Vivências Terapêuticas em Oficinas de Arteterapia em um CAPS-Adulto (Centro de Atenção Psicossocial)
Samuel Rotband Berenstein Grinspun
São Paulo, Junho de 2007
Universidade São Marcos Curso de Especialização Lato Sensu em Arteterapia
Samuel Rotband Berenstein Grinspun
Vivências Terapêuticas em Oficinas de Arteterapia em um CAPS-Adulto (Centro de Atenção Psicossocial)
Trabalho de Conclusão de Curso de especialização em Arteterapia apresentado à Universidade São Marcos Campus Jardins, como requisito parcial para a obtenção do grau de Especialista em Arteterapia, sob orientação da Prof.ª Ms. Tatiana Fecchio Gonçalves.
São Paulo Junho de 2007
Ficha catalográfica A ficha catalográfica deve ser solicitada à biblioteca mediante preenchimento de solicitação com 48 horas de antecedência. Na encadernação a ficha catalográfica fica no verso da página de numeração 1
Samuel Rotband Berenstein Grinspun
Vivências Terapêuticas em Oficinas de Arteterapia em um CAPS-Adulto (Centro de Atenção Psicossocial)
Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do grau de Especialista em Arteterapia.
São Paulo, 05 de junho de 2007.
___________________________________ Prof.ª Ms. Tatiana Fecchio Gonçalves
DEDICATÓRIA Dedico este trabalho a todos os sentimentos, sensações, pensamentos e atos que não puderam, não podem e não poderão ser expressos através de nenhum meio... Dedico este estudo àqueles que jazem na dor, no sofrimento, na amargura, na desesperança, no medo, no terror, no pânico... Dedico aos que tiveram, têm e terão dor – física, mental e espiritual... Dedico a todas as “doenças mentais”... Dedico esta pesquisa às vozes que apavoram quem as ouve, e que muitas vezes, não lhes deixam em paz, nem na vida, nem na morte... Dedico esta monografia aos delírios... Dedico à S. e a L., que tanto me ensinaram como tratar quem está com sofrimento psíquico: que eles possam ser felizes e alcançar a paz... Dedico à indústria farmacêutica, aos remédios que ainda hão de ser descobertos e consumidos... Dedico ao SILÊNCIO... Silêncio... Silêncio... Silêncio... S...
Espero, Que se encontrem tratamentos mais eficazes, e mesmo cura para todo o tipo de sofrimento humano... Que no fundo do poço possa haver realmente uma “MOLA”, que não deixe quem caia nele, morrer... Que as famílias, amigos, comunidade e sociedade possam rapidamente ajudar, se conscientizar, amparar, se solidarizar, respeitar e amar quem é diferente e luta por sua singularidade e valor. Que o dinheiro um dia seja como a água, as estrelas do céu, a areia do mar, ou que simplesmente ele não exista. Que medidas pragmáticas sejam rapidamente tomadas por órgãos, instituições e profissionais na luta pelos direitos dos que apresentam sofrimento psíquico, e que o mercado de trabalho abra as portas para eles terem um mínimo de qualidade e perspectiva de vida. Que as pedras preciosas mencionadas neste presente estudo nunca percam a esperança... Esperança etimologicamente significa esperar com ação, ou seja, não esperar, mas agir, segundo o desejo, a fé; lutar... Lutar contra qualquer tipo de abuso, violência e preconceito, aos que estão sofrendo, nem que seja para morrer em justa causa! Para que no futuro outros possam conseguir sobreviver e viver... Plenamente e em paz! Que um dia todas as doenças sejam varridas da face da terra e que só haja o bem, a paz, a alegria, a compreensão, o amor, o respeito e a plenitude...
AGRADECIMENTOS Primeiramente agradeço a Deus: “Bendito sejas Tu, Eterno, nosso Deus, Rei do Universo, que nos conservaste em vida, nos amparaste e nos fizeste chegar a este momento de júbilo”. Ao meu avô paterno: Mehir Eliezer (Luiz), de abençoada memória, que com sua história de vida nos ensinou muito... A minha avó materna: Guitel Peirel (Guita), de abençoada memória, que mesmo na dor mais forte, nos ensinou a: “Nunca deixar a vaca cair”, passando sempre muita leveza, força e serenidade a todos... Ao meu avô paterno: Yeshayahu (Isaias), que me ensinou que o potencial do ser humano é ilimitado, mas também que depende muito do desejo e do livre-arbítrio de cada um, podendo ele mesmo, transformar sua vida num paraíso ou num inferno... A minha avó paterna: Mirke (Mina) que me ensinou na prática, palavras como: organização e responsabilidade, e que me cedeu um espaço em sua casa para realizar este estudo, sempre fazendo comidas deliciosas... A minha mãe: por ter, junto com minha irmã Débora e avó Mina, ter acompanhado e incentivado meu percurso neste estudo. Ao meu pai: pelo apoio material e por ter me ensinado muito sobre doença mental. A minha irmã Débora: pelos livros e dicas. Aos meus outros irmãos: Jonas e Rebeca, que estão em pleno trajeto de maturação. Ao CAPS-Adulto, onde realizei esta pesquisa, que sem esta instituição, provavelmente esta pesquisa não se realizaria. A G., M., L, F., e a todos os profissionais e usuários do CAPS. A todos os que passaram, passam e passarão por sofrimento psíquico e que tanto me ensinaram... As professoras: J. e I. pela orientação e às amigas de especialização: Glauce e Priscila. A minha estimada orientadora: Profª Ms. Tatiana Fecchio Gonçalves, pela atenção e orientação. A Universidade São Marcos, e a todos colegas e professores desta especialização. Por fim, as “pedras preciosas”: Ouro, Marfim, Diamante, Rubi, Topázio, Jade, Água-Marinha, Turmalina, Ametista, Pérola, Safira, Esmeralda e Prata – que sem elas esta pesquisa não ocorreria – e que iluminam este trabalho!
“Pintei e desenhei tanto que no fim já nem sabia mais onde estava. Levei um susto ao ver lá embaixo, nos pés, aquelas terríveis botas de guerra”.
Paul Klee, 1990 (Anotações dos seus diários durante a primeira Guerra Mundial).
"Acima de tudo procurem sentir no mais profundo de vocês qualquer injustiça cometida contra qualquer pessoa em qualquer parte do mundo. É a mais bela qualidade de um Revolucionário”.
Ernesto Che Guevara.
“Quando o segundo “Grande Templo Israelita” foi destruído, a profecia pairava sobre os sábios da geração e sobre os profetas. Desde então, ela passou para os “loucos” e para as crianças, permanecendo com os sábios das gerações.” A profecia foi passada aos “loucos”, ou “doentes mentais”, pois segundo a opinião de alguns rabinos famosos, isto se deu, devido ao fato das pessoas que apresentam sofrimento psíquico intenso e persistente, possuírem uma conexão mais direta com Deus, pois muitos deles não possuem uma conexão “normal” com esta realidade em que vivemos, então Deus, fez com que o canal de comunicação destes “loucos” com os “mundos espirituais” fosse ampliada. Talmud Babilônico – (Talmud Bavli) – Vol. I Talmud Babilônico – Tratado Bava Basra, 2001, p. 12b.
SUMÁRIO LISTA DE ILUSTRAÇÕES.......................................................................................................8 ÍNDICE DE FIGURAS...........................................................................................................8 TABELA DAS PATOLOGIAS DOS PACIENTES SEGUNDO O CID-10...................... 12 TABELA DE GÊNERO, IDADE E FREQÜÊNCIA NAS OFICINAS............................. 13 RESUMO..................................................................................................................................14 1. INTRODUÇÃO................................................................................................................... 15 2. REVISÃO DA LITERATURA........................................................................................... 22 2.1 UMA BREVE REVISÃO HISTÓRICO-CULTURAL DA LOUCURA................. 22 2.2 HISTÓRICO............................................................................................................. 23
2.3 A REFORMA PSIQUIÁTRICA............................................................................. 39 2.4 A REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL.................................................................... 41 2.5 - OS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL – CAPS................................... 44 3. MÉTODO............................................................................................................................. 60 3.1 – SUJEITOS.............................................................................................................. 62 3.2 – MATERIAL........................................................................................................... 63 3.3 – PROCEDIMENTOS.............................................................................................. 63 4. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS................................................................................... 66 4.1 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DAS OFICINAS DE ARTETERAPIA............................ 66 4.2 - A ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL – VISÕES DO CAPS, DAS OFICINAS DE ARTETERAPIA E DE SEUS USUÁRIOS........................................................................119 5. CONCLUSÃO................................................................................................................... 158 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................... 163 ANEXOS............................................................................................................................... 171 ANEXO I -
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO............. 172
ANEXO II - ALGUNS PRONTUÁRIOS RESUMIDOS DOS PACIENTES QUE PARTICIPARAM DAS OFICINAS DE ARTETERAPIA............................................... 173 ANEXO III -
QUESTIONÁRIO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA......... 182
ENTREVISTAS COM AS “PEDRAS PRECIOSAS” QUE PARTICIPARAM DAS OFICINAS DE ARTETERAPIA...................................................................................... 184 ANEXO IV – ENTREVISTA COM OURO.................................................................... 184
ANEXO V – ENTREVISTA COM ESMERALDA....................................................... 197 ANEXO VI – ENTREVISTA COM PRATA.................................................................. 204 ANEXO VII – ENTREVISTA COM MARFIM.............................................................. 214 ANEXOVIII – ENTREVISTA COM TURMALINA...................................................... 225 ANEXO XI – ENTREVISTA COM PÉROLA.............................................................. 238 ANEXO X –
ENTREVISTA COM TOPÁZIO............................................................. 245
ANEXO XI – ENTREVISTA COM SAFIRA................................................................ 268 ANEXO XII – ENTREVISTA COM DIAMANTE........................................................ 282 ANEXO XII - RUBI........................................................................................................ 294 ANEXO XIII – ÁGUA-MARINHA................................................................................. 295 ANEXO XIV – JADE....................................................................................................... 296 ANEXO XV – AMETISTA.............................................................................................. 297
ÍNDICE DE FIGURAS
1ª Atividade: 14/09/06: Apresentação do Grupo, da proposta e dos Oficineiros: Elaboração da “Cartolina dos Nomes”: Fig. 1 - PRODUÇÃO EM CONJUNTO: “CARTOLINA DOS NOMES”......................pg. 67 Fig. 2 - “AVIÃO” - (MARFIM).........................................................................................pg. 68 Fig. 3 - SEM TÍTULO - (ÁGUA-MARINHA)..................................................................pg. 68 Fig. 4 - “EU E/ENTRE MINHAS DUAS FILHAS” - (SAFIRA)......................................pg. 69 Fig. 5 - “BORBOLETAS E FLORES” - (TURMALINA).................................................pg. 69 Fig. 6 - “VESTIDO E FLORES” – (PÉROLA)...................................................................pg 70 Fig. 7 - “PATO, GATO E ÁRVORE” – (OURO)...............................................................pg 70 2ª Atividade: 21/09/2006: “Cartolina da Natureza”: Fig. 8 - “CARTOLINA DA NATUREZA” – PRODUÇÃO COLETIVA.........................pg. 72 Fig. 9 - “MENINAS DE VESTIDO” – (ESMERALDA E PÉROLA)...............................pg. 73 Fig. 10 - “PEDRAS, RIO, CACHOEIRA, PEIXES, HOMENZINHOS, BONECOS E PÁSSAROS”.......................................................................................................................pg. 73 Fig. 11 - “CACHOEIRA, RIO, PEIXES, PÁSSAROS, SOL E ÁRVORE”......................pg. 74 Fig. 12 - “PÁSSAROS (OURO E TURMALINA), FLORES (PÉROLA), MENINA (ESMERALDA E PÉROLA) E ÁRVORE” (ESMERALDA)...........................................pg. 74 Fig.13 - “BONECOS” (TURMALINA), “FLORES, RIO e PEIXES” - (TURMALINA)...........pg.75 Fig. 14 - “ROCHAS” - (MARFIM e SAFIRA), “BONECOS” - (TURMALINA), e “RIO COM PEIXES” - (TURMALINA E SAFIRA)..................................................................pg. 75 Fig. 15 - “PÁSSARO” – (OURO)......................................................................................pg. 76 Fig. 16 - “CARTOLINA DA NATUREZA”......................................................................pg. 76 3ª Atividade: 28/09/2006 – Guache sem Pincéis: Fig. 17 - “GUACHE SEM PINCÉIS I”..............................................................................pg. 77 Fig. 18 - “GUACHE SEM PINCÉIS II”.............................................................................pg. 77 Fig. 19 - “GUACHE SEM PINCÉIS III”...........................................................................pg. 78 Fig. 20 - “GUACHE SEM PINCÉIS IV”...........................................................................pg. 78
Fig. 21 - “GUACHE SEM PINCÉIS V”.............................................................................pg. 78 Fig. 22 - “GUACHE SEM PINCÉIS VI”...........................................................................pg. 79 Fig. 23 - “GUACHE SEM PINCÉIS VII” - PROVAVELMENTE DE JADE..................pg. 79 Fig. 24 - “GUACHE SEM PINCÉIS VIII” – PROVAVELMENTE DE MARFIM.........pg. 79 Fig. 25 - “GUACHE SEM PINCÉIS IX” – PROVAVELMENTE DE MARFIM............pg. 80 Fig. 26 - “GUACHE SEM PINCÉIS X”.............................................................................pg. 80 Fig. 27 - “GUACHE SEM PINCÉIS XI” – PROVAVELMENTE DE MARFIM.............pg. 80 Fig. 28 - “GUACHE SEM PINCÉIS XII”..........................................................................pg. 81
4ª Atividade: 05/10/2006 - Técnica do Espelho com Guache: Fig. 29 - “TÉCNICA DO ESPELHO I”.............................................................................pg. 81 Fig. 30 - “TÉCNICA DO ESPELHO II”............................................................................pg. 82 Fig. 31 - “TÉCNICA DO ESPELHO III” – MARFIM......................................................pg. 82 Fig. 32 - “TÉCNICA DO ESPELHO IV – BORBOLETA VERMELHA E BRANCA”OURO.................................................................................................................................pg. 82 Fig. 33 - “TÉCNICA DO ESPELHO V – PALHAÇO COM CABEÇA AZUL-CLARA”PÉROLA.............................................................................................................................pg. 83 Fig. 34 - “TÉCNICA DO ESPELHO VI” – SAFIRA OU TURMALINA.........................pg. 83 12/10/2006 – Feriado Nacional, não houve oficina. 5ª Atividade: 19/10/2006 – Vela banhada com Verniz Vitral: Fig. 35 - “VERNIZ VITRAL I”...........................................................................................pg.84 Fig. 36 - “VERNIZ VITRAL II” – ESMERALDA............................................................pg. 84 Fig. 37 - “VERNIZ VITRAL III” – MARFIM...................................................................pg. 85 Fig. 38 - “VERNIZ VITRAL IV” – MARFIM...................................................................pg. 85 Fig. 39 - “VERNIZ VITRAL V” – OURO.........................................................................pg. 85 Fig. 40 - “VERNIZ VITRAL VI” – OURO........................................................................pg. 86 Fig. 41 - “VERNIZ VITRAL VII” – PÉROLA..................................................................pg. 86 Fig. 42 - “VERNIZ VITRAL VIII” – SAFIRA..................................................................pg. 86
6ª Atividade: 26/10/2006 – Azulejos Criativos: Fig. 43 - “CAMINHÃO” – OURO.....................................................................................pg. 90 Fig. 44 - SEM TÍTULO – JADE.........................................................................................pg. 90 Fig. 45 - “MÃE E FILHA” – PRATA................................................................................pg. 91 Fig. 46 - “MENINA” – ESMERALDA..............................................................................pg. 91 Fig. 47 - “NÚMERO DE SUA RESIDÊNCIA” – DIAMANTE........................................pg. 92 Fig. 48 - “PALHACINHO MISTURADO COM CACHORRO” – ESMERALDA..........pg. 92 Fig. 49 - “SEM TÍTULO” – MARFIM...............................................................................pg. 93 Fig. 50 - “SEM TÍTULO” – MARFIM...............................................................................pg. 93 Fig. 51 - “SEM TÍTULO” – OURO...................................................................................pg. 94 Fig. 52 - “SEM TÍTULO” – PÉROLA...............................................................................pg. 94 Fig. 53 - “SEM TÍTULO” – PRATA..................................................................................pg. 95 02/11/2006 – Não Houve atividade, devido ao feriado; 7ª Atividade - 09/11/2006 – Oficina com Argila: Fig. 54 - “FOGÃO À LENHA” – JADE............................................................................pg. 97 Fig. 55 - “PRODUÇÕES COLETIVAS EM ARGILA”....................................................pg. 97 Fig. 56 - “TACHO COLORIDO” – JADE.........................................................................pg. 98 Fig. 57 - “VACA OU ELEFANTE” – MARFIM...............................................................pg. 98
8ª Atividade: 16/11/2006 - Preparação para Pintura em Tela:
Fig. 58 - Pintura de Bernard Peltriaux...............................................................................pg.102 Fig.59 - 1ªCÓPIA: “MENINA ROMÂNTICA” ou “MENINA MORTA CHEIRANDO FLOR” – DIAMANTE.............................................................................pg. 102 Fig. 60 - “Aaron pondo óleo numa das lamparinas da Menoráh”....................................pg. 103 Fig. 61 - 2ª CÓPIA: “SEM TÍTULO” – AMETISTA......................................................pg. 103 Fig.62 - 3ª CÓPIA (DE UMA PINTURA DE DI CAVALCANTI): “MULHERES SENSUAIS” – ESMERALDA.................................................................pg. 104 Fig. 63 - 4ª CÓPIA: “OS HOMENZINHOS” – MARFIM...............................................pg. 104 Fig. 64 - “Araras”, de: Johnny A. Y. Kwang....................................................................pg. 105
Fig. 65 - 5ª CÓPIA: “ARARAS” – OURO.......................................................................pg. 105 Fig. 66 - “EU e a ALDEIA” – M. CHAGALL.................................................................pg. 106 Fig. 67 - 6ª CÓPIA: “VACA OU CAVALO” – SAFIRA................................................pg. 106
9ª Atividade: 23/11/2006 - Visita à Bienal de Artes de São Paulo:
10ª Atividade: 30/11/2006 - Discussão sobre a visita à Bienal de Artes e confecção do “Ônibus do Caps na Tela do Cinema”: Fig. 68 - “ÔNIBUS DO CAPS NA TELA DO CINEMA”..............................................pg. 111 Fig. 69 - PRIMEIRA PARTE DO: “ÔNIBUS DO CAPS NA TELA DO CINEMA”....pg. 112 Fig. 70 - SEGUNDA PARTE DO: “ÔNIBUS DO CAPS NA TELA DO CINEMA”....pg. 112 Fig. 71 - “PACIENTES e PROFISSIONAIS NA TELA DO ÔNIBUS DO CAPS”........pg. 113 Fig. 72 - “PACIENTES e PROFISSIONAIS NA TELA DO ÔNIBUS DO CAPS”.........pg. 113 Fig. 73 - “PACIENTES e PROFISSIONAIS NA TELA DO ÔNIBUS DO CAPS”.........pg. 113 Fig. 74 - “ÔNIBUS DO CAPS NA TELA DO CINEMA”..............................................pg. 114 Imagens das “Pedras Preciosas” Brutas e Trabalhadas: Fig. 75 – OURO – DENTRO DE SEU ANEXO: IV........................................................pg. 185 Fig. 76 – ESMERALDA – DENTRO DE SEU ANEXO: V............................................pg. 198 Fig. 77 – PRATA – DENTRO DE SEU ANEXO: VI......................................................pg. 205 Fig. 78 – MARFIM – DENTRO DE SEU ANEXO: VII.................................................pg. 215 Fig. 79 – TURMALINA – DENTRO DE SEU ANEXO: VIII........................................pg. 246 Fig. 80 – PÉROLA – DENTRO DE SEU ANEXO: IX...................................................pg. 239 Fig. 81 – TOPÁZIO – DENTRO DE SEU ANEXO: X...................................................pg. 246 Fig. 82 – SAFIRA – DENTRO DE SEU ANEXO: XI.....................................................pg. 269 Fig. 83 – DIAMANTE – DENTRO DE SEU ANEXO: XII............................................pg. 283 Fig. 84 – RUBI.................................................................................................................pg. 294 Fig. 85 – ÁGUA-MARINHA..........................................................................................pg. 295 Fig. 86 – JADE..................................................................................................................pg. 296 Fig. 87 – AMETISTA.......................................................................................................pg. 297
PATOLOGIAS SEGUNDO O CID-10 (CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE DOENÇAS) Hipóteses Diagnósticas F 32.3 = Episódio depressivo DIAMANTE grave com sintomas psicóticos. F. 20.0 = Esquizofrenia paranóide OURO F 23.1 Transtorno psicótico agudo poliformo, com sintomas MARFIM esquizofrênicos F 32.3 = Episódio depressivo TOPÁZIO grave com sintomas psicóticos F 31.1 = Transtorno afetivo bipolar, episódio atual maníaco sem sintomas psicóticos JADE F 20.9 = Esquizofrenia não especificada com quadro de demência vascular ou F 29 = F 29 = Psicose não-orgânica não especificada, está sendo submetida a vários exames, com suspeita de um quadro de PÉROLA demência. F 29 = Psicose não-orgânica não especificada ou F 32.3 = Episódio depressivo grave com sintomas psicóticos, ou F 20.0 ou F 20.0 = Esquizofrenia paranóide ou Transtorno psicótico crônico – caso em discussão com a equipe do CAPS PRATA F 32.3 = Episódio depressivo ESMERALDA grave com sintomas psicóticos F 33.3 = Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave SAFIRA com sintomas psicóticos F 20.0. = Esquizofrenia TURMALINA paranóide Hipótese diagnóstica não AMETISTA verificada Hipótese diagnóstica não ÁGUAMARINHA verificada Hipótese diagnóstica não verificada RUBI
TABELA DAS PATOLOGIAS DOS PACIENTES DESTE CAPSADULTO EM ESTUDO, SEGUNDO O CID-10, AFERIDAS PELOS PSIQUIATRAS DESTE MESMO CAPS, CONFORME DESCRITO EM SEUS PRONTUÁRIOS.
TABELA DE GÊNERO, IDADE E FREQÜÊNCIA NAS OFICINAS DE ARTETERAPIA
SEXO IDADE MEDIA DE IDADE TOTAL HOMENS TOTAL MULHERES MEDIA POR PARTICIPANTE TOTAL ATIVIDADES
DIAMANTE MASC. 27
OURO MASC. 41
4
7
MARFIM TOPAZIO MASC. MASC. 49 39
JADE MASC. 26
38 6 7 10
2
3
10
SEXO IDADE MEDIA DE IDADE 38 TOTAL HOMENS 6 TOTAL 7 MULHERES MEDIA POR PARTICIPANTE TOTAL 10 ATIVIDADES SEXO IDADE MEDIA DE IDADE 38 TOTAL HOMENS 6 TOTAL 7 MULHERES MEDIA POR PARTICIPANTE TOTAL 10 ATIVIDADES
PRATA FEMIN. 31
1
ESMERALDA SAFIRA TURMALINA PÉROLA FEMIN. FEMIN. FEMIN. FEMIN. 25 32 35 64
9
6
AMETISTA Á.MARINHA RUBI FEMIN. FEMIN. MASC. 55 40 30
1
1
1
3
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RESUMO Este estudo tem como objetivo entender como pacientes que apresentam sofrimento psíquico severo e persistente, vivenciaram oficinas de Arteterapia em um Centro de Atenção Psicossocial para Adultos (CAPS), e como estas oficinas terapêutico-expressivas puderam contribuir para suas vidas. O método utilizado foi em uma abordagem qualitativa aos moldes do construtivismo social, onde a verdade é relativa e própria de cada sujeito. A epistemologia é subjetivista dialógica. O método pressupôs a análise do significado da fala, ou da produção não verbal (desenho, pintura, modelagem, etc.) dos pacientes do grupo das oficinas de Arteterapia, dentro de uma abordagem gestáltica - embasada nos princípios da fenomenologia. As produções dos pacientes das oficinas foram expostas ao público, tendo ocorrido uma visita à 27ª Bienal de Artes de São Paulo. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com alguns pacientes, sendo que as produções de todo o grupo, inclusive a dos entrevistados, estavam expostas na mesma sala onde se deu o estudo. Verificou-se que a Arteterapia e os recursos terapêutico-expressivos ajudam significativamente na prevenção, no tratamento e na melhora geral do estado geral destes pacientes, sugerindo um bom prognóstico. Isto ocorre de forma ainda mais significativa caso a Arteterapia seja utilizada adjunta a outros tratamentos, tais como: medicamentoso, psicológico, de terapia ocupacional, entre outros, dentro de uma proposta de reabilitação psicossocial destes pacientes que passam e passaram por histórias de vida muito sofridas, tendo muitos deles passado, inclusive, por internações psiquiátricas.
Palavras-chave: Oficinas de Arteterapia, Vivências Terapêuticas, Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), Reabilitação Psicossocial, Sofrimento Psíquico.
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1 - INTRODUÇÃO Durante o percurso como psicólogo e pós-graduando em Arteterapia e psicologiahospitalar, fui percebendo a importância do atendimento aos que sofrem mentalmente moderada, severa e intensamente (e/ou persistentemente), através de um meio que não sejam as formas clássicas de atendimento psicológico - por intermédio das abordagens e técnicas verbais e não verbais. O atendimento por meio da arte ou da Arteterapia, ou de terapias expressivas, tem sido relativamente novo comparado aos atendimentos clássicos, sem o uso destes recursos. Importante lembrar que o psicólogo hospitalar e o arteterapeuta é um profissional recente, comparado a outros profissionais da saúde - como médicos e enfermeiros. Segundo a American Art Therapy Association (AATA) :
Arteterapia é uma profissão assistencial ao ser humano. Ela oferece oportunidades de exploração de problemas e de potencialidades pessoais por meio da expressão verbal e não-verbal, e do desenvolvimento de recursos físicos, cognitivos e emocionais, bem como a aprendizagem de habilidades, por meio de experiências terapêuticas com linguagens artísticas variadas. O uso da arte como terapia implica que o processo criativo pode ser um meio tanto de reconciliar conflitos emocionais, como de facilitar a autopercepção e o desenvolvimento pessoal. (American Art Therapy Association, Boletim Informativo 1999, apud CARVALHO, 1995, p. 24)
O interesse pelo tema em questão, surgiu através de leituras, palestras e visitas a museus como a Casa das Palmeiras e o Museu Imagens do Inconsciente, localizado no Rio de Janeiro, e fundado pela doutora Nise da Silveira, das obras e vida de: Bispo do Rosário, Estamira, Moacir (esquizofrênicos famosos que eram verdadeiros artistas), casos clínicos, Museu do Juquery, e através de encontros e congressos como: o “I Encontro entre Arte e Saúde Mental” no Rio de Janeiro e pelo “Encontro Nacional de Saúde Mental – A Reforma Psiquiátrica que Queremos: Por uma Clínica Antimanicomial!” em Belo Horizonte; por entrevistas tais como: com a maravilhosa Dra. Marie Christine M. Duniau, da Casa das Palmeiras - que trabalhou vários anos com a Dra. Nise da Silveira, que me cativou e elucidou com sua refinada sensibilidade e empenho ao longo dos anos de trabalho, personalidade e tratamento terapêutico revolucionário. É interessante notar que os limites entre fenômenos como arte, religião, ciência e loucura, são muito tênues. Todos estes fenômenos mesclam-se de tal forma que torna-se
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difícil se estudar um deles, sem a ajuda do outro. Por isto recorri a diversas fontes bibliográficas, filmes, palestras, entrevistas e congressos. Sendo assim penso que a Arteterapia pode possibilitar a mudança de pensamentos, emoções e comportamentos, integrando o ser humano, ajudando-lhe a realizar-se mais plenamente, interagir melhor consigo e com mundo – resgatando e criando vínculos; reconstruir um sentido a sua vida, muitas vezes alquebrada pelos sofrimentos vividos. A arte tem um potencial profilático, terapêutico, curativo, homeostático (de harmonia e equilíbrio), paliativo,
bioenergético,
além
de
poder
ser
utilizado
em
técnicas
preventivas,
psicodiagnósticas e em prognósticos. Pode possibilitar uma maior rapidez na recuperação e cura do paciente, servindo-lhe como um meio de expressão, comunicação, alívio de sintomas e dores, e aumento da auto-estima. Segundo Fabietti (2004, p. 17):
A arte contribui para o processo de reconstrução da vida. Através do desenho, da pintura, da escultura e de tantos outros materiais, imagens e símbolos, são criados ao longo do processo, contribuindo para a formação de gestalts. Percebemos formas e padrões com mais clareza. A percepção se torna de tal forma sensível que ela nos leva a insights facilitadores de contato. Contato com o que é e com o que gostaria que fosse.
A arte pode revitalizar o paciente, dando-lhe maior suporte para enfrentar a vida e vivenciá-la de modo mais pleno. Fornece o resgate da auto-estima e dos vínculos. Além de uma melhoria na autopercepção, tanto no que se refere ao meio interno, tanto quanto com o meio externo, proporcionando assim, um maior autoconhecimento. É uma linguagem científica, universal, mágica, poética, eficaz, mas infelizmente, ou, felizmente, pouco mensurável; mas que tem seus efeitos indiscutíveis. Para Jung apud Tommasi, 2005, a psique possui potencial criativo inesgotável. A teoria dos arquétipos em muito contribui para a compreensão do ser humano em nível pessoal e universal. Utilizando-se de recursos expressivos em seu trabalho terapêutico, Jung objetivava o desenvolvimento criativo, que, muitas vezes, manifesta-se somente pelas mãos. Nise da Silveira, em seus trabalhos, sublinhou a importância desse método com pacientes com sofrimento psíquico intenso e severo, principalmente para aqueles que estão mergulhados nas profundezas do inconsciente e impossibilitados de elaboração cognitiva e verbal. As técnicas artísticas viraram mais um veículo de comunicação entre pacientes e técnicos.
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Afim de que a arte possa atingir seus objetivos mais eficazes e terapêuticos, deve ser operacionalizada por um profissional competente que saiba manejar o trabalho terapêutico junto ao paciente - com afeto e muito método, experiência e sensibilidade.
A arte pode elevar o homem de um estado de fragmentação a um estado de ser íntegro, total. A arte capacita o homem para compreender a realidade e o ajuda não só a suportá-la como a transformá-la, aumentando-lhe a determinação de torná-la mais humana e mais hospitaleira para a humanidade. (FISCHER, 1981, p.57)
O presente estudo se desenvolveu através de um voluntariado que durou de setembro de 2006 á janeiro de 2007 num CAPS-Adulto. O objetivo deste trabalho foi: compreender como os pacientes de um determinado CAPS – Centro de Atenção Psicossocial, vivenciaram as oficinas de Arteterapia através das técnicas terapêuticas/expressivas, aplicadas no grupo – e em que as oficinas contribuíram para a vida destes pacientes. As atividades ocorreram todas às quintas-feiras das 13:30 às 15:00 horas, dirigidas por uma equipe multiprofissional da qual eu fiz parte integrante. Os pacientes eram convidados a participarem das oficinas de Arteterapia sem obrigatoriedade de participação nas semanas subseqüentes. Ao longo das semanas, foi se constituindo um grupo, aonde os pacientes, portadores de sofrimento psíquico severo e persistentes, vinham mais ou menos regularmente todas as semanas. O grupo era aberto a quem tivesse o desejo de vivenciar oficinas de Arteterapia através de diversas técnicas e materiais expressivos. Foram realizadas anotações, pontuações, reflexões, discussões e intervenções no decorrer das oficinas sobre: as atividades, os pacientes e as produções elaboradas. Os trabalhos produzidos foram guardados, e ao final das oficinas, foram expostos no próprio CAPS ao público. Para atingir tal objetivo, que foi: entender como os pacientes deste CAPS-Adulto vivenciaram as oficinas de Arteterapia e no que elas contribuíram para suas vidas - procurei buscar através de uma revisão bibliográfica, uma maior compreensão da história da loucura, objeto do capítulo 1. Em seguida, o capítulo 2 consta de uma revisão bibliográfica sobre a reforma psiquiátrica e os modelos substitutivos de atenção aos que sofrem psiquicamente, em contrapartida aos pérfidos e desumanos hospitais psiquiátricos que estão em desativação. No terceiro capítulo abordei o tema da reabilitação psicossocial e no quarto capítulo: Os Centros de Atenção Psicossocial – CAPS.
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Após a revisão da literatura abordei o método utilizado no presente estudo, seguido da discussão e análise dos resultados obtidos, seguido da conclusão, referências bibliográficas e anexos, onde constam as entrevistas de cada paciente que participou de pelo menos uma oficina de Arteterapia neste CAPS-Adulto. As produções elaboradas pelos pacientes estão na descrição e análise das atividades/oficinas de Arteterapia. Constam também na discussão dos resultados, a análise e o olhar de três profissionais deste CAPS, de áreas diferentes da saúde: uma terapeuta ocupacional, uma assistente social e uma psicóloga, sobre as oficinas de Arteterapia e sobre os pacientes que participaram das mesmas. Um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) ou Núcleo de Atenção Psicossocial estrutura-se como um serviço de saúde aberto e comunitário do Sistema Único de Saúde (SUS). Ele é um lugar de referência e tratamento para pacientes que sofrem de transtornos mentais, psicoses, neuroses graves e demais quadros, cuja severidade e/ou persistência justifiquem sua permanência numa forma de cuidado intensivo, comunitário, personalizado e promotor de vida. O CAPS visa oferecer atendimento à população de sua área de abrangência, realizando o acompanhamento clínico e a reintegração social dos pacientes pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários. É um dispositivo de atendimento de saúde mental criado para ser substitutivo aos hospitais psiquiátricos, onde ainda há internos cronificados, internados há muitos anos. Tendo como objetivos: a prestação de atendimento em regime de atenção diária; o gerenciamento de projetos terapêuticos, apresentando cuidado clínico eficiente e personalizado; promoção da inserção social dos pacientes através de ações intersetoriais que abarquem educação, trabalho, esporte, cultura e lazer, elaborando estratégias conjuntas de enfrentamento dos problemas. Os CAPS também têm a responsabilidade de: organizar a rede de serviços de saúde mental de sua região; dar apoio e supervisionar a atenção à saúde mental na rede básica, PSF (Programa de Saúde da Família), PACS (Programa de Agentes Comunitários de Saúde); moderar a porta de entrada da rede de assistência em saúde mental de sua área; distribuir junto com o gestor local as atividades de supervisão de unidades hospitalares psiquiátricas que operarem em seu território e manter atualizada a listagem dos pacientes de seu entorno que façam uso de medicamentos. Os CAPS devem ter espaço próprio e adequadamente preparado para acolher à sua demanda específica, sendo capazes de oferecer um ambiente sóbrio e estruturado.
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Necessitam de, no mínimo, os seguintes recursos físicos: consultórios para atividades individuais (consultas, entrevistas, terapias); salas para atividades grupais; espaço de convivência; oficinas; refeitório (o CAPS deve ter capacidade para proporcionar refeições de acordo com o tempo de permanência de cada paciente na unidade); sanitários e área externa para oficinas, recreação e esportes. (Ministério da Saúde, 2004). Há muitos pacientes que não respondem bem, ou mesmo não respondem, ou não conseguem expressar-se por intermédio da linguagem falada, sendo muito difícil estabelecer um vínculo para o trabalho terapêutico, ou seja qual for à meta do tratamento. Algo que tenha sentido para o paciente, que vá de encontro com seus desejos e mobilize nele um querer, vontade de melhorar sua condição, sua integração psicossocial, restabelecer e manter seu tênue equilíbrio psíquico, e suas relações do dia-a-dia; dar a possibilidade de tornar seu sofrimento mais ameno, ou de expressar o que está sentindo e pensando. Buscar que seus conflitos internos ou externos possam ter um lugar – lugar de expressão, cuidado e respeito diante da subjetividade em questão. Sendo que na maior parte das vezes o psicólogo faz uso da linguagem verbal, os recursos artístico-expressivos poderiam ser de grande valia, importância e eficácia para os pacientes com sofrimento psíquico severo e persistentes, especialmente para os que possuem dificuldade em estabelecer vínculos, tornando-se a arte, um instrumento catalisador para esta, e para outras finalidades no tratamento.
O processo arte-terapêutico permite ao sujeito expressar suas fantasias e, ao mesmo tempo, liberar conteúdos reprimidos do inconsciente. A conscientização direta dos problemas é demasiadamente dolorosa. A expressão artística permite entrar em contato com temas que relatam as tendências da personalidade que ainda não foram reconhecidas ou admitidas; despotencializando as energias psíquicas formadoras de complexos. (TOMMASI, 2005, p. 296)
Para Klee (apud SILVEIRA, 1981, p.31), no momento da criação “abandona-se à região do mundo real para ir construir do outro lado numa região distante que possa ao menos existir intacta”. Já para Jung (1986, p.124):
A produção plástica dos esquizofrênicos vai muito além dos conteúdos pessoais reprimidos, não sendo reflexo de sintomas. Manifestam-se conjuntamente com outros fatores psíquicos em dinamismo extremamente complexo. É possível se observar a força criadora dos pacientes e a manifestação de símbolos provenientes de arquétipos inconscientes.
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Jung através de suas investigações, em diversos campos de estudo, é levado a conceituar a existência de disposições inatas para a configuração de imagens e idéias análogas, carregadas de emoções, nas diversas culturas, através dos milênios. A essas estruturas,
denominadas
arquétipos,
atribui
importância
para
a
compreensão
do
comportamento individual, como uma manifestação da sociedade humana regida globalmente, no tempo e espaço. Podem aparecer em sonhos e nos trabalhos artísticos, sobretudo em expressões plásticas produzidas por psicóticos. As camadas mais profundas do inconsciente se formariam e deveriam suas estruturas a uma inserção no processo de desenvolvimento das experiências sócias primárias, historicamente. Este fenômeno, com seus símbolos e arquétipos passam a ser um acervo da humanidade e a fazer parte de todos os homens, recebendo a denominação de inconsciente coletivo. Portanto o homem seria para Jung, essencialmente social, sendo que a psique humana não poderia existir sem uma cultura de origem, onde a individualidade vai se processar por diferenciação deste contexto maior. Procurei através deste trabalho, buscar a poética pessoal de cada um, vinculada a sua história de vida, na maior parte, muito sofrida, tendo um futuro muito incerto e com poucas perspectivas reais de uma mínima qualidade de vida. Para tanto, é necessário valorizar as iniciativas de cada um, com a preocupação de que suas produções sejam bem apreciadas, valorizadas, reconhecidas, tanto pelos produtores, quanto pelos profissionais, familiares e sociedade – já que os trabalhos foram expostos ao público. As práticas terapêuticas em Arteterapia podem possibilitar o acesso subjetivo, em detrimento da dificuldade de abordagem verbal dos conflitos intrapsíquicos e relacionais que os pacientes apresentam: reinventando, “costurando”, abarcando e tecendo afetuosamente a singularidade de cada paciente. Como muito bem clarifica Valero (2001, p.78): Como ator, autor, pintor, cantor, etc. o indivíduo pode deixar a unicidade de ser louco, para a qual parecem convergir todos os aspectos de sua vida a partir do diagnóstico, ocupando outro lugar no mundo, que, como qualquer ‘‘lugar artístico”, pressupõe o reconhecimento de um público.
As oficinas de Arteterapia bem como as outras oficinas, desejam oferecer mais do que uma “prescrição do tratamento”, todavia, constituir-se como um espaço de exercício de subjetividade e cidadania, onde o paciente possa circular primeiramente nas oficinas diversas que o CAPS lhe oferece, e assim, escolher quando e qual oficina deseje participar. A função dos profissionais de saúde mental nas oficinas, é terapêutica, expressiva, interventiva quando necessário, trabalhando os conteúdos psíquicos que emergem; vivenciando e trocando
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experiências junto aos sujeitos, profissionais, familiares e comunidade – fazendo circular o saber. Nas atividades prioriza-se a construção de um clima, não de tratamento, mas de aprendizado e exercício criativo, onde os conflitos surgidos possam encontrar um clima acolhedor num referencial de inclusão social e integralidade pessoal. Cada sujeito do grupo aberto das oficinas de Arteterapia, pensou, experenciou e sentiu as oficinas - de um modo especial e único. Para tanto, esta pesquisa visou indagar dialogicamente com cada paciente, ao término do voluntariado, através de uma entrevista semi-estruturada, onde autores e produções possam confrontar-se, no que a arte e a Arteterapia poderiam contribuir para a sua vida - em seus diversos aspectos. Para tanto, utilizei-me de uma abordagem gestáltica, numa base/método fenomenológico-existencial. Esta pesquisa baseou-se sob os pilares da psicologia humanista, seguindo a abordagem gestáltica, utilizando-se da Arteterapia como recurso terapêutico e expressivo. A psicologia humanista entende o homem no sentido de valorizar sua existência e buscar a sua essência nas experiências e vivências. Portanto, considera-o como ser total, possuindo uma visão otimista e positiva do mesmo quanto às suas potencialidades e possibilidades. Pode-se dizer que a psicologia humanista vê o ser humano como um ser holístico, entendendo o homem como um organismo tendo uma configuração organizada que reage como um todo diante da realidade que ele experimenta e percebe. Este estudo baseou-se numa abordagem gestáltica. A Gestalt terapia valoriza a dimensão relacional do ser humano, fundamentando a atitude terapêutica na relação dialógica. Baseia-se nos princípios da fenomenologia, privilegiando o momento presente e entendendo que, o que acontece com cada sujeito faz parte da bagagem vivida que o mesmo carrega. A Gestalt não é apenas uma abordagem teórica, mas uma postura de vida, um modo de enxergar a vida. Procura fazer com que o indivíduo cresça, liberando sentimentos escondidos e tornando explícito o que se encontra implícito. Busca completar as necessidades não satisfeitas do indivíduo para que o mesmo possa abrir-se para o novo. Objetivou-se propiciar um espaço, onde cada um pôde melhor se auto-reconhecer, compreender-se, e trocar com o outro do grupo - dando um maior significado ao sofrimento e ao existir, além de proporcionar uma maior contratualidade e resgate de cidadania, da possibilidade de se ressignificar a própria vida - atento aos desejos e à expressão das subjetividades e singularidades de cada indivíduo. Assim também Silveira (1992, p.21) priorizou em seu trabalho:
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Era um método que deveria, como condição preliminar, desenvolver-se num ambiente cordial, centrado na personalidade de um monitor sensível, que funcionaria como uma espécie de catalisador. Nesse clima, sem quaisquer coações, através de atividades diversas verbais ou não verbais, os sintomas encontravam oportunidade para se exprimirem livremente.(...) Damos grande ênfase às relações interpessoais, entre corpo técnico e cliente, sem as marcadas distinções discriminatórias que os separam. Distinguir médicos, psicólogos, monitores, estagiários, clientes, torna-se tarefa ingrata. A autoridade da equipe técnica estabelece-se de maneira natural, pela atitude serena de compreensão face à problemática do cliente, pela evidência do desejo de ajudá-lo e por um profundo respeito à pessoa de cada indivíduo.
Esta pesquisa tenciona contribuir com os estudantes, estagiários, voluntários, profissionais, com o próprio CAPS e instituições vinculadas, e a todos os interessados em contribuir e aprofundar seu conhecimento e prática no tratamento, reabilitação psicossocial e qualidade de vida, dos pacientes dos Sistemas Substitutivos em Saúde Mental – levantando hipóteses, indagações e reflexões para a comunidade, sociedade e para o saber científico.
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2 - REVISÃO DA LITERATURA
2.1 - UMA BREVE REVISÃO HISTÓRICO-CULTURAL DA LOUCURA Este capítulo tem por objetivo elucidar uma revisão histórico-cultural da loucura e dos denominados “loucos”. Segundo Frayze-Pereira (1985) durante séculos, o louco foi caracterizado de diversas formas: bêbado, delinqüente, arruaceiro, vagabundo, imprestável e outros. Assim, para que a sociedade não fosse “contaminada” por esse tipo de pessoa, o isolamento fazia-se necessário. A princípio, não havia distinção entre o doente mental propriamente dito e o doente mental “rotulado”, ou seja, tanto os doentes mentais como os não doentes mentais, conviviam num mesmo espaço e recebiam os mesmos tratamentos. Os asilos, que hoje denominamos hospitais psiquiátricos, tinham uma única função: isolar, encarcerar e excluir. A recuperação e a reintegração dentro da sociedade era algo que nem sequer era cogitado. É fato que, muitos séculos se passaram e que modificações ocorreram e ocorrem para possibilitar um tratamento mais digno e humano para os pacientes que sofrem com doenças mentais como, por exemplo, a esquizofrenia, a depressão e o transtorno bipolar. Atualmente, no tratamento do doente mental, o uso de medicamentos se faz presente juntamente com as terapias, como por exemplo, a Arteterapia, a terapia ocupacional, a de reabilitação, a comportamental ou a psicanalítica, dentre outras. É claro que apesar das mudanças, existem ainda mesmo que em menor número, instituições que utilizam o método da reclusão, pois o fator monetário tem grande influência nestas instituições que não visam o doente e nem a sua recuperação, visam apenas o capital, mesmo que este seja através de um ato desumano.
2.2 - HISTÓRICO
Seguirei Frayze-Pereira (1985) para abordar a questão histórica-cultural da loucura. Segundo o autor, a história da loucura pode ser dividida a grosso modo em três grandes momentos:
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1) Um período de liberdade e verdade que inclui os últimos séculos medievais; 2) O período da “grande internação”, que abrange os séculos XVII e XVIII; 3) A época contemporânea, após a Revolução Francesa, quando cabe à Psiquiatria a tarefa de lidar com os loucos que abarrotam os asilos.
Segundo o autor, em fins da Idade Média a loucura é ainda uma experiência possível para cada um, antes exaltada do que dominada, fazendo parte do dia-a-dia, não tendo um caráter médico. O grande mal que assolava a Europa até as Cruzadas era a lepra, e os leprosos são banidos da cidade, envolvendo-se num círculo sagrado. A lepra torna-se sofrimento que “purifica e castiga o pecador”. Outros personagens, com o fim das Cruzadas, quando a lepra desaparece, ocupam este “espaço sagrado”: os pobres, os vagabundos e os “cabeças alienadas”. Com o Renascimento muitos loucos são confinados em navios, levando-os de uma cidade para outra, criando assim uma espécie de exílio ritual, sendo sua viagem de caráter simbólico. Embarcar os loucos é assegurar-se de que partirão para longe e serão prisioneiros de sua própria partida, tornando-se o prisioneiro da mais livre das rotas. O louco, encerrado no navio de onde não escapa, é entregue à correnteza infinita do rio, á fluidez instável e misteriosa do mar, não pertencendo a nenhuma terra firme. Tornam-se figuras importantes por sua ambigüidade, ameaçando e surpreendendo o mundo, invadindo a imaginação do homem europeu. Já no Renascimento a loucura apresenta-se de formas diversas, expressando-se em ritos populares, nas artes plásticas (Bosch, Breughel), nas obras de filosofia ou de crítica moral (Brant; Erasmo) e nos textos literários (Shakespeare; Cervantes). Na França loucos célebres escrevem livros que são lidos por um público culto como obras de loucura. Mas é só até o começo do século XVII que a cultura ocidental mostra-se hospitaleira com estas formas de experiência. A arte permanece profundamente religiosa até o século XV, e a fascinação que as imagens da loucura exercem sobre o homem do século XV, manifestam-se primeiramente pela figura dos animais. Esses animais fantásticos (nos quadros de Bosch) revelam a verdade do homem, constituem a sua natureza secreta. A animalidade escapa à domesticação e fascina o homem por seu furor, por sua desordem. Ela revela a monstruosa loucura que se oculta no interior dos homens, tudo que neles existe de impossível, de inumano. No entanto, sob essa aparente desordem, a loucura fascina porque ela é saber. A loucura é um saber difícil, esotérico, constituído por formas estranhas. É um saber inacessível ao homem de razão e que o louco detém em sua inocência. São muitas as imagens que os simbolizam. Por exemplo, conforme observa Foucault, ao observar o quadro os “Cavaleiros
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do Apocalipse” de Dürer vemos “os guerreiros desenfreados da louca vingança, cabendo a vitória nem a Deus nem ao Diabo, mas à Loucura”. Em suma, “as loucas imagens da loucura” fascinam por sua força de revelação. No final da Idade Média, através da coerência da fantasia, as ameaças, os segredos e o destino do mundo puderam plasticamente se exprimir. A experiência da loucura, na pintura do século XV, instaura-se como uma “experiência trágica”. No entanto, na relação da literatura e da filosofia, a loucura recebe um tratamento diferente. A loucura governa todas as fraquezas humanas. Ocupa o primeiro lugar na hierarquia dos vícios. Ela atrai, mas não fascina. O saber a qual ela está ligada é fácil, sem enigmas. A loucura não expressa os verdadeiros mistérios do mundo, mas oferece ao homem a verdade de si mesmo, isto é “suas fraquezas, seus sonhos e suas ilusões”. No século XV através da filosofia e da literatura, a loucura insere-se num universo moral. O Mal não marca o advento do fim dos tempos e do mundo, mas é erro e defeito. O mesmo autor comenta quem são os passageiros da “Nau dos Loucos”: os ávaros, os delatores, os bêbados. São os que se entregam à desordem e à devassidão, os que interpretam mal as Escrituras, os que praticam o adultério. O poema de Brant, “A Nau dos Loucos” (1492), retrata as desordens da conduta inventadas pelos homens. Diferentemente dos pintores, os sábios, como Erasmo (Elogio da Loucura, 1509), contemplam a loucura à distância, sem se misturarem com ela. E como se colocam fora do mundo, ocupando o lugar reservado aos deuses, consideram a loucura e sua medíocre verdade como objeto de discurso. Assim, a loucura será o reflexo interior daquele que se contempla, revelando sua presunção. Dessa forma, a loucura passa a fazer parte do universo moral. O mal não é mais castigo e sim erro e defeito, que são narrados no poemas de Brant, Nau dos Insanos, ou narrenschiff, em 1497. Sua contribuição literária revive o ciclo dos argonautas, que será tema desse tipo de literatura. Segundo Foucault (1972, p. 9-12):
De todas essas naves romanescas ou satíricas, a Narrenschiff é a única que teve existência real; esses barcos que levavam sua carga insana de uma cidade para outra. Os loucos tinham uma existência facilmente errante [...] é para o outro mundo que parte o louco, em sua barca louca; é do outro mundo que ele chega quando desembarca. Esta navegação do louco é simultaneamente a divisão rigorosa e a passagem absoluta [...] É o passageiro por excelência , isto é, o prisioneiro da passagem.
Desta forma a loucura, tal como é formulada na literatura e na filosofia, vê-se apreendida por uma “consciência crítica”. Esta “consciência crítica”, que busca dar a loucura
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um sentido principalmente moral, tende a opor-se à “experiência trágica” desenvolvida pelos pintores no espaço silencioso da visão. O poder de revelação das imagens caminha numa direção diferente da aberta pela potência dominadora do discurso. E, no entanto, no começo da Renascença essa oposição não se mostra tão nítida. A “experiência trágica” e a “consciência crítica” da loucura interpenetram-se e formam uma única trama de significações. A loucura por estar tão presente em toda a parte, misturada a todas as experiências humanas com suas imagens e perigos, era sentida sem que sua silhueta houvesse se destacado claramente como um objeto exterior. Inseparável da imaginação e do sonho, a sensibilidade á loucura, nessa época, dizia respeito à certa maneira de vivenciar o mundo em sua totalidade. Pode-se dizer que até final do século XVI não havia fundamento para a certeza de não estar sonhando, de não ser louco. Sabedoria e loucura estavam muito próximas. E a grande via de expressão dessa proximidade era a linguagem das artes: a pintura, a literatura, sobretudo o teatro que, no final do século vai desenvolver a sua verdade, isto é, a de ser ilusão: “algo que a loucura é, em sentido estrito”. Pouco a pouco, foi se instituindo o gesto de opressão da loucura. No decorrer do século XVII, a loucura abandona de modo definitivo a nau em que ritualmente navegava por toda à parte e se fixa no hospital. Através da Europa se criam casas de internamento onde a loucura é retida. Mas, além disso, nesse mesmo século, o pensamento moderno aprisiona filosoficamente a loucura. Ela se estrutura no interior da sociedade burguesa nascente, uma sociedade voltada, sobretudo para os poderes da razão. É destarte que, se metodicamente cultivada, fará do homem senhor da natureza. Para Frayze-Pereira (1985), no pensamento de Descartes, a loucura se vê privada do direito a alguma relação com a verdade. Sendo o sujeito que duvida, a loucura jamais poderá atingi-lo, pois o ato de duvidar implica o pensamento e aquele que pensa e, por princípio, anula essa possibilidade. Como diz Foucault: “o perigo da loucura desapareceu no próprio exercício da razão”. O eu que conhece não pode estar louco, assim como o eu que não pensa não existe. Excluída pelo sujeito que duvida, a loucura é a condição de impossibilidade do pensamento. Ou seja, a partir do racionalismo moderno, sabedoria e loucura se separam. Os perigos que a loucura poderia oferecer para influenciar a relação entre o sujeito e a verdade são afastados. E isto porque com Descartes, “a loucura foi colocada fora do domínio no qual o sujeito detém seus direitos à verdade: domínio este que, para o pensamento clássico, é a própria razão”. Antes de todo o pensamento ordenado existe a implicação da vontade e da opção entre razão e desrazão. Isto é, segundo Foucault, “na era clássica, a razão nasce no
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espaço da ética”. A razão oculta uma escolha contra o abandono preguiçoso aos encantamentos do desatino. No entanto, nessa época, a exclusão da loucura não se deu apenas ao nível de uma “experiência filosófica”. Há a criação de todo um conjunto de instituições através do qual a dominação da loucura, a sua condenação ao silêncio, acabará por se efetivar. Com efeito, em 1656, funda-se por decreto em Paris, o Hospital Geral, isto é, uma instituição que engloba diversos estabelecimentos sob uma administração única e destinada a recolher todos os pobres da cidade e não os loucos ou doentes, não tendo assim nenhum caráter médico. Na França a partir de 1676, cada cidade passa a comportar o estabelecimento de um Hospital Geral. Muitas das novas casas são antigos leprosários reativados pelo clero ou por mando real. Entre a preocupação burguesa de ordenar a miséria e a tradição da Igreja de assistência aos pobres, tem lugar uma prática ambígua: no interior dessas casas ela é uma prática comprometida com o desejo de ajudar e a necessidade de punir. O trabalho forçado é imposto dentro desses hospitais, mais voltado para a repressão do que para a produção, a regra era mantê-los brutalmente ocupados. É que a exigência do trabalho se encontra subordinada à do castigo, pois a origem da pobreza localiza-se, segundo a percepção da Idade Clássica, na libertinagem, isto é, no enfraquecimento da disciplina e na desordem dos costumes. Cabe ao internamento dominá-la e castigá-la, prática que não visa à cura, mas arrancar dos internos “um sábio arrependimento”. Isto significa que o internamento tem um sentido de administração da moralidade que é imposta pela força e coagida fisicamente. Há que se ordenar a vida e a consciência dos internos através da vigilância dos costumes e da educação religiosa. Os internos são os pobres e os ociosos, são aqueles que em relação à ordem dominante, isto é, da razão, da moral e da sociedade burguesa, mostram indícios de inadequação. A sociedade moderna do século XVII percebe e isolam todo um conjunto variado de personagens que põem em jogo as proibições sexuais e religiosas, as liberdades do pensamento e dos afetos: devassos, alquimistas, suicidas, blasfemadores, portadores de doenças venéreas, libertinos de toda a espécie. O internamento que representa o Bem contra o Reino do Mal e encerra uma cumplicidade entre a polícia e a religião, realiza a idéia burguesa segundo a qual a virtude é adequada à ordem. Ele é o emblema visível do triunfo da razão sobre uma desrazão à qual a Renascença havia concedido liberdade de expressão. Detido junto com todos os acusados de imoralidade, o louco transforma-se. Na Idade Média, o louco havia adquirido significações simbólicas que o definiam como um personagem. Agora, essas significações se dissipam na multidão internada. Ligada ao crime, à libertinagem, à desordem, isto é, as diferentes formas do Mal, a loucura incorpora-se numa
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nova “experiência do desatino”. A partir do século XVII, a loucura vai estar indissoluvelmente ligada a uma má vontade, a um erro ético. Isto significa que um indivíduo enlouquece por ter desejado ser louco, sendo assim a loucura pressupõe uma escolha perversa. Para o mesmo autor, ao contrário do Renascimento que exaltava as manifestações do desatino à luz do dia, a era clássica oculta-as nas casas de detenção. É que diante do inumano a sociedade clássica sente vergonha. A honra das famílias e da religião deve ser preservada. Os perigos do mal exemplo devem ser suprimidos. Há o temor de que, se tornadas públicas, as formas do desatino contaminem a sociedade. Assim é que para se internar alguém, as próprias famílias ou o círculo de pessoas que envolvem o acusado fazem o pedido ao rei ou à autoridade judiciária que decide e concede. Não é um julgamento dos médicos, mas dos homens de bom senso, que determina o internamento dos loucos. E será apenas quando a honra não puder ser afetada, quando o perigo do escândalo tiver sido afastado, que se cogitará da libertação do interno. Os loucos não são homens que perderam a razão, mas animais dotados de uma ferocidade natural que precisa ser fisicamente coagida. Despojando o homem de sua humanidade (isto é, racionalidade), a loucura o coloca em relação direta com a animalidade. E esta protege o louco contra as doenças, a fome, o calor, o frio, a dor, em suma, contra todas as misérias da existência. Conseqüentemente, os loucos não requerem proteção. Como os animais, eles receberam da natureza o dom da invulnerabilidade. Nesse sentido eles não precisam ser curados (a loucura não é doença), nem corrigidos (ela não é desvio). Para ser dominada, a loucura deve ser domesticada e embrutecida, pois a sua natureza é diferente da natureza do homem. Os loucos são exibidos em público e esta exibição significa uma exaltação moral da razão. No século XVII, a consciência da loucura e a do desatino, não existiam separadamente. Só um século mais tarde é que a loucura será isolada e dotada de feição própria. Se o médico é chamado nesta ocasião para observar o internamento, não é para discernir o mal e a doença, não é para curar os internos, mas para proteger os outros dos perigos que as casas encerram. Isto é, a medicina torna-se cúmplice da moral. Com efeito, diz-se que os locais do internamento devem ser purificados, isto é, mais arejados; melhor segregados, isto é, mais isolados. A inquietação social com a loucura torna-se cada vez maior. Na segunda metade do século XVIII, a concepção da loucura estará ligada a certa crítica dos tempos modernos. A loucura será situada num contexto histórico e social. Isto é, tende-se para uma concepção da loucura segundo a qual as instituições, o progresso, a frouxidão da religião e de uma civilização que amplia os limites do pensamento, dos desejos e da sensibilidade são elementos
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determinantes. Isto é o artificialismo da cultura torna-se responsável pela possibilidade da loucura. Portanto a loucura é a natureza perdida. E a natureza por sua vez, é a loucura abolida. No século XVIII, faz-se um elogio da natureza contra esse meio social repressor (porque antinatural) responsável pela loucura. À medida que o meio constituído ao redor do homem se torna mais complexo, as possibilidades de loucura aumentam. Portanto, a loucura é vista como a contrapartida necessária do progresso. Ela é a conseqüência e o preço de o homem ter história, contrariamente ao animal. O medo da loucura encontra-se ligado ao temor das conseqüências do devir do próprio homem. Em suma, o medo desses focos do mal que são as casas de internamento acaba por redimensionar a loucura entre as preocupações sociais. No entanto, ao mesmo tempo em que surge este medo, do interior das casas de força ocorre um movimento que delimita um novo espaço para o qual a loucura vai deslocar-se. O internamento torna-se um engano econômico e um financiamento perigoso, há que se recolocar toda a população internada no circuito da produção, oferecer mais braços para a indústria nascente, bem como reformar as medidas de assistência. Assim como se espera que a pobreza desapareça pela livre circulação da mão-de-obra, espera-se que as doenças sejam eliminadas pelos cuidados espontaneamente oferecidos pelo meio natural do homem. A teoria da assistência desse final do século XVIII faz do espaço natural da cura não o hospital, mas a família do doente. E os loucos? Confiados às famílias, os loucos são um perigo solto. Uma sanção penal recairá sobre aqueles que os deixarem vagar livremente pela cidade, perturbando a ordem. A sociedade burguesa reconhece sua responsabilidade para com a loucura, pois há que se proteger dela o homem privado. Ou seja, na época em que doença e pobreza se tornaram pela primeira vez coisas privadas, da esfera apenas dos indivíduos ou das famílias, a loucura por isso mesmo, exigiu um estatuto público e a definição de um espaço de confinamento que garantisse a sociedade contra seus perigos. Enquanto que, na família burguesa dessa época, o louco vai encontrar por um certo tempo da instância da ordem jurídica, dotadas das prerrogativas de um tribunal, que julga e condena a desordem (“os tribunais de família” são uma instituição criada por decreto em 1790). Às regras da vida, da economia e da moral familiar são assimiladas as normas de saúde, da razão e da liberdade. A loucura é, portanto, irregularidade ou anormalidade. Ela é erro, um desarranjo no homem, cuja obscuridade deve ser conhecida. E conhecer é um direito da consciência burguesa que, tomando a loucura como objeto, poderá tornar pública e evidente a falta a ser castigada. Ou melhor, é o próprio conhecimento da falta que a conduz à
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sua punição. A forma ideal do castigo é o escândalo. A reativação da prática dos castigos públicos dá-se como um modo de mostrar a imoralidade à consciência cotidiana. Portanto, se agora há vergonha, ela deverá ser vivida pêlos culpados. Nesse mundo liberal em que a liberdade e a racionalidade constituem o que é naturalmente próprio do homem, o louco é aquele que por sua irresponsabilidade inocente (o que o distingue do criminoso, a grosso modo) abole a liberdade, comprometendo a razão. Dessa maneira, o autor entende o internamento como: 1) resposta ao dever de assistência para com aqueles que não podem livremente prover a si mesmos e 2) como medida de segurança social contra os horrores e os perigos que os loucos representam, torna-se lugar de cura. Não o internamento entendido na sua função de repressão, mas como meio que organiza a liberdade. Através dele o erro será conduzido à verdade, a loucura à razão. A casa de internamento vai transformar-se em asilo. E neste, finalmente, a medicina vai encontrar um lugar – um lugar que lhe garantirá a possibilidade de apropriação da loucura como seu objeto de conhecimento. A loucura ganhará um valor de doença. A loucura que fascina, atrai e causa curiosidade, também gera medo, preconceito, repulsa e exclusão. Talvez o “ar” de mistério e de desconhecido exerça esse papel de fascinação sobre as pessoas ditas “normais”. Mas o medo e principalmente a repulsa e exclusão, se sobrepõe meio a esse “ar” de fascinação, afinal, a história da loucura retrata o doente mental como estando fora do limite do normal e como transgressor das normas sociais, e mesmo hoje, no mundo contemporâneo, os doentes mentais carregam o estigma de periculosidade para a sociedade. Segundo Serrano (1992), “Nos albores de nossa época, o louco é visto como alguém que já perdeu a razão [...] teoricamente ele é alguém que está por fora de tudo, que não sabe nada, que é incapaz de pensar” ( p.25). A história da assistência aos portadores de doença mental é conhecida mais pelos seus erros do que por modelos assistenciais efetivos, como assinala – Nasciutti (1992). A princípio, os asilos que hoje são chamados de hospitais psiquiátricos recebiam pessoas leprosas, com sífilis, alcoólatras, desempregados e também os doentes mentais, ou seja, todos aqueles que não se enquadravam dentro da sociedade representando uma ameaça à mesma. Se fizermos uma comparação entre o louco entregue ao marinheiro, e o louco entregue ao asilo, torna-se evidente a função desta instituição.Assim, para o estabelecimento da ordem da cidade, se faz necessário o encarceramento destas pessoas, em especial o doente mental.
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Assim, “[...] a assistência a esses indivíduos resumiam-se primariamente a, quando muito, garantir-lhes a sobrevivência física e, secundariamente, a mantê-los inofensivos, através de procedimentos inibidores, como as cirurgias ou as drogas” (NASCIUTTI, 1992, p.119). Mas não é só na sociedade que o doente mental tem o poder de provocar medo, repulsa e conseqüentemente exclusão, dentro do próprio contexto familiar esses fatores estão presentes. “A penetração da insanidade no reino privado da casa de família inspira sentimento de medo e fragilidade face ao que é implicitamente suposto ser um diferente incurável, potencialmente contagioso, um fenômeno incontrolável e imprevisível” (MORANT; ROSE; 1998, p.132). Percebe-se que a instituição psiquiátrica é utilizada para manter o doente mental longe do convívio social, trazendo-nos conforto e uma falsa segurança por sabermos que deste mal estamos livres. “O internamento de pacientes psiquiátricos não é feito em benefício do doente, mas em benefício dos outros. É a sociedade, bem como a família do doente, que se sente ameaçada e importunada pelo paciente. A internação é para proteger a sociedade” (SERRANO, 1992, p.58). “Afastar o doente mental, segregá-lo, isolá-lo de nossos olhares e convivência, retirarlhes os atributos e prerrogativas de cidadão e de ser humano é o mecanismo conseqüente que nos sossega e nos faz crer que não corremos o mesmo risco” (NASCIUTTI, 1992, p.120). Além disso, a instituição psiquiátrica, faz com que o paciente perca sua própria identidade por estar isolado e “encarcerado”. “Perdido de si, na vida controlada dos hospitais psiquiátricos, o doente mental não recebe mais respeito e nem identidade social. É um caso perdido, uma doença incurável e incompreensível” (SERRANO, 1992, p. 29). A partir de Pinel, como observa Silva (2001), é através da exclusão social que a loucura passa a ser encarada como uma questão de ordem médica. Pinel foi o verdadeiro fundador da clínica psiquiátrica estabelecendo uma distância metodológica entre a observação dos fenômenos e a tentativa de apresentar uma teoria explicativa sobre eles. Pinel representa a loucura “[...] como um desarranjo das faculdades cerebrais [...] e concluíra que era provável que na grande maioria dos casos, a loucura estava isenta de lesões materiais no cérebro” (SILVA, 2001, p.29).
