligar para ela? Exausto e irritado, ele caiu em sua nova cama sem nem acender as luzes e se retorceu ao perceber que não tinha coberto aquele colchão sujo com nenhum lençol limpo. Pelo menos ele não conseguia ver as manchas no escuro. Seu primeiro dia na faculdade já tinha passado? Há apenas dez horas atrás, Jake sentiu um frio na barriga por debaixo do cinto de segurança, e suas mãos suavam frio no volante conforme ele
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dirigia sua caminhonete até o estacionamento do Miller Hall – sua nova casa. Não foi o “Bem-vindo a Kentucky” na fronteira do estado que fez os pelos de seu braço se arrepiarem, nem a última curva da estrada 64, e nem seu primeiro vislumbre do ginásio de basquete, o KFC Yum! Center. O que fez seus nervos ficarem à flor da pele foram alguns bandos de alunos correndo pelas calçadas geladas do campus, sabendo exatamente o que estavam fazendo e para onde estavam indo... colegas de classe trocavam abraços calorosos ao voltarem para suas rotinas... os residentes carregavam suas mochilas e talvez levavam também algo que ganharam de Natal ao voltarem depois do feriado para os seus dormitórios. A realidade acertou Jake como um forte passe de peito: preparado ou não, ele estava entrando em um mundo de pessoas que já haviam estabelecido seus lugares e relações, e agora ele era o cara estranho que estava por fora. Os trotes, as reuniões do diretório acadêmico e as orientações aos calouros davam início ao processo de integração, que fazia pessoas estranhas se tornarem grandes amigos para o resto da vida, já tinham acabado. Não havia monitores esperando do lado de fora para orientar os calouros como ele via nos filmes – nenhum cartaz no corredor do alojamento dava as boas-vindas às mais novas carnes frescas de Louisville. Todas aquelas comemorações haviam acontecido meses antes, enquanto Jake ainda estava do outro lado do país, enfrentando um tipo diferente de iniciação: curso de orientação para pais e gestantes. E ele não tinha muito o que mostrar. Quando Jake visitou a universidade em uma viagem há mais de um ano, o treinador fez o possível para fazer Jake sentir como se tivesse amigos esperando sua chegada. Hoje, não havia nenhum... exceto seu pai, que desceu imediatamente da caminhonete desamarrando as cordas da carroceria da caminhonete para começar a árdua tarefa de desempacotar tudo. “Você está bem, filho?” perguntou Glen Taylor, fazendo com que Jake interrompesse sua torrente de pensamentos ao pegar a mala. “Sim, pai”, Jake respondeu. “Acho que está começando a cair a ficha.” Ele exalou um profundo suspiro congelado, que se prolongou no ar frio daquela noite. Ele já sentia falta do inverno de vinte graus que estava aproveitando em sua casa em San Diego. Trocar seus chinelos por tênis era outra coisa com a qual ele teria que se acostumar. Glen deu a Jake outra mala, pendurou em seu próprio pescoço uma outra mochila abarrotada, e depois levantou duas caixas, levando tudo para a entrada do Miller Hall. “Bom, vamos falar menos e agir mais. Tenho que pegar o avião”, ele falou. Jake jogou o case do computador nos ombros e seguiu com as duas malas que seu pai tinha lhe entregado. Por que eu trouxe tanta coisa?, ele
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se perguntava. Seu colega de quarto provavelmente já tinha entulhado o quarto com suas próprias coisas, e certamente não iria querer nenhuma porcaria de Jake invadindo seu espaço. E quantas viagens mais eles teriam que fazer para guardar tudo? Já estava quase escuro. Um golpe de ar quente acertou o rosto de Jake enquanto seu pai bisbilhotava a entrada do Miller Hall, equilibrando precariamente as caixas apoiadas nos joelhos. Jake sentiu uma sensação estranha na barriga novamente. Enquanto a congelada e quase cidade fantasma do lado de fora era bem assustadora, a reunião ruidosa dentro do corredor aquecido era impressionante. Todos os olhos se voltaram para vê-los lutando com todas as suas bagagens, mas nem mesmo uma pessoa foi ajudar. Jake pensou que poderia ver exposições ao ridículo e observações