Vila Itororó - Percurso Histórico

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Primeira Época [1911 – 1922] _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ pág. 3 Francisco de Castro _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __ _ _ _ pág. 3 Teatro São José _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ pág. 4 Localização _ _ _ _ __ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ pág. 5 Construção do Palacete _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ pág. 8 Conjunto da Vila _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __ _ _ pág. 11

Segunda Época [1922 – 1970] _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ pág. 14 O morar na Vila e na metrópole _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ pág. 14 Fluxos migratórios _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ pág. 17

Terceira Época [1970 - 2010] _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ pág. 20 Desvalorização Social e Interesse de Acadêmicos _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ pág. 20 O Tombamento _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ pág. 21 Projeto Benedito Lima de Toledo _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ pág. 23 Projeto Instituto Pedra _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

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Comentários Finais _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ pág. 36 Referências _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ pág. 40

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Primeira Época [1911 – 1922] Francisco de Castro_ De família portuguesa e sendo terceiro filho do casal, Francisco passa sua infância em Portugal, após o retorno de seus pais devido ao início do declínio da produção cafeeira no Brasil. Retorna ao Brasil em 1892, aos 15 anos acompanhado de seus irmãos, porém sendo o único a permanecer aqui nas Américas até o fim de seus dias. Começa sua carreira como caixeiro viajante, posteriormente tornando-se gerente de escritório da firma Francisco Müller e Cia. Paralelamente, exercia a função de mestre de obras, sua verdadeira paixão.

Tais atividades levaram a um enriquecimento e ascensão social, permitindo amizades com pessoas importantes da sua época. A construção da Vila Itororó, portanto também é um reflexo de tal ascensão, uma forma de Francisco exibir o melhoramento de seu status social. Conjuntamente, a vila foi visada como uma fonte de renda com suas casas voltadas para o aluguel dispostas ao redor da principal onde ele residia, mais conhecida como o palacete. Era descrito como uma pessoa de vida irregular devido ao seu gosto por jogos, bebidas e mulheres (este nunca se casou). Adorava festas e companhia, provavelmente um dos impulsionadores para incorporar a sede do Clube do Éden na vila com um salão para a sociedade do futebol, salão de ginástica e salão de jogos, além da primeira piscina particular da cidade. Outra estrutura com este propósito é a coluna a qual era localizada no pátio central, destinada a receber um cinematógrafo com a função de projetar imagens em uma parede da obra.

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Francisco de Castro morre tuberculoso e endividado, fazendo com que a vila fosse entregue a um de seus credores, o senhor Augusto Oliveira Camargo residente de um palacete eclético na Avenida Higienópolis.

Teatro São José_ Diversos dos elementos decorativos usados na construção da vila “surrealista”, um dos nomes pelos quais ficou conhecido na época de sua construção, vieram do edifício demolido do Teatro São José. Este foi idealizado pelo arquiteto Carlos Eckman, um dos maiores expoentes do Art Nouveau em São Paulo, tendo atribuído a ele a FAU Maranhão e a sede da escola de Comércio Álvares Penteado. Sendo a segunda construção deste edifício, a primeira acometida por um incêndio, o Viaduto do Chá foi escolhido por localização. Encontrando-se em uma das pontas do viaduto, foi construído exatamente na frente do Teatro Municipal, pretendendo assim rivalizar com esse.

De estilo Art Nouveau e estrutura metálica, sua inauguração precedeu à do Teatro Municipal em dois anos. Entretanto, teve uma vida curta sendo fechado em 1920. Após o encerramento de suas atividades, o edifício começou a ser demolido tendo suas peças ornamentais vendidas, muitas das quais foram arrematadas por Francisco de Castro o qual na época iniciava a construção de sua vila. Assim, muitas das cariátides, carrancas femininas, esculturas de animais e ornatos são provenientes deste, com outros de origem desconhecida.

