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Um Jardim para o Teatro
*Leonardo Medeiros
Parece que o respeitável público está voltando aos teatros. Tenho ouvido de fontes variadas que os espetáculos teatrais estão abarrotados de gente ávida por aquela precariedade mágica que só o teatro guarda. Aquele perigo da intervenção do acaso e do erro escancarado. Algo perdido na era da revolução digital onde tudo é editado à exaustão, numa vontade asséptica de eliminar o erro. Quilotons de imagens tão profundas quanto uma planilha de engenharia hidráulica bombardeiam nossa paciência ocultando a propaganda subliminar que solapa nossa inteligência e nossa sensibilidade. Zeros e uns gerando ódio lucrativo por inimigos desumanizados. Quando aplicativos e plug-ins alimentados por inteligência artificial corrigem erros e imperfeições, parece que o pessoal da vida real está encontrando alívio nas salas de espetáculos. Porque ali naquele tablado mágico existem pessoas falíveis, figurinos que podem descosturar em cena, cadeiras que podem tombar e incautos que podem tropeçar.
Claro que é mais que isso. Atores são xamãs. Catalizadores. Sacrifícios sagrados vivos prontos para o abate. Estar sobre o palco é experimentar o perigo de morte. É ter a heroica coragem de estar sob constante escrutínio e julgamento. Nele nós, atores, somos inundados de hormônios que só alcançam essa intensidade numa batalha sangrenta.
No teatro estamos expostos a suores, perdigotos e odores. Coisas antes humanas. Experiências transcendentes para quem está acostumado ao ignoto insípido de viver nas telas, sem contato real com a vida. Porque a vida está no outro. Sim, no outro, somos símios, animais gregários, precisamos da consagração coletiva, da celebração arrepiante das peles que se tocam e do intercâmbio de bactérias benfazejas. Fora isso só há ansiedade e depressão.
Estou pensando essas coisas nos últimos dias porque, depois de um afastamento auto impingido dos palcos de mais de cinco anos, estreei uma peça nova. “Um Jardim para Tchekhov”. Um modesto idílio russo brasileiro escrito pelas mãos sensíveis de Pedro Brício e estrelado pela minha parceira de cena Maria Padilha. Em novembro estrearemos no CCBB São Paulo, e conto com a presença de vocês! Já fizemos Belo Horizonte e Rio de Janeiro para salas sempre lotadas de gente fascinada pelo movimento provocado no espírito pela celebração dionisíaca. O povo ri e chora com nossa trama, e sai de alma lavada pela catarse arcaica.
Tentei me aposentar dos palcos porque tudo que envolve esse ofício é extenuante, precário e mal remunerado. A peça só existe por causa da tão mal falada e pouco compreendida Lei Rouanet, que no nosso caso emprega dignamente dezenas de profissionais entre artistas, artesãos, técnicos e burocratas, e supre a condição depauperada dos valores dos ingressos, reduzidos a preços de banana por causa da campanha incessante da burrice estabelecida em tirar da arte seu valor.
Espero encontrar vocês lá na saída do teatro, para ver seus olhos brilhando e receber seu abraço de reconhecimento pelo presente de vida.
@umjardimparatchekhov
*ator, escritor e vocalista de banda de rock
A melhor oração é amar
* Fernanda Lira
Não adianta, não sou pessoa de igreja. Me sinto amordaçada, me distraio do ritual. Não adianta forçar a barra.
Só vou em missa de 7º dia e olhe lá. Também não sou de orações, ainda mais quando se trata de ladainha.
Até a ciência diz que orar faz bem. Eu acredito que faça, mas não consigo. Já tive minha fase carola, mas passou. A manipulação de toda e qualquer ordem religiosa não é capaz de me reter por muito tempo. Isso não muda em nada o quanto tenho Deus em minha vida. O tempo todo me sinto diante Dele ou sob o seu olhar. Não um olhar soberano de regras e doutrinas, mas de amor, proteção e perdão. E graças também. Já recebi muitas, inclusive.
De tudo isso, o que mais me faz sentir estar vivendo o cristianismo, que é a doutrina que sigo, é dar sem esperar nada em troca. É agir pelo bem até mesmo de gente que me ofende e desgosta. Não é algo fácil,
mas aprendi que isso é possível. Assim, minha religião, como me disse uma amiga, é essa: fazer algo pelos outros sem nenhuma expectativa de retorno.
É fazer não por quem faz parte da minha vida, mas por quem eu mal conheço ou nunca tenha visto antes.
É fazer sempre. Chova ou faça sol, sobre ou falte tempo. E é fazer feliz, ficar radiante com cada um que recebe. E estar sempre disposta a fazer mais e mais e mais. Quando eu penso nisso, lembro de uma música que aprendi na igreja, quando eu frequentava: a melhor oração é amar, a melhor oração é amar.
Isso tudo pode soar piegas e controverso para uma pessoa fadada a fazer críticas a tudo e a todos, mesmo que com o intuito da evolução humana e social.
E é piegas mesmo. Sinto até um certo e intenso constrangimento em publicar esse texto. Ocorre que ele carrega um fato. E como tal, também deve ser respeitado.
Afinal, por que somente nos orgulhamos daquilo que nos distancia da mais pura e profunda afeição?
Por que preferimos nos proteger com a carcaça do pensar sobre o agir de maneira livre do julgar se é isso que na verdade deveríamos perseguir?
Pois aí está, minha alma de cara lavada!
* jornalista paulistana que adora o interior