1ª EDIÇÃO/MAIO.2019
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estrato?
ESTRATO – Caderno de Arquitetura e Urbanismo da Instituição de Ensino Uningá. Será um meio de exposição de pensamentos, relatos, opiniões e posturas que constroem e vitalizam a teoria e a prática que dinamizam o curso de Arquitetura e Urbanismo da Uningá. Esperamos que a publicação demonstre a pluralidade de vozes (docentes e discentes) participantes da organização do ensino, do projeto e do debate arquitetônico e urbanístico. O conjunto de “estratos” – camadas que estratificam nossa história – será, por certo, as linhas gerais que subsidiarão o conteúdo deste Caderno. Das atividades práticas ao diálogo teórico, das opiniões arquitetônicas aos debates urbanos, construiremos volumes anuais para registro daquilo que ministramos, ensinamos e aprendemos dentro de um curso acadêmico. Nesta perspectiva, o nome simboliza as camadas relevantes do papel desempenhado por nós, arquitetos urbanistas, professores e alunos, na identificação de uma função profissional condizente com os estratos da arte, da técnica e do social. Assim, convidamos a todos os docentes que queiram alinhar suas ideias na dimensão piloto deste caderno. Pretendemos contribuir, desta forma, com o esforço de consolidação do ensino da Arquitetura e do Urbanismo.
o partido
O projeto Très Grande Bibliothèque, que foi concebido em 1989, pelo famoso arquiteto Rem Koolhaas, recebeu uma menção honrosa no concurso para construir uma nova biblioteca nacional na França. O programa solicitava a criação de várias bibliotecas menores contidas dentro da estrutura do edifício, com bibliotecas para imagens em movimento, aquisições recentes, referências, catálogos e pesquisa científica. Dada a grande quantidade de itens a serem armazenados nesses espaços (livros, filmes e bancos de dados digitais), nasce o conceito visual da edificação. A biblioteca é imaginada como um sólido bloco de informações, deixando os vazios para criar espaços públicos – ausência flutuando na memória. A partir desse modelo, nasce a ideia dos estratos como ponto de partida para nossa identidade.
Fonte: Tradução com base em OMA architects_1989
1989_OMA architects
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conteúdo 01 02
ensino
opinião
03 prática
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egresso
Onde docentes do curso ou mesmo convidados de outras instituições poderão compartilhar opiniões e análises sobre um tema proposto pelos membros da equipe do caderno.
Neste item será levantado e proposto a um convidado falar sobre uma obra em especifico ou mesmo sobre sua carreira de produção. Geralmente, poderá e terá como característica valorizar e descobrir obras e profissionais da região. A fim de elucidar a produção local, os convidados serão arquitetos, urbanistas, gestores, dentre outros que forem pertinentes. Levantado com a grade de docentes e deliberado entre a equipe do caderno, será eleito um trabalho que tenha se destacado no período anual, a fim de horizontalizar o curso. O objetivo é mostrar como os trabalhos estão sendo desenvolvidos na faculdade. A equipe ou aluno que tenha desenvolvido o referido trabalho ser convidados a enviar um texto explicativo e peças gráficas, ou fotos sobre o trabalho, valorizando assim, os trabalhos para a comunidade externa da faculdade. Por fim, demonstrar trabalhos paralelos que são desenvolvidos pelo curso, como os trabalhos do escritório modelo, e projetos paralelos das atividades curriculares.
A fim de promover a valorização do ensino ministrado pela faculdade, entraremos em contato com alunos egressos que estivessem dispostos a demonstrar como foi a transição entre a faculdade e o mercado de trabalho e quais foram seus desafios, dificuldades e experiências. O intuito é demonstrar e também analisar como se encontram os alunos no mercado de trabalho. Esta parte visa contribuir para a prática direta da Arquitetura e mostrar a experiência de outros acadêmicos que foram buscar caminhos como a docência, a pesquisa, o urbanismo e outras possibilidades que a formação pode propiciar.
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quemsomos?
Sinto-me estimulado a contribuir com as construções que potencializam nosso curso. O Caderno Estrato é uma delas. Idealizado pelo acadêmico Daniel Bittencourt e com o apoio da Coordenação, o Caderno será um meio de exposição de pensamentos, relatos, opiniões e posturas que constroem e vitalizam a teoria e a prática do nosso curso. Esperamos que essa ferramenta demonstre e divulgue a pluralidade de vozes (docentes e discentes) participantes da organização do ensino, do projeto e do debate arquitetônico e urbanístico. O conjunto de “estratos” – camadas que estratificam a história do curso – será as linhas gerais que subsidiarão o conteúdo deste Caderno. Das atividades práticas ao diálogo teórico, das opiniões arquitetônicas aos debates urbanos, construiremos volumes anuais para registro daquilo que ministramos, ensinamos e aprendemos dentro de um curso acadêmico. Nesta perspectiva, o nome simboliza as camadas relevantes do papel desempenhado por nós, arquitetos e urbanistas, professores e alunos, na identificação de uma função profissional condizente com os estratos da arte, da técnica e do social. Coordenador Renan Avanci Nesta primeira edição participam Acadêmica Jussara Fernandes Luciano - revisão textual Acadêmica Eduarda Martin de Souza - entrevista e edição Coordenador Renan Avanci - edição geral Acadêmico Guilherme Frider - diagramação Acadêmico Daniel César Bitencourt - idealização geral e entrevista 1ª EDIÇÃO/MAIO.2019
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ensino opinião prática egresso Em entrevista cedida ao Caderno Estrato do curso de Arquitetura da Uningá, os professores Bruno Mazetto e Rafael Scoaris contam um pouco da experiência de terem participado do Concurso Público Nacional de Estudo Preliminar para a Requalificação do Eixo Monumental de Maringá. Juntamente com a professora Gabriela Navarro Maróstica, o engenheiro
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Fabiano Mincoff e os acadêmicos Mateus Pereira, Matheus Costa, Sidney Garcia e Tiago Benate, receberam Menção Honrosa pelo projeto. A atuação deste grupo de professores e alunos mostra as possibilidades que a docência e a atividade profissional do arquiteto possuem como benefício para o planejamento e o desenho urbano das nossas cidades.