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Assim, “ao formular a primeira teoria médica sobre a loucura, Pinel propõe também que o manicômio se torne parte essencial do tratamento, deixando de ser apenas o lugar onde se abrigam ou enclausuram os loucos, para se tornar um instrumento de cura” (SILVA, 2001, p.84). Pinel, conforme o citado autor, empreendeu uma verdadeira revolução no conceito de doença mental e nos métodos de tratamento desses doentes. Retirou as doenças mentais do terreno das crendices e superstições, segundo as quais os loucos eram possuídos pelo demônio, ao demonstrar que os comportamentos estranhos dos alienados estavam associados a alterações patológicas do cérebro, constituindo, portanto, enfermidades que deviam ser tratadas com métodos humanitários. Dentro desta perspectiva, procurou explicar cientificamente tais alterações patológicas, caracterizando-as como provenientes de fatores hereditários, lesões fisiológicas ou excesso de pressões sociais e psicológicas. Até aqui, foi apresentada a história da loucura e das instituições psiquiátricas de uma forma geral, e num contexto mundial, a partir deste ponto, focalizar-se-á o olhar para as instituições psiquiátricas brasileiras. Segundo Serrano (1992), no Brasil, as construções dos manicômios, se deram na época do Imperador Pedro II. Ele relata que:
A partir de 1830 médicos do Rio de Janeiro reivindicavam a construção de um asilo. Defendiam o tratamento moral e criticavam a manipulação da loucura nas celas insalubres da Santa Casa de Misericórdia, nas cadeias públicas e no abandono da rua. Exigia-se o status de doente para o louco, com tratamentos condizentes (SERRANO, 1992, p.30).
Através deste relato, percebe-se que as instituições psiquiátricas brasileiras buscavam uma melhoria no atendimento aos doentes mentais, buscando oferecer um pouco mais de dignidade. “Todas as grandes instituições psiquiátricas brasileiras pretendiam seguir o tratamento moral” (SERRANO, 1992, p.30). Um exemplo que pode ser dado é o do Hospício São Pedro: O São Pedro de Porto Alegre, Criado em 1879 incentivava o trabalho como tratamento para os enfermos. Chegava a ter oficinas de cocheiro, sapateiro, carpinteiro e alfaiataria. Além de ser tratamento, o trabalho ajudava o custeio do hospital [...] foram montadas celas acolchoadas para os pacientes agitados, a fim de que não incomodassem os outros e não se machucassem (SERRANO, 1992, p.31).
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Mesmo com a tentativa de dar uma melhor condição para os doentes mentais, esses hospitais ainda serviam como prisões que isolavam e excluíam.
Teoricamente o manicomialismo reconhece o doente como pessoa necessitando de tratamento e reconhece que as medidas assistenciais devem ser humanas. O hospício é um lugar para isolarem doentes (exclusão), incapacita-los de conviver com os normais (reclusão) e vigiar suas atitudes, a fim de não oferecerem perigo a si ou a outros (custódia) (SERRANO, 1992, p.32).
Recentemente a psiquiatria, menos preocupada com as grandes anomalias, se voltou para a “saúde mental”, ou melhor, para a prevenção dos desvios, nesse sentido, assim se pronuncia Serra (1979): Não se trata mais de corrigir apenas, mas de formar, de educar, de construir, de prever um indivíduo saudável. Partindo de um modelo médico preventivo, a psiquiatria (e outras disciplinas) a pretexto de detectar as doenças antes que elas eclodam, preocupa-se agora em tomar os indivíduos desde o seu nascimento (ou, antes, a partir dos pais e do “meio social”) e acompanhá-los diretamente numa trajetória saudável (p.45).
Frayze-Pereira (1985) entende que a socialização saudável, sexualidade saudável, ocupações e relacionamentos saudáveis constituem as novas preocupações de uma ciência da loucura que detecta embriões das “perturbações mentais” em quase todas as instâncias da sociedade (famílias, escolas, fábricas, bancos, seleções esportivas etc.). São preocupações que, através da difusão social do discurso psiquiátrico, acabam tornando-se uma preocupação coletiva de homens atemorizados e desejosos de escapar à incompetência e à anormalidade, isto é, à exclusão do bom mundo humano. Assim, a psiquiatrização ou psicopatologização das experiências representa a realização de um projeto que de outro modo já existia na era do internamento clássico: o projeto de dominação e intimidação social e política. Só que agora a violência com que se efetua não é imediatamente visível. A loucura passa a ser falada segundo um código que é o médico, delegado da razão. Isto significa que a dimensão propriamente humana da experiência da loucura desapareceu. O discurso psiquiátrico como discurso do especialista sobre a loucura não é uma prática meramente médica. Justamente pelo fato de ser ação psiquiátrica (considerando a gênese da loucura que determinou um saber sobre a loucura), ela é uma intervenção política, mediadora da sutil violência repressiva que caracteriza as sociedades contemporâneas.
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Marcuse apud Frayze-Pereira (1985) acredita que a fuga para a interioridade e a insistência numa esfera privada podem bem servir como baluarte contra uma sociedade que administra todas as dimensões da existência humana. Nesse sentido, se a loucura é uma experiência que selvagemente afirma a subjetividade, a imaginação, a fantasia, o louco é aquele que emerge da rede de relações de troca e dos valores de troca, retira-se da realidade da sociedade burguesa e faz sua entrada em outra dimensão de existência. A loucura pode ser considerada então uma força poderosa na invalidação dos mais caros valores burgueses. Marcuse crê que, para a emergência de outra racionalidade e outra sensibilidade subversivas da racionalidade e sensibilidade dominantes seja possível, para que a fantasia possa explodir no mundo sob a forma de imagens gratificantes e o delírio se valide como linguagem, é necessário restaurar a “experiência trágica”. A arte cuja verdade “reside em seu poder de cindir o monopólio da realidade estabelecida (isto é, dos que a estabeleceram) para definir o que é real” (Marcuse apud Frayze-Pereira, 1985) permanece uma força dissidente sempre disposta a dar a palavra às vítimas. Van Gogh, Artaud, Nerval e muitos outros acusados de “doença mental” são testemunhas de que a resistência ao aprisionamento moral é uma experiência possível. Em suma, numa sociedade que tem horror ao diferente, que reprime a diversidade do real à uniformidade da ordem racional-científica, a loucura é uma doença sempre presente. O que a história da loucura nos revela, pondo em questão toda a cultura ocidental moderna, é que o louco é excluído porque insiste no direito à singularidade e, portanto, à interioridade. E, com efeito, se a loucura é nesse mundo patologia ou anormalidade é porque a coexistência de seres diferenciados se tornou uma impossibilidade. Capra (1988), criticando o modelo psiquiatra cartesiano acredita que os psiquiatras em vez de tentarem compreender as dimensões psicológicas da doença mental, concentraram seus esforços na descoberta de causas orgânicas para todas as perturbações mentais. Silveira (1992) retrata como os tratamentos psiquiátricos tradicionais destroem a capacidade criativa dos doentes:
Os tratamentos tradicionais como o eletrochoque, ou como o insulínico, ou a leucotomia, constituem um atentado à integridade do homem em seu órgão mais nobre – a mente [...] muitos indivíduos submetidos a esses tratamentos tornavam-se mais calmos, ás vezes mesmo verdadeiros autômatos. Ficavam muito prejudicadas a capacidade de abstração e imaginação. Suas produções artísticas tornavam-se pueris e decadentes. As famílias e o ambiente hospitalar, porém, passavam a gozar de cômoda tranqüilidade.Os sintomas de um distúrbio mental refletem a tentativa do organismo de curar-se e atingir um novo nível de integração. A prática psiquiátrica corrente interfere
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nesse processo de cura espontânea ao suprimir os sintomas. Os doentes submetidos às drogas psiquiátricas queixam-se de entorpecimento das funções psíquicas, dificuldade de tomar decisões, sonolência permanente, redução ou perda total da capacidade criativa. A verdadeira terapia consistiria em facilitar a cura, fornecendo ao indivíduo uma atmosfera de apoio emocional (p.12).
Observa-se que durante os séculos, a loucura e a instituição psiquiátrica são vistas de diversas formas, claro que muitas mudanças ocorreram e muitas ainda ocorrem visando alternativas menos discriminatórias para os indivíduos que sofrem com a doença mental e que se utilizam destas instituições para o seu tratamento. Mas, mesmo com essas mudanças, ainda existe uma grande resistência a esses movimentos sociais, pois:
[...] a industria da loucura tem retorno monetário seguro, rentável e permanente. Há uma grande resistência, por parte dos que vivem da insanidade do outro (há honrosas exceções), em abandonar estratégias instituídas de ganhos financeiros seguros que a cronificação aporta e que garante a perpetuação dos hospitais-asilos (NASCIUTTI, 1992, p.121).
Ou seja, as novas formas de atendimento ao paciente podem ser interessantes para o próprio, mas não garante a continuidade do “custo benefício” de quem utiliza o modelo cárcere, criadores de “zumbis” que ficam a vagar pelos pátios da instituição. “Mudar o modelo assistencial em saúde mental significa assim determinação ética e política [...]” (NASCIUTTI, 1992, p.121). No entanto, apesar de ainda existirem, instituições que visam o lucro, as mudanças estão ocorrendo: As mudanças no modelo assistencial nas instituições de saúde mental estão ocorrendo e podem contribuir de forma eficiente e efetiva para o desenvolvimento humano e social, por um lado, reduzindo a distância física e o isolamento psicossocial desses marginalizados, pessoas que por sofrerem psiquicamente, são excluídas da sociedade, e, por outro lado, redimensionando a inserção e identidade social das instituições e de seus atores sociais (NASCIUTTI, 1992, p. 124).
Verifica-se que atualmente, tem-se dado importância à inserção do doente mental junto à família e a sociedade, fazendo com que esse indivíduo doente recupere não apenas a sua identidade, mas também a liberdade de ir e vir, por isso, cada vez mais o Hospital Dia, os CAPS, os CECCOS e outras instituições substitutivas do modelo hospitalocêntrico, são recomendados e apoiados por muitos profissionais da saúde no tratamento da doença mental,
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contrariamente às internações de longo prazo, que deixam e deixaram muitos, senão a maioria dos internos, crônicos, sem muita perspectiva de vida futura, ou mínima qualidade de vida. Silveira (1992) pensa na terapia ocupacional como forma de resgatar a identidade dos enfermos, e como forma terapêutica: Um dos métodos utilizados para a reabilitação do doente mental é a terapia ocupacional, cujo fio condutor é a recuperação do indivíduo para a comunidade em nível até mesmo superior àquele que se encontrava antes da experiência psicótica. Os trabalhos rotineiros (domésticos, industriais, burocráticos) são canais demasiadamente estreitos para dar escoamento às possíveis reativações do inconsciente, freqüentes naqueles que passaram pela experiência psicótica, pela vivência de perigosos estados do ser. Através da terapia ocupacional procura-se levar o indivíduo a compreender a utilidade que terá para ele, mesmo depois da alta, a prática das atividades expressivas, com as quais se familiarizou durante o tratamento ocupacional. (p.19).
Ainda segundo a autora, Jung compara o indivíduo que emergiu de uma condição esquizofrênica a um terreno que, depois de uma guerra, guardasse ainda sob o solo explosivos dentro de cápsulas. Portanto, não seria difícil tropeçar em massas condensadas de afetos. Um choque, embora pequeno, poderia levantar labaredas que atingiriam outros núcleos possuidores de maiores cargas afetivas e produziriam uma ativação intensa do inconsciente, colocando em perigo o equilíbrio a duras penas conquistado. As atividades expressivas mostraram-se de enorme valor nessas situações, como medida preventiva contra recaídas na condição psicótica. As observações do Núcleo de Terapia-Ocupacional do Centro Psiquiátrico de Engenho de Dentro no Rio de Janeiro, comprovaram que a oportunidade que o indivíduo teve, durante o tratamento, de descobrir as atividades expressivas e criadoras, poderá abrir-lhe novas perspectivas de aceitação social através da expressão artística ou simplesmente muni-lo de um meio ao qual poderá recorrer sozinho, para manter seu equilíbrio psíquico. Face ao que foi acima exposto, poder-se-ia pensar que a loucura e seu tratamento ainda é um fenômeno complexo - que precisa ser mais bem compreendido, estudado e avaliado – sem perder de vista a singularidade, a história de vida e a reabilitação psicossocial do paciente. Cada cultura, dependendo de seus valores históricos, caracteriza a loucura e suas diversas formas de expressão, segundo seu próprio olhar. O que poder-se-ia considerar patológico, desviante, anômalo ou mesmo louco, é extremamente relativizado dentro de seu contexto sócio-histórico-cultural. A “loucura” quando bem encaminhada poderia gerar frutos extremamente inovadores, tornando-se uma crítica aos fundamentos, valores e alicerces da própria sociedade que lhe “pariu”. Penso que temos uma responsabilidade histórica, social,
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econômica, ideológica para com estes “loucos”, que foram e são tratados de modo terrível pela sociedade, que marginaliza, teme, segrega e desvaloriza o sujeito que está por trás desta “loucura temível”. Penso que temos parte e somos parceiros na fabricação das patologias mentais, não creio que isto seja apenas um fator genético. A doença mental, talvez, em sua maioria, seja fruto de uma mescla de fatores: hereditário, social-político-econômicoideológico, familiar, algumas vezes, fruto de uma escolha pessoal e fruto de outras causas ainda estudadas e não descobertas. Mas de fato, há muito que se aprender com estes “loucos”, que possuem em sua singulariadade e história de vida, muito a nos ensinar, pelo que passaram, sofreram e foram privados de dizer e se expressar o que pensavam e sentiam – do modo único como é cada sujeito. Em muitos casos, possuem um saber, uma sensibilidade e uma fineza anímica e espiritual muito forte, além de uma criatividade e força admiráveis. Tornam-se assim, verdadeiros exemplos de vida e inspiração de resistência contra a aceitação dos valores sociais, econômicos, políticos, ideológicos e religiosos impostos pela sociedade selvagem capitalista, pensando que muitos “loucos” lutam até o fim pelo direito de ser singular: em seu agir, sentir, pensar e se relacionar com os outros e com o seu mundo interno e externo. Portanto, faço algumas indagações: Será que esta “loucura” também em certa medida não nos pertence, e, por conseguinte, tememos tanto ela, por quais razões, sejam elas conscientes e/ou inconscientes? Será que já não passou da hora, de se tomar uma posição madura e ouvir o que representa o silêncio, a fala, a expressão, os sintomas e os delírios destes “loucos”, que durante tantos séculos foram privados de se expressar, desvalorizados, ridicularizados e animalizados? Uma outra indagação é: quando, como e o quanto somos responsáveis por gerar “loucura”, e o quanto nos comprometemos em fazer de fato algo para ajudar aqueles que sofrem? Lembrando que qualquer um de nós pode ter uma recaída, um surto, uma descompensação emocional em algum período de vida, se assim for, como seremos tratados? Quem serão os profissionais? Qual a instituição e o “lugar” que teremos para nossa loucura – seja na família, entre os amigos, profissionais, comunidade, sociedade? Já que esta sociedade em que vivemos dita normas, regras e padrões rígidos do que pensar, sentir, expressar, se comportar e se relacionar? Já que o que vale mesmo, e só isto o que vale, é o dinheiro, a produção, a alimentação do mercado que aliena, coisifica e destrói pouco a pouco, ou rapidamente, nossa possibilidade criativa, singular e expressiva? Pelegrino (2006) acredita que a loucura é: Uma dimensão criadora que existe no ser humano, uma dimensão que é inapagável, ela nunca será silenciada, ela nunca será aniquilada. É uma
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espécie de dimensão garantidora de uma eterna criação do homem (MANUAL DA CASA DAS PALMEIRAS, 2006, p.13).
Ele ainda acrescenta que instituições como a Casa das Palmeiras, são “cultivadoras dessa força criadora”, sendo os profissionais que atuam nestas instituições “jardineiros dessa força”. Gostaria de finalizar com a fala de uma “pedra preciosa” que quis expressar o que pensava e sentia, e foi privada disto: Estamira é seu nome. Segundo o documentário “Estamira”, de Marcos Prado (2004), que narra a trajetória de uma senhora esquizofrênica pobre, que vivia e trabalhava no lixão de Jardim Gramacho, situado no município de Duque de Caxias, perto da cidade do Rio de Janeiro - representação irônica e trágica da própria condição do homem: A minha missão, além d’eu ser Estamira, é revelar a verdade, somente a verdade. Seja mentira, seja capturar a mentira e tacar na cara, ou então ensinar a mostrar o que eles não sabem, os inocentes… Não tem mais inocente, não tem. Tem esperto ao contrário, esperto ao contrário tem, mas inocente não tem não. [...] A Terra disse, ela falava, agora que ela já tá morta, ela disse que então ela não seria testemunha de nada. Olha o quê que aconteceu com ela. Eu fiquei de mal com ela uma porção de tempo, e falei pra ela que até que ela provasse o contrário. Ela me provou o contrário, a Terra. Ela me provou o contrário porque ela é indefesa. A Terra é indefesa. [...] A minha carne, o sangue, é indefesa, como a Terra; mas eu, a minha áurea não é indefesa não. Se queimar os espaço todinho, e eu tô no meio, pode queimar, eu tô no meio, invisível. Se queimar meu sentimento, minha carne, meu sangue, se for pra o bem, se for pra verdade, pra o bem, pela lucidez de todos os seres, pra mim pode ser agora, nesse segundo, e eu agradeço ainda. (ESTAMIRA, 2004).
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2.3 - A REFORMA PSIQUIÁTRICA
A Reforma Psiquiátrica, embora esteja em andamento no Brasil há anos, permanece em debate, e as resoluções tomadas ainda não foram totalmente implementadas. Entre elas há a desativação dos manicômios, para que aqueles que sofrem de distúrbios mentais possam conviver livremente na sociedade. Ocorre que muitos deles sequer têm nome conhecido, documentos, familiares, dificultando a reinserção social. Sequer têm acesso aos benefícios sociais oferecidos pelo Estado, como a aposentadoria e auxílio-doença. Conforme Amarante (1998), antigamente a visão de Reforma Psiquiátrica estava restrita a transformações técnico-assistenciais do campo institucional psiquiátrico. Assim, era comum tomá-la como sinônimo de modernização ou humanização do hospital psiquiátrico ou, quando muito, como a introdução de novas técnicas de intervenção terapêutica ou preventiva na sociedade. A partir das experiências, reflexões e contribuições de Franco Basaglia em Gorizia e Trieste, ambas no norte da Itália, o que se entendia por Reforma Psiquiátrica sofreu uma radical transformação. Primeiramente porque não se pretenderia mais a reforma do hospital psiquiátrico. Percebido como um espaço de reclusão e não de cuidado e terapêutica, o hospital deveria ser negado e superado. Ou seja, enquanto espaço de mortificação, lugar nulo de trocas sociais, o hospital psiquiátrico passava a ser denunciado como manicômio, por pautar-se na tutela, na custódia, na gestão de seus internos, no que Erwin Goffman denominou de instituição total. A psiquiatria, que havia construído objetos tais como alienação, degeneração ou ainda doença mental, que defendiam a incapacidade de Juízo, de Razão, de participação social do louco, construiu como projeto “terapêutico” - nada mais que um espaço de exclusão: o manicômio. Assim, o ideal de uma Reforma Psiquiátrica após Basaglia seria a de uma sociedade sem manicômios, isto é, de uma sociedade onde fosse possível a construção de um lugar social para os loucos, os portadores de sofrimento mental, os diferentes, os divergentes. Uma sociedade de inclusão e solidariedade. Hoje em dia, Amarante (1998), entende por Reforma Psiquiátrica um processo complexo no qual quatro dimensões simultâneas se articulam e se retroalimentam. Por um lado, pela dimensão epistemológica que opera uma revisão e reconstrução no campo teórica da ciência, da psiquiatria e da saúde mental. Por outro, na construção e invenção de novas
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estratégias e dispositivos de assistência e cuidado, tais como os centros de convivência, os núcleos e centros de atenção psicossocial, as cooperativas de trabalho, dentre outras. Na dimensão jurídica-política temos a revisão de conceitos fundamental na legislação civil, penal e sanitária (irresponsabilidade civil, periculosidade, etc.), e a transformação, na prática social e política, de conceitos tais como cidadania, direitos civis, sociais e humanos. Por fim, na dimensão cultural, um conjunto muito amplo de iniciativas vão estimulando as pessoas a repensarem seus princípios, pré-conceitos, opiniões formadas (com a ajuda da psiquiatria) sobre a loucura. É a transformação do imaginário social sobre a loucura, não como lugar de morte, de ausência e de falta, mas como também de desejo e de vida. O Movimento Antimanicomial é um termo usado de modo generalizante e pouco preciso, para se referir a um processo mais ou menos organizado de transformação dos Serviços Psiquiátricos. Derivado de uma série de eventos políticos nacionais e internacionais o Movimento Antimanicomial é também conhecido como Luta Antimanicomial, cuja data no calendário nacional brasileiro é 18 de maio. Esta data nos remete ao Encontro dos Trabalhadores da Saúde Mental, ocorrido em 1987, na cidade de Bauru, no estado de São Paulo. Na sua origem, esse movimento está ligado à Reforma Sanitária Brasileira da qual resultou a criação do Sistema Únici de Saúde - (SUS); está ligado também à experiência de desinstitucionalização da Psiquiatria desenvolvidas em Gorizia e Triste, na Itália, por Franco Basaglia nos anos 60. Como processo decorrente deste movimento, temos a Reforma Psiquiátrica, definida pela Lei 10216 de 2001 (Lei Paulo Delgado) como diretriz de reformulação do modelo de Atenção à Saúde Mental, transferido o foco do tratamento que se concentrava na instituição hospitalar, para uma Rede de Atenção Psicossocial, estruturada em unidades de serviços comunitários e abertos, Segundo os estudos do Dr. Paulo Amarante, a reforma psiquiátrica é um processo complexo, pode-se registrar como evento inaugural, desse movimento, a crise institucional vivida pela Divisão de Saúde Mental, (DINSAM) nos anos setenta. (AMARANTE, 2001).
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2.4 - A REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL
Para Pitta (2001), em seu sentido instrumental, a Reabilitação Psicossocial é um conjunto de meios (programas e serviços), que existem para facilitar a vida de pessoas com problemas severos e persistentes. Numa definição clássica da Internacional Association of Psychosocial Rehabilitation Services, a Reabilitação é: O processo de facilitar ao indivíduo com limitações, a restauração, no melhor nível possível de autonomia do exercício de suas funções na comunidade... o processo enfatizaria as partes mais sadias e a totalidade de potenciais do indivíduo, mediante uma abordagem compreensiva e um suporte vocacional, residencial, social, recreativo, educacional, ajustados as demandas singulares de cada indivíduo e cada situação de modo personalizado. (CNAAN, 1985, 11 (4): 61-76 apud PITTA, 2001, p.19).
Já para a OMS, a Reabilitação Psicossocial seria: O conjunto de atividades capazes de maximizar oportunidades de recuperação de indivíduos e minimizar os efeitos desabilitantes da cronificação das doenças através de desenvolvimento de insumos individuais, familiares e comunitários (WHO, 1987; DE GIROLAMO, 1989 apud PITTA, 2001, p.21).
Então, a Reabilitação, para Pitta (2001) estaria associada a várias iniciativas articuladas que busquem reduzir o poder cronificador dos tratamentos tradicionais, desenvolvendo-se dentro e fora dos hospitais, utilizando-se de técnicas como skill training, terapia vocacional, psicoeducação, grupos operativos, ateliês arteterapêuticos, dentre outras. Para tanto, é necessário políticas adequadas que operacionalizem tal Reabilitação; agentes de saúde, cônscios e competentes e uma sociedade que agregue o diferente, que não marginalize, tenha medo ou que estigmatize, deixando os que sofrem nesta situação, devido a fraqueza individual, comunitária, social, política-econômica-ideológica e/ou devido as contingências do sistema capitalista selvagem que sobrevivemos, quando se é possível sobreviver – ou seja, não só tolerar as idiossincrasias do outro, mas aprender, conviver e respeitá-las. Segundo Saraceno (2001), a reabilitação psicossocial deve garantir a heterogeneidade, sendo mais uma dentre tantas técnicas. Para o autor, a reabilitação é uma exigência ética atualmente, não sendo uma tecnologia, mas constituindo-se numa abordagem que implica, mais do que passar um paciente de um condição de dasabilitação à uma condição de
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habilitação, ou capacidade, versus incapacidade, é uma estratégia global, que implica numa mudança total dos serviços de saúde mental. Para ele, A reabilitação deve abarcar todos os profissionais e pessoas envolvidas no processo de saúde-doença – todos os pacientes, pacientes, famílias, comunidade e sociedade. Penso como ele em relação a importância do nível alto de contratualidade ( nível de espaço de troca entre o sujeito e o meio em que vive) que devemos ter perante a sociedade, produzindo um valor social reconhecido e que faça sentido para quem o produz, como, por exemplo, a profissão que se escolhe. Para o autor, atuamos em três cenários básicos: habitat, mercado e trabalho, e é dentro destes que fazemos nossas trocas, expressamos nossos afetos, anseios, desejos, sonhos, comportamento e atitudes frente à vida. Clarificando ainda mais a contratualidade: Muitos pacientes têm um nível de contratualidade no seu espaço habitacional que tende a zero, ou porque não têm casa e isso é um marco, ou porque têm casa e sua casa é um marco, ou porque não têm rede social, ou porque não sabem, não podem, ou porque têm uma capacidade de produção social muito baixa, muito limitada, e então perdem no nível de contratualidade. Essa é a grande troca afetiva e material do ser humano; a habilidade do indivíduo em efetuar suas trocas. (SARACENO, 2001, p.16).
Portanto, o processo de reabilitação constituir-se-ia, num processo de reconstrução, um exercício de plena cidadania nos três cenários supracitados. Mais do que esquizofrênicos, por exemplo, pintores ou atores, faz-se necessário, que primordialmente exerçam seu pleno direito como cidadãos. Não que as artes não possam ser um meio para se atingir a meta que é o exercício da cidadania, o que a arte não pode ser é o objetivo. A pergunta é: como destruir a cronicidade, como aumentar a capacidade do paciente na comunidade, em resumo: o que realmente serve de fato para que os pacientes possam melhorar a saúde e serem cidadão como qualquer outro. A reabilitação deve ser aplicada através de um contexto organizacional, estrutural, político dentro de uma determinada região de um determinado país. Saraceno ainda adverte para que não se reproduza a lógica da enfermidade no trabalho de reabilitação, pensando na palavra entretenimento, que pode ter dois significados: Entreter dançando, cantando, bebendo, com uma boa música, enfim diversão; mas pode significar também manter dentro: dentro da hospitalização ou da cultura psiquiátrica, que no lugar de produzir saúde, reproduz enfermidade. Para ele, reabilitação deve ser uma conspiração clara contra o entretenimento para manter dentro, para reproduzir a lógica que nunca termina,
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manter a lógica da enfermidade, tornando-nos cúmplices desta enfermidade, deste tipo de entretenimento, tomando outra direção que rompa com este tipo destruidor de entreter, rompendo com o mesmo, para não cairmos em mais um dos sutis adestramentos físicos e mentais.
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2.5 - OS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL – CAPS Sucintamente os CAPS podem ser definidos como instituições destinadas a acolher os pacientes com transtornos mentais, estimular sua integração social e familiar, apoiá-los em suas iniciativas de busca da autonomia, oferecer-lhe atendimento médico e psicológico. Sua principal característica é buscar integrá-los a um ambiente social e cultural concreto, designado como seu “território”, o espaço da cidade onde se desenvolve a vida quotidiana de pacientes e familiares. Os CAPS são, portanto, a principal estratégia do processo da reforma psiquiátrica. (Secretaria Municipal da Saúde, 2004). Conforme Goldberg (2001), o projeto original do Centro de Atenção Psicossocial Prof. Luiz da Rocha Cerqueira – CAPS, foi elaborado em setembro de 1986. Nome emprestado aos centros existentes na Nicarágua, onde “equipes interdisciplinares cumprem tarefas de prevenção, tratamento e reabilitação”. A aplicação brasileira desta terminologia foi sugerida pela Dra. Ana Maria F. Pitta. Já a sigla CAPS, foi criada pelos pacientes que freqüentavam o Centro de Atenção Psicossocial no ano de 1987. Em março de 1987, foi oficialmente inaugurado e em junho deu-se início as atividades com os pacientes. Desde seu início, o CAPS é um serviço de assistência, ensino e pesquisa, inserido na rede pública, aos que apresentam sofrimento psíquico severo e persistente. Com o passar dos anos, suas funções foram ampliadas: capacitação profissional para atendimento na rede pública, oferecendo estágios para estudantes e se estruturando como local de reabilitação, onde se garantisse a participação do paciente em todo seu processo, onde o tratamento não teria um tempo mínimo ou máximo, pré-estabelecido. Poder-se-ia dizer que o CAPS, surgiu a partir de incômodos e insatisfações de setores sociais, profissionais, comunitários, acadêmicos e dos próprios pacientes com o serviço de atendimento público e profissional, dado a estes pacientes. Certos procedimentos vigentes na Psiquiatria, apresentavam resultados nãosatisfatórios no tratamento de pacientes graves, que levavam á internação destes pacientes, em locais inadequados, por períodos prolongados e sem seguimento pela mesma equipe: com consultas rápidas, com grandes intervalos, sendo o tratamento centralizado somente na figura do médico e do remédio. Então, chegou-se à conclusão que se deveria desmontar este saber, que além de não atender as demandas, cronificava os pacientes, piorando seu estado de saúde, construindo e pensando na elaboração de um novo saber, mais amplo, dinâmico,
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multiprofissional, onde as demandas dos pacientes, família e sociedade, poderiam ser atendidas com efeito positivo sobre os mesmos. Outro fator importante que incomodava, era que a “psiquiatria, atendendo a um suposto saber técnico, científico, verdadeiro e supremo”, focava-se apenas no sintoma, deixando de lado todo o resto: o sujeito e sua singularidade, sua história, sua cultura, seu cotidiano, etc. O tratamento constituía-se como despersonalizado e desinteressado, tanto em hospitais, como em ambulatórios. Os procedimentos adotados no tratamento, cristalizavam-se e não se via o paciente como sujeito, mas sim como objeto, objeto-cobaia de uma suposta verdade científica chamada “Psiquiatria Clássica”, e de seus tratamentos e métodos, e a serviço de uma sociedade que ainda discriminaliza, segrega, patologiza - regrando e afirmando a todos: como, quando e onde: sentir, pensar e agir – coagindo sutilmente a sociedade a serviço de um suposto saber científico-ideológico, que ainda tem a marca da exclusão e da produção do capital como meio e fim. Qualquer um, ou qualquer ato, sentimento ou expressão, que não se adequasse a estes padrões rígidos, seriam tidos como nocivos, imprudentes, imorais, negativos – sendo, portanto, objeto de segregação, educação, imposição, castigo. A sociedade capitalista produtiva e alienante, por suposto, dita as regras do que é o bom, o bem, o certo, o saudável e o normal. Ter sofrimento psíquico seria então a representação daquilo que é o antônimo do bem social: o ruim, mal, errado, patológico e anormal – digno e certo, de ser afastado, segregado e punido pela sociedade. Onde? Nos manicôminos. Quem trataria destes sujeitos, digo, destes objetos-cobais? A “psiquiatria”, que com o advento da farmacologia estabeleceu-se como um verdadeiro saber dentro da medicina, afirmando-se até hoje, em muitos casos, como tendo a verdade absoluta através de seus modernos métodos e tratamentos mais supostamente humanizados. Se há uma culpa, esta culpa também é sua, da sociedade, das comunidades, das famílias, dos grupos, da política, da economia, da ideologia massificante e alienante, do próprio paciente e do país em que se vive. Tudo isto tinha que ser mudado rapidamente, pois muitos, muitos pacientes, antes da reforma psiquiátrica viveram e morreram indignamente, sofrendo, agonizando como mortos vivos, jogados como animais, ou amarrados e enjaulados como feras perigosas nos antigos manicômios. Desta forma, o único, ou o mais importante no tratamento, seria a medicalização psiquiátrica, sendo que o resto é resto! Não é importante. Ouvir o que o paciente tem a dizer, o tratamento da terapia-ocupacional, e os outros setores da vida do paciente não são primazias, o que realmente importa somente, é o fato dele estar medicado, que na maior parte das vezes era, e ainda é, algumas vezes atualmente, sinônimo de impregnação,
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despersonalização. Paciente calmo, dopado, é paciente controlado – sinônimo de paciente que está tendo uma ótima qualidade de vida! Que ironia! Outros fatores que tiveram que ser enfrentados, durante a implementação do CAPS, foram as contingências administrativas, burocráticas, financeiras e de planejamento. O CAPS, necessitava conseguir a aderência de seus pacientes, que o reconhecessem como um lugar de referencia e um bom ambiente para tratamento. Um último fator que mobilizou a estruturação do CAPS, foi a contribuição do arcabouço prático e teórico, difundidos em revistas, livros, manuais, visitas e relatos, além de experiências institucionais similares com resultados positivos, em outros países. A Reformulação da Saúde Mental no Estado de São Paulo, se deu na primeira eleição democrática brasileira, após a ditadura militar. Uma rede de serviços extra-hospitalares (ambulatórios de saúde mental, equipe de saúde mental em centros de saúde, emergência psiquiátrica e recuperação dos leitos públicos) que funcionariam como filtro para a internação em Psiquiatria substituiria um modelo baseado no hospital psiquiátrico (hospitalocêntrico). Para o atendimento aos pacientes, a nova instituição necessitava de certas condições básicas de funcionamento:
Uma instituição própria, inserida na rede pública, um local físico adequado, acolhendo para tratamento, diariamente, pessoas com quadro mental grave; o serviço – posto como referência para paciente e família – articulando as práticas já instituídas da psicoterapia, dos grupos e da medicação, com outras práticas capazes de valorizar os pacientes, como reuniões de pacientes e atividades expressivas acontecendo num ambiente terapêutico. (GOLDBERG, 2001, p.37).
A partir deste ponto terei como base, o Manual publicado em 2004, pelo Ministério da Saúde sobre a Saúde Mental no SUS – Os Centros de Atenção Psicossocial: O primeiro CAPS do Brasil foi inaugurado em março de 1986, na cidade de São Paulo, conhecido como CAPS da Rua Itapeva. A criação deste CAPS e de tantos outros, com outros nomes e lugares, fez parte de um intenso movimento social, inicialmente de trabalhadores de saúde mental, que buscavam a melhoria da assistência no Brasil e denunciavam a situação precária dos hospitais psiquiátricos, que ainda eram o único recurso destinado aos portadores de transtorno mental. Nessa conjuntura, os serviços de saúde mental, surgem em várias cidades do país, que vão se consolidando como dispositivos dinâmicos, na diminuição de internações e na mudança do modelo assistencial. Os NAPS/CAPS foram criados oficialmente a partir da Portaria GM224/92, sendo definidos como unidade de saúde locais/regionalizados que contam
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com uma população adstrita, definida pelo nível local e que oferecem atendimentos de cuidados intermediários entre o regime ambulatorial e a internação hospitalar, em um ou dois turnos de quatro horas, por uma equipe multiprofissional. Os CAPS assim como os NAPS (Núcleos de Atenção Psicossocial), os CERSAMs (Centro de Referência em Saúde Mental) e outros tipos de serviços substitutivos que têm se configurado no país, são atualmente regulamentados pela Portaria nº 336/GM, de 19 de fevereiro de 2002, e integram a rede do Sistema Único de Saúde, o SUS. Essa Portaria reconheceu e ampliou o funcionamento e a complexidade do CAPS, que têm a missão oferecer um atendimento diuturno aos pacientes com transtornos mentais severos e persistentes, num dado território, proporcionando cuidados clínicos e de reabilitação psicossocial, com o intuito de substituir o modelo hospitalocêntrico, tentando evitar as internações, favorecendo o exercício da cidadania da inclusão social, dos pacientes e de seus familiares. As práticas realizadas nos CAPS se caracterizam por acontecerem em ambiente aberto, acolhedor e inserido na cidade, no bairro. Os projetos desses serviços, muitas vezes, ultrapassam a própria estrutura física, em busca da rede de suporte social, potencializadora de suas ações, atentando para o sujeito e sua singularidade, sua história, sua cultura e sua vida diária. Os pacientes atendidos nos CAPS são aquelas que estão passando por intenso sofrimento psíquico, que lhes impossibilita de viver e concretizar seus projetos de vida. São, preferencialmente, pacientes com transtornos mentais severos e/ou persistentes, ou seja, pacientes com grave comprometimento psíquico, incluindo os transtornos relacionados às substâncias psicoativas (álcool e outras drogas) e também crianças e adolescentes com transtornos mentais. Os pacientes dos CAPS podem ter tido uma longa história de internações psiquiátricas, podem nunca ter sido internados ou podem já ter sido atendidos em outros serviços de saúde (ambulatório, hospital-dia, consultórios etc.). O importante é que esses pacientes saibam que podem ser atendidas e saibam o que são e o papel dos CAPS. Para ser atendido num CAPS pode-se procurar diretamente esse serviço ou ser encaminhado pelo Programa de Saúde da Família ou por qualquer serviço de saúde. O paciente pode ir sozinho ou acompanhado, devendo procurar, preferencialmente, o CAPS que atende à região onde reside. Quando o paciente chega deverá ser acolhida e escutada em seu sofrimento. Esse acolhimento poderá ser de diversas maneiras, de acordo com a organização do serviço. A
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meta nesse primeiro contato é compreender a situação, de forma mais global possível, do paciente que procura o serviço e iniciar um vínculo terapêutico e de confiança com os profissionais que lá trabalham. Estabelecer um diagnóstico é importante, mas não deverá ser o único nem o principal alvo desse momento de encontro do paciente com o serviço. A partir daí irá se arquitetando, conjuntamente, uma estratégia ou um projeto terapêutico para cada paciente. Caso esse paciente não queira ou não possa ser beneficiado com o trabalho oferecido pelo CAPS, ele deverá ser encaminhado para outro serviço de saúde mais adequado para sua necessidade. Se um paciente está isolado, sem condições de acesso ao serviço, ele poderá ser atendido por um profissional da equipe do CAPS em sua residência, de forma articulada com as equipes de saúde da família da região, quando um familiar ou vizinho solicitar ao CAPS. Por isso, é importante que o CAPS procurado, seja o mais próximo possível da região de residência do paciente. Todo o trabalho desenvolvido no CAPS deve ser realizado em um “meio terapêutico”, isto é, tanto as sessões individuais ou grupais como a convivência no serviço têm finalidade terapêutica. Isso é obtido através da construção permanente de um ambiente facilitador, estruturado e acolhedor, abrangendo várias modalidades de tratamento. Como dissemos anteriormente, ao iniciar o acompanhamento no CAPS se traça um projeto terapêutico com o paciente e, em geral, o profissional que o acolheu no serviço passará a ser uma referência para ele. Esse profissional poderá seguir sendo o que chamamos de Terapeuta de Referência (TR), mas não necessariamente, pois é preciso levar em conta que o vínculo que o paciente estabelece com o terapeuta é fundamental em seu processo de tratamento. O Terapeuta de Referência (TR) terá sob sua responsabilidade monitorar junto com o paciente o seu projeto terapêutico, (re)definindo, por exemplo, as atividades e a freqüência de participação no serviço. O TR também é responsável pelo contato com a família e pela avaliação periódica das metas traçadas no projeto terapêutico, dialogando com o paciente e com a equipe técnica dos CAPS. Cada paciente de CAPS deve ter um projeto terapêutico individual, isto é, um conjunto de atendimentos que respeite a sua particularidade, que personalize o atendimento de cada pessoa na unidade e fora dela e proponha atividades durante a permanência diária no serviço, consoante suas necessidades. A depender do projeto terapêutico do paciente do serviço, o CAPS poderá oferecer, conforme as determinações da Portaria GM 336/02: • Atendimento Intensivo: trata-se de atendimento diário, oferecido quando o paciente se encontre com grave sofrimento psíquico, em situação de crise ou dificuldades intensas no
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convívio social e familiar, precisando de atenção contínua. Esse atendimento pode ser domiciliar, se necessário; • Atendimento Semi-Intensivo: nessa modalidade de atendimento, o paciente pode ser atendido até 12 dias no mês. Essa modalidade é oferecida quando o sofrimento e a desestruturação psíquica da pessoa diminuíram, melhorando as possibilidades de relacionamento, mas a pessoa ainda necessita de atenção direta da equipe para se estruturar e recuperar sua autonomia. Esse atendimento pode ser domiciliar, se necessário; • Atendimento Não-Intensivo: oferecido quando o paciente não precise de suporte contínuo da equipe para viver em seu território e realizar suas atividades na família e/ou no trabalho, podendo ser atendido até três dias no mês. Esse atendimento também pode ser domiciliar. Cada CAPS, por sua vez, deve ter um projeto terapêutico do serviço, que leve em consideração as diferentes contribuições técnicas dos profissionais dos CAPS, as iniciativas de familiares e pacientes e o território onde se situa, com sua identidade, sua cultura local e regional. Os CAPS podem oferecer diferentes tipos de atividades terapêuticas. Esses recursos vão além do uso de consultas e de medicamentos, e caracterizam o que vem sendo denominado clínica ampliada. Essa idéia de clínica vem sendo (re)construída nas práticas de atenção psicossocial, provocando mudanças nas formas tradicionais de compreensão e de tratamento dos transtornos mentais. O processo de construção dos serviços de atenção psicossocial também tem revelado outras realidades, isto é, as teorias e os modelos prontos de atendimento vão se tornando insuficientes frente às demandas das relações diárias com o sofrimento e a singularidade desse tipo de atenção. É preciso criar, observar, escutar, estar atento à complexidade da vida das pessoas, que é maior que a doença ou o transtorno. Para tanto, é necessário que, ao definir atividades, como estratégias terapêuticas nos CAPS, se repensem os conceitos, as práticas e as relações que podem promover saúde entre as pessoas: técnicos, pacientes, familiares e comunidade. Todos precisam estar envolvidos nessa estratégia, questionando e avaliando permanentemente os rumos da clínica e do serviço. Os CAPS devem oferecer acolhimento diurno e, quando possível e necessário, noturno. Devem ter um ambiente terapêutico e acolhedor, que possa incluir pessoas em situação de crise, muito desestruturadas e que não consigam, naquele momento, acompanhar as atividades organizadas da unidade. O sucesso do acolhimento da crise é essencial para o cumprimento dos objetivos de um CAPS, que é de atender aos transtornos psíquicos graves e
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evitar as internações. Os CAPS oferecem diversos tipos de atividades terapêuticas, por exemplo: psicoterapia individual ou em grupo, oficinas terapêuticas, atividades comunitárias, atividades artísticas, orientação e acompanhamento do uso de medicação, atendimento domiciliar e aos familiares. Algumas dessas atividades são feitas em grupo, outras são individuais, outras destinadas às famílias, outras são comunitárias. Quando um paciente é atendido em um CAPS, ele tem acesso a vários recursos terapêuticos: • Atendimento individual: prescrição de medicamentos, psicoterapia, orientação; • Atendimento em grupo: oficinas terapêuticas, oficinas expressivas, oficinas geradoras de renda, oficinas de alfabetização, oficinas culturais, grupos terapêuticos, atividades esportivas, atividades de suporte social, grupos de leitura e debate, grupos de confecção de jornal; • Atendimento para a família: atendimento nuclear e a grupo de familiares, atendimento individualizado a familiares, visitas domiciliares, atividades de ensino, atividades de lazer com familiares; • Atividades comunitárias: atividades desenvolvidas em conjunto com associações de bairro e outras instituições existentes na comunidade, que têm como objetivo as trocas sociais, a integração do serviço e do paciente com a família, a comunidade e a sociedade em geral. Essas atividades podem ser: festas comunitárias, caminhadas com grupos da comunidade, participação em eventos e grupos dos centros comunitários; • Assembléias ou Reuniões de Organização do Serviço: a Assembléia é um instrumento importante para o efetivo funcionamento dos CAPS como um lugar de convivência. É uma atividade, preferencialmente semanal, que reúne técnicos, pacientes, familiares e outros convidados, que juntos discutem, avaliam e propõem encaminhamentos para o serviço. Discutem-se os problemas e sugestões sobre a convivência, as atividades e a organização do CAPS, ajudando a melhorar o atendimento oferecido. Estar em tratamento no CAPS não significa que o paciente tem que ficar a maior parte do tempo dentro do CAPS. As atividades podem ser desenvolvidas fora do serviço, como parte de uma estratégia terapêutica de reabilitação psicossocial, que poderá iniciar-se ou ser articulada pelo CAPS, mas que se realizará na comunidade, no trabalho e na vida social. Dessa forma, o CAPS pode articular cuidado clínico e programas de reabilitação psicossocial. Assim, os projetos terapêuticos devem incluir a construção de trabalhos de inserção social, respeitando as possibilidades individuais e os princípios de cidadania que minimizem o estigma e promovam o protagonismo de cada paciente frente à sua vida. Como
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vimos, muitas coisas podem ser feitas num CAPS, desde que tenham sentido para promover as melhores oportunidades de trocas afetivas, simbólicas, materiais, capazes de favorecer vínculos e interação humana. Os CAPS funcionam, pelo menos, durante os cinco dias úteis da semana (2ª a 6ª feira). Seu horário e funcionamento nos fins de semana dependem do tipo de CAPS: CAPS I – municípios com população entre 20.000 e 70.000 habitantes Funciona das 8 às 18 horas De segunda a sexta-feira CAPS II – municípios com população entre 70.000 e 200.000 habitantes Funciona das 8 às 18 horas De segunda a sexta-feira Pode ter um terceiro período, funcionando até 21 horas CAPS III – municípios com população acima de 200.000 habitantes Funciona 24 horas, diariamente, também nos feriados e fins de semana CAPSi – municípios com população acima de 200.000 habitantes Funciona das 8 às 18 horas De segunda a sexta-feira Pode ter um terceiro período, funcionando até 21 horas CAPSad – municípios com população acima de 100.000 habitantes Funciona das 8 às 18 horas De segunda a sexta-feira Pode ter um terceiro período, funcionando até 21 horas
Os pacientes que permanecem um turno de quatro horas nos CAPS devem receber uma refeição diária; os assistidos em dois períodos (oito horas), duas refeições diárias; e os que estão em acolhimento noturno nos CAPS III e permanecem durante 24 horas contínuas devem receber quatro refeições diárias. A freqüência dos pacientes nos CAPS dependerá de
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seu projeto terapêutico. É necessário haver flexibilidade, podendo variar de cinco vezes por semana com oito horas por dia a, pelo menos, três vezes por mês. O que também determina a freqüência dos pacientes no serviço é o acesso que têm ao CAPS, o apoio e/ou o acompanhamento familiar e a possibilidade de envolvimento nas atividades comunitárias, organizativas, de geração de renda e trabalho. Já os CAPS III funcionam durante 24 horas e podem oferecer acolhimento noturno. O acolhimento noturno e a permanência nos fins de semana devem ser entendidos como mais um recurso terapêutico, visando proporcionar atenção integral aos pacientes dos CAPS e evitar internações psiquiátricas. Ele poderá ser utilizado nas situações de grave comprometimento psíquico ou como um recurso necessário para evitar que crises emirjam ou se aprofundem. O acolhimento noturno deverá atender preferencialmente aos pacientes que estão vinculados a um projeto terapêutico nos CAPS, quando necessário, e no máximo por sete dias corridos ou dez dias intercalados durante o prazo de 30 dias. A necessidade de medicação de cada paciente do CAPS deve ser avaliada constantemente com os profissionais do serviço. Os CAPS podem organizar a rotina de distribuição de medicamentos e/ou assessorar pacientes e familiares quanto à sua aquisição e administração, observando-se o uso diferenciado e de acordo com o diagnóstico e com o projeto terapêutico de cada um. Os CAPS poderão também ser uma central de regulação e distribuição de medicamentos em saúde mental na sua região. Isso quer dizer que os CAPS podem ser unidades de referência para dispensação de medicamentos básicos 1 e excepcionais 2 , conforme decisão da equipe gestora local. Os CAPS poderão dar cobertura às receitas prescritas por médicos das equipes de Saúde da Família e da rede de atenção ambulatorial da sua área de abrangência e, ainda, em casos muito específicos, àqueles pacientes internados em hospitais da região que necessitem manter o uso de medicamentos excepcionais de alto custo no seu tratamento. Caberá também, a esses serviços e à equipe gestora, um especial empenho na capacitação e supervisão das equipes de saúde da família para o acompanhamento do uso de medicamentos e para a realização de prescrições adequadas, tendo em vista o uso racional dos medicamentos na rede básica. O credenciamento dos CAPS na rede de dispensação de medicamentos não é automático e deverá estar sujeito às normas locais da vigilância sanitária, da saúde mental e da assistência farmacêutica, esperando-se que o princípio de fazer chegar os medicamentos aos pacientes que precisam deva prevalecer, em detrimento de normas ideais dissociadas da realidade concreta.
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As oficinas terapêuticas são uma das principais formas de tratamento oferecido nos CAPS. Os CAPS têm, freqüentemente, mais de um tipo de oficina terapêutica. Essas oficinas são atividades realizadas em grupo com a presença e orientação de um ou mais profissionais, monitores e/ou estagiários. Elas realizam vários tipos de atividades que podem ser definidas através do interesse dos pacientes, das possibilidades dos técnicos do serviço, das necessidades, tendo em vista a maior integração social e familiar, a manifestação de sentimentos e problemas, o desenvolvimento de habilidades corporais, a realização de atividades produtivas, o exercício coletivo da cidadania. De um modo geral, as oficinas terapêuticas podem ser: • Oficinas expressivas: espaços de expressão plástica (pintura, argila, desenho etc.), expressão corporal (dança, ginástica e técnicas teatrais), expressão verbal (poesia, contos, leitura e redação de textos, de peças teatrais e de letras de música), expressão musical (atividades musicais), fotografia, teatro. • Oficinas geradoras de renda: servem como instrumento de geração de renda através do aprendizado de uma atividade específica, que pode ser igual ou diferente da profissão do paciente. As oficinas geradoras de renda podem ser de: culinária, marcenaria, costura, fotocópias, venda de livros, fabricação de velas, artesanato em geral, cerâmica, bijuterias, brechó, etc. • Oficinas de alfabetização: esse tipo de oficina contribui para que os pacientes que não tiveram acesso ou que não puderam permanecer na escola possam exercitar a escrita e a leitura, como um recurso importante na (re)construção da cidadania. Os CAPS também, muitas vezes, oferecem outras oficinas, atividades e tratamento, tais como: • Tratamento medicamentoso: tratamento realizado com remédios chamados medicamentos psicoativos ou psicofármacos. • Atendimento a grupo de familiares: reunião de famílias para criar laços de solidariedade entre elas, discutir problemas em comum, enfrentar as situações difíceis, receber orientação sobre diagnóstico e sobre sua participação no projeto terapêutico. • Atendimento individualizado a famílias: atendimentos a uma família ou a membro de uma família que precise de orientação e acompanhamento em situações rotineiras, ou em momentos críticos. • Orientação: conversa e assessoramento individual ou em grupo sobre algum tema específico, por exemplo, o uso de drogas.
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• Atendimento psicoterápico: encontros individuais ou em grupo onde são utilizados os conhecimentos e as técnicas da psicoterapia. • Atividades comunitárias: atividades que utilizam os recursos da comunidade e que envolvem pessoas, instituições ou grupos organizados que atuam na comunidade. Exemplo: festa junina do bairro, feiras, quermesses, campeonatos esportivos, passeios a parques e cinema, entre outras. • Atividades de suporte social: projetos de inserção no trabalho, articulação com os serviços residenciais terapêuticos, atividades de lazer, encaminhamentos para a entrada na rede de ensino, para obtenção de documentos e apoio para o exercício de direitos civis através da formação de associações de pacientes e/ou familiares. • Oficinas culturais: atividades constantes que procuram despertar no paciente um maior interesse pelos espaços de cultura (monumentos, prédios históricos, saraus musicais, festas anuais etc.) de seu bairro ou cidade, promovendo maior integração de pacientes e familiares com seu lugar de moradia. • Visitas domiciliares: atendimento realizado por um profissional do CAPS aos pacientes e/ou familiares em casa. • Desintoxicação ambulatorial: conjunto de procedimentos destinados ao tratamento da intoxicação/ abstinência decorrente do uso abusivo de álcool e de outras drogas. Os CAPS não são iguais e diferem: a) Quanto ao tamanho do equipamento, estrutura física, profissionais e diversidade nas atividades terapêuticas. b) Quanto à especificidade da demanda, isto é, para crianças e adolescentes, pacientes de álcool e outras drogas ou para transtornos psicóticos e neuróticos graves. Os diferentes tipos de CAPS são: • CAPS I e CAPS II: são CAPS para atendimento diário de adultos, em sua população de abrangência, com transtornos mentais severos e persistentes. • CAPS III: são CAPS para atendimento diário e noturno de adultos, durante sete dias da semana, atendendo à população de referência com transtornos mentais severos e persistentes. • CAPSi: CAPS para infância e adolescência, para atendimento diário a crianças e adolescentes com transtornos mentais. • CAPSad: CAPS para pacientes de álcool e drogas, para atendimento diário à população com transtornos decorrentes do uso e dependência de substâncias psicoativas,
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como álcool e outras drogas. Esse tipo de CAPS possui leitos de repouso com a finalidade exclusiva de tratamento de desintoxicação. Rede e território são dois conceitos fundamentais para o entendimento do papel estratégico dos CAPS e isso se aplica também à sua relação com a rede básica de saúde. A Reforma Psiquiátrica consiste no progressivo deslocamento do centro do cuidado para fora do hospital, em direção à comunidade, e os CAPS são os dispositivos estratégicos desse movimento. Entretanto, é a rede básica de saúde o lugar privilegiado de construção de uma nova lógica de atendimento e de relação com os transtornos mentais. A rede básica de saúde se constitui pelos centros ou unidades de saúde locais e/ou regionais, pelo Programa de Saúde da Família e de Agentes Comunitários de Saúde, que atuam na comunidade de sua área de abrangência. Esses profissionais e equipes são pessoas que estão próximas e que possuem a responsabilidade pela atenção à saúde da população daquele território. Os CAPS devem buscar uma integração permanente com as equipes da rede básica de saúde em seu território, pois têm um papel fundamental no acompanhamento, na capacitação e no apoio para o trabalho dessas equipes com os pacientes com transtornos mentais. Esta integração, faz com que o CAPS tenha as seguintes prioridades: a) conhecer e interagir com as equipes de atenção básica de seu território; b) estabelecer iniciativas conjuntas de levantamento de dados relevantes sobre os principais problemas e necessidades de saúde mental no território; c) realizar apoio matricial às equipes da atenção básica, isto é, fornecer-lhes orientação e supervisão, atender conjuntamente situações mais complexas, realizar visitas domiciliares acompanhadas das equipes da atenção básica, atender casos complexos por solicitação da atenção básica; d) realizar atividades de educação permanente (capacitação, supervisão) sobre saúde mental, em cooperação com as equipes da atenção básica. Este “apoio matricial” é completamente diferente da lógica do encaminhamento ou da referência e contra-referência no sentido estrito, porque significa a responsabilidade compartilhada dos casos. Quando o território for constituído por uma grande população de abrangência, é importante que o CAPS discuta com o gestor local a possibilidade de acrescentar a seu corpo funcional uma ou mais equipes de saúde mental, destinadas a realizar essas atividades de apoio à rede básica. Essas atividades não devem assumir características de uma “especialização”, devem estar integradas completamente ao funcionamento geral do CAPS.
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As atuais diretrizes orientam que, onde houver cobertura do Programa de Saúde da Família, deverá haver uma equipe de apoio matricial em saúde mental para no mínimo seis e no máximo nove equipes de PSF. Os profissionais que trabalham nos CAPS possuem diversas formações e integram uma equipe multiprofissional. É um grupo de diferentes técnicos de nível superior e de nível médio. Os profissionais de nível superior são: enfermeiros, médicos, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, pedagogos, professores de educação física ou outros necessários para as atividades oferecidas nos CAPS. Os profissionais de nível médio podem ser: técnicos e/ou auxiliares de enfermagem, técnicos administrativos, educadores e artesãos. Os CAPS contam ainda com equipes de limpeza e de cozinha. Todos os CAPS devem obedecer à exigência da diversidade profissional e cada tipo de CAPS (CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPSi e CAPSad) tem suas próprias características quanto aos tipos e à quantidade de profissionais. Tipos de profissionais que trabalham nos CAPS – Equipes mínimas: CAPS I • 1 médico psiquiatra ou médico com formação em saúde mental • 1 enfermeiro • 3 profissionais de nível superior de outras categorias profissionais: psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico • 4 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo, técnico educacional e artesão CAPS II • 1 médico psiquiatra • 1 enfermeiro com formação em saúde mental • 4 profissionais de nível superior de outras categorias profissionais: psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, pedagogo, professor de educação física ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico • 6 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo, técnico educacional e artesão CAPS III
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• 2 médicos psiquiatras • 1 enfermeiro com formação em saúde mental • 5 profissionais de nível superior de outras categorias profissionais: psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro profissional necessário de nível superior • 8 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo, técnico educacional e artesão CAPSi • 1 médico psiquiatra, ou neurologista ou pediatra com formação em saúde mental • 1 enfermeiro • 4 profissionais de nível superior entre as seguintes categorias profissionais: psicólogo, assistente social, enfermeiro, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, pedagogo ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico • 5 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo, técnico educacional e artesão CAPSad • 1 médico psiquiatra • 1 enfermeiro com formação em saúde mental • 1 médico clínico, responsável pela triagem, avaliação e acompanhamento das intercorrências clínicas • 4 profissionais de nível superior entre as seguintes categorias profissionais: psicólogo, assistente social, enfermeiro, terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico • 6 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo, técnico educacional e artesão
As equipes técnicas devem organizar-se para acolher os pacientes, desenvolver os projetos terapêuticos, trabalhar nas atividades de reabilitação psicossocial, compartilhar do espaço de convivência do serviço e poder equacionar problemas inesperados e outras questões que porventura demandem providências imediatas, durante todo o período de funcionamento da unidade. O papel da equipe técnica é fundamental para a organização, desenvolvimento e manutenção do ambiente terapêutico. A duração da permanência dos pacientes no atendimento dos CAPS depende de muitas variáveis, desde o comprometimento psíquico do
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paciente até o projeto terapêutico traçado, e a rede de apoio familiar e social que se pode estabelecer. O importante é saber que o CAPS não deve ser um lugar que desenvolve a dependência do paciente ao seu tratamento por toda a vida. O processo de reconstrução dos laços sociais, familiares e comunitários, que vão possibilitar a autonomia, deve ser cuidadosamente preparado e ocorrer de forma gradativa. Para isso, é importante lembrar que o CAPS precisa estar inserido em uma rede articulada de serviços e organizações que se propõem a oferecer um continuum de cuidados. É importante ressaltar que os vínculos terapêuticos estabelecidos pelos pacientes com os profissionais e com o serviço, durante a permanência no CAPS, podem ser parcialmente mantidos em esquema flexível, o que pode facilitar a trajetória com mais segurança em direção à comunidade, ao seu território reconstruído e re-significado. O protagonismo dos pacientes é fundamental para que se alcancem os objetivos dos CAPS, como dispositivos de promoção da saúde e da reabilitação psicossocial. Os pacientes devem ser chamados a participar das discussões sobre as atividades terapêuticas do serviço. A equipe técnica pode favorecer a apropriação, pelos pacientes, do seu próprio projeto terapêutico através do Terapeuta de Referência, que é uma pessoa fundamental para esse processo e precisa pensar sobre o vínculo que o paciente está estabelecendo com o serviço e com os profissionais e estimulá-lo a participar de forma ativa de seu tratamento e da construção de laços sociais. Os pacientes devem procurar os técnicos para tirar dúvidas e pedir orientação sempre que precisarem, entrando direta ou indiretamente em contato com o CAPS mesmo quando não estiverem em condições de ir ao serviço. A participação dos pacientes nas Assembléias muitas vezes é um bom indicador da forma como eles estão se relacionando com o CAPS. As associações de pacientes e/ou familiares muitas vezes surgem dessas assembléias que vão questionando as necessidades do serviço e dos pacientes. Os pacientes devem ser incentivados a criar suas associações ou cooperativas, onde possam, através da organização, discutir seus problemas comuns e buscar soluções coletivas para questões sociais e de direitos essenciais, que ultrapassam as possibilidades de atuação dos CAPS. As organizações de pacientes e/ou familiares têm cumprido um importante papel na mudança do modelo assistencial no Brasil, participando ativamente da discussão sobre os serviços de saúde mental e promovendo atividades que visam a maior inserção social, a geração de renda e trabalho e a garantia de seus direitos sociais. Um dos objetivos do CAPS é incentivar que as famílias participem da melhor forma possível do quotidiano dos serviços. Os familiares são, muitas vezes, o elo mais próximo que
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os pacientes têm com o mundo e por isso são pessoas muito importantes para o trabalho dos CAPS. Os familiares podem participar dos CAPS, não somente incentivando o paciente a se envolver no projeto terapêutico, mas também participando diretamente das atividades do serviço, tanto internas como nos projetos de trabalho e ações comunitárias de integração social. Os familiares são considerados pelos CAPS como parceiros no tratamento. A presença no atendimento oferecido aos familiares e nas reuniões e assembléias, trazendo dúvidas e sugestões, também é uma forma de os familiares participarem, conhecerem o trabalho dos CAPS e passarem a se envolver de forma ativa no processo terapêutico. Os familiares também têm criado associações, com outros familiares e/ou pacientes, que podem ser um importante instrumento de promoção da saúde e da cidadania de todos os envolvidos. A comunidade é um conjunto de pessoas, associações e equipamentos que fazem existir a vida numa certa localidade. A articulação entre CAPS e comunidade é, portanto, fundamental. A comunidade – serviços públicos das áreas da educação, do esporte e lazer, do trabalho, associações de moradores, clube de mães, associações comunitárias, voluntários – poderá ser parceira dos CAPS através de doações, cessão de instalações, prestação de serviços, instrução ou treinamento em algum assunto ou ofício, realização conjunta de um evento especial (uma festa, por exemplo), realização conjunta de projeto mais longo, participação nas atividades rotineiras do serviço. Com essas parcerias e ações, a comunidade produz um grande e variado conjunto de relações de troca, o que é bom para a própria comunidade e para todos do CAPS. As parcerias ajudam a toda a comunidade a reforçar seus laços sociais e afetivos e produzem maior inclusão social de seus membros. Por isso a participação da comunidade é muito importante para a criação de uma rede de saúde mental. O CAPS deve ser parte integrante de sua comunidade, de sua vida diária e de suas atividades culturais.
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3 - MÉTODO O método utilizado foi em uma abordagem qualitativa aos moldes do construtivismo social, no qual o objeto de estudo é relativo. A epistemologia é subjetivista dialógica, e a metodologia ocorre através da análise do significado da fala, ou da produção não verbal (desenho, pintura, modelagem, etc.) dos freqüentadores do grupo das oficinas de Arteterapia. Os pressupostos básicos do construtivismo social podem ser resumidos da seguinte forma: 1- Uma ontologia relativista: se em qualquer investigação há muitas interpretações possíveis e não há processo fundacional que permita determinar a veracidade ou a falsidade dessas interpretações, não há outra alternativa senão o relativismo. As realidades existem sob forma de múltiplas construções mentais, locais e específicas, fundadas na experiência social de quem as formula. 2- Epistemologia subjetivista: se as realidades existem apenas nas mentes dos sujeitos, a subjetividade é a única forma de fazer vir à luz as construções mantidas pelos indivíduos. Resultados são sempre criados pela interação pesquisador/pesquisado. 3- Metodologia hermenêutica-dialética: as construções individuais são provocadas e refinadas através da hermenêutica e confrontadas dialeticamente, com o objetivo de gerar uma ou mais construções sobre as quais haja um significativo consenso entre os respondentes. (GUBA, 1990 apud ALVES-MAZZOTI & GEWANDSZNAJDER, 1999). A base fenomenológico-existencial, segundo Forghieri (1989, p.10):
Apresenta-se como um recurso para investigar experiências. A consciência que a pessoa tem de seu próprio existir e os significados que as situações têm para ela, constituem uma experiência íntima que geralmente escapa à simples observação atenta do psicólogo, pois o ser humano não é transparente. Para desvendá-los o pesquisador precisa de informações fornecidas pela própria pessoa a esse respeito.
