caderno manuel querino
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Zeza Barral Julia Sá Earp Ryanddre Sampaio (organizadores)
caderno manuel querino
Rio de Janeiro, 1a Edição, abril 2022 PPGSA/ IFCS/UFRJ
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índice 00
HOMENAGEM A MANUEL RAYMUNDO QUERINO
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Zeza Barral e Ryanddre Sampaio
APRESENTAÇÃO: 1º CADERNO MANUEL QUERINO DE IMAGENS ETNOGRÁFICAS Zeza Barral, Julia Sá Earp e Ryanddre Sampaio
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BORRANDO FRONTEIRAS: LIMITES E POTENCIALIDADES NA REALIZAÇÃO DA ANTROPOLOGIA MULTIMEIOS Debatedora: Zoy Anastassakis (ESDI/UERJ)
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Etnografia em educação à sala de aula em foco. Regina Albuquerque (PPGE/UFMG)
Antes de Brasília, Quilomo Mesquita. Hannara Catarine (SOL/UNB) Mosaico/Movimento. Marcelo Reis Filho (IESP/UERJ) Visi(bi)lidades em rosa, roxo e azul. Danieli Klidzio (PPGCS/UFSM) Entraves e desentraves: O desenho como instrumento para um processo de escrita relacional. Adara Pereira da Silva (PPGA/UFRN) Diálogo com Zoy Anastassakis |Mesa 1: “Borrando Fronteiras: Limites e potencialidades na realização da antropologia multimeios”. Transcrição e adaptação: Julia Sá Earp
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FESTEJANDO COM IMAGENS NA RUA E NO TERREIRO Debatedor: Marcos Aurélio da Silva (ISC/UFMT) Rainha da Sucata: Memória e Tradição. Carlos Augusto da Silva Junior, Cristina Gomes, Eduardo Souza(UFCG/CDSA)
Laroyê Exu: Quimbanda em Madrid. Lorran Lima (PPGAS/UFRN) Corpo e imagem de quando os encantados croam: Chegada do Caboclo Cearenso na croa de Mãe Severina. Juliana Loureiro (PPGSA/UFRJ; MAD/GPMINA/UFMA)
Bate-Bolas: Grupos e turmas no Rio de Janeiro. Taynã Martins (PPGA/UFF) Diálogo com Marcos Aurélio da Silva | Mesa 2: “Festejando com imagens na rua e no terreiro” Transcrição e adaptação: Ryanddre Sampaio
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DISPUTANDO TERRITÓRIO E MEMÓRIAS: IMAGENS REIVINDICANDO DIREITOS. Debatedora: Joceny Pinheiro (IH/UNILAB)
80 - 117
Entre casas, territórios e desenvolvimentos: Disputas e mobilizações em torno da mineração no sul do Brasil. Bruno Guilhermo Fernandes, Rafael Ferrari Silva (PPGAS/MN/UFRJ)
A Retomada das Imagens Pitaguary. Alexandre Hermes Oliveira Assunção (NAVIS/ UFRN)
“Território: Nosso corpo nosso espírito” . A primeira marcha das mulheres indígenas. Amanda Jardim (PPGA/UFMG) Lá na Morada. Mônica Thaís Souza Ribeiro (PPGSA/UFRJ) Solo-Mulher: Fazeres e Saberes no Assentamento Tuiuty no Município de Belmonte Bahia. Adriene Viana Lima (PPGER/UFSB) Voltar ao campo: Recampesinización. Alejandro Escobar (PPGAS/UFRN) Diálogo com Joceny Pinheiro | Mesa 3: “Disputando Territórios e Memórias: Imagens reivindicando direitos”.
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Uma m homenagem a Manuel Raymundo Querino 6
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por Zeza Barral e Ryanddre Sampaio “O ancestral não é aquele que morre, é aquele que permanece”, disse Leda Maria Martins.1 No sentido de referenciar aqueles que vieram antes na história do pensamento social brasiliero, e tiveram suas contribuições intelectuais no nosso país apagadas e negligenciadas por causa do racismo; a revelia do apagamento, e para fazer permanecer o legado de Manuel Raymundo Querino, o Caderno Manuel Querino de Imagens Etnográficas assume seu nome como uma homenagem ao ilustre intelectual negro abolicionista, artista, pintor, escultor, desenhista, arquiteto de formação, etnógrafo, historiador e jornalista baiano. Nascido em 1851, em Santo Amaro da Purificação Bahia/ Brasil, filho do carpinteiro José Joaquim dos Santos Querino e Luzia da Rocha Pita, Manuel Raymundo Querino perdeu os pais para uma epidemia de cólera que flagelou o maior centro de produção açucareira da Bahia.2 Órfão aos quatro anos, Querino foi tutorado em Salvador pelo professor Manuel Correia Garcia, político, poeta e escritor fundador do primeiro Instituto Histórico da Bahia (1856). A tutela de Garcia garantiu a Querino um destino diferente da maior parte da população negra na segunda metade do século XIX. Sua formação escolar foi importante incentivo para, mais tarde, dedicar-se às artes.3 Manuel Querino serviu na Guerra do Paraguai em 1869. Pela sua formação educacional, foi empregado no escritório do quartel do exército, no Rio de Janeiro. Em 1870 foi promovido a cabo de esquadra e logo depois teve baixa no serviço militar, retornando a Salvador em 1871. A partir de então, passou a se dedicar ao estudo das artes com o mestre espanhol Miguel Navarro y Cañyzares, participando da criação
1 MARTINS, Leda Maria. O tempo em performance. Aula Aberta promovida pelo Instituto de Humanidades, Artes e Ciência da Universidade Federal da Bahia , IHAC Digital/UFBA. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ShvhGTCYzw8 Acesso em 09 mar. 2022. 2 GLEDHILL, Sabrina. Travessias no Atlântico Negro. Reflexões sobre Booker T. Washington e Manuel Querino. Salvador: Edufba, 2020. 3 FREIRE, Luiz Alberto Ribeiro. HERNANDEZ, Maria Hermínia Oliveira. (org.) Dicionário Manuel Querino de arte na Bahia. Salvador: EBA-UFBA, CAHL-UFRB, 2014. Disponível em: http://www.dicionario.belasartes.ufba.br/wp/verbete/manuel-querino-manoel-raymundo-querino/. Acesso em 01 nov. 2021.
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do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia (1872) e da Academia de Belas Artes (1877). Obteve o diploma em desenho pela Academia de Belas Artes em 1882, atuando posteriormente como professor de desenho industrial tanto no Colégio dos Órfãos de São Joaquim quanto no Liceu de Artes e Ofícios da Bahia. Foi sócio benfeitor de inúmeras instituições filantrópicas, como a Liga Operária Baiana (1876) e a Sociedade Protetora dos Desvalidos (1877), participando ativamente do Partido Operário da Bahia, dos movimentos abolicionista e republicano. Atuou também como correspondente do Instituto Histórico do Ceará e da Sociedade Acadêmica de História Internacional de Paris. A sua ideia de convívio junto a população negra do Recôncavo Baiano, atravessada pelo fato de ser e se reconhecer como um pesquisador negro, compunha seu método de realizar uma observação participante num sentido mais político concebido para a sua época. Querino esteve, desta forma, empenhado em desestabilizar uma das cabeças do grande monstro da Modernidade, o racismo. Querino aliou sabedorias e práticas que aprendeu no cotidiano de Salvador, na lida com “populares”, para construir uma perspectiva contra-colonial de ciência e multimídia para a nascente Antropologia. Como explicou Messias Basques em aula sobre o autor, Querino mostrou, com a própria ciência social, como operava a falácia da objetividade e da raça definida como fator biológico na prática do racismo científico realizado por Nina Rodrigues.4 Sua atuação política e produção intelectual iam na contramão da “ciência” em voga que insistia em taxar os africanos (e seus descendentes) como seres inferiores. Manuel Querino produziu ativamente para a valorização e promoção das culturas negras na Bahia, principalmente reconhecendo-as como civilizadoras do Brasil, atuando ativamente contra as políticas estatais de branqueamento. A antropologia tem sua história marcada pelo serviço prestado ao sistema colonial para justificar a inferioridade das pessoas negras descendentes e oriundas do continente africano. Manuel Querino, nos escritos do livro “A Raça Africana”, desafia essa prática com o seu pró-
4 BASQUES, Messias; Denise da Costa Cruz. Artes e Costumes Africanos no Brasil. Vozes Negras na Antropologia: Uma introdução à vida e à obra de antropólogos negros e negras. Aula Unilab 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TVbQB0HGu9I&ab_ channel=VozesNegras. Acesso em: 22 jun. 2021.
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prio fazer para confabular outros destinos. Querino assumiu, de forma autodidata, a pesquisa in locu, hoje tão cara para a disciplina, como recurso de investigação. Um homem múltiplo que levou para a pesquisa os registros da memória e da oralidade, trabalhando a partir da dinâmica de observador e coletor de testemunhos como fonte de história dos sujeitos, executando a ideia de etnografia enquanto prática. “Interrogar os indivíduos sobre suas crenças, suas línguas, seus usos e costumes, e recolher assim da própria boca dos negros (…)” a sua efetiva colaboração enquanto sociedade e organização para a formação social do Brasil. Vale fazer a ressalva que esse trabalho de pesquisa foi publicado em 1955.5 O pesquisador embrenhou-se na empreitada de conhecer de perto as culturas negras africanas, especialmente nagôs da África Central ainda vivos na época, e seus descendentes amefricanos6, conhecedores e mantenedores das práticas religiosas de seus ascendentes. O suporte visual da etnografia empreendida por Querino foi pioneiro na produção historiográfica de africanos no Brasil. Além de imagens etnográficas, ele produziu fotografias para fins mercadológico. Em suas legendas, na produção “A raça africana”, “individualizou aportes culturais de cada povo” com o termo typos e em um momento em que até na África Ocidental havia um movimento de redefinição identitária.7 Com isso, demonstrou a diversidade étnica dos africanos como um valor social no Brasil.8 Assumiu a fotografia como um dos recursos centrais para descrição, e registrou objetos rituais, imagens de divindades, indumentárias religiosas que definiam cargos e funções na hierarquia litúrgica, dos últimos africanos vivos trazidos através do sequestro para servir ao escravismo no Brasil.
5 QUERINO, Manuel Raymundo. A raça africana. Coleção de Estudos Brasileiros, série Cruzeiro, vol. 9. Salvador/Ba: Editora Livraria Progresso, 1955. P. 20. 6 GONZALEZ, Lélia. A categoria político-cultural de amefricanidade. Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 92-93 jan./ jun. 1988. P. 69–82.
7 Para mais informações sobre a redefinição identitária na África Ocidental: PARÉS, Luis Nicolau. A Formação do Candomblé. História e ritual da nação jeje na Bahia. Campinas/ SP: Editora da Unicamp, 2007. 8 VASCONCELOS, Christianne Silva. O Uso de Fotografias de Africanos no Estudo Etnográfico de Manuel Querino. Sankofa. Revista de História da África e de Estudos da Diáspora Africana, n. 4 dez. 2009.
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Buscou compreender as relações e as afinidades entre comportamentos sociais de nascimento, batismo, alianças e religiosidades africanas com os costumes vividos pela população brasileira de modo geral. Sua importante contribuição como etnógrafo é marcada por sua inserção nas ruas, oficinas de artesãos negros e terreiros de candomblé de Salvador, trazendo à tona reflexões não apenas sobre colonização e escravidão, mas principalmente sobre ancestralidade através do resgate dos saberes culturais e da contribuição negra para a constituição da nacionalidade brasileira.