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Localização_ Mesmo nunca tendo sido deslocada no espaço geográfico, a Vila Itororó passou por duas localizações bem distintas. A primeira, nos seus primórdios, era de uma aparência rural com muitas verduras, no vale de um rio, o Itororó. Mais a frente avistava-se uma faixa do terreno a qual havia sido regularizada e transformada em campo de futebol para as atividades do Éden Liberdade Futebol Clube, com todos os requisitos, incluindo as traves e com as encostas servindo como arquibancadas. A cena toda era bem pitoresca. Entre os bairros da Liberdade, Bela Vista e Paraíso, encontrava-se a meio caminho do centro, o qual passava por uma fervente transformação e a Avenida Paulista, já se mostrando promissora. Francisco, um visionário, percebeu as vantagens associadas a esse terreno e sua futura possibilidade de integração, com a travessia entre Avenida Paulista e Santo Amaro sendo feita pela rua Santo Amaro, atual Brigadeiro Luís Antônio ou pela rua da Liberdade a qual seguia pelo leito da estrada do Vergueiro. Além dos rumores sobre a abertura de uma avenida interligando o vale com o restante da cidade que seria conhecida como Avenida Itororó, hoje 23 de maio.

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Na imagem acima podemos ver sua localização entre as ruas Monsenhor Passalaqua, Maestro Cardim, Martiniano de Carvalho e Pedroso. Levantamento realizado em 1930, próximo à época de sua inauguração.

Esta imagem acima é uma foto aérea da Vila e seus arredores realizada nos anos 2000. Pode-se notar as drásticas mudanças pelas quais a região passou, a mais evidente sendo o vale do rio transformada na Avenida Vinte e Três de Maio, também conhecida por Corredor Norte Sul. A rua Pedroso transforma-se num viaduto na área em que atravessa a 23, igualmente ocorre com a rua Condessa de São Joaquim no canto superior esquerdo da foto.

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Outras mudanças nessa área as quais conjuntamente modificam a leitura desse lugar pitoresco é o adensamento de construções e como estas obtiveram acréscimos no valor de seus gabaritos. As fotos abaixo acompanham estas duas épocas enfrentadas pela Vila Itororó e exemplificam como o sonho de integração de Francisco de Castro não foi completamente realizado com a construção da Avenida 23 de Maio, pois apesar de a ter situado muito próxima da mais importante conexão entre o norte e o sul da cidade, também a isolou ao estar num nível acima do seu. Acarretando numa mudança de interpretação de sua fachada e uma certa atenuação do impacto causado nos transeuntes.

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Construção do palacete_ Inicialmente a residência pessoal de Castro o edifício que iria se tornar conhecido como o Palacete, teve como embrião uma moradia modesta. A habitação tinha 8 cômodos, incluindo varanda, banheiro e sala de visitas, com a sua fachada frontal recuada da calçada e virada para a R. Martiniano de Carvalho. Com apenas 2 pavimentos um deles sendo um porão que Castro não deveria “nem ocupar e nem permitir ocupação” de acordo com um termo de compromisso que ele assina para que a construção seja permitida pela prefeitura que ocorreu entre 1911 a 1913. A sua metamorfose em Palacete ocorreu aos poucos. Primeiro foram postas colunas ao longo de 3 das suas fachadas, reaproveitadas, assim como grande parte de seus elementos de demolições, e depois adicionou mais dois pavimentos. Dezenas de elementos decorativos; vasos, estátuas e estatuetas de ferro fundido, leões e águias de barro, bancos e cadeiras de ferro e cimento, placas de bronze com inscrições de poemas entre outros, oriundos do antigo Teatro São José demolido em 1924, assim como outros de origem não identificada vão sendo incorporados nas áreas internas, nos limites do terreno e nas edificações, identificando o conjunto da Vila na paisagem urbana Inaugurada na sua completude em 1922, em uma celebração que homenageia o centenário declaração da Independência, que é refletida no desenho das janelas do último pavimento e em um busto homenageando Franz Muller, fundador da indústria de tecidos à qual ainda estava vinculado na fonte localizada no terreno.