A abordagem gestáltica, da qual me utilizei na elaboração deste estudo, pauta-se na questão de se utilizar recursos facilitadores da expressão criativa de sentimentos negativos,
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utilizando meios adequados de promover o aumento da auto-estima, principalmente através de awareness (ampliação da consciência, dos sentidos experienciados e vividos), estabelecendo um processo de humanização do indivíduo. A Arteterapia Gestáltica consiste numa maneira de usar recursos artísticos em e com terapia, com uma compreensão do crescimento das pessoas e do trabalho terapêutico, fundamentada na Gestalt-terapia. É uma abordagem processual na qual tanto o fazer da arte quanto o processo de elaboração e reflexão sobre o que é produzido são considerados como tendo potencialmente valor terapêutico. Embora a abordagem fenomenológico-existencial, como método, geralmente não faça uso do recurso interpretativo, foi impossível não se fazer uma análise e interpretação dos trabalhos produzidos, vinculado à história passada, e contexto atual de vida de cada paciente. Acredito que as pessoas possam ser agentes da própria saúde e de seus processos de crescimento, vislumbrando e tecendo em seus trabalhos e criações, sentidos que sejam pessoalmente relevantes e significativos. Portanto, nesta abordagem, os arteterapeutas exercem uma função mais como guias, facilitadores e companheiros de busca, sugestionando experimentos que possam ajudar e revelar realidades interiores e descobrir novos caminhos e direções. (CIORNAI, 2004). Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com os profissionais da instituição e com os freqüentadores das oficinas de Arteterapia, indagando-se com os freqüentadores das oficinas - como se deu o processo de vivenciar e experenciar as oficinas de Arteterapia e o que este processo contribuiu para a vida desses pacientes. As entrevistas foram agendadas e realizadas numa sala fechada do CAPS com cada paciente separadamente. Na sala havia expostas as obras de todos os pacientes e de todas as atividades das oficinas terapêutico-expressivas. Com a autorização de cada paciente, mediante a explicação de todos os itens do “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”, foram realizadas a gravação sonora de cada entrevista, que foi cuidadosamente digitada na íntegra e colocada em anexo no presente estudo. Quando havia necessidade de interrupção por um determinado motivo, as entrevistas eram realizadas e finalizadas em outro dia. Da mesma forma ocorreu com as entrevistas realizadas com os profissionais deste CAPS em estudo. Os prontuários dos pacientes foram examinados a fim de melhor compreender o processo e a história de vida de cada paciente, sendo as informações mais relevantes dos prontuários descritas neste estudo. Os propósitos da pesquisa foram explicitados aos pacientes das oficinas de maneira clara, e foi apresentado um “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido” para a obtenção da autorização dos sujeitos, para participarem desse estudo.
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3.1 - SUJEITOS Os sujeitos estudados são adultos, em sua maioria esquizofrênicos e neuróticos graves, medicados, e em tratamento na própria instituição, fora de situação de crise - participantes das oficinas de Arteterapia de um CAPS-Adulto. Durante as oficinas de Arteterapia - abertas a quem tivesse o desejo de vivenciá-las - os pacientes foram se estruturando como um grupo que ocorreram semanalmente, sem obrigatoriedade de participação nas semanas subseqüentes. O número de sujeitos entrevistados foram nove (9) sujeitos, que participaram de pelo menos uma ou mais oficina arteterapêutica. Como este presente trabalho é sobre arte e Arteterapia, usei a criatividade para imaginar e dar o devido valor a estes sujeitos de pesquisa, que tanto me ensinaram. Por conseguinte, denominei cada sujeito com um nome de uma pedra preciosa, metal ou substância natural importante. Assim como as pedras são duras e resistentes e precisam ser lapidadas para encontrarmos a gema preciosa, estes pacientes passaram e suportaram situações terríveis e muito dolorosas, histórias muito sofridas de perdas, fracassos, violência, fome, miséria, suicídio, morte, tormento, incompreensão, desrespeito, abuso, solidão, assassinato, perversão, maldade, estupidez, desgraça, ódio, amor, temor, culpa, amargura, sofrimentos intensos e perseverantes, alegria, paixão, dor, fracasso, tristeza, euforia, arrependimento, fraternidade, compreensão, desvalorização e valorização, satisfação e insatisfação e outros milhares de momentos bons e ruins... Mas, mesmo assim elas são únicas, preciosas, resistentes às mais terríveis intempéries, assim como as mais raras pedras preciosas que se possa encontrar, é com elas que temos o dever de aprender, respeitar, amar e valorizar estes sujeitos. Estas pedras são geralmente e infelizmente, fadadas ao esquecimento, abandono, marginalização social... Mas, mesmo assim os que sofrem devem continuar a luta, eles próprios, conjuntamente com profissionais de saúde, família, amigos e com o apoio da sociedade, para que tenham um mínimo de qualidade de vida, valor e respeito. No presente estudo, denominei cada paciente das oficinas de Arteterapia deste CAPS adulto, com os seguintes nomes, a começar pelas mulheres: Pérola, Turmalina, Esmeralda, Safira, Prata, Ametista e Água-Marinha (sete – 7 mulheres adultas). Os homens: Diamante, Jade, Ouro, Marfim, Rubi, Topázio (seis – 6 – homens adultos). Foram aproximadamente 13, o número total de participantes das oficinas, sendo nove, entrevistados – cinco (5) mulheres e quatro (4) homens. (As entrevistas foram digitadas na íntegra, constando nos anexos).
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As hipóteses diagnósticas mais presentes, conforme a classificação do CID-10 (1999) foram: F 32.3: Episódio depressivo grave com sintomas psicóticos (em quatro pacientes: Diamante, Topázio, Prata, Esmeralda); F 20.0: Esquizofrenia paranóide (em três pacientes: Ouro, Turmalina e Prata); F 29: Psicose não-orgânica não especificada (em duas mulheres), sendo uma delas, a Pérola, uma senhora, submetida a vários exames, com suspeita de um quadro de demência, e a outra ( a Prata) com o caso em discussão pela equipe do CAPS; F 20.9: Esquizofrenia não especificada com quadro de demência vascular (Pérola, a mesma senhora do F 29); F 23.1: Transtorno psicótico agudo poliformo, com sintomas esquizofrênicos ( o Marfim – um senhor); F 31.1: Transtorno afetivo bipolar, episódio atual maníaco sem sintomas psicóticos (o Jade); F 33.3: Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave com sintomas psicóticos (a Safira). É possível visualizar o gráfico situado na lista de ilustrações, no início deste trabalho, contendo os pacientes e suas patologias.
3.2 - MATERIAL Os materiais utilizados foram: papéis de diferentes tipos, texturas, cores e brilho; lápis e lápis de cor; caneta hidrográfica, giz de cera; folhas sulfites, cartolinas, papel-cartão, argila, jornal, revistas, pincéis e trinchas, tinta, verniz vitral, isopor, pedrinhas, água, panos e tecidos, esponjas, tesouras, barbante, música (rádio-toca-fitas e cds), papel-cartão, papel crepom, papel kraft, papel carbono, papel de seda, retalhos e sucata; cola, palitos de sorvete, botões, livros, obras de artistas famosos e não famosos, cola-glíter (com purpurina), aquarela, fita adesiva e Durex, câmera-fotográfica, caneta, azulejos, argila, rolo compressor entre outros materiais. O lugar onde se realizavam as oficinas de arteterapia era constituído de uma sala relativamente grande, usada também para as oficinas de terapia ocupacional. Havia uma mesa grande rodeada de cadeiras. Dependendo da proposta da oficina, eram retiradas as mesas e as produções eram realizadas em pé. Na sala havia também os materiais necessários, desde
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livros, materiais plásticos, armários e produções de outros grupos e pacientes do CAPS. Os pacientes geralmente eram convidados a participar das oficinas de arteterapia e ficavam sentados realizando as produções artístico-expressivas. Havia também uma outra mesa onde se colocavam as produções quando finalizadas. A sala era pintada de cor branca e tons claros, com janelas que davam para o corredor de entrada do pátio do CAPS. Durante o último encontro, devido à reforma do CAPS, o espaço onde foi realizada a oficina, foi em uma sala, bem menor que a usual, da subprefeitura deste mesmo bairro, onde foram dispostas cadeiras formando uma roda com o objetivo da discussão da visita à Bienal de Artes de São Paulo. Após a discussão, as cadeiras foram afastadas próximas à parede e os pacientes fizeram no chão a produção: “O Ônibus do CAPS na Tela do Cinema”. Após a produção, houve uma proposta de interação lúdica entre os pacientes e a produção criada, então os pacientes saíram da sala para o pátio e foram fotografados junto com os profissionais que elaboraram a atividade, “dentro” deste “Ônibus do CAPS na Tela do Cinema” (vide capítulo da descrição das oficinas – último encontro).
3.3 - PROCEDIMENTO A pesquisa desenvolveu-se através de um voluntariado num determinado CAPSAdulto, que durou de setembro de 2006 á janeiro de 2007, onde foram realizadas oficinas de Arteterapia da qual o pesquisador participou, na elaboração, execução e análise das atividades, conjuntamente com uma estagiária de último ano de terapia ocupacional, com uma terapeuta ocupacional veterana deste CAPS-Adulto estudado, e uma psicóloga deste CAPS, que participou em apenas de uma ou duas oficinas/atividades. A terapeuta ocupacional veterana deste CAPS participou de algumas oficinas. O pesquisador é um psicólogo, especializando-se em Arteterapia e psicologia hospitalar, com experiência na área de saúde mental – constituindo-se, portanto, em uma equipe multidisciplinar. As atividades ocorreram todas às quintas-feiras das 13:30 às 15:00 horas. Os pacientes eram convidados a participarem das oficinas de Arteterapia sem obrigatoriedade de participação nas semanas subseqüentes. Ao longo das semanas, foi se constituindo um grupo, aonde os pacientes, portadores de sofrimento psíquico severo e persistentes, vinham mais ou menos regularmente todas as semanas. O grupo era aberto a quem tivesse o desejo de vivenciar oficinas de Arteterapia através de diversas técnicas e materiais expressivos.
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Foram realizadas anotações, pontuações, reflexões, discussões e intervenções no decorrer das oficinas sobre: as atividades, os pacientes e as produções criadas. As produções foram guardadas, e ao final das oficinas, foram expostas no próprio CAPS ao público. Os procedimentos não sujeitaram os participantes a riscos maiores do que os encontrados em suas atividades cotidianas. O pesquisador apresenta experiência prévia em consultório, hospitais e outros centros de tratamento, no atendimento, intervenção e manejo, caso fosse necessário, a portadores de transtornos mentais severos e/ou persistentes, ou seja, pessoas com grave comprometimento psíquico. Como os sujeitos integram a categorização de “grupos vulneráveis”, o pesquisador, consoante avaliação, garantiu ao Comitê de Ética Nacional, possuir a experiência e habilidades para realizar a pesquisa com esses grupos, dispondo de meios, recursos e competências para lidar com as possíveis conseqüências dos procedimentos e técnicas aplicadas; e intervir imediatamente para limitar e remediar qualquer dano que possa ter sido causado. As produções plásticas dos pacientes foram fotografadas com o consentimento dos mesmos, constando no “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”, fazendo parte integrante da produção final da pesquisa. No que se refere aos recursos financeiros, esta pesquisa não requereu quaisquer, além do próprio investimento de estudo e investigação do pesquisador envolvido. Participaram das atividades de Arteterapia um total de aproximadamente 13 pacientes, sendo nove (9) entrevistados – cinco (5) mulheres e quatro (4) homens. (As entrevistas foram realizadas individualmente com cada paciente e digitadas na íntegra, constando nos anexos). Durante as oficinas, foi observado as falas dos pacientes, seus gestos, movimentos, ou mesmo o silêncio dos mesmos, além do processo de cada um, que foi a cada oficina sendo analisado e discutido entre a equipe. Durante as entrevistas o mesmo ocorreu, além de serem ouvidos, indagados, ouvidos novamente e questionados sobre o significado daquilo que produziram e expressaram através da linguagem artística. As entrevistas com os profissionais do CAPS foram realizadas com o objetivo de conhecer melhor a demanda e a dinâmica dos pacientes e o funcionamento da instituição. Estas foram analisadas e discutidas com os mesmos. Quando necessário, os trabalhos dos freqüentadores das oficinas de Arteterapia, foram interpretados, analisados e discutidos, conjuntamente, com o produtor dos trabalhos e com o pesquisador, com o intuito de compreender: como vivenciaram a experiência de participação em oficinas de Arteterapia. Os resultados deste estudo foram analisados, através de uma reflexão - sobre quais sentidos e contribuições, as vivências nas oficinas de
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Arteterapia, produziram para cada paciente - dada a singularidade e subjetividade, de cada participante das oficinas terapêutico-expressivas. Foram realizadas dez (10) oficinas de Arteterapia, sendo que na penúltima houve uma visitação à Bienal de Artes de São Paulo, e na última oficina houve a discussão sobre a visitação, e a produção arteterapêutica do ônibus que levaram os pacientes à Bienal de Artes. Utilizamos nas oficinas, diversos materiais e técnicas terapêuticas/expressivas, de acordo com o desejo/demanda dos freqüentadores e do material disponível. As oficinas de Arteterapia e sua contribuição para a vida dos freqüentadores foram discutidas entre os profissionais que elaboraram e executaram as atividades, com alguns profissionais deste CAPS estudado, e com os próprios pacientes, durante as oficinas e nas entrevistas que foram realizadas ao término do voluntariado.
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4- DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
4.1 - DESCRIÇÃO E ANÁLISE DAS OFICINAS DE ARTETERAPIA Este capítulo tem como objetivo apresentar como foram realizadas as oficinas de Arteterapia neste CAPS-Adulto, de setembro à dezembro de 2006, com comentários, e análise pessoais e de F. – estagiária de T.O. (terapeuta ocupacional), que participou conjuntamente comigo e com G. – T.O. do CAPS, na elaboração, realização e discussão das atividades para as oficinas, que foram realizadas todas às quintas-feiras. Consta também neste capítulo, os comentários tecidos a respeito dos pacientes que participaram das oficinas e suas produções.
Dia: 14/09/06: Primeira atividade: Apresentação do Grupo, da proposta e dos Oficineiros: Estavam presentes: Água-Marinha (que só participou desta oficina – sexo feminino), Safira, Pérola, Esmeralda, Turmalina, Marfim e o Ouro. Nesta atividade o objetivo foi à apresentação da equipe e dos pacientes, além da apresentação da proposta do que faríamos durantes os nossos encontros semanais de Arteterapia. Foi proposto para que cada um conhecesse o outro e se formasse um grupo, que cada um se apresentasse e falasse um pouco de si, inclusive os oficineiros. Foram desenhados/escritos/pintados em folhas sulfite, e em cartolina, os nomes dos participantes da atividade, e solicitado que desenhassem ou pintassem algo que eles gostassem, que tivessem uma relação com seus nomes. Depois disto, juntamos todos os trabalhos individuais em duas cartolinas coladas uma na outra, colando todos os nomes adornados, com o objetivo de cada um pudesse completar a parte do desenho do outro, pintando ou desenhando o que desejassem. Esta cartolina foi denominada: “Cartolina dos Nomes”. A cor escolhida da cartolina foi a cor amarela clara. No início, eles estavam tímidos e não havia esta liberdade de um poder mexer no trabalho do outro (isto colados os desenhos individuais na cartolina grupal), mas depois foram se soltando, e um ia compondo junto com o outro a cartolina, sendo assim, a articulação e dinâmica grupal, foi transcorrendo desta maneira. Os materiais utilizados foram: giz de cera, lápis, lápis de cor, tinta guache, pincéis e trinchas, caneta hidrográfica, cola, tesoura, cartolinas coloridas e papéis coloridos. ÁguaMarinha (sexo feminino) não estava se sentido bem neste dia e quis participar da atividade. Adorou participar e relatou que estava sentindo-se muito deprimida, e quando saiu da sala,
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tendo terminado a produção, disse estar bem melhor, pois apresenta um quadro depressivo. Turmalina apresenta-se sempre muito comunicativa e gosta de contar fatos que ocorrem em sua vida para todo o grupo escutar, diz gostar muito de arte. Ouro e Marfim geralmente apresentam-se mais calados durante as atividades. Pérola fala pouco também, muitas vezes fala num tom de voz muito baixo, difícil de se entender o que relata, pois não verbaliza direito as palavras. Traz sempre a questão do desejo de voltar para sua terra, seus parentes e casa no nordeste, e sempre usa pedaços/retalhos de tecido/pano para executar as suas produções. Safira dependendo do dia, de seu estado geral, verbaliza mais ou menos, mas sempre realiza produções com afinco, assim como os outros participantes.
PRODUÇÕES ELABORADAS:
Fig. 1 - PRODUÇÃO EM CONJUNTO: “CARTOLINA DOS NOMES” – Os Nomes não aparecem, mas estão coloridos com linhas ou retângulos azul-claros. PRIMEIRA ATIVIDADE.
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Fig. 2 - “AVIÃO” - (MARFIM);
Fig. 3 - SEM TÍTULO - (ÁGUA-MARINHA);
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Fig. 4 - “EU E/ENTRE MINHAS DUAS FILHAS” - (SAFIRA);
Fig. 5 - “BORBOLETAS E FLORES” - (TURMALINA);
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Fig. 6 - “VESTIDO E FLORES” – (PÉROLA);
Fig. 7 - “PATO, GATO E ÁRVORE” – (OURO).
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Dia: 21/09/2006: Segunda atividade: “Cartolina da Natureza”: O objetivo foi o de cada um poder expressar algo que gostasse na natureza, pois na atividade anterior apareceu muito na Cartolina dos Nomes, temas ligados à natureza, além da proposição do uso de materiais além do giz de cera, lápis de cor, caneta hidrográfica e tintaguache (explorar novos materiais). Estavam presentes: M. (que participou somente desta oficina – sexo masculino), Safira, Esmeralda, Ouro, Marfim e Pérola e Turmalina. A cor escolhida da cartolina foi a cor rosa. Já partimos para a realização de uma produção (uma cartolina) para todos, tendo em vista a proposta de fortificar a articulação da formação grupal. Primeiramente foi tocado uma música com sons da natureza, como o barulho do vento, dos animais, da água, etc. para que eles imaginassem com os olhos fechados, situações, vivências, lugares, experiências e temas ligados à natureza, das quais eles gostassem ou gostavam. Após cerca de 10 minutos, o volume da música foi diminuído, e um foi compondo o desenho do outro. O primeiro desenho foi o de Safira: uma cachoeira que desembocava num rio e daí surgiram os outros desenhos. A música continuou a tocar durante toda a atividade, como música de fundo, com efeito meditativo e introspectivo. A cartolina ficou exposta na sala de televisão, e eles disseram que gostaram muito de realizar esta atividade. Eu não estava, pois fui participar no Rio de Janeiro do: “I Encontro Nacional de Arte e Saúde Mental” na U.E.R.J. Eles perguntaram de mim, e foi-lhes informado que eu não estava devido ao Encontro, e que nas próximas oficinas estaria presente. F.(TO) e G.(TO) estavam presentes. A cartolina ficou muito bonita e criativa, tendo um sol, rio, peixes, pessoas, rochas, cachoeira, flores, pássaros, árvore e outros temas naturais. Foram utilizados: papel crepom, tesoura, cola, recortes, tecidos, lápis, lápis de cor e canetas hidrográficas. Eles geralmente escolhem a cor da cartolina, e os materiais são fornecidos por nós, mas caso queiram algum outro que não esteja na mesa, se possível, é fornecido o material. Segundo relato de F., apareceram nas imagens na cartolina, figuras que lhes lembraram a infância e juventude, lugares e situações vividas ligadas à natureza (vide entrevistas). O Ouro fez os pássaros. Esmeralda fez os bonecos e as flores. Pérola as roupas de tecido para os bonecos, com a ajuda de Esmeralda. Pérola fez também as flores de tecido, recortadas e coladas por ela mesma na cartolina. Marfim fez as rochas de papel crepom. Turmalina desenhou, pintou, recortou e colou, todos os bonecos na cartolina. O que cada um executou está descrito em maiores detalhes nas entrevistas. Esmeralda disse que teve vontade de chorar devido à música. Safira disse ter gostado porque
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gosta de água. Pérola relatou ter gostado da atividade porque trabalhou com tecido e isto é o material que ela gosta e gostava de trabalhar. A maioria gostou muito da atividade, segundo relato de F.
PRODUÇÕES REALIZADAS:
Fig. 8 - “CARTOLINA DA NATUREZA” – PRODUÇÃO COLETIVA – SEGUNDA ATIVIDADE;
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Fig. 9 - “MENINAS DE VESTIDO” – (ESMERALDA E PÉROLA);
Fig. 10 - “PEDRAS, RIO, CACHOEIRA, PEIXES, HOMENZINHOS, BONECOS E PÁSSAROS”;
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Fig. 11 - “CACHOEIRA, RIO, PEIXES, PÁSSAROS, SOL E ÁRVORE”;
Fig. 12 - “PÁSSAROS (OURO E TURMALINA), FLORES (PÉROLA), MENINA (ESMERALDA E PÉROLA) E ÁRVORE” (ESMERALDA):
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Fig. 13 - “BONECOS” (TURMALINA), “FLORES, RIO e PEIXES” (TURMALINA);
Fig. 14 - “ROCHAS” - (MARFIM e SAFIRA), “BONECOS” - (TURMALINA), e “RIO COM PEIXES” - (TURMALINA E SAFIRA);
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Fig. 15 - “PÁSSARO” – (OURO);
Fig. 16 - “CARTOLINA DA NATUREZA”.
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28/09/2006 – Terceira Atividade: Guache sem Pincéis:
Objetivou-se usar tinta têmpera guache, sem a utilização de pincéis. Foram utilizadas trinchas, os dedos, materiais de modelagem (instrumentos), buchas, esponjas, palitos de sorvete, espátulas, marcadores, e instrumentos que demarcavam a tinta no papel através de uma determinada forma, e outros materiais e técnicas sem o uso de pincéis, para estimular a criatividade, originalidade e busca de técnicas pessoais e improvisos. Estavam presentes: Marfim, Pérola, Safira e Esmeralda. Foram realizados cerca de 12 trabalhos artísticos.
PRODUÇÕES REALIZADAS:
Fig. 17 - “GUACHE SEM PINCÉIS I”;
Fig. 18 - “GUACHE SEM PINCÉIS II”;
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Fig. 19 - “GUACHE SEM PINCÉIS III”;
Fig. 20 - “GUACHE SEM PINCÉIS IV”;
Fig. 21 - “GUACHE SEM PINCÉIS V”;
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Fig. 22 - “GUACHE SEM PINCÉIS VI”;
Fig. 23 - “GUACHE SEM PINCÉIS VII” - PROVAVELMENTE DE JADE;
Fig. 24 - “GUACHE SEM PINCÉIS VIII” – PROVAVELMENTE DE MARFIM;
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Fig. 25 - “GUACHE SEM PINCÉIS IX” – PROVAVELMENTE DE MARFIM;
Fig. 26 - “GUACHE SEM PINCÉIS X”;
Fig. 27 - “GUACHE SEM PINCÉIS XI” – PROVAVELMENTE DE MARFIM;
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Fig. 28 - “GUACHE SEM PINCÉIS XII”.
05/10/2006 – Quarta Atividade: Técnica do Espelho com Guache: Foram utilizadas folhas, divididas ao meio, onde cada um jogava um pouco de tinta (pintura abstrata) na metade da folha, sem o uso de pincéis. A outra metade em branco era dobrada e assim saía uma pintura abstrata espelhada – figuras iguais nas duas partes da folha. Eles se surpreendiam quando abriam a folha e vislumbravam a pintura criada através da técnica do espelho. Estavam presentes: Safira, Pérola, Ouro, Marfim, Esmeralda e Turmalina? Foram produzidas seis pinturas. Os nomes das produções foram dadas pelos pacientes. Houve, assim como em outras atividades, produções sem título, e produções que nós não conseguimos lembrar o nome de seus produtores.
PRODUÇÕES:
Fig. 29 - “TÉCNICA DO ESPELHO I”;
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Fig. 30 - “TÉCNICA DO ESPELHO II”;
Fig. 31 - “TÉCNICA DO ESPELHO III” – MARFIM;
Fig. 32 - “TÉCNICA DO ESPELHO IV – BORBOLETA VERMELHA E BRANCA” – OURO;
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Fig. 33 - “TÉCNICA DO ESPELHO V – PALHAÇO COM CABEÇA AZULCLARA” – PÉROLA;
Fig. 34 - “TÉCNICA DO ESPELHO VI” – SAFIRA OU TURMALINA.
12/10/2006 – Feriado Nacional, não houve oficina.
19/10/2006 – Quinta Atividade: Vela banhada com Verniz Vitral: O objetivo foi a realização de produções feitas com a fricção de vela de cera nas folhas a fim de serem banhadas num recipiente onde havia água com um pouco de verniz vitral colorido pingado, que impregnava os lugares onde havia vela nas folhas e os
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demarcavam com tinta verniz, formando manchas de tinta colorida nas folhas. Cada um escolheu a cor da folha e as cores das tintas-verniz para pingar no recipiente e cada paciente molhava delicadamente com a ajuda de dois pregadores de roupa, pregados nas extremidades da folhas, as produções no recipiente e retirava logo á seguir. Eles ficavam admirados com o que saia (as formas e as cores), e quiseram repetir e fazer mais de um trabalho embebido nas tintas-verniz. O objetivo foi trabalhar as formas abstratas, as cores, as formas com a vela e o verniz. Quem desejasse, depois, pintaria sobre o verniz o que quisesse. Estavam presentes: Pérola, Esmeralda, Safira, Ouro e Marfim. Foram produzidas cerca de oito (8) pinturas. A verniz vitral marrom não estava muito boa, por este motivo, ela predominou nas pinturas (a cor marrom, quando foi escolhida para uso).
PRODUÇÕES:
Fig. 35 - “VERNIZ VITRAL I”;
Fig. 36 - “VERNIZ VITRAL II” – ESMERALDA;
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Fig. 37 - “VERNIZ VITRAL III” – MARFIM;
Fig. 38 - “VERNIZ VITRAL IV” – MARFIM;
Fig. 39 - “VERNIZ VITRAL V” – OURO;
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Fig. 40 - “VERNIZ VITRAL VI” – OURO;
Fig. 41 - “VERNIZ VITRAL VII” – PÉROLA;
Fig. 42 - “VERNIZ VITRAL VIII” – SAFIRA.
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26/10/2006 – Sexta Atividade – Azulejos Criativos: A proposta foi preencher com os materiais que estavam sobre a mesa os azulejos brancos, da forma que quisessem. Estavam presentes seis (6) pacientes: o Jade, o Ouro, o Marfim, a Pérola, a Esmeralda e o Diamante. Todos os pacientes demonstram-se introspectivos no início de todas as atividades, e geralmente expressam-se pouco através da fala, mas à medida que as atividades iam ocorrendo, o cenário mudava: observava-se uma riqueza, uma elaboração criativa e expressiva maravilhosa. O Ouro mostrou-se sempre muito criativo, produzindo trabalhos lindos, foi apelidado pelo grupo de “O Artista”. Ele fez um caminhão no azulejo, com o uso de retalhos de pano, e no outro azulejo, recortou recortes de figuras geométricas de retalhos de tecido, coladas no mesmo. Realizou outra produção artística, muito bonita, em uma cartolina amarela. Foi elogiado pelo grupo, devido às suas produções e chamado de: “O Artista”. O grupo perguntou-lhe quando seria sua exposição em tom de brincadeira. Ele respondeu que seria em breve, brincando também. Ouro expressou seu desejo de pintar em tela, mas G. (a T.O. veterana do CAPS) acha que seria melhor que isso ocorresse nas últimas oficinas, pois concluiu que seria melhor aos pacientes, adquirirem mais domínio sobre as técnicas artísticas. A Esmeralda produziu dois trabalhos, um em cada azulejo. Em um deles fez uma menina numa paisagem, usando retalhos de pano e fios de lã e cola glíter, sendo a única a assinar seus trabalhos, sei que a ela foi lhe sugestionado assinar as suas produções, mas não me recordo, (penso que sim) se foi sugestionado a todos que dessem um tema para a sua produção e que assinassem. Perguntei a ela se estava faltando algo, e ela respondeu que faltava um menino, mas não o fez, mas desenhou com cola glíter uma nuvem, o sol e colou flores de retalho de tecido, e tracejou uma linha verde com cola glíter que passava por trás, na altura um pouco abaixo da cintura da menina. Os trabalhos foram realizados em cima de azulejos com pintura, desenho, e colagem de retalhos de pano, recortes de revista, bolas de isopor, palitos de sorvete e pedrinhas. F. (estagiária de T.O.) pensa que Esmeralda produz trabalhos um pouco infantilizados e que o grupo ainda está um pouco tímido. O Jade assim como o Diamante, apresenta uma agitação psicomotora muito intensa, quer logo sair da sala, quando acaba de realizar as suas produções, sendo que F. e eu, tentamos fazer com que ele fique o máximo de tempo que conseguisse na sala, ele é extremamente agitado e sem paciência, mas gosta das oficinas, ele comentou. Foi a primeira vez que o Diamante veio e disse que era bipolar, ele
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fala muito e conversa com todos, chegando muitas vezes a ser inconveniente com as pessoas, como quando agiu, perturbando a realização da produção de Esmeralda. A Pérola, que estava ao lado de Esmeralda, colou retalhos de pano coloridos em azulejo, mas ela não estava bem, estava confusa mentalmente, talvez devido ao agravamento de sua doença senil. Ela sempre entra na sala de oficinas com sua bolsa e só depois de muita insistência nossa, ela deixa a bolsa num canto. Ela estava tão confusa que, quando se encerrou a atividade, saiu da sala, levando parte dos materiais da oficina embora. Foi chamada a sua atenção, e ela devolveu o material. O Diamante comentou que iria viajar para fora de São Paulo, para a casa de uma menina que ele estava de “rolo”, que conheceu pela Internet, relatou que sempre viaja e que gosta muito de viajar e conhecer lugares e pessoas novas, e que adora Curitiba, que tinha uma namorada lá. Reclamou que não lhe davam alta do tratamento no CAPS, questionando o motivo, pois já estava há muito tempo em tratamento no CAPS, há sete anos, e que já deram alta para muitos, e só ele não recebia alta. Ele relatou que em sua casa não havia numeração para a chegada de cartas do correio, que as cartas sempre chegam no vizinho, então fez no azulejo o número de sua casa: 39 (feito de pedrinhas coladas no azulejo), pois queria pendurar o azulejo demarcador na frente de sua casa, mas esqueceu de levá-lo para sua residência. Diamante falou muito, como sempre ocorre durante as oficinas. Ele demandava muita a atenção e a ajuda da estagiária F. Pérola disse que precisava ir para o Paraná (Diamante estava contando a história de sua viagem ao Paraná), então ele explicou todos os detalhes como o ônibus, a companhia, a rodoviária, etc... de como ela chegaria até o Paraná. O grupo comentou que os loucos vêm parar no CAPS, num tom de brincadeira. Veio também pela primeira vez a Prata, que ficou muito quieta, quase não falava e não tomava nenhuma atitude, não conversava com ninguém, quando eu e F. falávamos com ela, ela sorria e ficava pensando, mas produziu dois trabalhos no azulejo. Não interagia verbalmente com o grupo, e relatou várias vezes que não sabia fazer nada, estimulamos-na a produzir algo, oferecendo material para olhar e decidir o que retrataria nos azulejos, ela demorou muito, até que fez uma colagem com pedaços de pano no azulejo, onde figurou uma mulher, mas que tinha só a parte inferior do corpo – a parte superior era um retângulo de retalho de tecido, com dois fios prateados, pintados com cola glíter, saindo do retângulo. As extremidades dos fios acabavam em duas bolas amarelas floridas, uma de cada lado da mulher. Achei muito intrigante o que fez, mas não sabia explicar o que tinha feito. Depois escolheu a foto de uma mãe com a filha, numa revista, ambas sorrindo, recortou a foto e colou no azulejo, pintando um sorriso na boca de ambas com cola glíter vermelha, depois produziu outros trabalhos nos azulejos. Depois de feito o azulejo da mãe e filha, Prata disse não querer mais realizar mais nada, e lhe foi
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oferecido revistas. Ela ficou folheando as revistas, e me chamou para que eu visse como era bonita a Nicole Kidman, seu vestido de casamento e seu casamento. Os materiais utilizados foram: azulejos, bolinhas de isopor granuladas de vários tamanhos, cola glíter (com purpurina), papel, caneta esferográfica, botões, revistas e recortes, tesoura, cola, pedrinhas coloridas, pedaços pequenos de tecidos, mosaicos de azulejos, palito de sorvete, lápis de cor, lápis, entre outros materiais. O objetivo da atividade não foi trabalhar com lápis e papel, mas como seguimos também a demanda do desejo dos pacientes, a Esmeralda pediu lápis e papel. O objetivo foi trabalhar recortes e colagem e outros matérias nos azulejos. A Pérola pegou os pedaços de panos, porque adora fazer roupas e vestidos com eles, disse querer voltar para a sua terra no nordeste, como sempre diz. O Jade participa de vários torneios esportivos, entre os CAPS também, e relatou sobre o torneio de futebol que participou, e que já ganhou várias medalhas. Ele, como já conhecia F., interagia bem com ela, havendo muito diálogo entre os dois, e entre Jade e o grupo, pois Jade adorar falar muito. Jade usou a cola glíter verde, palitos de sorvete e as bolas de isopor no azulejo. O Marfim fez algo parecido com as produções de Jade em dois azulejos, atestando a influência de um trabalho de um paciente sobre a produção do outro. Quando a proposta da atividade arteterapêutica é oferecida aos pacientes, eles ficam durante um certo tempo pensando no que executar e expressar, e um pouco tímidos e receosos, penso eu – por mais que seja dito no início e repetido, que não há certo ou errado, bonito ou feio, que o objetivo é poder expressar livremente o que pensam, sentem e desejam, da maneira que quiserem com os materiais que estão à disposição. Sempre são elogiados pelos trabalhos produzidos, e cientes que estamos ao lado, ou perto deles, para auxiliá-los no que desejarem. Quando finalizam as produções, peço permissão para mostrar as produções acabadas ao grupo, e indago se alguém deseja tecer algum comentário, o que muitas vezes ocorre, com elogios do grupo. Quando convidamos os pacientes para participarem da oficina de Arteterapia, eles estão dormindo, conversando, assistindo televisão, tomando sol, fumando ou não fazendo nada mesmo, a maioria aceita o convite pessoal. Há na mesma hora, uma outra oficina grupal denominada “Grupo Verbal” e após a oficina, a “Atividade de Culinária”. O grupo está interagindo mais, mas eles não são de falar muito entre eles, a disposição dos materiais e a necessidade de seu uso também estimulam a comunicação entre o grupo. Perguntamos sempre se alguém quer trabalhar algum tema ou material específico nesta oficina ou para as próximas. O Ouro se manifestou quanto ao desejo de pintar em tela. Perguntamos também, em todas as oficinas, se alguém não está gostando de algo e questionamos se estão gostando das atividades. A Pérola relatou que: “O que mandarem fazer eu faço!” (sic). A maioria dos pacientes das oficinas não se manifestam em relação às
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inovações, ou pedidos ou desejos pessoais, o que houver de atividade ou material, eles usam e se expressam através da atividade proposta. Houve na semana passada uma apresentação de atividades realizadas pelos pacientes do CAPS. Todas ás quintas, eles fazem um passeio para algum lugar da cidade durante a parte da manhã. Um dia foram para o CAPS X, outro para o CECCO do Ibirapuera, outra vez para um determinado shopping, etc. A G. (T.O. do CAPS) teve que sair no meio da atividade para resolver algo importante, relatando que uma psicóloga do CAPS, iria iniciar a participar das oficinas de Arteterapia conosco.
AZULEJOS PRODUZIDOS:
Fig. 43 - “CAMINHÃO” – OURO;
Fig. 44 - SEM TÍTULO – JADE;
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Fig. 45 - “MÃE E FILHA” – PRATA;
Fig. 46 - “MENINA” – ESMERALDA;
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Fig. 47 - “NÚMERO DE SUA RESIDÊNCIA” – DIAMANTE;
Fig. 48 - “PALHACINHO MISTURADO COM CACHORRO” – ESMERALDA;
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Fig. 49 - “SEM TÍTULO” – MARFIM;
Fig. 50 - “SEM TÍTULO” – MARFIM;
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Fig. 51 - “SEM TÍTULO” – OURO;
Fig. 52 - “SEM TÍTULO” – PÉROLA;
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Fig. 53 - “SEM TÍTULO” – PRATA.
02/11/2006 – Não Houve atividade, devido ao feriado;
09/11/2006 – Sétima Atividade - Oficina com Argila:
Foram utilizados três tipos de argila: amarelada, amarronzada, e um outro tipo de argila cinzenta. Estavam presentes na oficina: Marfim, o Diamante e o Jade. Presentes também estavam, dirigindo a atividade, eu e F., G. não pôde comparecer devido à visita domiciliar que teve que fazer de urgência à Rubi - que estava bem mal. Diamante estava depressivo, dopado, impregnado pelo remédio que havia tomado (tomou duas doses de um remédio de efeito forte para poder dormir). Ele não deveria ter tomado este remédio. Relatou que tomou estes dois comprimidos para dormir, pois havia tido um pesadelo muito ruim, onde via duas meninas mortas. Para não ter mais estes tipos de pesadelos, que o afligia muito, pois acordou no meio da noite assustado devido a este pesadelo, tomou este remédio para dormir. Dormiu durante duas noites seguidas. Fez apenas uma figura parecida com um boneco de neve, muito mal elaborado, sem rosto, sem detalhes, tentamos estimulá-lo para conseguir
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fazer algo mais elaborado, mas estava sem condições. Jade relatou que um paciente do CAPS havia falecido enquanto jogava futebol. Marfim fez um animal de quatro patas que chamou de elefante com dois chifres e rabo, depois seus colegas falaram para ele que não havia tromba, então não poderia ser um elefante, que estava mais parecido com uma espécie de cachorro ou vaca (todos deram gargalhadas, o ambiente estava bem descontraído, e os pacientes bem integrados) e relatou que iria pintar na próxima semana as suas produções. Relatou não querer pintar, pois a argila ainda estava mole. O Jade estava muito agitado e ansioso, como nas outras atividades, relatou estar com angústia e queria sair logo da sala, saiu e entrou na sala várias vezes. Mas fez um fogão à lenha, bem elaborado, com forno e quatro bocas para o fogo, além de uma tampa para o fogão. Fez mais algumas outras figuras com argila, como tachos (vaso de metal ou de barro) coloridos com tinta guache, verde e rosa, com alguns alimentos em seu interior, e pintou todas as suas produções. Os três conversaram bastante, havendo uma boa integração entre o grupo, o ambiente estavam bem descontraído, eles até brincaram e contaram piadas. Uma enfermeira entrou no meio da atividade para dar um remédio para Jade. Marfim riu muitas vezes das histórias que Diamante contava. Diamante falou muito em morte e morrer, e que hoje era para ser o dia do enterro dele (sic), pois acordou com arritmia cardíaca e torporoso. Sua mãe disse a ele que era para ele tomar café para acordar, mas ele só queria dormir, pois não se sentia bem. Disse que tomou este remédio para dormir e esquecer este pesadelo ruim que veio em sua mente. Como foi trazido o tema da morte, conversamos um pouco a este respeito, mas queríamos falar sobre outros assuntos também, devido ao “clima pesado” que se estabelecia na sala, quando ele falava sobre este tema, e em respeito aos demais integrantes do grupo que não se mostraram desejosos em ficar falando ou ouvindo muito tempo sobre este tema. O Jade sempre faz suas produções rapidamente para poder ir embora logo. Foi-nos recomendado pela equipe do CAPS, tentar estimulá-lo a permanecer mais tempo durante as atividades. Qualquer mulher que passasse no lado de fora da sala, Diamante fazia alguma brincadeira, ria e aproximava-se da janela para conversar com ela, e Marfim achava muito engraçado. Diamante fala sobre vários assuntos, cuja veracidade às vezes parece duvidosa, ele não gostou da atividade (não gosta de trabalhar com argila), pois segundo seu relato, sujam suas mãos, gruda, etc. Jade gostou bastante da atividade.
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PRODUÇÕES REALIZADAS:
Fig. 54 - “FOGÃO À LENHA” – JADE;
Fig. 55 - “PRODUÇÕES COLETIVAS EM ARGILA”;
Fig. 56 - “TACHO COLORIDO” – JADE;
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Fig. 57 - “VACA OU ELEFANTE” – MARFIM.
16/11/2006 – Oitava Atividade - Preparação para Pintura em Tela: Atividade de cópia, desenho e reprodução de pinturas de quadros de pintores. Os pacientes requisitaram pinturas e quadros de pintores famosos para poderem reproduzi-las, assim seria mais fácil do que criar pinturas a partir somente da imaginação pura. Material utilizado: papel de seda, papel carbono, papel-cartão colorido, lápis, lápis de cor, pincéis e trinchas, tinta guache, espumas, fita crepe, apontador e borracha. Levei vários livros, revistas e textos para cópia, de pintores famosos como Chagall, “ANNUAIRE DE L’ARTE INTERNATIONAL”, livro com as principais galerias famosas mundiais, com obras de pintores de vários países, de 1978-79; “NAÇÕES DO MUNDO – BRASIL e ÍNDIA” – Coleção com imagens, fotos e pinturas e artigos sobre os diversos lugares brasileiros, “MEDICINA” – AVENTURA NA CIÊNCIA, com fotos e escritos sobre a medicina, sua história e instrumentos, com fotos e textos; “MARAVILHAS DO MUNDO” – Prodígios da natureza e realizações do homem, desde as cataratas do Niágara até as bases espaciais, com fotos e textos; “THE JEWS” – A Treasure of Art and Literature (Os Judeus – Um Tesouro de Arte e Literatura), uma antologia com fotos, desenhos, ilustrações, objetos e pinturas, sobre a história do povo judeu através dos tempos; “AMAZÔNIA – O POVO DAS ÁGUAS” – sobre a vida dos povos da floresta com imagens e artigos escritos; Coleção “OS GRANDES ARTISTAS” – Vida, obra e inspiração dos maiores pintores, como Renoir e outros; “VENTURA” – Inverno, O Minotauro – revista bilíngüe, que retrata as obras de grandes artistas e suas produções: pintura, desenho, escultura e história e os diversos movimentos e
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estilos artísticos da história; “LASAR SEGALL” – O Pintor de Almas, livro sobre as obras e história do pintor, “ARTESANATO PARA CRIANÇAS” – Com Tintas e Pincéis, livro sobre técnicas e produções para crianças; “Chagall” – livro sobre a história de vida e obras do pintor; um livro sobre obras e textos sobre a arte bizantina; “Calendário 2004” – Reproduções de pinturas originais realizadas por artistas sem mãos; pinturas rupestres/primitivas em cavernas; livros que retratam a arte do impressionismo, surrealismo, expressionismo, dentre outras escolas de arte e outras produções. Estavam presentes eu e F., G. teve que sair para uma reunião de equipe. De pacientes estavam: a Ametista, pela primeira vez, o Diamante, o Marfim, o Ouro, a Esmeralda e a Safira, que demorou a decidir se aceitava o convite, e no final aceitou e aproveitou muito a atividade. O Jade foi convidado, mas disse não querer, pois estava com dor de cabeça, não se sentindo bem, ficando numa das salas dormindo. Jade, devido à medicação, apresenta um pouco de tremor no corpo e nas mãos. Marfim é fumante, e parou de fumar para participar da atividade, e na maior parte das atividades ficava em silêncio. O Diamante estava, como sempre, muito falante, um falar compulsivo. Ametista se irritou com o falar compulsivo de Diamante, pedindo para ele parar de perturbá-la e parar de falar um pouco. Primeiramente pedimos que olhassem as revistas e livros que trouxemos para poderem reproduzi-los e se prepararem para a pintura em tela. Depois de escolhidas as obras de arte, passaram os seus entorno para o papel vegetal, para repassarem através do carbono para um papel-cartão colorido, cuja cor foi escolhida por eles, para poderem pintarem e criarem uma produção com estilo próprio, tendo as obras de arte como referência. Cada um escolheu uma cor diferente de papel-cartão. Informamos que poderiam acrescentar ou retirar o que queriam das obras de arte originais, e que era o objetivo que a nova “obra” (pessoal de cada um) não necessariamente fosse idêntica à original, mas que tivesse a criatividade e a marca pessoal de cada um. Ouro demorou um pouco para escolher o que queria reproduzir até que escolheu araras, pousadas em galhos de árvore, obra de um pintor que realizou a pintura com pincéis na boca, cujo autor é Johnny A. Y. Kwang – “Araras”. Ouro como Marfim, é muito calado, embora ambos sejam muito educados e solícitos com o grupo e com os profissionais. Quando Ouro terminou de pintar sua reprodução, perguntei a ele se não queria pintar algo ao redor da figura pintada, pois havia sobrado um espaço grande na folha. Ele me respondeu que não, porque da forma como pintou, as araras estavam bem seguras e assim não poderiam voar do papel. Sua pintura ficou muito bonita e foi muito elogiada pelo grupo. Expressou novamente sua vontade em pintar em tela. Ametista escolheu reproduzir uma obra de arte do livro da história dos judeus, chamada: “Aharon pondo óleo em uma das lamparinas da Menoráh (lamparina judaica de sete braços, usada no Grande Templo judaico de
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Jerusalém)”. Esta obra é do nordeste francês do século XIII. Após reproduzir o desenho, ela pintou e perguntou como se fazia a cor marrom. Foi-lhe ensinado, e ela relatou ter gostado muito da atividade. O grupo estava muito dinâmico e articulado, os indivíduos muito comunicativos, criativos e concentrados em seus trabalhos, embora se comunicassem com freqüência entre si. O Diamante estava muito bem, brincando com todos, inclusive conosco. Contou como fazia seus biscuits. Retratou uma mulher do pintor Bernard Peltriaux, obra de uma mulher sentada, cheirando uma flor. Diamante disse que era a F. cheirando uma flor. F. disse a ele, se quisesse colocar o nome de sua produção de F. poderia colocar, pois assim ele pediu a ela. A mulher retratada estava sem um chão (sem apoio), então perguntei a Diamante onde estava esta mulher. Então ele fez um chão em verde, preenchendo a pintura com mais detalhes. Ao ver o que Diamante fez, Ametista também pintou um chão para apoiar o sujeito pintado. Diamante relatou que a mulher estava nas nuvens e que ela estava morta. Então ele pintou as nuvens. Relatou que esta mulher tinha um namorado/marido. Safira retratou uma obra de Marc Chagall, denominada “Eu e a Aldeia” - de 1911, onde há duas figuras grandes se olhando, a primeira, uma vaca, e a outra, um homem, e no fundo da tela a imagem de seu pequeno vilarejo de origem. Ficou muito bonito. Ela cantava quando pintava. Usou as técnicas das oficinas de Arteterapia anteriores, como o uso dos instrumentos de esponja para dar um efeito de borrifagem (espargiu a tinta). Relatou ter adorado criar esta produção. Ametista ficou até o final da atividade e quis ajudar a guardar o material, disse ter adorado a atividade. Foram mostradas as produções de cada um para o grupo, que elogiava quando observava cada uma, e tecia algum comentário positivo. Marfim tentou reproduzir uma obra de um pintor que retratou três mulheres, mas não conseguiu uma boa elaboração final, escolhendo a cor azul claro. Esmeralda chegou bem atrasada, mas se concentrou na atividade, realizando uma pintura de duas mulheres seminuas de Di Cavalcanti, mas não deu tempo para terminar a produção, mesmo assim, relatou estar satisfeita e feliz com o que fizera, achando bonita sua produção. O CAPS estava em obras e dentre duas semanas, a próxima atividade seria realizada na sub-prefeitura, no mesmo bairro. Penso que a atividade foi muito produtiva, e eles utilizaram-se de vários recursos e técnicas para o desenho, como a cópia e a pintura. Foram muito criativos e inovadores. O grupo estava muito harmônico e dinâmico. Os sujeitos muito concentrados e participativos. O grupo mostrou interesse e expectativa para a visita à Bienal de Artes que ocorreria na semana seguinte. Foram produzidas seis pinturas.
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PRODUÇÕES REALIZADAS:
Fig. 58 - Pintura de Bernard Peltriaux;
Fig. 59 - 1ª CÓPIA: “MENINA ROMÂNTICA” ou “MENINA MORTA CHEIRANDO FLOR” – DIAMANTE;
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Fig. 60 - “Aaron pondo óleo numa das lamparinas da Menoráh”;
Fig. 61 - 2ª CÓPIA: “SEM TÍTULO” – AMETISTA;
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Fig. 62 - 3ª CÓPIA (DE UMA PINTURA DE DI CAVALCANTI): “MULHERES SENSUAIS” – ESMERALDA;
Fig. 63 - 4ª CÓPIA: “OS HOMENZINHOS” – MARFIM;
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Fig. 64 - “Araras”, de: Johnny A. Y. Kwang;
Fig. 65 - 5ª CÓPIA: “ARARAS” – OURO;
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Fig. 66 - “EU e a ALDEIA” – M. CHAGALL;
Fig. 67 - 6ª CÓPIA: “VACA OU CAVALO” – SAFIRA.
23/11/2006 – Nona Atividade - Visita à Bienal de Artes de São Paulo:
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Alguns pacientes de várias oficinas do CAPS foram à Bienal de ônibus fretado, foi feito o convite a todos os pacientes do CAPS, e foi quem desejou. Foram para a Bienal aproximadamente 15 pacientes, acompanhadas de G., F., M. - a psicanalista-educadora, uma outra funcionária do CAPS, acho que dois técnicos, sendo um enfermeiro, e eu já estava lá esperando por eles. Foram do nosso grupo: o Diamante, o Ouro, o Marfim, o Topázio, e a Esmeralda e acho que a Pérola. Durante a viagem de ônibus, a maioria sentou sozinho, o ônibus era muito grande e nem houve lotação. Alguns poucos ficaram juntos, e outros com os técnicos da enfermagem que também os acompanharam. Mas não houve uma grande interação grupal, mesmo porque isto é difícil de ocorrer. Não houve monitoria. Como eles chegaram 40 minutos após o horário combinado comigo, só pude ficar com eles cerca de 15 minutos. Primeiro eles passaram no CECCO do Ibirapuera, quem quis entrou para conhecer o local. O., um dos pacientes, relatou que queria ir para o passeio só para ver as fontes do Ibirapuera. Percebi que eles estavam muito curiosos, mas não saberia dizer se a Bienal seria boa para eles, porque tratava de temas muito fortes de uma maneira muito explícita. Havia uma parte em que a guerra era retratada com membros e cabeças de pessoas esfaceladas, fome, miséria, etc. Diamante levou sua câmera digital e tirou muitas fotos da Bienal. Esmeralda parece ter gostado e se separou do grupo, querendo apreciar sozinha as obras de arte, pareceu estar muito entretida na observação das obras, relatando não ter paciência para esperar o grupo. Perguntou-me sobre a obra que retratava uma mesa de ponta cabeça, pendurada no teto de um abrigo, pensamos juntos à respeito: talvez o objetivo desta obra fosse retratar os valores humanos que estão de cabeça para baixo, virados, como as relações entre as pessoas e a falência das instituições como a família, as comunidades, as sociedades, as utopias, as amizades, as nações, etc. Hoje se valoriza mais o que você tem, e não o que você é. A mesa, que deveria ser um lugar para acolher, se discutir, onde as pessoas se reuniriam em torno, está virada. Ouro quando viu uma obra de arte que era metade pássaro, metade humana, G. acredita que isto gerou nele uma angústia muito forte e que a obra remeteu-lhe às suas avemontros que o perseguem (delírio persecutório). Ouro não agüentou a angústia e teve que sair da Bienal, esperando no lado de fora.
30/11/2006 – Décima Atividade - Discussão sobre a visita à Bienal de Artes e confecção do “Ônibus do Caps na Tela do Cinema”:
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Atividade realizada numa sala da sub-prefeitura do mesmo bairro, pois o CAPS está em reforma. Cerca de 15 pacientes estavam presentes na sala, sentados, dispostos numa roda aberta a fim de discutir como foi a visita à Bienal. Estavam presentes G., a educadorapsicanalista (M.), F. e eu. Havia na sala pacientes que não foram à Bienal. Dos que geralmente freqüentam as oficinas de Arteterapia estavam: Marfim, Esmeralda e Topázio. A maior parte são integrantes do grupo aberto de M. A maioria não gostou da Bienal, acharamna estranha, feia, pornográfica, pois acharam que iriam encontrar coisas belas, verdadeiras obras de arte (como nas galerias de arte e nos museus tradicionais) e segundo a maioria deles, encontraram coisas muito feias: sangue, pedaços de corpos e membros de pessoas mutiladas pelas guerras e pelas torturas, morte, miséria, etc. Penso que estes temas lhes afetaram muito, pois lhes remeteram ao sofrimento e as vivências difíceis que passam e passaram na vida, embora houvesse na Bienal obras que não retratassem desgraças que ocorreram na humanidade. A 27ª Bienal Internacional de São Paulo – trouxe um tema político que gerou muita controvérsia para a sociedade: “Como Viver Junto”, - as diferentes formas de se viver junto, que teve entre os seus objetivos levar a arte contemporânea ao conhecimento do grande público. Essa lacuna, que a 27ª Bienal buscou preencher, foi cuidadosamente pensada para se efetivar através de diversas ações sócio-educativas. Apresentou obras de 118 artistas brasileiros e estrangeiros, baseado nos projetos construtivos de Hélio Oiticica. G., durante a discussão, pontuou que havia obras que remetessem a sentimentos positivos. Nisto, um dos pacientes citou a bicicleta revestida de palha/bambu. Um dos participantes do grupo relatou que via estas desgraças que estavam expostas através das obras de arte, todos os dias nos noticiários da televisão e no jornal, portanto ele disse não ter gostado da visita. Outro participante relatou achar um absurdo que cenas tão impactantes, fortes e obras pornográficas fossem expostas a todos, inclusive para crianças. Relataram que queriam ver obras belas e clássicas, como nos museus. Na Bienal havia obras, no início impactantes, fortes, que retratavam as desgraças da humanidade, mas, à medida que as pessoas iam subindo pela construção da Bienal, havia obras que retratavam temas mais “positivos” da humanidade, como numa espiral (as relações entre as pessoas poderiam melhorar e evoluir, assim também a humanidade como um todo). Como a maioria não gostou da Bienal, foi sugerido, já que um dos participantes disse ter gostado do passeio no ônibus e do caminho até a Bienal, que ficou observando a paisagem de dentro do ônibus, de se fazer um ônibus de forma artística, escrito CAPS, dentro de uma tela de cinema, já que vídeo, cinema e arte mesclavam-se na Bienal. É interessante e importante pontuar, que para este paciente, o importante, o que fez sentido para ele, não foram as obras de arte da Bienal, mas o trajeto, o caminho, o passeio de ônibus com o
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grupo, o estar junto e não estar só, já que nas entrevistas apareceu freqüente o tema da solidão. Outra idéia, suscitada foi a de que os próprios participantes da atividade, eles mesmos, estivessem dentro desta tela de cinema, eles fossem os protagonistas, portanto, no lugar de pintar o rosto dos passageiros do ônibus, foram recortados os lugares onde ficariam as cabeças, e tiraríamos fotos do ônibus com as cabeças dos pacientes dentro do ônibus (pois na Bienal eles gostaram de uma obra de arte interativa, onde eles puseram as cabeças e tiraram fotos – todos assim fizeram). Eles adoraram também na Bienal, uma obra interativa, onde eles entraram (era uma espécie de caixote grande) e ficavam assistindo numa tela de cinema, barulhos fortes e estrondosos da natureza, como o som do vento, do mar, de trovões, de animais. (Uma das usuárias, idosa, bem comprometida mentalmente, que nunca foi ao cinema, se assustou muito com o barulho, e todos acharam engraçado o fato, mas depois Diamante disse que iria levá-la ao cinema - em tom de brincadeira. Diamante também brincou com ela falando; Olha lá C., é você no cinema!). Eles adoraram a idéia de fazer um ônibus na tela do cinema/televisão, que ficou muito criativo, bonito e muito bem elaborado (os profissionais também ajudaram na execução). Daí surgiu a idéia de um passeio/atividade onde os pacientes fossem assistir a um filme no cinema. Os materiais utilizados foram: papel cartão, cola glíter, tesoura, tinta guache, pincéis e trinchas, régua, canetas, canetashidrográficas, lápis. Metade do grupo participou fazendo o ônibus, e metade do grupo ficou observando a execução do ônibus, por mais que fossem convidados a participar, diziam que estavam gostando de observar a realização da produção artística. Topázio, que estava fumando no lado de fora da sala, com outros participantes da atividade, resolveu entrar e ajudar na confecção do ônibus. Ele desenhou o ônibus e ajudou a pintar um pouco. Uma das participantes, uma senhora, ao ser perguntada sobre o que achou da Bienal (pergunta feita para o grupo todo), relatou que não sabia interpretar, que não gosta de museus, mas gosta muito de teatro, de atores interpretando, e se recusou todo o tempo, como outros pacientes da oficina, a participar da execução artística do ônibus. Esta senhora disse não saber desenhar, pintar, que não gostava, embora sua filha sempre a convidasse a realizar atividades artísticas. Marfim como estava apenas observando, mas parecendo querer participar, foi sugerido a ele que fizesse a tinta marrom e pintasse as rodas do ônibus, e assim foi. Esmeralda pintou a borda da tela do cinema, onde passaria o filme do ônibus do CAPS: uma espécie de moldura preta sobre o papel, pintou e fez alguns outros detalhes criativos na paisagem do ônibus. G. (T.O.) fez a árvore verde á direita do ônibus, eu, o sol e a lua e lhes ajudei a fazerem outros detalhes. A. (sexo feminino) fez algumas flores rosas. No final F. levou sua câmera digital e levamos a produção do ônibus concluída para o lado de fora da sala, e cada um, se quisesse,
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colocou sua cabeça no lugar das janelas do ônibus para tirarmos fotos, inclusive os oficineiros e profissionais tiraram fotos também. A atividade foi muito boa e terapêutica. Material utilizado: Espécie de cartolina (só que um pouco maior que a cartolina), tinta têmpera guache, rolo compressor, cola glíter, lápis, borracha, lápis de cor, tesoura, cola, fita crepe e câmera fotográfica digital. Foi produzido pelo grupo o “Ônibus do CAPS na Tela do Cinema”.
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PRODUÇÃO:
Fig. 68 - “ÔNIBUS DO CAPS NA TELA DO CINEMA”;
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Fig. 69 - PRIMEIRA PARTE DO: “ÔNIBUS DO CAPS NA TELA DO CINEMA”;
Fig. 70 - SEGUNDA PARTE DO: “ÔNIBUS DO CAPS NA TELA DO CINEMA”;
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Fig. 71 - “PACIENTES e PROFISSIONAIS NA TELA DO ÔNIBUS DO CAPS”
Fig. 72 - “PACIENTES e PROFISSIONAIS NA TELA DO ÔNIBUS DO CAPS”;
Fig. 73 - “PACIENTES e PROFISSIONAIS NA TELA DO ÔNIBUS DO CAPS”;
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Fig. 74 - “ÔNIBUS DO CAPS NA TELA DO CINEMA”:
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ANÁLISE FINAL DAS OFICINAS: De vez em quando, as enfermeiras entravam na sala, durante as oficinas, para darem os remédios aos pacientes. As atividades foram realizadas todas às quintas-feiras, das 13:30 às 15:00 horas, no CAPS. Nas atividades em que foram usados os termos guache, na verdade, foi usada tinta têmpera guache, mais ou menos diluída em água, ou não diluída, dependendo da proposta da atividade, ou do desejo de seu uso, conforme a vontade de quem a usaria. Considero que muitas das atividades contribuíram para a vida como um todo dos pacientes das oficinas, sendo que eles puderam ter a possibilidade de expressão por uma via que não fosse a verbal, já que muitos tinham dificuldade de se expressarem pela fala. Penso e acredito que houve efeito benéfico das atividades de Arteterapia para os pacientes, mas prefiro ressaltar esta avaliação pela fala dos próprios, através das entrevistas, que falaram a respeito do que sentiram, pensaram, do que gostaram ou não, e no que pôde ou não contribuir para a suas vidas, já que a abordagem utilizada neste estudo é fenomenológica, onde a verdade é relativa a cada sujeito, e o processo de busca da essência se dá através de uma relação dialógica. Os trabalhos de cada um dos pacientes das oficinas podem ser apreciados através do relato de cada um, (que estão na íntegra em anexo) e nas reproduções fotográficas de suas produções (também apresentadas no presente trabalho). As entrevistas realizadas com os profissionais também podem ajudar a entender melhor a dinâmica de cada paciente. As atividades realizadas proporcionaram aos pacientes: autoconhecimento, descoberta de recursos que antes não sabiam que dispunham, de que poderiam utilizar estes recursos para realizações antes sequer imaginadas, melhora da auto-imagem e da auto-estima, incremento na comunicação e expressão, envolvimento e estruturação de um grupo (o trabalho em grupo era uma das dificuldades apresentadas inicialmente), expressão de vivências e situações passadas - boas e ruins, alegres ou tristes possibilitando uma revivência de situações passadas e uma nova elaboração do que foi vivenciado, pensado e sentido. Possibilitou também o aprimoramento das técnicas e recursos artísticos, e a expressão livre da criação de cada um. Isto pôde possibilitar a verbalização, ou apenas a expressão daquilo que era importante para eles naquele momento, podendo ter sido terapêutico, expressivo e/ou artístico. Cada paciente das oficinas de arteterapia, em cada atividade mostrou-se singular. Fatores como: a qualidade do sono, a alimentação, o efeito da medicação, os acontecimentos recentes, e outros fatores que não são possíveis de serem desvelados, influenciaram-nos na execução das atividades. A importância das entrevistas em
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anexo está no acesso bruto a relatos, onde cada um relata a sua experiência singular e seu processo expressivo durante as vivências nas oficinas de Arteterapia no CAPS. Alguns dos participantes das oficinas já se conheciam de outras oficinas ou do espaço aberto/área de convivência (pátio) do CAPS, outros não. Segundo F. (estagiária de T.O.), o grupo começou a conversar mais entre si, com a entrada de Diamante, que gostava de falar muito, incentivando os outros a falarem também. F. concluiu que foi muito bom ter as oficinas de Arteterapia no CAPS, pois foi mais uma ferramenta/meio possível de expressão, cura, satisfação para os pacientes do CAPS. F. relata ter gostado muito de ter participado, tendo aprendido muito com as oficinas. Relata que neste CAPS, que tem como uma das características - a repetição dos mesmos pacientes nos mesmos grupos há mais de cinco anos, foi bom ter se mesclado e ter se oferecido a possibilidade de novos pacientes se conhecerem em outro grupo, com outras propostas e técnicas, e em uma oficina onde se uniriam visões da terapia ocupacional, psicologia e Arteterapia, com objetivos terapêuticos e expressivos, vivenciados através da arte. Acredito que foi de grande valia para estes pacientes, conviverem em um novo espaço, participarem de uma nova proposta, interagindo com pacientes novas e com novos recursos expressivos. Trabalhou-se através das atividades: as questões ligadas à convivência e a aceitação do desejo do outro, do respeito ao outro e a sua produção, de limites de tempo e espaço, a necessidade de ouvir o outro, calar-se às vezes, criar, dentre outras habilidades, que são essenciais para uma possível reabilitação psicossocial, contratualidade, reinserção social e reinserção no mercado de trabalho. Este é o principal objetivo do CAPS – a reabilitação psicossocial. As atividades também proporcionaram conjuntamente com os limites de tempo, espaço, trabalho, produção e expressão, a possibilidade dos pacientes, através do que acontecia a cada instante nas atividades, um aprendizado para uma possível volta aos estudos e ao trabalho, devido à fixação de normas e regras antes, durante e após as atividades. Regras de comportamento, do que e como falar, do momento do outro, de respeito ao espaço e produção do outro e do grupo, de uma maneira não coerciva ou impositiva. Quando era necessário intervir e pontuar, ou negar algum pedido, ou estimular o pensar, o sentir e agir, isto era feito de forma muito cuidadosa, terapêutica e sensível, respeitando-se os desejos e necessidades dos pacientes, tendo-se em vista o processo e a história de vida de cada um. A vida de cada paciente das oficinas é e foi, em sua maioria, muito difícil, sofrida, traumática, com muitas perdas. Isto é importante destacar, pois a sociedade, a comunidade, as famílias, o mercado de trabalho e o “viver com”, impõem muitas
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regras de conduta, comportamento, fala, etc., dificultando ainda mais as possíveis relações estabelecidas entre estes pacientes que sofrem e a sociedade (nível de contratualidade). Esta reflexão é essencial, para uma mudança de paradigma de atenção à Saúde Mental e mudança de postura frente aos portadores de sofrimento psíquico (transtorno mental), já que eles foram e são segregados, discriminados, marginalizados, não valorizados e não escutados pela sociedade. O presente trabalho ilustra bem isso nas entrevistas com os pacientes, onde estas questões emergem de maneira clara no discurso dos mesmos. O respeito ao outro, desde o reaprender ao entrar na sala de atividades: cumprimentar o próximo, pedir material emprestado para o colega, saber o que, quando e como falar com os membros do grupo e com os profissionais, saber, e poder expressar o que sente, pensa, sabe ou não sabe e faz, através da fala ou da expressão artística, saber ouvir a opinião alheia, que muitas vezes, não é a sua, não passar por cima, rasgar, recortar, rabiscar, estragar, invadir ou destruir a produção e o espaço do colega, ou seja, coisas básicas, mas que são fundamentais, e que muitas vezes precisam ser reaprendidas ou aprendidas pelos pacientes (readaptação ou adaptação, padrões de conduta a um determinado contexto regido por regras e normas estabelecidas ou subliminarmente fixadas), que podem auxiliá-los no presente e no futuro, para contextos e situações vivenciais diversas. Isto tudo foi feito através: de cada atividade, da leitura dos prontuários, no diálogo com os outros profissionais do CAPS e familiares, quando possível, tendo-se em vista a singularidade de cada um, sua história pessoal de vida, sua patologia, seus recursos, potencialidades e possibilidades, as metas e objetivos das atividades (propostas), os desejos e anseios, os limites nossos e deles, objetivando-se sempre a melhora do paciente, seja profilaticamente, promovendo saúde, cuidando, acolhendo, escutando, estando de forma intensa e atenta com cada um, para que o trabalho em Arteterapia seja um recurso/canal possível a mais no tratamento, melhora do paciente. Isto não significa que eles não deixarão, muitas vezes, de ter de tomar a medicação ao longo da vida, e estar em acompanhamento medicamentoso ou outro tipo de tratamento permanente ao longo da vida, todavia, isto também não significa que eles não possam estar juntando e reencaixando, as peças de seu mosaico de vida aquebrantado, para levarem uma vida com reduzido sofrimento mental, explorando todas as efetivas potencialidades. Uma vida normal para eles, não necessariamente seja, a vida da maioria da sociedade, ou a vida cem por cento estabelecida pelas normas e padrões sociais de hoje. A média de idade dos pacientes das oficinas foi de aproximadamente 38 anos, contabilizado mesmo àqueles que participaram apenas de uma oficina. Esmeralda – 25 anos e
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Diamante – 27 anos foram os mais jovens, sendo os mais idosos: Ametista – 55 anos e Pérola – 64 anos. Contando com a visita à Bienal de Artes de São Paulo e com a última atividade – discussão da visita à Bienal e criação do “Ônibus do CAPS na Tela do Cinema” – foram dez atividades. Marfim veio a todas as atividades e esmeralda esteve presente em nove atividades (Foram os pacientes que tiveram maior freqüência). Os que menos vieram: Topázio (duas atividades) e Jade (três atividades). Ametista, Água-Marinha e Rubi, vieram em apenas uma atividade. Em arte, Arteterapia é difícil se ter uma precisão e se mensurar. Portanto se mesmo eu cogitasse em avaliar o quanto cada paciente aproveitou as oficinas de Arteterapia, seria tarefa ingrata e não realista com o método e com a abordagem deste estudo e com o pesquisador, razão pela qual fiz questão de dar voz aos pacientes, colocando as entrevistas na íntegra, com a permissão dos mesmos. Com isto será possível cada leitor tecer suas análises críticas e reflexões. As realidades e as vivências nas oficinas de Arteterapia são subjetivas a cada participante das mesmas e o desdobramento dos efeitos das oficinas se dão de acordo com o processo singular de cada um, seja a curto, médio ou a longo prazo. Não se objetivou interpretar muito as produções, falas e expressões dos pacientes, pois na abordagem fenomenológica a busca da essência, da verdade é subjetiva a cada um, isto também ocorre dentro da epistemologia do construtivismo social, utilizada como método de investigação na pesquisa. Como a inércia para se fazer, criar, se expressar, era muito presente nos pacientes, durantes as oficinas, foi trabalhado o estímulo, a não-dependência, a autonomia, o tentar, o ousar, o arriscar, pois muitos tinham receio, ou mesmo não tinham estímulo necessário para criar algo, pois toda criação é algo, às vezes, difícil, pois encerra uma busca, uma elaboração no plano mental, cognitivo, afetivo e motor. Em conseqüência dos traumas, perdas, história familiar e a história de vida sofrida dos pacientes, isto tudo, influenciavam-nos no criar, na expressão livre do que sentiam, pensavam e vivenciaram. Devido ao fato, da maioria dos pacientes das oficinas terem um sentimento de desvalorização pessoal e baixa auto estima, isto também os prejudicava, quando eram solicitados a criar, devido a estas razões, nós, profissionais da saúde, tentávamos trabalhar com esta demanda coletiva e pessoal, singular, que ia aparecendo ao longo das atividades. Um exemplo é o da Pérola, que mostrou interesse em trabalhar com panos/retalhos de tecido, outro é o de Ouro, que mostrou desejo e vontade em pintar em tela. O potencial artístico, expressivo, autocurativo, criativo, estava latente, dentro dos pacientes das oficinas; fomos como facilitadores destes processos e ao mesmo tempo cúmplices e coadjuvantes por permissão. Como muito bem expressa Jung (1991) apud Franz
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(1996, p.37): “a loucura nada mais é – em certo sentido – do que a manifestação de uma condição oculta, mas em geral existente.” Mas, a vivência, a expressão, a criação, o desejo de cada um, durante, antes e após as oficinas de Arteterapia, podem ser vislumbrados na fala de cada pedra preciosa (nas entrevistas de cada sujeito, que estão em anexo), e em suas produções, que para mim, independentemente de qualquer fator, brilhará, para sempre... Oxalá que cada leitor deste estudo possa vislumbrar um pouco do brilho destas pedras, que tanto têm a nos ensinar...