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concurso público
NACIONAL
E S T U D O P R E L I M I N A R PA R A A R E Q U A L I F I C A Ç Ã O D O E I XO M O N U M E N TA L D E M A R I N G Á
imagem: acervo dos entrevistados
CADERNO ESTRATO — De que maneira a atuação na docência e escritório influenciou o projeto final do concurso?
A EQUIPE
Tiago Benate, Matheus Costa, Rafael Scoaris, Fabiano Mincoff, Bruno Mazetto, Gabriela Maróstica, Sidney Garcia, Mateus Pereira imagem: acervo dos entrevistados
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BRUNO MAZETTO — Eu sempre defendi a ideia de ser professor e exercer a profissão que ensino. Primeiro, porque a docência exige sempre pesquisas, contribuindo para o nosso desenvolvimento. Segundo, porque o aprendizado na prática profissional também sempre contribui com o trabalho na sala de aula. Fora essa troca, é muito grande a lacuna entre ensino e mercado de trabalho. No concurso, eu acho que esse foi um dos pontos interessantes. Muita coisa conseguimos aplicar por meio da atividade da docência em relação, principalmente, às questões de conforto ambiental e urbanismo, por exemplo. Tínhamos uma base boa de conhecimento teórico, mas também existia a questão prática em relação à viabilidade, ao orçamento e à aplicabilidade do projeto.
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CE – Então, quais foram as estratégias de projeto adotadas para o concurso? RAFAEL SCOARIS — Focamos na proposta de um espaço que se construísse por meio de unidades, utilizando-se de um elemento arquitetônico, no caso, a proposta de canhões de luz. Esse elemento traria a ideia de fluidez espacial ao configurar espaços únicos, mas vinculados a partir dessa estrutura. Assim, existiria uma legibilidade a partir não só da escala do observador, porque os canhões seriam vistos desde Marialva, por exemplo. BM — Essa estratégia se deu justamente porque aborda-se a ideia do eixo, mas apenas no nível do pedestre. A ideia era resgatar a história desse espaço em outra escala. Os canhões de luz seriam os responsáveis por uma identificação do eixo a uma grande distância. RS — Nosso partido é a luz, enquanto definidora de um ambiente.
BM — Sim, mas durante o dia, o que prevalecia enquanto estratégia de projeto são as questões do mobiliário, materiais e até mesmo o próprio VLT circulando pelo eixo. De todo modo, o principal elemento seria a iluminação à noite. O pessoal que gosta de se apropriar do espaço noturno ganha esse grande boulevard. RS — Distantes das grandes estruturas, não assinamos a ideia dos grandes volumes e grandes massas de densidade. Partimos de uma ideia de microescala que pudesse ser potencializada ao extremo. CE — Visto que há profissionais de áreas de atuação diferentes na equipe, qual foi a dinâmica de trabalho adotada? RS — Temos formações muito semelhantes, embora nem todos atuem diretamente com Urbanismo. Contudo, entendemos e defendemos a cidade com um novo planejamento, ou seja, reconhecemos as necessidades de adaptações. BM — A junção das particularidades de formação e especialidade de cada membro da equipe centralizava uma ideia muito comum. O legal é que às vezes estávamos pensando: “Vamos colocar uma vegetação aqui...” Enquanto eu e o Rafael sugeríamos algumas árvores, a Gabriela já dizia qual era a mais adequada. Assim, conseguimos distribuir os setores e as tarefas. Na verdade, nós setorizamos muito bem. Isso justifica o resultado, até porque o tempo era curto. Nós tínhamos reuniões quase diárias para delegar tarefas. Acredito que em um concurso o mais importante é você saber otimizar o máximo de tempo possível.