arrogantes dentro daqueles olhares que os encaravam, e de repente sentiu-se envergonhado por estar ali com seu pai. Ele se sentiu exposto como uma baleia em uma banheira. Mas o que poderia fazer? Levanta a cabeça, cara!, dizia ele para si mesmo enquanto tentava se concentrar. Conversas animadas competiam com o estrondo de rock ao fundo. Procurando por alguém que pudesse ajudá-lo, Jake passou os olhos pelas poltronas em que os rapazes e as garotas estavam esparramados. Duas morenas chamaram sua atenção; e a da esquerda vestindo uma blusa de moletom preta da Louisville sorriu para ele. Mas, antes que ele pudesse assentir com a cabeça, ela distraiu-se novamente com as pessoas à sua volta. Finalmente, Jake descobriu uma porta em um dos cantos, na qual se lia “Diretório Acadêmico”. Mas estava fechada, assim como a janela próxima, e Jake achou que estava com falta de sorte. Deveria ele procurar pelo corredor até encontrar alguém ou apenas fingir que sabia o que estava fazendo e ir direto para o quarto? Quando viu seu pai andando em direção às escadas, Jake escolheu a segunda opção, tentando parecer o mais confiante possível. Que droga, eu não tenho chave, percebeu ele no meio do caminho. A menos que seu colega de quarto estivesse lá, ele estaria mesmo sem sorte. Mas quais eram as outras opções? Se ninguém estendia a mão para aquele simples recém-chegado, então ele teria que resolver as coisas por sua própria conta. “Ei, você sabe onde fica o quarto 317?” Jake ouviu a voz alta de seu pai perguntando a alguém. Jake ergueu os olhos e viu o pai direcionando a pergunta a um casal que discutia o relacionamento ali sentado nos degraus. Pelo olhar mortal que o rapaz deu como resposta, Glen olhou de cara feia. “Hum... por que você não tenta o terceiro andar?”, o rapaz respondeu revirando seus olhos e voltando-se imediatamente para a garota, para ga-
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rantir que aquela interrupção não se transformaria em nada de mais. A fisionomia de Glen mostrava a Jake o que ele realmente estava pensando, mas felizmente ele se conteve. O mesmo, no entanto, não aconteceu com sua mala, que “acidentalmente” esbarrou na cabeça daquele idiota quando Glen passou. “Olha bem aonde coloca isso!”, o rapaz provocou. Glen sorriu e deu uma piscadinha. “Isso é o que ela deveria dizer”, ele respondeu e continuou subindo as escadas com dificuldade. Jake passou apressadamente pelo rapaz sem esperar para ouvir a resposta dele. “Pai”, ele censurou em voz baixa, “você vai me fazer inimigos antes de eu mesmo ter esta chance?” “Melhor um inimigo do que um amigo imbecil, eu sempre digo”, Glen respondeu com um tom de voz não tão baixo enquanto os dois davam a última volta pelas escadas antes do terceiro andar. Chegando lá em cima, Glen novamente apoiou as caixas nos joelhos e abriu a porta com os cotovelos para que Jake entrasse no corredor. Se o saguão já era intimidador, o corredor por onde Jake seguia era absolutamente amedrontador. Havia veteranas em todo lugar. Duas garotas do lado de fora da entrada de uma das portas pintavam as unhas dos pés, e o cheiro do esmalte irritou o nariz de Jake. Secadores de cabelo competiam com as músicas que vazavam pelas portas, mas nada era o bastante para abafar as vozes femininas. Tem alguém ouvindo Britney Spears? disse Jake em tom de reprovação Uma garota, vestindo nada além de uma toalha, passou e sorriu como se andasse seminua entre os rapazes o tempo todo. Jake tentou desviar seus olhos como seu pastor da juventude o havia ensinado na praia da Califórnia quando as meninas passavam com seus biquínis muito interessantes... mas logo depois, outra garota igualmente vestida (ou não vestida!) saiu do banheiro indo para outra direção. Ao procurar um lugar seguro para onde pudesse olhar, Jake viu seu pai rindo e imediatamente se lembrou de que os dois não compartilhavam mais os mesmos valores. “Pai, acho que estamos no lugar errado.” Jake andou rapidamente apoiando-se em seu pai até que os dois estivessem a salvos na escadaria novamente e que a porta se fechasse atrás deles. Glen deu uma risada. “Não não é um lugar tão ruim para se viver, isso você tem que admitir.” “Pai!” “Só estou falando. Você agora está na faculdade, filho. Você tem uma