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4.2 - A ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL – VISÕES DO CAPS, DAS OFICINAS DE ARTETERAPIA E DE SEUS PACIENTES Este capítulo tem como objetivo elucidar a história e a presente situação deste CAPSAdulto (onde foi realizado esta pesquisa e meu voluntariado), segundo a visão de três profissionais atuantes neste CAPS, e que atendem os pacientes das oficinas de Arteterapia: 1) uma terapeuta ocupacional; 2) uma assistente social e 3) uma socióloga e psicanalistaeducadora. Elas abordaram a entrevista segundo uma análise crítica deste CAPS, das oficinas de Arteterapia e dos resultados para os pacientes das oficinas de Arteterapia.
1) - Entrevista com a Terapeuta Ocupacional (T.O.) deste CAPS: - G., conte-nos um pouco de sua formação e como você veio parar aqui neste CAPS.
- Formei-me em 1984 na Universidade de São Carlos como terapeuta ocupacional e trabalhei no Juquery. Fiz especialização no método Bobath, e na área infantil, especializei-me também na área física também da T.O. – além de trabalhar na Santa Casa. Trabalhei nos ambulatórios de Saúde Mental de Y. em 1986 aproximadamente, onde me dediquei ao trabalho com crianças, fazendo uma brinquedoteca terapêutica, era um outro tipo de atendimento, onde se pudesse perceber muito mais do que as crianças precisavam, e não ver só as doenças. Em 1992 no governo da Erundina fui para a prefeitura, não existia serviço de saúde mental organizado, trabalhava-se com intensidade, e era um serviço regionalizado, a idéia era ter as Unidades Básicas de Saúde (UBS), nos estados também, que eram os Centros de Saúde, a UBS tinha um serviço de saúde mental, onde tinha um psiquiatra, uma terapeutaocupacional (T.O.), uma psicóloga, uma fonoaudióloga e uma fisioterapeuta, porque também se pensava na saúde do deficiente, que seriam para atender os pacientes estáveis, que não necessitavam de uma intensidade maior, que precisavam só de consulta psiquiátrica, esta era a UBS, e tinha o Hospital Dia (HD), que era uma alternativa à internação psiquiátrica, para àqueles que estavam em crise, e a idéia era ficar de um a três meses; passando a crise, esta pessoa voltava para a UBS de referência de saúde dela, e a outra alternativa eram os Centro de Vivências e Cooperativas (Centro de Convivência – CECCO), com a idéia de se trabalhar a inserção, só que esta cooperativa aqui, judicialmente ela não funciona, então juridicamente
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nós não podemos trabalhar como cooperativa, então todos os trabalhos que têm uma geração de renda em algum CECCO, é via alguma ONG ou alguma associação, então esta pessoa tinha contato com a UBS e retornava ao Centro de Convivência, que tem muitas atividades artísticas de fato. Em muitos CECCOS há os oficineiros contratados para exercer alguma atividade, seja artística, seja em música, artes-plásticas, professor de educação física, alguma dança, e havia as emergências psiquiátricas onde poderia se ficar 72 horas sob observação, e esta emergência, a idéia é que fosse dentro do hospital geral, a idéia central era a de incluir a pessoa e não separar, esta é a diferença com o CAPS, aqui nós tínhamos uma dificuldade, ia para o Hospital Dia e ia para a emergência, porque aqui no CAPS o paciente criava um vínculo, e esta era a grande dificuldade dos pacientes, e com este vínculo, ele melhorava e ia para a UBS, e mudava de profissional, o que dificultava esta transição, tanto é que nenhum HD, funcionava de um à três meses, era muito difícil em três meses sair da crise e vincular na UBS, então não havia uma referência única de técnica, e o CAPS tem isso, desde que a pessoa entra aqui e está em crise, até o momento de ambulatório, que seria o máximo, ela fica com a mesma referência, o mesmo médico, a mesma equipe, mas centraliza toda a saúde mental num lugar só, o que dificulta a inclusão social também, porque um dos objetivos do CAPS é a reabilitação psicossocial, mas se tem muita dificuldade em se fazer esta passagem, e há várias dificuldades como: o número de técnicos que se tem neste CAPS; o número de pacientes, há um ambulatório que não haveria necessidade de funcionar no local, pois abriga pacientes leves, nesta região voltou a ter psiquiatras em duas unidades básica, e agora estes pacientes estão sendo transferidos para os chamados pólos. Os pólos foram implantados no meio do ano passado, nesta região há três pólos, que são três postos de saúde que têm equipe de saúde mental (psicólogo, terapeuta ocupacional, psiquiatra) que dão conta dos atendimentos menos complexos, que exigem menos intensidade, além de serem referência para postos de saúde que não têm equipe de saúde mental e encaminham os pacientes mais graves, complexos, com transtorno mental mais graves e persistentes para cá, ou para outros lugares adequados a eles. Esta idéia dos pólos foi uma idéia da região centro-oeste. Na administração anterior, se entendeu a proposta CAPS, e se retirou todos os psiquiatras das unidades básicas e os colocaram aqui, e muitos saíram, mas concentrou-se os psiquiatras numa unidade só, e a idéia era que o médico clínico-geral pudesse fazer o atendimento dos pacientes leves, que em termos de saúde está certo, você não precisa de um psiquiatra para tratar de por exemplo, uma ansiedade, um clínico-geral daria conta, mas isso de nossa história da medicina deveria já se prever que seria impossível de se instalar, mas eles arriscaram e retiraram os psiquiatras, e esta administração voltou a ter esta idéia de que não se daria mais para atender aqui, com isto
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você tira metade do tempo dos médicos para atender ambulatório, de pacientes que não são CAPS. Se conseguisse encaminhar todos os pacientes que não são CAPS e ficarmos só com os nossos pacientes CAPS, mesmo assim teríamos muita dificuldade de fazer esta reabilitação, porque temos um número pequeno de equipe e os médicos não estão até agora participando das atividades no geral, e eles ficam só nas consultas. - Mas eles deveriam por lei ficar nas atividades? - Nos HDs eles participavam de todas as atividades, faziam grupos, podiam até fazer grupos terapêuticos com os pacientes deles, como o grupo de papel reciclado, quanto mais oportunidades de atividades e contatos os pacientes tinham nos HDs, para se poder entender melhor o paciente e entender qual crise ele estaria passando, melhor seria, então temos esta cisão de médico e não-médico. Pela lei é proposto que o médico participe das atividades, pois o CAPS configura-se como uma atividade em equipe, mas isso não acontece. A médica X, que era de um HD, que se juntou, faz uma atividade aqui denominada Jornal Mural, uma vez por semana, em grupo, então um dia que ela faria CAPS, ela priorizou fazer este grupo, mas ela já fazia lá esta atividade, neste HD, antes. Os outros médicos não participam por dificuldades, ou porque querem atender ambulatório, e eu diria na minha visão que não entendem muito bem o que é um tratamento ampliado, e talvez acreditem que uma consulta médica poderia dar conta, ou que os outros problemas os outros resolvam, um pouco de comodismo e outros fatores também. - Por que da importância tanto para a equipe multiprofissional e para os pacientes do CAPS, da participação médica além sala de consulta médica (tratamento ampliado)? - Primeiro porque existe uma cisão de importância: “meu médico”, “meu medicamento” e às vezes, parece que isto é o tratamento. Há também a desimportância que se dá, porque nós somos poucos e não agilizamos o tanto que poderíamos, por exemplo, para um grupo de convivência ou para um grupo de TO ou de Arteterapia, e muitas vezes o que aparece nestes grupos não aparece muitas vezes nem nos grupos verbais (grupos fechados), nem nas consultas e também não é questionado isso. A questão nas consultas médicas é: Você está bem, está mal? Nenhum médico pergunta como está sendo os grupos, por exemplo, não há esta integração; se houvesse esta integração nas consultas, melhoraria, mas tem um cisão mesmo, eu acho. Dificulta a idéia de que nós temos um técnico de referência técnico e um técnico de referência médico para cada paciente; geralmente todos os problemas com horário, disciplina, com a família, com falta, com a adesão, é responsabilidade do outro técnico, que é muito solitário, porque o médico só está preocupado com a consulta, e para você ter uma idéia, não se tem uma regularidade de atendimento para pacientes intensivos, se eles vêm aqui
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pelo menos a cada três dias, eles continuam a ter consultas a cada dois meses ou mensais, não são marcadas as consultas, não há um contato direto, então os pacientes vêm aqui para ficar aqui, não há um objetivo terapêutico, eles vêm aqui para ver televisão, ninguém vê muito o que seria tratamento aqui, acho que distorce a idéia principal do CAPS que é a reintegração, e acaba se focando muito na doença, no sintoma, no remédio. Eu acredito que se o médico tem uma visão mais ampla da clínica na saúde mental é muito mais fácil, como tivemos em outras experiências, a formação do médico brasileiro está muito longe deste ideal que estamos falando, eu acho que estou sendo bem realista, acho que há poucos médicos com boa formação, assim como aqui em nossa equipe, dos técnicos, somente vinte porcento têm formação em saúde mental, então há muitas dificuldades mesmo, por ser um serviço público, tem muita gente aqui porque é mais perto de sua casa, mas não há uma visão do que seria saúde mental, não estou nem dizendo de sintomas, mas de compensar os trabalhos. - Você sabe que há muitos médicos, médicos psiquiatras que nem sabem o que é um CAPS e um CECCO? - Porque têm uma visão clínica, por exemplo, médicos que são psicanalistas, eles têm uma visão que não seja medicamentosa, mas desde que seja a psicanálise, e mesmo o diagnóstico que é centrado ou na medicina tradicional ou na psicanálise, que é fechada, engessante e tradicional. Também é difícil eles encaminharem para outro serviço porque se muda o médico. - Aí entra a razão econômica? - É, mas também há um descrédito, eu sempre trabalhei em instituição que eu nunca indicaria para um parente meu, mas eu já trabalhei em equipe muito boa. - Mas também há a briga de mercado de trabalho, de poder e de saber, entre os profissionais da saúde e a hierarquia médica sobre os outros profissionais não médicos, além da máfia dos laboratórios e da indústria farmacêutica que gera um rendimento estrondoso e que incentiva somente a medicalização. - É, mas mesmo dentro desta ideologia e desta política, a gente já viu muitos médico aqui medicarem muito, mas não perder de vista a questão social. Medicou muito porque a família não está mais agüentando, ou porque o paciente está muito angustiado, e não em razão do sintoma. - Eles têm uma visão mais ampla e não somente a do sujeito como sinônimo de doença, sintoma, entendem o contexto singular. - Porque também há outro pólo, tem profissionais não-médicos que acham que o remédio é o de menos... Uma conversa, por exemplo, bastaria; só que não podemos pensar na
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psicanálise aqui dentro, mesmo porque institucionalmente a psicanálise não tem recurso para isso, não é que a gente não pode colocar a psicanálise assim, ela não foi pensada para uma instituição assim, na CASA (Instituto) eles tentam fazer isso, uma pessoa que já trabalhou lá, que hoje em dia ela é mais winnicottiana do que freudiana, se diagnosticava em função do complexo de Édipo, se tratava o paciente nesta referência, sendo que a técnica não foi feita para este tipo de contexto, Winnicott, por exemplo, entende a psicose de outra forma, que se você conversar com psiquiatras winicottianos, eles concordam mais com uma idéia CAPS, que a pessoa precisa de um cotidiano, que precisa de uma referência, que se precisa focalizar mais o tratamento para o dia a dia do paciente... - Mas você sabe que há dentro da psicologia outras abordagens, como a fenomenologia, a gestalt, a visão rogeriana, a transpessoal, Reich... - É, eu sei, mas quem trabalha com uma dessas abordagens geralmente tem uma outra visão também, então, por exemplo, nós tivemos um médico aqui que era psicodramatista e fazia um grupo de psicodrama aberto a quem quisesse aderir, era uma visão que ele tinha e aproveitava, se eu tenho uma visão corporal, eu posso introduzir aqui, é isso que estou falando que é muito difícil, se você fica no tradicional fica no esquema consulta e só. Então hoje o CAPS, eu serei bem crítica, não que eu não acredite no CAPS, mas eu vou lhe trazer a visão que eu tenho hoje deste CAPS. Aqui neste CAPS hoje, temos duas psicólogas, uma está de licença desde junho e a outra é educadora e psicanalista. Eles remanejaram os serviços da região, no CECCO havia mais psicólogas do que aqui, uma precisava sair lá e qual foi o critério? Quem chegou por último e ela já não gostava da atender no CECCO pacientes com problemas de saúde mental, ela teve que vir obrigada para cá, e ela era de Recursos Humanos, então quando veio para cá, ela quase pediu demissão, até que chamaram ela para atender em RH na coordenadoria. Porque contratação de psicólogos está fechado e dispomos de poucos psicólogos na rede e a outra psicóloga, saiu do CAPS Q. e veio para cá, e lógico que ela odiou isso, pois ela já estava lá havia um tempo e estava montando um trabalho lá que é parecido com esse, e pelo que ela fala a equipe lá tinha coisas mais interessantes do que aqui, ela passou em outro concurso e saiu daqui, ela era uma pessoa que deu muitas idéias interessantes para cá, ela fazia aquela terapia comunitária, ela tinha uma visão mais ampla, não era psicanálise, porque ela achava que deveria se ter uma escuta mais voltada para o cotidiano. - Mas você estava falando da visão que você tem hoje bem crítica e realista do CAPS. - É, entre o CAPS hoje e o outro sistema antigo, há críticas nos dois, no CAPS a idéia é ter níveis de intensidade diferentes, aqui, então teríamos que ser uma unidade bem ágil para que isso não se cronifique, o que é muito fácil ocorrer, é muito fácil perder-se o sentido
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terapêutico inicial, por exemplo, nós fazemos uma triagem aqui, fora às dificuldades de adesão, vou contar um caso: fizemos a triagem de uma pessoa que eu atendi junto a uma médica, ela tem história antiga de saúde mental, morava com a mãe, que faleceu no início do ano, onde ela teve uma crise, então um irmão que não morava na mesma cidade, trouxe-na e veio morar com ela, a médica a medicou para um mês, ela veio do pronto-socorro e eu na minha visão, tentei que ela viesse para o grupo de música - que era uma coisa que ela gostava de fazer, mas ela se negava, mas como ela tomava injeção de decanoato e a referência dela era a psicóloga, que ligou para ela algumas vezes e ela não quis vir, esse irmão, embora meio atrapalhado, mas eu o via de vez em quando, foi muito bem atendido no pronto-socorro pelo N., que já foi nosso psiquiatra, mas ele tinha dificuldade com a médica dela (de sua irmã), mas, todas as vezes que ele (o irmão desta paciente) vinha aqui, eu conversava com ele, eu a via (sua irmã) e insistia para ela participar de algum grupo, até que um dia ela ligou para cá perguntando se poderia ter uma consulta comigo. Então havia uma dificuldade de inserção, mas, como começou com um medicamento, porque eu acho que você deve fazer uma triagem e medicar para uma semana, depois se revê, medica-se para outra semana, enquanto isso o paciente vai ficar aqui algumas semanas, vai ajeitando de acordo com a dificuldade que a pessoa tem e a família tem, então essa nossa agilidade é muito precária. Então essa nossa paciente, se eu não eu tivesse visto ela mais um pouco e insistido mais, ela estaria na casa dela. Então não há agilidade, há pacientes nossos aqui que só vêm para almoçar, têm pacientes de todos os tipos, mas eu acho que se oferece pouco para eles, na minha visão. Nós discutimos numa jornada, quais seriam as referências para um projeto terapêutico. Como detectar o nível de intensidade dos pacientes. Quando o paciente está em crise não há muito problema, mas e quando sai da crise? Vou dar um exemplo, a Safira, quando ela chegou aqui, ela estava em crise, mas estava muito melhor do que hoje, agora ela está constantemente deitada dormindo, constantemente se recusando em fazer as coisas, para mim isso é um mau sinal, pode ser que ela não estava bem no começo, e pode ter saído de um estado de mania que ela estava, sei lá... Se formos pensar visualmente, acho que ela já cronificou, ela era uma paciente da psicóloga que saiu, e, portanto ela teve que trocar de psicóloga... Então esta questão da agilidade é gritante. - Fica bem mais difícil o tratamento com esta troca de profissionais. - E discussão de casos também, só temos uma reunião semanalmente para discutir tudo, desde casos até questões administrativas, o que é inviável, acho que deveria se ter outra forma. - Mas, no caso da Safira, ela não está medicada, ou o que acontece?
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- Está, mas o que se faz: a ex-psicóloga dela achou que a médica tinha errado na dosagem do medicamento, se revê o medicamento, mas não se vê melhora. Será que é mesmo muita medicação? Será que não teria que se trocar de medicação, ou se rever o diagnóstico? Essas questões básicas não são pensadas... Pensa-se em trocar o medicamento, mas também ela não tem feito muitas atividades... Ela tenta fugir e vai ficando, vai ficando. Porque eu acredito que temos poucos profissionais, muitos pacientes e uma equipe que se articula com muitas dificuldades. Nós ficamos oito anos com o PAS, quando o Maluf entrou na prefeitura, manteve o HD e o CECCO, mas, com outros profissionais, todos os profissionais da saúde mental, foram espalhados por aí, ficaram oito anos jogados, quando veio a Marta Suplicy, eles voltaram e eu voltei para o HD, e na época eu preferia atender criança, mas como eu havia tido uma criança, e criança dá muito trabalho, eu preferi vir trabalhar no CAPS adulto, e eu estava gostando da idéia, e o meu intuito, em promover possibilidades, a impossibilidade do fazer... As maiorias dos nossos pacientes ficam mesmo deitados, não querem sair da cama, não têm vontade de fazer nada, não participam, só querem assistir televisão, a maioria é assim, mas eu tinha até o ano passado, até quando a sua irmã estava aqui como estagiária de TO, uma esperança que a partir do fazer, isso ia se refazendo, porque eu creio muito na TO, que as atividades podem ser terapêuticas, desde que se crie um vínculo, mas hoje em dia, eu vejo que só isso não sustenta, acho que tem que haver um atendimento a partir do fazer, mas muito mais próprio do que é próprio daquela pessoa, por exemplo, temos um grupo de TO, em que cada um faz uma coisa, até hoje eu não achei que nenhuma atividade foi terapêutica, a não ser a última que fizemos uma atividade em grupo, porque não deu para perceber em nenhum desses atendimentos o que é singular daquela pessoa, o que a sua irmã percebeu do M., ela ficou indignada de uma pessoa não ter a mínima perspectiva de vida futura, e ele não entrava em nenhum grupo, então foi um trabalho que ela fez fora dos grupos, e hoje eu vejo que os pacientes que deram certo, porque eu era a única T.O. da instituição, era muito difícil trabalhar em equipe, foram àqueles que conviveram... Então eu fazia todos os dias dois grupos e tinham grupos abertos, tinha gente que chegava lá, essas pessoas que ficavam comigo todos os dias e que iam fazendo, e ficavam comigo pelo menos duas, três vezes por semana, e que a gente descobriu alguma atividade que de fato lhe trazia algum significado, estes pacientes deram certo. Então, hoje em dia, em que eu acredito? Que a gente não vai dar conta de todos, que alguns se beneficiariam mais da T.O., outros mais do grupo verbal, acho que não tem que ser concomitante, então eu acho que o paciente quando chega aqui não tem que fazer todas as atividades e participar de todos os grupos, ele tem que circular e ver onde ele se insere melhor, essa intensidade não é ficar aqui todos os dias ou o
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dia inteiro, todos os dias ele ter contato com aquela pessoa ou com aquela atividade, isso é para o ano que vem. Eu comecei a ficar muito mal... Eu fui assistir a uma palestra de pacientes psicóticos, atendidos em consultório, e fiquei pensando se nossos pacientes são psicóticos, porque tudo que elas falavam que faziam em consultório, não daria para fazer aqui, então a questão é a seguinte: nós temos pacientes muito graves, com gravidade de cronificação, com famílias muito desestruturadas, quando têm família, com uma vida social e cultural econômica muito pobre, e com uma instituição que não dá conta, se tivéssemos dez T.O.s e dez psiquiatras, talvez daríamos conta. - Mas há o problema macro, o problema político-social-econômico e ideológico. - Mas eu comecei a achar muito difícil trabalhar com os nossos pacientes, essa esperança que eu tinha era muita mais minha, de que: Vamos! Vai dar certo!... Do que deles. Se eu olhar para os pacientes que tiveram aproveitamento, foram os que eu fiquei mais perto, ou pela técnica, ou pelo profissional, a gente se liga mais em alguns, por isso que uma equipe tinha que ser mais diversificada possível, fazer mais atividades diversas, que os pacientes circulem, porque com as estagiárias de T.O. e de psicologia, os pacientes contam coisas da infância, recuperam coisas da saúde, falam de coisas que não só concernentes à doença. Então eu acho que a gente cronifica neste sentido, quando oferecemos falarem somente do problema deles. - Vocês já mandaram algum projeto para o município, relatando as dificuldades e pedindo mais verbas e mais profissionais? - Isso é um papel que a H., responsável pelo CAPS, até conseguiu bastante coisa, ela conseguiu instalar nestas discussões os pólos, e de garantir o encaminhamento de nossos ambulatórios para esses pólos. Só que, perspectivas políticas, nós não podemos contratar ninguém, não há médico nem psicólogo na rede e a tendência é privatizar, as parceiras são as universidades. O CAPS foi uma forma que o governo achou de ter dinheiro federal, transformou o HD em CAPS, então o federal repassa a verba, essa verba não é pouca, o nosso trabalho é de alta complexidade, custa. Só para você ter idéia, a refeição aqui dos pacientes custa 16 reais, a parceira se interessaria muito pelo CAPS, porque ela lucraria, então não é questão de verba, é questão de política mesmo, eles querem privatizar e fazer parcerias com universidades, o que se está se rediscutindo que é inconstitucional, mas tem esta tendência. Um exemplo disso é que entraram aqui duas psicólogas, e já saíram, não foi por culpa da política, foi azar nosso, sei lá... Porque o trabalho do CAPS é um trabalho difícil, faltaria uma supervisão que a gente não tem, enfim, uma ajuda para a equipe. O CAPS quando se transformou, juntou o Hospital Dia (HD) deste bairro com o ambulatório de saúde mental
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deste mesmo bairro, que tinha 20 anos de existência, e era um ambulatório que tinha muitos pacientes, não era regionalizado, eu não sei dizer o número, mas eram muitos pacientes, quando juntou, qual foi a primeira estratégia? Regionalizar, então encaminhar todos os pacientes que não eram da região. A segunda estratégia: ver quem era CAPS e quem não era, mas, mesmo assim não tínhamos para onde encaminhar, então, ficamos com grande número de pacientes de ambulatório aqui, então o nosso CAPS tem essa história hoje que é marcada pela divisão entre médico e equipe, dessa falta de agilidade na definição dos projetos, por causa deste ambulatório que herdamos, embora hoje bem diminuído ainda é um problema para nós, mas isso já está quase para acabar, então podemos, desta forma, pensar num CAPS, onde os profissionais foquem sua atenção nos pacientes mais graves, quando juntou, viemos para cá, este prédio não é um lugar apropriado para CAPS, a estrutura dele não tem cara nem de casa, nem de nada, uma coisa de ambulatório mesmo, um monte de salinhas, mas enfim... Nós temos tocado o trabalho, temos tido algumas reformas para melhorar o prédio, mas em termos físicos, temos uma dificuldade grande, porque o espaço de convivência também é muito ruim, porque não ajuda as pessoas a interagirem, em 2003 fusionou o HD e o ambulatório de saúde mental deste mesmo bairro, e se manteve a partir daí, a tentativa de se reestruturar um CAPS. - Como todos os outros CAPS? - É, mas nem todos os CAPS tiveram essa fusão, são poucos os CAPS que herdaram assim, isso é trágico, esse fusionamento. - Por exemplo, o CAPS X, a nossa região tem dois CAPS, somos região Y, fazem parte desta regional Z, o CAPS X era o antigo ambulatório daqui, onde eu trabalhei, quando eu saí em 1992, ainda sendo do estado, ele se transformou já em CAPS, assim como o CAPS W, que era ambulatório e virou CAPS, e este CAPS funciona, da forma que funcionava anteriormente, ele não tem todos estes problemas que a gente tem, pelo contrário, ele tem um trabalho de geração de renda com várias tentativas, que funciona até hoje, eles têm uma associação, a nossa associação AW funcionou até o ano retrasado, o ano passado quase ninguém participava, o que é outra coisa que deveríamos agilizar, porque sem uma associação ou sem uma O.N.G., não podemos pensar em nada relativo à geração de renda. - O que era essa associação AW? - Era uma associação de pais, de familiares, pacientes e funcionários que formavam esta associação aqui no CAPS. Eu acho que a participação do CAPS seria no atendimento, a gente não deveria formar uma associação, porque quando existia o ambulatório, quem tocava essa associação eram os próprios técnicos, então tem outra questão aí para a gente pensar.
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- Agora partindo do momento que você chegou, você queria conhecer um paciente grave com tratamento em saúde mental, a gente aqui não trabalha com diagnóstico, mas sim com gravidade, e ter uma experiência em Arteterapia, para poder ter uma experiência prática disso, coincidiu que havia uma psicóloga nova aqui e nós montarmos uma parceria, porque uma coisa é nós termos um grupo só de T.O., outra coisa é montar uma oficina com outro técnico, e quando você chegou com esta solicitação eu achei bem interessante, porque a gente tem uma dificuldade aqui, os profissionais que não são T.O.s, geralmente não fazem oficinas, quem procura fazer mais são os auxiliares, os enfermeiros, os assistentes sociais, mas os psicólogos mesmos, têm dificuldade em fazer oficinas, e a oficina é um recurso, nós podemos chamá-la de grupo aberto, porque oficina tem um sentido um pouco mais específico, mas eu gosto deste termo oficina, porque sai desta coisa de doença, oficina quer dizer você ter a oportunidade de ter uma experiência, uma vivência, e quando você falou em arte, eu fiz um curso na U.S.P., no núcleo de T.O., que chamava: interfaces entre arte e terapia, e foi um curso muito mais, para mim, de ligar a arte do que em relação às técnicas de saúde mental, então nós tivemos uma parceria com o S., que é professor no MAC, que foi muito interessante, então eu tive muitas experiências em arte, mas não a idéia de se trabalhar isso em Arteterapia, tinha a idéia de ver a arte e a saúde e o que este confronto poderia gerar, porque a T.O. tem a questão da atividade que pode ser artística ou não, mas é focada mais na questão da saúde, e este curso me ajudou muito. Quando você veio propor, porque eu pensei que seria bom para quebrar o ritmo nosso, porque esta questão da cronificação, de falta de atividades mesmo, porque eu pensei numa atividade que tivesse princípio, meio e fim e que fosse uma atividade aberta, vinha quem quisesse. Então a gente iria lá (nos espaços onde os pacientes se encontravam dentro do CAPS) todas as quintas-feiras, e convidávamos, púnhamos cartazes e perguntávamos aos pacientes, se eles queriam participar de uma atividade de arte, expressão... Vamos lá! E no decorrer do tempo não foi isso que ocorreu, se estruturou como um grupo, e hoje eu penso, esta estratégia foi nossa, ou é como eles funcionam? Então se um paciente participa da oficina uma vez, então ele acaba tendo que participar sempre? Eu tenho pensado que, quando a gente convida, aqueles que vão sempre: o Marfim, o... O Ouro e o Diamante, a Turmalina e a Esmeralda, a Pérola, são os únicos que não, a Safira e outros, eram como sair da inércia, vamos fazer qualquer coisa (esta idéia, penso eu, acho que desta forma, eles muitas vezes pensavam). A Turmalina e a Esmeralda eram pacientes da psicóloga L., quem as convidou para participar deste grupo. A Esmeralda só faz este grupo. A F. (psicóloga) participou conosco também de algumas oficinas de Arteterapia, antes de ser chamada para trabalhar em outro lugar (a
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psicóloga). A Turmalina não aderiu a nada, ela só vem neste grupo. A Esmeralda vem, como comprometimento, todas às quintas-feiras, e ela tem o atendimento individual com a L. que é a educadora-psicanalista. A Turmalina vem apenas para a consulta médica, a não ser nessa, e mesmo assim ela falta, mas ela criou um compromisso de vir todas as quintas. E, por mais que tivéssemos um começo, meio e fim das atividades, nós fomos propondo uma seqüência, sem querer fomos propondo uma seqüência, a partir do que eles faziam, e daí gerava um interesse de querer continuar. O Ouro aproveitou muito o grupo, para ele, em todos os níveis, como experiência, porque ele tem a questão das imagens alucinatórias dele, muito fortes e intensas, ele vê muitos monstros, pássaros, e ele conseguiu traduzir isto lá nas oficinas de Arteterapia, desenhando passarinhos, pássaros, mas estavam lá (os monstros). - Você sabe que numa das últimas atividades o Ouro pintou e desenhou araras, e ele sempre foi muito elogiado pelo grupo, e chamado de “o artista” porque realmente ele criou produções lindas. Mas, sobrou um espaço grande na cartolina, onde estavam as araras, e eu perguntei a ele se gostaria de pintar algo neste espaço grande que sobrou, e ele me respondeu negativamente, afirmando que este espaço destinava-se às aves estarem seguras e não voarem. - É (risos). A história do Ouro é muito singular, ele quando chegou aqui, me parece que ele era guarda de banco, e essas aves não são passarinhos, não são araras, são monstros, aves-monstro, e ele chegou a atirar em uma desta ave-monstros que ele via, só que ele atirou para o alto e não feriu ninguém aqui, e quando ele chegou, ele fazia atendimento comigo, e trabalhávamos com pintura, e ele ia contando a sua história, desenhando pássaros-monstro, gaviões, aves enormes.. e juntando outra parte do Ouro com a Bienal, que eu acho que foi muito rica, que foi uma experiência de arte mesmo, porque até então nós não estávamos falando de arte, e ele quando viu àquela ave meio humana enjaulada... Àquilo para ele foi demais, não agüentou ficar e saiu da Bienal, porque ele tem isso como uma referência, eu acho que no final, nós conseguimos montar uma seqüência... - Você acha que ele saiu porque ele não agüentou...? - Porque ele não agüentou o que as imagens e obras trouxeram para ele, mexeu com ele, deve ter aumentado muito sua angústia, era uma mescla de animal com pessoa e ele, acho eu, visualizou isso muito realmente (concretamente), e aquela coisa das luvas, porque na história dele, ele ficou três anos no mato, fugido, escondido, ele já foi capinador e havia material de carpintaria, luvas e pedaço de membros de pessoas sangrando... e seu eu fosse pensar numa análise pela seqüência, nós poderíamos ter explorado melhor isso nas atividades. Da minha parte, como eu assumi ser auxiliar, eu creio que em razão de fatores internos eu poderia ter me dedicado mais, eu fiquei pouco, tive que sair muitas vezes para resolver
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questões emergenciais... A psicóloga saiu do CAPS, eu me senti sobrecarregada, tivemos pouco tempo de discussão nossa, da próxima vez temos que fixar um tempo para discutir mais como foram as atividades, eu acho que a gente foi fazendo segundo o que dispúnhamos, como dava, eu vejo pelo Ouro, que foi referência para o grupo, ele, de todas as atividades propostas, ele aproveitou, pintar com diferentes materiais, ele conseguiu, muita gente ficou ainda na experiência dos desenhos, das formas, experiências que tiveram na infância. A Esmeralda aproveitou muito... Inclusive na Bienal ela não quis fazer parte do grupo, ela foi junto, mas ela queria se diferenciar daquelas pessoas, ela tinha outro ritmo, ela queria apreciar sozinha as obras e todas as obras, ela ia mais rápido que o grupo, é como se ela dissesse: eles não estão aproveitando! Deixe-me ir lá e aproveitar a Bienal! E ela tem um tom às vezes meio bravo de falar, mas eu acho que ela aproveitou bastante, porque ela tem uma coisa mais simbólica, mais elaborada, e o Ouro tem uma coisa mais concreta, mais sensitiva; ela tem uma neurose grave, não chega a ser psicose; em relação à Turmalina, despertaram algumas coisas nela, mas, ela vai, mas volta dez, ela vai aos poucos... A gente aqui da equipe do CAPS, aprendeu muitas coisas da dinâmica dos pacientes, através destas oficinas de Arteterapia; o Marfim: ele é assim sempre, não sei se ele aproveitou muito ou não, ele olhou para o traçado e trabalhos que produziu, ele deve ter aproveitado alguma coisa. - É que a gente não sabe o que eles pensaram, sentiram e experenciaram, espero compreender um pouco mais, conversando com eles, nas entrevistas, acho que é importante isso, para eles e para nós, profissionais de saúde mental. - É, eu também acho. - Mas você sabe, o Marfim, eu penso que aproveitou muito também, porque ele além de produzir e se expressar através da arte, se articulou muito bem com o grupo, conversando, rindo, falando, contando um pouco do que sabia e de suas vivências... acho que tudo isto é terapêutico, expressivo e ajuda os pacientes. O diamante tem um interesse muito específico, ele sempre foi procurando aqui na T.O., mas não deu certo, e foi fazendo curso fora de decoupage, aquele negócio de colar guardanapo, e ele está fazendo cursos fora, ele tem dinheiro, tem melhores condições, então ele compra e faz, e ele entrou para esse grupo, por intermédio das novas técnicas que ele poderia aprender, de aprender mais, então para ele é mais difícil de expressar, era mais fácil ensinar para ele como pintar uma caixinha, por exemplo. Mas, como esta atividade de Arteterapia trouxe para ele um status, um diferencial no fazer, que ele está aprendendo bem, que ele está até vendendo, eu penso que ele valorizou a atividade, e aí ele valoriza o grupo – mesmo na culinária, que é logo depois, ele se articula bem, então, na verdade, são os mesmos que ficam, ele tem esta coisa mais fácil da articulação,
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da comunicação, da fala, isto não quer dizer que ele não seja psicótico, que ele não tenha as crises dele, então no grupo eu acho que ele foi um elemento importante porque ele valorizou as oficinas, já a Pérola desvalorizava um pouco, dizia que não sabia fazer, mas no final fazia, são os significados próprios para cada um... - Talvez, esta atitude da Pérola, pode ter sido uma defesa que ela demonstrava, falando que não sabia fazer, não querendo participar, mas que foram importantes a ela, em seu processo nas oficinas. - Nós exploramos várias técnicas e materiais nas atividades, até reproduzimos uma obra de arte juntos... Porque o que eles acham que é arte: aquelas coisas tradicionais, como a Monalisa, eles preferiram ir a um museu, do que ir à Bienal, mas como já estava fechado e reservado o ônibus, fomos à Bienal... - Eu creio que talvez, a maioria não gostou da Bienal porque mexeu com o drama da vida pessoal deles, com a ferida, o sofrimento, as lembranças das situações trágicas que passaram e passam a cada dia, a Bienal fala da realidade trágica da humanidade, das guerras, dos conflitos, das relações entre as pessoas, das comunidades de uma maneira escancarada, realista, mostrando o lado negro dos fatos, e isto os remeteu para suas vivências, história e presente difíceis que vivem. - Eu também acho, e acho que isto ocorreu, segundo a visão deles, de uma forma muito concreta, no caso do D., na discussão em grupo após a Bienal, ele falou muito sobre as doenças, as guerras, e ficou só nisso, ele não aceitou o convite de ir pintar, nem de expressar artisticamente o que ele estava sentindo, pensando, e isso faz parte desta inércia deles, desta falta de tomada de atitude, mas eu creio que, analisando o período que trabalhamos (duração da oficina de Arteterapia) juntos, foi um sucesso, mas se fôssemos trabalhar mais tempo, teríamos que ter uma freqüência maior, uma vez por semana eu acho pouco, e canalizar para um objetivo só, seja pintura ou outro material, ou explorar materiais, ou ir no parque buscar plantas, sei lá... Mas, uma coisa mais objetiva. Penso que fazer uma atividade grupal para eles foi muito importante porque eles fazem poucas atividades grupais, e eles conseguiram fazer atividades grupais, sem ser cada um no seu pedacinho, no seu canto com sua obra; apareceram coisas muito bonitas e criativas, visualmente se formos explorar o conteúdo das obras também! Acho que faltou um pouco mais de avaliação nossa diária e mais planejamento (embora eu e a F. - a estagiária de T.O. que estava comigo em todas as oficinas - planejamos, e conversamos bastante sobre as obras e sua execução, articulando com a singularidade de cada paciente, pois G. não participou de muitas atividades, ou não podia ficar até o final), mas nós não tivemos no início esta idéia, mas fiquei
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preocupada se vocês pudessem a vir a ter algumas questões. Foi também nossa idéia inicial, de poder ver o que a arte produziria por si só. - Mas G., o que você pensa que as atividades puderam contribuir para a vida dos participantes? - É difícil você mensurar quando se fala em arte e esta é uma questão que me intriga muito também, não só em relação às oficinas de Arteterapia, como em todas as outras. Por exemplo, os pacientes, muito do tempo, ficam sentados assistindo televisão, ou dormindo, às vezes, se sentindo mal, e de repente, eles levantam e se sentem melhor, o que fez eles levantarem, e sentirem melhor? Pode ter sido um grupo verbal, ou a fala de alguém, um medicamento, outra oficina, um afeto, uma palavra, uma companhia, a gente nunca sabe, eu não sei se isto é típico da clínica da psicose, porque é muito difícil trabalhar com eles, porque os nossos pacientes são muito graves mesmo, mas não é gravidade só de cronicidade, vamos pegar o caso de M.: ele não teve a oportunidade de entrar no grupo, ele é jovem, tem 18 anos, ele se ensimesmou de um jeito, então lidar com emoções com a psicose já é muito difícil, lidar com expressão já é muito difícil e ainda juntar a arte?! Eu acredito que todos se beneficiaram, mas eu não sei te dizer em que nível. - Talvez seja algo que nem dê para avaliar, pois é algo muito singular de cada um e que pode reverberar positivamente no futuro. - E às vezes, eu acho, que é uma coisa acumulativa, não é salto, pode ser que tenha um salto de repente, mas é uma coisa de pouquinho em pouquinho, o H., por exemplo, gosta muito de trabalhar com argila, ele veio com isto de outra instituição, se é proposto a ele fazer algo com argila, ele não faz, só faz na hora que ele quer, como ele quer, e isto tem um significado para ele, pode ser que ele tenha a mesma coisa com o amendoim, ele adora paçoca, então eu não sei te dizer o que a arte interfere na saúde, mas o que eu vi neste curso, é a possibilidade destas pessoas mostrarem o que fazem, por exemplo, a exposição que promovemos, das produções artísticas dos pacientes das oficinas de Arteterapia, que queríamos colocar em outro lugar fora do CAPS, mas não deu e ela acabou ficando dentro do CAPS (as produções foram expostas dentro do CAPS, qualquer um que entrava, poderia vislumbrar os trabalhos expostos, pois a exposição ficou num lugar estratégico dentro do CAPS, a fim de que quem entrasse no CAPS, pudesse apreciar a exposição). - Mas mesmo esta “pequena” exposição foi grandiosa, pois eles viram que suas produções ficaram durante um certo tempo expostas e vistas (apreciadas) por qualquer
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um que entrasse no CAPS. Isto é muito importante, pois é um valor que se dá a eles próprios, eles se sentem valorizados, e isto aumenta a auto-estima e pode produzir efeitos a curto, médio e longo prazo positivos para o estado geral dos pacientes. - É um valor que não é para vender, para dar dinheiro, às vezes é para dar, doar, é um valor estético, e isto não é só para a arte, os grupos de T.O. que eu vejo produção, são pessoas que descobriram o que fazem com a produção com o sentido de lidar com a vida, porque a vida deles é um sofrimento mesmo, mas é lugar que está garantido, que é o lugar da saúde, tudo bem que eles tenham uma doença, têm alucinações, precisam tomar remédio para lidar com isto, mas eles cozinham, são bons pais, é preciso saber diferenciar o que é vida do que é doença, o esquizofrênico para mim já é uma grande questão, será que não sobra nada? Porque é uma doença que degenera muito rápido, veja a Safira ela não está aqui nem há seis meses e já está com um comportamento de quem já está aqui há cinco anos, então eu acho que tem que se analisar tudo isso: a gravidade, o ritmo de cotidiano que eles têm aqui na instituição, na família então, nem se fala, então o que fizemos foi dar um pinguinho, talvez uma experiência que fosse diária, talvez, um mês, todos os dias, fazer uma atividade, teríamos um outro tipo de resultado, porque no caso da Nise da Silveira, que é uma referência para a T.O. e para a Arteterapia também, o que fazia de lá um lugar de possibilidades, porque lá era o único lugar de possibilidades, em nenhum outro lugar do hospital eles tinham isso, e eles estavam internados, e eu sei, por exemplo, que a Nise que era ligada ao Jung, selecionou as obras que eram ligadas a esta idéia, mas no acervo eles descobriram um monte de obras abstratas, que para muitos artistas que têm esta visão, é muito importante também, não é só o inconsciente, em relação à Nise, eu acho que ganhou vida porque era o único lugar possível, assim como o Bispo do Rosário sozinho criou o seu lugar lá, e a partir da loucura, ele criava, e criou arte depois de morto, porque até então eram objetos dele, que ele levaria para o céu. - Eu sei que vocês não gostam de ficar restrito no trabalho através do diagnóstico psiquiátrico, embora se faça o diagnóstico, e fique registrado em cada prontuário de cada paciente. Quais eram os diagnósticos deles? - A maioria dos pacientes são psicóticos, a Esmeralda tem episódios de... Na verdade ela tem uma perversão, eu acho que é neurose sim, porque nós atendemos neuróticos graves; o Marfim eu não sei te dizer, a Turmalina é esquizofrenia, porque ela fica infantilizada, a Safira era risco de suicídio, depressão, a Pérola, está se readignosticando, pois ela tem um provável diagnóstico de senilidade, e seus delírios são em decorrência da idade e não são em conseqüência só da psiquiatria, a maioria dos pacientes das oficinas de Arteterapia têm transtorno afetivo grave, mas para confirmar veja os prontuários; e eu acho que foi um grupo
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legal porque entrou gente nova, a Esmeralda, a Turmalina e a Pérola eram pacientes novos e você e a F. (estagiária de T.O.) também, e isso achei que foi bom também, o Ouro e o Marfim já eram pacientes mais antigos, porque de minha experiência, quando você monta uma oficina e chama as pessoas, elas geralmente vão, a maioria vai porque você chamou, e o que ficou de tudo isso que abordamos, é um processo singular que cada paciente vai construindo, segundo suas possibilidades, potencialidades e limites, que ocorre no decorrer do tempo... - É importante pontuar que cada um expressou aquilo que sentia e pensava no momento. - E dentro também daquilo que a gente propôs, porque se a gente tivesse proposto algo mais elaborado, poderia ter saído mais, porque sabe àquelas madeirinhas?! Eu me surpreendi com aquilo! Pensamos em colagem e dali saiu, não esteticamente, mas o fato do E. ter a idéia de passar das bordas, a outra idéia de uma usuária de colar os paninhos, naquele dia eu vi sentido, se você perguntar porquê eu não sei, mas naquele dia todas as produções foram com sentido, não sei se você teve a mesma impressão, porque em muitas eu não participei. - Em relação às perspectivas de vida que estes pacientes possam ter? - Em minha avaliação, quando eu pensei nestas atividades, juntando o seu interesse, eu achei a idéia muito boa, eu queria recuperar um valor social, pode ser arte, pode ser atividade de expressão, aqui dentro porque eu acho que o que eles falam ou fazem tem pouco valor, mesmo porque eles fazem pouco, eles ficam fumando, fazendo estas coisas que a gente acha que é nada, e quando pensamos em fazer a exposição, e usar as pessoas que estão expondo e tirar as fotos delas naquele ônibus que fizemos, junto com as fotos das pessoas que foram á Bienal, era um jeito de dar um valor social. A exposição não necessariamente precisaria ser fora do CAPS, pensamos na secretaria, na biblioteca, mas aqui dentro mesmo do CAPS, em razão da reforma que estava ocorrendo aqui no CAPS (reforma na construção e reformulação dos espaços/salas e no prédio), poderíamos um outro dia expor fora, para melhor recuperar o valor daquilo que os pacientes do CAPS fazem, então uma outra coisa que as estagiárias de T.O. fizeram sozinhas: recuperar este muro que eles deixaram aqui, que já deixaram barrado em cimento para eu fazer mosaico nele com os pacientes (colar os mosaicos no muro), então elas pensaram em fazer esta atividade com convivência (grupo de), e apesar de todos olharem e falarem, não ficou um valor social ainda, não sei se é porque não terminou... Acho que depois que terminar a reforma, seria bom terminar este muro para ter um valor social, para ter um valor social de fato: isto permitiria a eles sentirem e pensarem que este lugar está bonito, melhorado, este muro eu ajudei a terminar a fazer, faz parte da instituição, a gente faz coisas bonitas aqui e não ficar nesta coisa só rançosa, então a perspectiva, o ideal, é que estas
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pessoas não tenham esperança mesmo de vida, perderam, mas que se acendesse uma luzinha aí... De dar vontade de fazer uma tela, o Ouro, por exemplo, a próxima atividade com ele, será provavelmente isso, mesmo que ele não esteja num grupo, propor para ele, e aí chamar outras pessoas também, recuperar um valor de reinserção, mas primeiro aqui dentro, porque eu acho que a gente não trabalha reabilitação social aqui dentro, trabalhamos muito clinicamente, dando regras, que fica mais no controle do comportamento, não incentivamos muito a convivência, deixamos eles um pouco à mercê, e eles não sabem conviver, é uma coisa que deveríamos re-ensinar, e tentar conviver com outras pessoas, como isso se dá, e não se isolarem, se fizéssemos isto, o CAPS ficaria bem, bem melhor. - Como são os horários e as atividades aqui? - Nós temos uma grade de horários, como temos poucos profissionais, tem dias que não tem atividades, mas temos atividades que “fazem parte de CAPS”, como fazia parte do Hospital Dia (HD), todas às segundas-feiras, tem o grupo de famílias, onde todos os familiares são convidados a vir, que é coordenado por uma psicóloga e uma assistente-social, no mesmo momento ocorre o grupo que denominamos de Reencontro, onde as pessoas vão começar a semana aqui, contando como foi o fim de semana, ou o que elas estão preparando para a semana, e tem um grupo fechado que é uma psicóloga que faz. Na terça, há dois grupos fechados, denominamos assim porque é um grupo verbal, que as pessoas vêm todas as semanas, constituindo um grupo, onde elas conversam e falam, e tem um grupo de música, não num sentido técnico, mas um grupo de cantoria, alguém toca o violão e as pessoas escolhem as músicas e vão fazendo uma dinâmica, e tem o grupo de jornal escrito, editado, de três em três meses, ou de quatro em quatro meses, eles optaram pela forma de fazer o jornal assim: cada um escreve seu artigo e apresenta e faz-se uma seleção, uma diagramação, não fazem juntos os artigos. Na terça-feira à tarde tinha um grupo de movimento, mas a psicóloga entrou de licença e não tem mais, ela tem uma formação reichiana e ela fazia um grupo de movimento aberto, mexer com o corpo, não tinha nenhum objetivo aprimorado, era um objetivo de se mover, e um grupo de terapia-ocupacional (T.O.), que eu coordeno, é fechado, cada um escolhe uma atividade, às vezes pode ser em grupo, mas chamamos de Grupo de Atividades, uma forma clínica de atendimento, na quarta de manhã tem o Jornal Mural, onde eles escolhem um tema em conjunto e escolhem na revista que coisas estão relacionadas a este tema e discutem como planejarão, e escrevem alguma coisa; quarta à tarde, não havia atividade devido as nossas reuniões, atualmente estamos fazendo um intercâmbio com o CECCO X, que é o nosso de referência, para estreitar as nossas relações que são muito distantes, levando alguns pacientes para conhecer as atividades lá, e um grupo verbal; quinta
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de manhã, temos a atividades dos passeios para fora do CAPS, que eles gostam muito; à tarde tem um grupo fechado e tinha o nosso grupo de Arteterapia e expressão, e a atividade de culinária; sexta de manhã tem um grupo de filmagem onde eles propõem um tema, fazem um roteiro e filmam, e esta filmagem é por dias, às vezes eles apresentam ou vêm antes de terminar e depois vêem o filme pronto; e tem o grupo de Cuidados Pessoais, onde um faz a unha do outro, na verdade, uma interação entre eles, fazem barba, e a enfermagem ajuda às vezes, e tem um grupo fechado de psicologia, e á tarde tem um grupo de T.O. que denominamos Grupo de Produção, que tem uma proposta de geração de renda, mas não é um grupo de trabalho e tem o Grupo de Final de Semana, onde conversam sobre o final de semana, ou como foi a semana, e tem o grupo que montamos agora chamado de Chá das Sextas, que a idéia é que aos poucos outras pessoas que não fazem parte deste convívio venham participar destas atividades: famílias, amigos, porque é o único espaço que estamos conseguindo abrir um grupo para a comunidade, mas como fizemos apenas durante dois meses, não deu para avaliar, isto devido às reformas no CAPS, vamos ver se no ano que vem, conseguimos dar continuidade a este grupo. - Qual é o quadro de funcionários? - A nossa equipe: uma assistente social, uma terapeuta ocupacional, um enfermeiro, quatro psicólogas, quatro médicos, porque temos uma de duplo vínculo, todos psiquiatras, só temos psiquiatras, isto a equipe técnica. No setor administrativo temos quatro profissionais; auxiliar de enfermagem: oito - uma na farmácia, e outra na recepção, e dentro destes oito, temos um farmacêutico, porque o CAPS tem que ter uma farmácia, mas o trabalho dele é só na farmácia, isto são os funcionários. O pessoal de apoio terceirizado: um vigia, que na verdade ele não tem a função de vigiar os pacientes, mas de vigiar o patrimônio, duas funcionárias de limpeza, e a D. que é a copeira e o L. que é auxiliar de serviços gerais e que ajuda na copa também. - Como é dividido o CAPS, em relação ao espaço físico? - O CAPS na verdade deveria funcionar como um espaço terapêutico onde as pessoas convivessem como num cotidiano, então deveria parecer mais como uma casa, deveria ter uma sala, que tivesse uma televisão, se possível alguns jogos, alguns instrumentos musicais, aqui a gente tem computador, aparelho de som, então teria que ser uma sala de convivência, que não precisaria ser uma só, poderia ser uma sala de t.v., assim como criamos aqui, como as pessoas passam o dia aqui, tem um refeitório, não necessariamente uma cozinha, porque a comida não é feita aqui, é terceirizada, pelo menos temos que ter um espaço para organizar e dividir as refeições e um refeitório. Precisaríamos de uma sala grande de grupo, uma sala de
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T.O., também razoavelmente grande para caber materiais, temos tudo isso, mas o espaço de convivência que dispomos é esta área externa (pátio), que é muito pequena, tem a sala de t.v, a sala de computador e a sala de som, e não é muito agregador, porque quando está muito sol e quando chove é um problema devido ao calor e à ausência de bancos para sentarem. Mas temos um refeitório, temos tudo, mas não em condições ideais, precisamos de uma sala grande de grupos, só não temos uma área livre para, por exemplo, fazermos um jogo, uma quadra; não temos um jardim, onde poderíamos fazer uma horta, seria legal ter; e consultórios que temos bastante, salas pequenas para conversas individuais, o que falta mesmo aqui é espaço aberto e materiais específicos, para a culinária, precisamos de batedeira, um fogão, instrumentos, coisas específicas para a saúde mental, como é padronizado, vem o que todo mundo pede: guache, cartolina, e é o que dificulta o nosso trabalho, pois não conseguimos nos aproximar muito... como no caso da arte, da expressão, você só vai trabalhar com guache? Não vai chegar a nada! - Quais são os regimes de estadia aqui no CAPS? - Intensivo, para àqueles pacientes que ficam mais do que quatro períodos, semiintensivo, destinado àqueles que vêm mais de três vezes ao mês, e o não-intensivo, para os que vêm uma vez ao mês, geralmente para quem vem só para a consulta médica e a maioria é semi-intensivo, embora haja muitos intensivos. - A maioria dos pacientes tem a participação familiar no acompanhamento do tratamento? - Temos o Grupo de Famílias e algumas famílias nucleares que atendemos, e a maioria das famílias não adere ao tratamento, a maioria das famílias nem vem junto na triagem, é muito difícil o trabalho com as famílias, as que vêm, vemos que aceitam o tratamento, mas não chega a ser nem dez porcento. Geralmente quando o paciente está em crise, estas famílias que vêm, quando o paciente começa a melhorar, deixam de vir, e se apóiam muito no remédio e na consulta médica apenas. G., muito obrigado e saiba que vocês foram maravilhosos comigo e tomara que eu possa ter dado alguma contribuição aos pacientes das oficinas de Arteterapia, a vocês – profissionais do CAPS e para a própria instituição. - Obrigado a você pelo trabalho e pela ajuda.
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2) - Entrevista com a assistente social L: - L., conte-nos um pouco de sua trajetória e como veio parar aqui neste CAPS. - Meu nome é L., sou assistente social, com especialização em saúde mental, fiz especialização no SEDES, na PUC, fiz formação em Grupos Operativos, de Pichon Rivière durante quatro anos também. Fiz um laboratório de Arteterapia gestáltica, que foram muito mais vivências, do que a parte teórica, trabalho com saúde mental desde 1985, trabalhei em São Paulo e em Osasco. Coloco-me junto com àqueles trabalhadores que defendem a Reforma Psiquiátrica. Anos atrás eu era mais engajada na política e hoje mais na assistência direta. Faço análise pessoal que eu acredito ser muito importante devido ao trabalho que desenvolvemos, como um suporte a mais, sendo a psicanálise a linha que eu mais me identifico e me engajei. Tive uma formação em psicanálise também e trabalho com grupos de família, que tenho uma formação também nesta área. Passei pela experiência do modelo de assistência à saúde mental, desde 1989, com a prefeita Luiza Erundina, que trouxe um modelo mais integrado e uma proposta mais completa e uma vontade política maior de se implantar um modelo de assistência à saúde mental em São Paulo. Isso já vinha ocorrendo há anos, mais com a Luiza Erundina foi um marco muito grande tanto na implantação do pessoal, quanto na abertura de Hospitais Dias (HD), e dos Centros de Convivência, que foram dois serviços novos que abriram naquele momento, que equipe de saúde mental em postos de saúde, alguns postos já dispunham, mas naquela época começou-se se utilizar mais destes serviços nos postos de saúde, e se contratou mais gente. Este modelo deveria ter equipes de saúde mental nas redes básicas de saúde, nos postos de saúde, e os Hospitais Dia para momentos de crise, a fim de se evitar internações em hospitais fechados, os Centros de Convivência e Cooperativas (CECCOS), abertos a toda à comunidade, no sentido de ampliar a convivência e se conviver com a diferença e vislumbrar a geração de renda, através das Cooperativas, a proposta de se ter os Lares Abrigados, que naquele momento não se conseguiu se concretizar, e as enfermarias dos hospitais gerais, pois a saúde mental poderia estar dentro de um hospital geral também, já se tinha a experiência do Mandaqui, na época da Erundina foi implementado no hospital do Campo Limpo, uma enfermaria de saúde mental dentro do hospital geral do Campo Limpo e em Ermelino Matarazzo, fora as emergência de saúde mental em vários pronto-socorros, além do HD, que tem este suporte de internação dia, para atender a crise, para conter a crise num sistema dia, naquela época o que havia de CAPS era o Itapeva, foi o
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primeiro, de 1987, se não me engano. Depois da gestão da Erundina, tivemos Maluf, Pitta, então teve um modelo de atenção: o PAS, modelo de cooperativas, de terceirização que mudou muito a assistência no município de São Paulo. Quem não aderiu a este modelo, fomos parar em vários lugares, espalhados por aí, eu tive sorte, fui parar num grupo de pessoas com AIDS, que foram implantados alguns serviços de atendimentos aos portadores de HIV/AIDS, aqui nesta mesma região deste CAPS, foi uma experiência muito boa, aproveitei muito, um trabalho muito rico, aprendi muito, que era da responsabilidade da prefeitura. Quando o PAS foi implementado eu estava num HD de saúde mental de um certo bairro. Resistimos, fizemos o que pudemos, mas não teve jeito, tivemos que sair de lá. Foi muito complicado inclusive em lidar com os pacientes naquele momento, não havia datas e foi doloroso tanto para eles, quanto para a equipe. Até que eu fui transferida de lugar para lugar, até que consegui me estabelecer no serviço aos portadores de HIV/AIDS, que não era ligado ao PAS. Retornei para a saúde mental em 2000, foi convidada e voltei, isto na gestão da Marta Suplicy. Fiquei até em dúvida, pois estava num trabalho muito legal, nos serviços de HIV/AIDS. - O que te fez retornar? - Acho que é devido ao meu trabalho com saúde mental, meu percurso, eu tive uma experiência e queria retomar, é um outro recorte, eu retomei por querer retomar meu percurso. -
Por que razão saúde mental?