imagem: acervo dos entrevistados
imagem: acervo dos entrevistados
RS — O envolvimento dos acadêmicos também foi fundamental. Ficamos surpresos! Eles trabalhavam até às 23 horas. Houve dia em que pedimos pizza e eles continuaram a trabalhar depois. Realmente, foi algo muito bem estruturado. Por isso, acreditamos ter funcionado. CE — Sendo a questão da sustentabilidade uma necessidade pressuposta no debate arquitetônico contemporâneo, como vocês se apropriaram desta questão no projeto? RS — A proposta se deu fundamentalmente a partir das questões de sustentabilidade. Mas eu acho este termo bastante vago, pois, ao ser utilizado, parece que o discurso ganha um status que camufla uma possível falta de conteúdo. No projeto do concurso, trabalhamos com a ideia de
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construir a cidade a partir do reuso de resíduos de forma absolutamente tecnológica, transformando os resíduos em produto de design a partir do processo de impressão 3D. Na discussão, apontamos que as cooperativas de catadores de lixo poderiam gerenciar e participar do ciclo, embora saibamos que essas gerências possuem limites bem definidos. A impressão 3D para a fabricação do elemento não resolveria, por exemplo, problemas estruturais. Estávamos plenamente conscientes disso, mas a ideia era fazer a partir dessa estratégia o que poderia ser feito. BM — Eu concordo com o Rafael. A sustentabilidade é uma palavra muito vaga, configurando até mesmo um modismo. Vejamos: quando se diz que um projeto é trabalhado com a sustentabilidade, ao
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questionarmos a sustentabilidade aplicada, geralmente obtemos como resposta a simples estratégia de captação de água da chuva. No nosso projeto, a questão da sustentabilidade foi pensada por meio de uma estratégia mais ampla, um ciclo que fosse benéfico a toda a cidade. Nesse sentido, pensamos em aproveitar os resíduos. Notamos reportagens que diziam sobre a precariedade financeira das cooperativas, que estariam até mesmo falindo pela falta de separação do lixo. E isso aqui em Maringá. Buscamos, portanto, transformar o lixo em um equipamento público, visando à apropriação de pesso-
as. Minha garrafinha fez esse banco, então vamos começar a fazer mais. É algo que, com um pouco de tempo, já resolveria muitas questões. Dizíamos durante o concurso que, independentemente de ganharmos, mandaríamos para a Prefeitura essa ideia de conscientização. Esta estratégia poderia melhorar toda a cadeia de reciclagem, desde a direta, realizada pelo usuário, até às cooperativas, que teriam um aumento na demanda de trabalho. Pensávamos em um produto feito de uma matéria-prima fácil, o plástico de garrafas PET, por exemplo. O processo imagem: acervo dos entrevistados
de transformação desse plástico se daria pela impressão 3D, que possui um grande potencial de transformação. Assim, atentávamos para a produção de elementos simples, como ripas para colocar no banco de concreto. Não era necessário algo mirabolante, mas pequenos itens. Talvez tenha sido um dos nossos erros concentrarmos em pontos focais do projeto, justamente por morarmos na cidade da proposta. O trabalho que ganhou em primeiro lugar possui muitos méritos. Até por isso que é legal participar de concurso. Você se depara com cinquenta ideias diferentes da mesma problemática e todos produzem algo muito rico. No entanto, eu vejo que talvez os primeiros colocados trabalharam muito mais a questão de paginação do piso do que o próprio cuidado com outras questões, conforme foi solicitado no edital. Nós abstraímos um pouco essa questão da paginação do piso. CE — Para finalizarmos, qual é o balanço da experiência do concurso dividida com a rotina de escritório? E o que podem dizer para quem pretende focar neste nicho?
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BM — Em um concurso desses, deve-se entregar todos os projetos, como o estrutural, o executivo, entre outros. Um escritório pequeno, como é o nosso caso, não consegue gerenciar todos esses projetos. É preciso contratar complementares de outros escritórios, pagando-se para que essa nova contratação trabalhe junto.
imagem: acervo dos entrevistados
RS — Tratando-se de um escritório contratado por outro, o que foi contratado também emite nota fiscal. Nesse sentido, temos basicamente uma bitributação, pois o valor de contratação chega para nós com tributos e nós emitimos em cima deste uma nota fiscal de serviço prestado. BM — Para além disso, temos o fator tempo. O valor do projeto será dividido pelos meses de trabalho. RS — Portanto, deve-se considerar uma equipe inteira de custo durante todo o tempo de realização do projeto. Nós estamos em três arquitetos e mais quatro estagiários e isso gerará, obviamente, um custo inicial.
imagem: acervo dos entrevistados
BM — Participar de um concurso exige dedicação. Caso não haja esse comprometimento, não se entrega um resultado. Percebemos que poucas equipes entregaram os projetos, talvez por causa do tamanho e do tempo. Então, eu acredito que participar de um concurso só vale a pena se você tem certeza de que vai conseguir fazer, sem frustrações. E é sempre muito bom participar, por dois motivos muito simples. O primeiro, é ter liberdade de fazer o que você considera bom. Então o projeto passa a ter a sua voz. Já o segundo, é justamente como exercício de projeto. Projetar algo diferente é uma atividade que, particularmente, eu gosto de fazer para relaxar. Eu não vejo porque não tentar.
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Estamos muito felizes quanto ao resultado. Foi algo que julgamos ter um potencial gigantesco, que se manteve desde a primeira proposta.
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ensino opinião prática egresso A convite do Caderno Estrato, o arquiteto e urbanista Celso Márcio Lorin, atual Diretor de Habitação da Prefeitura de Maringá, opina nesta pequena entrevista sobre o planejamento habitacional, seus problemas, perspectivas e soluções. Celso atuou como professor do curso de Arquitetura da Uningá, nas disciplinas Fundamentos da Arquitetura e Urbanismo e
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Projeto Arquitetônico III, em que trabalhou temas relacionados com as políticas e projetos de habitações de interesse social. Na sua trajetória pela instituição, é visível e inspirador o legado do seu ensino.