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vida inteira pela frente. Você tem que relaxar um pouco e curtir a paisagem.” Jake esperava esse tipo de pressão de todas as pessoas, menos de seu pai. A pressão dele para se sair bem nas aulas e sobressair-se no basquete sim, com certeza. Mas pressão para relaxar? Essa era nova no repertório de seu pai. Ele está mudando mais do que eu imaginei, Jake pensou, mas sem saber se aquilo era realmente bom. Se seu pai pôde trair sua mãe antes, como esta nova versão “relax” o faria agir agora que eles estavam separados? Jake não queria pensar nisso. Então, ele seguiu em direção ao outro lado do terceiro andar, onde uma porta idêntica à outra que eles tinham acabado de fugir os esperava. Jake olhou para o pai e ambos deram de ombros. Pior não poderia ficar. Ao abrir a porta, os sons, as imagens e o cheiro que atacaram seus sentidos garantiram que eles estavam no lugar certo. Em vez de garotas seminuas, havia homens sem camisa perambulando pelos corredores; em vez de vozes altas de garotas competindo com o zumbido do secador de cabelo, o tom grave de um baixo ressoava pelas paredes; e em vez do cheiro forte do esmalte de unhas que se espalhava pelo ar, o distinto aroma do armário cheio de meias suadas dava as boas-vindas. Nenhum desses era muito agradável, mas, para Jake, pelo menos era mais familiar e menos ameaçador. Ele deu um longo suspiro de alívio enquanto rastreava os números das portas no corredor. “Você deve ser o cara novo”, uma voz forte ecoou por trás, fazendo com que Jake e seu pai se virassem. A voz não correspondia com o palito de fósforos pálido e alto que estava diante deles. Seus músculos, um pouco menores do que o esperado, faziam muito pouco para esconder seus ossos protuberantes e as tatuagens. Seu piercing nos lábios e seus cabelos pretos cacheados – obviamente tingidos – se juntavam à sua longa e esguia aura. “Sou seu colega de quarto... Kyle Martin.” Jake estava tão surpreso com aquela aparência que quase não percebeu a mão gigante dele estendida. Voltando a si, Jake rapidamente deixou a mala no chão e estendeu sua mão, que parecia minúscula em comparação à de seu novo colega. “Jake Taylor”, ele sorriu para o primeiro rosto amigável que tinha encontrado. “Cara, deixa eu te ajudar com suas malas.” Kyle pegou a mala que Jake tinha deixado no chão. Quando ficou claro que o peso da mala não faria o seu novo amigo magrelo desmontar, Jake o seguiu pelo corredor. “Kyle, este é meu pai.” Sem interromper o ritmo dos passos, Kyle respondeu: “Lamento por você! Como vai Sr.?” Glen riu educadamente. “Ah, pode me chamar de Glen.”
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Kyle parou em frente ao quarto e empurrou a porta com o ombro para abri-la. “Bem-vindo ao lar!”, gesticulou dramaticamente. Jake nunca se orgulhou de ter mania de limpeza, mas para ser honesto, ver que uma camisa suja estava largada no chão era algo que não combinava muito com ele. Portanto, ao entrarem no quarto, as quatro palavras de Kyle não fizeram nada para prevenir Jake do lugar desastroso que se apresentava. Com exceção do colchão sem lençol, que obviamente estava sendo usado como mesa – ou até mesmo como lixo, a julgar pela quantidade de manchas – o quarto estava coberto de roupas espalhadas e embalagens vazias de biscoitos. Pôsteres que pareciam não ter nada a ver uns com os outros estavam colados nas paredes mostrando bandas punk e metal que Jake não conhecia, alguns skatistas, Michael Jordan, alguns filmes, e muitos de mulheres quase sem roupa. O de uma modelo com um biquíni particularmente sensual estava preso no teto, exatamente em cima da cama de Kyle. E acima da mesa dele havia uma foto do time de basquete do Louisville pendurada, o que deixou Jake dolorosamente ciente de quantas saudades sentia. “Eu estava limpando tudo quando ouvi dizer que você estava aqui”, disse o colega de quarto jogando as coisas de