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1º Caderno Manuel Querino de Imagens Etnográficass
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por Zeza Barral, Ryanddre Sampaio e Julia Sá Earp O 1° Caderno Manuel Querino de Imagens Etnográficas nasce do otimismo da vontade, como o aforisma de Antonio Gramsci, um ato de desejo confeccionado a muitas mãos, como um modo de recuperar a habitabilidade das ruínas do tempo presente provocadas pelas intrusões do Antropoceno, pensando com Anna Tsing. É um trabalho coletivo, para o coletivo. Como a manifestação de uma vontade de estar juntes ainda em meio a uma pandemia, uma vontade de sermos uns com os outros, de frente uns com os outros, produzindo ciência de forma dialógica, horizontalizada e participativa. Por isso, tomados pelo vigor de transgressão dos limites e formatos clássicos dos espaços comuns da universidade, para o alcance de outros mundos, outros espaços e outras formas de permanecer despencando criativamente neles, criamos mais um lugar de troca e de divulgação de pesquisas realizadas por cientistas sociais brasileires. Um encontro de afetos e de conhecimentos produzidos em ensaios fotoetnográficos, série de desenhos e filmes etnográficos, que reunimos junto es estudantes e es egresses dos programas de graduação e pós-graduação em Antropologia nacionais e internacionais, e áreas afins. Unides pelo trabalho zumbílico de realizar pesquisa antropológica em um contexto de desmonte da educação pública e do fomento de cultura no Brasil, consideramos importante contribuir com a divulgação e a popularização da produção das ciências sociais no e através das artes e do audiovisual. Como estudantes do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, promovemos, dentro da IV Jornada Discente 2021 - ImPactos Acadêmicos em Tempos de Pandemia, esta publicação atravessada de afetos. Um lugar seguro para o debate sobre os limites e as possibilidades da produção de imagens em um fazer etnográfico que se propõe essencialmente multimeios. Para além dos limites e das convenções que muitas vezes são impostos aos processos de pesquisas antropológicas, reconhecemos que estes são, fundamentalmente, plurais em sua própria concepção. A imagem e os demais
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artifícios, seja no processo ou no resultado, têm papel central na elaboração de reflexões. Por isso, este Caderno surge para ampliar o reconhecimento dos trabalhos no campo da produção de etnografias audiovisuais e intersemióticas, seja como fonte de dados e análise, ou como resultado de suas etnografias. A comissão organizadora deste Caderno compartilha da visão de que uma ciência produzida com afeto, em espaços saudáveis de diálogo e de promoção das pesquisas realizadas em/por diversos meios pode ser uma forma de lidar com os processos de dessubjetivação que estamos vivendo nas últimas décadas no campo científico. Não corroboramos com os embates típicos das defesas de pontos de vista combativos, mas em uma production désirante. Pensamos o desejo como uma força de produção, um agenciamento prazeroso que estabelece formas de relação com a alteridade. “O que define precisamente as máquinas desejantes”, disseram Gilles Deleuze e Félix Guattari, “é o seu poder de conexão ao infinito, em todos os sentidos e em todas as direções”1. Na edição do 1° Caderno Manuel Querino de Imagens Etnográficas, reunimos produções fruto de atividades científicas fundamentadas pelo trabalho de pesquisa, ao qual e pesquisadore esteve ou que ainda estivesse vinculade. Para melhor apreciação, dividimos os 15 trabalhos recebidos para a Jornada em 3 encontros sob os temas: 1. “Borrando Fronteiras - limites e potencialidades na realização da antropologia multimeios”, contemplando as séries de desenho de Danieli Klidzio (PPGCS/UFSM) “VISI(BI)LIDADES”, e de Adara Pereira (PPGSA/UFRN) “Entraves e desentraves”; o filme etnográfico de Marcelo de Medeiros Reis Filho (IESP/UERJ) “Mosaico/Movimento”; e os ensaios fotoetnográficos de Hannara Catarine (SOL/UNB) “Antes de Brasília, Quilombo Mesquita”, e de Regina Lúcia Albuquerque (PPCISE/UFMG)
1 DELEUZE, Félix. GUATTARI, Gilles. O Anti-édipo: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 1. Lisboa: Assírio & Alvim, 2004, p. 408.
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“Etnografia em educação. A sala de aula em foco”. Neste grupo temático contamos com a colaboração da debatedora Prof.ª Dr.ª Zoy Anastassakis (UERJ). 2. “Festejando com imagens na rua e no terreiro”, com a participação do filme etnográfico de Augusto Júnior (UFCG) “Rainha da Sucata”, e os ensaios fotoetnográficos de Lorran Lima (PPGAS/UFRN) “Laroyê Exu: Quimbanda em Madrid”, de Juliana Loureiro (PPGSA/UFRJ) “Corpo e imagem de quando os encantados croam: chegada do Caboclo Cearenso na croa de Mãe Severina”, e de Taynã Ribeiro Martins (PPGA/UFF) “Bate-bolas - grupos e turmas no Rio de Janeiro”. Como debatedor dos trabalhos desta seção, contamos com a colaboração do Prof. Dr. Marcos Aurélio da Silva (UFMT). 3. “Disputando território e memórias - imagens reivindicando direitos”, cujos trabalhos foram os filmes etnográficos de Alejandro Escobar (PPGAS/ UFRN) “Voltar ao campo – Recampesinización”, de Mônica Thaís Souza Ribeiro (PPGSA/ UFRJ) “Lá na Morada”; os ensaios fotoetnográficos de Adriene Viana Lima (UFSB) “Solo-Mulher: Fazeres e Saberes no Assentamento Tuiuty no Município de Belmonte Bahia”, de Bruno Guilhermo Fernandes e Rafael Ferrari (PPGSA/MN/UFRJ) “Entre casas, territórios e desenvolvimentos: disputas e mobilizações em torno da mineração no sul do Brasil”, de Alex Hermes (UNILAB) “A Retomada das Imagens Pitaguary”, e de Amanda Jardim (W\UFMG) “Território: nosso corpo, nosso espírito. A Primeira Marcha das Mulheres Indígenas”. Para esta última seção de trabalhos, a colaboração da Prof.ª Dr.ª Joceny Pinheiro (UNILAB) foi fundamental. O Caderno Manuel Querino de Imagens Etnográficas é um movimento que traz a força de transformação social de seu próprio nome como horizonte a ser mirado. Não temos respostas fáceis para as necessidades que o Antropoceno nos apresenta nessas primeiras décadas do século XXI. Esperamos poder contribuir para a percepção de que as soluções precisam ser criadas no tempo presente, e que é preciso nos movimentarmos para a criação de melhores condições de existência para todes. Acessar o conhecimento social e histórico produzido pelas mais diversas mãos e cabeças, acerca das muitas versões, perspectivas e pontos de vista sobre nossos Brasis, sobre nossos mundos, para nós, é imprescindível. Essa é a nossa ação de ressignificação das
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nossas relações com o mundo, em nosso caso através das imagens, que pode ser pensada como uma possibilidade importante, estético-criativa, de construir o que Ailton Krenak chamaria de paraquedas coloridos contra essa sensação de desconforto de estarmos caindo: “Vamos pensar no espaço não como um lugar confinado, mas como o cosmos onde a gente pode despencar”2.
2 KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das
Letras, 2019, p. 30.
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De batedora: Zoy Anastassak is(ESDI /UER J )
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Borrando Fronteiras: Limites e potencialidades na realização da antropologia multimeios
Antes de Brasília, Quilombo Mesquita. Hannara Catarine (SOL/ UNB) Etnografia em educação à sala de aula em foco. Regina Albuquerque
Mosaico/Movimento.
(PPGE/UFMG)
Marcelo Reis Filho (IESP/ UERJ)
Visi(bi)lidades em rosa, roxo e azul.
Diálogo com Zoy
Danieli Klidzio (PPGCS/
Anastassakis
UFSM)
Mesa 1: “Borrando Fronteiras: Limites
Entraves e desentraves:
e potencialidades
O desenho como
na realização da
instrumento para um
antropologia
processo de escrita
multimeios”.
relacional.
Transcrição e adaptação:
Adara Pereira da Silva
Julia Sá Earp
(PPGA/UFRN)
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Ensaio fotoetnográfico
Antes de Brasília, Quilombo Mesquita Hannara Catarine (SOL/UNB)
Antes de Brasília, Quilombo Mesquita nasceu em minha primeira saída de campo na comunidade, quando fui entrevistar algumas famílias para uma pesquisa maior que estou desenvolvendo, sobre as invasões coloniais promovidas pela especulação imobiliária e por grandes latifundiários contra o quilombo. Busquei na etnografia uma maneira de me conectar à realidade e foi nessa busca que percebi a necessidade de registros fotográficos que pudessem dar suporte a esta pesquisa de denúncia. Nesse sentido, esse é um trabalho artístico visual antropológico, onde misturo a técnica de colagens com a fotografia etnográfica para denunciar os abusos e violências cometidos contra o Quilombo Mesquita. Minha aproximação com a comunidade se deu através de meu pai, advogado negro, defensor de terras quilombolas e representante juridico de algumas familias do Mesquita. Através dele e de sua amizade com os moradores locais, fui me tornando amiga de algumas famílias da região e conhecendo cada vez mais sobre suas histórias e lutas. Foi essa relação de afeto que me motivou a iniciar este trabalho. O Quilombo Mesquita é um território ancestral com 246 anos de existência. Foi fundado por três mulheres negras que ali se estabeleceram e gestaram toda uma comunidade que hoje soma mais de 785 famílias. A gestão dessa comunidade autônoma se baseou por séculos no uso comum das terras para o plantio e produção de alimentos artesanais, como a marmelada, N’golo e rapadura. Suas tradições culturais, como a Folia de Reis, Folia de Nossa Senhora da Abadia e Festa do Marmelo também permanecem até os dias atuais, apesar da intervenção constante da prefeitura da cidade Ocidental em sua organização. Com a construção de Brasília em 1956, o quilombo viu ao longo das décadas suas terras sendo invadidas por grandes latifundiários e setores da especulação imobiliária, causando impactos significativos em sua organização comunitária. Tais impactos se traduzem em ações de um sistema colonial que se reinventa em sua forma, mas tem na mira os mesmos sujeitos e nesse caso, o povo preto em diáspora aquilombado. Quilombos em todo território nacional tem travado uma guerra incessante pelo direito de existência, e olhando para a capital do país, o Quilombo Mesquita tem resistido desde que Brasília foi construída. São 246 anos de história solapados por um projeto neo desenvolvimentista iniciado por Juscelino Kubitschek. Esse ensaio é uma expressão visual desaguada em arte, cada obra traz consigo elementos de pertinente reflexão crítica sobre a luta, ancestralidade e resistência do Quilombo Mesquita.
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[1] O coração marcado na placa do Quilombo Mesquita é Sankofa, um ideograma sagrado Adinkra que significa, volte e pegue. Antes das rebeliões, os quilombos são Estados/ Nações de povos africanos anticoloniais que se organizavam por sua própria cosmovisão de mundo. É um resgate ancestral de continuidade.
[2] Brasília é a expansão da dominação colonial iniciada lá em 1500. Como todo processo de colonização, ela chega com a destruição, exploração e pagamento epistémico de todo povo, de toda vida vivente na terra a ser “conquistada”. Você sabia da existência do Quilombo Mesquita, à 50 km de Brasília?
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[3] Essa é a primeira vista ao chegar no quilombo. Uma terra invadida e desmatada por um latifundiário.
[4] Sra. Antônia Pereira Braga e Sr Benedito Antônio Nonato, seguram a Certidão de Autodefinição Quilombola e acima deles se encontra a única placa de identificação da comunidade que faz referência à palavra QUILOMBO pichada por invasores.
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[5] Paulina Souza Silva e Aleixo Pereira Braga são o casal pintado no retrato acima. Seu Aleixo foi uma grande liderança da comunidade, descendente de uma das 3 matriarcas fundadoras do Quilombo, lutou contra as invasões territoriais no Quilombo Mesquita e fez de sua casa a primeira escola da região.
[6] Essa é a primeira igreja da comunidade e carrega consigo muitas histórias. Atualmente é um museu, um espaço que guarda a memória da comunidade.