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planejamento
HABITACIONAL
P R O B L E M A S , P E R S P E C T I VA S E S O LU Ç Õ E S
CELSO MÁRCIO LORIN Arquiteto e urbanista, atual Diretor de Habitação da Prefeitura de Maringá imagem: acervo do entrevistado
CADERNO ESTRATO — Celso, qual a importância da habitação de interesse social para a cidade de Maringá? Na posição que ocupa como Diretor de Habitação, que caminhos segue para equacionar as pressões de mercado e movimentos sociais, a fim de suprir as necessidades habitacionais do município? CELSO MÁRCIO LORIN — Na realidade, vamos pensar o seguinte: existe um cenário e o cenário é a escassez de recursos públicos e federais. Não vivemos mais os anos dourados do projeto Minha Casa, Minha Vida. Frente a esse cenário estrutural, precisamos viabilizar a produção de habitação de interesse social. Então, uma coisa são os recursos municipais, que nos permitem algumas ações na produção de habitações e hoje, para termos uma ideia, o Fundo Municipal de Habitação tinha dezessete milhões no começo. Usamos sete milhões em uma desapropriação e mais quatro milhões nas unidades de Iguatemi, ou seja, é muito fácil exaurir esses recursos. Esses dezessete milhões do início se gastam em cento e dez unidades, isso frente a um déficit em cadastro, hoje, de seis mil e setecentas unidades. Há de se pensar, também, sobre a escassez das fontes de recursos munici-
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pais, pois a principal delas é a outorga onerosa, que diminuiu em arrecadação também devido à diminuição da atividade econômica com a crise de 2009. Então, equacionamos o trabalho em três frentes. Uma seria com recursos municipais para tratar uma população que está em maior vulnerabilidade. Abrangendo outro extrato da população, trabalha-se com terrenos públicos sendo edificados por empresas privadas, abrem-se licitações para que estas empresas tenham direito de construir em terrenos públicos em prol de um programa habitacional. Já a outra frente de ação seria por meio de recursos e terrenos privados convocados de modo a utilizar os vazios urbanos da cidade. Isto provoca uma junção da política habitacional com a urbana. O Minha Casa, Minha Vida é visto como um acidente urbano. Justamente por não estar aliado, ele produz habitação, mas não supre o déficit, além de isolar essa população e o direito de habitar, que não são só quatro paredes. Deve haver infraestrutura. Isso deve estar inserido na cidade. Então, quando pensamos que os proprietários de vazios urbanos possam produzir habitação de interesse social, para nós é muito positivo. Nós articulamos uma melhor ocupação da cidade no sentido de combater, por exemplo, uma produção de cidade dispersa e, em contrapartida, produz-se o modelo compacto de cidade que tem a ver com a relação de cidades sustentáveis. CE — Podemos considerar, inclusive, que essa terceira frente contribui com a mistura de classes sociais na cidade? CML — Sim, você faz um mix e distribui essas pessoas conforme os vazios forem apresentados. Nesse sentido, essas são as três frentes em que nós articulamos a política habitacional. Um dos desafios também foi a ausência total de projetos e um ambiente institucional não propício à aplicação dessas políticas. Como exemplo, quando assumimos a Diretoria de Habitação, as áreas de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) estavam apenas em lotes públicos e não faz sentido pensar que as ZEIS são um instrumento do estado para intervir na construção do tecido da
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cidade, intervir na atividade privada. Nessa perspectiva, o instrumento se torna inócuo. Também havia a questão de, ao se fazer um conjunto vertical de habitação de interesse social, a partir de dois andares já haveria a necessidade de elevador e nós sabemos que o desenvolvimento desse tipo de habitação busca o modelo mais econômico. Então, propusemos uma mudança na legislação de modo a permitir que se pudesse produzir habitação vertical direcionada à habitação de interesse social com até quatro pavimentos, sem elevador. CE — Enquanto Diretor de Habitação, quais são os instrumentos de trabalho que tem à disposição para garantir os direitos sociais, em específico os habitacionais, contidos no Estatuto das Cidades? CML — Na verdade, nós também vivemos um enxugamento da estrutura. Então, o que antes era uma secretaria, agora é uma diretoria. Como todos os serviços públicos, sofremos uma diminuição de recursos também, ou seja, os instrumentos e as estruturas feitos para encarar essa problemática da habitação também foram reduzidos, tendo instrumentos bastante escassos, modestos. CE — A partir dessa nova ordem de trabalho, com um corpo técnico e recursos mais restritos, vocês buscaram alguma política pública como parâmetro para seguirem? Ou foram construindo os instrumentos a partir das necessidades e oportunidades? CML — Bom, na verdade, a relação de público e privado é muito difundida. Então, temos que pensar que o espaço possui uma dinâmica construtiva. Ele é produzido a cada dia e, em grande medida, são os agentes privados que o produzem. A partir disso, nós temos que interferir nessa produção, dando uma forma, forma essa que abrigue essa população que até então é impedida de viver na cidade. Nosso desejo é canalizar essa produção para aquela forma que cumpra com a função social. Enquanto políticas públicas, nós estamos agindo no interior, tentando abrigar os marcos constitucionais que já estão postos.
CML — A fase de projeto dessas habitações sempre foi deixada de lado. A modalidade RCP, em que se contrata o projeto e a execução juntos, acabou com o projeto. Nós vimemos um momento de desvalorização deste, pois se acelera esta fase burocrática para partir para o lado onde se tem lucro. É nosso desafio e nós tentamos produzir ambientes com uma qualidade melhor. Vai contra o modelo de sair produzindo réplicas, porque o processo de projeto exige muito tempo, que é muitas vezes visto como tempo morto e não se vê esse tempo atrelado à produção. São tratados como coisas separadas. Agora, quanto à qualidade, como se perdeu o valor do projeto, nós temos que entender a inserção desta unidade no tecido urbano. Para além da qualidade do objeto em si, temos que pensar em como ele está articulado com o entorno. Há também a busca da quebra do paradigma do lote, com discussões para diminuir o lote mínimo aos limites da normativa 6766, que é lei federal. Então, pensar que a diminuição desse lote vai melhorar o assentamento é infrutífero. O que se deve pensar é o rompimento com o limite do lote, estudando-se o assentamento em quadras e áreas livres, públicas, em que as pessoas possam viver outras dimensões da vida além de comer e dormir, o que hoje fica relegado ao lote individual. Isso corrobora para uma degradação do tecido e da vida da cidade, porque o que faz uma cidade viva é o encontro, a quantidade de áreas públicas e ter gente na rua. CE — Celso, você acredita que com essas políticas de quebra do lote individual na habitação de interesse social o mercado acabaria aderindo?