onde agora seria o lado de Jake. “Acho que vou ter que me acostumar a dividir um quarto.” Jake pegou uma lata de cerveja quase vazia no que parecia ser sua nova mesa e jogou em uma lixeira que transbordava. Acho que nós dois precisamos, Jake teve vontade de dizer. Ele tinha sido avisado que os colegas de quarto de faculdade geralmente não tinham fama de serem organizados, mas imaginou que alguém que tivesse talento o bastante para ganhar uma bolsa de estudos por jogar basquete poderia, pelo menos, saber arremessar suas roupas sujas em um cesto. Glen não era tão hábil em tentar esconder seu julgamento. “O que foi que morreu aqui?”, ele reclamou em voz alta. Jake lançou um olhar desagradável para o pai, mas isso não importava. Kyle parecia não se ofender facilmente. “Ah! O Sr. é hilário! Pode jogar tudo do meu lado. Eu cuido disso.” Depois de duas horas empurrando entulhos para o lado de Kyle no quarto, tirando o restante das bagagens de Jake da caminhonete e finalmente encontrando alguém do Diretório Acadêmico para entregar a Jake uma chave, já era hora de seu pai ir para o aeroporto. Glen e ele deram uma parada rápida no McDonald's e depois voltaram ao campus para esperarem um táxi. Jake ofereceu uma carona várias vezes, mas Glen insistiu que ele poderia aproveitar melhor o tempo transformando seu dormitório em
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um lugar habitável. Então eles se abraçaram, o que ainda parecia um pouco estranho após tantos anos sem contato físico, e se despediram. Jake ainda não estava certo de quando isto tinha acontecido, mas, em algum momento nos três dias de viagem de Califórnia até Kentucky, ele e seu pai ficaram bem novamente. Embora ele tivesse crescido odiando seu pai ao longo dos anos, parecia muito bom não ter mais aquele peso nas costas, e era ainda melhor ouvi-lo se desculpar – repetidamente. Então, enquanto o táxi se afastava pela escuridão, uma tristeza peculiar surgiu no peito de Jake. Se alguém tivesse dito uma semana atrás que ele tinha perdido o pai ele nem teria ligado, mas agora a despedida deles lembrava o quanto Jake tinha deixado para trás na Califórnia – e do quanto ele se sentia sozinho naquele momento. Com passos pesados, Jake voltou ao corredor do Miller Hall ignorando a multidão. O golpe de ar quente esquentou seu corpo, mas seu humor tinha pego um resfriado. Ele subiu as escadas com dificuldade – dessa vez com a certeza de que estava indo para o lado dos homens – e seguiu em direção ao primeiro quarto que nunca tinha dividido em toda sua vida. De alguma forma, esse novo estilo de vida não era tão atraente quanto o desejo de escapar das brigas de seus pais em sua infância, saindo para brincar com o Roger, seu único melhor amigo. Pelo menos Roger era limpo, Jake lembrou com tristeza. Roger... seu amigo que se matou há menos de um ano. Das outras muitas vezes que Jake pensava em Roger, ele geralmente não se sentia tão deprimido como agora. Jake viveu um longo processo desde aquele dia traumático de fevereiro, quando Roger, com raiva e sozinho, entrou na escola com uma arma e deu alguns disparos antes de tirar sua própria vida. Aquele momento horrível revirou o mundo de Jake e o fez buscar sentido em própria vida. Mas, mesmo que este passado o tivesse ensinado muito, Jake sabia que ficar preso a ele não ajudaria ninguém, inclusive ao Roger. Ele não poderia mudar o que aconteceu se vivesse lamentando; o que ele poderia fazer era seguir em frente e mudar o futuro. E tudo o que ele sabia era que o seu novo colega de quarto, Kyle, era alguém cuja história Deus queria que Jake ajudasse a reescrever. Tentando abandonar a melancolia com esse pensamento animador, Jake respirou bem fundo e abriu a porta do quarto. Kyle, que estava limpando tudo de boa vontade antes de Jake sair, estava aparentemente cozinhando um Cup Noodles em um micro-ondas nojento de sujo. “Jantando?” perguntou Jake. “É, quer um pouco?” “Não, meu pai e eu acabamos de comer”. Jake abriu uma caixa de
