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A agricultura é uma arte que requer resiliência, inteligência, astúcia e fé

A agricultura segundo um produtor que planta há mais 30 anos e atua em uma cooperativa, onde acompanha os desafios de produtores da cidade e região

360: Zé, o que você planta?

José Sanches: Eu planto soja, milho e café. Esse ano, por exemplo, tô plantando soja e sorgo, ano que vem vou plantar trigo. Mas a soja continua sendo a principal cultura.

360: O café, é novidade?

Zé: É que eu tenho um intervalo entre o plantio de inverno que coincide com a colheita de café, então eu consigo otimizar em uma área pequena para fazer isso.

360: O que é uma área pequena?

Zé: Considero pequena até 30, 40 alqueires pra ser economicamente viável pra cultura extensiva, como soja, grãos, milho, café, cana. Áreas menores que isso tem que ser hortifrutigranjeiras.

360: O que é uma área pra hortifuti?

Zé: Pode ser a partir de 2, 3 até 5 alqueires.

360:Em qual área a cultura extensiva é viável?

Zé: Se é o proprietário que faz tudo, com 20 ou 30 alqueires ele consegue sobreviver. Se depender de terceiros, não tiver todos os equipamentos, tem que ser a partir de 40 a 50 alqueires pra valer a pena.

360: Quanto você planta de soja?

Zé: 50 alqueires. Eu planto as duas áreas todo ano. O plantio de verão, que é a soja e o de inverno, que faço a rotação com milho, sorgo e trigo, dependendo do clima.

360: Como é acordar e dormir todo dia com essa variável que você não tem controle?

Zé: O primeiro exercício é fé, você reza muito! (risadas). Tem que rezar desde o início do plantio. Tem que chover antes de começar a plantar, tem que chover depois pra você cul- tivar, tem que rezar pra chover pra nascer e crescer. Aí você continua rezando pra desenvolver e no finalzinho você reza pra dar um pouco de sol pra poder colher. Só! (risadas)

360: Há quanto tempo você planta?

Zé: Planto há mais de 30 anos.

360: Você também tem comércio. Quanto a agricultura representa no seu resultado?

Zé: Essa atividade representa 20% do meu negócio, os outros 80% vêm do comércio.

360: Você participa da Associação Comercial e de Cooperativa Agrícola. Dá para comparar a agricultura com o comércio?

Zé: São atividades completamente diferentes. O comércio é um investimento que você tem o retorno com uma previsibilidade de 90%. Se vendeu bem, você compra mais. Se parou a venda, deixa de comprar. Uma vez que você tem uma estrutura bem organizada, tem o seu capital pra manter o seu negócio, tem estabilidade e o risco é muito pequeno. Já na agricultura, você tem que investir tudo e esperar 6 meses pra ver o resultado. Já estamos planejando a soja do ano que vem, estamos colhendo o milho e já compramos tudo que vai seu usado pra plantação.

360: Sobra dinheiro?

Zé: Depende, porque cada ano é uma história. A gente vem de um ciclo longo muito positivo na agricultura, de vários anos, como nunca tivemos. Agora, ano passado e o momento atual tá muito crítico porque caiu mais de 30% o preço do produto final. Essa queda sai do lucro, porque o custo não vai mudar.

360: Qual a razão dessa queda?

Zé: São muitos fatores. Primeiro a oferta. Principalmente a soja, que teve uma grande produção. E tem a questão da armazenagem. Como não tinha espaço pra guardar a produção, os agricultores foram obrigados a vender a qualquer preço para países compradores, principalmente a China, e assim liberar espaço porque tá chegando uma boa safra de milho. É uma pressão total, na soja e no milho, do mercado internacional. Todo mundo sabe que no Brasil não tem espaço pra armazenar. Daqui a 30 dias começa a safra de milho, e daqui a 60 dias, uma nova safra de soja. O Brasil é um dos poucos países no mundo que tem 2 safras no mesmo ano, fora a irrigação que tem até 4 vezes no ano.

360: Você é um ativista ambiental, como é que você trata a sua lavoura em relação à preservação da mata nativa e o uso da água?