imagem: acervo acadêmico Daniel Bittencourt
CE — Quais as perspectivas da Diretoria em lidar com a resignação da população quanto à habitação de interesse social, já que há políticas que vão permear a cidade e suprir os vazios urbanos? CML — Um certo preconceito, não é? Então isso existe porque nossa sociedade ainda é colonial, temos resquícios escravagistas, uma cultura onde as pessoas se diferenciam ou têm lugares diferentes devido a sua classe social. Nós ainda não entendemos que a riqueza da cidade é a pluralidade. É justamente a mistura que produz a possibilidade da convivência e da democracia e, quando você divide, traz homogeneidade e isso não traz nenhuma
mudança ou transformação. Pelo contrário, aumenta ainda mais o preconceito na falta do contato com o outro. Aos poucos, temos que mostrar à nossa cidade que o mundo é formado de diversidade. Quando se fala de habitação de interesse social, é interesse social de toda a sociedade, não só de quem precisa da casa. CE — Em uma visão amplificada, a produção de habitação de interesse social tem o tabu de ser de baixa qualidade. Enquanto espaço arquitetônico, considera que a produção hoje tem qualidade ou varia muito em cada projeto?
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CML — Na verdade, há uma tentativa que já nasce morta, que são os condomínios fechados, onde os iguais se unem por trás de uma barreira, pensando que vão se salvar do resto da cidade. Mas não, eles não têm carga suficiente para produzir uma minicidade, porque só tem iguais. Não se aprende nada e, em consequência, acabam entrando em uma neurose coletiva, achando que construíram um local seguro, porém, em algum momento terão que sair dali e, ao produzir isso, renegam a cidade. E essa é uma resposta privada a um problema coletivo. E isso não dá certo. Problemas coletivos demandam respostas coletivas. Então, você faz um diagnóstico se a cidade é boa ou não pelo número de condomínios fechados que ela apresenta. Quanto mais houver, mais se evidencia a ideia de que a cidade não deu certo. A forma de enfrentar a violência e quebrar a paranoia da segurança é produzir espaços menos violentos, com ruas vivas e espaços públicos de qualidade.
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ensino opinião prática egresso A professora Carla Olivo integra o corpo docente da Uningá e, em especial, ministra aulas em todos os eixos temáticos do curso. Participa como professora das disciplinas: Projeto, Urbanismo, Paisagem e História. De uma maneira ampla, repassa seu conhecimento por meio de dinâmicas práticas valendo-se também da teoria e da crítica. Nesta nossa primeira edição, não poderíamos deixar de conhecer um pouco das estratégias utilizadas pela professora diante dessa pluralidade de programas
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nos quais é docente. Durante o ano de 2018, o que nos chamou a atenção foi um dos trabalhos desenvolvidos na matéria Urbanismo II, ministrada pela professora. O exercício foi denominado Cidades Invisíveis, cujo embasamento se deu através livro homônimo do autor italiano Italo Calvino. É sobre o envolver da Literatura e da Arquitetura em uma aula de Urbanismo que a professora Carla Olivo nos conta um pouco da dinâmica de aplicação desse exercício no nosso curso.
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as cidades
INVISÍVEIS I TA LO C A LV I N O E M D I F E R E N T E S I N T E R P R E TA Ç Õ E S
CADERNO ESTRATO — Carla, conte-nos de onde partiu a ideia para o desenvolvimento de um exercício, na disciplina de Urbanismo articulado por meio da obra literária do Italo Calvino, Cidades Invisíveis.
CARLA OLIVO
Arquiteta e urbanista, docente do curso de Arquitetura e Urbanismo da Uningá
CARLA OLIVO — Este exercício, em específico, das Cidades Invisíveis, é o primeiro exercício do ano. É a maneira como eu me apresento para os alunos em um momento que não se vê mais a professora Carla de Projeto Arquitetônico, mas de Projeto de Cidade. É um exercício que beira o fantasioso, mas que visa a representação. Ele tem um caráter de entender a cidade e pensar em cidade como estudo, ou melhor, pensar a cidade como projeto. Digo que a ideia para esse exercício não é uma das mais originais. Esse título ou esse
trabalho literário é muito utilizado pelas artes visuais e até mesmo por outros cursos de Urbanismo como referência, mesmo porque é um titulo de um grande autor italiano moderno do final do séc. XX. Pode ser que muitos de vocês já tenham ouvido sobre a obra, até mesmo no colégio alguém pode ter comentado sobre as Cidades Invisíveis, do Italo Calvino. É uma leitura gostosa de fazer e também, uma leitura rápida e curta. A história do livro é muito legal. O livro fala sobre 55 cidadezinhas, todas com nomes de mulher. O pano de fundo é a história de um mercador veneziano que se chama Marco Polo. Ele é diplomata do imperador mongol. Ambos, durante o livro, vão conversando sobre as cidades, porque o imperador não conseguia visitar
imagem: acervo do entrevistado
imagem: acervo acadêmico Guilherme Frider
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imagem: acervo acadêmico Guilherme Frider
totalmente seu próprio império. Em um dado momento, as conversas viram um grande jogo de xadrez, e não se sabe mais se são apenas as descrições das cidades vistas pelo Marco Polo ou se o próprio imperador está projetando essas cidades em sua mente e pede que o diplomata procure-as. Em um momentinho do livro, o imperador pergunta para o Marco Polo porque ele nunca fala da sua cidade, que é Veneza, e o mesmo responde dizendo que nunca falava por ter um certo medo. Ao falar sobre Veneza, Marco Polo acreditava que perderia um pouco dela. No começo do ano passado, eu fui para Veneza e estava andando por