-
Na verdade eu fui procurando a saúde mental porque eu fui fazendo estágios na
área da saúde e fui me interessando pela saúde mental. Eu tinha uma curiosidade, me instigava a saúde mental. Desde o terceiro ano de faculdade fui fazer estágio na área de saúde, e a saúde mental foi a que foi mais me capturando, e fui atrás disso. Nós tínhamos o HD daqui, desta região, e aqui funcionava o ambulatório de saúde mental, que tinha oito anos de história, foi referência para este bairro e porque também atendia uma área bem grande, vinculado ao governo do estado. O ambulatório foi municipalizado, e naquela época havia a proposta dos CAPS, você não tem mais os HDs, mas sim os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que é uma proposta também do governo federam e financiado por ele, e a gente até questiona se este modelo é o melhor modelo... eu era mais simpática ao modelo da Erundina, achava ele mais interessante, e tivemos uma fusão do HD com o ambulatório de saúde mental, que se tinha aqui para a formação de um CAPS, que foi um processo muito complicado para a equipe, sendo um processo muito traumático, muito difícil, ainda hoje está se formando o CAPS, até hoje temos uma herança de um ambulatório muito grande, com uma história das pessoas que trabalham aqui, que fizeram o que puderam, junto com a história de cada um, mas do jeito que as coisas foram feitas, isto foi muito complicado. Do jeito que foi feito a junção
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dos serviços, foi complicado. Os grupos foram muito dolorosos durante um tempo, saiu muita gente neste percurso, muitas mágoas, foi muito confuso durante um período porque se retirou da rede tudo o que se tinha de psiquiatras, então tínhamos muito serviço, era referência, ficava lotado, eram muitas triagens e atendimentos voltados para uma atenção mais ambulatorial, não se desconsiderando o sofrimento, mas, a idéia de CAPS é atender portadores de doenças mentais severas e persistentes, é um caso mais complexo, então ficamos um tempo com muitas pessoas, com muitas diferenças de sofrimento, de necessidades de intensidade, até hoje temos um ambulatório. Até hoje temos os pólos, os postos de saúde com equipe de saúde mental, que é um processo mais lento, assim como a efetiva estruturação dos CAPS, atendendo àqueles pacientes com sofrimento psíquico severo e persistentes, sendo os outros casos, encaminhados para outros serviços de saúde mental. Em 2000 eu fui para onde era o HD, que hoje é o CAPS referência daqui para crianças e adolescentes desta região e para casos com transtorno mental mais grave. Em 2003, acho, viemos para cá, e ficamos com o CAPS de adultos, que até hoje estamos formando este nosso CAPS desta região. Os pólos foram implementados no meio do ano passado, se não me engano, que nesta região tem três, que são postos de saúde, que têm equipes de saúde mental: psicólogos, terapeutasocupacionais, psiquiatras, que dão conta dos atendimentos menos complexos, de menos intensidade, e são referência para alguns postos de saúde que não têm uma equipe de saúde mental. Eu não sei se todas as coordenadorias dos CAPS, têm instalado estas equipes de saúde mental nos postos de saúde (em outras regiões do município de São Paulo). - Os pólos têm ajudado o trabalho de vocês? - Têm ajudado no sentido de não ficarmos como ambulatório, de sofrimentos que possam ser cuidados em outro espaço e possa retomar, mas de fato ter um CAPS, que é um atendimento a sofrimentos mais complexos e graves que temos, e para isto demanda maior intensidade, é um trabalho de outra ordem; a nossa equipe também é pequena em relação ao trabalho a ser feito, considerando tudo: desde o atendimento até a reabilitação psicossocial. - Em relação às verbas que vocês recebem para trabalhar? - Elas vêm do governo federal, que são repassadas para os municípios... Temos ainda de fato uma inadequação: uma parte insuficiente de material, nossa equipe é pequena, tem gente que sai e não se consegue repor, temos falta de recursos humanos, falta uma supervisão regular, e isto demanda dinheiro, temos falta de algumas outras estruturas, de qualificação – as pessoas poderem ser qualificadas com mais regularidade, porque acabamos procurando por iniciativa própria – quem recebe um salário insatisfatório, ou acaba bancando do próprio bolso, mas eu acho que temos que ter a participação de toda a equipe, desde o porteiro até a
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direção, e principalmente uma supervisão para dar conta, pois é um trabalho muito difícil, muito duro, precisamos de uma supervisão semanal para dar conta das situações institucionais e clínicas. Isto deveria ser colocado no tempo do trabalho, seria um investimento no trabalho. - Não se tem contratado novos profissionais? - Não, faz tempo que não são abertos concursos. - E quando, por exemplo, sai um psicólogo daqui? - Ficamos sem (risos). Se alguém, por ventura, entra em licença por um tempo mais prolongado, acabamos ficando sem profissionais durante um certo período de tempo. Tentamos um remanejamento de profissionais, quando saíam profissionais daqui, mas estes novos profissionais vinham, mas não ficavam muito tempo aqui, não dispomos de uma autonomia direta para isso. - No que a arte e a Arteterapia em suas múltiplas expressões, pode contribuir para os pacientes do CAPS? - Eu creio que tem tudo a ver, pois pensando a arte como uma ferramenta mais ampla, como mais uma possibilidade de expressão. Nós fazemos a maioria das atividades e dos grupos, pensando nesta possibilidade de expressão, quer que seja, para a pessoa poder escrever algo, poder ter uma idéia, poder pensar nela, cantar, tocar um instrumento, ler um livro, contar a história dela, pintar um desenho, eu acredito que são formas de expressão que ajudam a viver melhor. Para mim isto também é promoção de saúde mental. Eu acho que aqui, você usar este tipo de recurso, isto ajuda as pessoas a se colocarem, a se expressarem, eu faço o “Jornal Mural”, que a partir de uma idéia que é eleita no dia, as pessoas vão atrás de uma gravura, tentando expressar o que elas sentem e pensam, e depois construímos uma história, o grupo escreve uma história de acordo com o recurso dele próprio. Penso que isto é terapêutico, e ajuda a viver, a se organizar a vida, uma possibilidade de se integrar e reagregar. Sinto que é importante se colocar profissionais qualificados para se oferecer um bom trabalho, boas oficinas, aos pacientes. Isto gera agregação de conhecimento e possibilidade de expressão. A arte aqui não tem esta preocupação de produção de obras boas ou ruins, certas ou erradas, mas sim a possibilidade de expressão. Houve um curso de arte em um CECCO com a equipe da Moreira Salles, em parceria com este CAPS, que fizeram um trabalho, que durou alguns meses, de produções artísticas, com material e técnicas variadas, e foi um trabalho muito bom e interessante e houve uma aula de vivência e o grupo que foi daqui, que eu acompanhei, aproveitou muito o trabalho, agregou conhecimento, dando a possibilidade terapêutica de expressão. Quem ministrou este curso foi uma arte-terapeuta e eu também ajudei, intervindo, quando necessário. Isto me ajudou em minha vida particular e na
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elaboração das oficinas aqui. O Marfim, nesta oficina, aprendeu muito bem, começou a levar o papel para casa e começou a desenhar! Levava os desenhos para a professora ver, e isto foi bom porque ele teve pouca possibilidade de acesso à escolaridade formal, ele além de desenhar, pintar, tinha uma característica de observar o que os outros faziam nas oficinas e fazer algo semelhante, mas teve muita coisa que saiu dele mesmo, era muito bom e interessante, ele fazia aviões... Foi bom para todos que participaram, pois além de poderem sair do CAPS e interagir em outro espaço, com uma outra proposta, com outros profissionais e pacientes, possibilitou-lhes sair do que eles acreditavam ser certo/erado ou bom/ruim em relação às obras que produziam. Isto faz parte do campo da reabilitação psicossocial, você ampliar as possibilidades de vida, mas sempre é um ganho, se ter a arte como um meio de expressão. - Você acredita que em algum momento a arte/arterapia pode prejudicar ou trazer algum tipo de dano ao paciente? - Não vejo prejuízo, mas o que às vezes acontece, quando a pessoa esta numa crise, muito desorganizada, ela não quer tomar contato com àquilo, e tem que se tomar muito cuidado, se ter muito respeito e ter muita sensibilidade para vislumbrar isto. Mas acontece às vezes, de pessoas dizerem que não querem participar de alguma oficina ou mesmo de algo que envolva arte, mas na verdade ela quer, o que ocorre é o medo da aproximação de algo que ainda é desconhecido para ela, que ela não domina, ou é timidez, e as aproximações bem feitas, podem levá-las a querer e gostar e se sentirem “em sua própria praia”. Temos sempre que olhar a singularidade em questão, sua possibilidades e limitações. Mas há também o outro lado, presenciei situações onde o paciente estava muito desorganizado e ia na T.O. e fazia milhares de coisas, e penso que para esta pessoa foi bom ela ter esta possibilidade de expressão neste momento de desorganização, embora não necessariamente ela vá gostar do que produziu após este momento de desorganização. O “Jornal Mural” ou “Mural Legal”, por exemplo, funciona muito bem para pessoas mais comprometidas, mas não sei lhe dizer a razão. Mesmo quando as pessoas estão muito confusas, elas vão nesta oficina, falam, se expressam, nós trabalhamos um tema e isto fica exposto num mural, na outra semana, pois a atividade é semanal, o tema pode ou não se repetir, isto tudo vai partir e depender deles, mas é interessante quando eles repetem o tema. - Há algo mais que a arte/Arteterapia auxiliaria os pacientes? - Na expressão, ajuda a organizar mais os pensamentos, organiza um pouco as emoções, mas sem esta coisa de ser certinho. É interessante porque neste grupo da Moreira Salles, eram duas horas de oficina, e eles conseguiam permanecer na sala com atenção e
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produção, então é sinal que faz algum sentido. A arte tem uma coisa de construir e desconstruir, desconstruir e reconstruir, este processo tem que acontecer para que algo seja expresso, veja os grandes artistas, algo está acontecendo (este movimento de construçãodesconstrução-reconstrução) dentro da cabeça deles, no livre pensamento... Há formas de expressões muito singelas, muito diferentes umas das outras, por isso que acredito que a arte ajuda dentro da especificidade de cada um, algo que muitas vezes não é mensurável ou revelado, muitas vezes não se sabe exatamente no que a arte ajudou determinada pessoa, mas ajudou, isto é um fato. Não necessariamente todo “louco” é criativo, acredito que aqui no CAPS, que a arte pode ser utilizada como mais uma forma terapêutica e expressiva, não necessariamente bela, ou estética. - Você acredita que a arte/Arteterapia pode ajudar na expressão, que outras formas de linguagens como a fala, não consegue dar vazão a certos pensamentos, sentimentos e vivências? - Às vezes sim. Estou lembrando de um paciente que não participa de nenhum grupo, só fica na sala, assistindo televisão, não se conseguiu nenhum outro canal/via de expressão ou comunicação com ele, mas o fato dele sair de casa, vir aqui toda a semana, mas não gosta de estar muito perto das pessoas, estamos aí para descobrir “qual é a desse paciente”, ele pouco fala, estamos ainda tentando descobrir, então a saúde mental tem disso, porque cada um é muito singular, e às vezes sentimo-nos um pouco incompetentes e frustrados, por não conseguir, ou não saber, ou ainda não ter encontrado o fio que poderia ajudar determinado paciente. Tem a questão do tempo de cada um que não é fácil de entender. Para mim quer dizer alguma coisa só o fato dele gostar de vir aqui, mas porquê eu não sei ainda, mas isto nos inquieta, pois é assim que este paciente (citado acima), ficará para o resto da vida? - Em relação à perspectiva de vida dos pacientes do CAPS, e em relação ao vínculo que eles estabelecem ou não, com vocês e com a instituição? - O vínculo terapêutico vai sendo construído no cotidiano, há pacientes com mais vínculo, outros com menos vínculo, não sei se dá para medir vínculo (risos). Mas, às vezes, se percebe dificuldade de aderência de um paciente a uma proposta oferecida a ele de tratamento, outros dispõem de uma facilidade maior de aderência ao que temos a lhe oferecer. Por exemplo, pegando o C., sua comunicação é muito pequena, com qualquer um de nós, mas ele tem um vínculo, ele gosta de vir aqui, o que isto quer dizer: temos que pensar mais. Tem algum que constroem até um vínculo de dependência, que não é a proposta do CAPS, então temos que nos preocupar com tudo isso. Penso que o vínculo terapêutico ajuda a pessoa a viver melhor sua vida, com as dificuldades próprias dela. Então eu acho que poder se ampliar
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às possibilidades desta pessoa para além CAPS é um dos nossos grandes desafios: o estar na vida, porque cada um é diferente do outro e especial. Mas nem todos vão, por exemplo, circular pelas ruas do mesmo jeito, vão sair das ruas do mesmo jeito, ou vão freqüentar os lugares que nós achamos bons para eles, ou fazerem aquilo que pensamos ser o melhor para eles, mas sim vislumbrar o que é importante, o que faz sentido para cada um. Penso que alguns recursos, se tivéssemos, ajudaria muito, como: acompanhante terapêutico, não só individual, mas para pequenos grupos, estender isto para além do CAPS. Porque há pessoas aqui que relatam que há lugares que gostariam de ir, visitar, conhecer, às vezes, ao lado de sua casa, mas não eles não têm com quem ir, e no outro extremo, têm pacientes que nem vão querer isto. Aqui nós só tivemos estagiários de A.T. (Acompanhante Terapêutico). É que nem existe esta função na prefeitura, então eu não sei se houve algum pedido formal de requisição de A.T. para cá. Eu mesmo já ajudei e fiz papel de A.T. com pessoas que estavam passando por muitas dificuldades, para resolver coisas de suas vidas, como documentação, I.N.S.S., situação familiar, etc... Mas função de A.T. para a integração, por exemplo, na sociedade, aqui só houve os estagiários de A.T. - Em relação à inserção dos pacientes no mercado de trabalho? - Isto já é uma questão bem mais complicada, pois o mercado já está ruim para àqueles formados, competentes; há uma questão cultural do desemprego, é uma questão de base política-econômica complicadíssima. Por exemplo, aqui, em relação aos pacientes, você verá pessoas que já exerceram algum tipo de atividade em algum momento da vida em algum nível de qualificação, tiveram suas crises, outros têm o benefício da previdência, outros são aposentados por invalidez e a grande maioria está no auxílio-doença. Aí seu ganho é proporcional ao ganho que exercia antes da manifestação da doença. Há aqui ex-professores, pessoas que trabalharam em escritório, etc... e estas pessoas, muitas delas (das que recebem o benefício previdenciário) ajudam no orçamento da família. Têm pessoas que nunca conseguiram entrar no mercado de trabalho formal. Há o benefício de prestação continuada, que é muito difícil de conseguir, que tem que haver: incapacitação total para o trabalho, alguém tem a tutela da pessoa, a renda percapta não pode ser mais do que a do salário mínimo vigente, esta lei deu um amparo para os idosos e para os deficientes, e contempla alguns casos de saúde mental, com o diagnóstico psiquiátrico, temos alguns casos aqui com este benefício, que é um salário mínimo. Há alguns que pagam o carnê, com o objetivo de um dia pegarem o benefício auxílio-doença, ou a família desembolsa, ou a pessoa consegue fazer algum bico, e temos alguns poucos que estão trabalhando. Muito poucos conseguem realmente um trabalho formal registrado. Têm alguns que fazem uns bicos com outros, mas o trabalho é uma grande
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questão para nós. Há também a questão daqueles que recebem o benefício: é bom que eles recebam, mas a questão é como desenvolver a capacidade produtiva pessoal. Porque às vezes, o paciente não consegue mesmo estar dentro de um banco, de um telemarketing, ou no comércio, porque o jeito que ele funciona não dá. Isto não quer dizer que ele não tenha a capacidade produtiva. Aí é que entra a nossa atenção, daí surgiram os grupos de produção, associações, que para mim são questões também. Que tipo de produtos, como isto é aceito no mercado de trocas, porque tem muitas regras e normas, o produto tem que ser bom, funcional e bonito para ser aceito no mercado. Você vê pouco isto ocorrer, no CAPS e mesmo nas associações e ONGs que tentam inseri-los no mercado, é muito difícil esta questão da geração de renda em saúde mental. Penso que para muitos isto é uma questão muito importante: se desenvolver o potencial produtivo de cada um, seria bom se isto ocorresse mais efetivamente capacitando maior número de portadores de transtorno mental. - Em relação à questão da reabilitação e reinserção psicossocial dos pacientes? - Isto vai variar muito. O nosso grande desafio é podermos estar inseridos na vida com nossas diferenças, a pessoa com transtorno mental, tem sua inserção, do jeito dela, cada um é diferente do outro, acho que a sociedade não suporta a diferença, porque ela isola as pessoas com transtorno mental e tudo que não é padrão de normalidade instituído pela sociedade. A própria doença muitas vezes leva ao isolamento, o grande desafio é fazer com que os pacientes fiquem o menos isolados possível, quer seja na própria família, na comunidade, pois há ainda muitas pessoas que vivem isoladas, que circulam pouco pela própria cidade ou bairro, embora haja alguns que circulem bem, mas a maioria ainda é isolada e discriminada e muitas vezes, isto começa dentro da própria família. O grupo de passeio aqui, por exemplo, vocês foram à Bienal, tem esta possibilidade de “ganhar a cidade”, de poder circular, embora seja protegido, pois profissionais vão juntos, eu acho também que uns irão precisar de mais proteção do que outros ao longo da vida. Mas a proposta do CAPS também é esta: das pessoas saírem para a vida, circularem, pegarem ônibus, conhecerem novas pessoas e lugares... - Em relação aos pacientes das oficinas de Arteterapia? - Dos que eu conheço, por exemplo, o Diamante é um rapaz que está conosco desde que estávamos com o Hospital Dia, e veio para cá, acho que desde 2002, ele tem uma história de vida bem complicada: perdeu um irmão assassinado, e esta família o colocou, após a morte do irmão, num lugar ao mesmo tempo muito protegido e meio que no lugar do morto, e ele tem um jeito de viver meio melancólico, nada dá certo, ele teve estas namoradas pela internet, crê que nunca dá certo seus relacionamentos, depois de freqüentar bastante aqui, ele deu uma afastada: foi procurar curso de biscuit, sempre foi uma pessoa interessada em procurar cursos
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e coisas para fazer, eu acho que ele tem habilidades de expressão para explorar. Acho que temos que ajudar ele mais, ele está passando por um momento difícil, dificuldade com a família, mas ele se expressa bastante, fala muito, mas a qualquer hora ele cai, cai no vazio, em depressão. A Prata é uma paciente que eu tive pouco contato, ela veio lá de Minas Gerais e a família é daqui, e isso não foi a primeira vez que aconteceu, ela veio aqui poucas vezes, quando ela fica ruim ela vem para cá, já fez tratamento num posto que antigamente tinha psiquiatra, o que percebi dela é que ela faz pouco contato verbal com as pessoas, e sua história familiar também é bem complicada e uma das questões é onde ela irá ser cuidada, tanto é que ela não veio mais e temos que ir atrás dela, não sei o que aconteceu com ela, devido a estas nossas reformas todas aqui no CAPS. A Turmalina também é aquele tipo de paciente que “escorrega no quiabo” no tratamento (risos), ela vem do jeito dela, ela tem vindo mais regularmente nas consultas psiquiatras, e eu não sei como foi sua assiduidade em suas oficinas. Mas você marca com ela, e ela diz que vem, mas não vem, ela consegue circular por aí bem, tem dias que está melhor, dias que está pior, ela veio ontem aqui me procurar, pois ela queria uma aposentadoria e ela não tem este direito a este benefício, e ela tem dificuldade de compreensão de algumas coisas, só quando ela tem alguma coisa a resolver muito importante, ela aparece aqui, depois ela desaparece. O pai participou um bom tempo no grupo de famílias, agora ele deu uma desaparecida, mas ele relata que ela é bem instável, às vezes está bem, ora não está. Assim ela funciona em relação ao tratamento também, ela tem um bom contato e expressão verbal, ela fala bem e bastante, porque há uma dificuldade no tratamento dos psicóticos, quando você acha que encontrou algo que ele goste, que faça sentido, não necessariamente isto ocorre de fato. Eu diria que ela tem dificuldade em aderir ao tratamento e tomar contato com suas coisas, é bem instável a vida dela aqui também. Ela também teve a primeira crise jovem, mas é uma pessoa que consegue circular um pouco, ela vai a shoppings, ela gosta muito de música, ela liga muito para estas rádios, para os canais de televisão, tentamos fazer com que ela viesse num grupo de música daqui, mas ela não veio. A Safira tem uma coisa depressiva muito grande e tentou o suicídio várias vezes, mas ela tem um canal de expressão muito interessante, com música, com o fazer, com o “Grupo de Imaginação” (teatro) – ela é uma atriz de mão cheia, quando ela quer, quando ela não quer não “rola”. O “Grupo de Imaginação” é um grupo que sentamos com eles, inventa-se uma historia, faz-se um roteiro e se filma, e ela se fosse investir nisso, seria uma atriz profissional, mas ela também é muito instável emocionalmente. Ela é cabeleireira, mas agora está fazendo uns bicos. - Todos estão medicados?
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- Todos. - Há alta de pacientes aqui? - Em CAPS é difícil você falar em alta. Porque muitas vezes o prazo de se ter que tomar a medicação é indeterminado, o que ocorre é diminuir ou aumentar ou trocar a medicação, mas a medicação se for retirada, a pessoas têm que estar bem acompanhadas, no geral, as pessoas ficam medicadas por prazo indeterminado. A Pérola é uma senhora que estamos reavaliando seu tratamento e diagnóstico, ela chegou ao CAPS com um quadro de confusão mental, mas temos ainda esta dúvida se não tem junto uma questão de demência, de Mal de Alzheimer, e encaminhamos-na ao Grupo de Idosos, a fim de que façam um melhor diagnóstico e tratamento lá. A história dela também é bem complicada porque é uma pessoa que morou muito tempo em lugar de mato, e hoje está morando com o filho, que a trouxe de São José dos Campos, para cuidar dela, e ela mora dentro de um apartamento e ele é zelador do prédio, então ela não tem muito espaço para circular, tem a questão da idade, não dá mais para ela ficar sozinha. Ela veio de um sitiozinho em São José dos Campos, que este filho comprou para ela poder ficar lá, mas ela é da Bahia, nascida lá, ela tinha uma casa lá, que já está perdida, mas ela acha que tem que recuperá-la, conseguiu uma passagem e a nora foi buscá-la e trouxe-na para São Paulo para cuidar dela, além de ter uma saúde muito complicada, tem diabetes, pressão alta, está exigindo muitos cuidados e não pode ficar sozinha, bebeu um produto de limpeza, sem querer, isto tudo sugere que está com um quadro demencial importante. Ela gosta muito de falar, de contar a história dela, pede para colocar sua história no nosso jornal, das poucas vezes que participou do Jornal Mural, ela contribuía, falava coisas... mas enfim, eu acho que ela está muito incomodada em não estar no lugar dela, acho até que nem precisaria ser voltar para a Bahia, mas se ao menos voltasse para seu sítio em São José, acho que já melhoraria. Ela gosta de mexer com a terra, ela plantava, e foi arrancada de tudo isto. Ela tem muitos filhos, mas ninguém se disponibiliza muito, também tem uma historia familiar bem complicada, ela foi muito dura com os filhos, e os filhos têm uma relação difícil com ela, e o filho conta que no passado ela teve algum episódio de doença psiquiátrica mal cuidada... - Você é responsável por quais oficinas? - Pelo “Mural/Jornal Legal”, pelo “CAPS Notícias” que tem uma tiragem trimestral, pelo Grupo de Cuidados Pessoais, faço um Grupo Verbal com a psicóloga M. – grupo terapêutico aberto – Grupo de Família, faço o Grupo de Música com a T.O. - G. O Grupo de Famílias é aberto para todos os familiares das pessoas que estão aqui em tratamento, e o objetivo é de ser um espaço de continência às famílias, de orientação, e um pouco para nós
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entendermos como o paciente está nesta família, e como ela lida com ele, é um espaço para a família se colocar, é um espaço da família, cujo tema são as dificuldades/facilidades desta família em relação à pessoa que ela cuida, que está aqui em tratamento. A maioria são mães e pais, mas há irmãos, esposas, maridos; varia um pouco, mas tem mais pais e mães. Também fazemos alguns atendimentos nucleares com determinadas famílias que necessitam desta atenção especial. E o grupo é bom, pois se compartilham as experiências, as dúvidas, as angústias, os problemas, pois não é fácil você cuidar, e também as famílias observam que há outras famílias com dificuldades similares. Muitas vezes, estas famílias têm uma demanda e encaminhamos-nas para uma terapia, ou atendimento, ou há familiares que demandam tratamento psiquiátrico. O Grupo de Música visa a ser um canal de expressão pela música, onde nós tentamos descobrir no que a música pode ajudá-los, neste semestre que passou, trabalhamos muito com roda de música e havia o T. - um paciente que toca violão, então ele levou muito o grupo, e havia instrumentos de percussão, que eles gostam muito. Havia duas estagiárias de psicologia que abraçaram o grupo e que foi muito bom neste sentido. Houve apresentação deste grupo na Festa Junina e no fim do ano. Embora não fosse o objetivo último deles a apresentação, o importante era trazer coisas que as pessoas gostassem, que tipo de música, instrumento, forma, se gostam de cantar, e o que gostam de cantar, mas é um grupo aberto, como os outros, você vai quando quer. Uma vez tocamos um “dingo” que toca em propaganda, foi muito bom. Funciona bem este grupo. Às vezes alguém quer fazer um solo e canta sozinho, ou escolhe músicas que gosta, então a idéia é a de ser uma convivência pela música, uma expressão pela música, o T. é compositor, então ele compôs e ensaiou e cantou uma música sua. O Grupo de Cuidados Pessoais, chama-se “Saúde e Beleza Lúdicos” - a idéia é a de se ter um espaço onde as pessoas possam se cuidar, porque as pessoas com doença mental, muitas vezes se desligam do seu auto-cuidado, fazendo uma unha, barba, é uma pena que ainda estamos com nosso chuveiro gelado, mas também poder tomar um banho, escovar dentes. Nós auxiliamos, mas a idéia é a própria pessoa aprender a cortar sua unha, se olhar, então o objetivo é esse. O Grupo da Imaginação, o objetivo é poder trabalhar a expressão, a partir da história deles, reais ou fictícias, e a partir daí, ter um produto que é a imagem, um filme, e eles adoram ver e se ver no filme, é legal porque eles trazem a história deles para contar. Nós não temos muito know-how, mas sai do jeito que dá. O A. trabalha em cima do roteiro de uma forma mais elaborada, mas é muito interessante trabalhar em cima da imagem. Teve um grupo que fez um filme chamado: “Um passo para a liberdade” – histórias de fugas de hospitais psiquiátricos, a maioria que foi internada, contava como fugia dos hospitais psiquiátricos (risos).
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- Quais destes pacientes das oficinas de Arteterapia foram internados em hospital psiquiátrico? - O Jade, o Ouro nunca foi, a Pérola parece que foi, mas não se tem certeza, a Turmalina não, o Diamante também não, mas a maior parte foi internada. - Eles não ficam com nenhuma cópia das filmagens? - Ficam, cada um fica com uma cópia em dvd. A B. - uma psiquiatra daqui, teve uma idéia de passar os filmes para às famílias, para elas verem que os pacientes daqui funcionam de uma outra maneira, para as famílias aprenderem a lidarem com eles de um outro jeito. O Grupo Verbal, que eu trabalho com a M. (psicóloga), é um grupo terapêutico, onde as pessoas falam, é um grupo de expressão, fechado, são sempre as mesmas pessoas, eventualmente entra ou sai alguém, mas este grupo tem uma história, então é mais fechado. É um grupo de psicoterapia grupal, que denominamos Grupo Verbal. - Você ia falar do Ouro. - É, o Ouro trabalhava como segurança e começou a ter alucinações e chegou a atirar, mas não feriu ninguém, ele estava trabalhando, foi uma crise que ele teve. Ele tem uma coisa delirante, ele ouve vozes, ele tem um delírio persecutório muito forte, ele crê mesmo que, por exemplo, alguém o está perseguindo, inclusive já mudou de casa por causa disto. Ele vem aqui, mas vem com muita dificuldade, pois se sente muito perseguido, mas tem um canal de expressão maravilhoso. Você vê a escrita dele no jornal, uma coisa belíssima! Ele não é chegado muito em música, só música clássica que gosta muito, interessante isso. Gosta muito de artes. Ele é muito contido no falar, fala pouco, fala um pouco de seus delírios, de sua história, mas ele tem uma psicose desde criança, ele já via coisas (delírios) na infância e não conseguia dormir, tinha medo do escuro, ele tem uma história muito traumática, muito difícil e sofrida. Atualmente ele mora com a esposa e com o filho. Este filho, ele não queria ter tido, e a relação tanto com a esposa, tanto com este filho é complicada, mas a relação com este filho tem melhorado, assim como ele tem falado mais no Grupo Verbal, mas os delírios estão sempre muito presentes, ele já chegou a desenhar (os delírios) e tem um canal de expressão impressionante. A farmacologia ainda é nova, surgiu na década de 50, ela faz a remissão de alguns sintomas, mas não tudo. Antigamente você amarrava, dava choques, batia, prendia, acorrentava, atualmente, conforme a linha, você prende pela medicação (risos), mas você pode ser cuidadoso com a medicação, a medicação é importante e ela ajuda, porque é muito sofrimento, mas ela não é suficiente. Você tem que aliar a uma psicoterapia, oficinas e outros canais de expressão. Mas a crise psicótica, por exemplo, não irrompe de uma hora para outra, às vezes, a pessoa estava há anos sofrendo, perdas, é um
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conjunto de fatores, não é assim: estava bem e acordou louco. Vem de um percurso. Aí acumula um montante que chega no seu limite e irrompe a crise. Aí você vê que a pessoa fica ou muito calada, ou esquisita, muitas vezes, as pessoas implodem. Para esta pessoa se tratar, temos que oferecer um leque de possibilidades aqui, com um número variado de atividades e tratamentos diferentes, onde a pessoa consiga em algum deles, se expressar de algum jeito. Tem o caminho verbal, quando a pessoa consegue falar, e é um caminho que ajuda muito, tem a farmacologia, tem as oficinas, mas para alguns ainda não descobrimos o que pode ajudá-los (risos). É difícil! É um trabalho muito difícil, para nós que trabalhamos com saúde mental, deveríamos ter também um cuidado melhor (risos), de melhorar a qualidade do trabalho, ter mais gente trabalhando, quando a pessoa está em crise, e você tem que trabalhar corpo a corpo, depois de duas horas, você já está exausto, quando a pessoa está muito agitada. É um trabalho que exige muito de você, te coloca frente a situações que nem sempre você sabe a melhor forma de lidar, você não tem respostas ou tratamentos prontos, te coloca frente a várias questões, preocupações, é um trabalho desapasiguador (risos), a gente nunca fica em paz (risos). Não é que eu saia daqui e fique pensando no trabalho, eu separo a minha vida, da vida profissional, é um trabalho que te exige muito, às vezes, você acha que vai dar certo por um caminho, mas na verdade você tem que ir por outro, às vezes, tudo que você oferece não vai de encontro com o desejo/demanda do indivíduo, não faz sentido para ele. Mas têm coisas que nos ajudam: fazer uma terapia na linha que a pessoa acha que vai ajudá-la, trabalhar em equipe, pena que trabalhar aqui em equipe está muito difícil, isto é uma proteção também, supervisões e estudos que não temos, isto tudo prejudica muito nosso trabalho e trabalhos como o seu, de competências específicas que se configuram como mais uma possibilidade de tratamento e expressão. - L. muito obrigado. - Obrigado a você pela ajuda e pelo trabalho realizado.
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3) - Entrevista com M. – formada em sociologia, psicanalista lacaniana, atuante no CAPS também como psicanalista-educadora. Fez mestrado em medicina preventiva na Unicamp, na área de saúde coletiva. Especialista em educação em saúde pública, trabalhou na prefeitura como educadora em saúde pública em 1984, deu aulas na rede pública e em escola particular, paralelo a isso foi fazer análise pessoal, por questões pessoais, trabalhou na prefeitura em unidades básicas de saúde como educadora, depois com recursos humanos e em outros setores, realizando outros trabalhos.
- M., conte-nos um pouco de sua história e como veio parar aqui neste CAPS. - Trabalhei muito com grupos e com pacientes com AIDS, com atendimentos para famílias e pessoas em fase terminal da doença, pois naquele tempo se morria ainda muito em conseqüência da AIDS. Participo desde seu início, do Núcleo de Psicanálise em Saúde Mental, há oito anos, com pesquisas e trabalhos publicados. Trabalhei no Hospital Dia, depois vim para cá onde estou há três anos, num total de sete anos com o HD. Aqui no CAPS, eu faço grupos que a gente chama de Grupos Verbais, onde procuro oferecer uma escuta psicanalítica, onde os pacientes possam ter um espaço de fala e de escuta. Faço atendimento familiar junto à L. (assistente social) e atendimentos individuais e de famílias, no atendimento às famílias nucleares, atendemos em dupla, que já atendemos há algum tempo, e também atendo alguns pacientes individualmente, às vezes, são indicados para mim, se os profissionais acham que naquele momento, o paciente precisa de uma escuta mais individualizada, encaminham-no a mim. No caso de pacientes psicóticos, há muitos que me procuram, devido também a transferência, mas muitas vezes, demora para que eu faça uma agenda de atendimento contínuo, periódico, e as vezes, eles não querem, eles vêm, te procuram na hora que precisam... Eu acolho, escuto, e alguns, chega num momento, em que eu proponho um atendimento mais rotineiro, se eles querem, e aí se estabelece um atendimento mais freqüente e regular, que pode durar um curto período de tempo, ou pode durar anos. Atualmente eu tenho atendido pouco, eles têm vindo pouco até mim, por exemplo, tem um paciente, que é um caso crônico, está bem, estabilizado, ele estava no HD, e me procurava muito para conversar, mas era do espaço de convívio, ele me procurava e eu o escutava, escuta seus delírios, num determinado momento, ofereci um atendimento mais regular, e ele aceitou, ele teve algumas interrupções comigo, embora ficou uns três anos
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comigo, porque tinha coisas que ele não podia falar no grupo, ele que colocava isso no atendimento, aí ele resolveu abrir essas coisas que ele falava comigo no grupo e parou de vir até mim, eu respeitava; depois quis continuar o atendimento comigo, e passou a falar menos no grupo, acho que teve duas interrupções no atendimento, agora faz bastante tempo que ele interrompeu e está fazendo coisas, fica muito em casa, mas tem uma autonomia de procurar uma ginástica, um divertimento, ele vai; então está freqüentando bem menos aqui, mas está num grupo agora. - Qual é a importância do delírio na psicose? - Lacan fala que o delírio é uma defesa contra o real e ele não deixa de ser um sintoma que se forma, como uma pessoa se defende através de uma gastrite, outros formam um delírio, que logicamente é muito mais desestruturante do que uma gastrite. Mas o fato de você escutar um delírio, escutar, considerando que o delírio é a verdade daquele sujeito, porque a dificuldade é que uma pessoa em delírio, ela falará coisas que não tem cabimento, e é muito comum elas não serem ouvidas, um familiar, ou qualquer outra pessoa falar: esse cara é louco! É um absurdo, é mentira isso que você está falando, o delírio é a verdade daquele sujeito, então por mais absurdo que seja, o que está falando, aquilo está acontecendo com ele. Então acho importante se escutar, não desmerecendo o delírio, ele está acontecendo, é uma verdade. É lógico que não dá para ficar dando corda para o delírio, pois pode se transformar em algo muito maior, então precisa escutar um pouco para apaziguar, porque, às vezes, é muito desesperador conviver com estes delírios. Então há um lugar para se delirar, isto é muito importante, no caso de psicóticos que formam delírio, então é importante a escuta para este delírio dar uma apaziguada, é um sintoma do sujeito, a medicação, às vezes, ajuda, mas muitas vezes, dependendo do médico, ele pensa em exterminar os delírios, há pacientes que se tornam muito angustiados sem o delírio, é interessante, portanto, que ele possa lidar com o delírio, dando uma apaziguada, mas sabendo que o delírio faz parte dele. O deliro faz parte da vida deles. É interessante que o delírio é um sintoma formado para o paciente se defender, e se ele está sem esta defesa, ele está suscetível a algo que o apavora. - Em relação à medicação para os delírios? - Vai depender muito, tem casos que continuam muito delirantes, por exemplo, temos o caso de M., que já está há muito tempo aqui, ele está bem já há algum tempo, mas quando ele entra em surto, agride indistintamente as pessoas, pode ser na rua, aqui no CAPS, ou na casa dele, e isso é terrível porque ele bate mesmo e você pode ser a vítima, você pode estar passando e leva uma dele, quando ele estava assim, estava super medicado, a ponto de sua médica falar que não daria mais para dar mais remédio para ele, pois seria perigoso, correndo
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risco clínico, e não cedia, ele precisava de uma intervenção hospitalar para ele parar. Mas já aconteceu dele entrar em surto e não precisar de internação. Eu o atendo, e nestes momentos de crise, eu o escutava muito, por isso acredito que a fala exerce um efeito apaziguador muito forte, embora nem sempre o falar dava resultado. Há casos, em que os médicos não sabem mais o que fazer, já experimentaram de tudo, às vezes, muito remédio e não resolvia, ou às vezes, quando o remédio entra, já faz um efeito, e tem casos que eu acho que não precisa do remédio, é muito discutível, depende de caso a caso. O remédio dá uma apaziguada, ajuda a acalmar, mas nem sempre. - A arte/Arteterapia pode contribuir para a vida dos que estão com sofrimento psíquico intenso e persistente? - Acho que pode contribuir bastante, mas não para todos os casos, vai depender das escolhas de cada um. Eu acho que, pode até ser uma fantasia minha, mas de modo geral, acho que os psicóticos são muito múltiplos, acho que eles têm uma fala analítica e uma sensibilidade muito aguçada, então a fala sozinha não dá conta disto, então poder realizar um pouco através de um outro instrumento intermediário, eu acho muito interessante. Pode ser uma pintura, a elaboração de um objeto artístico, penso que esta coisa do fazer é muito interessante, é um jeito de se ocupar, porque uma das grandes questões que aqui lidamos no dia a dia, como estas pessoas são diante da vida, do mercado de trabalho, do mundo, elas de modo geral, têm uma dificuldade de se inserir dentro dos parâmetros sociais, há horários, regra, normas, e a produção artística, ela conforta esta desorganização, então não precisa ter aquele horário, para eles colocarem o que se encontra dentro deles para fora, um jeito de expressão, para muitos é muito importante. Pode ser um jeito de lidar com a vida, estar no mundo, produzir alguma coisa, que pode até a tornar-se um trabalho, e não um trabalho burocrático. - Você pensa que a arte pode ajudar um sujeito com doença mental, na expressão de algo que de outra forma, através de outra linguagem, como a verbal, não seria possível dele se expressar? - Acho que sim, expressar algo que escapa a palavra, mas depende de como cada um interprete, pois a palavra também é cheia de mal entendidos, ou seja, o que foi expresso, não é o que você entendeu. Pode ser dito algo, não em palavras, acho que não existe uma expressão absoluta, uma expressão completa na comunicação, ou seja, alguém pode expressar algo que goste muito, que se sinta bem, que produza alívio, mas os outros que irão ver, no caso da expressão pela arte, irão ver cada um de um modo, muitas vezes, não tendo nada a ver com aquilo que foi produzido (com a idéia, por exemplo, ou sentido que o produtor deu para a
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obra). Acho que a arte pode contribuir muito no quadro terapêutico, mas você nunca pode deixar de lado a singularidade de cada um, por exemplo, o O., que é nosso paciente, acho que ele pode se beneficiar do trabalho de Arteterapia, pois a questão da verbalização é difícil para ele, é difícil entender o que ele diz, é muito difícil ele entrar num grupo, sentar e falar, no entanto, ele produz coisas, sozinho, de modo geral, embora já tenha entrado em oficinas, então para ele, um jeito de se expressar seja através de um objeto intermediário, produzindo algo artístico, mas há muitos pacientes que não, que se beneficiam mais do tratamento pela palavra, pelo remédio, através de outras formas, de vias de expressão outras, ou oficinas, vai depender muito. - A arte/Arteterapia pode prejudicar em algum momento o paciente? - Acho que qualquer coisa pode prejudicar o tratamento, qualquer trabalho terapêutico pode ajudar e prejudicar, dependendo como se aborda, por exemplo, àqueles que não querem saber de Arteterapia, obrigá-los, seria uma impossibilidade deles de um dia poderem participar de um trabalho desses. Cada um tem seu tempo e temos que olhar para isso. Muitas vezes, acho que os pacientes têm que nos surpreender, de repente, num momento, eles podem entrar e aproveitar muito, acho que depende como se produz, como se aborda, pode prejudicar dependendo da abordagem, algo mais impositivo, não respeitando o desejo de cada um, do contrário não, caberia muito bem. - Você poderia falar um pouco dos pacientes que participaram das oficinas de Arteterapia? - É interessante o percurso do Diamante porque teve um momento aqui no CAPS que... ele nunca deixou de se interessar por computador, mas ele ficava muito parado, muito em casa, numa posição muito deprimida, não se animava com nada. Eles, de modo geral, não valorizam o que produzem, não sei se não valorizam, mas eles não falam disso, é mais uma coisa que fizeram, mas você às vezes, nem fica sabendo que fizeram, e o Diamante não, tanto é que está fazendo cursos de outras coisas fora, não sei como começou, mas aqui deve ter incentivado ele, pois ele está aqui há bastante tempo, então acho que para ele é importante, ele ouve muitas vozes, e ele me procura, embora eu não seja sua referência, ele me coloca como referência, e essas vozes às vezes, são um inferno em sua cabeça, são vozes que falam para ele se matar, se jogar debaixo de carros, é perigoso, e quando ele está fazendo algo, com as mãos, ou falando, as vozes vão embora, então tem um bom efeito a Arteterapia para ele. Além desta coisa dele poder mostrar o que produz. Há muitas situações quando eles estão ouvindo vozes, quando estão deitados na cama, em suas casas, é muito comum ouvir dos familiares: meu filho é muito preguiçoso, só fica ouvindo vozes, e deitados, eles muitas vezes estão
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tomados pelas vozes, e poder fazer alguma coisa no momento, se podem fazer algum movimento, seria um jeito de tratar disto, produzir, escrevendo, desenhando, fazendo um objeto, falando, isso traz um grande e bom efeito para muitos, têm alguns que resolvem este problema das vozes, lendo a bíblia. Na psicose aparece muito a questão religiosa, do misticismo, então muitos ficam apaziguados quando lêem a bíblia, e as vozes vão embora. O Diamante trouxe um dia um trabalho que ele fez na tua oficina e mostrou para o nosso grupo, assim ele se sente mais valorizado, do ponto de vista social, eles são muito desvalorizados, geralmente. Eu acho que isto se torna um valor produzido interessante. Mas cada caso é um caso. Eu acho que a Esmeralda também se beneficia da Arteterapia, ela tem uma depressão forte, teve uma psicose pós-parto, mas tenho dúvida em seu diagnóstico psiquiátrico, fazendo a sua escuta, mas dentro da psiquiatria ela tem uma neurose grave. Ela não ouve vozes, mas não necessariamente o psicótico ouve vozes, tem casos que eles têm um pensamento fixo, que podem se assemelhar muito a um obsessivo, do ponto de vista da psicanálise, não existe ninguém normal. Lacan fala da insondável decisão do ser, é como se a gente, de um modo inconsciente, colhesse uma neurose, uma psicose, ou perversão, referente àquilo que não podemos falar, expressar, explicar, mas tem aí uma decisão insondável de cada um. A melancolia estaria no campo da psicose. Têm aí as várias abordagens e discussões, mas Lacan vai chegar num momento em que a psicose vai lhe ensinar muito, e ele dirá que uma psicose não é melhor do que uma neurose ou que uma perversão, todos nós estamos incluídos em alguma dessas coisas, ninguém escapa, pensando na questão do mal estar da cultura, ninguém é são, aqui temos casos de psicóticos que entraram em crise, mas no consultório tive casos de psicóticos que não surtaram, que são pessoas que vivem socialmente muito bem, seria interessante se a pessoa conseguisse nunca ter o desencadeamento de uma crise, a crise traz muitas perdas... A Esmeralda ficou muito encantada com a Bienal e ela saiu um pouco do grupo, ela queria ver tudo, e aproveitar muito, achei que ela gostou muito e foi uma grande novidade para ela, pois ela nunca teve acesso a uma Bienal ou algo do tipo. Em relação ao CAPS, ela tem muito medo de perder o apoio daqui, ela mudou de casa, e uma das questões que ela trouxe era que ela queria continuar o tratamento aqui. Nós não encaminhamos abruptamente, a gente não vai encaminhar alguém que está indo bem no tratamento e teve um vínculo e que pode entrar numa crise, caso se retire dela este nosso apoio. Eu tenho um pouco de dúvida em seu diagnóstico, aparentemente é uma depressão grave, ela traz estas questões de ausência, ela tem uma história muito sofrida, a questão do afeto é muito perturbador em sua vida, não é á toa que em sua segunda gravidez, teve depressão pós-parto, uma psicose me parece, então ela tem uma família com história de doença mental, e às vezes, eu fico pensando
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se não seria uma psicose, tem a mãe que fez tratamento psiquiátrico, ficando internada em hospital psiquiátrico, tem a história da vida dela, que ela não tem acesso a estas coisas, e me parece que ela se refugia. Ela tem um histórico familiar muito complicado, precário, perturbado, carente de tudo, de carinho, afeto, materialmente, de abandono, embora ela tenha família, há este abandono com ela, e ela gosta de vir aqui. Deve ser surpreendente para ela, a atitude dela na Bienal demonstra isso. Você disse que ela aproveita muito o grupo e gosta de estar no grupo e fazer as atividades, porque para mim é interessante, pois ela se queixa de falta de concentração, eu gostaria de ver as produções dela. Você disse também que ela participa bem. É interessante que ela se queixa dos brancos (lapsos de memória), de ausência, e isto também acontece nos atendimento individual, diz que está esquecida e ela na verdade vai falando, e tem concentração e fala muito, agora, ela muitas vezes, não relaciona o porquê dela estar sentindo tal coisa, só que ela fala o que sente, mas ela não faz relação, por exemplo, estou deprimida porque não estou confiando no meu marido, ela conta em pedaços, conta uma situação ruim com o marido, por exemplo, aí ela conta que não sabe porquê não tem vontade de nada. Mas às vezes ela consegue, acho que com o tempo e a prática ela conseguirá fazer mais conexões. Ela é novinha, nasceu em 1982, tem três filhos, a primeira gravidez dela foi aos 16/17 anos, ele se casou, teve um menino, que está, acho com sete anos, e logo em seguida teve uma filha, onde teve depressão pós-parto, e este primeiro marido começou a ficar muito agressivo com ela, ela não aceitava a segunda gravidez, foi difícil de lidar com a menina, teve ajuda da família, e daí o marido começou a ficar muito agressivo, ela desconfia que ele era paciente de drogas, e agredia ela fisicamente, até que um dia foi para cima dela com uma faca e ela disse que foi salva porque a mãe estava chegando, e a mãe tirou a faca da mão dele, senão ele tinha acertado ela. Daí ela se separou, e depois ficou morando com a mãe e os irmãos, e ela em algum momento não deu conta de cuidar desses filhos que vivem hoje com este ex-marido. Ela fala que este ex-marido está bem atualmente, não é mais agressivo, casou com outra mulher e está tranqüilo e cuida dos filhos dela e dele. Como ela não é uma freqüentadora assídua do CAPS, ela trabalha num cinema pornográfico, onde passa filmes pornográficos, ela ficava lá na bilheteria vendendo entrada, num dia em que ela relata que teve uma crise de pânico, ela vê o pastor da igreja dela chegando lá no cinema acompanhado com um cara e eles transam no meio do filme, rola coisas lá, daí ela começa a namorar o atual marido e engravida. Acho que isso aconteceu depois de engravidar. Ela acaba descobrindo que seu marido é garoto de programa, ela vai contando tudo isso e não faz relação. Daí ela começa a ficar com compulsão sexual, acho que ela não estava grávida ainda, ela transa com Deus e o mundo, ela fala que estava com compulsão sexual, e qualquer um que ela visse, ela
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abordava, então não era quem chegasse nela, era qualquer pessoa, ela ficou fazendo sexo compulsivamente, e ela fala de uma coisa selvagem, e tem uma história anterior a isso, para você ver como as coisas se repetem: quando ela tinha 15 anos, ela tinha um namorado, e ela era virgem ainda, e daí ela chegou em casa e apanhou da mãe, que achou que ela estava transando com o namorado e ela era ainda virgem, depois disso ela quis fazer sexo, mas acho que de raiva, ela foi perder a virgindade de raiva, e isso do sexo com raiva marca o início da vida sexual dela. Quando ela começa a praticar sexo compulsivamente, ela entra em crise, e começam as ausências, os pânicos, depois se entende com este marido, e ele deixa de ser garoto de programa e arranja um emprego regular num hotel, e daí tem uma coisa assim: ele cuida bem dela, da casa, e ela gosta disso porque não sobra para ela, ela admira que ele faz comida, que ele limpa a casa, organiza, coisa que ela nunca fez. Por outro lado, ela desconfia que ele continua como garoto de programa, apesar de ele ter um emprego, ela acha que ele não parou, então ela começa a deprimir também com ele, só que ela tem dificuldade em fazer estas conexões, mas que tem alguma coisa neste casamento que sustenta ela, tem. Ele acaba sendo companheiro dela em muitas coisas, então ela tem uma história muito peculiar que a gente nem imagina. Ela, eu acho que gosta de dançar, mas não tenho certeza. Ela traz uma indisposição muito grande em casa, uma falta de vontade de fazer as coisas, uma dificuldade em lidar com os filhos, com o filho menor, e agora os maiores estavam com ela. O terceiro filho é deste casamento, e ela ficou muito mal na gravidez. Esta coisa da compulsão sexual parou, e ela reconhece que é perigoso, pois ela corria riscos. Tivemos que encerrar a entrevista devido a um atendimento de M.
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5 – CONCLUSÃO
Através deste presente estudo no qual o foco foram as vivências terapêuticas em oficinas de Arteterapia, cujos sujeitos de pesquisa foram pessoas que estão sofrendo psiquicamente, de forma severa e persistente, pode-se constatar que muito pouco valor é dado para àqueles que estão sofrendo intensamente. Estão, em sua maior parte, segregados, excluídos de sua própria família, meio social, amigos que tinham no passado, submersos em sua própria dor, calados, silenciados, sem força e sentido para viver. Alguns querem, tentam, desejam encontrar ajuda, seja onde for: numa oficina de Arteterapia, num medicamento, numa psicoterapia individual ou grupal, na religião, na música, no fazer cotidiano, na fala ou apenas na companhia de alguém ou de uma instituição como o CAPS, que muitos apontaram como sendo sua segunda, ou mesmo, primeira casa, onde são vistos, cuidados, amparados... onde estão com alguém, fazendo algo, não importa muito o que. Como vivemos numa sociedade capitalista, onde o que vale é o que você produz, o que você tem e se você alimenta este mercado ou não, para que servem “doentes mentais” que não atendem a estas expectativas sociais, ideológicas, políticas, econômicas, religiosas, familiares...? Pensar na reabilitação psicossocial destas pessoas é realmente algo muito distante da realidade atual, mas pensar que eles podem viver, conviver, se expressarem e circularem na sociedade segundo a singularidade de cada um, isto seria algo possível. Todavia, em sua maioria, estes pacientes deste CAPS, são pessoas que apresentam história de vida muito sofrida, difícil e que hoje não têm muito perspectiva de vida, pensando em uma mínima qualidade de vida. O nível de contratualidade social deles ainda é muito baixo. Penso que todos nós temos responsabilidade nestas questões que precisam ser de fato resolvidas, ou pelo menos, que estes sujeitos possam sentir como cidadãos e serem de fato valorizados pela sociedade. Em nosso dia a dia corrido e louco não temos tempo e nenhum interesse por questões como estas, a não ser que elas insurjam dentro de nosso meio: família, amigos, comunidade. Às vezes, parece mesmo que estas pessoas estão vivendo por viver, ou num estado meio onírico, porque talvez já não vislumbrem mais saídas e soluções. Penso que as oficinas de Arteterapia foram terapêuticas e expressivas e que lhes ajudaram em vários aspectos de suas vidas. Mas também penso que seja necessário reformas mais amplas no plano micro e macro. Ainda se faz muito pouco para a atenção em saúde mental. As estratégias e políticas ainda são muito débeis, fracas, pontuais. Talvez haja mudanças significativas a longo prazo. A Reforma Psiquiátrica e a Luta Anti
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Manicomial foram o início de um longo processo de mudanças que estão ocorrendo muito timidamente na sociedade, nos valores e nos indivíduos. Em relação à arte e à Arteterapia, penso que é mais uma das possibilidades de “voz”, expressão, tratamento, lazer, terapia e criação que estes pacientes, que apresentam sofrimento psíquico, têm ao seu dispor. A arte se conforma como um facilitador, já que pode oferecer pouco a pouco, pistas e elementos que ajudam no acesso as dificuldades e limitações do outro, pode ampliar a análise diagnóstica com maiores detalhes, porque permite o acesso a conteúdos pouco expressos na linguagem formal limitada (FRAYZE-PEREIRA, 1999). Penso como Munari (2004) apud Valladares (2004) que expressa os sentidos dos serviços substitutivos em saúde mental, baseado no novo paradidgma, como o CAPS, CECCO e tantos outros, e que buscam descobrir e valorizar a lógica singular de cada um, sem uma preocupação de “normalidade social”:
Os serviços que procuram pela expressão da arte manter os pacientes em conexão com o mundo dão a eles o direito de achar o seu elo e o seu caminho para a vida, mesmo que fora do padrão normal socialmente aceito. Interpretar a dor e o significado da loucura por meio da arte é abrir um canal de comunicação, muitas vezes impossível pelos métodos tradicionais. Para isso, não é possível estabelecermos uma lógica comum, mas estarmos abertos para a lógica e comunicação do outro [...] na busca de se apropriar desse recurso como estratégia de intervenção para o cuidado (p.76).
Segundo a autora citada acima, a arte deve ser bem conduzida com propósitos claros, com sentido para os pacientes, sendo uma aliada na reestruturação interna do indivíduo, na expressão de sentimentos e desejos e na reabilitação psicossocial, possibilitando o resgate e a formação de novos vínculos:
A assistência digna em saúde mental está relacionada à possibilidade de criação de vínculos possíveis dentro da lógica e das necessidades dos pacientes e não apenas na do profissional de saúde, de criar espaços terapêuticos variados que permitam a expressão de sentimentos, emoções, vivencias singulares. Nesse sentido a arte é uma aliada essencial dos profissionais, por viabilizar um contato sincero e profundo do indivíduo com o seu mundo e quem sabe fazer conexão com o mundo de fora [...] nesse contato que o indivíduo é capaz de (re)descobrir o prazer de viver e produzir, de se comunicar e de se sentir vivo (p.76).
É importante salientar que a Arteterapia deve ter propósitos terapêuticos e expressivos que estejam canalizados para a singularidade e o desejo do paciente, e que não
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necessariamente envolvam a elaboração de um produto final esteticamente bonito ou segundo as convenções sociais. Segundo Liebmann (2000, p.18) a Arteterapia deve ser utilizada “como meio de expressão pessoal para comunicar sentimentos, em vez de ter como objetivos, produtos finais esteticamente agradáveis a serem julgados segundo padrões externos”. Portanto, é necessário muita sensibilidade, profissionalismo, cuidado, disposição e um outro olhar bem mais ampliado, para tratar de quem está sofrendo, esta expansão da mente deve ocorrer tanto com os agentes de saúde mental, que estejam dispostos a viajar nesta empreitada, bem como no mergulho terapêutico-expressivo que é proposto ao paciente: O espírito tranqüilizado, parece caminhar por conta própria, pondo em marcha um processo espontâneo e criativo. Parte de uma orientação global voltada à compreensão dos mistérios deste mundo. Vai muito além da expressão inconsciente dos conflitos e das turbulências emocionais. Parece mergulhar no âmago da realidade para melhor conhecê-la e melhor vivê-la. Busca uma nova relação com o mundo, infinitamente mais sensível e aperfeiçoada. Procura ver com os olhos do coração. (TRINCA, 1997, p.38).
Através deste longo processo que passei durante este estudo, e que os pacientes vivenciaram através das oficinas terapêutico-expressivas em um CAPS adulto, da visita à Bienal de Artes de São Paulo, das discussões, pontuações, observações, entrevistas e reflexões, penso que tudo isto pôde proporcionar aos pacientes das oficinas vários benefícios para suas vidas: 1) Aumento da auto-estima, através da valorização de suas produções pelos próprios pacientes do grupo, e pelo outro, visto que também as produções foram expostas no CAPS; 2) Melhor auto-aceitação, valorização dos aspectos positivos pessoais, e maior autonomia; 3) Entretenimento, expressão, desenvolvimento de um processo criativo próprio; 4) Despertou sentimentos e gerou atitudes positivas como: alegria, liberdade, serenidade, paz, calma, conforto, aceitação, auto-aceitação, amizade, fraternidade, amor, desejo, harmonia, integração dos pensamentos, sentimentos e ações; fruição, prazer, êxtase, respeito, introspecção e extroversão, meditação, originalidade, e outras não manifestas; 5) Mudança nos sentir, no pensar, no falar, no expressar, no criar, no fazer, no desejar e mudança de hábitos cotidianos e no comportamento; 6) Desejos, anseios e planos para o presente e futuro; 7) Maior ordenação, estruturação e harmonização psíquica, canalizando a libido para fins mais positivos e construtivos de vida, de relacionamento intra e inter pessoal;
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8) Catarse de emoções e vivências traumáticas reprimidas, expressa através da Arteterapia, alívio, “descarrego”; 9) Sentimentos e pensamentos negativos também foram expressos e gerados pela aplicação das técnicas arteterapêuticas, como: raiva, ódio, tristeza, melancolia, medo, temor, pavor, pânico, nojo, perda, luto, ansiedade, timidez, angústia, agressividade, aflição, idéias e pensamentos delirantes e suicidas, euforia, nervosismo, através da revivência de experiências e vivências, passadas e presentes, traumáticas, sofridas, antes recalcadas que tiveram um lugar, espaço e tempo para serem manifestas e trabalhadas através das oficinas com a nossa intervenção; 10) Possibilidade de regressão, com a expressão de atitudes e comportamentos característicos de fases anteriores da vida, que foram trabalhados quando insurgiam; 11) Possibilitou principalmente a expressão e a manifestação de pensamentos, sentimentos e vivências provavelmente, impossíveis de serem expressas e geradas através de outros meios como, por exemplo, através da linguagem verbal; 12) Acarretou na vontade de continuarem se expressando por intermédio da arte; 13) Permitiu a fruição de um maior controle ou soltura da expressão, dependendo da proposta das oficinas e o desenvolvimento de novas habilidades; 14) Fortalecimento do ego e reintegração psíquica; 15) Maiores possibilidades de uma reabilitação psicossocial, contratualidade e o vislumbre de suas capacidades e limites; 16) Uso de novas técnicas artísticas e materiais, e o trabalho com a coordenação psicomotora; 17) Expressão de conteúdos conscientes e inconscientes, dentre outros importantes e variados benefícios que trouxeram para os pacientes, que são difíceis de serem mensurados, ou não surtiram efeito, ou não foram ainda manifestos - principalmente aspectos pessoais que foram potencializados, através das oficinas de Arteterapia, que lhes ajudarão em algum momento, lugar e vivência futura, e não saberemos como, quando, porque e onde isto ocorrerá. Possibilitou aos pacientes, vislumbrarem que não são sinônimos de doentes, mas pessoas, que passam por momentos de sofrimento, e que, mesmo possuindo uma patologia que os desabilitem em certos setores da vida, lhes habilitam em outros. Mas, sobretudo, que possuem: habilidades, força, esperança, qualidades e virtudes únicas - como as pedras preciosas, que muitas vezes precisam ser lapidadas, com a ajuda de alguém, para ser desvelado seu verdadeiro brilho e valor...
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Espero ter contribuído de alguma forma para: a vida, para o cuidar, tratamento e para a reabilitação psicossocial dos que sofrem. As conclusões deste presente estudo estão longe de serem definitivas. Espero que esta pesquisa fomente ainda mais as discussões a respeito do tema, promovendo novas pesquisas mais aprofundadas. Desejo que esta pesquisa possa estimular a práticas mais eficientes, rápidas, seguras e benéficas para os pacientes do serviço de saúde mental, além de contribuições familiares, comunitárias, institucionais, profissionais, sociais e acadêmicas.
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ANEXOS
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UNIV. SÃO MARCOS
ANEXO I Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Curso de Arteterapia
Decreto n. 93.933, de 14/01/87; Resolução CNS-196/96, do Conselho Nacional de Saúde – Brasília/DF; Resolução CFP016/2000. Nome do participante:____________________________________________________ Endereço:______________________________________________________________ Telefone:_______________________________________________________________
Esclarecimentos: 1.
O objetivo da pesquisa é: como os pacientes de um determinado Centro de Atenção Psicossocial (CAPS)Adulto, do município de São Paulo, S.P., Brasil, vivenciam as oficinas de arteterapia, através das técnicas expressivas, aplicadas no grupo de vivências terapêuticas e expressivas.
2.
Os procedimentos a serem adotados são: Entrevistas com os pacientes das oficinas e profissionais deste CAPS, observações, intervenção junto aos pacientes durante as oficinas, análise dos dados coletados e interpretação dos mesmos.
3.
A duração da pesquisa é de aproximadamente cinco meses.
4.
O participante não sofrerá qualquer risco durante a pesquisa.
5.
Todas as informações requeridas, bem como dúvidas surgidas, serão imediatamente prestadas ao participante pelo aluno-pesquisador.
6.
Ao participante é facultada a possibilidade de interrupção da sua participação a qualquer momento, sem nenhum prejuízo para ele.
7.
O aluno-pesquisador compromete-se a divulgar ao participante todos os resultados obtidos ao final do trabalho.
8.
Nome, endereço e telefone do participante serão mantidos em absoluto sigilo, bem como qualquer outro dado que possibilite sua identificação.
9.
Todas as despesas de ressarcimento decorrentes da participação do participante da pesquisa são de total responsabilidade do aluno-pesquisador.
10. Este estudo será desenvolvido nas dependências deste CAPS, com sua autorização anexada no projeto. 11. Esses dados poderão ser exclusivamente utilizados na elaboração de textos para publicação, gravação e exibição em fita para fins acadêmicos, assim como a imagem das produções dos pacientes. Depois de lidos os onze itens de esclarecimento acima, eu, ________________________________, portador do RG ______________, declaro-me ciente e de pleno acordo em participar voluntariamente do estudo, sabendo que os resultados obtidos farão parte do trabalho de Conclusão de Curso de Pós-Graduação Lato-Sensu (Especialização) em Arteterapia da Universidade São Marcos, sob a supervisão do professor orientador___________________, tendo assinado o presente termo em duas vias de igual teor, das quais recebi uma cópia. São Paulo, _______ de_________2007. Em caso de dúvidas ou maiores esclarecimentos, favor entrar em contato com o aluno-pesquisador pelo e-mail: samuelrbg@yahoo.com.br ou com o Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal da Saúde – CEP/SMS: R. General Jardim, 36 – 2º andar – Vila Buarque – São Paulo – S.P. Tel: (11) 3218-4043.
Participante: _______________________________________. Aluno-Pesquisador: Samuel Rotband Berenstein Grinspun, RG:28.060.107 -4, CRP: 06/80.400. Ass:_____________________. Professor Orientador: Ms.Tatiana Fecchio Gonçalves. Ass:________________________.
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ANEXO II – ALGUNS PRONTUÁRIOS RESUMIDOS DOS PACIENTES QUE PARTICIPARAM DAS OFICINAS DE ARTETERAPIA
1) MARFIM (M.) : Pais: Mãe falecida e pai vivo, morando em Alagoas; Nascido em: 18/11/57 na cidade de São José da Tapera – Alagoas; Prontuário datado de: 13/5/2003, reside na cidade de São Paulo; Mora no mesmo bairro deste CAPS, seus filhos moram em outro bairro na mesma cidade; Tipo de domicílio: Favela, mas tem instalação sanitária e rede pública; Profissão: Ajudante há dois anos; Trabalha atualmente como assadeiro de pães numa padaria, mas também ajuda internamente na padaria em outros serviços.
História e Evolução do Tratamento: 2003 – M. Teve alta ontem do Hospital do X, e veio como encaminhamento para seguimento de tratamento em CAPS, teve um episódio de alucinação auditiva, por ele estar dizendo que uma voz o mataria, por ter saído com uma determinada moça, que ele não saiu, embora quisesse, não voltou a ouvir esta voz, mas ouve uma “zuada” (sic) constante, comparece com a filha Y., é separado e mora na mesma padaria onde trabalha, e está em licença. Registro feito pelo Ambulatório de Saúde Mental (SM) do presente bairro. Diagnóstico definitivo: F 23.1: transtorno psicótico agudo poliformo, com sintomas esquizofrênicos (todos os diagnósticos foram examinados no CID-10, Edusp, décima revisão, vol. 1, São Paulo, 1999). História Clínica: Há 4 semanas iniciou quadro de alucinações auditivas e pensamento de conteúdo delirante persecutório, sem história de uso de drogas, com remissão do quadro. Evolução/Melhora do Quadro: Sugerimos acompanhamento em CAPS ou HD (Hospital Dia), após a alta. Tratamento: Haldol 5 mg, e Cloridrato de Biperideno (Akineton) 2 mg e Fluoxetina.
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Tratamento Intensivo, HD. 02/2007: Medicação: Haldol e C. de Biperideno = Akineton e neozine = antipsicótico sedativo; 16/5/2003: Começou ouvindo vozes dizendo que iam matá-lo, foi internado no mesmo HD, tendo recebido alta recentemente, o patrão o acompanhou na internação e ia visitá-lo, quando internado no HD, trabalha aproximadamente há 8 anos nesta padaria, atualmente nega alucinações auditivas, mas refere insônia. Constelação Familiar: Tem 10 irmão, sendo o caçula, tendo somente um irmão apenas em SP, que vem lhe dar algumas continências, foi casado, tem 2 filhos, um de 21 e outra de 22 anos, filha já casada, com 2 netos. Dados: Admitido em regime intensivo, por ser o primeiro surto, tem pouca continência, pouca continência (participação em seu tratamento) da família, está sendo tentado envolver a família para aderir ao tratamento. 21/5/2003 – L. infere melhora do quadro das alucinações auditivas que diminuíram, melhora do desânimo, tem cuidado de suas coisas, gostaria de voltar a trabalhar; 24/6/2003 – diz estar se sentindo bem, diz estar esperando perícia; 4/7/2003 – desejo de trabalhar (voltar à), vem só semanalmente. Em 2003 – quadro psicótico em fase de melhora. Fim do prontuário SUS.
Ficha de sua evolução no CAPS: 19/9/2006 – freqüenta grupo verbal, no fim de semana não saiu, ficou em casa, tem assado pão, domingo acorda 4:30 da manhã. Assinado pela: Psicóloga M. e L.: assistente social; 26/9/2006 – Grupo Verbal, L. como sempre fala de suas andanças e visitas à casa de seu irmão e filhos, conta que seu filho comprou um carro novo, não é fácil seu contato com os filhos, quando se separou, o filho tinha 3 anos e a filha 5, e perdeu o contato com eles, ajudava financeiramente, bebia demais, foi rever a filha há uns 4 anos, quando foi internado não os via há mais de 20 anos, ou seja foi pouquíssimo o contato com seus filhos e o convívio também; 3/10/2006 – Foram ao CECCO ver o curso de experiências artísticas, que L. participou. Fala de seu trabalho na padaria. Está no grupo verbal. Vai visitar seu irmão e falou
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no grupo da Copa da Inclusão - onde viu o filho de longe, falou com gosto do filho e dos netos, parou um pouco de trabalhar, pois eles enrolam para pagar (sic); Limita-se a fazer um relato de seu cotidiano. O irmão é solteiro, conversa com a exesposa, são da mesma cidade e se dão bem, ela é casada. Diz trabalhar bastante, pois é bom para não pensar besteira (sic), sentiu angústia, queria quebrar tudo na padaria, saiu e foi visitar o irmão. 8/1/2007 - CAPS – Regime não-intensivo com cuidados intensivos (Semi-intensivo).
2) TOPÁZIO (T.):
Nasceu em 1/9/1967; Registro do ambulatório do mesmo bairro de seu CAPS de referência: 8/1/87; Residência: reside na região do CAPS, em outro bairro; Aplicado Teste de Rorschar: 14/12/90, Análise Qualitativa: Não apresenta segregação do pensamento, há coerência, seqüência lógica no pensamento, apesar de haver respostas com tendências confabulatórias, não chegam a depor contra a integridade do mesmo, esta tendência à confabulação contribuem para que o investimento de sua capacidade intelectual se perca em divagações e abstrações tais que não chegam a resultados práticos, característicos de um estado próximo de alienação que preenche suas necessidades afetivas, a variabilidade de conteúdos explorados, mostra uma flexibilidade de visualização das diferentes áreas do conhecimento... Hipótese Diagnóstica: F 32.3 = Episódio depressivo grave com sintomas psicóticos. Idade: 39 anos Trouxe seu cd, que gravou para mim, com sua apresentação na t.v. cultura. Estado civil: solteiro.
