EM BUSCA DA MINHA ESSÊNCIA Autor: Pe. Pedro de Almeida Cunha
Baseado no Livro “Escritos de um Andarilho” Pe.Pedro de Almeida Cunha 1999. Edição Própria DIREITOS RESERVADOS.
Prezado(a) Andarilho(a) Hoje vamos dar um passo a mais em nossa jornada. Vamos acompanhar a trajetória do nosso Amigo andarilho e conhecer um pouco mais sobre as suas descobertas e a sua procura pelo remédio que tanto necessita. Apresento a seguir o segundo escrito que dele recebi. Leia‐o com atenção.
Ainda não encontrei nem o lugarejo, nem as tais três pessoas e muito menos o remédio de que tanto preciso. Este é o terceiro lugarejo onde venho tentando encontrar meu remédio.
Preciso lhe contar sobre o último lugarejo por
onde passei. Eu tinha certeza que lá iria encontrar o que estava procurando, pois era um lugarejo perfeito, tudo era milimetricamente organizado, medido, lógico. Não havia nada fora do lugar, tudo esquematicamente ordenado, eu logo achei que era ali que eu encontraria o tal artista pois afinal, só em um lugar tão perfeito assim poderia morar um artista genial e certamente a outra pessoa cheia de amor e ainda a outra rica. Obviamente haveriam de escolher um lugar daqueles para viver. Que lugar
extraordinário... Tudo ali dava a impressão da lógica e da coerência. Assim que cheguei à hospedaria, fui recebido com honras de rei. Apresentaram‐me um anfitrião, que logo se pôs a declinar as maravilhas do seu lugarejo, levou‐me ao alto de uma torre e mostrou‐ me todo o lugar. Logo à nossa vista apontou‐me uma espécie de condomínio com três prédios que pareciam entrelaçados, e acrescentou:
‐ Ali estão: o Edifício do Conhecimento e do Saber, o Edifício da Liberdade e o Edifício da Vontade. No Edifício do Conhecimento e do Saber você poderá ter toda a ajuda necessária para conhecer e
compreender a realidade, tanto a realidade pessoal, quanto a realidade do mundo no qual você se situa. Ali torna‐se possível refletir, raciocinar, pesquisar, decifrar o que acontece dentro e fora de você. Isso é importante! ‐ Por que? Perguntei. ‐ Porque se o conhecimento funcionar sem este contato com a realidade corre‐se o risco de construir a própria vida com idéias, com pré‐ conceitos. Tudo se constrói sem terra firme, sem fundação. No Edifício da Liberdade você vai perceber que é ela que lhe induz a existir e a ser responsável. Ela é como uma fonte da qual jorram as decisões. Num caminho de realização e de felicidade interior todas as decisões se tomam com vistas à Autonomia. No Edifício da Vontade se encontram as energias, as forças das quais você precisa para poder traduzir em atos as decisões que a liberdade toma.
Fiquei maravilhado com tudo aquilo. Você nem imagina como eram maravilhosos aqueles edifícios: grandes, suntuosos, perfeitos. No meu encantamento tinha certeza que encontraria, num lugar assim, as três pessoas que o eremita havia me recomendado. Perguntei então ao meu ilustre anfitrião: ‐ Onde fica a casa do artista que fez a maior e a mais bela obra de arte do mundo; a casa daquele que é a expressão do mais radical e puro amor e a casa do mais rico de todo o universo e que ainda assim está procurando uma moradia? Disseram‐me que estas pessoas moram juntas e certamente deve ser por aqui, pois parece ser o lugar ideal. Meu anfitrião olhou‐me surpreso e respondeu‐me: ‐ Como assim? É impossível existir tais pessoas, não existe uma obra de arte que possa ser a mais bela, a beleza é sempre relativa, o que pode ser belo para você pode ser feio para mim, e depois não há expressão de amor tão radical e perfeito assim como você disse, muito menos deve existir alguém tão rico e que, ainda assim, esteja procurando casa para
morar. Isso é incompreensível, mas aqui há resposta para todas as perguntas, dê‐me um tempo que vou procurar a resposta. Meu anfitrião saiu tenso por não saber me responder prontamente. Fui para meu quarto banhar‐me e repousar um pouco. No meio da noite fui acordado por um verdadeiro alvoroço na cidade perfeita. Havia gritos e berros por todos os cantos, uma verdadeira batalha entre aqueles edifícios que me haviam apresentado. Logo percebi que buscavam a resposta para a minha pergunta.
Levantei e tudo na cidade estava mudado, a noite havia caído e uma imensa escuridão cobria a todos, ouvia apenas os gritos, os berros... No meio de tudo aquilo descobri que na verdade ali não podia ser o lugar onde deviam morar as pessoas que eu procurava pois, só por causa de uma questão, os moradores se colocaram uns contra os outros. Percebi pelas vozes que os moradores eram tiranos, lógicos demais, não levavam em consideração nada além deles mesmos, eram calculistas, frios e só se alegravam
com
seus
sucessos
e
seus
empreendimentos, e se algo fugia ao seu controle se enfureciam...
Desisti e fui saindo de mansinho, pois logo vi que ali eu não iria encontrar as tais pessoas, pois apesar de toda perfeição, aquele não parecia ser um lugar apropriado para tais moradores. Na minha saída, dei de cara com o meu anfitrião que meio sem graça e com uma tocha quase apagada na mão me disse: ‐ Não há ninguém no mundo como estas pessoas que você procura, desista. Eu lhe disse: ‐ Não posso, tenho que encontrá‐los, pois preciso de um remédio que só eles possuem, se não os encontrar eu morrerei, por isso não posso desistir. Logo me interrompeu o velho anfitrião e perguntou‐me: ‐ Remédio para que doença?, diga‐me. Aqui nós temos todos os remédios e se não temos nós inventamos.