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Conjunto da vila_ Entre 1913 e 1915 uma série de pedidos acerca da construção de casas, sobrados, e edifícios em ambos os lados da travessa Arthur Prado, no limite da Vila. Somente em 1916 que temos uma planta que demarca como será a ocupação e configuração das várias casas que conformam o conjunto. Além das casas para inquilinos e cobrança de aluguel como fonte de renda, Francisco de Castro também pediu licença para a construção de edifícios para mostrar sua ascensão social, o primeiro deles um pavilhão de vidro para a exposição de automóveis próximo a sua residência e também voltado à Rua Martiniano de Carvalho. Outra inauguração importante foi a da piscina de natação, pertencente ao Instituto Hélio Hydroterápico Itororó, a primeira piscina pública da cidade e com fornecimento da água da nascente. A piscina também seria o grande atrativo do ultimo estabelecimento sediado por Castro, o Parque Itororó, com entrada pela R. Maestro Cardim, na expectativa da construção de uma avenida onde antes era a R. Itororó. Infelizmente essa ambição não veio a se concretizar. Endividado, e já tendo anunciado a construção do Instituto, Castro hipoteca o conjunto da Vila, que na época incluía: o palacete de quatro pavimentos com 32 cômodos; um prédio assobradado de dois pavimentos, cada um com quatro cômodos, cozinha e banheiro; um prédio assobradado com três pavimentos, com quatro cômodos e cozinha no primeiro pavimento e três cômodos e cozinha nos outros dois; uma garagem, com um cômodo embaixo utilizado para cocheira. Com entrada pela Maestro Cardim: um prédio assobradado com seis cômodos e duas cozinhas nos dois andares superiores; nos baixos, um salão adaptado para exercícios de ginástica; uma vila com quatorze casas. E, com entrada pelo beco Monsenhor Passalacqua, nº. 23: um prédio assobradado com cinco cômodos e cozinha. Além desses, o edifício onde estava a piscina de 13 m x 5 m, com doze cabines para vestiário, duas cabines com banheiros, quatro cabines com chuveiros, três mictórios, dois salões cobertos, um deles com terraço. Também foram postos todos os ornamentos, leões, carrancas, estátuas, vasos como garantia. Francisco de Castro morreu décadas antes da R. Itororó se tornar o que é hoje a Av. 23 de maio. A Vila vai a leilão em 1933 que por decisão judicial manteve-se um só bem por sua difícil senão impossível divisão que resultaria na desvalorização do conjunto de imóveis.

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Segunda Época [1922 - 1970] O morar na Vila e na metrópole_ Após quase um ano da morte de Francisco de Castro, todo o conjunto é transferido para Augusto Oliveira Camargo, exceto duas casas próximas ao acesso da Vila à rua Monsenhor Passalacqua, doadas por Francisco à sua companheira e à sobrinha. O novo proprietário, residente em um palacete eclético na avenida Higienópolis, concebido em 1915, manteve o negócio da habitação de aluguel para os moradores dos sobrados e casas, e também o estendeu ao palacete, subdividindo-o por andar.

A partir de 1938, alugaria também o espaço de lazer (a piscina, o salão de jogos e a ginástica), situado na parte baixa do terreno, tendo entrada independente pela rua Maestro Cardim (Clube Éden Liberdade).

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No início, sob a administração de Camargo, a renda das locações era destinada ao hospital que o proprietário e sua esposa Leonor de Oliveira Camargo estavam construindo em Indaiatuba, no interior de São Paulo. Ao constatar a impossibilidade de ter filhos legítimos, o casal passou a investir seus bens em obras sociais. Em 1945, oito anos após o falecimento de Oliveira Camargo, a viúva transfere o conjunto da Vila Itororó à instituição beneficente ligada à Santa Casa de Indaiatuba, beneficiária a partir de então dos aluguéis arrecadados.