3) OURO (O.): Prontuário datado de 23/09/03, natural de Curvelo, MG, nascido em: 8/3/66; Mora no mesmo bairro do CAPS, tem mãe viva;
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11/8/03 – Triagem realizada em; Pronto-Atendimento: 29/8/03 (PA); Encaminhado pelo ambulatório de SM X; Motivo da Queixa: História de esquizofrenia há muitos anos e nunca foi internado; Relata que pessoas lhe querem fazer mal. Medicação: Olanzanpina, usado para esquizofrenia resistente; Hipóste Diagnóstica: F. 20.0 = Esquizofrenia paranóide; Regime: Não-Intensivo; Idade: 41 anos; Foi tratado com: haloperidol e sem sucesso, havendo melhora na sintomatologia, como as alucinações auditivas. Motivo do encaminhamento: Delírios Persecutórios auto-referentes, e fala de sua vontade de suicídio. História e Evolução do Tratamento:
Trabalhava á noite em empresa de segurança. Procurou em julho de 2000, atendimento na psiquiatria de uma Unidade Básica de Saúde (UBS), através da ajuda de sua noiva, pois não conseguia nem sentar, nem andar, queixando-se de dores na coluna. Fez tratamento para a dor. Tem filho pequeno de seis anos e outro de 16 anos. Ficava irritado com choro do filho menor, quando este era bebê, vê monstros e tem muitas alucinações e delírios. Seu casamento está muito difícil de ser mantido. Participa do Grupo Verbal, embora fale muito pouco. Sente muita angústia, sua esposa freqüenta o grupo de família. É seu segundo casamento, teve crise pior com a primeira esposa, e relata que bebia e batia nela, com quem teve este filho de 16 anos, e faz uns cinco anos que não o vê, tem medo de revê-lo, acha que não vai reconhecê-lo como pai. Últimos registros consultados: janeiro 2007. Estado Civil Atual: Casado.
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4) ESMERALDA (E.):
Triagem em Pronto Atendimento (P.A.) em 3-1-2006 Nasceu em 25/3/82 em Canarana – Bahia; Encaminhada para o Pronto Socorro do mesmo bairro deste CAPS; Idade: 25 anos; Acho que iniciou seu tratamento neste CAPS em 5-9-2006; Hipótese Diagnóstica: F.32.3 = Episódio depressivo grave com sintomas psicóticos: É seu segundo casamento.
Relato de E. (prontuário):
Começou a freqüentar uma igreja evangélica, mas quando viu o bispo da igreja comprando um ingresso para o cinema pornô, onde trabalhava no centro de São Paulo, na bilheteria, se desapontou com a nova religião, e com os evangélicos. Está tendo problemas com o marido, pois desconfia que ele é garoto de programa. Ele tem querido (desejado) fazer somente sexo anal com ela, e isto a tem incomodado muito, fazendo-a sofrer pensando que ele é homossexual.
5) TURMALINA (T.):
Triagem feita em 1-8-2006; Nasceu em 26-2-1972 na cidade de São Paulo, pai responsável por ela, com pai e mãe vivos; Reside num bairro próximo ao CAPS; Encaminhada pela U.B.S. (Unidade Básica de Saúde) do bairro X; Hipótese Diagnóstica: F 20.0. = Esquizofrenia paranóide. Idade: 35 anos, solteira.
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6) JADE (J.):
Triagem em 27-11-2003 e P.A. em 12-11-2003 Pront. n. 1325; Responsável: acho que seu pai; tem pai e mãe vivos; Hipótese Diagnóstica: F 31.1 = Transtorno afetivo bipolar, episódio atual maníaco sem sintomas psicóticos. Idade: 26 anos, solteiro.
7) DIAMANTE (D.):
Ficha de Identificação do paciente datada de: 24/3/2003; Pais vivos; Natural da cidade de São Paulo, nascido em 26/7/1979; Reside num bairro próximo ao CAPS; Medicação: Diazepam e Fluoxetina, encaminhado pelo H.D. (Hospital Dia). Hipótese Diagnóstica: F 32.3 = Episódio depressivo grave com sintomas psicóticos. Idade: 27 anos, solteiro. Regime intensivo.
8) SAFIRA (S.): Pronto Atendimento em 01/07/2006, natural da cidade de Lagoa Dourada – M.G., mora na cidade de São Paulo, num bairro próximo ao CAPS; responsável: acho que o pai adotivo,
encaminhada
pela
Casa
de
Saúde
-
Atenção
Psiquiátrica
Intra-
hospitalar/Extrahospitalar, nascida em 01/07/2006, Hipótese Diagnóstica: F 33.3 = Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave com sintomas psicóticos. Toma Haldol 5mg e Sertralina (Zoloft) 50mg/dia e Cloxazepam 2mg/dia. Sua família também é atendida, e ela faz atendimento psicológico. Tem licença. Visita: sim. Faz uso da T.O.
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Idade: 32 anos; Nascida em 14/09/1974, viúva do segundo esposo, e separada de seu primeiro marido. Tem duas filhas do primeiro casamento, seus pais adotivos estão vivos e pais naturais falecidos.
História e evolução do tratamento:
Teve uma quarta tentativa de suicídio, tomando chumbinho de rato, foi atendida no PS (Pronto Socorro) de seu CAPS, onde permaneceu três dias, sendo internada em uma Casa de Saúde (Atenção Psiquiátrica Intra- hospitalar/Extrahospitalar) em 15-5-2006, saindo em 30-62006, primeira tentativa de suicídio há dez anos, internada na psiquiatria do H.C. por um mês, tem duas filhas, uma de 13 e outra de cinco. Uma mora com avó, e a outra com o tio, foi adotada com oito anos de idade, viveu na rua com seus irmãos em Minas Gerais até os oito anos, pedindo esmola, fez tratamento na psicologia da USP, psicoterapia por nove anos, e estudou até a segunda série do ginásio do ensino médio, fez curso de cabeleireiro, sendo excelente profissional. Paciente intensivo com almoço todos os dias no CAPS. Viveu infância difícil até os oito anos, os genitores bebiam muito, tanto ela, quanto os irmãos, viveram praticamente na rua - numa pequena cidade de Minas Gerais, e viviam pedindo esmola na cidade. Com oito anos a sra. L., a quem chama de tia, a adotou, trazendo-na para São Paulo. L. refere que S. teve dificuldade em acompanhar a escola e que S. fez psicoterapia na USP durante um bom tempo. S. relata assassinato do marido, há quatro anos, em sua própria casa, marido era traficante. Nega uso de drogas e álcool, tem duas filhas, sendo que a mais velha, atualmente mora com ela e a tia, e a filha menor mora com o tio, irmão do pai. S. está melhor, menos desanimada, refere a respeito de seus pensamentos e vozes ruins. As vozes dizem: “Você tem que morrer”! (sic). As vozes perderam intensidade, mas S. sente muita tristeza quando está sozinha. Tem-se tentado fazer com que S. se insira numa rede social mais ampliada, no início estava em tratamento intensivo. Foi à festa de samba de Bumbo no CAPS X, com alguns pacientes. Houve atendimento familiar com a tia, e foi retomado o contrato terapêutico. Foi feito atendimento familiar mensal, e iniciou terapia comunitária. Sua tia refere dificuldade em convencer a filha de S., em colaborar com algumas tarefas domésticas, que quando faz, faz mal feito. Mãe e filha estão dormindo num quarto nos fundos da casa. S. refere aumento do apetite, e pediu esclarecimento dos medicamentos que toma, bem como seus efeitos. Foi lhe sugerido que freqüentasse algum curso de seu interesse, e um Centro de
179
Convivência e Desenvolvimento Humano, destinado ao atendimento de pessoas maiores de 14 anos e à comunidade, onde a convivência e o desenvolvimento se dão por meio de cursos de iniciação profissional, oficinas culturais e atividades na UEA (Unidade de Esporte Adaptado), onde os pacientes podem desenvolver sua criatividade e habilidades. O principal estímulo é justamente, o convívio em grupo, estando presentes em maior número, àquelas pessoas excluídas dos espaços por barreiras e discriminações. Constitui-se num centro de convivência voltado, prioritariamente, às pessoas portadoras de deficiência, a partir de 14 anos de idade. Refere queimação no estômago, e que não está enxergando bem, sendo lhe agendado um gastro e oftalmo. Em agosto refere não ouvir mais vozes e estar melhor, embora persistam pensamentos ruins: de desvalor, baixa auto-estima, tem medo de dormir sozinha, deixa a t.v. ligada durante a noite toda, e está ainda vivendo num cômodo atrás da casa da tia, sua filha de 13 anos, dorme e vive na casa da frente da tia. Refere muita sede e foi agendado clínico-geral... Últimos atendimentos consultados: 10/01/2007.
9) Prata (P.): Nascida na cidade de Itambacuri – M.G., em 08/04/1976, resposável: os pais, mora na cidade de São Paulo, num bairro próximo ao CAPS, Hipótese Diagnóstica feita em 17/10/2006, toma haldol e talvez outros medicamentos, encaminhada pelo P.S. (Pronto Socorro do mesmo bairro), Hipótese Diagnóstica: F 29 = Psicose não-orgânica não especificada ou F 32.3 = Episódio depressivo grave com sintomas psicóticos, ou F 20.0 = Esquizofrenia paranóide ou Transtorno psicótico crônico – Diagnóstico em discussão com a equipe do CAPS. Idade: 31 anos. Regime intensivo, separada, com filhas.
10) Pérola (Pe.): Encaminhada pelo Hospital Municipal X, internada em 07/10/2006 no P.S., com confusão mental. Tem 65 anos, natural de uma cidade da Bahia, tem dois filhos e três filhas, mora na cidade de São Paulo, num bairro próximo ao CAPS, com Hipótese Diagnóstica: F
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20.9 = Esquizofrenia não especificada com quadro de demência vascular, ou F 29 = Psicose não-orgânica não especificada, está sendo submetida a vários exames, com suspeita de um quadro de demência.
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ANEXO III - QUESTIONÁRIO DA ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA 1- Dados sobre a história de vida dos pacientes: 1- Qual é o seu nome? 2- Conte um pouco sobre sua infância e a história da sua vida. 3- Como você chegou até o CAPS? 4- Você estudou até que série? 5- Você estudou em alguma faculdade ou curso técnico? 6- Qual é a sua profissão? 7- Conte-me um pouco sobre sua família. 8- Você gosta com o que você trabalha? 9- Conte-me um sonho teu? 10- O que você tem vontade de fazer que ainda não fez, um desejo que gostaria de realizar?
2 - Vivências Terapêuticas nas oficinas de Arteterapia e as oficinas do CAPS: 10.1 - Por que você escolheu a oficina de Arteterapia? 10.2 - Como foi para você vivenciar as atividades de Arteterapia? 11- Quais atividades e materiais você mais gostou de trabalhar e por quê? 12- O que você sentia quando produzia algo nas oficinas? 13- No que você pensava quando produzia? 14- Do que você mais gostou e do que você menos gostou nas oficinas? 15- O que você achou do grupo? Se você fosse escolher uma produção elaborada por um colega seu do grupo, qual você escolheria e por quê? 16- Qual produção do grupo você menos gostou e por quê? 17- Se você tivesse que escolher uma produção tua elaborada aqui, qual você mais gostou e menos gostou. Diga os motivos das escolhas. 18- No que as atividades puderam contribuir para a sua vida? 19- Como você se sentiu estando aqui? 20- Você gostaria de continuar as atividades no próximo semestre? 21- Você participa de outras oficinas no CAPS? Quais? Qual você mais gosta e por quê? 22- Conte-me um pouco sobre suas produções realizadas aqui. 23- O que você implementaria nas atividades?
3 - Como se estabelece à relação arte e vida para os pacientes: 24- Tem algum artista e obra que você mais gosta, qual, e por quê? 25- Você já visitou alguma exposição, quando e onde foi? O que te chamou mais atenção lá? 26- O que você faz no seu tempo livre? 27- Você tem algum hobby? 28- Você ou sua família tocam algum instrumento musical ou tocava?
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29- Você gosta de música e dança, qual e que tipo? 30- Você canta? Que musica e tipo estilo musical mais gosta? 31- Você já desenhou, pintou, modelou ou esculpiu algo? Como foi? 32- Você gosta de teatro, cinema e televisão? 33- O que é arte para você? 34- Quais são as cores das quais mais gosta? 35- Você tem vontade de visitar algum museu? Qual?
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ANEXO VI – ENTREVISTA COM OURO
184
Fig.- 75 - OURO
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Tormenta Ainda que ande Minha memória Ainda que ande Meu sangue nas veias Sou carne, sou ossos Do cortejo que me aplaude Minha história sem glória Em meus versos alarde Ainda que arde a lareira De uma pálida cor desbotante Reflete a agonia da alma Em meu, nunca meu, o semblante Sou ossos esquecidos na campa Onde o vento apaga as velas Onde a morte brindou a vida Onde todas existências “selas” Lanço minha alma em nirvana Onde sofrer não há tanto Não derramarei mais lágrima Não deitarei mais no pranto. Homenagem a minha avó Tenho muitas saudades de minha avó. Ela se chamava Maria Amélia e era muito compreensiva comigo. Quando criança eu ouvia vozes e via coisas estranhas, sentia muito medo e ela fazia chá de erva cidreira para mim e eu dormia em seu colo. Agora sei que ela está no céu. Tenho muitas saudades dela.
Autor: Ouro. Jornal da Comunidade – “Caps em Notícias”, Ano IV - Edição 19 – último quadrimestre de 2006.
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ENTREVISTA COM OURO
Hipótese Diagnóstica: F. 20.0 = Esquizofrenia paranóide.
-
Meu nome é Ouro, meu pai é G. e minha mãe é N., nasci em 1964, acho que
tenho 41 anos... -
Você é Casado?
-
Moro com uma mulher, a segunda mulher. Nós não me damos muito bem.
-
Em relação às oficinas, como foi para você estar no grupo, fazer as
atividades arteterapêuticas? -
Para mim foi muito bom, muito bom. Você, a G.(terapeuta ocupacional), a
F.(estagiária de terapia ocupacional), vocês dão toda a atenção, deixam a gente à vontade, ensina direitinho... para mim foi muito bom, porque tem coisa que a gente não consegue falar e pintar, desenhar, desabafa também, porque quando tem uma coisa ruim dentro da gente, uma angústia, e pintando, desenhando, isso ajuda muito, eu me sinto bem. -
O que fica dentro de você?
-
Angústia, prisão da angústia, está ruim para sair para fora, e as coisas
ruins saem da cabeça, alivia um pouco, é bom... Ajuda muito. -
O que você pensa de coisas ruins?
-
Ás vezes, que eu estou ouvindo vozes, angústia, muita coisa, cada época,
uma coisa, às vezes, elas falam para eu me matar, fala que a minha vida não tem sentido, que eu deveria acabar com tudo para eu viver melhor do outro lado, e às vezes, eu fico meio angustiado. -
Como você faz par lidar com isso?
-
Eu estou tomando remédio estou participando dos grupos, destas oficinas
de arte, isso ajuda muito, eu me sinto bem, à vontade, eu sinto me sinto importante. -
Valorizado?
-
É.
-
Você lembra que todos elogiavam as suas produções e te chamavam de artista?
-
É (risos), a artista, né? (risos). É bom. É bom, né?!
-
Você já fez algum curso de arte?
187
-
Não, é a primeira vez.
-
Você estudou até que série?
-
Até o segundo grau.
-
Você trabalha atualmente com alguma coisa?
-
Não. Eu já trabalhei, um pouquinho com cada coisa.
-
No que?
-
Roça, fazenda, garimpeiro, segurança...
-
Quando você começou a ouvir essas vozes?
-
Desde criança que eu tenho, desde os oito anos que eu ouço vozes, vejo as
coisas, via coisas estranhas... e eu me sinto bem, me sinto importante, porque tem gente que se preocupa comigo, me dá remédio, me ajuda, na minha infância não tinha isso, se eu falasse o que eu passava, eu apanhava. A família era cristã e falava que era eu que estava com o capeta! Aí eu apanhava ainda. Eu passei seis anos sem dormir uma noite! Foi terrível para mim! E apanhava ainda porque dormia na escola! -
Algum lugar você tinha que dormir, senão você não agüentaria, não é?!
-
É!...
-
Eu dormia na escola e apanhava quando chegava em casa, que eu lembro, eu
tinha uns oito anos, quando começou tudo, eu via as coisas, eu ouvia as coisas, eu via cada coisa estranha! Ás vezes as coisas normais tomavam forma estranha, o travesseiro virava cabeça de boi, a parede começava a oscilar, a se mexer, e eu via muita coisa estranha... -
E como você lidava com isto?
-
Tinha que agüentar...! Que sufocar...! Eu falava para minha mãe sobre
estas coisas, mas eu não podia falar, porque eu apanhava, ela falava que eu estava com o demônio e falava para o pastor orar na minha cabeça, depois batia em mim, exorcizava eu... aí foi assim que começou, depois teve um período que amenizava, depois voltava com força total, aí depois eu comecei a beber, começou a melhorar, mas eu bebi muito, mas piorou, ficou é pior, eu sofri muito! Eu pensava que era normal essas coisas, pensava que todo mundo tinha essas coisas, porque nunca ninguém falou para mim nem nada, não me levou para me tratar, agora me sinto bem, me sinto importante, porque tem gente que se preocupa comigo e eu faço arte, tem grupo... às vezes, a gente vai no CECCO, tem muitas coisas boas. -
O que é arte para você?
-
Pintar, desenhar...
-
E no CECCO, o que vocês faziam?
188
-
Assistíamos música de dança, dança, depois desenhamos, assistimos filmes...
-
Do que você mais gosta na arte?
-
Eu acho tudo bom.
-
Você gosta de cantar?
-
Não, não gosto.
-
Música, gosta?
-
Gosto de ouvir, mas não música cantada, gosto de música clássica,
instrumental, não gosto quando tem voz nenhuma. -
Que instrumento musical você mais gosta?
-
De ouvir música do piano.
-
Como se sente quando ouve piano?
-
Uma angústia saindo, entrando um pouco de paz, um pouco de tristeza,
um pouco de alegria, um pouco de tudo e o piano é a coisa mais linda que eu já ouvi e eu tenho um disco do Richard Clayderman, você conhece? -
Conheço! Eu toco piano e algumas músicas dele, são maravilhosas...
-
Qual das músicas dele você mais gosta?
-
Ele toca música brasileira e de todos os países, mas as que eu mais gosto são as
dele mesmo, todas elas eu gosto. -
Você pensa em algo quando ouve?
-
Eu prefiro não pensar muito não, prefiro ouvir e ficar com os olhos
fechados e pensar que também tem coisas boas para a gente ouvir e sentir, a gente sente coisas ruins, mas sente coisas boas também. Eu sei que existem coisas ruins, mas eu tenho que ouvir coisas boas e a música me deixa mais calmo, mais tranqüilo, eu gosto de ouvir, mas não muito porque senão a cabeça começa a ficar sem respirar, começa a não respirar a cabeça... eu tenho que ouvir, mas num certo tom num certo tempo, uns 20 à 30 minutos, mais do que isso minha cabeça já começa a... não agüenta mais. -
O que você sente quando você pinta?
-
Eu sinto bem, muito bem mesmo, é gostoso pintar, é bom mesmo, mas se for
para fazer sozinho eu não faço, nem na minha casa. No grupo eu gosto, porque tem as pessoas para instruir a gente e ajudar, para ajudar, para ensinar, então aí eu me sinto bem, eu consigo fazer e me sinto muito bem. -
Você gostaria de fazer sozinho?
-
Eu não teria nem vontade, nem prazer em fazer sozinho, eu posso molhar
o papel de tinta, mas não consigo fazer. Consigo fazer só em grupo porque tem pessoas
189
para me dar força, porque sozinho eu não consigo fazer. Qualquer coisa que eu vá fazer tem que ter gente me ajudando, me empurrando, ou junto comigo, porque assim eu tenho mais força aí eu sei que não estou sozinho, né?! Porque senão não faz não. -
Você canta?
-
Eu não gosto de cantar não! A única música cantada que eu acho legal é o
Pavarotti. -
Então você gosta de música erudita e tenores?
-
É, eu gosto para ouvir de vez em quando, não que eu goste para ter a música
deles, eu acho bonito. -
Só o Pavarotti, ou outros também?
-
Outros também, eu acho bonito.
-
O que você sente quando os ouve?
-
Eu queria fazer igual, eu gostaria de ter esta força para poder sair as
coisas ruins de dentro da gente. -
O que você chama de coisas ruins?
-
Essas vozes na cabeça, no corpo...
-
Como é isso?
-
O corpo ruim, aquela vontade de morrer... angústia, aquela coisa ruim que
fica na cabeça, desespero, agonia, sentimento ruim. Eu acho que se eu tivesse tido compreensão ao longo da minha vida, desde criança, hoje eu seria... eu poderia acreditar que existe felicidade, né?! Se eu tivesse sido compreendido, eu não fui compreendido, hoje as pessoas aqui do CAPS me dão todo o apoio, no que eu precisar... então eu deposito toda a confiança e tudo eu deposito aqui, e isto envolve tudo, desde a comida, a arte, o grupo, tudo, tudo que eu faço. -
Você tem algum sonho, ou desejo que gostaria de realizar?
-
Na minha infância eu tinha... eu queria ser da aeronáutica... (Ele começou a
chorar então lhe disse que isto é normal, para ele se sentir à vontade, que poderia chorar, que é bom e faz bem às vezes). -
Mas depois eu fui vendo que isso não era para mim, era só um sonho que eu
-
Hoje em dia você tem algum sonho?
-
Não, eu não acho que há felicidade... eu tento fazer as coisas, vir aqui, de
tive.
ficar aqui, mas eu não sinto assim não... eu também já estou acabado, mas eu quero viver, mas é difícil, difícil por causa das coisas que acontecem... o mundo é muito difícil,
190
o mundo para mim é muito pesado, as coisas para mim são muito pesadas, eu vou levando, suportando porque estou tendo apoio, aí eu estou levando, tendo apoio e compreensão, mas... -
Na sua família havia alguém que fazia algo relacionado a arte?
-
Não.
-
Você conheceu seus avós?
-
Eu conheci minha avó M.A., até hoje eu não esqueço dela, eu escrevi sobre
ela no jornalzinho, fiz uma poesia também, saiu no jornal (do CAPS), o nome (título) é “Tormenta”, veio na cabeça na hora, eu estava um pouco angustiado e na hora eu fiz. -
O que você lembra dela?
-
Ela me ajudava... Quando minha mãe me perseguia, minha mãe me
perseguia muito, me batia, minha mãe não gostava de mim, e ela (sua avó) me acudia, às vezes eu chegava em casa e eu estava mal, ela (sua avó) fazia chá de erva cidreira, fazia mingau e eu tomava e deitava no colo dela e dormia, aí ela foi a pessoa mais importante para mim, eu tinha uns oito, nove anos, isso quando eu morava na cidade. -
Você é de Minas Gerais?
-
Sou. Eu não morei na roça, eu trabalhei mais tarde na roça, quando eu saí de
casa, aí eu fui trabalhar na fazenda. -
E o teu pai?
-
Ele faleceu, a gente não tinha muito contato porque ele viajava muito e
trabalhava fora com trator, fazia estradas... -
Sua mãe trabalhava?
-
Não, ela só ficava em casa.
-
Ela vive?
-
Vive.
-
E como é a relação atualmente com ela.
-
Eu não tenho muita relação com ela não, ela não gosta de mim.
-
Quais são os outros grupos/oficinas que você freqüenta?
-
Da psicóloga M e da L. (assistente-social) (Terapia de Grupo), na terça-feira, a
gente faz nesta sala mesmo, é grupo, a gente fala o que a gente sentiu, o que a gente passou, como está a vida, tudo! E tem na segunda-feira que é o grupo de reencontro (do final de semana). -
Qual é o grupo/oficina que você mais gosta?
191
-
Do grupo de terapia em grupo e... do grupo da (psicóloga) M. e da L., de terça.
Eu participo às vezes, de outros grupos também, como o da G. – terapeuta-ocupacional. -
Quais são as cores que você mais gosta?
-
Depende para o que, varia, para camisa eu gosto de uma cor, parede eu acho
bonito outra cor. Na camisa eu gosto de azul, na parede o verde é bonito. -
Que cores você não gosta?
-
Roxa, porque eu via mito caixão roxo, eu já vi uma pessoa morrendo na
minha casa: uma senhora que morava na roça e foi ganhar neném na cidade e ela não tinha onde ficar e ficou lá em casa e minha mãe ficou cuidando dela e ela morreu lá, eu a vi morrendo, ela morreu depois que ela teve a criança e recebeu alta. -
O que você achou do grupo de Arteterapia?
-
Achei bom, gostei muito.
-
Vamos ver os trabalhos de vocês aqui expostos. O que você fez nesta
atividade da cartolina rosa (da “Natureza”)? -
Eu colei estas flores aqui, fiz os passarinhos, o sol.
-
O que representa para você estas imagens?
-
A paz.
-
Do que você mais gostou?
-
Gostei de tudo, ficou tudo muito bonito.
-
E nesta primeira cartolina azul, dos “Nomes”?
-
Eu fiz o pato, o gato e a árvore.
-
Ficou muito bonito. Você usou o verde e o azul, as cores que você disse mais
-
É.
-
O que te faz lembrar estas imagens?
-
Eu acho muito bonito o gato, o pato eu desenhei porque queria colocar um
gostar.
bichinho aqui, para mim não significa nada. -
Você já teve gato?
-
Já, eu acho bonito, ele é bem tranqüilo, não é igual cachorro que fica só latindo
(risos), eu não gosto. -
Qual destes desenhos você escolheria?
-
Nenhum não.
-
E estes dois pássaros que você pintou na outra atividade?
192
-
São duas araras, porque elas estão em paz, protegidas pela mata,
tranqüilas. -
Você participou da atividade do ônibus?
-
Não. (Ele foi à Bienal, mas saiu, pois viu pássaros ameaçadores (alucinação)
quando viu uma obra de arte metade humana, metade pássaro, não agüentou, sentiu-se mal, angustiado e perseguido). -
E nas atividades dos ladrilhos?
-
Eu fiz o caminhão, eu acho bonito.
-
Se você fosse escolher dentre todos estas produções, qual você elegeria?
-
Eu gostei da cartolina amarela.
-
Do que você não gostou, dentre todas as produções?
-
Achei tudo bonito.
-
Você tem vontade de tocar algum instrumento musical?
-
Não, não aprenderia, não entra na minha cabeça, eu já vi partitura, mas não
entendo nada, minha cabeça cansa quando começo a ler muito. -
Você gosta de escrever, né?!
-
É, às vezes eu escrevo, como uma poesia que escrevi sobre minha avó.
-
Tem algum artista ou obra de arte que você mais gosta?
-
Eu vi uma vez o “Pensador” de Rodin.
-
Por que você mais gostou?
-
Porque ninguém o entende, ele está sofrendo com os problemas dele, e ele
está sozinho, e isso é ruim, e eu acho que eu o entendo um pouco. Às vezes, estou em casa e me sinto mal, e eles me dizem aqui, para eu correr para cá quando eu me sentir assim, e eu me sinto melhor. -
Por que se sente melhor aqui?
-
Porque tem mais gente aqui como eu, tem psicóloga que entende a gente, que
não vai me criticar, que não vai rir de mim, tem tudo. A M. (psicóloga) me atende, a I. (psicóloga) vai com a gente no passeio... eu gosto, eu me sinto muito inseguro, mas aqui eu me sinto mais seguro. -
E os passeios que vocês fazem?
-
Nesta semana nós fomos aqui no Shopping da Lapa, semana retrasada, nós
fomos ao prédio do Banespa, aquele alto, os outros eu não me lembro. São bons os passeios. -
E a Bienal, o que você achou?
193
-
Eu não gostei não! Eu me senti mal, começou a me dar angústia, um monte
de coisas ruins e eu saí, aí eu esperei lá fora, mas a G. foi e foram muitas pessoas. Tem lugares que eu não me sinto bem, no shopping aqui em me senti bem, mas, por exemplo, em loja que vende roupa eu não me sinto bem. -
Teve algo na Bienal que você gostou?
-
Não, teve muita coisa que eu não gostei, não gostei da Bienal. Tinha muita
coisa feia lá. Tinha pedaços de gente e coisas assim e umas coisas assim esquisitas... Não gostei não, não tinha nada bonito. -
O que você gosta de fazer em seu tempo livre?
-
Assistir televisão, eu gosto de ver tudo, o que eu mais gosto é o Raul Gil e os
outros programas, só futebol que eu não gosto, mas eu gosto de ver tudo. -
Por que você gosta do Raul Gil?
-
Porque ele é legal, tem os jovens talentos, tem o Caio, ele toca sax (saxofone),
eu gosto de ver ele tocando sax, tem desenho animado – como o “Sábado Animado”. -
Que desenho você mais gosta de ver?
-
O Patolino, o Perna-Longa, do Pato Donald... eu gosto deles porque são legais,
bacanas... -
Como você chegou até aqui no CAPS?
-
Eu estava mal, aí eu passei com o psiquiatra, estava em tratamento psiquiátrico
no Hospital das Clínicas, aí ele me mandou para perto onde eu morava e de lá, me mandaram para cá. -
Você acha que a arte pode ajudar as pessoas?
-
Pode. Porque tira um pouco da angústia, em grupo, um pouco, é legal, é
-
Você acha que a arte pode prejudicar alguém?
-
Não, só que tem que estar bem disposto para fazer, senão não!
-
Você participa do Jornal Mural e da Culinária (atividades do CAPS)?
-
Da culinária já participei e do Jornal Mural eu participo. A culinária eu gostei,
bom.
a gente fez pizza e depois a gente come o que fizemos, às vezes, é outra coisa, como cachorroquente... -
Você acredita em destino e em Deus?
-
Às vezes eu vou para a igreja para o pastor rezar na minha cabeça, às vezes eu
vou... Eu já passei por estes momentos de não acreditar em Deus, quando eu estava bebendo, mas quando eu bebia era pior... porque eu ficava bêbado e via cabeça de gente voando na
194
minha frente, cabeça de gente que eu nunca tinha visto em minha vida, então nestes momentos assim, parece que Deus se afastou de mim. Tem muitas coisas que acontecem no mundo que é difícil de entender, muita coisa ruim, muita perseguição, muita maldade, muita coisa ruim... -
No que as atividades de Arteterapia contribuíram para a sua vida?
-
Sinto-me melhor, da angústia, quando a gente não tem nada para fazer a
gente vai com o grupo, com as pessoas fazendo juntas, cada um faz um pouquinho, aí fica bom, fica legal. -
Já foi para algum teatro, cinema?
-
Vi no CECCO um filme de um ladrão.
-
Você achou que faltou alguma coisa nas atividades de Arteterapia?
-
Não.
-
Gostaria de continuar?
-
Gostaria, mas não direto, de vez em quando.
-
Já visitou algum museu?
-
Já, eu fui com o P. (enfermeiro) e acho que com a I. (psicóloga), faz muito
tempo, não me lembro o nome do museu. -
Tem mais alguma coisa que você gostaria de falar?
-
Não, nada.
-
Você acha que as pessoas daqui do CAPS, por exemplo, em relação às
outras, há alguma diferença nos trabalhos produzidos pelos pacientes? -
Têm sim, às vezes, elas aqui, tem mais sensibilidade, criatividade, força...
-
Você tem filhos?
-
Tenho, tem um que eu não sei quantos anos ele tem, deve ter uns 14 anos, e um
outro de cinco anos. -
Você tem irmãos?
-
Tenho, eles estão distantes... Eu acho que a família é um pouco fria, não
tem muito apego, muita preocupação um com o outro. -
Você gostaria que houvesse esta preocupação e apego contigo?
-
Para mim não importa não. Nunca tive! Só tenho apoio aqui, aqui eles me
entendem. -
Você acha que você melhorou, desde quando chegou aqui?
-
Sim, eu tinha morrido se não tivesse feito tratamento, já estava morto,
porque eu estava bebendo, estava sofrendo muito, ou eu ia me matar! Eu teria me
195
matado, acho. O mundo é cheio de espinhos, mas dá para ir levando aqui. A M. (psicóloga), ajuda muito, a L.(assistente social), me entende, conversa comigo, fala sobre tudo. -
Você tem algum desejo/sonho para o futuro?
-
Não.
-
No CECCO eu também fiz desenhos, uma vez só e foi bom, mas não me
lembro o que desenhei. -
Você já foi internado em algum hospital psiquiátrico?
-
Não.
-
Ouro você está de parabéns pelas produções lindas que você fez, que você se
sinta cada vez melhor, e lhe desejo tudo de bom, muito obrigado.
196
ANEXO V – ENTREVISTA COM ESMERALDA
197
Fig. 76 - ESMERALDA
198
ENTREVISTA COM ESMERALDA
Hipótese Diagnóstica: F 32.3 = Episódio depressivo grave com sintomas psicóticos.
-
Hoje eu não estou muito bem para falar, porque eu estou muito para
baixo, mas tudo bem, meu nome é Esmeralda, tenho 24 anos, sou casada e tenho três filhos. -
Como foi para você participar das oficinas?
-
Para mim foi maravilhoso, minha mente flutuava enquanto
desenhava... Eu ocupava totalmente o meu tempo, para mim foi uma experiência ótima e eu gostaria de continuar... Meus problemas, enquanto eu estou desenhando, não existem para mim, para mim aquele momento é único. -
O que você mais gosta de fazer em relação à arte?
-
Desenhar, pintar, o que vem na hora, na mente, eu faço, o desenho que
vem na mente sai, a cor, tudo é inspirado no momento. -
Como você chegou até aqui no CAPS?
-
Foi encaminhamento de tratamento que eu já vinha fazendo
anteriormente. -
O que você mais gosta de fazer em relação às artes?
-
Eu gosto de dançar bastante.
-
Que tipo de dança mais gosta?
-
Qualquer coisa.
-
Como você se sente quando está dançando?
-
A mesma coisa que desenhar: fugir dos problemas, na hora em que
estou dançando é um momento único, é ocupar a mente. -
Em que você pensa quando está realizando alguma atividade
artística? -
Eu não penso, não vem nada na mente, é como se eu estivesse
flutuando... -
Na sua família tem alguém que faz uso da arte?
199
-
Tenho uma irmã que faz biscuit e ela gosta muito, ela trabalha só com
-
Você chegou a conhecer algum de seus avós, eles faziam uso da arte?
-
Conheci, mas não faziam uso da arte, meu pai canta e meu irmão
isso.
também, meu pai canta gospel e meu irmão forró, meu pai é evangélico, mas meu irmão não é. -
Você tem, ou pratica alguma religião?
-
Eu era evangélica, mas estou afastada.
-
Você já visitou algum teatro, cinema?
-
Eu trabalho com cinema, eu sempre ia a cinemas, teatros, eu gosto
muito, o filme que eu mais gostei foi: “O Núcleo – Viagem ao Centro da Terra”. -
E teatro?
-
Não, hoje é muito difícil eu ir, ia quando era adolescente.
-
Vamos ver as produções de vocês que estão aqui expostas...
-
A primeira atividade que eu fiz, foi quando eu escrevi meu nome
(Cartolina dos Nomes), eu só fiz meu nome, com uma flor, colorido... -
Ficou muito bonito.
-
Eu gostei de fazer o meu nome... Depois foi esta outra atividade
(Cartolina da Natureza), onde eu fiz esta árvore, essas bonequinhas, esses bonecos.. eu gostei muito de fazer esta árvore... -
O que te lembra esta árvore?
-
Lembra-me um lugar tranqüilo, sossegado, que eu gostaria de estar lá, a
Pérola fez os vestidos, e eu fiz o resto. -
Foi um trabalho em equipe, em conjunto!
-
É.
-
É como se eu estivesse nesta paisagem, a natureza, as cachoeiras...
Eu amo, eu amo! -
Na atividade dos ladrilhos, o que você fez?
-
Este palhacinho, misturado com cachorro, eu não sei o que é, eu gostei
muito, achei lindo, se eu pudesse eu levaria para a casa... -
Você pode levar, só me dá mais um tempinho até eu acabar a minha
monografia e você leva, está bem assim? -
Tudo bem.
200
-
E fiz aquele desenho ali, mas não cheguei a terminar, porque não deu
tempo... (desenho e pintura de duas mulheres seminuas de Di Cavalcanti). -
Você também quer levar depois este das mulheres?
-
Não, porque eu copiei de uma revista, e nem sei onde está a revista...,
mas está bom assim, está bonito. Eu acho estas mulheres sensuais, e teve o ônibus também que eu adorei fazer. Nele, eu pintei as folhas da árvore, do outro lado eu também acho que deveriam ter adornos, então pintei as flores, as folhas, eu ajudei a pintar e fiz toda esta tela e fiz a moldura preta como se o ônibus estivesse num cinema. -
Você toca algum instrumento musical?
-
Já tentei várias vezes tocar violão, e não entra na minha cabeça, eu não
consigo, mas tenho muita vontade, mas não consigo aprender, não entram na minha cabeça, as notas... -
Que cores você mais gosta?
-
Eu gosto muito do azul, mas não sei a razão.
-
Tem alguma cor que você não gosta?
-
Marrom porque parece sujo...
-
Cantar, você gosta?
-
Gosto, qualquer música.
-
Como você se sente ao cantar?
-
Livre! Eu não sei o porquê, mais eu me sinto presa por não sair de
casa, eu não quero sair de casa, eu sou presa no meu mundo que eu mesma criei, acho que é por causa das decepções que eu tenho vivido em minha vida... -
No que você acha que a arte pode ajudar, quando as pessoas estão
passando por momentos como os que você tem passado? -
Ela ajuda a ver um outro lado, um lado mais tranqüilo, de paz,
ocupa a mente com outras coisas, dá força... -
O que você a achou das atividades e do grupo?
-
Eu gostei, todo mundo interessado, participante...
-
Você já visitou algum museu?
-
Não, mas eu tenho vontade.
-
O que você achou da Bienal?
-
Eu gostei muito da Bienal, o que eu mais gostei, foi num lugar que
eu entrei que tinha uma mesa, com cadeiras de ponta cabeça, eu gostei muito, porque eu achei diferente. (Pensamos que poderia representar os valores que
201
atualmente estão de ponta-cabeça, como as relações entre as pessoas, a família, a sociedade, as comunidades, a moral... isto foi o que foi discutido na atividade depois da visita à Bienal, com o grupo que foi e com pessoas que não foram à Bienal). -
Teve algo que você não gostou na Bienal?
-
Daquele lado, onde havia pedaços de pessoas, cortadas, aquelas coisas
nojentas, sangrentas... não gostei do lado violento. -
Tem algum sonho que gostaria de realizar?
-
Gostaria de ter uma vida mais tranqüila, sem muitas responsabilidades
em cima de mim, as contas, dificuldade para se manter... gostaria de estar bem financeiramente! -
Você tem filhos?
-
Três, dois homens e uma mulher, eles têm: um, seis e oito anos.
-
O que é arte para você?
-
É um mundo diferente, que cada um tem dentro de si, que põe para
fora quando está pintando, desenhando ou cantando. -
Tem alguma obra de arte que você mais gosta ou artista?
-
Não.
-
Se você fosse escolher uma das produções aqui, qual você escolheria?
-
Eu gostei muito da pintura do Ouro, a pintura das araras. Este ficou
totalmente natureza e a que eu não gostei foi aquele desenho da tinta marrom espalhada. -
Há algo que você implementaria nas atividades de Arteterapia?
-
Não.
-
Você já havia feito algo antes com atividades plásticas ou modelagem?
-
Não, mas tenho vontade de fazer algum curso de artes, desenho, de
entender mais de artes porque eu gosto, é bonito, é diferente. -
O que você faz em seu tempo livre?
-
Eu leio livro, ou vejo televisão, eu gosto de ler.
-
Você acha que pessoas como você, que passaram por situações
difíceis de vida, produzem trabalhos artísticos diferentes das demais pessoas? -
Acho que sim, porque elas expressam todos os sentimentos, acho
que põem para fora tudo aquilo que sentem. -
Você gostaria de continuar as atividades de Arteterapia?
202
-
Gostaria.
-
Tem algum sonho/desejo que gostaria de realizar?
-
Conhecer outro país: França, Itália, Roma, ou qualquer outro.
-
Se você tivesse que escolher ser um bicho, qual você seria?
-
Ah! (risos), uma borboleta, porque ela é linda, colorida e voa...
-
Teve algo ou alguma coisa de que você não gostou nas atividades de
Arteterapia? -
Não. Eu sempre gostei das atividades...
-
No que as oficinas arteterapêuticas puderam ter contribuído a sua
-
Tirou-me mais do meu mundo preso e me ajudou a me abrir para
vida?
outro mundo, coloquei para fora o que eu estou sentindo, sem estar falando para outra pessoa, eu mesma coloquei no papel, sem usar palavras, eu saí um pouco desse mundo fechado e me abri para outro, de imaginação. -
Esmeralda, muito obrigado, você elaborou lindas produções, está de
parabéns, lhe desejo tudo de bom. -
Obrigado você.
203
ANEXO VI – ENTREVISTA COM PRATA
204
Fig. 77 - PRATA
205
ENTREVISTA COM PRATA
Hipótese Diagnóstica: F 29 = Psicose não-orgânica não especificada ou F 32.3 = Episódio depressivo grave com sintomas psicóticos, ou F 20.0 = Esquizofrenia paranóide ou Transtorno psicótico crônico – em discussão com a equipe do CAPS.
Veio à entrevista com uma roupa muito bonita, toda arrumada, maquiada, cheia de brilho de maquiagem no rosto (exageradamente), com brincos chamativos, e uma roupa toda colorida. Veio trazida por uma de suas irmãs, Prata não estava tão bem arrumada quando veio para a oficina de Arteterapia, embora tenha participado de somente uma.
-
Prata, você queria me contar uma coisa.
-
É porque eu não sou daqui, eu tenho dificuldade em poder sair, porque
eu não sei andar sozinha, dependo dos outros e cheguei aqui passando muito mal e onde eu moro tinha um posto (de saúde), mas trouxeram-me aqui para o CAPS, de tão ruim que eu estava, eu tinha um negócio ruim por dentro que eu não conseguia ficar sentada, agora eu estou bem. Eu falei com a Dra. M. (médica) que eu não queria vir aqui no CAPS. -
Por que?
-
Porque eu não sei interpretar (responder as perguntas que são feitas a
ela) e me sinto mal com isto e nos grupos e oficinas todos participam e respondem e eu não sei saber o que dizer, o que eu faço, para mim isto é difícil. -
Mas você pode falar e participar somente quando você quiser, aqui as
coisas não são rígidas, obrigatórias... -
Mas ela (profissional de saúde do CAPS - oficineiro) força eu falar e
participar no grupo. -
Se eu soubesse, eu falava, mas eu não sei... o difícil é saber...
-
Eu vou te fazer umas perguntas, mas se você não souber, não tem
problema também e se não quiser ou não puder falar, tudo bem também, sinta-se livre e à vontade. -
Tudo bem.
206
-
Você fez uma flor e dois trabalhos em azulejo (recorte de revista, onde
pintou em cima dos sorrisos nas bocas de mãe e filha, com cola brilhante vermelha) colada num ladrilho e outro ladrilho pintado e adornado. -
Como você se sentiu participando da oficina de Arteterapia?
-
Quando eu cheguei aqui eu não conseguia ficar de pé e eu ficava só
deitada no colchão que tem lá embaixo (na sala de t.v.), eu ficava assim. Eu tomava uns medicamentos, e às vezes, não podia trocar, e eu tinha que renovar as consultas e não tinha condições. Mas eu gostei de fazer as coisas que fiz na oficina, gostei daqui, gostei da doutora, Deus ajudou que ela é especialista e controlou o remédio, porque passaram dois ou três medicamentos que eu não podia tomar. -
O que você pensa quando está fazendo arte?
-
Eu acho bonito porque as pessoas lindas, quando a gente acha uma
coisa bonita, a gente pega e guarda, a educação... Eu acho que as pessoas aqui têm muita educação para conversar com uma pessoa tipo como eu, foi isso que eu pensei, a médica, a enfermeira, ela tinha um cabelo até aqui. -
Onde você morava?
-
Itambacuri, M.G. Eu pensei, que eu pensava, que eu não tinha cabeça
para nada, desorientada, eu pensava, porque quando eu cheguei, eu cheguei muito ruim, mas hoje eu estou bem. Eu fiquei muito magrinha. -
Como é o seu dia-a-dia?
-
Eu faço algumas coisinhas em casa, eu faço uma comida, passo um
pano no chão ou passo uma roupa, gostar mesmo eu gosto de passear, dançar músicas, tenho este defeito. -
Mas isto não é defeito, é muito bom e saudável! O que você gosta de
dançar? -
Forró, eu vou ao forró dançar, eu gosto, me sinto bem, vou lá e volto, é
como uma festa. -
O que é arte para você?
-
É que se eu te contar a minha vida... foi uma coisa muito assim, sabe...
por isso que eu fiquei doente... Eu tenho quatro filhas e não pude cuidar delas... -
Por quê?
-
Porque fiquei doente... depressão... Minhas filhas estão em Minas,
depois que eu fiquei doente eu fiquei uma aleijada, tem muitas coisa que eu me esqueci e que não me lembro mais... Porque dentro de casa eu tenho um irmão que
207
também é doente e um dia ele me bateu e eu fiquei com medo de ficar dentro de casa, e corria para a casa dos outros... -
Ele te bateu por quê?
-
Porque eu falei para ele não agredir a minha mãe, ele agride a
minha mãe, ela não ia dar coisas só para ele porque tinha mais, porque não era só ele que precisava, e ela também falou para ele, e um dia ele agrediu ela mesmo, e eu fiquei olhando aquilo, vendo minha mãe sendo enforcada, meu Deus! E tinha um rapaz passeando na minha casa, e viu que eu não tinha força para tirar ele, e foi e tirou meu irmão (não permitiu que enforcasse sua mãe). Um dia meu irmão pegou um pau, sabe fogão à lenha? Já ouviu falar, né?! Ele pegou um pau de lá, deu três pauladas nas minhas costas e eu caí... Aí eu tive que vir para cá para São Paulo, para a gente não ficar brigando. Minha filha não mora na casa de minha mãe, mora com o pai em Minas. -
E você, mora com quem?
-
Eu moro com minhas irmãs.
-
Você toca algum instrumento musical?
-
Não.
-
Você desenha, pinta, faz alguma arte?
-
Não. Eu tenho vontade de estudar, mas não posso, mas tem aula, mas eu
não sei ir e voltar... -
Você acha que as pessoas que estão no CAPS, e que fizeram as obras de
arte expostas na sala em que estamos, têm alguma doença? -
Sim, as pessoas que estão aqui sofrem de problemas na mente, que
muitas vezes passaram por situações muito difíceis na vida, por problemas, traumas, perdas, mortes, mas há pessoas também com outros tipos de doença: na pele, no estômago, no coração, no pulmão, etc... Mas você estava falando da morte de seu irmão e do sofrimento teu por amor. Saiba que, eu e todas as pessoas também sofremos. As pessoas sofrem pela morte de um ente querido, sofrem por um amor não correspondido, as pessoas passam por situações difíceis também, não só as que estão aqui. -
Quando meu irmãozinho J. faleceu, ele tinha mais ou menos a sua
idade, o seu tamanho, ele se chamava J. e chamávamos-no de J(zinho). Ele era bonzinho, não dava trabalho para a minha mãe. Ele tinha uns 17 ou 18 anos quando morreu. Ele era mais velho do que eu. Eu tenho 30 anos.
208
-
Você estava dizendo que gostava muito dele.
-
É, e é uma coisa que não tem jeito mais porque ele morreu de uma dor
de dente, de uma dor de cabeça, eu não sei bem ao certo, ele foi passear, levou a minha mãe junto, passou mal e morreu, e isso não sai de minha cabeça, toda a hora eu fico lembrando dele e penso: Ele era tão educado, não tinha essas coisas de ficar empurrando a gente, pegando coisas para bater em nós, bater na minha mãe. -
Você contou isso para a médica e para a psicóloga?
-
Contei, e ela me disse que isso fazia parte da minha saúde e que eu
tinha que viver a minha vida, cuidar de mim e que não era bom eu ficar pensando nele o tempo todo... -
Você tinha dito que gosta de coisas e cores brilhantes, como as
produções feitas com cola glíter (purpurina) como o sorriso vermelho da mãe e da filha que você fez no ladrilho, e que gostou da árvore brilhante e das coisas brilhantes da obra que fizeram do ônibus. Quais são as cores que você mais gosta? -
Azul, verde e branco.
-
Por quê?
-
É porque tem cores que eu não conheço, você sabia? Eu queria
conhecer mais (nomes) de cores. Eu sei que para eu estudar, eu poderia, porque tem aula para adultos também, mas não deu para eu estudar... -
Tem alguma cor que você não gosta?
-
Não gosto de pessoa (inteira?) de preto, não gosto muito de cor preta,
mas na pessoa, eu não acho bonito. -
Eu gostaria de perguntar se você acha que eu sou uma pessoa fora de si,
ou se eu sou uma pessoa mais normal. -
Eu acho que você é uma pessoa como qualquer outra pessoa.
-
Eu não sou uma deficiente que mostro não, né?!
-
Não, você não é deficiente, você tem características que são da sua
personalidade, assim como eu tenho as minhas. Você se sente deficiente? -
Eu pensava que sim, e eu acho que é um modo feio, Deus que me
perdoa! -
Prata, você tem recursos, coisas dentro e fora de você maravilhosos que
você pode explorar, fazer, criar, sonhar, você não acha? -
É, a gente tem sonhos, né?!
-
Então me diga um sonho teu.
209
-
Se eu pudesse um dia, eu queria ter um carro, mas não deu... Aquele
carro que não é fechado atrás... E tem a cabine. -
Você gosta de música?
-
Gosto! Amado Batista e estes tipos de músicas (românticas).
-
Como você se sente ao ouvir música?
-
Sinto-me bem, melhor ainda se estiver sozinha, eu gosto de ficar com
pessoas, mas quando estou sozinha gosto de passar músicas, ou ver um filme, uma coisa assim... -
Você gosta de assistir filmes?
-
Gosto, de alguns.
-
Você gosta de cantar?
-
Gosto também, na reza não tem aqueles cânticos? Eu gostaria de cantá-
los, mas eu não sei. -
Você vai a alguma igreja?
-
Não. Mas eu sou católica. Só se for na igreja para passear de vez em
quando, mas ir sempre eu não vou. -
Você crê em Deus?
-
Sim, e eu acho que está tudo nas mãos de Deus, às vezes, eu falo que
vou ali, Deus é quem sabe se eu vou ali ou não, quando você está marcando um plano. -
O que você pensa da vida?
-
A vida é difícil, para mim é; porque tem coisas que você se arrepende,
não tem jeito mais, por exemplo, se eu soubesse que ter filhos é complicado, eu não teria me ajuntado para arrumar filha, entendeu? Porque eu sei que elas sentem a minha falta, seja a mãe do jeito que for, porque todo mundo tem mãe e eu também tenho, e elas perguntarão quem será a minha mãe, não é?! -
Você gostaria de estar junto com suas filhas?
-
Se eu pudesse, eu as traria para cá, mas eu não posso...
-
Você fala com elas?
-
Não, eu mandei a minha irmã ir lá, porque ela foi lá passear, ela tirou
umas fotos delas e disse que elas estão bem. -
Você já teve algum curso de artes antes?
-
Não, nunca tive oportunidade, eu gostaria de saber mais de arte, para
aprender alguma coisa. -
Você gostou de ter participado de nossa oficina de Arteterapia?
210
-
Gostei, foi bom. Ajudou-me a me distrair, sair de dentro de casa...
E ver se a médica me alcançava um remédio para eu não me sentir mal, para eu me sentir bem. -
Se você tivesse que escolher dentre um desses trabalhos produzidos
aqui, qual você escolheria? -
O ônibus, eu posso pegar?
-
Pode, claro!
-
Gostei todinho dele. Gostei bem.
-
Por quê?
-
Porque ele tem um desenho bonito, os matinhos ficaram bonitinhos
também. -
O que é arte para você?
-
É, por exemplo, escrever uma poesia, com tipo brilhante (com cola
-
Você gosta de poesia?
-
Gosto.
-
Tem alguma poesia que você mais gosta?
-
Tinha, mas eu não me lembro, não vem na minha mente...
-
Você gosta de ler?
-
Gosto, eu sei ler, faltando letras, mas eu sei um pouco, eu só não sei
glíter).
fazer conta. -
Prata, tem alguma produção ou algo na atividade que fizemos que
você não gostou? -
Não! Eu gostei! Porque cada qual faz o que sabe. Cada um tem uma
maneira de ser. Não tem nada feio. Se eu tivesse estudo, um sonho meu era ser uma cantora, ou uma vendedora ou uma secretária telefônica. -
Você me contou que teve depressão e foi internada num hospital, o que
você fazia para passar o tempo? -
Nada, a primeira vez que mexo com arte é aqui. Às vezes, eu ia à
portaria do hospital e ficava olhando... Eu ia à varanda e ficava pensando na espera de vir um parente meu para me tirar de lá e se eu falasse que queria não mais tomar a medicação, seria pior para mim, seria pior para eu ir embora, mas eu pensava que eu pudesse ir embora, não escondida ou fugida. -
Tem algum artista que você mais gosta?
211
-
Eduardo Costa.
-
Que outras atividades aqui no CAPS você participa?
-
A médica, psicóloga, eu gostei também daquela moça que toca violão e
que canta, aquele dia que ela cantou, foi bom. -
Como você se sentiu?
-
Senti-me bem, porque ela é inteligente, para ela.
-
E para você?
-
Também.
-
Como você chegou aqui no CAPS?
-
Através da doutora T. e o P. da doutora B. (Psicóloga do CAPS), elas
disseram que seria bom eu participar das oficinas, mas só que era para eu vir todos os dias (regime intensivo), mas minha irmã não tem condições de me trazer todos os dias (Prata não vem sem a irmã) e ela não tem condições de pagar para uma pessoa me trazer, pois é caro a condução. -
Você estudou até que série?
-
Eu fiz a primeira série, passei para a segunda, mas não fiz a segunda.
-
Você já trabalhou?
-
Já, eu capinei mato quando era mais nova, levava a vasilha.
-
Você chegou a conhecer algum dos seus avós?
-
Conheci uma avó, mãe de meu pai, ela era bem de idade, ela gostava
muito de santo, ela tinha uma mesa cheia de santos, ela era católica, muito religiosa, ela gostava da religião. -
Houve algo na atividade de Arteterapia que você mais gostou?
-
Se fosse para fazer, eu queria fazer essas flores brilhantes aí,
vermelhas ao lado do ônibus que vocês fizeram. Eu gosto de flor, você pode arrumar elas na mesa, porque na minha casa é assim, arruma a mesa, pões as flores e os santos e reza, assim minha mãe me ensinou. -
O que você mais gosta de fazer em relação à arte?
-
Eu não sei fazer, mas se fosse para escolher eu faria bordado, acho
bonito, minha sobrinha sabe fazer. -
Como foi a tua infância?
-
Quando eu era pequena minha irmã me trouxe para São Paulo, eu tinha
uns dez ou quinze anos, mas aí um dia me deu um medo e eu vi uma pessoa passando
212
na frente do portão, eu saí de casa e fui lá para a outra casa, e minha irmã ficou preocupada, me caçando. -
No que você acha que a arte pode ajudar a pessoa?
-
A arte pode ir à escola, não pode?
-
Pode.
-
É, por exemplo, com a professora a arte serve, não serve?
-
Serve. A professora pode falar assim: hoje eu quero este desenho,
porque eu já vi quando eu era criança, se você errar elas te ensinam. -
E a arte aqui no CAPS?
-
Para eles é bom, muito bom, porque eles sabem fazer direitinho, né?!
-
Você acha que a arte pode ajudar na vida das pessoas?
-
Distrai um pouco, não fica muito assim... Só de eu conversar um
pouco com você já é uma coisa boa. Eu posso dizer que você é uma pessoa boa, educada... Eu quase não agüento andar, eu canso muito rápido, se for muito serviço eu não agüento fazer... -
Você gostaria de continuar as atividades de Arteterapia?
-
Eu gostaria, mas tem que conversar com minha irmã, para ela ver como
vai fazer para me trazer. Porque eu não sei vir só e não tenho as condições. -
Prata, muito obrigado, você fez produções lindas, desejo-lhe tudo de
-
Obrigado você.
bom.
213
ANEXO VII – ENTREVISTA COM MARFIM
214
Fig. 78 - MARFIM
215
ENTREVISTA COM MARFIM
Diagnóstico definitivo: F 23.1: transtorno psicótico agudo poliformo, com sintomas esquizofrênicos.
-
Meu nome é Marfim, tenho 48 anos, eu gosto de arte, vou.., faço,
sempre faço um pouquinho. -
O que você achou de nossas oficinas?
-
Achei bom trabalhar também, foi legal fazer, falar também com o
grupo, não ficar desocupado. -
Como você se sente, e se sentia quando fazia, realizava algo artístico?
-
Eu gosto, é bom, pintura, é gostoso fazer, ficando e conversando um
pouquinho com cada um. -
Você já fez tocou algum instrumento musical?
-
Não.
-
O que é arte para você?
-
É legal, é bom, para a gente, a gente fica com a mente ocupada,
trabalhando... é bom! Distrai um pouco dos problemas da vida que não são fáceis. -
Você já cantou ou canta?
-
Não.
-
Gosta de música?
-
Gosto. Gosto mais de assistir televisão, desenho animado, durante a
manhã, de tardezinha... melhor do que assistir esses jornais aí, que só dá coisa ruim, morte, então eu prefiro desenho. -
Quais são os desenhos animados que você mais gosta?
-
Scooby Doo, àquela menina ligeira...
-
Onde você nasceu?
-
Em Alagoas, eu vim para São Paulo com vinte anos, já estou há muito
tempo aqui (risos). -
Você é casado?
216
-
Não. Já fui, e tive dois filhos homens - casados agora, e já tenho dois
netinhos, um netinho, e uma netinha. -
Você trabalhava com o que lá em Alagoas?
-
Trabalhava na roça, depois vim para cá, estou até hoje aqui, nunca mais
voltei para lá, eu quero voltar para lá, já estou cheio daqui: trabalho pra caramba! Levanto de madrugada para varrer as coisas! -
Você trabalha aqui?
-
Trabalho com padaria, asso os pães salgados, e quando termino eu
venho para cá, é pertinho daqui, eu já trabalhei com metalúrgica, dois anos, fazendo carrinho de mão, e hoje trabalho com pães, vai fazer seis anos que trabalho com pães. Depois da metalúrgica saí e fui para outra firma de recapagem (recauchutagem) de pneus, onde trabalhei um bocado de anos. -
E música, que tipos de música você gosta?
-
Não gosto de escutar não.
-
E dança?
-
Eu gosto muito! (risos), aqui em São Paulo em dancei muito forró,
depois que eu adoeci eu não vou mais. Eu não gosto de voltar à noite sozinho, quando eu ia, eu perdia o bonde e eu tinha que voltar de manhã no outro dia. Ficava à noite toda dançando, eu gostava, eu gosto. -
Como você se sentia?
-
Sentia-me bem, o corpo ficava leve... eu tinha uma parceira lá que
dançava muito bem, mas eu também ficava lá dentro, conversando, mulher é o que não faltava. -
Vocês são em quantos irmãos?
-
Somos em muitos, já perdi até a conta, uns dez irmãos e dez moças
(irmãs), aqui eu só tenho um, o resto está tudo lá no norte. Éramos tudo da roça, comia feijão, milho... -
Você tem pais vivos?
-
Meu pai está vivo.
-
Tem algo que te marcou na tua infância?
-
Desde pequeno eu só trabalhava, ia com meu pai e plantava milho,
feijão, mandioca, batata... eu gostava de trabalhar. -
E diversão?
217
-
Não tinha diversão, ficava só na roça, acordava cedo, tomava café e ia
lá para a roça. -
E bichos?
-
Meu pai criava, ele tinha um matadouro, onde eles mesmos matavam,
tinha tudo quanto é bicho: porco, galinha... -
Marfim, vamos ver as suas produções, que aqui estão expostas...
-
Está tudo perdido.
-
Não, não está não! Vamos procurar e encontrá-las...
-
Ah! Esse aqui é meu, um avião e este outro também.
-
Ficou muito bonito!
-
Você foi à Bienal?
-
Não.
-
Houve algo que você não gostou nas atividades?
-
Não. Eu gostei de tudo, pintei, desenhei, fiz aquelas outras coisas ali.
Esta pintura do ônibus ficou bonita, eu pintei as rodas, ficou bem colorido! -
Você estava falando do seu trabalho.
-
Trabalhando você fica com a mente ocupada fazendo coisas, não
fica pensando besteira... eu já trabalhei bastante, até já assei muito pernil (risos), deu até para ganhar um dinheirinho, fiquei até altas horas da noite assando pernil... assim é bom estar trabalhando, pois não pensa em besteira, fica com a mente ocupada! -
Que besteiras são estas?
-
Quando se fica parado, fica pensando besteira, pensando coisas
ruins, vem umas vozes dizendo coisas ruins, e trabalhando não! Fica com a mente ocupada. Eu não sei porque estas vozes vêm, e é muita gente também que escuta, não só eu. Elas dizem: Você tem que morrer! Você tem que se jogar debaixo de um carro! Mas eu tomo remédio que me ajuda. Eu gosto de uma cervejinha, mas eu parei, porque não pode tomar estes remédios e cerveja, parei depois que adoeci. Mas era bom tomar, bem geladinha (risos)... -
Quando isso começou, algo aconteceu em sua vida?
-
Aconteceu! Eu fiquei doido! Não conhecia mais ninguém, saí doido
daqui, fui parar em Santana, depois na Casa Verde e de lá, onde eu trabalhava, eles me trouxeram para cá, eu fiquei doido, não sabia quem eram as pessoas... isso começou do nada, eu trabalhava na padaria... e eu tenho esse negócio aí até hoje.
218
-
Você mora com quem?
-
Moro só.
-
O que você faz em seu tempo livre?
-
Eu gosto de ficar trabalhando, ajudando na padaria, tudo eu mexo um
pouco, ajudo o pessoal de manhã e de tarde, ficar ocupado, não ficar pensando em besteira. -
E teus filhos e netos, vêm te visitar?
-
Eu vou até lá visitar eles, eles moram aqui em São Paulo, no bairro da
Cachoerinha. -
O que você achou do grupo de Arteterapia.
-
É bom, poderiam estar aqui hoje (saudades).
-
Que outras oficinas você participa aqui?
-
Do Grupo de famílias, do Reencontro – onde conversamos como
passamos o fim de semana, onde a gente conversa, de passeios como as caminhadas, e outros grupos, eu gosto. -
Faltou, ou você gostaria de implementar mais alguma coisa, atividade,
material, nas oficinas de Arteterapia? -
Não, não faltou nada.
-
Como você se sentia, e em que pensava quando fazia as atividades de
Arteterapia? -
Bem, quando eu pintava... desenhava... ficou bom também.
-
Por, exemplo, quando você está assando e fazendo os pães, como se
sente, em que pensa? -
Sinto-me bem, me ajuda um pouquinho. Eu penso que estou
trabalhando, fazendo minhas coisas, eu gosto de trabalhar.
preto).
-
Você já visitou algum museu ou exposição?
-
Não.
-
Tem algum artista ou obra de arte que você mais gosta?
-
Não.
-
Você disse do forró, tem outra atividade que gostava?
-
Não, é bom dançar, você dança, fica animado, sua (risos).
-
Que cores você mais gosta?
-
Azul, vermelho... gosto de roupa preta (não tenho certeza se disse
219
-
Que cores você não gosta?
-
Eu gosto de todas as cores, todas as cores são lindas.
-
Você gostou das atividades e das produções que vocês fizeram?
-
Gostei, ficou tudo bonito.
-
Se você tivesse que escolher uma produção dentre todas, qual
elegeria? -
Meu quarto é pequenininho, não cabe nada. (risos). Estes dois
quadros ficaram bonitos, eu gostei por causa da cor, tem três cores e do ônibus eu gostei bastante. -
E da Bienal, o que você gostou, e do que você não gostou lá?
-
Eu gostei, nunca tinha ido, é bonito lá, tinham muitas coisas para ver,
fui ver as fotos... eu gostei dos desenhos, de todos os quadros, das cores... bem feitos, é bonito. Estes desenhos (produções) nossos ficaram bonitos também! -
Você estava na atividade da argila?
-
Estava. (Ele fez uma vaca/elefante).
-
Se você tivesse um desejo/sonho a realizar, qual seria este sonho?
-
Viajar, Passear, iria andar, andar é bom! Se eu tivesse dinheiro, ganhava
o mundo! Mas eu não tenho dinheiro! Minha família está toda lá no Alagoas, se eu pudesse eu ainda iria para lá, eu ainda vou. Quando sobrar um dinheirinho, se Deus quiser eu vou para lá. Ainda vou comprar uma casinha lá, eles me disseram que tem também tratamento do estado, como o CAPS, o mesmo (CAPS e tratamento) que tem aqui, tem lá. Uma casinha lá e me tratar lá. Aqui é bom, estou trabalhando, tem serviço, né?! Não estou parado. Lá, o trabalho é na roça, com plantação de milho, feijão... acabou o ano, aí tem que esperar o próximo, e é assim... -
Lá na roça, eles não cantavam ou tocavam algo?
-
Não, que nada!
-
Você chegou a conhecer seus avós?