aquela cidade toda muito interessante, toda muito espacial, toda muito diferente do que eu já tinha visto até então e me lembrei dessa conexão com o livro. Pensei em resgatar isso em algum momento. Daí partiu a ideia de inventar esse exercício. Eu já tinha trabalhado essa ideia de representar bidimensionalmente uma cidade invisível do Calvino em um curso de extensão de Artes Visuais na UEM, juntamente com a professora Tânia Machado, entre os anos de 2010 e 2011. Nesse período, ela também fez uma exposição com algumas alunas, sendo que cada uma delas representou uma cidade invisível por meio da pintura a óleo,
imagem: acervo acadêmico Guilherme Frider
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outras alunas através de dobradura ou pintura de grafite. Sei que cada uma escolheu ali a sua maneira de representar. Assim, construí o exercício. Acredito que os alunos gostaram. CE — Acreditamos que esse exercício poderia ser realizado tanto no começo da disciplina de Projeto Arquitetônico, quanto na própria matéria de Urbanismo. Porque você considerou aplicar na disciplina de Urbanismo, do terceiro ano e não em um passo atrás? CO — Eu acho que o curso da Uningá tem uma amarração das três disciplinas de Urbanismo muito boa. A professora Gabriela Maróstica começa com uma escala bem pequena, projetando a intervenção de uma via. Em um segundo momento, na disciplina de Urbanismo II, buscamos projetar um bairro, mas conscientes de que estamos projetando um pedaço de cidade. Este bairro nunca vai ser desconectado do todo, por mais que tenha sua especificidade. Por fim, no terceiro ano de Urbanismo, fala-se de uma escala regional. Pensei que esse exercício na disciplina de Urbanismo II pudesse ressaltar a crítica sobre tudo, melhorar a crítica dos alunos a respeito da cidade. E o legal do exercício é que ele deixa livre o modo de expressão dessa crítica. Eu pedi o resultado final de expressão em um painel A3 e todo mundo fez um desenho em um painel A3, mas alguém poderia escrever um texto sobre a cidade, poderia
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imagem: acervo acadêmico Guilherme Frider imagem: acervo acadêmico Guilherme Frider
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representá-la de alguma outra maneira. Para além disso, ainda tem um resgate muito importante quando estamos no ensino superior, que é o resgate da nossa própria vida. Nós, enquanto docentes, gostamos de transmitir conhecimentos específicos para o arquiteto e urbanista, mas estamos passando também conhecimento de vida. Acho que é fazer o aluno voltar para aquelas coisas de que ele possa gostar. Por exemplo, daquela literatura que ele nunca demonstra em sala de aula, daquelas viagens em metrópoles muito interessantes, mas que não consegue trazer essa vivência para dentro da sala. O exercício, então, faz esse meio de caminho e esse meio de caminho é uma introdução para a nossa disciplina. CE — Qual o método de trabalho utilizado no exercício? CO — Eu gostaria que realizássemos a leitura inteira do livro, mas não conseguimos. Então, eu fiz um filtro entre as 55 cidades apresentadas no livro. Escolhi aquelas em que eu via um potencial de descrição um pouco mais especializado, mesmo porque o autor discorre sobre as 55 cidades invisíveis conforme tópicos. Ele divide essas cidades em: as cidades e o homem; as cidades e a memória; as cidades e o desejo; as cidades e os sinos; as cidades delgadas; as cidades e as trocas; as cidades e os olhos; os mortos; ocultas; contínuas e as cidades e o céu. E nessas diferenciações existem categorias que se assemelham e por alguma sorte demonstram identidade e sentido de lugar. Nessa dinâmica de categorização, essas cidades podem ser arquétipos; elas podem servir para o Calvino, mas podem
imagem: acervo acadêmico Guilherme Frider
servir também para Maringá, Nova York, ou mesmo para cidade nenhuma. Elas falam de coisas sobre metrópoles e sobre o mundo contemporâneo e ainda resgatam aspectos do passado. E assim sendo, algumas descrições de determinadas cidades possuem um pouco mais de texto, um pouco mais de detalhe. Portanto, são as escolhidas por mim para a realização do exercício. De todo modo, se algum aluno quisesse fazer alguma outra cidade do livro que adorasse, acabávamos decidindo por escolha. Eu apresentava as cidades por slide e as duplas de alunos pinçavam as que queriam. CE — Geralmente os alunos escolhiam as cidades pelos curiosos nomes delas? CO — Só o fato de escolher essas cidades no livro já é um exercício, pois escolhemos cidades que buscamos materializar produzindo piso, parede, teto... Mas, na verdade, o que produz a cidade não é nada disso. O que motiva as cidades é a cultura, a sociedade, a economia, enfim, é um conjunto de coisas que são imateriais. Foram esses pontos que definiram a minha seleção e cidades para o exercício. Já os alunos, escolheram pelo nome e pela ideia que a cidade traz muito rapidamente. CE — Como docente, qual foi a expectativa de ver os alunos discutir esse exercício e como foi ver a evolução deles sobre a representação dessas cidades? CO — Eu acho que alcançou uma expectativa que eu não tinha. Foi melhor do que eu imaginava, porque eu acreditei que esse primeiro exercício em sala poderia ser muito subjetivo, com uma estratégia