Tentei de todos os modos dizer o que sentia, pois não sabendo qual era o remédio imaginei que descrevendo meu problema eles fossem encontrar a solução. Mas de nada valeu. Tomei da mão do anfitrião a pequena tocha que ainda fumegava e saí em disparada. Ali aprendi uma lição, pude concluir que nem toda a lógica, nem todo saber, nem todas as capacidades, nem toda perfeição seriam capazes de explicar o que eu realmente sentia, era algo inexplicável, mas eu sabia que era real. As pessoas daquele lugar não me entenderam, tive que deixar a cidade às pressas para não ser preso como um louco; o incrível era que cada vez mais eu acreditava no que o médico me disse e na proposta que o eremita me fez, embora eu não compreendesse, parecia saber que estava perto o lugar.
Foi então que cheguei aqui neste vilarejo, é um lugar que parece ser o oposto daquele outro por onde passei; as ruas são fascinantes parecem calçadas de nuvens, eu tenho a sensação de estar no céu, tudo parece tão gostoso, tão prazeroso. Com certeza este deve ser o lugar onde moram aquelas três pessoas, pois é o lugar ideal para um artista, é o lugar mais certo para um grande amor e certamente uma pessoa bem rica daria tudo para viver em um lugar assim, mesmo sem casa. Foi isso que pensei logo que cheguei aqui, fiquei muito feliz pois parecia estar perto de encontrar meu remédio, eu até já estava me sentindo melhor.
Mas qual não foi minha surpresa quando acordei esta manhã e sem querer, tropecei em um dos donos da estalagem, ele se ofendeu a tal ponto que parecia estar prestes a ter um ataque, só porque tropecei em seu pé. Logo vi que seu pé estava ferido e então entendi a sua reação. A noite passada, ao chegar aqui, não havia me dado conta das pessoas que vivem neste lugar, mas agora que o dia amanheceu pude
notar
que
praticamente todos os moradores têm feridas de todos os tamanhos e diversidades. Cada uma parece ter estampada no próprio rosto sua ferida. Pode‐se ler: ‐ não sou amado ‐ não sou valorizado ‐ não sou compreendido ‐ não encontro meu lugar ‐ não encontro meu papel ‐ não acreditam em mim ‐ sou prisioneiro do outro ‐ sou
amarrado ao outro ‐ vivo uma perpétua espera de alguém...
Vi mais ainda, logo que um se esbarra no outro se perde o controle, é como se uma dor sem igual os atingisse e uma reação sem proporção os tomasse por inteiro. Vejo que toda a beleza do lugar deixa rapidamente de ser tão exuberante e murcha, se enche de tristeza e dor, o céu da cidade parece acinzentar‐se rapidamente.
Nem tomei meu café e fui para um mirante da
cidade. De lá observei que as pessoas cobram muito uma das outras: toques, afetos, carinhos; mas
nenhuma consegue tocar a outra por causa de suas feridas. Percebi, também, que
quando
alguém
consegue um toque, um pouco de atenção, se cria uma espécie de dependência afetiva uma da outra, uma certa escravidão, na qual uma vai sugando infinitamente a outra, sem nunca se exaurir a vontade daquilo que buscam. Isto parece gerar uma imensa insatisfação, um vazio sem fim, que nada preenche, porque este vazio é como um barril esburacado: tudo o que você coloca dentro vai embora se esvai rapidamente. Agora, sentado aqui no alto deste mirante e olhando estas pessoas lá embaixo, me sinto bem pior na minha doença. Esta noite, ao chegar aqui, me sentia muito bem pois tudo parecia diferente, mas hoje me sinto
extremamente
mal ao ver tudo isso. Tenho a impressão que algo assim pode ter gerado meu problema, pois algo aqui me incomoda tremendamente; as pessoas daqui possuem uma espécie de fome que nenhum alimento consegue suprir, parece que quanto mais comem, mais fome parecem sentir. É algo assim que sinto. Olhando a reação destas pessoas penso nas minhas reações quando estava em casa, na minha cidade, qualquer coisa me feria, qualquer coisa me causava reações desproporcionais, a fome insaciável destas pessoas me fazem lembrar minha fome de afeto, atenção, carinho. A maneira como estas pessoas buscam as outras, querendo exclusividade para se satisfazerem me faz lembrar de minhas amizades, eu sempre quis tê‐las só pra mim e nunca me saciavam; entendi também que havia em mim uma capacidade para algo maior que o “finito”, para o algo maior do que aquilo que passa... Acho que vou partir, pois certamente não vou encontrar as tais pessoas que procuro aqui neste lugar, elas não poderiam morar aqui; o que vi em
minha chegada era apenas uma sensação, uma fachada deste lugarejo, aqui, agora, pareço sufocado e as pessoas parecem me sugar e não querem me deixar partir. Mas eu vou assim mesmo, aqui não é um bom lugar para mim. Olhando este lugarejo parece que me vejo como num reflexo. Tenho que ir....
Torça por mim, saio daqui ainda mais fraco e
ainda mais necessitado de achar logo o meu remédio.
Querido(a) Andarilho(a), Depois desta leitura comovente e tão cheia de significados é hora de irmos para nossa área virtual e fazermos o nosso próprio escrito. Vá e acesse, meu segundo escrito. Lá você encontrará todas as instruções necessárias. Bom Trabalho!