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meias, cuecas e alguns cosméticos e foi arrumando nas gavetas enquanto Kyle mastigava de boca aberta sua pobre refeição. Antes que Jake pudesse desempacotar qualquer outra coisa, Kyle se juntou a ele e deitou no colchão sujo deixando o caldo do macarrão escorrer pelo tecido manchado. “Então, eu ouvi dizer que você gosta de festa”, ele sorriu. Aparentemente, a reputação de Jake chegou antes dele. Há mais de um ano, em sua viagem a Louisville para visitar a universidade, muitos caras do time tinham, definitivamente, o apresentado uma vida muito boa. Garotas bonitas e variedades de bebidas estavam disponíveis à vontade, e mesmo sabendo que tudo aquilo fazia parte do recrutamento, ele adorava ser o centro das atenções. Os caras ficaram impressionados com sua habilidade de beber tanto álcool com apenas dezessete anos. E as garotas... bom, ele mandava muito bem nesse jogo também. Tecnicamente ele era fiel a Amy, mas algumas vezes o peixe pode só agarrar a isca e não ser pescado – pelo menos era assim que Jake pensava. Felizmente, esse era o velho Jake Taylor: o Jake Taylor que ainda não tinha visto seu melhor amigo de infância se suicidar a poucos passos dele; o Jake Taylor que ainda não tinha se tornado pai; o Jake Taylor que ainda não tinha desistido das festas para seguir a Deus. Mas há onze meses, aquele velho Jake Taylor começou a se transformar em um novo Jake Taylor. E, apesar de algumas mudanças terem sido muito difíceis, o novo Jake Taylor não se arrependeu delas nem por um minuto. Sua nova fé o despertou para uma nova vida, que o completava mais do que qualquer outra coisa que ele já tivesse experimentado quando ficava bêbado ou saía com os amigos à noite. Mas como ele explicaria tudo isso para seu novo colega de quarto... que era sua única ligação com o resto do campus e com os outros caras do time? Jake procurava por nada dentro de uma mochila enquanto tentava formular uma resposta aceitável. “Sim, mas não muito agora. Além disso, eu realmente preciso desempacotar minhas coisas.” Kyle deixou seu copo fumegante na mesa de Jake e começou a pular na cama, e seu corpo magro fez as molas do colchão rangerem enquanto ele continuava pulando. Kyle inclinava a cabeça sem jeito para não bater no teto. “Cara, você é da faculdade agora. Sua mãe não está aqui para limpar seu quarto. Hoje é noite de festa!” Ele saltou da cama descendo desajeitadamente para o meio do quarto. “Ei, e se a gente só pulasse em nossas próprias camas de agora em diante?”, sugeriu Jake com um sorriso. Kyle pegou o macarrão e o engoliu como se fosse uma lata de Red Bull. Jake ficou surpreso por ele conseguir engolir aquele caldo quente e salgado
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sem nem ao menos parar para respirar. “Eu adoro isso!”, ofegou ele esmagando o copo agora vazio e o jogando na lixeira. “Todos os outros caras do time vão estar lá. Eles vão ficar irados se você não aparecer.” Jake esperava que os arremessos de Kyle na quadra fossem melhores do que aquele, que caiu intacto a uma pequena distância da cesta. Ele abriu uma das malas e começou a pendurar as roupas no armário enquanto pensava na escolha. O desejo de se adaptar ao time era tão forte quanto suas novas convicções. Jake sabia que a objeção do treinador em permitir que ele perdesse uma temporada não significava que o restante do time estava de acordo. Enquanto Jake apoiava Amy durante a gravidez, eles estavam juntos durante horas de muito cansaço e treinos pesados para aprenderem a lidar com as estratégias. Jake não se deixou abater – durante os seis meses anteriores, ele estava de pé todas as manhãs antes das cinco parar correr, arremessar, treinar, se exercitar e praticar todos aqueles mesmos passes sozinho. Sua forma nunca esteve melhor. Ainda assim, não importava o quanto ele tivesse se esforçado, nada poderia recuperar a união que ele perdeu com o time, e Jake sabia que não seria fácil se tornar um dos caras. Mas ali estava sua chance. Ele não poderia ir à festa sem comprometer seus valores? Por que não?, Jake considerou comprometendo-se a sair mais cedo caso sentisse a mínima vontade de beber cerveja.