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que não era nem um pouco cartesiana. Eu teria que pedir para os alunos representarem a partir de dois problemas: a subjetividade e o desenho. Por fim, eu recebi uma acolhida muito grande e um interesse de discussão. No decorrer do exercício, foram pouquíssimas equipes que disseram: “Ah! Isso aqui eu não entendi nada!” ou “Ah! Isso aqui é impossível de representar!” Não, pelo contrário, todo mundo tentou e se dispôs ao desafio dentro do seu grau de maior ou menor facilidade de desenho e contar para os demais como que era a cidade escolhida. Então, eu acho que foi um exercício que mostrou um tom que se seguiu para os próximos exercícios. Começamos com uma atividade que falava sobre o urbano e também refletia sobre o urbano. Posteriormente, nos próximos exercícios, essa ideia também aconteceu. Por fim, acho interessante dizer que consideramos a ideia de que vamos estudar sobre o urbano e as diversas relações que promovem esse urbano. E isso fica claro no exercício das cidades invisíveis. Nessa atividade, o que interessa é o habitante, a sociedade e a cultura que, em especial, acaba propondo o urbano. O livro nos mostra um olhar atencioso, uma vez que ele, do começo ao fim, apresenta múltiplos personagens, da mesma maneira em que vamos caminhando pelos exercícios de urbanismo e percebendo que são muitas paisagens, que são muitas cidades dentro de uma própria cidade. Eu considero que esse exercício também posiciona o aluno perante quem observar, perante o papel do Urbanismo, que é produzir a cidade a partir do entendimento dela. Por sinal, a origem desse entendimento está em quem a habita e também está nos diversos agentes que acabam por moldar essa cidade no tempo.
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ensino opinião prática egresso Julio César Cassoli formouse em Arquitetura e Urbanismo pelo Centro Universitário Ingá em 2017. Com a temática “Requalificação Urbanística e Arquitetônica para a Orla do Rio Ivaí”, concluiu com êxito seu trabalho final de graduação, sob a orientação do professor Marcelo Colucci. A partir de então, Julio integrou-se como
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aluno especial no programa de pós-graduação em Metodologia de Projeto, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Maringá (UEM). É sobre essa experiência de extensão do ensino e da prática profissional que Julio debate conosco nesta próxima entrevista.
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arquiteto pós
FORMAÇÃO DESAFIOS, EXPERIÊNCIAS E PÓS GRADUAÇÃO
CADERNO ESTRATO — Julio, a partir da experiência como aluno em disciplina de pós-graduação da Universidade Estadual de Maringá, você acredita que algum tabu em relação ao ensino da graduação pública e privada acabou se rompendo?
JULIO CASSOLI
Arquiteto e urbanista, egresso do curso de Arquitetura e Urbanismo da Uningá imagem: acervo do entrevistado
JULIO CASSOLI — Esse é o maior tabu de todos. Eu e o Guilherme Camargo, também aluno da Uningá, chegamos bem acuados, pensando em ficar no nosso canto e só absorver o conteúdo da disciplina. Contudo, ficamos muito surpresos. Não podemos falar por todas as faculdades privadas, mas a maioria das pessoas eram de faculdades públicas, do Rio de Janeiro, Paraíba, Mato Grosso... E lá pudemos perceber que não existia uma diferença entre nós. Acreditamos que isso se deve, principalmente, à contribuição de algumas disciplinas, como Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo, ministrada pelo professor Márcio Lorin, no segundo ano, e também, Ensaios da Arquitetura Contemporânea, ministrada pelo professor Marcelo Colucci, no quinto ano. Também às disciplinas de História e Urbanismo. Existe muita faculdade que negligencia o ensino do Urbanismo, que não fala muito sobre esse tema, mas nós tivemos professores muito bons. Gabriela Maróstica mesmo, foi excelente! CE — Sabemos que a matriz curricular do curso de Arquitetura da Uningá é diferente mesmo. Ela considera a importância de disciplinas com carga crítica, que não chegam a falar diretamente do prédio, de construção e da técnica. JC — Sim, e não importa muito o exemplo ou objeto de que se está tratando. Nessas matérias, o objetivo é criar o pensamento crítico mesmo e, a partir deste pensamento, você consegue trabalhar qualquer tema. Desenvolver a interpretação para poder ler e entender qualquer temática. Até cheguei a comentar com o professor Rafael Scoaris e o professor Marcelo Colucci que eles realizaram um ótimo trabalho na nossa graduação, porque pensávamos que ficaríamos perdidos na disciplina do mestrado e, pelo contrário, as aulas foram bem tranquilas. Alguns dos artigos disponibilizados na disciplina nós
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játínhamos lido na graduação, principalmente nas matérias de Urbanismo. Eu pensei: “Que legal! Já debatemos esse artigo na faculdade. Vamos trabalhar outro artigo para desenvolvermos melhor e aprofundarmos agora.” Mesmo porque o andamento da disciplina exigia o debate de artigos diferentes a cada semana. CE — Sentiram que foi um amadurecimen to daquele conteúdo que vocês já tiveram na faculdade? JC — Na faculdade, na verdade, nós pincelamos. Por exemplo, na matéria que fizemos como ouvintes, sobre Urbanismo, conseguimos aprofundar questões que na faculdade não foi possível. Na graduação, aprendemos conceitos, trabalhamos algumas temáticas e percebemos que no mestrado esses assuntos são trabalhados tema por tema. CE — Você acredita, Julio, que isso se deve ao fato de termos um curso com uma carga horária mais restrita, diferente de cursos de Arquitetura que são integrais? JC — Imagino que seja