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[7] Sandra é uma das líderes da comunidade que está na luta. Neta de Sr. Aleixo, carrega consigo o espírito da liberdade. Seus passos vem de um poder matrigestor dado por seus ancestrais. [8] Nossos passos vêm de longe e as estratégias de enfrentamento à colonização também! Apesar dos constantes ataques ao seu território e identidade, o Quilombo Mesquita resiste se organizando. Essa é a nova gestão da associação da comunidade formada exclusivamente por quilombolas que anteriormente estava tomada por pessoas aliadas aos latifundiários e especuladores.
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[9] Mãos pretas em oração em cima da nova igreja da comunidade. Não há luta sem fé.
[10] Nossa Senhora da Abadia é a padroeira do Quilombo Mesquita desde sua fundação, a comunidade foi consagrada a santa pelas três matriarcas fundadoras.
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Ensaio fotoetnográfico
Etnografia em Educação a Sala de aula em Foco. Regina Albuquerque (PPGE/UFMG)
Dentre as pesquisas com metodologia qualitativa que adotam a observação em sala de aula, é possível identificar duas linhas de abordagem: 1) a que reivindica realizar pesquisa do tipo etnográfico (ANDRÉ, 1995); 2) a que reivindica elementos do método etnográfico aplicados na educação (DAUSTER, 2004; ROSISTOLATO, 2018). As alterações no campo da antropologia desde os estudos clássicos etnográficos deixam para trás a associação entre antropologia e exótico e passam a considerar estudos em contextos de convívio do pesquisador. Embora o espaço escolar possa ser considerado como lugar privilegiado para estudos em etnografia da educação, faz-se necessário apontar para elementos comuns a esse tipo de pesquisa, por exemplo, a resistência por parte dos agentes escolares. Oliveira, Boin e Búrigo (2018), formulam como hipóteses explicativas para esse fenômeno: 1) o baixo contato de instituições escolares com pesquisas etnográficas; 2) frente a presença de políticas de avaliação nas redes, o objetivo da pesquisa pode ser confundido com àqueles referentes às avaliações externas. O presente registro integra pesquisa com observação em sala de aula realizada no ano letivo de 2019, em duas escolas da Rede Municipal de Belo Horizonte. Teve como um de seus objetivos analisar a função atribuída pelos agentes escolares ao pesquisador, além de debater sua posição de alteridade e os incômodos mútuos suscitados pela pesquisa.
referências:
ANDRÉ, M. E. D. A. Etnografia da prática escolar. Campinas, SP: Papirus, 1995. DAUSTER, T. Entre a Antropologia e a Educação- a produção de um diálogo imprescindível e um diálogo híbrido. Revista do Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, setembro, 2004. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/1935/193538270004.pdf. Acesso em: 28/07/2021. OLIVEIRA, Amurabi; BOIN, Felipe; BÚRIGO, Beatriz Demboski. Quem tem medo de etnografia? Revista Contemporânea de Educação, Rio de Janeiro, v. 13, n. 26, p. 10-30, 2018. Disponível em: https://revistas.ufrj. br/index.php/rce/article/view/12243. Acesso em: 28/07/2021. ROSISTOLATO,R. A liberdade dos etnógrafos em educação e seu mosaico interpretativo. Revista Contemporânea de Educação, Rio de Janeiro, v. 13, n. 26, p. 1-9, 2018. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/ rce/issue/view/969/showToc. Acesso em: 28/07/2021.
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Desenho etnográfico
VISI(BI)LIDADES em rosa, roxo e azul Danieli Klidzio (PPGCS/ UFSM)
Este desenho foi produzido durante uma etnografia com observação participante nas mídias digitais, especialmente a partir da plataforma Instagram, sobre bissexualidade. A pesquisa está em andamento e tem como título “Existências em rosa, roxo e azul: ativismos e visibilidades bissexuais a partir das mídias digitais”. No desenho, com a bandeira bissexual como fundo, visibilidades bissexuais se encontram na fluidez dos espaços digitais. Coletivos, perfis do Instagram, um grupo de estudos e a Frente Bissexual Brasileira estabelecem diálogos. É possível pensar em visibilidades bissexuais produzidas a partir dessa rede enquanto minha observação etnográfica é complementada pela visão que tenho ao administrar (juntamente com uma amiga antropóloga e pesquisadora sobre a bissexualidade) o perfil Bi-blioteca no Instagram (@ bi__blioteca), dedicado à divulgação de pesquisas científicas sobre a bissexualidade e o tema das monodissidências. Juntamente com a Bi-blioteca, também criamos o Clu-bi, um clube de leitura de literatura bissexual brasileira. Localizado dessa forma, meu olhar se volta para diferentes mobilizações que se entrelaçam em torno da pauta da bissexualidade como identidade política. Nesse contexto, os trocadilhos com o “bi” de bissexual e a presença do rosa, roxo e azul são símbolos de uma comunidade convergente, mas que também é fluida e heterogênea. Este desenho pode ser pensado como um registo etnográfico de pesquisa na medida em que representa a visão da autora a partir do Instagram (e das mídias digitais de modo geral) acerca de mobilizações e perfis que pautam a bissexualidade. No início do contexto de pandemia, e para determinados públicos mesmo após muitos meses, as sociabilidades têm se dado somente (ou preferencialmente) a partir das mídias digitais e é nesse cenário que a pesquisa se localiza. O presente desenho traz um retrato do que a autora tem visualizado em sua pesquisa como forma de situar diferentes ligações que estão em diálogo, que não pensam igual e não comunicam da mesma forma, mas que estão sobre um mesmo pano de fundo no qual a autora também se localiza.
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legenda explicativa:
Na imagem a seguir, perfis no Instagram são representados por notebooks que formam uma “roda de conversa”. Dessa roda emergem diálogos e diferentes pautas que são visibilidades produzidas em torno do tema da bissexualidade nas mídias digitais e a partir da pandemia. As palavras “Bi-blioteca” e “Clu-bi” dispostas sobre as telas representam um perfil (@bi__blioteca) e uma iniciativa da autora que possibilitam um olhar também “de dentro”, ou seja, enquanto inserida nessa produção de visibilidades. A Bi-blioteca é um perfil de divulgação científica sobre bissexualidade no Instagram e o Clu-bi (divulgado a partir do perfil da Bi-blioteca) é um clube de leitura bissexual com encontros mensais via Google Meet. Tanto o perfil quanto o clube têm possibilitado para a autora uma aproximação com outros perfis importantes em sua pesquisa como os exemplos citados nos balões de fala no desenho: “Nick Nagari” - produtor de conteúdo sobre bissexualidade (e transgeneridade) no Instagram; “Frente Bi” em referência à Frente Bissexual Brasileira que tem um perfil no Instagram como sendo um dos principais canais de sua comunicação com a população desde a sua articulação nacional organizada em 2020 a partir da internet, a Frente que reúne ativistas independentes e coletivos de diferentes regiões sendo a única organização ampla em torno da bissexualidade no Brasil; “Bi na Mídia” - perfil de Talitta Cancio estudante formada em comunicação pela UFRN, que trata de representações bissexuais no audiovisual de modo geral a partir de suas pesquisas; “Gaebi”, em menção ao Grupo Amazônida de Estudos sobre Bissexualidade - criado por estudantes de psicologia da Universidade Federal do Pará (UFPA) em 2019, a partir da pandemia tem reunido pessoas pesquisadoras de todo o Brasil, sendo um espaço não apenas de estudo mas de acolhimento, para o qual o Instagram tem sido o principal meio de divulgação dos encontros e produções científicas; por fim, a menção a “coletivos” é genérica mas representa diferentes coletivos bissexuais brasileiros, além disso a palavra pode nomear uma coletividade que congrega o ativismo e as articulações acadêmicas, por exemplo, em torno da bissexualidade. Outros balões são trazidos apenas com reticências representando uma abstração de inúmeros perfis encontrados pela autora. De modo geral, cada notebook desenhado representa uma percepção. Com discordâncias e pontos de vista próprios, diferentes perfis e iniciativas estão em uma roda de produção de visibilidades sobre a bissexualidade (representada na medida em que todo o desenho está sobre as cores da bandeira bissexual). Também, no centro dessa conversa está uma hashtag como representação de uma forma de encontrar estas visibilidades. Por fim, a grafia da palavra “visi(bi)lidades” com destaque sobre o “bi” chama a atenção para o uso recorrente desse tipo de trocadilho, como sendo algo característico de diferentes perfis e de uma “cultura bissexual”.
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VISI(BI)LIDADES em rosa, roxo e azul, por Danieli Klidzio. Técnica e materiais utilizados: aquarela e caneta Uni-pin fine line black ponta 06, sobre papel Canson A5 gramatura 200g/m².
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Desenho etnográfico
Entraves e desentraves: o desenho como instrumento para um processo de escrita relacional Adara Pereira da Silva (PPGAS/UFRN)
Os desenhos fazem parte da minha dissertação de mestrado – que é uma etnografia das compras femininas – e compõem um glossário ilustrado. Seu objetivo inicial foi apresentar aos leitorxs, de forma dinâmica, a indumentária utilizada pelas interlocutoras. Inicialmente, não os pensei como desenhos etnográficos, nem em sua importância para o percurso de escrita. Representar a vida cotidiana, cientificamente, com todos rigores que requerem uma escrita acadêmica, por vezes, nos despertam emoções que não condizem com estes padrões. O processo de construção de cada desenho ocorreu em momentos de “entraves” desta. Literalmente, como uma forma de “escape” do rigor científico para um espaço de liberação de emoções através do papel e das cores. Mas, ao revisitar o trabalho percebi o poder que estes desenhos desempenharam ao longo desta escrita, estes despertavam não apenas meu lado criativo, mas seriam responsáveis pelos “desentraves” e retomada da construção do texto. Então, os desenhos representam mais do que informações aos leitorxs, mas, compreendem como o processo de escrita etnográfica é artesanal e pode ser construído relacionalmente juntamente aos autores e ao diário de campo. Para criar os desenhos utilizei folha de papel A4, caneta de cor preta para traçar as silhuetas das peças e lápis de cor para colori-las. Em seguida, fotografa-os e finalizava a edição pelo aplicativo Lightroom. Saliento que as fotos foram propositalmente granuladas, para remeter aos amassados do papel.
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[1] O batom em bala ao longo da história foi simplesmente conhecido como batom. O intuito deste desenho foi representar este símbolo pela sua embalagem clássica, que dispensa maiores explicações, para diferenciá-lo, por meio da comunicação de imagem, de outros produtos da mesma categoria.
[2] O batom do tipo líquido surgiu há poucos anos no mercado e tornou-se popular por sua proposta. Por ser diferente do batom em bala, sua embalagem também tem outros formatos. Quis enfatizar a forma distinta pensando em representar uma embalagem quadrada, geometria oposta ao clássico batom em bala.
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[3] O blazer é uma peça de roupa advinda do guarda-roupa masculino e que remete ao um certo caráter formal. Ao adentrar no guarda-roupa feminino ganha diversas outras conotações e ressignificações através dos usos. O uso do azul escuro busca remeter a formalidade inicial da peça.
[4] Body é uma peça inspirada em maiôs, mas que é utilizado em diversos espaços. Quis representá-lo em diversas cores pela representação de informalidade, criatividade e alegria que podem ser relacionadas a esta peça, já que é inspirada numa peça para praia.
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[5] A popular calça é uma mais uma peça advinda do guarda-roupa masculino. Com um caráter político, durante anos mulheres foram impedidas de utilizá-las. Mas, hoje existem diversos tipos de modelagens, dentre elas a Calça Flare, que foi inspirada nas calças bocas de sino dos anos 1970.
[6] É um tipo de bota inspirada em calçados militares, faz parte de seu fardamento. Os modelos femininos da atualidade podem ser com ou sem saltos. Este é mais um exemplo de uma peça ressignificada em seu uso.
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[7] O top cropped é blusa que tem comprimento curto e deixa parte da barriga à mostra. Mais uma vez, representei uma peça que pode ser relacionada a espaços de descontração em cores “vivas”, como um contraponto as peças em cores sóbrias remetentes a espaços formais.