+ + + “A festa é na hiz-ouse”, gritou Kyle enquanto passava pela porta do quarto sem fechá-la. Eles tinham ouvido a música alta da rua quando deram uma pequena caminhada pelo campus, mas Jake tinha esquecido o quanto essas festas eram barulhentas até o som escapar pela porta aberta. Felizmente, o lugar parecia tomado por alunos da Louisville, portanto nenhum vizinho poderia reclamar. Jake tentou seguir por um tempo os grandes passos de seu colega de quarto até a festa, onde mais ou menos trinta pessoas estavam sentadas ou em pé, e a maioria delas com bebidas nas mãos. As garotas provavelmente foram escolhidas a dedo, porque eram todas maravilhosas. Jake reconheceu a maioria dos caras da visita que fizeram à universidade pelo programa de recrutamento, pois os acompanhou do princípio ao fim. Ali, em pessoa, estava Tony Anderson, o jogador do último ano da Louisville e que, provavelmente, iria para a NBA. Jamal Hardaway, o cara do segundo ano que jogava como ala-armador, estava um pouco mais distante. No canto, o também ala-armador Aaron Simon, também conhecido como D.J. No-
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mis, estava arranhando uma batida de funk. Jake riu ao vê-lo em ação. Seus movimentos eram tão hábeis naquele equipamento quanto seus saltos na lateral esquerda da quadra. Bojan Petrovic, o veterano da Sérvia, também muito alto, fazia companhia a Nomis balançando a cabeça com no ritmo da música. Na outra parede, Nate Williams, um calouro que jogava como armador e já estava em uma fase boa, ficou sentado em uma poltrona cercado por uma morena que se aconchegava nele e por uma loura que o acariciava. O nativo de Missouri tinha se ajustado bem no programa de Louisville, mas ele não era nem mais alto ou forte que Jake, e seus arremessos não eram nem próximos de serem tão consistentes. Quando voltou para o alojamento, Jake pensou consigo que poderia estar na quadra ao invés de Nate se estivesse com o time desde o começo. Mas de repente, seu pensamento se foi. Até aquele momento, ele mal conseguia esperar para entrar no time de basquete da faculdade. Agora, ele se sentia completamente destacado de tudo e começava a se perguntar se tinha tomado a decisão certa. Ao contrário do que não aconteceu no dormitório, onde não teve nenhum tipo de recepção muito chamativa, cada conversa parou no momento em que os dois calouros entraram, e todos os olhos se voltaram para Jake. Aparentemente, todos esperavam por aquela chegada. Jake ainda não sabia o que era pior: ser ignorado ou ser inspecionado. Ele sorriu para acalmar a tensão. Kyle fez uma apresentação desnecessária. “É isso aí! Senhoras e senhores, apresento a vocês Jake Taylor!” Jake acenou, sem saber a quem cumprimentar primeiro. “Já era a hora, calouro.” Tony deu um passo à frente, e era obviamente o líder do time e o dono da festa. “Já tem tudo planejado para voltar para casa?” O sarcasmo de suas palavras fez a maioria dos garotos dar uma risada. Os olhos deles o miraram como atiradores de elite, que miravam seus rifles direto no alvo. “Ah, sim”, respondeu Jake sem saber se esse tipo de piada era comum para todo novo jogador ou se seus novos colegas de time estavam realmente chateados com ele pelo que tinha acontecido no último semestre. Como ele poderia julgá-los? O basquete é um esporte em equipe, mas Jake escolheu outra coisa que não era o time. Nate levantou-se e foi em direção ao bar, repleto de vários tipos de bebida. Para garantir que tinha o domínio sobre Jake, ele estourou a tampa de uma garrafa de cerveja e se colocou entre Tony e Jamal. Tony olhou disfarçadamente para Nate, mas falou para Jake: “Você sabe o que dizem sobre os caras que escolhem as mulheres antes dos amigos?”
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Jake olhou para as pessoas e pesou suas opções. Ele deveria se defender – e defender Amy – ou apenas reconhecer sua infração e dar uma risada? De repente, sua boca devolveu a pergunta sem nem ao menos ele ter pensado. “Eles devem ter uma mulher e tanto, não é?”, disse Jake indiferente. Sons abafados rodearam a sala, e Jake conseguiu ver alguns sorrisos. “Esse cara acha que é engraçado”, Jamal deu um sorriso falso para Nate enquanto deixava sua bebida de lado. Ele caminhou até Jake, olhando diretamente em seus olhos. “Não”, disse ele cara a cara. “O que dizem dos caras que colocam as mulheres antes dos amigos é que eles são garotinhas que não conseguem decidir nenhum jogo na quadra.” Depois, olhou para Tony. “Não sei se quero um