Até a década de 1930, a forma dominante de morar da população paulistana foi por meio da locação, incluindo a classe média, uma vez que não existiam sistemas de financiamento para a compra de casa própria. Quando Oliveira Camargo se torna proprietário da Vila, o palacete é subdividido em quatro residências, sendo alugadas independentemente. Cerca de trinta famílias ocupam o palacete, as casas e os sobrados (pessoas sozinhas, casais sem filhos, ou núcleos formados por casal e vários filhos, eventualmente com os avós ou outros agregados). Quanto mais próximo da parte alta, mais nobre era o terreno e, melhores também eram as condições econômicas das famílias. Com isso, o palacete possuía uma boa infraestrutura e parece ter abrigado famílias com condição econômica de destaque, uma diferenciação que também se manifestou no acesso ao espaço de lazer que havia no terreno (alugado ao Éden Liberdade Futebol Clube, que permanece na Vila até os anos 1990). Entre 1930 e 1970, as famílias que viveram na Vila materializaram as transformações sociais, econômicas e culturais da capital. A partir de 1940, uma identidade metropolitana na capital paulista, despontando como centro econômico e financeiro do país. Surgem novas demandas, novas profissões e novas instituições que

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transformam o tecido urbano e cultural, mostrando também as contradições sociais da metrópole.

A partir do congelamento de aluguéis e com as possibilidades de despejo colocadas pela Lei do Inquilinato de 1942, o negócio e o acesso à moradia de aluguel começam a passar por mudanças. A proporção de domicílios alugados em São Paulo declina de forma gradativa e persistente: de quase 80% em 1920, passa a 67,7% em 1940 e a 59,3% em 1950, chegando a 61,8% em 1970, quando a população atinge quase 6 milhões de habitantes. (Vila Itororó – Uma História em Três Atos – Instituto Pedra – Página 93)

Com essa intensa transformação urbana, a Vila Itororó tem suas peculiaridades. A problemática de indefinição da urbanização no Vale do Itororó permite ao conjunto continuar como moradia de aluguel. A sua localização no raio de abrangência dos bairros estruturados na área central garante à Vila uma fuga do movimento pendular da cidade. Mas, além de associar trabalho e moradia, os bairros centralizados oferecem proximidade com escolas, bibliotecas, cinemas, teatros, praças, parques, ou seja, uma variedade de serviços e espaços públicos que constituem os afazeres do cotidiano da metrópole.

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Fluxos migratórios_ A prática do aluguel em casas particulares foi desempenhada por diversas denominações e, na maioria das vezes, o espaço dedicado ao morar apresentava características insalubres para a ocupação. A locação de quartos, de cômodos, de edículas, casa de pensão, pousada são algumas das formas que o proprietário oferecia no ramo do morar coletivo. Este modo de morar sempre foi interpretado como uma solução esporádica para a crise da habitação, abrigando trabalhadores pobres e também das camadas sociais médias. No período de grandes fluxos imigratórios, foi a solução possível para os recém-chegados na cidade e, também, para os migrantes de todas as regiões do país. (Vila Itororó – Uma História em Três Atos – Instituto Pedra – Página 98)

A Vila Itororó continua apresentando nessa segunda metade do século XX como um espaço determinante das práticas de moradia de aluguel em que a subdivisão dos espaços e o aluguel de quartos são ocorrências que persistem para meios de sobrevivência e de moradia. A dinâmica do “boca a boca” para alugar uma casa foi fundamental para esse tipo de ocupação, estendendo-se entre os amigos e mesmo entre os vizinhos: quando uma casa vagava, rapidamente era passada para algum conhecido, às vezes um morador de outra das casas do próprio conjunto, o que garantiu desde sempre uma sociabilidade intensa entre os moradores, facilitada, é certo, pelo próprio arranjo arquitetônico. (Vila Itororó – Uma História em Três Atos – Instituto Pedra – Página 100)

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Nas casas, mesclavam-se famílias grandes, com várias gerações, com famílias menores, casais com filhos ou solteiros. Os moradores exerciam formas de trabalho variadas, tendo destaque no setor de serviços: cozinheiras, cabeleireiras, benzedeiras, mecânicos, tipógrafos, zeladores. Estas funções representam uma classe média baixa que tendia a ascender na sociedade, num momento de crescimento econômico da metrópole. Com isso, muitas famílias que conseguiram adquirir esta ascensão deixaram a Vila ao comprar um imóvel próprio nos anos 1970.