-
Conheci. Bem velhinhos! E o meu pai... está velhinho... tem mais de
setenta e poucos anos... e está melhor do que eu, trabalha na roça, o velho tem mais força do que eu, está novo ainda, ele estava com quase setenta quando cheguei em 1977 aqui. -
Mas ele já está com mais de noventa anos?!
-
É, mais ou menos isso, e está vivo! Ele fuma, ele bebe, faz tudo! Fumo
de corda, eles plantam lá mesmo, é terra de fumo.
220
-
E no tempo livre o que vocês faziam lá?
-
Não tinha tempo livre, só na roça.
-
Como era o dia a dia?
-
Capina o mato, limpando o feijão, a mandioca, o milho, é o que nós
tínhamos, e os bichinhos: porco, galinha, carneiro, cachorro, gado. A gente pegava os cachorros e íamos caçar de noite tatu e comíamos depois, era gostoso (caçar e comer). Era gostoso comer o tatu e o tatupeba (outro tipo de tatu). Nós caçávamos com arma, até hoje tem tatu lá, eu ainda tenho uma espingarda da boa. Depois larguei lá e vim para cá. -
Por que você veio para cá?
-
Porque é muito quente e seco lá no verão, não tem nada para beber, se
Deus quiser eu vou voltar para lá. -
Você tem vontade de voltar para lá, por que?
-
Para trabalhar na roça com meus irmãos, se Deus quiser.
-
Você tem namorada?
-
Não. Mas o pessoal disse que tem um forró bom, mas é longe daqui e
não tem ônibus para voltar de noite para cá. Mas um dia eu vou neste forró para ver se é bom mesmo! -
Como era a sua relação com sua família?
-
Era boa, família grande, de roça, mas ninguém brigava, a gente
conversava... todo mundo ia para roça, aquele batalhão de homens (risos)... Até meio-dia, porque lá o sol é quente demais, depois a gente batia o feijão... vendia o feijão para comprar farinha, meu pai vendia, lá não tinha arroz, era farinha de mandioca, lá o pessoal não gosta de arroz. -
Mas você estava falando de seu sonho, se você tivesse dinheiro, o que
você faria? -
Eu iria capinar, plantar, ajudar a minha família lá, aqui eles estão bem
de vida. Todos trabalham, têm serviço. Eles não precisam de mim, eles esqueceram de mim, graças a Deus! -
Mas eles vêm te visitar?
-
Não, eu vou lá, porque eles não vêm até aqui, eu vou até a casa deles,
vou à casa do meu irmão, na casa deles. -
Você disse que se tivesse dinheiro iria ganhar o mundo?
221
-
É, eu iria passear, iria para o Campinas, Rio de Janeiro, eu nunca
fui na praia, eu tenho vontade de ir, se tivesse dinheiro eu iria (risos). Faria muitas coisas. Primeiro para minha família do Alagoas, depois seria para mim mesmo. Eu já morei na rua, tinha o cabelo até aqui (longo), meu irmão nunca soube, ninguém sabe. -
Mas é um direito teu.
-
É. Cheguei a ficar com cabelo grande, sem dinheiro, sem nada, o
que eu já passei, meu filho, não quero passar mais não! Por isso que eu junto meu dinheirinho e quero é comprar uma casinha. Eu já passei muita necessidade na rua, com fome... -
E como você se virava?
-
Tinha uma mulher que eu ia para a casa dele e ela me dava almoço, se
ela ainda estiver lá, eu quero ir até lá para visitar ela, eu dormia na casa de um amigo. Aí depois eu comecei a trabalhar e as coisas foram melhorando, aí eu entrei nesta padaria que hoje eu trabalho e fiquei nela. É pior quando a gente fica na rua. Alguns falam para eu ajudar meus filhos, meus netos... Mal eu tenho para mim! Eles estão bem de vida, está na hora de eu me ajudar, eu já passei cada coisa! Eles não sabem de nada! Hoje, pelo menos eu trabalho na padaria, tenho meu cantinho para dormir... eu moro na padaria mesmo. Se Deus quiser, eu ainda vou comprar uma casinha. Primeiro eu tenho que viver a minha vida (me ajudar), depois eu os ajudo (sua família de São Paulo). -
Amigos, você tem aqui?
-
Tem não. Amigos são poucos, da padaria. Meu irmão, se eu não vou a
casa dele, aí ele aparece aqui. -
Então ele se preocupa contigo?
-
Preocupa-se.
-
Uma vez, quando eu fui internado, quando eu estava aqui, meu
irmão chegou aqui, porque ele trabalha de noite, coitado, e disseram para ele que eles me internaram... A nossa cabeça não é nada, rapaz! Cheguei aqui bom e fiquei ruim. Aí, como havia tempo que eu não aparecia na casa dele, ele foi lá me visitar (quando foi internado), eu já estava de alta também e fui embora também. Eu fui internado porque fiquei ruim, ouvia vozes. -
O que você fazia lá (no hospital psiquiátrico fechado)?
222
-
A gente não fazia nada, mas tinha forró lá, você não sai de lá, tem que
ficar fechado, não sai nem para fora não sai. Aí eu fiquei lá, melhorei e vim embora. -
O que você acha da vida?
-
A vida é assim mesmo, tem que ir levando... até quando Deus
quiser. A vida não é ruim não, eu estou bem. Estou trabalhando... -
Você acredita em Deus?
-
Acredito! Deus em primeiro lugar.
-
Você tem religião?
-
É que agora eu não tenho tempo de ir à igreja de domingo, mas eu ia, eu
asso pão de manhã, a missa começa sete horas, eu sou católico. Eu gosto de ir à missa. -
Como você se sente?
-
Bem. Eu gosto de andar, caminhar um pouco. De vez em quando eu vou
à Cachoeirinha (bairro de São Paulo), passo por Santana, tem ônibus direto para lá, passeio um pouco por lá, depois eu vou embora. Vou à casa do meu irmão, dos meninos, meu irmão também trabalha de sábado e de domingo também. -
Você já foi internado em algum hospital psiquiátrico?
-
Já, deu um negócio em mim, fiquei maluco, ruim e fui internado e me
mandaram para cá, e fui internado uma vez aqui também (através deste CAPS). Duas vezes fui internado, na primeira vez foi num hospital psiquiátrico. -
Como você fez para a amenizar a internação? Utilizou-se de algum
recurso de arte, o que você fazia para passar mais rápido o tempo, pois não deve ter sido fácil?! -
É não foi fácil não! Fiquei ruim...
-
E para passar o tempo mais rápido, o que você fazia?
-
Conversava com as pessoas, com meus irmãos, fiquei ruim. Fiquei
um bocado de tempo ruim. Depois eu vim para cá. -
Mas, o que você fazia lá?
-
Fazia alguma atividade?
-
Fazia não, fazia não.
-
Nenhuma atividade artística ou de grupo?
-
Não. Eu conversava com as outras pessoas, andava, saia também,
eu ia passear lá por perto mesmo. Passava o portão e ia para fora, mas tinha um acompanhante, pois não podia sair sozinho. -
E agora como você está?
223
-
Estou bem, melhorando... depois que eu entrei aqui no CAPS eu
melhorei muito e está fazendo bem para mim. -
Marfim, tem mais alguma coisa que você gostaria de dizer,
acrescentar? -
Não, vai começar tudo de novo (novo semestre/novo ano)! (Risos).
-
Você gostaria de continuar as atividades de Arteterapia?
-
Gostaria, não é bom ficar parado.
-
Marfim, muito obrigado, você fez produções lindas, está de parabéns e
lhe desejo tudo de bom, muita sorte. -
Obrigado vocês.
224
ANEXO VIII – ENTREVISTA COM TURMALINA
225
Fig. 79 - TURMALINA
226
ENTREVISTA COM TURMALINA
Hipótese Diagnóstica: F 20.0. = Esquizofrenia paranóide.
-
Meu nome é Turmalina, tenho 34 anos, solteira, moro com minha mãe,
meu pai, meu irmão de 44 anos e minha avó de 95 anos. Ela já é tataravó, tenho também uma irmã que é juntada e tem duas filhas, e eu sou tia-avó, das minhas sobrinhas. -
No que você acha que a arte pode contribuir para as pessoas?
-
Pode ajudar e muito, tanto no financeiro como na alegria. E
quando eu faço desenhos parece que estou viajando para outro mundo, flutuando... sonhando, viajando, como se fosse para a lua, viajando para o mar, para a lua, viajando, viajando. -
É prazeroso?
-
É, e eu me solto, não me sinto presa, como quando toco música, é a
mesma coisa, me solto, me inspiro e me sinto mais solta e alegre que eu gostei da música. -
Você estava comentando que as coisas ruins saem de dentro de ti.
-
É, e eu consigo fazer as minhas coisas diariamente depois, me dá
força, enquanto estou muito parada, fechada, sem fazer nada, acontece coisas ruins, fico muito depressiva, só choro, só choro, e não dá para fazer nada, não sai nada, não consegue sair nada, não sai nada, só acontece coisa ruim. -
Você já visitou algum museu?
-
Já. Já fui para o Museu do Ipiranga, várias vezes, fui no MASP, no
teatro SESI e eu ia muito em teatro também, gosto de cinema, de dançar várias músicas, como forró, dance, e música eletrônica. -
E o Volpi que você citou?
-
É, eu gosto do Volpi também, o das bandeirinhas e um outro artista que
pinta meninas, tem um quadro que tem duas, pintadas de azul e cor de rosa, eu não me lembro o nome dele.
227
-
É o Renoir e o nome do quadro é: “As Meninas Cahen d'Anvers - Rosa
e Azul”, de 1881. -
Isso mesmo! Gosto também do Monet, de Shakespeare de assistir peças
feitas por ele. Eu gosto de teatro também, já fiz teatro nas escolas, mil coisas assim... nunca fiquei parada, já fiz esporte também, natação... -
Você falou que sua mãe canta músicas antigas de marchinhas de
carnaval? -
É, ela canta da velha guarda, dos anos 60.
-
E você gosta?
-
Gosto. Minha mãe tem um tom de voz muito bom para cantar,
quando ela canta, agrada qualquer um, e é gostoso ouvir, isso me alivia, me dá uma expressão boa também, eu viajo, me acalma, dá tudo de bom. -
Teu pai trabalha?
-
Trabalha de obras, faz bicos lá fora, faz pintura, eletricidade e reforma
algumas coisas, telhado, essas coisas, quando ele pode também. Eu também sei fazer acordes no teclado, eu ganhei um prêmio em terceira colocação, num festival de música gospel e ganhei um prêmio de cinco mil votos na Rádio Imprensa em 1992, não cantei, é instrumental e eu vou trazer para você ouvir. -
Você estava falando de seu avô que fazia temperos.
-
É, o pai do meu pai, ele fazia temperos para ganhar a vida, era uma
delícia, era um tipo de arte e a minha avó o ajudava. -
E os seus avós maternos?
-
Faleceram, há muito tempo atrás, numa guerra, lá na Rússia, o pai da
minha mãe morreu lá na Rússia, e a minha avó morreu aqui no Brasil, que ela era imigrante, ela morreu aqui no Brasil por causa de uma doença. Eu sou filha de russos também. O sobrenome da minha mãe é X. Eu não quero falar sobre isso porque tem outras coisas aí... é que é espírita, imagina se eu vou mexer com isso, é barra pesada. Meu avô era soldado na Rússia e eles eram cristão-ortodoxos, mas eu sou católica normal. -
Você tem um sonho ou um desejo que gostaria de realizar?
-
Uma coisa que eu queria ter e não pude realizar, ou algum lugar que eu
queria ter ido, colocar no papel e não poder ir neste lugar. Eu sonhei e desenhei no papel este lugar.
228
-
Você desenhou em nossa primeira atividade (a dos nomes) duas
borboletas e flores, por que borboletas? -
Porque eu queria voar, eu gosto de pássaros, animais, porque eu
queria voar, ser livre, porque eu sou muito presa em casa, eu não tenho muitos direitos em casa, queria poder falar mais o que sinto, em relação a tudo. -
Na segunda atividade, você fez o que na cartolina?
-
Eu desenhei os peixes, esta foi a melhor atividade, eu adorei o que
eu fiz. Acho que foi liberdade aí (representação da liberdade), os beija-flores e os bonequinhos e só. Eu fiz os peixes nadando na água e os bonequinhos como se fosse praia, no rio. -
Você já foi para a praia alguma vez?
-
Já, muitas vezes, eu adoro praia. Adoro peixes, sou do signo de peixes e
adoro tudo que tem água e os beija-flores porque eles voam também, quem me ensinou a fazê-los foi o Ouro, pois eu não sabia fazer não! Eu aprendi a fazer muitas coisas com ele. Nas outras atividades eu não participei, eu faltei muito. Eu também não fui a Bienal porque estava chovendo muito. -
Como você se sentiu estando aqui?
-
Eu estou um pouco presa, mas eu estou melhor, eu melhorei também
por causa dos medicamentos que o médico me deu agora. -
Ajudou-te em alguma coisa as atividades arteterapêuticas aqui?
-
Ajudou-me bastante a soltar e a arranjar amigos, porque eu não
tinha amigos, eu só tinha dois amigos, antes eu tinha bastante, mas não sei o que aconteceu, se foi por causa da doença... eu perdi todos os amigos, mudaram de todo o lugar, e não quis saber mais nada, e eu fiquei com depressão por causa disto, falta de amigos. -
Você estudou até que série?
-
Até o segundo colegial, vou passar para o terceiro agora em escola
estadual, que não é paga. -
Você já trabalhou?
-
Já trabalhei com crianças em uma creche. Mas foi só um dia,
adorei! Dei-me bem com as crianças, as crianças me adoram, os animaizinhos também. Eu nunca fiz mal para crianças e animais, eu sempre me dei bem com estas pessoas. São sós os adultos que eu não entendo muito bem não. Eu acho complicado.
229
-
Você tem algum hobby?
-
De ouvir música o dia inteiro e tocar teclado, agora eu comecei a
compor de novo, eu estou compondo umas músicas diferentes, eu vou até trazer para você ver, você vai gostar. -
Você me contou de um diário.
-
É, eu escrevo tudo em um diário, tudo o que eu já passei, eu guardo
tudo lá. -
E como é para você escrever no diário, como se sente?
-
Eu não gosto muito, queria jogar tudo fora, to pensando em fazer
isto. Mas escrever alivia, esquecendo assim tudo o que eu passei, mas eu não gosto de guardar estas coisas ruins, quero jogar tudo fora... Cada vez que eu escrevo, eu esqueço, e mesmo assim, se eu pegar um dia no que eu escrevi, quero queimar e jogar fora tudo, acho que vou fazer isso ainda. -
Você já desenhou, pintou, modelou, mexeu com arte antes?
-
Já, já. Eu não me lembro aonde. Ah! Na escola eu tinha educação
artística. -
De que cores você mais gosta?
-
Azul, rosa, vermelho, branco, preto e mais uma da qual não me lembro
o nome. A que mais gosto é o azul. -
Por que?
-
Me dá sorte e me tranqüiliza.
-
Tem alguma cor que não gosta?
-
Ah! Tem sim! Vermelho! Vermelho me faz muito mal, quando põe
vermelho me dá uma crise de choro. Uma vez eu coloquei uma roupa vermelha, uma regatinha por causa do calor, deu um negócio em mim... eu fiquei tão alvoroçada, assim que fala, né?, tão nervosa, eu me senti muito mal por causa da cor, eu fiquei com muita raiva por causa da cor, quando eu coloco azul eu melhoro, eu até chorava, fiquei desesperada por causa da cor. A cor me influencia, tem cores que me influenciam, tem gente que não acredita, mas eu acredito. Preto é a mesma coisa, eu não gosto muito de preto porque me deixa muito tensa e com calor. -
Se você tivesse que escolher uma produção tua aqui, dentre estas, qual
escolheria? -
As duas obras minhas.
230
-
E dos amigos que participaram das oficinas, qual produção elegeria?
-
Ah, não sei não! É muito difícil, são todas bonitas. Eu gostei daquele
azul e cor-de-rosa e branco ali, aquele amarelo que parece uma boneca (figura abstrata em papel como espelho com tinta). -
Por que gostou deste?
-
Porque me lembrou o Bozo (palhaço) da minha infância. Eu gostava
muito dele, era da minha época. Ele me animava quando eu o assistia, faz tempo, mas eu aprendi muita coisa com ele. -
O que você implementaria nas atividades? O que faltou?
-
Mais tipos de materiais.
-
Você gosta de cantar?
-
De vez em quando, eu não sou muito boa para cantar, não! Eu já gravei
um cd cantando, e saiu bom, do Lulu Santos, “Como Uma Onda No Mar”, está é legal! Eu já gravei essa e saiu direitinho, mas eu não sou muito boa para cantar, não. Eu sou péssima. -
De que tipo de música você gosta?
-
Eletrônica, eu sou eclética, eu gosto de tudo.
-
Você já mexeu com argila alguma vez?
-
Nunca!
-
Gostaria?
-
Gostaria! É isso que eu ia falar... eu vi na televisão na Ana Maria
(programa) e eu queria ver se eu consigo mexer, eu vi e achei legal. -
Sua irmã toca algum instrumento?
-
Ela toca violão, tocava!
-
Canta?
-
Cantava!
-
Que tipo de música?
-
Música antiga.
-
Mais alguém na família fazia algo relacionado á arte?
-
Minha tia dançava, gostava muito de dançar, irmã da minha mãe. Ela
depois entrou em depressão e isso veio dela. A depressão é de família, é genético. Meu irmão tem também estas crises, e é assim. E eu gosto de dançar bastante, acho que puxei ela, ela saía e eu saía também. Ela ainda está com um pouquinho de depressão. -
Turmalina você já foi internada em algum hospital psiquiátrico?
231
-
Eu não fui bem internada; eu só tomei um remédio para acalmar... duas
vezes, porque eu estava muito chateada, tentaram me bater na escola. Eu estava tão bem na escola, deu uma briga na escola, tentaram me prejudicar e todo mundo começou a me xingar por nomes, e a me ofender, eu tinha 23 anos, e aí eu fiquei tão perturbada, tão perturbada, tão chateada, que fiquei fora de si, fora de si, e todo mundo contra mim por causa de uma besteira que aconteceu lá que eu nem lembro o que foi mais. -
Turmalina, em relação à arte, você faz alguma coisa mais?
-
Eu estou desenhando umas coisas em casa, eu sei e gosto de tocar, criar
música, eu gosto de compor, eu gosto de desenhar, de fazer cópia de desenhos, ampliar desenhos, pego qualquer desenho de revista, desenho animado e amplio, eu amplio qualquer coisa, imagem. -
Que desenho você mais gosta?
-
De criança, como a Turma dos Looney Tunes (“Doidos Melódicos”) da
Disney, eu sei desenhar os personagens, como o Tazmania?, o Pica-Pau, o Frajola, o Piu-Piu... eu sei desenhar todos estes desenhinhos assim igual criança. -
E como você sente quando está desenhando?
-
Um alívio, uma paz.
-
Alívio de que?
-
Alívio de uma coisa que eu não sei explicar, um alívio. Uma
tentativa sem querer se matar, sem fazer nada, sem sentir nervoso nem nada, agora se eu fico muito tempo parada sem fazer nada, vem um nervoso! E eu não consigo fazer outra coisa, e eu fico muito nervosa e brigo com todo mundo, e as atividades fazem com que eu fique mais aliviada, se eu fizer costura, pintura, crochê, tudo, e eu não faço nenhum destes tipos de coisas. Não faço porque eu não tenho vontade. Nunca faço, antes eu fazia. Quando eu estava boa, na época, eu fazia tricô. Eu fiz uma toca de tricô. -
E como você se sentia quando fazia?
-
Sentia nervoso, um pouco de nervoso porque eu não sabia fazer, eu
não tenho paciência. Só tenho com criança e animalzinho. Agora com adulto não tenho paciência não! Eles são muito nervosos para mim e eu não tenho paciência. Muita aglomeração também. Sinto-me mal, muito mal quando tem muita gente, me dá uns negócios em mim, fico muito apavorada. Se eu começo a escutar muito conversa dos outros, acho que eles ficam comentando, falando alguma coisa de
232
mim, tenho medo que falem de mim, se falarem alguma coisa contrária de mim, eu fico apavorada. Começo a me sentir muito mal. Fico muito nervosa que começo a ter aqueles ataques de tudo. Vem do nada, assim... -
E qual é o papel da arte, como a arte pode ajudar a pessoa?
-
Melhorar a saúde. Com música também. Que acalma as pessoas,
tira o nervoso das pessoas, se uma pessoa estiver ouvindo música, ajuda a acalmá-la, eu não posso ouvir músicas muito agitadas porque me faz mal. Eu ouço em casa música instrumental e me acalma e eu faço meditação, ouvindo elas, relaxo o corpo, pensamentos para poder ficar calma e está funcionando. Como se fosse ioga. -
Como você acha que a arte tira o nervoso das pessoas?
-
Desenhando e circulando a mão... desenhando e pintando e se
mexendo, nada de ficar parado. Nunca ficar parado, senão você pode passar mal. Eu aprendi uma coisa: se você ficar parado, você morre aos poucos. Muito tempo parado. Não pode ficar muito dentro de você mesma. Se você ficar guardando para você mesma, as suas emoções, seus sentimentos, suas crises, não soltar para fora as coisas que precisam ser soltas, e contar para alguém, você vai morrendo aos poucos, e cria uma doença sem saber. A angústia foi que criou assim (me fez ficar assim), engordar, engordar, segredos e segredos, minha mãe, o que eu fazia, porque eu fui guardando no peito, guardando no peito, na garganta, sem contar para ninguém, para a família, para ninguém, e guardar e acabei ficando com angústia e doença, fiquei doente e medo, medo, foi ainda do medo, foi isso que criou em mim. Nunca pode parar para nada, tem sempre que estar mexendo para tudo. Tem sempre que estar fazendo alguma coisa, lavar louça, limpar a casa, lavar o jardim, tudo, coisa que estou fazendo agora. Assistir um pouco de televisão, não ver muita novela, porque muita coisa na novela faz mal também, muita coisa que está passando agora faz mal também. -
Que coisas?
-
De violência, de riqueza, de romance, faz muito mal também, você fica
muito pensativa com esses negócios da novela, mexe muito com você. -
Você falou antes do medo.
-
É, eu estou com medo dos meus pais se separarem, eles brigam o dia
inteiro por causa do dinheiro e é uma situação delicada, mas eu acho que vai dar certo porque eu vou poder receber a minha aposentadoria, eu estou tentando me virar agora
233
para poder ajudar eles. Eu não trabalho e não tenho um sorriso adequado (Turmalina tem os dentes tortos). Eu procuro trabalho e vou à entrevista e eu não consigo por causa do sorriso. Eu tive uma doença quando pequena: bronquite, e tive que tomar uns remédios que me estragaram os dentes e eu não consigo arrumar emprego por causa disso. E nunca mais eu procurei mais nada, eu desisti. O último que tentei foi no Mc Donald’s, isso foi há muito tempo atrás. -
Você estava falando dos medicamentos que toma.
-
Quando eu tomo muito remédio, ou eu não consigo fazer nada, ou
me dá muito sono. Quando eu tomo em quantidade baixa, consigo fazer mil coisas: compor, dançar, sair, tudo. Quando tomo em quantidade alta, não consigo nem sair de casa, fico dormindo o dia todo, não enxergo e não consigo fazer as coisas. -
Você sai para onde?
-
Você vai dar risada... eu saio para o bingo, eu adoro, minha mãe que me
influenciou e eu já ganhei mais de mil reais. Mas eu não sou viciada não! -
Mas você vai todos os dias?
-
Mais ou menos, de vez em quando, quando tem um trocadinho eu vou,
às vezes, vou sozinha, com a minha mãe, com algum parente. -
Como você está se sentindo?
-
Agora estou melhor com o novo medicamento, antes eu não estava
bem, agora estou conseguindo fazer tudo. -
Que atividades você faz aqui?
-
Eu estou sem tempo para vir aqui, eu faço muitas coisas, tenho que
ajudar minha mãe a arrumar a casa, comprar umas coisas aqui e ali, e não dá tempo para vir para cá, mas eu vou recomeçar a vir de novo. -
Que atividades você fazia aqui?
-
Eu vinha para os encontros e para as atividades que tem no dia que
-
Quais atividades e materiais você mais gostou nas oficinas?
-
Pintura.
-
Por quê?
-
Porque eu gosto de tintas.
-
O que sente quando está pintando?
vinha.
234
-
Me solto, posso fazer o que quiser, descubro coisas novas, essas
coisas assim. E lá em casa eu sou muito presa, não posso fazer nada. Sou muito presa pelo meu pai. -
Um sonho teu.
-
Ser tecladista. Eu ainda vou ser. Eu vou participar de vários concursos,
fazer vários tipos de músicas, fazer sátiras, já fiz várias sátiras engraçadas também, sátira de música. -
O que é arte para você?
-
Ai..., esqueci.
-
Não tem problema.
-
Turmalina, tem mais alguma coisa que você gostaria de dizer, falar,
expressar, contar? -
Tem um cara que vive atrás de mim, esse cara é meio doido, eu tenho
medo dele, ele fica me enfrentando todos os dias, tem duas cartas que chegaram abertas na minha casa... eu não sei como ele conseguiu o meu telefone, eu tentei avisar ele, mas eu não consegui avisar ele, e ele está bravo comigo, eu não consigo falar, ele foge de mim! -
Quem é esse cara?
-
É um vizinho meu. Eu tentei avisar ele, mas eu não tenho coragem, eu
não tenho coragem. Falta coragem para conversar com ele, eu tenho muito medo dele. -
Você gosta dele?
-
Mais ou menos, eu não estou gostando mais dele não!
-
Você já gostou dele?
-
Eu já gostei muito dele...
-
Eu não entendi a história das cartas.
-
Assim: chegaram duas cartas abertas em casa, eu não tenho certeza se
foi isso, conta telefônica, uma veio pelo correio, e eu não sabia o que fazer, eu estava sozinha em casa, então eu peguei os números que estavam lá no telefone e tentei avisar todo mundo que estava lá no telefone, e eu fiquei com medo de avisar ele, não sabia como falar para ele, eu liguei para ele, mas não sabia o que falar para ele, e fiquei com medo de levar bronca e isso me deu uma loucura muito grande em mim; e a outra carta que chegou na minha casa, uma outra moça que entregou na minha casa, por coincidência para me ferrar, a mesma coisa tive que avisar para o amigo dele, para várias pessoas, ninguém quis saber... então é isso. E é esse rolo todo...
235
-
Você gostaria de continuar as oficinas de Arteterapia aqui?
-
Gostaria. Antes eu estava sentindo... posso falar?
-
Pode!
-
Antes estava com mais ansiedade, mais nervosa, mais fobia, mais
tudo, tudo o que você imagina. -
E agora?
-
Mais tranqüila. Estou dormindo melhor, saindo para onde eu
quero, enxergando as coisas, antes eu não enxergava as coisas, minha mãe tinha que me abraçar para sair com ela, é sério! -
Que remédios você está tomando agora?
-
Acho que é algo parecido com Daforim, Kopran e haldol que eu não
gosto, porque me dá muita ansiedade e me deixa nervosa, eu não gosto de tomar isso não. Os outros me melhoraram muito. Meu irmão ele sempre me ajuda, ele me disse que eu melhorei muito. -
Queria te fazer uma última pergunta, no que você acha que a arte
te ajudou aqui? -
Criar mais coisas e abrir a mente para o futuro, antes eu estava
completamente fechada, muito fechada, no mundo meu. Tinha angústia e problemas e não me abria com ninguém. Depois que eu vim para cá, fiz muitas amizades, falo com todo mundo, melhorei! Um pouquinho da minha vida anterior voltou ao normal, não muito, mas me ajudou. -
Mas você ainda está em tratamento, não é?
-
É. Eu estou me tratando. Mas eu acho que vou melhorar muito
mais coisas, com certeza. -
Turmalina, muito obrigado, lhe desejo tudo de bom, muita força e
felicidade. -
Ah, eu preciso mesmo de muita força, eu sou guerreira! Dizem que
eu sou guerreira, eu luto para tudo, não sou qualquer uma. Eu sou guerreira, eu luto para tudo. A música, foi assim, eu estava no último pedacinho, no dia da entrega, eu lutei, lutei, terminei, compus, e ganhei em cima da hora, e lutei, com força e com garra e ganhei 5.000 votos, eu ganhei. Foi um casal de bispos, de uma famosa igreja evangélica, da música gospel, que me ajudaram, ela que era a coordenadora do festival, eu tenho gravado tudo num cd e numa fita, ela que me ajudou a participar do festival e olha se não fossem eles, eu nunca iria saber se alguém
236
iria gostar da minha música ou não. Eles realizaram meu sonho, sem pagar nada! Eles me ajudaram em todo o processo de gravação, o pessoal vai adorar, vão adorar! -
Traz para eu ouvir e ver, se você puder!
-
Trago sim, você vai adorar! Eu vou trazer também o cd que tem todos
os tipos de músicas que eu tenho feito. -
Turmalina, muito obrigado! Desejo-lhe tudo de bom, suas produções
ficaram lindas. -
Obrigado você, foi bom, deu para desabafar um pouco.
Ela não me trouxe nada do que havia dito que traria.
237
ANEXO IX – ENTREVISTA PÉROLA
238
Fig. 80 - PÉROLA
239
ENTREVISTA COM PÉROLA
Hipótese Diagnóstica: F 20.9 = Esquizofrenia não especificada com quadro de demência vascular, ou F 29 = Psicose não-orgânica não especificada; está sendo submetida a vários exames, com suspeita de um quadro de demência. Ela veio acompanhada de sua nora M. Pérola está com provável quadro demencial e não se lembra de alguns fatos e de algumas atividades das oficinas que participou.
-
Pérola, gostaria de saber como você está?
-
Estou feliz, não estou muito feliz não, mas estou andando.
-
Como você se sentiu participando das oficinas?
-
Senti-me normal, na semana passada que eu não fui, não entrei (na sala
de oficinas) porque não estava sabendo de nada mesmo, então eu falei que não ia participar do programa, e rapidinho terminou. -
Você lembra dos desenhos e produções que você fez aqui? Dê uma
olhada, por favor. -
Eu lembro.
-
O que você fez?
-
As flores.
-
E os vestidos?
-
Também.
-
Como você se sentiu fazendo isso?
-
É como se eu estivesse brincando.
-
Do que você mais gostou nesta cartolina rosa?
-
Eu não gostei de nada.
-
Você lembra desta primeira cartolina dos nomes que você fez um
vestido? Você sabe que tudo isto foi exposto ao público lá fora? -
Sei.
-
Do que você mais gostou aqui?
-
Dos vestidinhos que eu fiz.
-
Você costurava, fazia vestidos?
240
-
Eu fazia para as meninas, para as minhas netas. Eu tenho máquina de
costura lá em casa e um vestido assim amarelo do mesmo jeito que eu fiz. Eu estou louca para ir para casa. -
Que casa?
-
Prá lá donde eu moro (voltar para o nordeste).
-
Em que você pensava quando produzia?
-
Eu não penso nada, porque eu sou uma pessoa que não penso.
-
E como você se sente?
-
Eu me sinto (ultimamente) mal. Eu não sou (era) assim, parece que
pararam a minha mente. -
Pararam a sua mente?
-
Pararam para não pensar e não fazer nada. Eu não tenho muitos
sonhos. -
O que você gostava de fazer?
-
Eu fazia um bocado de coisinhas, eu bordava, eu costurava, eu fazia um
bocado de coisas. -
Ah, é?! Bordava, costurava?!
-
É, bordava não! Eu bordo ainda!
-
Você se sente bem quando borda?
-
Sinto sim, mas agora que estou aqui, porque insistiram para que eu
viesse para cá, eu aqui eu não estou fazendo nada! -
O que você fazia?
-
Eu fazia roupinhas para as meninas, shorts para meus filhos, calcinhas,
eu mesmo faço. O que eu posso fazer eu mesmo faço. -
O que é arte para você?
-
Arte?!
-
É você olhar uma coisa e fazer e olhar outra coisa e fazer, fazer
coisas, já esqueci! -
Você está com dor?
-
Estou com dor no dente.
-
Você tocava algum instrumento musical, cantava, dançava?
-
Eu gostava bastante de dançar, eu parecia um rádio ligado, porque
lá na Bahia a gente é o que Deus quer. Mas aqui (em São Paulo), meu Deus do céu, que coisa chata!
241
-
E o que Deus quer?
-
E eu sei lá o que Deus quer, a gente faz o que tem na mente. Na
Bahia a gente tem a mente dominada. A gente não anda com a mente à toa, todo mundo fazer, todo mundo querer, todo mundo ser... -
Como é que é lá na Bahia?
-
Lá na Bahia eu não sei como é não!
-
Que cores você mais gosta?
-
Eu gosto de tudo quanto é cor, eu gosto das cores mais clarinhas.
-
Tem alguma cor que você não gosta?
-
Não.
-
Você disse que parecia um rádio ligado lá na Bahia?
-
Porque eu gostava de cantar, todos os dias eu cantava, andava
cantando e assoviando. Eu estou a quinze anos aí (aqui em São Paulo), mas eu não (tudo indica que queria dizer que não gosta daqui e que quer voltar para a sua terra natal). -
E quando você cantava e assoviava, como você se sentia?
-
Feliz, porque eu estava desabafando na natureza.
-
Desabafando na natureza?
-
Quando eu estava enraivada.
-
Você ficava enraivada e desabafava na natureza, é isso?
-
Eu estou com muita raiva! Eu estou muito perseguida. Não querem
mandar embora... a perseguição não acaba. Perseguição de gente. -
Você ouve alguma coisa?
-
Ouço tudo, eu não sou surda! Eu vejo vozes, os homens aqui, tudo
conversando, tem dia que eu não consigo nem dormir, de tanto que eles não deixam sossegado o meu juízo. É perseguição, perseguição! Porque eu não tenho nem menino, nem menina, mas eu sou uma pessoa sozinha, mas ficar (me) perseguindo de tudo quanto é jeito?! Eu vindo aqui, foi minha nora que arrumou, mas eu não sou daqui, não estou gostando daqui porque aqui nada é meu. -
O que você gostava de cantar?
-
Cantava modinha (mudinha – estava muito difícil de entender o que
dizia), tocava sino? -
Você lembra de alguma?
242
-
Não me lembro, mas aqui é que eu não canto mesmo! Aqui eu já
não canto mais nada. -
Como foi sua infância?
-
Infância?!
-
Trabalhar! Trabalhava quando era pequena.
-
Trabalhava com o que?
-
Trabalhava com o que?! Trabalha com roça! Com a minha mãe, quando
meu pai morreu e ficou eu e mais a minha mãe. -
E seus pais ou parentes faziam algo relacionado com arte?
-
Meus pais trabalhavam tudo com roça.
-
Você cozinhava?
-
Cozinhava não! Eu cozinho!
-
O que você gosta de fazer?
-
Eu gosto de fazer tudo.
-
Você já foi internada alguma vez em instituição psiquiátrica?
-
Já. Minha família que me levou para lá por causa da pressão e me
levaram para lá e me deixaram lá por três meses. -
O que você fazia para passar o tempo lá?
-
Eu bordava, fazia pano de fogão assim bordado, tudo eu fazia.
-
Você conversava com os outros internos lá?
-
Conversava! Conversava bastante.
-
Você tem algum sonho?
-
Ir (voltar) para minha casa (na Bahia), viver sozinha lá. Mas eles dizem
que eu não posso viver mais sozinha... -
Você crê em Deus?
-
Creio sim.
-
Qual é a sua religião?
-
A minha religião é a de Deus!
-
O que é a vida para você?
-
A vida é a vida! A vida que a gente vive, se souber viver, senão, vai
ficar penando. -
Você trabalhou em mais algum lugar, além da roça?
-
Já trabalhei com umas pessoas que me ensinaram metade das coisas,
mas que já me tiraram tudo.
243
-
O que te ensinaram?
-
O pouco que eu sei.
-
Você tem algum hobby, algo que gosta de fazer em seu tempo livre?
-
Não, não tenho não.
-
Tem mais alguma coisa que você gostaria de dizer?
-
Eu gostei da maquininha de costurar que eu vi lá embaixo, depois eu
não vi mais. -
Eu gosto muito de costurar e bordar, já fiz um punhado de panos de
prato para minha nora, eu faço um bocado de coisas. -
Você lembra de seus pais?
-
Meu pai faleceu, minha mãe mora em Carapicuíba.
-
Como eles eram?
-
Gente igual aos outros.
-
Faziam algo relacionado com arte?
-
Não. Eles nasceram em Juazeiro (acho que Bahia).
-
Como você se sente quando costura, borda?
-
Sinto-me feliz, mas para mim só. Quando eu estou sentada, bordei,
peguei, dobrei, guardei e pronto; e volta a pegar e bordar de novo.
- Pérola, muito obrigado e desejo-lhe tudo de bom. Suas produções ficaram lindas.
244
ANEXO X – ENREVISTA COM TOPÁZIO
245
Fig. 81 - TOPÁZIO
246
ENTREVISTA COM TOPÁZIO
Hipótese Diagnóstica: F 32.3 = Episódio depressivo grave com sintomas psicóticos. -
Meu nome é Topázio, tenho 39 anos, moro e nasci aqui mesmo neste
bairro, na rua X, perto do lugar Y. -
Você estudou até que série?
-
Até a quinta. Eu parei porque não consegui mais estudar, por causa de
más companhias. -
Qual é a sua relação com a arte?
-
Eu gosto de ouvir música e, por exemplo, assim música de enlevo
(ópera), de orquestras, do Queen que ele canta com a Montsserat Caballé, eu ouço muito rádio e músicas espirituais, mas sem barulho, eu ouço daquelas que dão para se ouvir muito bem, claras e cristalinas, essas eu ouço. -
O que você chama de barulho?
-
Àquelas músicas que não dão para você entender as letras, e a música
no seu total, tem que ser clara e cristalina; a voz, ouvir o que se está cantando; o instrumento entrar na hora certa, e eu tocava corneta de três pistões, na fanfarra municipal da escola, desfilei, fui tocar no Playcenter, quando tinha concurso de fanfarras; fui nadador Pirituba Caieras, fui campeão... -
Atualmente continua a tocar corneta?
-
Não, não. O pulmão não agüenta mais, porque o professor disse que
quem fumasse não ia agüentar, iria perder. -
Se você fosse escolher um instrumento para tocar, qual seria?
-
Eu sempre gosto de inventar os tons no violão e por isso eu toco, às
vezes, eu pego o violão quando estou sozinho, pego os dedos e toco algumas notas, notas que eu entendo, para mim é uma nota, é uma música minha, que eu entendo, sem ser as próprias notas musicais, e também estudei piano; no violão, por exemplo, eu aperto ou não as cordas, e faço um som, é mais um som que faço como se fosse música, é um arranjo para mim, sem apostila, sem notas musicais. -
E a natação?
-
Eu nadava, mas o professor também disse que se eu fumasse, perderia a
carreira, fui também para Pacaembu, mas também não deu certo porque comecei a
247
fumar naquela época, e eles lá comiam aveia que é mais forte, depois eu comecei uma dieta vegetariana, mas não consegui manter, e eu comia pão com banana, então não dava para acompanhar o mesmo ritmo deles, e eles treinavam dia e noite, tinham certos professores que ficavam tempo integral, e eu só treinava fim de semana, mas eu também treinava durante a semana. Em relação à dieta vegetariana, que não consegui manter, e, por exemplo, é como se eu tivesse um esquecimento total do alimento, porque meu pai, porque meu pai também não me ajudou, então comia, tomava cerveja, comia pizza, um negócio que não tem nada a ver com o esporte, então eu abandonei o esporte nesta área, até a música por causa da corneta, eu penso ainda em comprar corneta, com a flauta também faço meus arranjos, e também com teclado, minha mãe tem um teclado e às vezes eu toco no teclado, eu invento na hora, junto com o teclado eu toco um tipo de música, eu coloco um ritmo e escolho um ritmo menor que seja, porque tem um ritmo que não dá para acompanhar mesmo, àquele ritmo bem devagar, de bateria, calmo ou de ação, por exemplo, da Swat (série policial dos anos 70), um dia consegui tirar da Swat, mas depois, nunca mais consegui, dos guardas da Swat, na época que eu assistia televisão, tinha um seriado chamado Swat. -
Você lembra desta atividade do ônibus da Bienal que você participou?
-
Lembro, ficou bonito, ela (a psicóloga ou a terapeuta-ocupacional)
pediu para desenhar um ônibus, como eu gosto muito do ônibus executivo, eu desenhei duas rodas na frente e duas atrás, no executivo, quando eu vou para Santa Catarina, na casa da minha irmã, compensa pegar este aqui, mesmo em dinheiro, porque ele tem água, ele é mais rápido e mais seguro, se furar um pneu aqui, o outro já sustenta, então não tem perigo e ele tem dois andares. Eu achei bom também porque às vezes eu tinha uma questão de ser muito orgulhoso e trabalhar em grupo eu vi muitas coisas novas que a gente não vê, chuva, por exemplo, porque eu pegava muita chuva no ônibus na serra, por isso eu fiz aquelas nuvens ali, flores e esses detalhes nas rodas, e as pessoas que ajudaram a pintar, que cada um pintou do seu jeito, e eu também aprendi a pintar com o jeito dos outros e uma nova forma de pintura grande, porque eu só pintava quadros de cartolina e eu já tive aula de pintura no CECCO X, no Tendal (Espaço Cultural), aqui mesmo já tive várias professoras e professores de faculdade de pintura artística, então eu tenho várias coisas assim, só que os quadros da rede cultura de televisão, eu não estou com eles agora, mas eu não sei onde eles estão, mas é uma forma de expressão que eu uso, ou de chamar os meus colegas, ou de eu descarregar aquela mágoa, uma raiva
248
que eu tenho, eu descarrego no desenho, por exemplo, se eu estou muito ofendido, eu escrevo umas palavras assim, e depois, não que seja feitiçaria, mas eu escrevo algumas palavras ruins, mas depois passa. -
Aquele sentimento ruim que estava guardado?
-
É. Aí eu junto partes de raiva, por exemplo, a palavra vingança, e
pinto em tinta vermelha, eu passo por cima e depois passa a raiva ou a vingança, é um tipo de encantamento meu mesmo, uma magia mesmo, é sim. Vem das minhas próprias idéias para eu próprio poder descansar/descarregar, porque naquela hora eu estou com tanta raiva, que ao invés de eu mesmo me prejudicar, por exemplo, tomando muito remédio e tentar o suicídio, eu escrevo aquilo lá e depois eu conserto de novo e nos outros desenhos eu escrevo coisas boas... é bastante variável mesmo, eu gostei da idéia do ar condicionado, foi você mesmo que falou, e para eu ir para Santa Catarina, todos os ônibus têm ar-condicionado. -
O que você achou dos trabalhos, produzidos pelo grupo nas outras
oficinas de Arteterapia, aqui expostos? -
Eu gostei e achei interessante as cores, a expressão, o material e o
próprio abstrato que sai, dá para tirar muitas coisas das obras, para quem tem um imaginário muito grande... porque eu já fiz uma vez, o teste dos borrões de Rorschach, e a professora (aplicadora do teste projetivo de personalidade de Rorschach) até parou de perguntar do que eu achava de alguns (dos cartões) porque eu via muita coisa e ela até parou de escrever ( parou de registrar as respostas dadas) porque eu tinha muita imaginação. E eu também gostava muito de desenhar para criança por isso eu desenhei este ônibus aqui e coloquei (pintei a palavra) CAPS, porque eu tive momentos felizes, muito felizes, e eu queria que a turma do CAPS participasse também comigo, então eu coloquei de minha lembrança a palavra CAPS também, coisa boa, né?! Não é só coisa ruim. -
Você foi quem fez o projeto do ônibus e tomou a iniciativa de começar?
-
Foi, mas quem pintou, cortou foi tudo em grupo. Aí eu vi muitas
coisas que faltavam: as plantas, o sol, a chuva, a lua, a orquídea, não sei se é orquídea, porque a gente passa em duas ou três cidades e se vê na pracinha um monte de flores bem cuidadas, lá no Paraná, e quando começa a entrar em Santa Catarina... Dão vida, inspira a gente à não querer se matar (as flores, a natureza), porque eu tinha tendência para o suicídio, então o médico escreveu, ao invés de me suicidar, eu escrevia um monte de palavrões no papel, eu tampava... Mas estas
249
obras eu até joguei fora porque eram más lembranças que eu não queria lembrar... e eu nunca fui de ficar xingando os outros, era um verdadeiro descarrego e uma forma que me livrava dos pensamentos ruins... Inclusive eu dei uma entrevista na TV cultura onde eu mostrei um quadro que eu pintei conforme eu tinha sentido a vontade de me suicidar, por exemplo, na tentativa de suicídio que eu tive, eu desenhei no quadro como eu senti, só que para eu escrever ele, não deu para escrever o sentimento real, porque a gente não consegue nem falar, ou a gente se mata ou ninguém iria saber que eu estava passando mal na realidade, não que eu estava passando bem no suicídio, é isso. -
Topázio, como você se sente e no que pensa, quando você está
realizando uma produção artística? -
Eu vou ser bem religioso com você nesta parte, eu sinto um enlevo
espiritual, um enlevo mesmo, parece que eu saio dos problemas, que eu saio da rotina e me dá um descanso mental mesmo, eu me desligo de tudo que me causa problema na terra e começo também a inventar junto com a música, colocar alguns pedaços meus, conforme está cantando uma música, eu completo naquilo que está faltando, que eu acho que é essencial, que eu mesmo crio. Eu gosto muito de pintura porque tem essa possibilidade, é muito criativo, eu comecei o tratamento que eu já faço há vinte anos, vai fazer vinte e um anos, eu comecei com artes... -
Como foi isso? Para mim foi como desenhar uma árvore, uma casinha, uma grama e uma
cerca, tudo mundo desenha isso, também na escola eu tive... Porque no tempo que eu estudava, eu estudava numa escola particular, e na escola tinha expressão (educação) artística, na quarta ou quinta série, mas desde a primeira tinha, era uma escola particular e o professor um dia mandou a gente fechar os olhos, imaginar o que fosse, e passar para o papel. Eu fiz um homem saindo de uma flor, só que eu fiz com régua, era um desenho geométrico, e aparecia mesmo um homem nascendo de uma flor, e agora que eu penso nele, tem realidade, porque o professor pegou o meu desenho e mostrou para a classe toda e ele disse: ele tem grande possibilidade para o desenho, de ser um desenhista, eu já sou, mas eu não aceito que digam que eu sou um desenhista porque a minha obra nunca está completa, e eu tinha outro colega que desenhava carro, ônibus... -
Você acha que as suas produções nunca estão completas?
250
-
Eu acho, eu quero sempre o melhor, eu também tive aprendizado
aqui mesmo, quando era ambulatório, sobre a arte, quem era, quem pintava, quem não pintava, como ele era pobre de uma hora... teve um pintor que era pobre e gastou todo o dinheiro dele nos prostíbulos e depois faleceu assassinado, era um famoso... A inspiração minha, as professoras falavam: eu aprendi a história deles, não dos quadros deles, porque dificilmente eu via algum dos quadros deles, eu via mais a história deles, então eu ligo muito para história, porque eu gosto muito de história, apesar de eu ter a técnica certa, eu passava o dia inteiro em bibliotecas, lendo, passava noites inteiras lendo, eu pedia àqueles remédios que deixavam a gente acordado a noite inteira: anfetaminas, e eu passava a noite inteira lendo... -
Você adorava ler então?
-
Ler, pesquisar, desenhar, inventar e depois eu tive uma idéia, a partir de
escrever palavrão, eu tive uma idéia de rabiscar, aí eu pegava, por exemplo, algum pedaço de papel, que não estava preenchido, cheio de letra inanimada, que não dava para saber, e para mim, eu lia o abstrato, porque o abstrato mexe muito também com o sentimento de criança, e às vezes, para eu provar que eu gosto de ver criança feliz, eu vendo também bichinho inflável, durante o final de semana, aí cada bichinho inflável tem os seus desenhos, seus contornos, e também tem o desejo da criança, porque como eu tive uma infância violenta com o meu pai, meu pai é falecido... quando eu tive violência, eu sei o desejo das crianças, deste motivo, aí eu vendo mais barato e elas nem percebem, e a turma até me.. (acho que ele quis dizer: “e a turma até acha mal comigo...”). Porque eu compro e vendo mais barato, ou vendo o mesmo preço, ou dou, ou troco, ou boto de volta, quando eu vejo que a criança é meio assim... E também dá para tirar alguma coisa artística dos animais porque cada um desenha de um jeito os animais, nos documentários: ferozes, de leão, ou alguma coisa assim... eu também reparo nas obras, toda vez que eu entrava nas casas e entregava móveis, porque eu trabalhava também com isso, eu olhava muito para a criatividade dos quadros, e às vezes até parava de carregar o sofá lá para cima no meio da subida nas escadas e ficava olhando os quadros e tomava uma bronca. -
Então você sempre gostou muito de arte?
-
Eu sempre gostei, mas tem época que eu não estou a fim de nada!
Aí não adianta por no papel, porque só vai sair um risco para lá e para cá, e às vezes, eu estou até um pouco satisfeito porque alguns dos meus primeiros
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desenhos em ambulatório foram parar em CAPS de criança! Então levaram muitos desenhos meus para CAPS de crianças. -
Por que razão mais você vende os balões com o mesmo preço que
você comprou, ou mesmo dá os balões para as crianças? -
Porque assim eu me sinto feliz, é como se eu mesmo tivesse ganhado
aquele presente, é como se eu fosse criança e tivesse ganhado aquele presente, sinto uma satisfação, ser útil. -
Como foi a sua infância?
-
Foi cheia de violência porque três horas da manhã, meu pai
chegava e me acordava com socos, murros, apanhava com corda, fio de ferro, cinco horas da manhã ele tacava água em mim se eu fizesse xixi na cama, e eu ajoelhava no feijão e na água molhada cinco horas da manhã, naquele tempo não tinha horário de verão! (Risos). Porque meu pai me batia muito com murros, socos, tapas, em São Paulo, no bairro Jardim Regina, meu pai bebia e tinha ataque epilético, ele era muito nervoso, aí eu comecei a ficar violento, como ele, com meus colegas. Como eu não ficava em casa, eu dormia em cima do telhado igual a gato. -
E sua mãe?
-
Quando eu fui crescendo, comecei a ter mais idéias, porque eu
trabalhava com meu tio de vender frutas, então, pero de casa, tinha uma rua com duas casas para alugar, eu entrava lá na janela e dormia lá... Dormia sossegado, em vez de dormir no mato, eu já dormi no mato! Eu preferia dormir, se chovesse num lugar coberto, porque era sobrado lá, e quem tinha sobrado naquela época era considerado rico, e dormia mais protegido também, do que dormir no mato, porque quem tinha uma casa daquelas era rico (risos), então para mim, tinha paz lá, uma que eu estava sozinho, outra que eu sentia que era a minha casa, eu estava lá sozinho, estava chovendo forte e eu estava com dinheiro para comer no dia seguinte, a minha preocupação era esta, então eu aprendi sobrevivência, porque eu fui também escoteiro, guarda-mirim, eu fiz muitas coisas em pouco tempo. -
Sua mãe não fazia nada, vendo toda esta agressão de seu pai?
-
Não, aí eu fui crescendo, aí eu voltei para casa, minha mãe me aceitou
de volta, aí meu pai um dia estava pegando no pescoço da minha mãe, eu tinha uns 14 anos, e quando saí uns 10, 11 anos, quando eu saí de casa, eu fiquei lá mesmo no bairro, porque eu conhecia todo mundo e dormia na casa de aluguel, a casa estava para
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vender, o homem chegava lá oito horas da manhã, e eu saía cinco horas da manhã para já vender alho e as coisas... e eu fui crescendo até que um dia meu pai me deu um empurrão, me bateu e eu revidei, e eu comecei a separar ele da minha mãe, porque ele pegava no pescoço da minha mãe e via ela vermelha (o pai tentava enforcar a mãe de Topázio) e eu dava socos nele, porque ele estava com as duas mãos no pescoço da minha mãe e eu tinha que dar socos, socos fortes, ele pegou e levantou um facão e ia dar um facão no pescoço da minha mãe, aí quem pois a mão foi minha irmã e ela inclusive cortou a mão, ele pegava o carro e fugia, e eu também pegava o carro e fugia, minha mãe tinha que defender eu e minhas irmãs que eram quatro, e ela tinha que pagar comida, aluguel e todo o resto, ela trabalhava como costureira. -
Ela é viva?
-
Ela é viva. Ela nunca pensou em separar do meu pai porque naquele
tempo, não era igual hoje, eu não sei as falas dela porque eu não posso responder por ela, a separação naquele tempo não era bem vista, não era bem-visto mesmo. Eram amasiados, meu avô ensinou sempre a minha mãe a ser... Meu avô era europeu, minha avó também, meu avô era da Hungria e minha avó é da Romênia, eles vieram de navio para o Brasil, é minha avó conta às vezes, que eles vieram por causa da guerra para o Brasil, minha avó está viva, ela já é bisavó, tataravô, ela é mãe da minha mãe, mora eu, ela e minha mãe em casa, minha avó tem 83 anos. -
Seus avós e seus pais faziam algo relacionado à arte?
-
Você sabe que os europeus cozinham muito bem, os húngaros... É uma
arte também, eu gosto muito de uns doces que vêm da Hungria, “tchoren”, o macarrão com amendoim, aqueles pães trançados com coco, eles cantavam, eles eram católicos, minha mãe tinha piano e ela tocava música calma, quando eu estava nervoso, quando eu apanhava, ou eu assoviava, inventava música, e por isso minha mãe sempre me ensinou a cantar, a rezar neste modo... A orar... As coisas todas. -
O que você cantava, você lembra?
-
Lembro. Homenagem a Há(e)ndel, às vezes, eu não me lembro os
nomes ao certo, mas seu sei como toca, minha irmã canta num coral, então ela gostava muito de Beethoven, assim como eu gosto de ópera, dependendo da ópera, da situação. -
Como você se sentia quando sua mãe tocava piano para você?
-
Eu me sentia calmo, protegido... Ela até contava histórias para mim da
galinha que se queimou, mas os filhotes saíram vivos, que pegou fogo no galinheiro, essas coisas... Então era um direcionamento da bíblia, porque todo mundo já leu a
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bíblia alguma vez, não inteira, mas todo mundo tem um exemplar em casa que eu acredite, mesmo que seja para vasculhar... Tem tudo a ver com arte também. -
Você tinha dito antes do homem saindo de uma flor, isto tem algum
significado para você? -
Um novo nascimento, eu poderia dar várias histórias, porque quem
mexe com isso tem muita criatividade, imaginação, para mim era uma rosa, um homem tratado com amor... Saindo de uma rosa, agora que me veio a idéia de um filho saindo de uma mãe, mãe amorosa, apesar de que hoje em dia eu não sei, mas naquele tempo era mesmo, muito, muito difícil era ver uma mãe que não gostasse do filho... -
E o que aconteceu com seu pai?
-
Ele melhorou, fez paz comigo, fez paz com minha mãe, começaram a
conversar, aí deu ataque epilético nele no serviço e ele morreu no meio dos ferros, porque ele era moleiro, soldador-moleiro, soldava e mexia sempre com ferro e com fogo, solda elétrica de 220, 400 volts, caiu e caiu de pescoço no ferro e furou o pescoço. -
Tinha algo bom na relação de vocês?
-
Ele era muito trabalhador, tinha a mão grossa, parecia até casca de
tartaruga, ele era trabalhador, ensinava a trabalhar, só que eu já devo ter nascido com problemas da família dele, porque a família dele era baiana e a da minha mãe é outra. -
Você vê alguma diferença nas produções realizadas pelas pessoas daqui
do CAPS em relação às outras pessoas? -
As pessoas aqui podem ser mais criativas e sensíveis, dependendo das
pessoas que a gente conhece, tem pessoas que vêm de lar pobre, de lar rico, então depende. Na minha situação eu vivia numa casa pobre, na outra semana eu ia para o sítio, para a piscina, então eu sei o que é pobreza e o que é riqueza, até hoje em dia, os lugares que eu freqüentava às vezes, que eu freqüento, o Palácio do Governador que eu ia, vários teatros, a gente sente bem nesses lugares, mas isso não é riqueza nossa! Riqueza sempre dependendo de alguém, de algum estudo, de alguma coisa mais avançada, eu tinha minha tia que cuidava de mim nesse assunto, porque ela era professora, minha mãe era professora, ela, a minha mãe, é professora de crianças até quatro anos, inclusive tinha livros de psicologia de crianças que eu lia, às vezes, então eu não estava na situação de cuidar de crianças, então eu não lia, eu deixava para lá... Só lia alguns pedaços e deixava, porque para mim era muito cansativo, ela é da idade do “Hall?” do berço aproximadamente.Também tem o sofrimento que me possibilita
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fazer estas coisas de arte, ele possibilita muitas coisas, eu não posso falar dos outros, mas eu também pergunto para eles também, se é uma pessoa que tem esperança ele, já vai desenhar um prédio, sonhos... Um castelo seu, vai desenhar um castelo, mas se o castelo for de areia, aí é coisa feia mesmo, então tem as duas partes, a parte do sofrimento, de não querer desenhar e a inspiração, tem muita inspiração, porque a pessoa quando era pequena, a gente olhava muito para a lua, para a estrela, procurando uma ajuda assim, sem ser... Eu até me atrevo a falar isso, porque naquela época ensinava-se sobre Mateus (da bíblia) porquê deus deixam baterem em mim, essas coisas todas, sofrer tanto, deus é aquele carrasco... Então a gente imagina de tudo e dentro do hospital, nós não temos costume de falar de deus, mas acontece essas coisas aí. -
E Deus para você?
-
Não! A gente olha para as estrelas de noite e alguém colocou ali... E a
gente desenha isso, desenha estrelas, coisas coloridas, coisas boas! Pode ver que as cores que estão saindo agora são até mais vivas... Cor mais viva, esperança... Eu também aprendi que a esperança de ter uma vida melhor... Por exemplo, quando eu desenho um carro, eu gostaria de ter um carro melhor... Eu não tenho carro, mas já tive! Um carro bonito, com tecnologias, essas coisas... Que todo mundo tem que trabalhar para conseguí-las, não chega a ser inveja, mas é um sonho. É um desejo que a gente pretende lutar... Para ficar sarado, eu não sei se isto é até ilusão! Mas se a gente recuperar a saúde, porque tem muita gente que recupera a saúde! Para mim é estranho falar nisso porque eu mesmo perdi a minha saúde! Até as mulheres que fazem os benefícios, elas falam: De uma hora para outra você pode recuperar, não é para a vida inteira! Eu também já ouvi outras pessoas falarem que é para a vida inteira! Aí eu desenho coisas tristes, mas quando a gente desenha coisas tristes, eu já não gosto das coisas tristes... Aí eu jogo fora! Eu já amasso no começo, quando eu vejo que está saindo triste, ou uma cor que vai trazer depressão, eu já não gosto! -
Você quer se afastar destas coisas para não te trazer mais tristeza?
-
Isso! E as cores vivas, você pode ver que eu gosto muito do vermelho,
do azul, do amarelo, das cores que trazem alegria, esperança, força, e afastam as coisas ruins. -
Quem são essas mulheres que fazem benefícios?
-
Ah! É quando a gente recebe do I.N.S.S. A gente às vezes fala para
elas: a gente nunca mais vai ter cura, né?! Elas respondem: Não! Pode ser que
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sim! Pode ser que ainda tem, né?! Porque agora com os remédios atuais para depressão, eles estão fazendo milagres! Estão descobrindo muita coisa sobre a química no cérebro. Eu já tinha perdido a esperança uma vez, de melhorar, e resolvi ser voluntário de uma pesquisa com injeção, onde eu morreria ou ficaria sarado de uma vez! Eu pensava na minha cabeça, porque até esses remédios faz ilusão em nossa própria vida, né?! Eu falava: nós vamos viver desse jeito para sempre?! Isto não é uma vida: Ficar no hospital fechado! Isto não é uma vida, ficar dentro do hospital, não é igual aqui que a gente vem para cá e volta para casa, tem nossos compromissos até de final de semana. Mas, ficar num hospital para lá e para cá, comendo, bebendo e dormindo, e não ter nada para fazer?! -
Você já passou por internações psiquiátricas em hospitais
fechados? -
Já, várias vezes! É que só em falar desses hospitais... A gente quer, é
mesmo esquecer o que passamos lá! Um instante a gente quer esquecer, outra hora a gente quer lembrar... Só que eu fui mais internado em CAPS, bem mais em CAPS, do que em hospital que foram eu tive uns três ou quatro (vezes internado?). -
Como foram as suas internações?
-
Foi ruim! Tomar àquelas injeções de calmante... A mãe chorando
sem saber o que faz com a gente, para mim, eu pensava que eles me matariam com àquelas injeções e meu raciocínio nunca mais iria voltar... Eu já li também que o raciocínio pode voltar... Voltando o raciocínio, tudo volta! Saúde, e tudo o mais... O importante é o raciocínio! -
Mas você teve alguma melhora, não?
-
Eu estou melhor, mas, às vezes, sozinho eu tenho as minhas ilusões
também, aquele negócio de criança afetou! Afeta! Se eu desenhar, eu desenho uma coisa que era secreta (risos), assovio, agora eu não assovio muito, assovio cria música! Eu tocava gaita, meu avô tocava gaita para me acalmar... Porque eu ficava nervoso, meu avô era da Hungria. A minha avó é romena, ela tem identidade do exterior, da Romênia (pelo que entendi ela se naturalizou, mas tem identidade da Romênia). -
Então seu avô tocava gaita para te acalmar?
-
Tocava, e eu dormia. Ele conversava comigo, sempre três horas da
manhã (ele acordava ou saía) para trabalhar e voltava as três, quatro horas da tarde. Ele sempre me ensinou a trabalhar... Ele pagou muito aluguel, ele
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construiu... Ele trabalhava com borrachinhas, chupeta de neném, o dia todo ele fazia, ele era muito forte, então, ele ficava trabalhando na prensa, ele me levou uma vez, sempre me ensinou a trabalhar... -
De que forma a arte pode ajudar os pacientes do CAPS?
-
Ajuda também a ver a... Ajuda também a desenhar os castelos,
porque tem muita gente aqui com depressão que já não sabe mais nada! Aí se eu escuto me falarem: Desenhe uma coisa que você queria para sua vida, por exemplo, aí eu crio a minha ilusão, mas, aí depois, eu vou viver na realidade: gostaria disso, gostaria daquilo, faço uma casa bonita, faço umas cores bonitas, gostaria que fosse assim, gostaria que fosse assado, tal e tal... E às vezes, a gente está andando por aí, às vezes, estamos tristes, voltando para casa, pega um ônibus confortável e pensa: Olha! Este ônibus parece com aquele rapaz que desenhou, ele desenhou, e às vezes, ele nunca viu aquele ônibus, e aquele ônibus está no papel! São umas coisas muito animadas! Eu nem sei... Inanimadas são àquelas coisas que não se mexem, não é? -
Exato.
-
E isto (o animado com o inanimado) se misturam na pintura para
comigo, e comigo é assim, eu posso responder de mim sobre esta parte, comigo sim. -
Eu não entendi muito bem, você pode me explicar melhor?
-
É assim, a pessoa nunca imaginou que iria existir uma coisa
daquelas, aí ela fala: eu gostaria que houvesse um ônibus que tivesse isso e aquilo, e ela pinta... Aí fica uma inspiração! Uma inspiração! E eu acredito que têm até gênios nos hospitais! Porque descobre muita (coisa?)... ou gênios, ou professores também tem nos hospitais (psiquiátricos) porque eles foram mal agradecidos pelos seus alunos, então tem professor em CAPS também! -
Como assim?
-
A primeira pergunta que eu faço quando chega algum novo paciente do
CAPS que era professor, eu digo: eu sei porque vocês estão aqui: porque vocês (foram) eram mal-agradecidos, não é?! Os alunos foram mal-agradecidos com seus professores: nunca deram um presente para eles, tratavam-nos mal, nunca fizeram estas coisas, e os professores respondem: É isso aí Topázio, você sabe (você me entende), e eles começam a conversar comigo... e a gente vai vendo, a gente desenha, elas desenham, as professoras desenham, às vezes, as professoras ensinam, nós mesmos nos ajudamos, às vezes elas mesmas ensinam a nós também...
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-
As pessoas se ajudam aqui?!
-
Ajudam-se. Então o estudo não parou na quinta-série, atrás, no
diploma... É uma formação constante, sempre progressiva, sempre progressiva, e tem até aquele ditado que diz que quanto mais eu sei, sei que mais, (ele disse primeiro mais, e logo à seguir: menos) menos eu sei?! Ou Sei que nada sei, tem bastante ditados... -
Você estava falando dos gênios que têm nos hospitais.
-
Têm! Têm aqui, têm na rua, não vou desclassificar as faculdades, nem
nada, porque têm muitos... (não deu para entender claramente o que ele disse). Os professores, por exemplo, que vêm aqui com a gente, pedem uma sala emprestada e no final das contas vão embora, ou a professora, aí quando ela fica sabendo, não vai saber nunca, porque eles se separam, mas fala: aquele professor me deu a idéia disso, daquilo... Isso são os gênios que eu estou te falando que às vezes as pessoas que perguntam para a gente: como você queria que fosse um ônibus? Aí eu já disse: Eu mesmo já presenciei um rapaz que desenhou um ônibus e eu falei assim: nunca na sua vida você vai ver uma coisa dessas, e eu vejo vários desde a hora... As pessoas inventam, não sei se vêem na televisão, porque estamos num país de terceiro mundo, mas acontece! Acontecem muitas coisas nestas partes, ou a pessoa vê na televisão e pinta aqui no Brasil essas coisas todas, porque do primeiro mundo, que eu sei que nós temos aqui no Brasil, é o caminhão de bombeiro, ou na avenida Paulista que tem um aparelhinho aqui e outro ali de primeiro mundo. -
Quais são as outras oficinas do CAPS que você participa?
