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Ruminância Caipira

*Leonardo Medeiros

*ator, escritor e vocalista de banda de rock

Meu herói brasileiro, o Jeca, jamais seria um patriota. A noção de país do meu caipira vai só até a cerca do vizinho. Esse sábio sentaria na soleira para ver as passeatas passarem, enrolando seu fumo num pito que termina nunca, preocupado solenemente se o quiabo está maduro.

Aqui entre nós, pra que perder tempo? A (des)inteligência artificial vai roubar nosso emprego, o zap vai dominar nosso pensamento, as corporações vão manipular nossas consciências; mas o sol vai continuar iluminando o capinzal da Mimosa para o leite matinal.

Mimosa, como todo mundo sabe, é o nome preferido por caipiras do Oiapoque ao Chuí para batizar a pobrezinha da vaquinha de leite, cheia de carrapatos despreocupados com o aquecimento global. Afinal de contas, se as tempestades vierem, é só trocar quiabo por jiló. Se destelhar a choupana, dorme-se no galinheiro.

Não estou pregando a alienação, só lembrando aquela milenar máxima chinesa que eu inventei agora, que diz: “não gaste energia com coisas que você não pode mudar.” Para comprovar a sabedoria desse fake Confúcio, é só fazer um retrospecto e lembrar quantas vezes as suas brigas, as suas paixões, as suas fés nos humanos, te levaram a algum lugar. Nenhuma, aposto. Talvez uma, para os românticos.

Aposto também que as atitudes refletidas e ponderadas também não deram muito resultado.

O Jeca e eu sabemos que a vida é completamente aleatória, que nosso poder de mudar as coisas é praticamente nulo. Somos pequeninas e insignificantes peças no xadrez cósmico, com nossos mirrados desejos e nossos gigantescos afetos.

Todavia ainda existe o olhar meigo dos filhotes, a substância impalpável da mulher amada, a fidelidade do cão, o farfalhar mântrico da floresta e o crepitar do bambuzal. Na alma do Jeca Tatu, esse gigante, as sensações da soleira são mais poderosas que a titânica gravidade de Sagitário A* (procura no google).

O caipira não gasta energia a toa. Só na medida do sustento da mandioca de hoje.

Pra não dizer que somos niilistas e acomodados, vou te contar o que eu e o Jeca acreditamos ser possível fazer pra melhorar o mundo: ser gentil, respeitar o próximo, aceitar a diferença, proteger os oprimidos, conviver pacificamente com os adversários, nunca discutir política, futebol e religião, e aquelas outras coisas todas que um tal andarilho de Nazaré, muito falado mas pouco seguido, pregava maltrapilho.

E pra comemorar a humanidade, “vamo bebê, vamo pitá, que o mundo vai acabá.”

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