“A Vinte e Três de Maio de 4.700 metros e 23 viadutos está pronta”. (Jornal O Estado de São Paulo, 1970)

Com essa chamada em uma matéria no jornal O Estado de S. Paulo após a inauguração oficial e definitiva da avenida, pelo prefeito Faria Lima, quase meio século depois de

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inaugurada a Vila Itororó, completava-se a urbanização do seu entorno. Se entregue em 1929 teria sido a possibilidade de retorno do investimento numa área com urbanização incompleta, a salvação dos imóveis e a concretização de uma fachada principal para o Parque Itororó. Porém, no momento de 1970 desencadeia um conturbado processo urbano e social no qual a Vila, como lugar de moradia, começa a ser ameaçada. A partir dos anos 1970, uma nova realidade urbana é apresentada. Os novos inquilinos não possuem uma visão de acesso à casa própria e, o proprietário não possui mais a perspectiva de lucro garantido no aluguel de seu imóvel. Segundo o Censo do IBGE, em 1970, os domicílios próprios superam em número os domicílios alugados na capital. Grande parte dos habitantes que chegam à cidade se instalam de forma dispersa no território. Com isso, a partir da década de 1970, os novos inquilinos da Vila Itororó vêm dos bairros mais distantes, sendo eles, migrantes intraurbanos que buscam, naquele espaço, morar perto do emprego, do transporte, dos serviços de educação, saúde, infraestrutura, entre outros.

Neste desenvolvimento social e urbano, a Vila começa a perder o seu senso de vizinhança com a entrada de inquilinos advindos sem ligação de parentesco ou de amizade. O acesso indiscriminado e sem identidade dos novos moradores colocam a Vila Itororó em uma nova dinâmica do morar no centro de São Paulo, favorecendo ainda mais a subdivisão de espaços dedicados anteriormente a um único núcleo familiar de moradores. Nesta ocupação de necessidade muitas situações do espaço começam a apresentar precariedades, por exemplo, na parte da manutenção, pois a Vila estava sem um gestor único para zelar de forma única pelo espaço, reformando e cuidando de acordo com a proposta do projeto do edifício.