[8] A sandália do tipo rasteira é um calçado que não possui salto, usada tanto em espaços urbanos quanto em locais de praia. Ao longo da história já atuou como demarcadora de classes, mas hoje, seu uso é associado ao conforto.
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[9] A pochete é um tipo de bolsa utilizada na cintura. Atualmente, seu uso é bastante popular no carnaval. Pensando nesta data festiva, símbolo de alegria, as cores “vivas” novamente aparecem. Esta poderia ser uma metáfora das cores, o desenho representando o “informal” e a escrita o “formal”.
[10] A sandália do tipo flatform tem um salto plataforma reto. Sua representação em preto e cinza é totalmente inspirada na sandália em uma interlocutora. Ela a utilizava num espaço formal, do seu estágio em um tribunal. A construção deste desenho considerou seu gosto e seus trânsitos.
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Filme etnográfico
Mosaico/Movimento Marcelo Reis Filho (IESP/UERJ)
Mosaico/Movimento busca compreender as narrativas urbanas por meio da colagem de sons e imagens da cidade do Rio de Janeiro. Coletados entre 2020 e 2021, os arquivos que tecem o filme trazem versões imagéticas-sonoras sobre o cotidiano carioca, permeado por conexões, divisões e transições entre diferentes mundos. Em diálogo com Park (1979), Certeau (1998), Magnani (2002) e Proença Leite (2008; 2010), a pesquisa se insere no debate sobre a produção da cidade e suas subjetividades. O material, com inspirações em São Paulo, Cinema Cidade (1994) e Breve Miragem de Sol (2019), demonstra possíveis cotidianos e trânsitos no ambiente urbano carioca, intercalado por espaços públicos, privados, intensidades sonoras, velocidades de deslocamento e interações face a face. Nesse sentido, articula-se o arquivo pessoal em busca de símbolos, rituais e demais aspectos demonstrados pelas imagens e sons. É um exercício de olhar e ouvir o ambiente para além do físico, entendendo construções, usos e significados do meio urbano.
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Diálogo com Zoy Anastassakis Mesa 1: “Borrando fronteiras: Limites e potencialidades na realização da antropologia multimeios” Transcrição e adaptação: Julia Sá Earp A primeira mesa do Caderno Manuel Querino, intitulada “Borrando Fronteiras limites e potencialidades na realização da antropologia multimeios”, reuniu os trabalhos “Etnografia em educação. A sala de aula em foco” de Regina Albuquerque (PPCISE/UFMG), “Antes de Brasília, Quilombo Mesquita” de Hannara Catarine (SOL/UNB), “Mosaico/Movimento” de Marcelo de Medeiros Reis Filho (IESP/UERJ), “VISI(BI)LIDADES” de Danieli Klidzio (PPGCS/UFSM) e “Entraves e desentraves” de Adara Pereira (PPGSA/UFRN). Como debatedora, convidamos a Profª Drª Zoy Anastassakis, graduada em Desenho Industrial pela Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ESDI/UERJ), mestra e doutora em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional (PPGAS-MN/UFRJ). Atualmente, Zoy é professora adjunta da ESDI/UERJ, onde coordena o Laboratório de Design e Antropologia (LaDA). Desde 2020, coordena também o Programa de Estudos Independentes em Humusidades, com o objetivo de ler e discutir, junto a um público heterogêneo, pensadoras como Donna Haraway, Anna Tsing e suas companheiras, para pensar sobre, com e em um mundo em colapso. Zoy iniciou sua contribuição com uma fala em que ela ressaltou o foco da mesa em pensar com as fronteiras borradas na produção da antropologia multimeios, enfatizando o “borrado” dentre os meios que acessamos para a realização e entrega das nossas pesquisas. Nesta provocação inicial, questionou como esses meios podem ser utilizados para pensar os campos e a construção das pesquisas, enfatizando a seguinte pergunta: O que estes meios produzem nas nossas pesquisas? Em um sentido diferente do “dar conta” de reunir ou representar, a reflexão que Zoy nos convidou a fazer vem no sentido de pensar como esses meios estão sendo usados para fazer as pesquisas, nos levando, assim, a reconsiderar, a partir dos trabalhos, a ideia de uma “antropologia multimeios”.
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Puxando o fio do trabalho apresentado por Adara, a debatedora ponderou sobre “como um determinado meio pode agir como desentrave nos processos de pesquisa e escrita?” Baseados nas normas acadêmicas, pensamos que apenas o “escrever” é pensar, mas, assim como levantar dados e coletar informações, todas estas práticas estão relacionadas à fontes sedimentadas em uma matriz textual. Nesse sentido, outros meios de escrita como, por exemplo, a fotografia, a colagem, a montagem de sons e de imagens, e os diversos meios de desenho em busca de realizar sínteses, diagramas, a fim de registrar e catalogar o que aparece na pesquisa, trazem, para Zoy, outras camadas do campo. Assim, constrói junto a seu argumento a seguinte questão: O que estes outros fazeres fazem a pesquisa fazer? Como estes outros meios produzem qualidades diferentes para a pesquisa? Diferente no sentido de resultar em coisas que seriam impossíveis se o processo da pesquisa estivesse restrito apenas à observação, às leituras e às escritas. Nas palavras da professora, “há coisas que aprendemos com a nossa própria pesquisa que só podem vir porque eu pego um lápis para desenhar, porque eu vou fotografar, porque eu reúno essas fotos, seleciono, e elas tem um modo de ser feito…” Nesta linha reflexiva, a debatedora citou o trabalho de colagem de Hannara, com composições de imagens com fotos de campo, que traz à tona narrativas invisibilizadas de um processo histórico e geográfico da cidade de Brasília. Por meio de imagens, Hannara reconstrói e reconta uma história. No trabalho do Marcelo, a coleta do cotidiano da cidade compõe imagens e sons vinculados ao movimento das coisas, nos levando de um lugar para o outro, entre sons e imagens que entram um no universo do outro na montagem do curta-metragem. Já Danieli apresenta em seu trabalho o desenho como ferramenta para organizar o que está em jogo na pesquisa, realizando uma imagem síntese do que se aprende ou do que se aprendeu, um diagrama do que está sendo trabalhado. No trabalho de Adara, o desenho é usado como uma ferramenta que elenca e retira os objetos da cena para poder perceber o valor deles dentro do todo que é observado no processo da pesquisa de campo. A partir dos trabalhos, Zoy comentou: “De muitos modos diferentes podemos ver nesses trabalhos apresentados as fronteiras sendo borradas por uma instigação de “pensar com os outros meios”, e esses meios não são apenas imagens, mas, também, sons. Como estes outros meios voltam para o trabalho como escrita? O que essa escrita pode ser? Como essa escrita pode não precisar falar apenas do processo ou do resultado mas ser uma escrita que pensa a partir destes outros meios? E, neste sentido, teríamos uma escrita totalmente diferente porque ela pode pensar não só sobre o que se reúne numa caixa, mas no-
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tar o que está sendo produzido para seguir em um jogo que pode ser composto por movimentos mútuos de criação de imagens, composições e reflexões. O ato de fazer uma imagem, de compor uma colagem, deve gerar um momento após. Uma pausa para olhar e pensar sobre o que se produziu durante esse processo. Quando se olha de novo de um outro ponto da pesquisa para aquilo que foi realizado, paramos para reparar no que foi feito nesse processo de travar e desentravar, como Adara apontou. Como esses nós criados podem abrir espaço dentro da pesquisa para processar outras informações através desses outros meios? Um meio dentro da pesquisa, que abre para um outro tipo de pensamento. Nesse ponto, a pesquisa respira. Tudo isso que vocês trazem conversa com questões importantes para a antropologia. A antropologia lida com muitos mundos, em questões que mexem com muitas fronteiras. Então, como mobilizamos múltiplos meios para dar conta do que percebemos quando vamos mergulhar e pedir para entrar em uma realidade como observadores? Uma das questões que Regina traz. De novo os meios são muito importantes, pois podem nos ajudar a abrir espaços. Eu desenvolvo o meu trabalho na interface entre design e antropologia, no LADA, e, também, muitas vezes, em parceria com outros laboratórios de pesquisa, como, na Universidade Federal do Maranhão, o Núcleo de Pesquisas em Inovação, Design e Antropologia (NIDA), coordenado pela antropóloga e designer Raquel Noronha, com a qual trocamos muito. Juntas, temos pesquisado como imagens, sons, vídeos e o audiovisual podem ser meios de entrada em campo ou de relações em campo. E como levamos isso para campo para poder chegar de outra maneira, podendo absorver o que se tem em campo e devolver para o campo. Então, aqui, quero pensar com vocês como esses multimeios podem criar espaços de parceria em campo, que nos retirem do lugar de “observadores antropólogos”, criando novos espaços de compartilhamento que talvez possam facilitar as nossas caminhadas, de outros modos, e por outros territórios. Assim, fico muito curiosa em ouvir como vocês pensam o que estes multimeios fazem nas pesquisas que vocês estão realizando? E o que eles podem ainda fazer nestes trânsitos entre o trabalho de campo e os espaços acadêmicos? O que o compartilhamento desses meios, ao ver imagens, assistir vídeos, sentar para desenhar juntos, compartilhar uma câmera e etc… como esses meios podem criar espaços de colaboração em campo? Nos retirando do lugar mais estável de observadores e eventualmente compondo como ajudantes desse caminhar por aí. Vocês já estão fazendo, agora precisamos pensar sobre como esses processos retornam para o texto, o que estes outros meios fazem com as pesquisas que vocês estão desenvolvendo? E o que eles ainda podem fazer?”
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Em um encontro borbulhante, no entanto de poucas horas, as questões não puderam ser desenvolvidas em conjunto mas despertaram indagações e retóricas fomentando um desfecho com muito trabalho pela frente. Com as inquietações que nos fazem nos movimentar borrando as fronteiras e entrelaçando meios, seguimos.
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Debate do r: M arcos Aurélio da Silva (I SC/UFMT )
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Festejando com imagens na rua e no terreiro
Rainha da Sucata: Memória & Tradição. Carlos Augusto da Silva Junior, Cristina Gomes, Eduardo Souza(UFCG/ CDSA) Laroyê Exu: Quimbanda em Madrid. Lorran Lima (PPGAS/ UFRN)
Bate-Bolas: Grupos e turmas no Rio de
Corpo e imagem de
Janeiro.
quando os encantados
Taynã Martins (PPGA/UFF)
croam: Chegada do Caboclo Cearenso na
Diálogo com
croa de Mãe Severina
Marcos Aurélio da Silva
Juliana Loureiro
Mesa 2: “Festejando com
(PPGSA/UFRJ e MAD/
imagens na rua e no
GPMINA/UFMA)
terreiro” Transcrição e adaptação: Ryanddre Sampaio
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Filme etnográfico
Rainha da Sucata: Memória & Tradição Carlos Augusto da Silva Júnior (UFCG/CDSA) O Filme Rainha da Sucata: Memória e Tradição foi produzido em 2016 na cidade de Sumé – Paraíba. Em 2015 iniciei meu campo de pesquisa no bairro Alto Alegre tendo como tema de estudo a representatividade negra dentro das festividades do bairro. Durante um ano produzi diversas imagens juntamente com os moradores do Alto Alegre. Minha afetação pelo período junino do bairro adveio através dos relatos de Cosme Nunes um dos fundadores da quadrilha e meu parceiro de pesquisa. A partir da minha relação com ele, consegui estreitar laços e adquirir muitas informações sobre as festividades de outrora. Dessa relação resultou meu trabalho de conclusão de curso intitulado de Cultura Popular no Alto Alegre: Uma Experiência Etnobiográfica e Visual do Cariri Paraibano. Rainha da Sucata é uma quadrilha junina que nasceu na década de 80 no Alto Alegre e ainda hoje, com diversas dificuldades financeiras e sem apoio do poder público, mantém suas atividades.