Zé: O pessoal acha que o agricultor é destruidor da natureza. Claro que cada caso é um caso, que pode existir quem destrua, mas não é a maioria, porque é preciso cuidar do solo, do ambiente, até por uma questão de sobrevivência. Ninguém joga água fora. Você usa a água quando é preciso, porque é caríssima, o custo da irrigação é muito caro. A água da irrigação é usada no momento certo, com controle pra não ter desperdício, até porque o excesso prejudica a planta. Eu não tenho irrigação, mas entendo que cada vez mais seja necessário porque hoje as variedades são altamente produtivas e têm um ciclo muito rápido. E em uma semana, se não chove, você perde 10% a 20% do seu lucro.

360: Quando você fala das variedades, são as sementes transgênicas?

Zé: As empresas investem muito em tecnologia e existe muita competição entre elas, uma quer oferecer uma variedade mais produtiva pra ganhar o mercado da outra. Outra coisa, a necessidade de alimentos é muito grande e a margem de lucro do agricultor é muito pequena, então ele produz muito pra sobreviver.

360: Como fica o pequeno produtor? Porque tem vários fatores, você produz, vende barato seu produto e quando vai ao supermercado, tudo que leva o produto tá caro, aí precisa de crédito, mas se não tem toda a documentação necessária (muitas vezes não tem por que é de família) não tem acesso ao dinheiro. Fazer o que? Arrendar?

Zé: Arrendar é praticamente desistir da atividade. Se o agricultor ficar 10 anos fora da atividade, ele não consegue voltar, vai ter que vender todos os equipamentos e reinvestir em maquinários novo, mas não vai ter capital pra isso porque as máquinas de hoje têm uma tecnologia muito cara.

360: Onde que tá a vantagem, tem uma ajuda para o agricultor ou sempre foi assim?

* O produtor rural, José Sanches, confere de perto a lavoura, dividindo seu tempo entre a agricultura e o comércio *

Zé: Não tem vantagem. Hoje é um pouco melhor. Muita gente perdeu propriedade e viveu o êxodo rural. E o agricultor também não conseguia sobreviver na cidade, porque não tem formação profissional e conhecimento do mercado de trabalho. Outra coisa, a nossa legislação trabalhista não é adequada pra agricultura. O ciclo da agricultura é totalmente diferente da atividade urbana. Não é ciclo de 8 horas com os finais de semana livre. Se chove uma semana, ninguém trabalha.

360: É muito difícil encontrar mão-de-obra?

Zé: Hoje é muito difícil porque o cara que nasceu na cidade não se adequa; Tem que acordar muito cedo, trabalhar até mais tarde, o serviço é bruto. Se não conseguem nada mesmo, é que vão trabalhar no sítio.

360: Com tantos desafios, falta de apoio logístico e financeiro, como é que tem tanta gente se dando bem na agricultura, muita gente crescendo, onde está a luz no fim do túnel, que dá o retorno financeiro?

Zé: É matemática. Tinha 5 mil produtores onde hoje tem 100. Só sobreviveu aquele que teve capacidade de fazer grandes investimentos. Você vê agricultor com caminhonete, mas ele tá contando com 4 ou 5 safras boas pra pagar, o que leva de 7 até 10 anos.

360: Então, o sono tranquilo é difícil...

Zé: É difícil. O que a gente vê é certa ilusão. Mas tivemos um aumento na produtividade.

Na produção de milho, por exemplo, de 80, 100 sacas por alqueire há 15 anos, hoje você consegue colher acima de 200 sacas.

360: Colhe mais por causa das sementes?

Zé: Não só isso. Tem também tecnologia e maquinário. Precisa de uma plantadeira com GPS, controle de adubo, de semente...

360: É a Agricultura de Precisão, né? E dá pra alugar ou é preciso ter os equipamentos?

Zé: Isso. Você tem que ter os equipamentos por causa do tempo. Se chove no meio do plantio, precisa esperar uns dias pra recuperar o solo, porque tem que ter a umidade ideal pra plantar. A janela do plantio é muito curta, então, tem que ter maquinário grande ou fazer 20, 30 alqueires em 2 dias, dia e noite. Eu tenho que ter o equipamento na minha mão porque se der pra começar 5 da manhã e ir até 11 da noite, eu vou fazer isso.

360: E quem opera esses maquinários?