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Terceira Época [1970 - 2010] Desvalorização Social e Interesse de Acadêmicos_ “Itororó, uma velha vila que vai acabar” foi o título de uma matéria do jornal O Estado de S. Paulo em 1975, apesar de desde o início da década de 1970, já circularem rumores do fim da Vila. Em um momento de desvantagem à atividade rentista para o proprietário, associado com a conclusão da avenida Vinte e Três de Maio e as mudanças na política municipal de uso e ocupação do solo, novos interesses e novos atores entram em cena. Para o proprietário, que desde os anos 1930 tinha na Vila o interesse único de fonte monetária para seu hospital, a valorização trazida com a abertura da avenida, a implantação do conjunto de viadutos e, alguns anos depois, a inauguração da primeira linha de metrô em São Paulo (Linha 1-Azul), a uma distância de poucos metros da Vila, finalmente permitia a possibilidade de ganhos imobiliários. No entanto, alguns obstáculos se interpõem aos seus interesses econômicos, mas facilitam a continuidade da Vila em uma conjuntura de valorização imobiliária. Primeiro, a lei de zoneamento aprovada em 1972 incluiu a Vila num amplo perímetro impondo restrições à ocupação da área até a definição de um plano. Segundo, a Vila Itororó desperta o interesse de profissionais envolvidos no processo de institucionalização das práticas de patrimônio em São Paulo. Uma série de ações de preservação foi concebida e encaminhada no novo órgão de planejamento do governo municipal, num momento em que propostas, projetos, cursos de formação com especialistas estrangeiros são realizados em São Paulo, ampliando os conceitos patrimoniais difundidos pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Sphan, hegemônicos desde a década de 1930. Também repercutiam em São Paulo os princípios da Carta de Veneza assinada em 1964 e da Declaração de Amsterdã de 1975, ampliando a noção de monumento histórico, situando as ações de patrimônio como objetivo maior do planejamento das áreas urbanas e do planejamento físico territorial. Além disso, a experiência de Bolonha iniciada nos anos 1960 tornava- -se referência como solução de preservação do patrimônio com manutenção da população moradora. Em 1974, os arquitetos Benedito Lima de Toledo e Carlos Lemos realizam um levantamento de construções urbanas que “merecessem atenção por suas qualidades arquitetônicas ou históricas”, para dar subsídios à ação de preservação. A partir desse inventário, os imóveis foram incorporados à lei de zoneamento como “imóveis de caráter histórico ou de excepcional valor artístico, cultural ou paisagístico, destinados à preservação”, na categoria Z8-200. Em 1978, a quadra da Vila entra na listagem.

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Paralelamente, os arquitetos Claudio Tozzi, Décio Tozzi e Benedito Lima de Toledo desenvolvem o estudo “Vila Itororó: proposta de recuperação urbana”. O trabalho destacou o “aspecto histórico e bizarro da Vila Itororó– histórico por registrar um tempo de imigração na primeira metade deste século e bizarro por fugir aos modelos convencionais das construções no centro da cidade”. Um amplo programa de atividades ocuparia o palacete, a casa das carrancas e as demais construções, como será melhor descrito a frente. Remanejada para atividades de lazer cultural, a Vila “seria devolvida à população” e através das rendas auferidas dos imóveis poderia se tornar autossuficiente O projeto, entretanto, é postergado pela administração municipal, que, em 1978, inicia as obras do Centro Cultural São Paulo muito próximo da Vila. Uma segunda proposta para a Vila foi apresentada em 1978, ao que tudo indica, fruto de uma negociação envolvendo o proprietário e o Sesc de São Paulo e intermediada pelo então prefeito Olavo Setúbal. Em ambas, a ampliação conceitual em pauta no debate sobre o patrimônio limitou-se ao reconhecimento da Vila enquanto objeto arquitetônico – mas ainda recorrendo ao valor de exceção. A moradia, enquanto função primordial que estava na origem do projeto de Castro, e como tal persistia na Vila, não foi considerada nem como valor histórico, nem como valor cultural. O destino dos moradores não parecia estar em pauta. Do ponto de vista da intervenção física, a Vila, entendida como um “conjunto original”, deveria ser preservada com a demolição dos acréscimos e puxadinhos, apagando as marcas do tempo e associando a crescente sublocação e subdivisão dos espaços como descaracterização e deterioração do conjunto. Essa associação repercute intensamente na imprensa. Em matérias dos dois maiores e mais importantes jornais de São Paulo – O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo – entre 1975 e 1978, a Vila é tratada ora como “conjunto de habitação coletiva, explorada em regime de sublocação”, ora como “o tradicional conjunto de casas pobres e lugar que foi ”ponto de encontro da aristocracia paulista [e que] hoje tem um aspecto de cortiço”. A moradia, função central da Vila desde a sua construção por Castro, passa a ser representada ao longo dos anos 1970 como problema para a integridade da Vila.

O Tombamento _ Em 1981 a seção paulista do IAB encaminha um pedido de tombamento da Vila Itororó para o Condephaat. Ancorada na proposta de recuperação urbana de 1975, a solicitação era justificada por “considerar o conjunto uma construção singular, um testemunho da ocupação histórica e espontânea da cidade ”e “ pelo seu caráter sui generis”.