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Ensaio fotoetnográfico
Laroyê Exu: Quibanda em Madrid Lorran Lima (PPGAS/UFRN) As fotos publicadas aqui foram feitas no ano de 2019 durante uma cerimônia para Exu Giramundo, no Ilê Ogum Oia Axé Odara localizado em Madrid (Espanha), onde são realizados cultos de Umbanda, Quimbanda e Nação Gêge Ijexá. O terreiro em questão é reconhecido pela Federação Brasileira de Umbanda. As fotos presentes neste ensaio foram feitas por meio de uma câmera Sony Cyber-shot DSC-W570 e editadas no programa Adobe Photoshop CS6. A cerimônia foi executada apenas com luzes led roxas, instaladas no teto da casa. Optei por não utilizar o flash da câmera, em respeito à ocasião, por isso a captura do evento foi feita em baixa luminosidade. A seleção de imagens buscou permitir que o leitor observe a cronologia da cerimônia. A Quimbanda é identificada por trabalhar com entidades consideradas de esquerda dentro da Umbanda, ou seja, Exus e Pombas Giras, por vezes, consideradas entidades com alto poder para magias. Essas entidades são tidas como mensageiros entre os homens e as divindades. Exus e Pombas Giras trabalham vencendo demandas e em busca de sua evolução espiritual. O Ilê presente em Madrid pode ser observado como uma representação da transnacionalização dos cultos afro-religiosos para a Europa. O Babalorixá Walter Egea começou sua vida religiosa no Uruguai, onde nasceu. Anos depois, o Babalorixá morou no Brasil, onde deu continuidade aos seus preceitos religiosos e, atualmente, tem seu Ilê em Madrid, sendo dirigente de casas afro-religiosas há 14 anos.
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[1] O início da cerimônia foi constituído com o Babalorixá Walter Egea se posicionando à frente do altar de Exu, fazendo saudações a ele. Os participantes, que estavam organizados em forma de círculo, também faziam a saudação a Exu: “Laroyê Exu”.
[2] Em seguida, Exu Giramundo incorpora em seu “cavalo”, conceito dado para os sacerdotes antes da incorporação. A partir desse momento, Exu Giramundo está em terra.
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[3] Já com Exu Giramundo em terra, todas as pessoas da casa são cumprimentadas e recebem a benção da entidade, que dirige a cerimônia com cânticos, recebendo também as outras entidades na casa.
[4] Então, Exu Giramundo recebe a presença da Pomba Gira Maria Padilha, que figura como sua companhia durante a cerimônia e que incorpora em Carmen Valero, cônjuge do Babalorixá Walter Egea. As Pombas Giras são entidades com apresentação feminina pertencente tanto à Umbanda como à Quimbanda. Já em terra, dona Maria Padilha também saúda todas as pessoas presentes.
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[5] Após a presença das duas maiores entidades da casa, os membros do Ilê também recebem seus respectivos Exus e Pombas Giras. Ao som de atabaques, todos dançam e cantam os pontos de suas respectivas entidades.
[6] Durante a cerimônia, Exu Giramundo conversou com os convidados falando sobre experiências de vida e dando orientações sobre como se comportar e viver bem, falando em alguns momentos como as pessoas estão se sentindo e o que devem esperar para um futuro próximo.
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[7] As entidades ficam no salão, cantando seus pontos. A seguir, eles se despedem dos patronos da cerimônia para deixarem seus “cavalos”.
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[8] Tudo o que está na mesa é ligado ao ritual, representando elementos da natureza e os Exus: a carne moída dentro do pimentão vermelho, por exemplo, é servida para dar axé de amor e superação de obstáculos; o molho representa a festa; a farofa de carne moída simboliza as comidas do Exu e da Pomba Gira da casa; os frutos representam todo povo de Exu da casa e, principalmente, o povo do Oriente; os ovos fazem analogia à vida.
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Ensaio fotoetnográfico
Corpo e imagem de quando os encantados croam: Chegada do Caboclo Cearenso na croa de Mãe Severina Juliana Loureiro (PPGSA/UFRJ e MAD/GPMINA/UFMA) “Croar é quando eles descem na croa, descem pela croa da gente. Tomam o sentido. A gente não sabe o que está fazendo. Eles que dominam a gente.” Mãe Severina
Em agosto de 2004, quando conheci o quilombo de Santa Rosa dos Pretos, localizado no município maranhense de Itapecuru Mirim, realizei a minha primeira entrevista com Mãe Severina, dona da Tenda Nossa Senhora dos Navegantes. Nessa oportunidade, quando eu nada conhecia sobre o tambor de mina, ela me concedeu uma dedicada e explicativa entrevista e me pediu para que filmássemos a festa do seu encantado guia, o Caboclo Cearenso, porque ela queria se ver dançando. Mãe Severina quando está “croada”, “atuada”, com seu corpo “dominado” pelos encantados - guias de luz, invisíveis, seres que viveram e não passaram pela experiência da morte, se encantaram - perde seus “sentidos”, sua consciência, visão, audição. São os encantados que através de seu corpo dançam, cantam, conversam e até tratam negócios. Atendi ao pedido de Mãe Severina e “negociei” com seus encantados a filmagem e documentação fotográfica de suas festas. Firmei o compromisso de voltar com as imagens e desde então vivo essa missão. Em 2017 iniciei o doutorado no PPGSA da UFRJ para a realização da etnografia fílmica da Encantaria Quilombola. O presente ensaio registra em uma sequência fotográfica as imagens do corpo de Mãe Severina sendo croada por seu encantado guia, o Caboclo Cearenso, na primeira noite de sua festa de 2019, quando cantam e dançam para e com as mães d´águas. A composição fotográfica é orientada pela etnografia fílmica em busca das expressões corpóreas, os índices da alteração dos sentidos e da atuação do invisível para reconhecer os encantados. A mimese da performance imagética dos corpos do registro fotográfico em still, como no filme, segue a sequência de movimentos que compõem a cena, o que permite a ampliação da percepção de quando, como e quais os encantados croam.
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[1] Registro da expressividade facial de Mãe Severina no momento no qual Seu Cearenso croa, incorpora. [2] Mãe Severina perde seus sentido para a atuação do encantado. Mãe Dalva, sua filha de santo e guia da tenda Nossa Senhora dos Navegantes, canta e se matem atenta ao delicado momento liminar.
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[3] Seu Cearenso no corpo de Mãe Severina doutrina na frente do tambor da mata, tocado por mestre Wallyson. [4] Ao doutrinar o corpo de Mãe Severina novamente cambaleia, perde os sentidos, sua filha Mãe Dalva a segura, evitando a queda.
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[5] A expressividade das mãos avisa que o corpo se firmou para atuação do guia, a incorporação se completa. [6] Caboclo Cearenso canta no corpo de Mãe Severina. Sua filha, Mãe Dalva, escuta a doutrina que comunica a sua chegada.
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[7] Seu Cearenso no corpo de Mãe Severina cantando, doutrinando. [8] Seu Cearenso à frente do altar reverencia aos santos e se energiza de luz.
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[9] Seu Cearenso pega sua toalha, que dá firmeza ao corpo da mãe de santo e é um símbolo dessa hierarquia. [10] Seu Cearenso dançando. Detalhe da expressividade sisuda e masculina no rosto de Mãe Severina, um índice de que é Caboclo Cearenso que em seu corpo atua.
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Ensaio fotoetnográfico
Bate-bolas: Grupos e Turmas no Rio de Janeiro Taynã Ribeiro (PPGA/UFF)
Em todos os fins de semana, no subúrbio da cidade do Rio de Janeiro – região tradicionalmente habitada pelas camadas médias e periféricas do município –, membros de dezenas de agrupamentos conhecidos como turmas de bate-bola se encontram e compartilham experiências. Semanalmente, esses grupos promovem dezenas de eventos, os quais podem atrair centenas de participantes cada, em um universo composto por milhares de pessoas. Essas turmas, associações responsáveis pela produção de uma manifestação carnavalesca, os bate-bolas, se tornam ainda mais evidentes quando consideramos apenas o período de quatro dias, entre sábado e terça-feira, que compreende o período momesco na cidade. Centenas dessas associações saem às ruas de forma simultânea, algumas delas compostas por mais de 200 mascarados, rumo às diferentes festividades que ocorrem nas ruas do subúrbio. Se relatos indicam os anos 1930 como o período histórico que marca as primeiras aparições no Rio de Janeiro de um personagem carnavalesco assemelhado aos bate-bolas contemporâneos, as primeiras turmas surgem apenas nos anos 1970, e desde então vêm gradualmente se complexificando e adquirindo um caráter social mais abrangente. Esses grupos se mostram uma importante fonte de identidade para moradores do subúrbio, com desdobramentos que vão muito além dos limites de sua dimensão festiva.
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[1] [2] : Longe de terem suas existências resumidas ao período de festa carnavalesca, as turmas de bate-bolas se mantêm em constante atividade. Encontros sociais entre os membros desses coletivos são frequentes e costumam ocorrer em espaços públicos demarcados com figuras que remetem ao universo das turmas.
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[3] Nos encontros é comum a realização de “churrascos” ao redor dos quais longas conversações são mantidas. A música funk e o consumo de bebidas alcoólicas costumam embalar as celebrações que podem durar horas durante as tardes de domingo. [4] As turmas costumam produzir linhas de vestuário próprias, como camisetas, bonés, bermudas e agasalhos. Os trajes costumam ser amplamente adotados pelos integrantes desses grupos, sendo especialmente utilizados nos encontros com seus pares, mas não apenas.
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[5] Parte significativa dos esforços das turmas são voltados para a produção da fantasia de bate-bola. Cada coletivo produz sua própria vestimenta em um processo que pode levar meses de trabalho. As indumentárias costumam ser volumosas e multicoloridas, cobrindo o corpo por inteiro. [6] As máscaras são alguns dos componentes mais valorizados das fantasias dos bate-bolas. Ao longo dos ritos promovidos pelos grupos, o manuseio das máscaras pode indicar uma série de implicações, como uma passagem de tempo ou uma completa coesão coletiva.
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[7] “Bater bola” é uma das práticas mais características dos personagens do carnaval suburbano denominados de bate-bolas. Não por menos, é a ação que batizou toda a manifestação. Elas são utilizadas para golpear o chão e fazer barulho, anunciando assim as andanças dos bate-bolas pelas ruas suburbanas.
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[8] Em um universo predominantemente masculino, o momento que marca a maior presença feminina no universo das turmas de bate-bolas são os instantes finais de preparação para a festa carnavalesca. Os integrantes podem contar com o auxílio de seus familiares enquanto se fantasiam. [9] Ao fim de uma preparação que se estende ao longo de todo o ano, as turmas decretam o início do carnaval e ganham as ruas. O planejamento dos grupos culmina em festividades caracterizadas por andanças coletivas no subúrbio carioca e pela visita a diferentes festas públicas que ocorrem na região.
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Diálogo com Marcos Aurélio da Silva Mesa 2: “Festejando com imagens na rua e no terreiro” Transcrição e adaptação: Ryanddre Sampaio
No segundo dia de debates da primeira edição do Caderno Manuel Querino de Imagens Etnográficas foi realizada a mesa “Festejando com imagens na rua e no terreiro”, com debate dos trabalhos de Lorran Lima (PPGAS/UFRN), Augusto Júnior (UFCG), Juliana Loureiro (PPGSA/UFRJ) e Taynã Ribeiro Martins (PPGA/UFF). Na ocasião tivemos como debatedor convidado o Prof. Dr. Marcos Aurélio da Silva, antropólogo, professor do Instituto de Saúde Coletiva e dos programas de Pós-Graduação em Saúde Coletiva e de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), integrante do Instituto Brasil Plural (IBP), do Núcleo de Antropologia do Contemporâneo (TRANSES), do Grupo de Análises de Políticas e Poéticas Audiovisuais (GRAPPA) e coordenador do Núcleo de Antropologia e Saberes Plurais, do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da UFMT. Marcos inicia pautando questionamentos e inquietações que ele teve ao entrar em contato com os trabalhos apresentados, e que podem ser também questionamentos dos leitores da futura publicação do Caderno. Iniciando os apontamentos, Marcos questiona a denominação Quimbanda no trabalho de Lorran. Quando falamos é interessante localizar sobre o que está falando, porque os nomes - Umbanda, Candomblé, Quimbanda - apresentam fronteiras borradas e que se criam dentro de configurações políticas específicas variando de região a região. Sobre o uso do flash no trabalho: além da opção ética, há uma escolha estética que pode ser pensada, uma vez que a imagem nunca é a representação do real, mesmo tendo uma referencialidade de um determinado acontecimento. O resultado, a fotografia, é mais que o real: tem um jogo de luzes que nos faz pensar sobre outras coisas. As fotografias de Lorran, disse Marcos, tem um mistério e uma profundidade que não são refletidos nas legendas. Há a possibilidade de transformar em texto essa complexidade imagética: a polifonia e a poesia que se dá a ver nas imagens.