Zé: A maioria dos grandes produtores, e isso é muito positivo, têm filhos agrônomos, técnicos agrícolas. Eles têm 30%, 40% de funcionários, o resto é da própria família. Aqui, em Santa Cruz, quem sustenta é o dono com 1 ou 2 filhos que são pessoas preparadas.

360: Em termos de insumos, há melhoras na toxicidade dos defensivos e dos nutrientes?

Zé: Melhorou muito. Até porque o próprio agricultor sabe do risco já que é ele que vai manipular. O fungicida, que é altamente tóxico, pra uso totalmente específico e controlado, deve ser aplicado na dose e no local específico porque é caríssimo, então ele não vai errar a dose pra não matar a planta.

360: E já tem muito produto bioecológico, o biodefensivo, eles são melhores?

Zé: A tendência é usar mais esses produtos por uma questão de ciclo. Porque as plantas têm um ciclo muito rápido e tenho que pensar na próxima safra. Se estou plantando milho, não posso usar alguns produtos porque vou plantar soja depois. Já os produtos naturais, vamos dizer assim, agridem menos, mas têm uma aplicação muito limitada. Se ocorre uma infestação momentânea de uma praga, você tem dois ou três dias pra resolver porque se ela tomar conta da sua área, adeus.

360: E rola de ter essas infestações?

Zé: Rola e, às vezes, você nem percebe, por isso, tem que estar todo dia no campo. Nos últimos 5 anos, apareceu uma cigarrinha no milho, que não tinha antes, e era uma quantidade tão pequena que ninguém se preocupou. Mas a quantidade cresceu tanto que faz 2 anos que praticamente ninguém colhe milho. Foi um desastre. Este ano, nós tivemos um início de plantio de milho de inverno com uma chuva muito regular. A própria chuva mata a praga porque ela fica no gomo do milho. Então, este ano, não teve cigarrinha.

360: Agricultor tem que ser astuto, inteligente. Zé: Muito, porque ele tem que conhecer a sua área, as variedades adequadas para o tipo do solo da região dele. Porque o que planta no Paraná não é o mesmo que planta aqui ou em Minas. Hoje em dia, tem muita demonstração de campo, que indicam quais são as melhores variedades pra cada área. E tem que se atualizar. O milho que mais vendia há cinco anos, na nossa região, não tem mais um pé porque essa variedade é mais suscetível à cigarrinha.

360:: E tem que ter controle de informação?

Zé: Precisa ter porque a margem de lucro é muito pequena. Se você pega os produtores de milho, imagina que a quantidade média é de 180 a 300 sacos. O cara que produz os 180 produz com uma tecnologia média ou mais baixa, mas o custo é pra 150 sacos, ele está ganhando 30 de lucro. O que colhe 300 tem um custo de 200 sacos e está investindo pra ganhar 100 sacos, mas pode colher mais 200.

360: E sobre as cooperativas, qual sua visão?

Zé: Eu agradeço a oportunidade de falar disso porque as pessoas não entendem o espírito cooperativista e a necessidade dela. Primeiro, a cooperativa é um balizador de preços, do preço final dos produtos e dos insumos. Sem as cooperativas, viria uma guerra entre indústrias e fornecedores, e quem sofreria mais seriam os pequenos produtores. Em segundo, a cooperativa financia tudo que o produtor precisa, para pagar só na colheita.

360: Como isso funciona?

Zé: O produtor compra uma cota, que é corrigida anualmente. A cota mínima, no caso da nossa cooperativa, que é a Coopermota, é de R$ 1.500,00. A nossa cooperativa tem R$ 100 milhões de capital, que é de todos os cooperados. Ela trabalha com esse montante. O dia que o cooperado sair da cooperativa, recebe todo dinheiro de volta, corrigido. Além disso, aos 75 anos você tem o direito de tirar seu capital e continuar como sócio, basta manter o valor mínimo. Então a cooperativa tem duas formas de compensar o cooperado. Primeiro é a remuneração do capital. Segundo é a participação dos resultados. Como o objetivo da cooperativa não é o lucro, quando chega no final do ano, o excedente, que nós chamamos de sobra, é distribuído entre os cooperados. O grande trunfo da cooperativa é esse: receber os produtos dos cooperados, cuidar e ir vendendo conforme o cooperado precisa, de acordo com o preço do dia. Ela ajuda produtor a produzir (com linhas de crédito e insumos), armazena e depois comercializa.

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