a mesma coisa, porque, mesmo integral, acredito que não se trabalhe tudo sobre um determinado tema. Acredito que as horas extras sejam mais adequadas para o uso das práticas, e menos para discussão. CE — Talvez isso seja uma crítica ao formato dos cursos de Arquitetura mesmo. Tentam inserir mais o lado prático e sombreiam um pouco a discussão que realmente temos que ter sobre qual é a nossa influência enquanto arquitetos e urbanistas sobre a cidade, sobre a responsabilidade do que fazemos, realmente. Talvez seja essa a característica da graduação: formar profissionais. CE — Julio, no seu primeiro trabalho como arquiteto, como buscou soluções para os problemas encontrados na prática da profissão? JC — O primeiro projeto foi a reforma da área externa de uma sobreloja. As primeiras dificuldades foram em relação ao levantamento estrutural da obra, pois
começamos a projetar peso em cima daquela estrutura, sem sabermos se era viável ou não. Assim, tivemos que solicitar a assessoria de um engenheiro para ver o que era mais adequado. Por outro lado, muitas coisas tivemos que procurar por nós mesmos, como a parte de engenharia, por exemplo, e consultar outros profissionais que fizeram parte da nossa formação. Quanto à parte de concepção do projeto, temos liberdade de fazer o que quisermos. Contudo, o que mais exige é o cliente, que geralmente não está preparado para aceitar o que trazemos como proposta conceitual, que é ensinada na graduação. Acredito também que, conforme o tempo vamos aprendendo a adequar o que gostamos como Arquitetura, a fim de realizá-la de acordo com o tipo de cliente que atendemos. CE — A experiência com o estágio tem relevância na sua prática profissional? JC — A influência do estágio foi tremenda na minha formação. Primeiro, porque tive a oportunidade de fazer estágio em três lugares. Comecei no terceiro ano, e acho que comecei tarde. Se tivesse a oportunidade de novo, começaria desde o primeiro ano, porque é o estágio que te forma. Meu primeiro estágio foi na prefeitura da minha cidade, em São João do Ivaí. E foi legal para eu entrar nessa área mais prática do Urbanismo e também trabalhar com aprovação de projetos e com alguns projetos urbanos. Assim que eu mudei para Maringá, um amigo me indicou um estágio em uma construtora em que ele trabalhava. Essa construtora realizava projetos de loteamentos. Esse estágio foi muito importante, pois abriu os meus olhos sobre a realidade. Foi um estágio em uma área completamente diferente e que me ensinou muitas coisas. Nesse segundo estágio, por exemplo, nós éramos os únicos da área da Arquitetura e Urbanismo na construtora. Chegávamos apresentando ideias de valorização de áreas institucionais e áreas verdes nos loteamentos, questões que muitas vezes eram excluídas pelos construtores. Era uma grande pressão, mas isso foi muito legal e foi uma reviravolta saber e aprender a ver a Arquitetura e, principalmente, o Urbanismo de outra forma. Por fim, participei também de um terceiro estágio em um escritório aqui da cidade. Foi onde aprendi muito com o desenho e detalhes que me eram cobrados. Tive essa experiência com a Arquitetura e acabei optando por ela, porque Urbanismo você vê que é uma luta constante, uma guerra social mesmo. Vejo como um nicho mais complexo de entrar. Basta procurar quantos escritórios de
Arquitetura e quantos escritórios de Urbanismo existem! Apesar da demanda ainda ser grande, creio que se você quiser, se se dedicar estudando e se especializando na área, você consegue. Na Arquitetura, você ainda tem certa liberdade para criar e se expressar. No contexto urbano, já é tudo muito mercadológico. São empreendimentos muito grandes, milionários, com muitas pessoas envolvidas e você não consegue ter um controle adequado. Dentro desses contextos, optei por trabalhar com Arquitetura. CE — Enquanto jovem profissional, quais são as suas projeções particulares, no que se refere a mercado, academia e futuros investimentos? JC — Estamos em uma época muito difícil para a construção civil. Muito difícil mesmo! Então, estou aproveitando para estudar sobre o mercado. Não tanto sobre a Arquitetura, mas estudar a relação do mercado conosco, o que pode dar certo, o que não deu. Acredito que temos que começar a educar os clientes, também. As pessoas não sabem o que é Arquitetura. Começar a desmistificar muitos conceitos, quebrar essa ideia de que a Arquitetura é só luxo. Não vejo muito, ainda, pessoas de poder aquisitivo menor contratando arquitetos. Elas não acham que a Arquitetura seja acessível. Então, eu acho que temos que continuar estudando bastante. Não só a Arquitetura. Temos que estudar tudo, principalmente como as coisas funcionam nesse mundo. Começar a entender mais sobre empreendedorismo, que é muito importante. Na faculdade tínhamos apenas uma pincelada no quinto ano sobre isso. O empreendedorismo, na prática, acaba sendo ver o seu patrão ser empreendedor. E é importante essa parte também. Por isso, é importante que se faça um bom estágio, e que se aprenda mesmo depois de formado, como profissional. Mesmo porque, acredito que todos querem ter o seu próprio negócio. Acho que um bom patrão também vai saber te falar, instigar e direcionar para um bom crescimento, como foi o meu caso. No meu último estágio, meu patrão me deu uma trena eletrônica e me disse: “Vai e corre atrás de fazer as suas coisas e não fique preso aqui”. Ele me incentivou a seguir o meu próprio caminho e me deu como presente, um incentivo. Ir atrás de estudar e correr por mim mesmo.
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