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Marcos salienta, em todos os trabalhos, a necessidade de localizar a pesquisa e o campo, e como eles se articulam dentro de um lugar na cidade ou na região onde estão inseridos, pensar mais regionalmente o que está sendo apresentado. O debatedor cita a expressão “uma imagem vale mais que mil palavras” para questioná-la: a fala antropológica, aponta Marcos, supera a visualidade, é sempre possível etnografar os ruídos e o que não é visto. Esse texto que adiciona algo a imagem, a noção do “fora de campo” que pode ou não aparecer, mas sabemos que existe através de referências. São os ruídos que estão fora da imagem mas que estão presentes e podem ser descritas e acessadas através do texto etnográfico. A imagem sempre rende e tem muitas possibilidades de leituras, ela nunca é a mesma a partir de quem as vê ou do tempo em que são vistas. Há a possibilidade de realizarmos, na antropologia, uma leitura mais poética das imagens, diz Marcos, que poderiam nos apontar esses ruídos. Marcos questiona também o uso de alguns conceitos e a necessidade de deixarmos explícito em nossas pesquisas se são palavras êmicas e como elas surgem em nosso vocabulário. Seguiram-se, então, os debates sobre os trabalhos apresentados a partir dos comentários do debatedor. Lorran toma a palavra e explica o foco de sua tese na transnacionalização da Umbanda para Madrid fazendo um comparativo com Portugal, uma vez que estudos de transnacionalização em Portugal já estão bem consolidados. Sobre o mapeamento dos frequentadores, Lorran descreve a rede de pessoas que frequentam o terreiro estudado. Sobre o termo Quimbanda, Lorran aponta que estudos sobre religiões afro-brasileiras são invisibilizados na região norte. Quimbanda é um conceito amplo que comporta muitas definições mas é um termo que carrega um estigma e preconceito, e cita Giumbelli sobre um termo de acusação à Quimbanda, uma vez que esta é associada a uma “forma negativa” da Umbanda. Sobre a afetação da imagem e a produção de legendas, Lorran aponta que faltou uma narrativa sobre as imagens, as cores e as ações que estão sendo desenvolvidas nas cenas fotografadas. Zeza Barral aponta, sobre o trabalho de Lorran, coisas que acometem a ela na sua própria pesquisa, no caso, sobre a autorização de registro de imagens, as negociações com as entidades e com as pessoas envolvidas. E das relações construídas. E nessa negociação quais as tensões que podem ter sido criadas, uma vez que este é um campo de mistérios e de segredos. Usar imagem é reivindicar, em parte, o direito de ver e de mostrar. Uma forma interessante, segundo a antropóloga, seria trazer nas legendas mais informações sobre esse campo de tensões dos mistérios constitutivos do campo. Zeza concorda com Marcos ao afirmar que é uma falácia afirmar que uma imagem vale mais do que mil palavras, uma vez que as imagens trazem muito mais
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imagem vale mais do que mil palavras, uma vez que as imagens trazem muito mais coisas que não estão implícitas na visualidade. A antropóloga afirma ainda que nós, como etnógrafes que usamos imagens como recurso de trabalho, compreendemos que essas imagens falam das nossas relações com as pessoas e das categorias que aprendemos com essas pessoas. Finalizando os debates da mesa, o debatedor evidencia o caráter ético e moral do trabalho com imagens, especialmente relativa aos segredos que o campo nos coloca. Conforme apontou Zeza Barral, as imagens que utilizamos em/como nossas pesquisas entram em um circuito que têm uma disputa de narrativas, especialmente quando trabalhamos com religiões ou manifestações de origem afrodescendente, historicamente estigmatizadas, e desta forma precisam de um texto para amparar esse complexo de narrativas. A imagem precisa de recursos multimeios para direcionar o que estamos pesquisando dentro de um campo semântico em que nos propomos a debater. Em contribuição à fala de Zeza Barral, Adriana Garuzi Alves acrescenta uma observação importante, referente à dar conta das categorias que usamos, que dizem respeito à alteridade e o quanto de nós projetamos no outro: quando recorremos a uma categoria devemos compreender semanticamente o que essas categorias estão evocando. Encerrou-se a mesa com a exibição do filme “A Rainha da Sucata” de direção de Augusto Júnior.
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D ebatedo ra convidada: Jo ceny Pinheiro (I H/UNI L AB )
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Disputando territórios e memórias: imagens reivindicando direitos
Entre casas, territórios e
Solo-Mulher:
desenvolvimentos:
Fazeres e Saberes no
Disputas e mobilizações
Assentamento Tuiuty no
em torno da mineração
Município de Belmonte
no Sul do Brasil.
Bahia.
Bruno Guilhermo Fer-
Adriene Viana Lima
nandes, Rafael Ferrari
(PPGER/UFSB)
Silva (PPGAS/MN/UFRJ) Lá na Morada. A Retomada das
Mônica Thaís Souza
Imagens Pitaguary.
Ribeiro (PPGSA/UFRJ)
Alexandre Hermes Oliveira Assunção (NAVIS/
Voltar ao campo:
UFRN)
Recampesinización. Alejandro Escobar
“Território: nosso corpo
(PPGAS/UFRN)
nosso espírito”. A primeira marcha das
Diálogo com Joceny
mulheres indígenas.
Pinheiro
Amanda Jardim (PPGA/
Mesa 3: “Disputando
UFMG)
Territórios e Memórias: Imagens reivindicando direitos”. Transcrição e adaptação: Zeza Barral 81
Ensaio fotoetnográfico
Entre casas, territórios e desenvolvimentos: disputas e mobilizações em torno da mineração no sul do Brasil Bruno Guilhermano Fernandes (PPGAS/MN/UFRJ) e Rafael Ferrari da Silva (PGDR/FCE/UFRGS). O presente ensaio fotoetnográfico advém do trabalho de campo pericial, realizado em 2019, a partir da atuação dos seus autores pelo Ministério Público Federal. Neste caso, o fazer antropológico foi instanciado por demandas jurídico-políticas, relacionadas com os impactos socioeconômicos e ambientais em torno do projeto de mineração “Mina Guaíba” (considerada por experts como a “maior mina de carvão a céu aberto da América Latina”), em Eldorado do Sul (região metropolitana de Porto Alegre/RS). Mediante o aporte fotoetnográfico, buscamos destacar moradias e composições humanas e não-humanas, evidenciadas no bojo de disputas socioambientais entre moradores do Assentamento Apolônio de Carvalho, duas comunidades mbyá-guarani e a mineradora responsável. Além de paisagens de agricultura familiar e da produção artesanal, as imagens recortam a relacionalidade entre pessoas e casas (L’ESTOILE & NEIBURG, 2020), num processo que envolve múltiplas escalas e tensões em torno de quais enfoques de desenvolvimento devem prevalecer (STENGERS, 2015). Neste sentido, a imposição externa de um projeto de mineração tende a desconsiderar as relações múltiplas de pertencimento e os fluxos de coprodução entre pessoas, famílias, casas, seres não-humanos e territórios. Isto é, a produção fotoetnográfica captura os efeitos imediatos de um projeto que incide sobre arranjos de vida específicos, concebidos no espaço-tempo, enredados em vicinalidades e em redes locais de luta política e territorial. Referências: L’ESTOILE, Benoît de & NEIBURG, Federico. “Governing the house: an ethnographic approach (introduction)”. Etnográfica, vol. 24 (3). 2020, 655-664. STENGERS, Isabelle. “No tempo das catástrofes – resistir à barbárie que se aproxima”. São Paulo: Cosac Naify, 2015, 212p.
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[1] (óga mbyá): O cotidiano da casa mbyá-guarani (óga) na Tekoá Guajayví, em Charqueadas/RS, estrada RS-401. Composta por 297 hectares e habitada por várias famílias, a aldeia está a cerca de 1 km em relação à área que será diretamente afetada pela mineração, já sendo impactada pela duplicação da BR-290.
[2] (Casa-acampamento): A venda de cestarias artesanais na Tekoá Pekuruty é fonte de renda, mas também de fluxos de bens, pessoas e de manutenção das casas no acampamento. A comunidade situa-se ao lado da BR-290, km 133, em Eldorado do Sul/RS, dentro da área de influência indireta do empreendimento minerador.
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[3] (Casa-origem): Moradia no Assentamento Apolônio de Carvalho, localizado em Eldorado do Sul/RS. Diante da perspectiva de instauração de um megaempreendimento no local, a imagem da casa traduz incertezas aos seus moradores, humanos e não-humanos (vivos ou mortos). Ainda, coleciona memórias, afetos e pertencimentos.
[4] (Casa-governo): Moradias de alvenaria no Assentamento Apolônio de Carvalho, construídas a partir de uma política pública de habitação do governo federal. Neste contexto, a casa articula recursos de escalas variadas, sendo um projeto de vida conquistado por muitas famílias.
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[5] (casa-agroecológica): Residência construída com base em fundamentos agroecológicos em lote familiar no assentamento. A imagem da moradia como abrigo físico opera como simplificação explicativa. A casa produz conexões mutáveis entre humanos e não-humanos, articulados com saberes, práticas e moralidades.
[6] (casa-igreja): Casa e igreja evangélica conectando moralidades e socialidades em torno do espaço religioso no assentamento. Neste ponto, moradia, casa religiosa e pessoas são co-constitutivas, ou seja, as “moralidades das casas” estão intrinsecamente vinculadas com as agências dos seus habitantes.
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[7] (casa-produção): O preparo do melado da cana-de-açúcar revela uma dimensão de gênero incidindo no trabalho: a substância é feita pelo esforço de homens no pátio de uma casa, no assentamento. A finalidade é a sua comercialização e a posterior circulação dos ganhos entre parentes e afins.
[8] (casa-horta): Produção agroecológica em lote familiar. O registro da horta revela não apenas relações econômicas e territoriais de uma família, mas, também, que práticas históricas de agricultura sustentável estão confrontadas pela imposição de um projeto de desenvolvimento econômico, baseado na mineração.
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[9] (casa-mobilização): A oposição de parcela dos assentados ao projeto Mina Guaíba ganhou contornos públicos e aciona redes de mobilização em arenas estatais e virtuais. No assentamento, a rede de vicinalidades produz movimentos para a composição de alianças e de oposição em torno do conflito socioambiental iminente.
[10] (dúvidas no pátio de casa): As disputas instauram algumas questões: como lidar com as incertezas da vida cotidiana diante do que se desenha no horizonte? O que ficará e o que padecerá no futuro? Quais vidas serão priorizadas e quais desvalorizadas pelas mudanças projetadas?