desses no meu time.” Tony continuava sério, enquanto Nate desprezava Jake em acordo. A esta hora, Kyle já tinha se afastado de Jake e se sentado no braço da poltrona, próximo à morena. Jake o viu rindo, e seus olhos seguiam o que acontecia como um fã ávido de ping pong. Com certeza ele mudou de lado muito rápido! Jake perguntava-se se aquilo tudo era armado – parte do plano de Kyle desde o começo: vingar-se do cara que tomou seu espaço, deixando a gangue do time juntar ele. Jake voltou sua atenção para os que o desafiavam. Ele tinha assistido esses caras pela ESPN (Rede de Programação de Esportes e Entretenimento), tinha os admirado e esperava ansioso para jogar com eles. Mas o respeito tinha acabado, e os instintos naturais de Jake o dominaram – ele nunca desistiu de nenhum desafio. Mesmo quando era criança, havia dentro de si um tipo de dispositivo que o impossibilitava de desistir de um desafio. Ele estava claramente sendo julgado pelo restante do time, e sentiu sua postura automaticamente sendo mudada para uma arrogância confiante. Jake observou o lugar novamente, e seu famoso sorriso arrogante do Pacific High surgia a cada segundo. “Então, o que eu tenho que fazer para provar que posso mostrar serviço?”, revidou Jake calmamente. Todos se animaram com muitos gritos de expectativa enquanto Nomis tocava uma batida como música de fundo. Até mesmo as garotas pareciam intrigadas com aquele novo jogador no meio delas. Tony, Jamal e Nate se olharam, e Jamal assumiu a liderança. Ele foi até o bar, bebeu dois copos de vodka, e em seguida foi até Jake entregando uma garrafa. “Que tal começar com essa?” Todos os olhos se voltaram para Jake enquanto ele segurava a garrafa. Dez minutos dentro da primeira festa da faculdade e ele já estava encurralado. Jake não dava um gole sequer em bebidas alcoólicas há mais ou
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menos nove meses, desde que perdeu uma competição de cerveja entre os olhares irados e desaprovados de seus amigos. Nesta ocasião, ele se deu conta de que seu novo interesse pela igreja não tinha nada a ver com seus velhos hábitos, então corajosamente os abandonou e nunca mais bebeu. Naquele momento, lá estava ele novamente, mas a pressão era ainda maior. Tudo estava acontecendo muito rápido, e ele só queria ser aceito pelo time para que pudesse jogar basquete. Uma bebida não vai fazer mal, decidiu. Não era como se estivesse voltando para a vida de antes. Ele só estava marcando um ponto. Jake respirou fundo e entornou a bebida barata tentando evitar o calafrio involuntário que fez seu rosto se retorcer. Ele já tinha esquecido o quanto aquilo era asqueroso. Jake esperava que sua velha tolerância continuasse a ser forte como era. Jamal sorriu, mas em vez de encher o copo que estava em sua mão, ele o entregou a Jake. “Ainda não acabou, Taylor.” Jake olhou para ele se perguntando qual seria o objetivo daquilo tudo e quantos pontos mais ele teria que marcar para provar que era capaz. Mas sua inibição estava enfraquecendo, e ele engoliu a segunda dose antes mesmo de pensar direito. O álcool tinha um gosto muito ruim, mas Jake estava começando a se lembrar de como aquilo o fazia sentir solto e relaxado. Ele sorriu. Nate deu outra dose a Jamal, e Jamal a trocou pela garrafa vazia da mão de Jake. “A terceira vez é certeira, irmão.” Jake bebeu sem hesitar. “Agora você está pronto. Alguém pega uma bola.” Enquanto Jake achava que durante a tarde estava muito frio, a noite parecia congelante. Mas todos foram até uma quadra de basquete em uma praça mais abaixo da rua. Eles foram para a quadra vestindo muitas camadas de roupas, e o sopro de suas respirações pairavam no ar, disfarçando o suspense. Tony levou a bola até o centro da quadra e a entregou a Jake, que rapidamente se desfez da capa que sua mãe tinha dado de presente de despedida. Vestido apenas com uma blusa de moletom e uma calça jeans, seu corpo começou a tremer no ar frio quando Tony o entregou a bola em cima da linha de três pontos e voltou para a multidão que assistia. “Faça uma cesta decisiva, calouro. Mostre o que você sabe”, Tony zombou. A reputação de Jake dependia de ele fazer ou não uma cesta de três pontos em um lugar frio, estando meio bêbado, em uma quadra mal iluminada por carros que passavam e pela lua, com todos os novos companheiros de time olhando impacientemente. Mas isto era familiar para ele. Jake trei-