-
Pintura, psicoterapia, e a médica.
-
Como são as oficinas de pintura?
-
São boas, a gente não tem muito em exagero, e é bom a gente ir com
calma, desde o início, a gente começa a fazer isto, aquilo, porque não são todos os dias que a gente está fazendo coisas alegres, há dias que fazemos coisas pesadas... A nossa vida é normal, como a dos outros. -
O que você chama de coisas alegres e pesadas?
-
Até na cor, quando carrega muito preto, vermelho... Vermelho já
lembra algumas coisas, dependendo do vermelho, porque eu já vi meu pai todo arrebentado, tendo ataque epilético, lembra sangue, lembra bastante coisas... -
E o preto?
-
Lembra caixão!
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-
Quais são as cores que você mais gosta?
-
Amarelo, vermelho, não o carmesim, mas o outro vermelho. Cores
vivas, cores vivas... Não é que eu lembro, mas me faz sentir coisas boas da vida, porque só viver reclamando, viver coisas más, já estou cansado; isto todo mundo está cansado hoje em dia! -
Você é solteiro, casado?
-
Solteiro.
-
Você acha que a arte pode prejudicar a pessoa de alguma maneira?
-
Não, só se a pessoa fizer propaganda ilícita, aí esta arte vira crime, só se
for em relação a prejudicar, a obra de Hitler não iria ser bem vista, do símbolo nazista, do jeito que foi. -
Mas quando a pessoa é forçada a fazer algo artístico?
-
É isso também não é bom, por exemplo, uma estátua de Saddam
Hussein, do Bush ou de qualquer coisa, é ruim, porque podem usar a arte de maneira destrutiva, quando se cria uma insígnia e o povo acredita e mata por causa da insígnia. Eu trabalhava também com insígnia. -
Como era?
-
Tropa de choque... Então também pode ser coisa para usar... eu não
acredito muito nisso de usar o mal para o bem, mas creio que: ou a pessoa não tem mais esperança da nada, ou a pessoa vai para o tudo ou nada e as coisas vão parar em coisas mais sérias, insígnia é uma coisa muito séria, que já envolve cidades inteiras, municípios, envolve bastante coisas, dois trigos, dois leões, são coisas bem diferentes: o trigo do leão, uma carabina de bandeirantes, tem tudo isso aí... -
Você foi à Bienal, como foi para você?
-
Para mim foi super legal porque eu conheci umas artes, que é isso
que você falou antes, que eu acho que por causa da censura, estas artes não eram divulgadas, pela censura da ditadura, eles não puderam expressar àquelas armas, aqueles facões, as pessoas sem braço, os acidentes de trabalho que eles não punham, expressar a realidade mesmo, nua e crua: a violência, a pobreza, na guerra, como nos E.U.A., a gente não pode tirar fotos, eles barram quem estão tirando fotos lá: da miséria! Eles não querem retratar isso. Mas lá também tem miséria, e às vezes, bem pior, às vezes, onde para quem tem muito, a pobreza pega mais ainda. A gente sabe também que as insígnias, os desenhos, os símbolos tem muito a ver com os acontecimentos, chegamos às vezes a sermos até
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adivinhos: o desenho, por exemplo, um tipo de arma, tem gente que tem intelecto para desenhar uma arma, um carro, uma bomba atômica, quem a fez é um gênio, mas foi para o mal, e a natureza está agora reclamando o que fizeram com ela. -
Do que você mais gostou na Bienal?
-
Do ônibus, quando foi para colocar os nossos rostos para tiramos fotos
(do ônibus que os levaram na Bienal e eles reproduziram na semana seguinte na oficina de Arteterapia), também gostei de uma moça que eu paquerei umas duas ou três vezes, gostei do passeio, pelo fato de juntar todos nós e não estar sozinho, principalmente não estar sozinho, de andar de ônibus, por exemplo, quem anima muito a gente são as pessoas que vão conosco e ajuda a gente a se levantar (melhorar o humor, o ânimo), as meninas, as estagiárias e estagiários, isso ajuda a gente bastante. Porque às vezes, a gente está sem idéia nenhuma e eles aparecem com uma idéia, e a gente já fica contente como crianças mesmo. -
Teve algo na Bienal que não gostou?
-
Daquela obra que parecia uma cegonha sem braço, sem os dois braços,
no ombro. -
Por que você não gostou?
-
Porque as pessoas que não têm nenhum dos braços, e nem o toco do
braço, só o ombro, não dá para fazer nada! Nem para comer, nem nada, e de pé ainda! Ah, não! Quando a pessoa fica imobilizada assim, não gostei! -
Quando você diz da coisa mágica da arte, o que é isso?
-
É porque a gente cria! A gente cria coisas que não imagina, que
não... Eu, por exemplo, e não sou só eu não! Tem vários casos assim, um dia eu cheguei a pintar um quadro, só que eu não usei a tintura certa, não pintei com cobalto, não fiz a técnica! Passando algumas semanas e alguns meses, eu vejo o meu quadro numa folhinha de papel! Numa folhinha de calendário! E vejo lá o quadro e digo: Ué?!, Mas este quadro é meu! E o rapaz tinha copiado, fazendo isso com técnica! -
Mas ele não poderia ter feito isto, os direitos autorais são teus!
-
É, eu sei, ele não podia ter feito isto! E outra coisa: ele me chamava
para ir a sua casa para desenhar, e ele punha a assinatura dele! -
Você reclamou, ou tomou alguma atitude?
-
Eu fiz! É que ele faleceu.
-
Quem ele era, artista o que era?
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-
Ele vendia quadros, aí quando eu vi aquilo, todos falando o que que ele
fez, não vou citar o nome dele... Quem fez isso fui eu! O original, ele comprou tudo de mim por um certo valor monetário, mas eu pensei que ele não era nada, que ele não ligava para arte, aí quando eu vi... Aí, quer dizer, a minha consciência estava livre e tranqüila porque era meu, então eu não tive muita briga por isto. -
Hoje em dia você trabalha?
-
Às vezes eu vendo carrinhos, bichinhos infláveis, só que é por pouco
tempo, meio período. Carrinho de criança, eu vendo na rua, na avenida, e quando, por exemplo, quando é o dia das crianças, eu vendo carrinhos... quando é domingo e eu estou inspirado para vender, porque não é sempre que estou inspirado com conversa para poder vender... Eu compro estas coisas, na rua vinte e cinco de março, na rua barão de Duprat, a gente compra onde tem nota, porque tem lugar assim como lá, que se for roubado, e não tem nota, de nada adianta; a gente tem que sempre estar pagando com a consciência, e eu gosto do que eu faço. Porque quando eu estava sozinho sem ninguém, às vezes, eu precisava conversar com alguém, tomar um café ou comer um sanduíche, um pastel, aqui a gente encontra estas pessoas, a gente come, têm aqueles encontros aqui e depois vai para casa. Eu tenho o costume de andar sozinho, eu gosto muito, mas não ficar solitário direto, então a gente vem aqui, conversa, come algumas coisas, às vezes almoça junto, fazemos bastante coisas, jogamos... Gosto de ir lá para a praia com a minha irmã, andar lá, levo uma vida comum, mas às vezes, não dá para viver isso em casa porque a gente não está trabalhando, não tem nem suporte de saúde, forças para trabalhar, se fosse o caso de ter forças, estaríamos trabalhando, então a gente aqui mexe muito com as idéias, tem um rapaz também... Tem bastante gente aqui, que os estagiários descobrem o que a gente pode fazer, do que a gente é capaz. -
Como assim mexer com as idéias?
-
Mexer com o imaginário, usa uma mente pensante e fica uma mente
pensante, isso se tem em todas as classes. -
Como foi para você participar da atividade onde discutiram sobre a
Bienal e fizeram o ônibus? -
Foi legal, gostei muito. Porque quando nós saímos, recebemos um
comunicado e saímos com boas pessoas, porque tem gente que vê, por exemplo, um de nós sem dente e já sai de perto! Se souber então que fazemos tratamento, acham que vão pegar, como se fosse uma laranja estragando as outras!
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-
Há muito preconceito?
-
Há. Às vezes quem está com problemas nem é a gente, são eles
mesmos! Então consideramos tudo, então na psicoterapia que vou fazer daqui a pouco, a gente considera tudo! -
Que bom que vocês têm esta consciência!
-
A gente aprende a respeitar cada um o seu espaço. A respeito
da reportagem, vieram fazer uma reportagem da rede cultura, mas eu não ganhei no concurso e eu consegui que me colocassem para falar. Como eu tenho muitas internações em CAPS, e eu tomo remédio desde 1986, eu venho desde 1986 desenhando e acompanhando com uma artista plástica, então elas passaram muita teoria, cada um tem seu jeito de pintar, tem a cor. Só que eu tinha parado. Começou na T.O. (terapia-ocupacional) pintura, então eu pegava uma parede inteira com aquele papel redondo que eu não sei como se chama, então conforme eu ia desenhando, eu ia melhorando, aí elas falaram para mim que é bom desenhar, aí de tanta raiva que eu tinha eu desenhava, que eu já te contei, mas agora a gente pode descarregar por palavras ou mesmo ficando quietinho, não precisa pintar mais para escapar a raiva, e eu melhorei. Até o remédio me ajudou bastante, porque eu tentava suicídio e ia parar no pronto-socorro toda a semana, todo fim de semana estava em pronto-socorro, pegando bastante remédio, tudo colorido, as imagens coloridas... Eu desenhava frutas, outros que apareciam formas que não dá para descrever, umas figuras abstratas, só passando para o papel, as palavras para mim... Mas não era fruta, eu fazia aqueles abstratos, não era abstrato, eu fazia tudo naquele negócio de dobras, eu gosto muito de abstrato por causa disto, aí a pessoa via uma coisa, eu via outra. -
Você gosta do abstrato?
-
Gosto, porque a professora que eu tive do instituto, lá eram feitas
exposições e ela me ensinou umas técnicas legais, geniais. -
Por que abstrato?
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Porque ela mesma disse que mexe com a imaginação, da criança, do
adulto, então se eu fosse para Santa Catarina, eu ficava olhando o mar, até a cor do mar... é cristalina, é marrom-claro, é até meia verde, não sei se é por isso que é barriga-verde, eles jogam detergente e fecham as comportas do esgoto em tempo de verão, então eu pintava aquelas ondas, via aqueles prédios, aí eu pintava ondas cobrindo os prédios, igual aos tsunamis, e eu trabalhava em fazer surfistas e ondas,
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então eu trabalhava o arredondado, eu ia para Santa Catarina todo o ano e trazia sempre da ilustração, porque eu tenho sempre que tirar alguma coisa, o que é bom eu consigo tirar, e eu desenhava para crianças, para aprenderem a desenhar, aí que elas descobriram. -
Você já pensou em ser professor de crianças?
-
Eu pensei em ser na pintura, mas eu já fui capitão-mirim, eu ensinava
na hora, por exemplo, tinha sempre alguém que tinha a palavra, eu tinha a palavra, porque eu tinha comandado, isso na guarda mirim, tinha autoridade... ia acampar, aprender sobrevivência, tanto é que eu tentei vários suicídios, por isto estou aqui, senão eu já teria ido embora. -
O que se fazia lá na guarda mirim?
-
Aprender a defender, a marcar nosso território, não deixar outros
entrarem em nosso território, mas nós éramos mais do bem, se víssemos um moleque roubando as coisas, deixava. Quando acontecia à noite, desde criança a gente aprendeu a lidar com isso, então era mais entre crianças, para separar brigas... mas, o que eu mais fazia, isso era meu trabalho, ensinar mesmo, falar para eles as técnicas, e sempre tinha treinamento, até o Bush tem superior, qualquer homem tem superior, é isso. -
Você conversa bastante com as pessoas aqui, não é?
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É, é porque eu já fui autoridade, tem gente que fala que eu ainda sou, eu
vim, vendo, fazia equipamento para a tropa de choque. -
Vende?
-
Vendo! Até tenho alucinações, é delírio, é delírio, porque eu chego no
telefone quando eu estou com muita raiva e falo: Eu quero a show-choque aqui, e eu vejo que os meus patrões, eles não gostam de, por exemplo, assim: era para eu me aposentar, aí também tem coisa, eram meus patrões, eu fazia equipamentos para a tropa de choque, depois eu fui internado e eles pagaram para mim o I.N.S.S., e naquele tempo era o I.N.P.S., e eles ficaram com raiva não sei do que, eles pagaram para mim mais coisas e quando minha mãe foi no INSS, uma mulher não cumpriu o dever, ela disse que iria me encaixar em algum lugar, então me encaixou no salário mínimo, às vezes, eu quero comprar tintas, mas não tenho condições e aqui a gente pode usar, usar os lápis... Conforme eu vendo equipamento para a tropa de choque, eu ganho em cima, hoje em dia. -
Você faz mais alguma coisa relacionada à arte?
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-
Desenhar eu já cansei de desenhar, estou começando a escrever agora
de novo, estou abrindo um diário, agenda que tinha bagunçado um pouco, eu estava sem droga (remédio) há 12 (?) anos, mas sabia que iria ter uma recaída um dia, é muita coisa. Eu, por exemplo, freqüento o hospital desde os 18 anos, inclusive eu ia trazer um filme aqui e esqueci depois. (Ele me trouxe um CD que gravou para mim, onde é entrevistado pela rede cultura de televisão). Fui criado pelos velhos nos hospitais, eles falavam o que é isso, alguns conseguiam pensar mais... Sobre o prêmio que eu recebi é uma coisa, a filmagem da cultura é outra, que é boa para estudantes. O prêmio, é que nós estávamos na pintura e todo o ano tem o Festival de Artes Arthur Bispo do Rosário, então eu mandei uma obra, mas ainda não recebi a resposta... ainda não deram os vencedores de 2006. Da entrevista feita na Rede Cultura, fala sobre o que acontece no hospital psiquiátrico, no hospital fechado, e eu mostro meus quadros e elas deram atenção para os quadros, porque nos quadros, quando eu estava com muita raiva, quando eu tentava suicídio, a gente sentia a goela, a gente nunca consegue falar na hora, mas lembra alguma coisa depois, mas não é nem o que a gente lembra, é pouca coisa o que a gente consegue passar (expressar) no papel, que a gente está num transe... -
Como eram os quadros?
-
Eram os rostos e pescoços quando a gente toma muito remédio,
tentando o suicídio. Eu tinha o costume de todo o fim de semana procurar o pronto-socorro, e elas conseguiram me barrar (o trabalho feito no CAPS e em ouros centros de tratamento/atenção) e eu não preciso mais ir parar no P.S. (pronto-socorro). Aí eu vejo se eu tenho dom na pintura... -
O que mais te ajuda?
-
Os toques que as médicas dão, os remédios dos doutores, as outras
atividades aqui, mas às vezes, mesmo com o remédio a gente não está estabilizado, depende da dose, do dia... A gente tem psicóloga também. Às vezes, a gente fica pensando numa coisa, acaba falando antes da hora e acaba não fazendo, mas são muito importantes eles (os profissionais do CAPS) aqui mesmo, é mais importante do que P.S., porque era um vício terrível isso: pronto-socorro, tomar café e fumar, beber água, assistir televisão e nervosismo, não fazia nada, só ficava nervoso, arrebentava a minha casa, ficava só nervoso. Quando a gente está com raiva, hoje, eu espero um pouco e passa, parece que a gente descarrega, mesmo esperando, mesmo sem falar, ou agora mesmo, fui descarregando no
264
ônibus, só que eu falo baixo, antes eu falava muito mais, olha os tipos de maldições que eu falava dentro do ônibus, hoje não mais: Para arrancar a língua com alicate, são só terrores, terrores da guerra, de assistir filmes de guerra, inclusive que eu aprendi isso na FIESP a ensinar a criança, o que ela tem, lá em Israel, eu conheço a história, nem gosto muito da história, os meninos a partir de sete anos já estão pegando em armas, treinando para a guerra, não só em Israel, Líbano, Palestina... eu acho que como eu tive policiais que também me davam arma, tanto é que eu fiquei doente de tanto trabalhar e de raiva, é terrível! Se tivesse um revólver, já teria ido alguém ou eu mesmo. Mas eu pegava em metralhadora, mas era tempo da ditadura, eu tinha nove anos. -
Você ficou doente por que?
-
Teve um médico daqui que descobriu que era desde criança: muita
violência em casa. Eu comecei com ele a parar de tomar muitos remédios, agora eu só estou esperando cair os dentes, na parte pessoal da saúde, eu vou tirar os dentes porque preciso, porque no hospital eu tive gengivite, não sei como apareceram estas coisas, só se eu estava dormindo e me deram remédios na boca, e colocaram água e tudo isso, tem bastante coisa, porque hospital fechado entra tudo: droga, bebida, mais remédios ainda, entra bastante coisa, entra de tudo, o que a pessoa faz na sociedade que é considerado errado, eles fazem lá dentro do hospital, roubam banco, e se escondem lá dentro, depois volta, inclusive tem as leis que o SUS, o governo paga por cada internação, pagava até três meses, então até três meses, o rapaz vem de outra cidade e fica dormindo lá, comendo, bebendo e dormindo, isso era bem claro lá. Aí depois lá dentro se vira... Agora o governo ia pagar três meses, agora só está pagando um mês, por isto que fecharam... por isso onde eu estava, estava correndo muito perigo porque quem fechou lá foi a tropa de choque, foi um oficial de justiça, foram as autoridades. Eu estava no hospital e lá era pior do que uma prisão, porque toma injeção e fica trancado, é uma prisão! -
Você acredita em Deus ou em algo além do material?
-
Acredito, acredito até em alma, encarnação, o rapaz, um menino,
tinha uns 18-19 anos, disse para mim: toma bastante remédio e se mata! Assim você vai para o céu, aí eu tomei e fui sim! Fui para o pronto-socorro fazer lavagem, fazia toda a semana, mas me deu problema no coração, porque eu tive um enfarte ou um derrame, não sei, e deixou seqüelas em mim, mas eles usaram o “ressussitador”. Só que naquele tempo, eu me lembro claramente, só que eu não
265
conseguia falar...eu vi um homem de barba, uma luz... agora, não me lembro se era do médico entrando... aí já é outra coisa, é um negócio que eu não vasculho mais, aí já não me interessa. -
Você tem algum sonho/desejo para o futuro?
-
Abrir uma loja de um real, pagar os impostos direitinho, ter a
saúde de volta, é o que nós aqui mais queremos! Ter a lucidez! -
Com tudo isso que você passou, no que de fato a arte pode ajudar você
e estas pessoas que passam por situações semelhantes as tuas? -
No que realmente pode ajudar são as pessoas que vêm.. são os
estagiários e as médicas (equipe de saúde) já formadas, então, por exemplo, se nós estamos já há muito tempo esquecidos de uma coisa, elas lembram, falaram para mim que é para eu procurar me estimular e abrir (potencializar e expressar) os meus dons, para ver que dons eu possuo, só que às vezes, se eu acho um dom cansativo, eu falo que não é bom, que não sei fazer... então tem tudo isso... mas dá muita raiva, tudo que está guardado desde a infância, a gente vai esquecendo, vai vivendo outra vida, vai reciclando aos poucos as emoções, o grupo serve para isso e outras atividades como: falar, o jogo de bola, os passeios, inclusive eu gosto muito de usar esta medalha aqui que é da copa da inclusão, e ando com ela, fica aqui comigo, esta aqui não sai, quando a gente está triste, pinta e melhora ou se está muito inspirado e cansa o dedo, eu mesmo pinto a minha casa inteira e faço desenho na casa inteira, eu pinto minhas paredes, minha avó mora em cima, mas está demorando muito, pois estou esperando cinco anos para eu poder desenhar o que eu quero, dentro de casa, mas já comecei, só falta arrumar tinta e quando eu arrumo tinta, eu já começo a fazer as formas como guerreiros que eu gosto,como eu era guarda-mirim, o sonho de criança é ser policial, eu queria desenhar as formas, eu vendia cangas, do Egito entre outras formas que gosto de desenhar, tem um colega que adora desenhar sinagogas de árabes (mesquitas), ele gosta e ninguém tira isso da cabeça dele, e eu pinto as minhas paredes lá, eu fiz as formas da minha irmã, dos conhecidos,a sua mesmo eu posso fazer, nas paredes, mas eu acho que eu estou preguiçoso, porque eu tomo um remédio para dormir, e agora eu vou começar a fazer por causa dos dedos que estou começando a ficar com a coordenação motora ruim, e eu não sabia disto, quem me disse isso foi um outro paciente. -
O que é arte para você?
266
-
Para mim é cultura, é bom por causa da cultura, eu gosto, por exemplo,
uma perna decepada, o outro com uma perna riscada, uma pessoa despedaçada, aí a gente estuda quem despedaçou, que tempo foi da guerra, principalmente aqueles esboços, se a gente está correndo perigo de vida, a gente vai numa arte, a gente diz não! Pensei em fazer aquilo e vou fazer outra coisa, porque é cultura, então é isso. Também fiz curso de orador, fui orador do CAPS X, no meio das autoridades, às vezes, eu me exalto muito, sabe?! E às vezes, eu me desprezo muito, e onde estão os negócios são os incentivos das técnicas de falar para a gente: Vamos fazer, vamos fazer!... e arte para mim é cultura, em vez da pessoa ficar vendo no caderno, ela fica estudando na pintura, na FIESP eu vi muita coisa assim, as crianças sentadas e as professoras ensinando os terrores da guerra, e a cultura, educação... Eu creio que os seres-humanos são inteligentes, nenhum tem uma desculpa para não saber nada, é uma coisa muito boa a arte. -
Topázio, muito obrigado, você criou produções muito bonitas, e você
está de parabéns, lhe desejo muita sorte e tudo de bom. -
Obrigado você, sabe Samuel, foi muito bom também estar aqui
porque coisas que a gente não tem espaço para falar delas, a gente conversou aqui.
267
ANEXO XI – ENTREVISTA COM SAFIRA
268
Fig. 82 - SAFIRA
269
ENTREVISTA COM SAFIRA Hipótese Diagnóstica: F 33.3 = Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave, com sintomas psicóticos. Não foi para à Bienal, não estava na atividade do ônibus, nem na atividade dos azulejos. Estava com dor de dente e com um pouco de sono, talvez devido à medicação.
-
Safira, como foi para você estar aqui nas oficinas de Arteterapia?
-
Foi tudo maravilhoso, desempenhou bem a minha mente, e estou até
sentindo saudades. -
Desempenhou bem a sua mente?
-
É porque eu estava no mundo da lua, minha cabeça ficava rodando, eu
não queria mistura com ninguém, agora eu estou ótima, estou melhor do que nada. -
O que você teve?
-
Depressão profunda e ficava ouvindo vozes.
-
E como você se sentiu nas oficinas?
-
Eu me senti livre, me senti bem! Parece que eu estava com o corpo todo
fechado, não conseguia mover minha mão, agora não. Estou conseguindo fazer tudo, a única coisa que ainda está me atrapalhando é esta dor de dente, mas isso vai passar... -
Vamos ver as produções expostas aqui que você fez?
-
Vamos!
-
Você retratou um quadro de Marc Chagall (“Eu e a Aldeia, 1911”) você sabia?
É um importante pintor mundial... -
Eu estava tentando fazer uma vaca, mas eu não consegui e ficou assim, essa
obra prima aí (risos)... -
Mas ficou muito bonito!
-
Você sabe que expomos lá embaixo todas as produções de vocês?!
-
Sabia.
-
O pessoal adorou, e houve muitos elogios...
-
Mas o que você achou dos trabalhos produzidos por vocês nas oficinas?
-
Ficou tudo maravilhoso, tanto que, quando venho aqui só fico olhando
(vislumbrando), tem uns mais bonitos e criativos que os outros... tudo maravilhoso.
270
-
Você lembra desta cartolina aqui, que nome você daria para esta produção sua?
Você usou as técnicas que usamos nas outras atividades, eu achei muito bom. -
Está parecendo mais um pássaro e uma ave.
-
E nesta cartolina, o que você fez? (Cartolina dos nomes, apresentação do grupo
– primeira atividade/oficina). -
O coração colorido e as duas flores rosas, e coloquei meu nome aqui.
-
O que você sentiu quando estava fazendo isto?
-
Eu senti uma emoção muito grande, porque eu estava com o coração azul,
tipo arco-íris, é para dizer que o meu está assim, que eu estou feliz, e estas duas rosas aqui são as minhas duas filhas, M. e C., e aqui sou eu (coração entre as duas rosas) que estou muito feliz, porque estou me recuperando, posso dar mais atenção para as minha filhas agora. -
Você é casada?
-
Não, eu sou viúva.
-
O que você achou dos trabalhos de uma forma geral e de estar realizando e
expressando-se por intermédio da Arteterapia em grupo? -
Achei tudo ótimo, tem uma criatividade muito grande.
-
E como foi estar no grupo?
-
Foi bom porque eu estava perto de amigos, pessoas que não me fazem mal,
só alegria e fiquei feliz de ver cada um se desempenhando na sua mente, isto está mostrando que nós estamos tendo resultados bons... -
Cada um expressando seus próprios desejos, não é?
-
Exatamente.
-
Se você fosse escolher alguma dentre estas produções, qual você elegeria?
-
A da borboleta, está bem colorido, bem alegre (trabalho de Turmalina –
primeira cartolina/atividade dos nomes/apresentação). -
O que você sentiu e pensou quando fazia a sua produção inspirada na obra
de Chagall? -
Foi como experenciar “um minuto como artista” (risos)... está parecendo
um cavalo isto aí. -
Você estava bem empenhada e concentrada quando estava desenhando e
pintando esta produção, estava até cantando, parecia feliz. -
É, eu estava tentando desenhar alguma coisa aqui, aqui é uma vaca dentro do
olho, da cabeça.
271
-
E nesta cartolina (segunda – “Natureza”) o que você fez?
-
Essas menininhas, isto aqui é do Ouro, esta cachoeira aqui é minha, estas
pedras aqui (alto relevo com papel machê) fui eu quem coloquei. -
Ficou muito bonito e você fez muitas coisas, o que te faz lembrar tudo
-
Natureza, um lugar sossegado onde o homem ainda não pisou, aqui tem os
isso?
bem-te-vis sugando o néctar das flores e aqui eu fiz duas menininhas curtindo o paraíso. -
O paraíso?
-
É, porque isto para mim é um paraíso, uma delícia!
-
Você gostaria de estar em um lugar assim?
-
Nossa! Não iria sair da piscina, não iria sair da água (risos), e essas duas, três
aqui, já estão até nadando... -
Os vestidos e as roupas foi a Pérola quem fez?
-
Foi.
-
Foi um bonito trabalho em conjunto que vocês fizeram, não é?
-
Foi! Foi tudo em conjunto o que a gente fez.
-
E por que você resolveu fazer estes desenhos?
-
Para mostrar que ainda tem salvação, pois existe ainda muitos lugares no
mundo que há salvação da poluição, do desmatamento, e isso é muito bom, uma criatividade destas, é muito bom poder desenhar o sol, a natureza, olha que alívio, que sossego! Só olhar para esta cachoeira dá vontade de pular! -
E os peixes quem fez?
-
Parece que foi o Rubi (sexo masculino).
-
Estas pedras que estão perto da cachoeira são um enfeite também.
-
Faz-me lembrar também que a natureza existe e elas se dão bem em certos
lugares, na cachoeira, no laguinho, deu um tchã (toque especial) no desenho, e ficou bonito. -
Nesta outra atividade eu acho que eu fiz este desenho (predominância do
verde). Eu mostrei à Safira o desenho/pintura do ônibus e falei sobre o passeio e a visita que o grupo fez à Bienal. Ela disse que ficou muito bonita a sua obra e achou interessante, com uma boa criatividade usada na execução. -
Dentre todas estas produções, qual você escolheria?
-
Esta aqui, porque está muito bonito (produção com tons de vermelho, azul e
outras cores – produção abstrata, colorida com tinta verniz vitral), porque ficou bonita, um
272
tom diferente das outras, e dá para fazer um quadro (com esta obra). O ônibus também ficou dá hora! Lindo! -
Por que você escolheu freqüentar dentre as oficinas, a de Arteterapia?
-
Por causa das paisagens, dos desenhos, é uma coisa muito linda, tudo o que
me lembra a natureza, eu estou no meio. -
Quais foram os materiais e a atividade que você mais gostou?
-
Gostei de tudo... principalmente pintar... eu gostei muito de pintar...
-
O que você sentia ou sente, quando pinta, desenha?
-
Livre... Como um artista, muito bom, pois pintura é uma coisa muito
linda, olha só (disse para eu apreciar as “obras” feitas e expostas, tal como ela observava com muito afeto e concentração)... Tudo muito bonito... -
No que você acha que isto te ajuda?
-
Amenizar a minha mente, porque eu estava com a mente muito escura, às
vezes eu não pensava em nada, não queria saber de mais nada, mas, quando eu vi o resultado das pinturas eu fiquei mais emocionada... Ajudou-me bastante. -
Você chegou até a cantar... que tipo de música você mais gosta?
-
Gosto de música internacional e brasileira também.
-
No que você pensava quando você produzia, se expressava através dos
materiais artísticos? -
Eu pensava num mundo melhor, porque eu estou vendo tudo colorido...
Eu gostaria que o mundo fosse assim todo colorido, não tivesse guerra, nem fome, nem nada, lembrando das criancinhas da Etiópia, da malária, de todos estes lugares aí... Então eu estava pintando com aquela emoção longe... Sabe? De poder fazer uma alegria, que pelo menos tem um arco-íris entre elas... É isso aí... -
Arco-íris onde?
-
Entre as pessoas que estão passando fome...
-
Tem um arco-íris?
-
É, eu gostaria que tivesse um arco-íris entre as pessoas que estão passando
fome, para, pelo menos, elas poderem ver a cor do arco-íris... Um pouco de felicidade para àquelas crianças... -
Você acha que eles vendo o arco-íris...
-
Eles iriam ficar bem mais alegres, é igual a nós, quando vemos o eclipse da
-
Você já viu?
lua.
273
-
Já.
-
Gostou?
-
Sim.
-
Teve algo que você não gostou nas oficinas/atividades?
-
Não, não. Não tenho nada de que reclamar...
-
Foi tudo maravilhoso.
-
Você vê alguma diferença em fazer estas atividades em grupo e fazer
sozinha? -
Para mim é uma alegria estar no meio de muita gente, porque eu não gosto
de ficar sozinha, quando fico sozinha já fico com depressão, então eu vi ali (nas oficinas) cada um se esforçando as suas mentes, colocando cada um o seu ideal ali, falando: Isso é meu! Vai ficar bonito! Lutando pelo mais bonito! Então eu acho que deu bem para amenizar a minha mente, abriu... Floresceu mais a minha mente, porque tudo que é cor eu já fico feliz. -
A cor mexe com a gente?
-
Mexe!
-
Falando em cor, quais são as cores que você mais gosta?
-
Cinza, azul e branco.
-
O que te traz cada cor?
-
O cinza me traz uma alegria dentro de mim, o azul já é mais suave... lembra o
céu, tudo... o branco já me lembra paz. -
Que cores você não gosta?
-
Marrom.
-
Por que?
-
Marrom é escuro, né?! Preto também. Preto só de roupa que eu gosto, fora às
outras coisas eu não gosto de preto não! -
Que sensação te traz?
-
Escuridão, tristeza, melancolia...
-
Qual dentre todas estas produções, você menos gostou?
-
Aquela ali. Por que?
-
Porque não representa nada para mim.
-
Tem algum artista ou obra que você mais gosta?
-
Não sei o que lá Niemeyer...
-
Oscar Niemeyer?
274
-
É! Isso! Acho lindas as coisas que ele faz... são detalhes muito sensíveis,
românticos, muito brilhantes, é uma coisa que a gente tem que parar e olhar e dar valor. -
Você é muito romântica?
-
Sou (risos).
-
Já visitou alguma exposição, quando?
-
Já foi há seis meses atrás na Bienal da Barra Funda, fomos ver os quadros,
fomos ver a minha filha tocar... -
Ela toca o que?
-
Violão.
-
Que bom!
-
Fomos ver um artista que esqueci o nome, que pinta casinhas, desenho
geométrico. -
É o Volpi?
-
É!
-
Do que você mais gostou lá?
-
De tudo, porque dá para confundir bem a gente, ele põe uma casa em cima
da outra, depois uma do lado, a gente tem que ver qual está do lado, qual está em cima... Ele confunde bastante a gente. -
Faz pensar bastante?
-
Faz, e é bom, é um gênio! Porque abre a mente da gente.
-
O que você faz no seu tempo livre?
-
Durmo e faço tricô.
-
Que outros tipos de arte você faz além do tricô?
-
Crochê, vou lá na minha mãe e fico enchendo o saco dela, ou fico vendo
televisão ou fazendo alguma coisa dentro de casa ou fico brincando com a minha cadelinha e com a minha filha e assim nós vamos vivendo... -
Como você se sente estando com a sua cadelinha e com a sua filha?
-
Muito feliz! Nossa! É uma emoção muito grande!
-
Como é?
-
É emoção demais (suspiros), o coração parece que abre...
-
E a cadelinha?
-
A cadelinha mais ainda (risos), minha filha diz que eu gosto mais da
cadelinha do que dela, mas eu amo todo mundo. -
Qual é o nome da cadelinha?
275
-
Mel.
-
Quem escolheu o nome?
-
Minha filha.
-
Como você se sente quando faz crochê?
-
Minha cabeça fica vazia, não fico pensando em nada, só penso naquilo que
estou fazendo e me concentro só no tricô e no crochê, porque se eu errar um pontinho, tenho que desmanchar tudo, então eu me concentro. -
E o que você sente?
-
Aliviada, sossegada...
-
De que?
-
De barulho, movimentações, conversas...
-
Você não gosta muito de barulhos?
-
Não. Eu gosto de ficar sozinha. Eu leio bastante.
-
Quando começou a sua depressão?
-
Faz uns seis anos atrás ou mais, eu sei que quando me dá depressão me dá uma
angústia! Uma vontade de chorar... Não quero ver ninguém, só quero dormir, não quero comer, não quero falar com ninguém, não saio para a rua de jeito nenhum, só fico de baixo das cobertas o dia todinho... ontem mesmo passei o dia todinho de cama, por causa do meu dente (dor) não dá vontade de conversar com ninguém. -
Como isso começou?
-
Desde criança eu já venho sofrendo a minha vida, eu sempre quero uma vida
melhor para as minha filhas, tudo o que eu tive eu quero dar para as minhas filhas, mas eu não estou conseguindo, o tempo está passando e eu não estou conseguindo, estou vendo elas passarem necessidade de algumas coisas e eu não tenho dinheiro para comprar... -
Como foi a sua infância?
-
Ruim! Quando eu era criança eu pedia esmola para sobreviver, meus pais
punham a gente para pedir esmola e quando chegava em casa para dizer que não foram eles, eles batiam na gente ainda... Porque os outros iam reclamar para eles dizendo-lhes: Olha a sua filha está lá na esquina pedindo esmola! E meus pais diziam para mim: Vai lá na esquina filha, ver se você consegue algum dinheirinho, aí eu ia lá na esquina pedir para os caminhoneiros correndo o riso de ser estuprada! Caminhoneiro é atrevido pra caramba, sabe! -
Você chegou a sofrer abuso?
276
-
Não, não! Graças a Deus, não! Eu também era muito pequenininha (risos), com
oito anos eu parecia que tinha três! E assim fui vivendo minha vida, teve uns momentos alegres que a gente ia nadar num açude lá... Eu e meus irmãos catávamos frutas no quintal dos outros, e vinham eles todos brigando com nós, e nós cheios de frutas (risos)... -
É uma lembrança boa, né?
-
É, nós aprontamos muito, eu e meus irmãos...
-
E os seus pais, como era a relação?
-
É... Eles bebiam né?! Os dois bebiam e eu fiquei muito pouco tempo com
eles, eu fiquei só até os oito anos de idade, eles bebiam e iam dormir, então não tinha briga entre meu pai e minha mãe, eles terminavam de beber, de encher a cara e iam dormir. -
Eles tinham casa própria, trabalhavam?
-
Tinham, meu pai trabalhava de capinar horta e essas coisas aí, foi lá em Minas
Gerais... Lagoa Dourada. -
Você chegou a conhecer algum avô teu?
-
Conheci meu avô J., um amor de pessoa, que é o pai de minha mãe, também
logo em seguida ele faleceu... a vó eu não conheci, não! -
Como era com ele?
-
Muito bom, eu me dou bem com todos.
-
Houve alguém de sua família que mexia com arte?
-
Não, só eu e meus irmãos que pegávamos as folhas de bananeira e
fazíamos como se fossem bebezinhos, agora eu não me lembro como é, para a gente brincar de casinha, agora eu não me lembro como é que faz (risos)... -
Vocês usavam os recursos que vocês tinham com muita criatividade!
-
É, nós fazíamos para as bonecas, saínhas (saiotes) de folhas de bananeira e
“stop” (risos), é um negócio comprido que dentro do buraco colocam-se umas varetinhas, coloca-se uma pedra e qualquer coisa, e assopra e acertam nos outros e... (risos), era a nossa brincadeira, foi muito bom assim, mas eu fico mais triste em saber que eu pedi esmola, que eu não tive pais vencedores. -
Estão vivos?
-
Não, já morreram tudo, e é isso que eu não quero para minhas filhas...
-
Mas depois que você saiu da casa deles, você teve algum contato com eles?
-
Direto, mas no dia da minha mãe morrer, eu fui ao enterro dela, do meu pai eu
também fui no enterro de meu pai...
277
-
Depois de Minas você veio para onde?
-
Para São Paulo.
-
São Paulo?
-
É, para fazer curso de cabeleireiro.
-
E você trabalhava como cabeleireira?
-
Trabalhava até pouco tempo atrás.
-
E você gostava do que fazia?
-
Sim, eu fiz cursos na Júlio, na Orion, na Teruya (escolas de capacitação para
cabeleireiros), não paro não! -
Meu pai era um homem rico, meu avô era um homem rico, tinha muitas
fazendas, gado, bois, nós vivíamos numa vida muito boa, aí meu avô perdeu tudo com esse negócio de jogatina, sabe?! Daí meu pai ficou desembestado também e começou a beber... não quis lutar para conseguir nada de novo na vida. -
E sua mãe?
-
Minha mãe também, era muito esforçada, trabalhadeira, um amor de pessoa,
era doméstica. -
E dança?
-
Eu fui uma vez com uma amiga minha no clube, mas me deu uma dor de
cabeça e eu falei: Nunca mais! -
Por que, o que aconteceu?
-
Muito barulho, eu não gosto de barulho.
-
Eu acho que eu sou muito mimada pela minha mãe de criação. (Depois de sair
de sua casa, ela foi adotada e foi morar com seus pais de criação). -
Com quem você mora hoje?
-
Com minha mãe.
-
Como foi quando você saiu de casa aos oito anos?
-
Há seis anos atrás eu casei, saí fora com quatro meses casada, e voltei para a
casa de minha mãe. O segundo marido, que é esse, faleceu, o pai das crianças está vivo. -
Alguém da família toca algum instrumento musical?
-
Minha filha vai aprender a tocar violão, estou esperando chamarem ela.
-
E como você se sente?
-
Alegria de mãe...(risos).
-
Que outras atividades você faz aqui no CAPS?
278
-
A gente brinca, dança, sai para passear, como comida diferente, conversa
com um e com outro, dorme... é gostoso aqui. -
É como se fosse uma família?
-
É, aqui é muito gostoso, eu vou sentir falta o dia que eu for sair daqui...
-
Qual atividade você mais gosta de fazer aqui?
-
Da pintura.
-
Por que?
-
Porque alivia o meu corpo, a alma, a gente vê novas cores. É muito bom...
-
Quando você fala que alivia...?
-
Dá uma calma dentro da gente, eu fico olhando... Parece que eu estou
viajando no meio delas (das cores), eu observo figura por figura, parece que você está viajando... Parece que você vê caras de pessoas, de sapo, de coelho (risos), é assim... -
A imaginação flui...
-
É.
-
Como eram as vozes que você ouvia?
-
Agora eu parei de ouvir, elas diziam: Você tem que morrer Safira! Você
não vale nada não! Se mata logo! Ai que horror...!!! -
Como você lidava com isso?
-
Eu tampava os ouvidos e ia rezar o Pai Nosso.
-
Você é católica?
-
Sou. Eu deitava, dormia, as vozes paravam.
-
Você já sofreu alguma internação psiquiátrica?
-
Já, várias.
-
E como você fazia para o tempo passar mais rápido durante a internação,
você usava algo da arte? -
Eu não deixava ninguém quieto, eu conversava com todo o mundo, eu
brincava, dava risada, nem parece que eu estava doente, o pessoal vinha, fazia uma rodinha em volta de mim para eu falar alguma coisa... porque o pessoal gostava de ver os outros alegres, tinha hora, quando morria alguém, a gente ficava de respeito e assim eu fui vivendo... -
Com respeito?
-
É pela pessoa que morreu, não fazia bagunça não! A gente também
plantava, fazia exercícios com o pé e com a mão, assistia filme e assim foi indo, depois ia jantar e ia dormir.
279
-
O que vocês plantavam?
-
Umas plantinhas sem significado (risos), só para dar um ar verde.
-
Você sempre foi de conversar bastante?
-
É, mas agora eu percebi que eu estou mais quieta.
-
Você gostaria de continuar as oficinas de Arteterapia?
-
Gostaria, estas são boas porque eu enxergo, se for para fazer tricô ou crochê, eu
não enxergo, fica bem mais difícil. -
Você tem algum sonho que gostaria de realizar?
-
Tenho vários sonhos... Um deles é ter meu marido de volta, o que faleceu...
-
Você o amava muito, né?!
-
Nossa! Uma paixão doida! Meu marido faleceu há três anos, mas, depois, veio
outras alegrias... festa na família, cada um falando comigo, todo mundo me apoiando... -
Como foi que seu marido morreu?
-
Chamaram o nome de outra pessoa e ele foi atender a porta, aí na hora que ele
foi atender a porta, grudaram nele e atiraram na cabeça dele, ele foi confundido, assim eu creio... -
Ele fazia alguma atividade artística?
-
Ele lutava capoeira e eu fazia kung fu, mas eu parei, eu, minha filha, pois está
muito caro! -
Como você se sentia fazendo kung fu?
-
Muito bem, o corpo parece que não tinha nada, por mais cansada que eu
estivesse eu não mostraria que eu estava cansada, agora hoje só subir uma escadinha parece que eu estou morrendo! Hoje por mais que eu tente subir uma escada, às vezes, a minha perna não obedece, principalmente esta. Eu estou esperando melhorar a situação financeira para eu fazer alguma outra atividade. -
Você tem vontade de visitar algum museu?
-
Queria ver o museu da cera.
-
Lá na Inglaterra?
-
É lá na Inglaterra? (risos)...
-
É, tem lá também.
-
Ah! Eu não sabia, pensei que fosse aqui... (risos)
-
Por que museu da cera?
-
Eu acho incrível, parece que estão todos vivos, é um trabalho muito
perfeito que eles fazem.
280
-
Você já modelou, esculpiu, desenhou, pintou antes?
-
Não.
-
Você acha que os trabalhos de arteterapia que são produzidos aqui, pelos
pacientes, são diferentes dos outros? -
Com certeza! Porque estão todos num lugar só e cada vez que se junta um
grupo, a cabeça de um vai abrindo a cabeça do outro, senão não teria nem estas artes aí (expostas), eles começam a se inspirar, vendo um se inspirar, fica inspirado também. O pessoal aqui é muito legal, são amigos, atenciosos... -
O que a arte para você?
-
É uma maneira de se expressar a vida, expressar os seus sentimentos, o
colorido, é um meio de você poder se refugiar dentro da arte para tirar aquele problema mais forte que está no seu coração – para quem gosta, porque para quem não gosta não é bom. -
Você acha que quando alguém é obrigado a fazer algo de arte, isto pode
prejudicá-lo? -
Pode, mentalmente, sendo forçado a fazer.
-
Você tem mais alguma coisa a acrescentar?
-
Não.
-
Um desejo teu.
-
Ver minhas filhas se formando na faculdade, cada uma com a sua casinha, eu ia
ser muito feliz... -
Você estudou até que ano?
-
Estava terminando o primeiro colegial.
-
O que você acha da vida?
-
A vida é bela... Só se livra dela quem quer, como eu (risos), mas é tão bom
viver... por mais que tenha trabalho para fazer, é tão bom viver! A minha depressão é aquele momento de angústia, tristeza, foi fruto de uma porção de coisas que foram de juntando: a morte de meu marido, eu digo que ninguém gosta de mim, eu sinto que ninguém gosta de mim... Até hoje! -
Crê em Deus?
-
Acredito.
-
Safira, muito obrigado, você está de parabéns pelas produções lindas que você
fez, lhe desejo tudo de bom!
281
ANEXO XII – ENTREVISTA COM DIAMANTE
282
Fig. 83 - DIAMANTE
283
ENTREVISTA COM DIAMANTE Ele estava um pouco dopado, impregnado e um pouco torporoso neste dia – Hipótese Diagnóstica: F 32.3 = Episódio depressivo grave com sintomas psicóticos.
-
Como foi para você estar aqui nas oficinas de Arteterapia?
-
Para mim as oficinas foram muito boas, até mesmo para acalmar o meu
desânimo que estava muito forte e eu não conseguia fazer nada, nem em casa e nem aqui, e eu fazendo alguns trabalhos, algumas pinturas, isto tem me ajudado muito. E a partir do momento que eu fiz e vi que tinha capacidade para pintar, como a tela da menina pintada, e aprendi bastante coisa, e fiquei mais triste porque acabou. -
O que você sentia quando pintava, desenhava?
-
Eu sentia alegria de estar com os meus amigos aqui do hospital. Sentia um
pouco de alegria porque eu tenho capacidade para fazer alguma coisa. -
Você faz biscuit, você deve gostar, mas por que biscuit?
-
Eu gosto sim, porque mexe com a massa e eu aprendi a mexer com a
massa, e quando eu estou nervoso, e aquele nervoso vai diminuindo e eu vou fazendo um boneco, um vaso, uma tela de biscuit que eu estou fazendo, então eu faço qualquer coisa de biscuit. Imã de geladeira de biscuit, então está me ajudando muito, decoupagem, estas coisas estão me ajudando muito. -
Vamos ver as suas produções que estão aqui expostas. Aqui você fez uma
menina sentada com uma árvore ao lado dela... -
É, e com umas flores do lado.
-
O que você achou do quadro (pintura) que você fez?
-
Eu achei muito bonito, e eu fico muito feliz porque foram expostas as
minhas obras, com meu nome e as pessoas me elogiam, dizendo que ficou muito bonito esta menina cheirando a rosa. -
Que nome você daria para esta sua produção?
-
A menina romântica.
-
Você é romântico?
-
Eu sou.
-
Por que você resolveu desenhar esta figura?
284
-
Porque eu vi uma menina romântica no jardim, ela pensando na vida, e em
coisas boas e vendo a natureza, cheirando uma flor, e como eu falo com a flor, ela estava falando com a flor também, e cheirando o paladar da flor. -
O que você sentiu quando pintava?
-
Eu sentia alegria e depois que eu vi que havia terminado e que saiu bonito, eu
fiquei contente. -
Vamos ver as suas outras produções aqui. Esta que você fez o número 39
colado no azulejo. -
O número 39 porque é o número da minha casa, era para eu ter levado para
minha casa, eu queria colocar na frente da casa, mas, eu no final da oficina esqueci de levar. -
Houve muitas oficinas que você não veio.
-
É, eu em algumas não estava bem e eu fui viajar para Bauru.
-
Você gosta de viajar, não é?
-
É, eu gosto muito de viajar...
-
Você estava nesta atividade depois da visita à Bienal, que fizeram o ônibus que
os levaram à Bienal? -
Não, eu estava passando na médica. Mas, tinha um ônibus assim, parecido
com este, na Bienal, e tinha umas fotos de umas pessoas de corpo, sem cabeça, e a gente colocava a cabeça e mostrava o corpo do desenho... -
O que você achou deste ônibus que seus colegas fizeram?
-
Muito bonito, bem criativo.
-
Se você fosse escolher dentre estas produções aqui, qual você elegeria mais
-
O ônibus.
-
Por quê?
-
Porque ele está bem decorado, com cores vivas.
-
E qual das produções aqui você não escolheria?
-
Esta aqui.
-
Por que?
-
Porque ela não tem sentido, eu não vi sentido nela.
-
Em que você pensa e sente quando realiza uma atividade artística?
-
Quando eu estou fazendo um biscuit, pintando uma tela, escuto uma
bonita?
música calma, ou toco algum instrumento, eu fico contente, porque antigamente eu tinha vontade de aprender uma arte, mas eu não tinha aquele dom, eu não sabia que eu tinha
285
um dom, e depois que eu resolvi fazer alguma coisa, uma decoupagem, madeira, uma tela, eu vi que eu tinha capacidade e que as pessoas estavam achando muito bonito. Então eu fiquei mais animado e isto me deixou mais com força, e eu tenho vencido, tenho feito meu trabalho e tenho vontade de assistir um teatro que eu nunca assisti. -
Que trabalho você tem feito?
-
Tela de biscuit e de uma flor, caixa de panetone para o Natal, muito biscuit,
miçanga em chinelo e uma variedade de coisas de artesanato. -
Tem algum tema que você mais gosta?
-
Viagem, flor, natureza.
-
Você tem feito então bastante biscuit para vender?
-
Tenho.
-
O que você achou da Bienal?
-
Eu gostei muito, eu nunca tinha ido à Bienal, nem no Ibirapuera, porque eu
moro aqui em São Paulo há mais de 27 anos, e nunca fui no Ibirapuera, para aqueles lados, e eu gostei me diverti e fiquei feliz. Tirei uma foto numa tela bonita, de um jardim num rio com a minha máquina, e todo mundo achou que eu estava dentro do quadro (paisagem) quando viram a minha foto, ficou muito bonito, não deu para perceber que era uma tela. Tinha o jardim que era um tapete e uma tela atrás e eu fiquei em cima do jardim e na tela, e ficou muito bonito. -
Foi como uma montagem que você fez. Uma produção usando a fotografia e as
obras da Bienal? -
Foi.
-
Você tirou muitas fotos da Bienal?
-
Tirei, muitas.
-
Do que você mais gostou na Bienal?
-
A bicicleta feita de bambu.
-
Por quê?
-
Porque eu achei interessante uma bicicleta de ferro, revestida com bambu,
eu achei bonito. Um trabalho bonito. -
No que você acha que a arte e a Arteterapia podem ajudar a pessoa?
-
Pode controlar a pessoa de seu estado emocional, de seu estado triste, de
seu desânimo. Pelo menos pelo fato de você estar fazendo alguma coisa, faz uma bolinha e pinta, passa uma tinta, vê o que fez ali, então para mim é uma arte que ocupa um pouco a mente, que é importante ocupar a mente, porque mente vazia não dá certo, né?!
286
-
Por que?
-
Porque aí não se pensa em nada, só em besteira, pensa em morrer, em
matar os outros, pensa em roubar... -
Como foi estar fazendo Arteterapia com um grupo de pessoas?
-
Foi muito bom fazer com meus amigos aqui do CAPS, e eu não tinha
grupo e me chamaram para eu fazer este grupo e eu não queria freqüentar, daí eu fui à primeira vez e gostei, eu não conseguia ficar nos grupos, mas neste eu consegui, eu não saía toda hora. -
Você gosta bastante de conversar, pois você conversava bastante e interagia
bem com o grupo. -
É, eu gosto de conversar e brincar também.
-
Você toca algum instrumento musical?
-
Toco violino na igreja crente, igreja evangélica, eu toco a música na harpa
-
Eu gostaria de ouvir, você pode me trazer, tem gravado?
-
Tenho, eu trago sim. (Nunca me trouxe, assim como também me disse que
cristã.
traria as fotos que tirou na Bienal e nunca me enviou as fotos). -
Eu tenho uma música de um hino que é à base de violino e a outra que é solo
também. -
O que você gosta de fazer em seu tempo livre?
-
O que eu mais gosto de fazer é viajar, conhecer lugares, pessoas.
-
Qual foi o lugar que você mais gostou de viajar?
-
Para Portugal. Eu fui para Lisboa. Foi muito bom, achei muito bonita a cidade,
a cidade do Porto também, fiz amizade com algumas pessoas, e depois eu fui para a Argentina, depois para o Paraná. Daqui do Brasil, uma cidade que eu gostei muito foi Londrina, que eu tive vontade de morar lá e morei por dois meses, aluguei uma casa, antes de ficar doente. Eu vi pela televisão que era uma cidade bonita, fiz amizade com uma turma de lá e aluguei uma casa. De todas as cidades do Paraná eu gosto. -
Você tinha alguma namorada lá?
-
Tinha.
-
Então isto ajudou, não é?
-
É!
-
O que você teve?
287
-
Eu tive depressão, eu entrei em depressão profunda. Eu trabalhava em duas
escolas estaduais como inspetor de alunos, de manhã, de tarde e de noite. Na primeira, era das sete horas ao meio dia. Depois de uma hora da tarde até as seis, e a outra das sete da noite até as onze horas. Então foi muito corrido para mim, mas eu não reclamava, eu gostava do que estava fazendo. Eu gostava dos alunos, eles tinham um respeito muito grande por mim, a diretora me deixava num cargo de diretor da escola, quando faltava o professor, eu repunha as aulas como professor da classe, eu passava matéria para os alunos e isso me ajudou muito e isto me deu muita alegria. Chegou um tempo que a diretora chegou para mim e me disse que não daria mais para eu trabalhar lá porque havia terminado as verbas, aí eu saí de uma e fiquei na outra, mas a outra depois também acabou, daí neste mesmo tempo eu também perdi minha namorada, que era minha noiva de Londrina, perdi meu irmão, que faleceu na minha frente, mataram ele, assassinato. -
Como isto aconteceu?
-
Ele estava morando com a ex-namorada de um bandido e ele não sabia. Daí,
este bandido pegou eu e ele e levou-nos para um beco, e pegou uns caras e deu sete tiros nele (em seu irmão). E tudo isto me fez ficar com depressão, e eu não sabia que eu estava com depressão, eu só percebia que eu estava esquisito, triste... E ouvindo vozes, diferente, sabe?! Não queria tomar banho, não queria ter gente por perto. Só queria dormir e tentei me matar... E eu mesmo procurei ajuda, fui no posto de saúde, marquei uma consulta com o psiquiatra e falei o que estava passando e ele me mandou para este CAPS, e estou há seis anos aqui. -
E como é para você estar aqui?
-
É muito bom, eu gosto muito daqui, porque se eu estiver com esta depressão, e
só fizer o tratamento em casa... aqui eu converso, eu passo em grupos, aqui eu converso com amigos, aqui eu vejo a situação de cada um, se a minha está pior ou não, então isto me ajuda bastante e eu gosto daqui. -
Que oficinas você participa aqui no CAPS?
-
Passo pelo grupo com a psicóloga (terapia grupal) e culinária com a G.
(terapia-ocupacional) de quinta-feira. -
Quais são as cores que você mais gosta?
-
Verde.
-
Por que?
-
Porque é a cor da natureza, e eu gosto muito da natureza, gosto muito de
plantas. -
E o que você sente quando está em contato com a natureza?
288
-
Quando eu vejo plantas, árvores, flores eu sinto muita paz e alegria, e eu
gosto muito de ir ao CEASA e conversar com as plantas. -
Ah é, você conversa com as plantas?
-
Converso a minha vida, como ela está, se está bem, que eu vou cuidar dela (da
planta). Que eu vou cuidar de você (planta), plantar você, vou jogar água em você para ficar bonita e limpar a planta, com um paninho com água e adubar também. Eu sinto que elas gostam que eu converse com elas, porque elas também conversam comigo, eu sinto. É um tipo de uma troca de energia e eu acho que elas sentem melhor também. -
Você tem alguma coisa mais que você cuida em sua casa?
-
Tenho animal de nome Sacha, é uma cocker inglesa, preta e branca, que nasceu
com um tumor na teta dela, e eu preciso fazer uma cirurgia nela, e estou com medo de perdêla nessa cirurgia, e isto está me preocupando muito. -
Quantos anos ela tem?
-
Cinco anos, quando eu vou viajar, ela fica triste, e vai todos os dias no meu
quarto, cheirar a minha roupa, a minha cama, ver meu sapato, porque eu não estou lá, e quando eu chego de viagem, ela fica pulando em cima de mim e não sai mais de cima de mim, e não deixa ninguém chegar perto de mim... -
Na tua família teve alguém que já mexeu com arte?
-
Não.
-
Você canta?
-
Canto.
-
Que tipo de música?
-
Eu canto na igreja música evangélica.
-
Só evangélica?
-
E aqui quando tem o grupo de terça-feira eu canto também, aqui tem uma
variedade de músicas: sertaneja, pagode, mas eu gosto mais de sertanejo. -
E dançar?
-
Dançar eu não danço.
-
E atividades plásticas?
-
Eu gosto, só da argila que eu não gostei.
-
Por quê?
-
Porque eu acho ela muito melecante, e ela quebra, eu gosto de coisa que dure...
-
E em relação às outras atividades, há algo que você gostaria de fazer que não
fez aqui?
289
-
O que eu gostaria é de ter pintado sobre tela, que nós estávamos nos
preparando para isto, pena que não deu tempo... Porque aqui vocês fizeram uma estratégia de técnicas passo a passo para aprendermos como pintar na tela e isto eu achei que faltou. -
Vamos ver se conseguimos finalizar este processo, você viria? (Não
conseguimos terminar e chegar até a tela porque o CAPS entrou em férias e em reforma, e não tínhamos à disposição um espaço adequado para esta oficina). -
Eu viria sim.
-
Você já teve algum outro problema antes, além da depressão atual?
-
Já, já tive, tive problemas na escola, eu nunca fui bem na escola, sempre
repetia o ano, batia nas professoras, quebrei e botei fogo em carro de diretora, e ela não me deixava entrar na escola, e eu era adolescente, então quebrei o carro da diretora e batia nos professores direto, e nunca fui bem na escola e sempre tive tristeza. Eu acho que meus pais nunca me deixaram curtir a vida, só ficar dentro de casa e eu não sei o que é ir numa noite, andar numa noite, eu não sei o que é. Eles me prenderam e me prendem muito e não me deixaram viver, e ficaram muito no meu pé, e até hoje é assim. -
Você conversa com eles sobre isto?
-
Converso e estou passando por uma situação meio dura, eu conheci uma
moça de Caxias do Sul e tem três meses que estamos namorando, ela veio em dezembro para cá, noivamos, mas minha mãe acha que todas as namoradas que eu tenho são ruins, não servem, ela não me deixa namorar, para mim isto está sendo muito difícil. -
Você já passou por alguma internação psiquiátrica, como foi?
-
Já, e foi muito ruim, não foi bom não, não quero voltar mais não! Parece
que era um tratamento onde eu era mais preso e mais judiado, era mais judiado pelas pessoas e eu sentia muito mal. -
Que atividades artísticas você fazia, ou algum recurso artístico ou algo,
para passar o tempo mais rápido durante a internação? -
Eu cantava e chorava, cantava e chorava e gritava que eu queria ir
embora e pedia para o meu pai me tirar dali. Eu cantava músicas sertanejas e românticas e isso fazia me sentir melhor. -
Você conversava com os outros internos?
-
Conversava, mas era separado homem de mulher, e só tinha homem e em
começo de dezembro eu tentei me suicidar na Anhanguera e o resgate, a polícia me pegou e me levou para Campinas para o hospital para me internar lá, e eu fui na PUC
290
de Campinas na João Borges e fiquei quatro dias internado lá, e eles disseram para eu fazer tratamento no CAPS. -
E você gosta daqui?
-
Gosto de estar aqui e venho todos os dias.
-
Que grupo ou oficina mais gosta aqui?
-
O grupo do Jornal Mural, porque você pega a revista, o grupo vota o que vão
fazer, dá um tema e fala do que estão achando do desenho, do recorte. -
Você escreve?
-
Não, eu não sou bem para escrever e nem para ler.
-
Você acha que as pessoas que passaram, como você, por uma história de
vida difícil, com perdas, privações e sofrimento, têm uma sensibilidade maior e mais acurada para a arte? -
Acho que sim, porque eu tenho vários amigos que já passaram por isso, e
fazem tratamento psiquiátrico, e eles têm um dom muito bonito e fazem um trabalho muito bonito. -
Há alguma diferença nas produções artísticas realizadas por estas pessoas
que passaram por estas situações difíceis, em relação às demais? -
Acho que sim, estas pessoas se tornam pessoas melhores.
-
E as produções são diferentes?
-
Acho que não, mas são mais carregadas de ódio, e é como quando se faz
uma tela, você joga todo o ódio na tela e sai uma tela, você descarrega toda a raiva, a tristeza e as emoções que você está sentindo na tela, e me faz se sentir melhor, é um descarrego. -
Como foi sua infância?
-
Muito sofredora, porque com a idade de seis anos comecei no CEASA, catar
as coisas para o meu pai, as frutas, trabalhei em ferro-velho, como ajudante de caminhão durante muito tempo, carregando terra, e cresci com muitas dificuldades. Hoje sou aposentado pelo INPS. -
Você chegou a conhecer seus avós?
-
Não. Mas eu tenho muita vontade no coração de conhecer a família de meu pai,
porque ele não conhece e não conheceu ninguém de sua família, nem seus pais, queria pelo menos encontrar um primo, um irmão, de saber do paradeiro de qualquer parente. Meu pai veio de Apucarana (P.R.) para São Paulo, conheceu minha mãe, casou e não voltou mais, ele tentou localizar seus parentes, mas não encontrou mais.
291
-
Tem alguém na sua família que faz algo relacionado com arte?
-
Não.
-
Você já participou de algum curso artístico?
-
Não, é o primeiro.
-
Já visitou algum museu?
-
Também não.
-
O que é arte para você?
-
É uma maneira de dividir as duas partes, como a música, como a arte de
dividir o som com harmonia e ritmo, então a arte é uma coisa boa. Divide em três partes: harmonia, ritmo e som. -
Você tem algum sonho?
-
Tenho, de ter minha casa e meu carro e ser feliz, porque eu não tenho um
pingo de felicidade pelas coisas que estão se passando na minha vida. Nada está dando certo, sempre penso que vai melhorar, mas nada dá certo, sempre penso que vou ter e não dá certo, penso em namorar uma namorada e minha mãe se mete e não dá certo, então penso que nada dá certo em minha vida, e isto me deixa muito triste, a relação com meus pais não é boa. -
Você tem irmãos?
-
Só tenho uma irmã e um irmão que morreu, ela é casada e tem 37 anos e ele
morreu com 23 anos, e era mais novo que eu. -
Tem mais alguma coisa que você gostaria de dizer?
-
Mais é ser feliz, ter saúde.
-
O que é felicidade para você?
-
É a liberdade, a minha felicidade é a minha liberdade de fazer o que eu
-
Você gosta de teatro, cinema e televisão?
-
Gosto, teatro eu nunca fui e cinema fui uma vez só e não gostei.
-
Como você se sente quando está tocando violino?
-
Sinto mais alegria e desejo de tocar mais e mais, cada vez mais e aprender
quero.
mais e mais, eu toco num grupo, numa orquestra que tem vários instrumentos, o violino acalma também. -
No que você pensa quando está tocando violino?
292
-
Penso que eu estou sendo feliz e não estou sendo, de tocar e fazer biscuit,
mas eu não estou sendo, depois que acaba eu penso que tenho capacidade, mas depois vem uma coisa em mim que não tenho capacidade. -
O que você pensa a respeito da vida?
-
Eu falo para todo mundo que a vida é muito ingrata pelo que ela faz com a
gente, sofrer, perder um ente querido. Tem coisas que devem ser para o nosso bem, mas a gente não aceita e a gente fala que a vida é ingrata, mas a vida não é ingrata como, por exemplo, a gente quer um carro, a gente não consegue e outro consegue, mas depois de um certo tempo ele morre, então não é para ter, né?! Muitas vezes a vida não é ingrata, mas a gente quer ter, mas a gente é teimoso, mas eu penso que a vida é ingrata, nada dá certo na minha vida, a vida não me ajuda. -
Você crê em Deus?
-
Creio muito.
-
O que você pediria para ele?
-
Paz na minha vida.
-
Você escuta vozes?
-
Escuto, uma variedade de coisas como para eu matar meus inimigos, para
eu comprar arma, para eu me matar, para eu roubar. -
Como você lida com isto?
-
Com muita dificuldade, eu não suporto.
-
O remédio não ajuda?
-
Não.
-
E as atividades?
-
Também não ajudam, nada ajuda. Para as vozes nada ajuda. Eu sou de
uma igreja que tem uma doutrina muito rígida, e não se pode fazer nada errado ali, eles falam que você pecou e vai ter que pagar aqui, então eu acho que fiz coisas erradas e estou pagando sofrendo. E eu me prostituí, não era para sair com uma menina e eu saí. Sou da Congregação Cristã do Brasil. -
Diamante, muito obrigado e lhe desejo muita sorte, paz e alegrias e que as
coisas melhorem em sua vida. Suas produções ficaram lindas.
293
Fig. 84 - RUBI
294
Fig. 85 - ÁGUA-MARINHA
295
Fig. 86 - JADE
296
Fig. 87 - AMETISTA
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