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Ensaio fotoetnográfico
A Retomada das Imagens Pitaguary Alexandre Hermes Oliveira Assunção (NAVIS/UFRN) E lá estava eu no meio do terreiro da aldeia Monguba Pitaguary entre os municípios de Pacatuba e Maracanaú aqui no Ceará. Como fotógrafo, fui convidado para registrar o momento fatídico do que seria uma reintegração de posse pela polícia federal no território Pitaguary. A Retomada Pitaguary estava ameaçada de continuar a ter êxito. Acompanhei durante uma semana esse evento e com a decisão da liminar judicial e a da resistência de manter a “ocupação” do terreno que estava fora da demarcação das terras indígenas pena FUNAI. Naquele ano o cenário em que se encontravam as lutas dos movimentos sociais onde havia muita agitação com a copa das confederações e os protestos com o aumento da passagem dos ônibus. Foi um período que essas imagens foram publicadas independente da cobertura da grande mídia. O resultado naquela altura dos princípios da expansão informacional em rede mobilizou vários segmentos da sociedade civil que já vinham “agitadas” e descontentes com os retrocessos na política internacional. Essas imagens me acompanharam até aqui depois de terem sidos apropriadas pelos Pitaguary para exposições e outras formas de mobilização de suas memórias e lutas, no acervo do Museu Pitaguary, na escola, nos álbuns familiares a Retomada da Pedreira encantada foi um evento emblemático onde diversos agentes da sociedade se juntaram ao povo Pitaguary na resistência e na vulnerabilidade. Os caminhos percorridos por essas imagens acumulam diversas memórias desse arquivo e das alianças que os constituíram. As montagens e desmontagem que o compõem foram entrando em sintonia com estas memórias, representações, negociações, narrativas, teorias, aprendizados, iniciações, erros e acertos. O protagonismo, resistência, alianças, dominam os primeiros planos, mas as curvas da serra, onde fica a Pedreira Encantada, delineiam e oferecem um movimento discreto ao olhar convidando a avançar. nota: Este ensaio é parte da minha pesquisa de TCC com qual obtive o título de graduado em Antropologia pela UNILAB/CE - 2021. https://www.academia.edu/48874040/A_RETOMADA_DAS_IMAGENS_PITAGUARY
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[1]Guerreira Tapeba ocupando a Faixa da BR paralisada durante a reintegração. Havia a presença de muitos movimentos sociais, imprensa local e a polícia federal estava a caminho. O grito é símbolo de uma luta intensa e da Re-existência dessas jovens guerreiras
[2]A face, cortada, revelada, comida, pelas máquinas e explosivos da pedreira. Em tempos de seca ela se mostra mais aguda como foi durante a Retomada. No inverno, a face se recobre pelo verde e até parece uma cabeleira. Quando há muita chuva ela chora de alegria e dor.
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[3] Nas Retomadas nem tudo é consenso entre as lideranças. Mas um consenso entre os Pitaguary é que as lideranças Mulheres, guerreiras se sobrepõem numericamente e ativamente com relevância. Pude conviver com alguns povos aqui e acompanhar o movimento dessas mulheres. Aqui estão Francilene Pitaguary e Clecia Pitaguary. Paramentadas, pintadas e adornadas para luta. [4] No Nordeste as retomadas mais conhecidas são da Serra do Padeiro. Povo Tupinambá da Bahia. Essa Retomada da qual trago imagens foi articulada pelo povo Pitaguary no Ceará. Essa primeira foto foi “montada” para divulgação do movimento de resistência.
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[5] A ITA-OCA, Pedreira Encantada, como é mais conhecida, é morada de muitos seres, casa habitada hoje por muitas espécies de animais e plantas que retornaram à vida. Após muitos processos judiciais, idas e vindas, essa casa onde mora o Pajé Barbosa Pitaguary com sua Família é um espaço de preservação e acolhimento espiritual para muitos que buscam a energia dessa morada em tempos cinzentos.
[6] Acima, Pajé ou meu Pai Barbosa e no cantinho a Dona Mãe Liduina. Guerreira que me contou das muitas retomadas que os Pitaguarys fizeram em seus diversos territórios em tempos diferentes. Me contava da dificuldade dos primeiros tempos, mas também da união do seu povo. A família deles, que hoje é também minha família, Posso dizer isso sem constrangimento. São um povo muito espiritualizado e tomam conta desse espaço que é a pedreira encantada até hoje. Acolheram muitos moradores, indígenas e não indígenas no Terreiro. Algumas casas foram construídas e outras famílias se constituíram ali. Também é o espaço do Museu Pitaguary, onde parte desse acervo de fotos permaneceu para contar essa história que me orgulho muito de ter vivido.
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[7] Essa imagem dos Aliados um tanto fantasmagórica, foi feita em baixíssima velocidade, de fotometria e buscava um efeito de transcendência ou algo desse tipo. Durante aqueles dias houve muitas rodas de Toré. Essa dança Ritual típica dos índios do Nordeste. Os Aliados eram aparições bem vindas naquela situação.
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[8] Hoje olhando atentamente percebo que o elemento de fundo dessas imagens é o território Pitaguary. O território, este presente nelas e se faz presente hora discretamente hora como assunto principal em cores e formas diversas. A Serra dos Pitaguary é fonte da cosmologia, de alimento, onde sua memória pulsa viva nos seres humanos e não humanos que se movem dentro da aldeia.
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Ensaio fotoetnográfico
“Território: nosso corpo, nosso espírito” A Primeira Marcha das Mulheres Amanda Jardim (PPGA/UFMG)
Este ensaio fotográfico apresenta um momento histórico protagonizado por mulheres cujas histórias de luta e protagonismo muitas vezes foram invisibilizados. Trata-se da Primeira Marcha das Mulheres Indígenas, evento ocorrido em Brasília, no ano de 2019. Propõe-se uma (re)visita à Marcha através de imagens e relatos de expoentes lideranças do movimento indígena brasileiro. A composição mescla fotografias, falas públicas e narrativas orais registradas em entrevistas – dispostas nas legendas – com o objetivo de ressaltar a potente atuação das mulheres indígenas no cenário político brasileiro contemporâneo. As imagens dialogam com vozes de lideranças, dispostas logo abaixo das fotos. Dentre essas vozes, estão as de Sônia Guajajara, Nyh Kaingang, Cristiane Pankararu, Glicéria Tupinambá, Eliane Umutina, Shirley Krenak, Célia Xakriabá – que reforçam posicionamentos, ideias e conceitos amplamente compartilhados durante a Marcha. As mulheres que falam não estão presentes nas fotos, mas suas vozes explicam, dão sentido e contextualizam o cenário fotografado. A narrativa visual traz à cena agenciamentos mágicos e performances políticas relativas à reivindicação de direitos para povos e mulheres indígenas. Também sublinha a potência dessas mulheres indígenas – cerca de mil e quinhentas – que ao transitarem pela Câmara dos Deputados, Senado e Esplanada dos Ministérios lutaram pela Mãe Terra, a mãe de todas as mães. Reunidas em ininterruptas assembleias, denunciaram as injustiças cometidas pela “bancada ruralista” do Congresso Nacional, ressaltaram o papel das mulheres ante à crescente violação dos direitos indígenas e criaram estratégias de enfrentamento aos retrocessos em curso. Distantes de seus territórios, demonstraram-se incansáveis – porque sempre acompanhadas pelos Encantados e demais entidades – na tentativa de tornar efetivos os direitos constitucionais.
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[1] “Nossas ancestrais estão nos dando força, fazendo a gente abrir caminhos para sairmos de nossas aldeias e irmos em busca de justiça, de igualdade e de participação. Com a força de nossos Encantados a gente marca esse pacto de continuidade da nossa luta.” (Sônia Guajajara)
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[2] “Nós, mulheres indígenas, estamos unidas contra todo e qualquer tipo de violência, negando todo e qualquer tipo de colonização, contra o genocídio dos povos indígenas e pela garantia de nossos direitos constitucionais.” (Nyg Kaingang)
[3]“Estar aqui é dizer ao pai, ao marido e a outros que nos colocam nessa ideia de subalternização, que se a gente cuida da casa e dos filhos, é pra cuidar do território, é pra cuidar deles. Quando nós falamos em território, nós somos essa Mãe Terra que germina, que dá vida.” (Cristiane Pankararu)
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[4] “É muito emocionante ver todas estas mulheres e também alguns homens sendo solidários à nossa luta. Porque nós, mulheres indígenas, os temos como parceiros, aliados e andamos lado a lado. A gente não tem essa divergência de luta, a gente se soma na luta.” (Glicéria Tupinambá)
[5] “Se não temos o território, não temos como viver nossos saberes, fazeres, tradições. A questão da terra é a ligação entre todos os povos. Ela é nossa Mãe e somos filhos dela. O território é como o nosso corpo, dá vida, gera e faz com que possamos sobreviver.” (Eliane Umutina)
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[6] “Se nós, mulheres indígenas, pisamos no chão da Terra é para acordá-la e trazer de volta toda a essência feminina que foi abalada, que foi estuprada, que foi agredida. Se a gente faz vibrar o Útero, a gente faz vibrar o Coração da Terra.” (Shirley Krenak)
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[7] “A Marcha trouxe um sentido de rompimento com o patriarcado, o coronelismo, o machismo. Nós não somos as que foram achadas na mata, as que foram pegas no laço. Nossas mulheres foram e são violentadas, estupradas e geraram os mestiços.” (Cristiane Pankararu) [8] “Enquanto continuar sangrando a Mãe Terra, também vai sangrar o útero da mulher indígena. O sentido profundo disso é o de que quem tem território tem lugar pra voltar, tem lugar pra ser acolhido, tem colo, tem cura.” (Célia Xakriabá)
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Ensaio fotoetnográfico
SOLO-MULHER: Fazeres e Saberes no Assentamento Tuiuty no Município de Belmonte Bahia Adriene Viana Lima (PPGER/UFSB) Está série de fotografias foram produzidas no Assentamento Tuiuty no município de Belmonte, Bahia. Essa exposição trata da memória, luta e resistência das assentadas que costumam lidar com várias labutas ao mesmo tempo em espaços diferentes. E sempre estão envolvidas no plantio e na colheita. Mesmo com tantos enfrentamentos elas ainda pensam e repensam na soberania alimentar, nos valores, nas vivências coletivas, nos festejos e na sua ligação com a terra.
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[1] Mulher do campo trabalhando no beneficiamento do urucum em um pilão manual no Assentamento Tuiuty em 2020. Esta cena foi escolhida porque esta mulher mostra preferência por uma atividade com a utilização do pilão, que é um utensílio culinário essencial na cozinha das famílias rurais.
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[2] A escolha ao retratar essas mulheres em meio aos seus espaços de trabalho privilegia completamente a imagem das trabalhadoras rurais reunidas para a retirada dos talos da pimenta do reino no Assentamento Tuiuty no município de Belmonte Bahia no ano de 2020. Esses momentos de mutirões vão além do beneficiamento da pimenta do reino.
[3] Esta fotografia foi escolhida por retratar os diversos afazeres das mulheres que, além de cuidar das crianças, da alimentação da família, atividades domésticas, ainda precisam dar conta do plantio e da colheita na roça. Esse trabalho possibilita dar visibilidade às mulheres assentadas.
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[4] A imagem retrata a atividade pesqueira, uma prática comum entre as mulheres que muitas das vezes utilizam a pesca artesanal como uma forma de lazer no Assentamento Tuiuty, que fica próximo ao Rio Jequitinhonha. A presença feminina nas atividades da pesca artesanal é comum no campo.
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[5] Essa fotografia foi escolhida por ser uma imagem muito comum nas casas dos povos do campo. O fogão a lenha é um dos símbolos de resistência e é uma das ferramentas mais utilizadas para cozinhar os alimentos e nutrir o corpo do assentado para continuar na luta. Sempre presente na vida de todas as casas, o fogão é uma ferramenta e um símbolo de união para as famílias de assentados.
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[6] A escolha de retratar as mãos das mulheres camponesas no espaço de trabalho na composição da fotografia reflete um possível desejo de direcionamento do olhar para seu objeto, o trabalho das mulheres assentadas no beneficiamento da pimenta do reino.