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nou muitas horas em uma quadra parecida quando voltou para casa. Desde aquele tempo, ele muitas vezes se imaginava no Madison Square Garden ou no ginásio da Louisville, onde poderia fazer sua cesta de três pontos nos segundos finais – provavelmente para ganhar o jogo. Jake segurou a bola desgastada e a rodou em seus dedos gelados. Ele a quicou uma... duas... três vezes enquanto examinava a velha tabela de metal com uma leve inclinação no aro, adornado com uma corrente de metal pendurada. Ele fechou os olhos, inalou o ar frio e expirou a fumaça, como um viciado em nicotina. Senhor, por favor, por favor, por favor. Em um movimento flexível, Jake mirou sua visão no alvo, levantou seus braços de uma maneira perfeita e lançou a bola sem nenhuma preocupação, como se já tivesse feito isso milhares de vezes antes... Dentro. Obrigado, Jesus! A confidência de Jake escapou quando ele finalmente deixou cair os braços e deu um sorriso falso para todos. E, me desculpe pela bebida, ele falou imediatamente. “Dentro! Taylor, você é o cara!” Kyle reapareceu como um amigo, aplaudindo Jake em uma comemoração surpreendente. As garotas sorriram de volta, e os rapazes lentamente se recuperavam do choque. A maioria deles se juntou para aplaudir, embora Jake tenha visto desapontamento em muitos rostos, especialmente no de Nate. Jake se perguntou se nenhum deles realmente queria que ele se saísse bem. Tony foi até Jake e o entregou sua capa. “Bem-vindo ao time, Taylor. É melhor rever suas prioridades de agora em diante. Agora vista sua parca, está fazendo seis graus negativos lá fora.” Jake rapidamente aceitou a sugestão e seguiu a rapaziada de volta à festa. As conversas tomaram outros rumos, e Jake ficou sentado pelo resto da noite do lado de fora, segurando um único copo vermelho na mão – que estava cheio de água. Ele respondeu algumas perguntas sobre a Califórnia e ouviu conversas prepotentes sobre todos os tipos de jogos. Algumas meninas tentaram chamar sua atenção mas ele deixou claro que não estava interessado, o que não era nenhum problema para elas, pois sempre havia alguém interessado. Jake queria voltar para o quarto, mas lembrou que ainda estava em terreno perigoso, então ele ficou por ali mesmo até que as coisas começassem a se acalmar umas duas horas depois. Kyle e alguns outros desapareceram pelos fundos, e então Jake fez sua caminhada até o dormitório sozinho.
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Uma hora depois, Jake descansou meio acordado em seu quarto ainda não muito familiar. De repente a porta se abriu, e ele se levantou do colchão tentando parecer ocupado abrindo a mala que estava perto dele no chão. Seu novo colega de quarto entrou, e Jake se deu conta do quão esquisito poderia parecer abrir a mala no escuro. Ele se repreendeu por ter reagido tão rápido. Se simplesmente ficasse deitado, poderia pelo menos ter evitado conversas fingindo dormir. Tarde demais. Jake gelou e pensou em dar a desculpa horrível de que não estava conseguindo achar o interruptor. No entanto, ele não precisou usar a desculpa. O novo colega simplesmente deixou as luzes apagadas e se jogou na cama. Um ronco fraco escapou dos pulmões de Kyle quando seu corpo bateu naquela superfície meio movediça, e logo em seguida ele se virou para a parede, começando a roncar em questão de segundos. Que dia. Jake mexeu a cabeça, que agora doía com a promessa de uma ressaca. Seu estômago estava um pouco enjoado. Ele pensou em ir ao banheiro, mas a longa caminhada pelo corredor o fez mudar de ideia. Já que estava acordado ele achou que poderia encontrar os lençóis, e então começou a esvaziar as caixas que sua mãe tinha empacotado. Encontrá-los no escuro provou ser mais desafiador do que ele esperava, mas depois de alguns poucos minutos ele se rendeu ao colchão asqueroso novamente. O ronco de seu colega fez com que o sono demorasse mais a chegar, mas Jake se virou para o lado e enterrou o rosto no travesseiro, procurando descansar.
+ + + Muitas horas depois, Jake acordou de um sonho com Amy com a luz do sol em seus olhos. Uma dor maçante pulsou em sua cabeça quando ele olhou seu celular para ver as horas. 9:43. Era um recorde – ele não dormia até depois das nove há anos. Deve ter sido o fuso horário. Ele rapidamente diminuiu três horas e se perguntou se Amy já teria acordado ou não. Ele mal podia esperar para falar com ela.
9:44 / De: Jake / Para: Amy Oi amor! Desculpaaaaaa por ontem à noite. Sinto muuuuuuito a sua falta. Liga pra mim quando acordar.
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