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Filme etnográfico
Lá na Morada Mônica Thaís Souza Ribeiro (PPGSA/UFRJ)
Esta investigação levou a sério as narrativas das pessoas atingidas pela construção da barragem de Três Marias, construída na década de 60. Se antes, um desenvolvimento acontecia na cidade de Morada Nova de Minas, uma outra história foi elaborada pelo Estado, que em seu período chamado “nacional-desenvolvimentista” estaria construindo as bases para o progresso do país. A pesquisa pautou-se na observação, os olhares, as palavras escolhidas, as metáforas e as lágrimas, para montar um filme que pudesse revelar aquilo que a palavra não alcança. Por meio de perguntas elaboradas em um questionário semi-estruturado e replicado de forma igual a todas, mas de forma aberta a ser conduzida pelas respostas das pessoas entrevistadas, a fim de alcançar maior êxito no que estava proposto desde o início: ouvir, aprender e perceber como aquelas pessoas se sentiram e se sentem até os dias de hoje. As questões de investigação foram elaboradas de acordo com os fatos notórios e as frases mais repetidas ao longo da minha existência enquanto moradora da cidade, e acrescidas de outras que surgiram ao longo das trocas e aprendizados adquiridos dos saberes orais dos moradenses entrevistados.
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Filme etnográfico
Voltar ao campo Recampesinización Alejandro Escobar (PPGAS-UFRN) O documentário “Recampesinisação” visibiliza o processo de “deslocamento forçado” na comunidade do Cairo na Colômbia, como também indaga o transcurso de “voltar ao campo”. O conflito histórico colombiano deixou até setembro de 2018 mais de oito (8) milhões de pessoas deslocadas, sendo o país com mais deslocados internos no mundo, de acordo com Unidade para a Atenção e Reparação Integral para as Vítimas da Colômbia (UARIV). O governo nacional está implementando diferentes programas e iniciativas para garantir a “restituição de terras” para a população deslocada. No município do Cairo no Estado do Vale do Cauca, na Colômbia, tem um interessante processo de Re-campesinisação que já tem dez anos e que foi implementado com grupos de famílias que foram deslocadas forçadamente de diferentes estados da Colômbia. Essa experiência é uma das iniciativas que, apesar dos seus inconvenientes, é bem-sucedida, em comparação a outros casos de restituição implementados no país. Ficha Técnica: Ano de produção: 2018 Duração: 1:04:07 País de produção: Colômbia Local da Filmagem: Cairo, Valle del Cauca Idioma: espanhol com legendas em português Classificação: todas as idades Participação: Festival de cinema de las montañas Salento, Colômbia, Ganhador do melhor produção regional. Festival de cinema do sul Pereira, Colômbia. Gênero: Documentário Tema: Rural, Social, Montanha, Paz, Direitos Humanos, Deslocamento, Identidade, Meio
Técnicas de gravação: Máquina Canon T3 e imagens de drone. Diretor: Javier Alonso Sanchez Cidade: E-mail: jaalsanchez@utp.edu.co Produtor: Andres Sanchez Cidade: Nome da empresa de produção: Camaleón interactive media Distribuidor: Alejandro Escobar E-mail: alescobar@utp.edu.co Roteiro: Javier Sanchez e Andres Sanchez Direção de fotografia: Alejandro Escobar Edição: Juan David Suarez Som: Juan Guillermo Villegas
Ambiente, Antropologia. Formato: 1080x720 HD Formato de projeção: Arquivo Digital Formato da tela: 16/9 Documentação em cores e som estéreo
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Diálogo com Joceny Pinheiro Mesa 3: “Disputando Territórios e Memórias: Imagens reivindicando direitos” Transcrição e adaptação: Zeza Barral
No terceiro dia de debate online do primeiro Caderno Manuel Querino de Imagens Etnográficas 2021, foram apresentados trabalhos que convergiam para o tema da mesa “Disputando territórios e memórias: imagens reivindicando direitos”. O debate foi fomentado pela Prof.a. Dr.a. Joceny Pinheiro, antropóloga, graduada em CIências Sociais e mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), e mestre e doutora em Antropologia Social com Mídia Visual pela Universidade de Manchester (UK); hoje prof.a. adjunta do Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades da Universidade de Integração Internacional da Luso-fonia Afro-Brasileira (Unilab/CE), onde coordena o Sensoria - Núcleo de Pesquisa em Imagem, Som e Texto. Com a palavra, Joceny Pinheiro nos contou que há uma evidente conexão entre o título da mesa e os trabalhos. Ao conhecer os trabalhos, ela pôde adentrar nos vários processos de pesquisa, mas também em “processos de disputa, de memória, de conflito, de narrativas e de significados, de sentidos”. E todos eles revelam a percepção sobre os territórios, vinculações e sobre a construção do que vem a ser território: Território corpo, território ameaçado, território invadido, território que está para ser extirpado, roubado... “Os autores decidem falar sobre todos esses assuntos a partir de pesquisas que querem ser vistas e ouvidas a partir de imagens e/ou de som. E existe outra série de surpresas interessantes”. O primeiro trabalho dos autores Bruno Guilhermo Fernandes e Rafael Ferrari (PPGSA/MN/UFRJ), “Entre casas, territórios e desenvolvimentos: disputas e mobilizações em torno da mineração no sul do Brasil”, “me interessa no sentido da pergunta: o que é a casa? O tema da casa, casa exterior ou interior, a casa como espaço. Se é a morada que se faz com alvenaria, ou mais inventiva e original como a da agroecologia; a casa do Minha Casa Minha vida; a casa como espaço transitório feita com materiais disponíveis; a casa indígena... A casa, quando não é apenas pensada no universo citadino, no espaço urbano como o lugar da privacidade, do sossego, da individualidade, mas uma casa como parte de uma rede de relações, de fluxo, como um lugar de sociabilidade, encarnando uma série de concepções de
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mundo distintas, de relação com a terra e com o território. Dentro disso, falar de soberania alimentar, de produção agroecológica, de práticas de alimentação, é assumir um debate muito caro na contemporaneidade. É a discussão sobre relações interespécies dentro das Ciências Humanas”. Joceny adentra o tema sobre a relação entre humanos e não-humanos e a ideia das agências das várias espécies como fio condutor dos trabalhos. Desde o filme que começa mostrando as formigas, de Mônica Thaís Souza Ribeiro (PPGSA/ UFRJ) “Lá na Morada”, que mostra o espaço onde a gente habita e cria, mas que não é só da gente. O filme traz também a relação entre terra e água. Dá foco para a memória do que se foi, e especialmente, mostra muito nítido o conflito de percepções. Mostra as pessoas mais antigas que estavam no momento em que a água invadiu a cidade, a nostalgia de determinado período e um olhar crítico sobre a situação. Ao mesmo tempo, o filme mostra as pessoas mais jovens que já reconhecem que Morada é a água, e a água confere relevância a experiência nesse espaço. Através do trabalho com os testemunhos, é interessante ver que a memória não é particular, mas é compartilhada por pessoas em um determinado período, pessoas que viveram a experiência em primeira mão. Ao mesmo tempo, é também muito relevante ver as imagens mais amplas do que se tornou esse lugar, com as casas e com a água, dando dimensão de onde e o que as pessoas estão falando. O filme de Alejandro Escobar (PPGAS/ UFRN), “Voltar ao campo – Recampesinización”, usa o dispositivo semelhante ao “Lá na Morada”, por ancorar a narrativa do testemunho de cada pessoa que narra sua história para a audiência. A potência dos testemunhos está na ideia de conflitos, e de que existe um vínculo que é mantido com o território em que não se pode permanecer, e que é preciso achar outro lugar de vida. Como seria fazer parte de uma comunidade em que existe esse sentimento de pertencimento? Isso não é algo dado, sentir-se ligada a uma terra cheia de memórias e de símbolos, histórias de continuidade e descontinuidade, por onde passam redes de parentesco e vizinhança... Como imaginar estar nessa situação, e de repente ser destituída disso? Como lidar com a perda de seu lugar, que é sua produção de vida, e fora do qual muitas vezes a vida não faz sentido? Alex Hermes (UNILAB), em “A Retomada das Imagens Pitaguary” realiza uma rememoração do momento crucial de permanência, resistência, mobilização e articulação com outros movimentos do grupo Pitaguary. “Suas fotografias trazem pessoas ícones de movimentos políticos da cidade de Fortaleza, um trabalho que fica para a posteridade como memória de uma mobilização indígena que começou na década de 1990. Um povo que questiona as práticas de produção, de alimentação, que pensa a
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terra, não como um lote que se adquire, mas como território com memória e lugar de narrativas”. O trabalho “Território: nosso corpo, nosso espírito. A Primeira Marcha das Mulheres Indígenas” de Amanda Jardim (UFMG) traz luz para lideranças políticas femininas dos movimentos indígenas, quando as posições de prestígio são mais ocupadas por homens. Muito importante mostrar o papel das mulheres na articulação e manutenção das bases do movimento, mulheres que passam por um processo de invisibilização. Na mesma sintonia, o “Solo-Mulher: Fazeres e Saberes no Assentamento Tuiuty no Município de Belmonte Bahia”, de Adriene Viana Lima (UFSB), revela a atuação como pesquisadora insider. “Ela toca na questão da necessidade de dar visibilidade às mulheres na agricultura, nas práticas camponesas. Adriene mostra em suas imagens, a força e a importância das mulheres, tanto no movimento políticos agroflorestal, como nos discursos científicos, mas também no cotidiano, no cultivo da pimenta do reino, nos momentos de informalidade, nos entremeios entre a casa e o quintal produtivo, cuidados das práticas alimentares e dos fazeres”. Grande parte dos trabalhos e das reflexões vieram à tona através do texto e das falas das apresentações. A provocação que Joceny sugere: “Será que conseguiríamos contar essas histórias sem depender tanto do texto oral e escrito, mas assumindo o som e a imagem como protagonistas? As histórias poderiam ser contadas com mais independência dos textos escritos e orais? Para que as imagens e o som ganhassem força na narrativa etnográfica, é necessário que a pesquisadora realize uma tradução para o texto escrito ou fala explicativa? O quanto estamos, de fato, se valendo de toda potência que a imagem e o som têm? Não estamos colocando as imagens como ilustrações de nossas teses? Para pensar em outros percursos da pesquisa e dos conhecimentos etnográficos produzidos dentro das ciências sociais e da antropologia, talvez seja interessante considerar uma entrega, às imagens e aos sons, toda a potência que eles possam assumir e anunciar.”.
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Concepção e organização Zeza Barral (PPGSA/IFCS/UFRJ) Ryanddre Sampaio (PPGSA/IFCS/UFRJ) Julia Sá Earp (PPGSA/IFCS/UFRJ) Projeto Gráfico e Diagramação Julia Sá Earp Ficha Técnica
Edição de Textos Organização e idealização Zeza Barral (Edição e Revisão) Zeza Barral, Julia Sá Earp e Ryanddre Sampaio Ryanddre Sampaio (Edição e Revisão) Rodolfo Teixeira Alves (Revisão) Arte e diagramação: Julia Sá Earp
Apoio XXI Jornada Discente do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Revisão Zeza Antropologia Barral e Ryanddre Sampaio 2021. Revisão Final Agradecimentos Rodolfo Teixeira Alves
Programa de Pós- Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Apoio Janeiro - PPGSA/ UFRJ,deCoordenação IV Jornada Discente do IFCS/ Programa Pós-Grad- de Aperfeiçoamento de PesNível Superior - CAPES,2021 Conselho Nacional de Desenvolvimento uaçãosoal em de Sociologia e Antropologia Científico e Tecnológico - CNPq, Marcos Aurélio da Silva (ISC/UFMT), Agradecimentos Zoy Anastassakis (ESDI/UERJ), Joceny Pinheiro (IH/UNILAB), Rodolfo Programa de Alves Pós- Graduação em Sociologia Teixeira (PPGSA/IFCS/UFRJ), Irina eTheophilo. Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro - PPGSA/ IFCS/ UFRJ Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq
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Zeza Barral Julia Sá Earp Ryanddre Sampaio (organizadores)
caderno manuel querino
Rio de Janeiro, 1a Edição, abril 2022 PPGSA/ IFCS/UFRJ
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