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Se até então as propostas sobre a Vila se abstiveram sobre o destino de seus moradores e sobre a moradia como parte da sua história, no Condephaat essas duas questões são trazidas para o centro do debate, a partir do momento em que o pedido é encaminhado para estudos de tombamento. Tal debate, apesar de emergir entre as quatro paredes das reuniões do Conselho, expressava a posição de um leque mais amplo de profissionais envolvidos com a cidade, sua história, seu patrimônio. Desde a primeira reunião, o Condephaat coloca de forma clara as duas questões importantes que o projeto suscita: a presença de moradores de baixa renda num imóvel a ser tombado e para o qual estava prevista outra destinação, e a concepção de cultura implícita no projeto apresentado à Cogep. Ao mesmo tempo, Flávio Império, morador de uma das casas que fazia limite pelos fundos com o terreno da Vila, se contrapunha a dinâmica social que conduzira à Vila aqueles moradores ao cerne da proposta de Toledo e dos irmãos Tozzi, considerandoa uma “folclorização“, algo totalmente desprovido de sentido para aquele lugar apontado. Uma vez que a Vila não era mais ocupada por italianos, mas por descendentes, além de migrantes nordestinos e negros, que como membros das classes mais baixas e que estariam mais desamparados em frente a uma ação de realocação para as periferias. A polêmica se colocava em pauta. Em 1985, o parecer sobre o pedido de tombamento é elaborado pelo historiador Ulpiano Bezerra. Incisivo na colocação de que os problemas socioeconômicos seriam os fundamentais, sua posição foi de somente aceitar o tombamento se este estivesse inserido num projeto de revitalização urbana que evitasse a “deportação” dos habitantes. Ou, dito de outra maneira, se o Condephaat tivesse condições de se articular a órgãos municipais e metropolitanos para um projeto de revitalização. E destacava: “Abstrair da ‘vida cultural’ o universo do cotidiano e do trabalho e escondêlo nos porões em periferia, em benefício de funções mais ‘nobres’, é preconceituosamente estabelecer privilégios de espaços, tempos, usuários e atividades”. Seu parecer, por fim, desaconselha o tombamento. Com isso, o processo de estudo de tombamento da Vila Itororó pelo Condephaat se manteve aberto e sem definição, exigindo que qualquer intervenção na Vila fosse submetida à avaliação do Conselho. Esse status funcionava como um inibidor para qualquer ação do proprietário, um recurso que passou a ser amplamente utilizado em São Paulo, diante da voracidade da atividade imobiliária na capital a partir dos anos 1970. Foi essa a estratégia do órgão para manter de pé a Vila Itororó. Durante a gestão da prefeita eleita Luiza Erundina (1989-1993), a área central e a questão da moradia são colocadas no foco da política urbana municipal. A Vila Itororó se insere nos estudos e debates sobre a Bela Vista e vários setores da administração e VILA ITORORÓ: PERCURSO HISTÓRICO

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profissionais de diversas áreas disciplinares desenvolvem trabalhos relacionados à preservação e renovação do bairro, entre 1989 e 2002. Moradores, trabalhadores e usuários do bairro – individualmente ou em grupos organizados – estiveram envolvidos em vários desses projetos e nos processos participativos implementados de acordo com os princípios da nova Constituição Federal. Um dos resultados concretos desse processo foi o tombamento pelo Conpresp, em 2002, na área da Bela Vista, de “um conjunto de elementos constituidores do ambiente urbano”, dentre os quais se inclui a quadra da Vila Itororó. Na perspectiva de abarcar o bairro em sua complexidade, o tombamento considera características de traçado e parcelamento, conformações geológicas, edificações de diferentes períodos, mescla de usos característicos do lugar, elementos de valor cultural, afetivo, ambiental e turístico e destaca a permanência e ampliação da população ali residente como “fundamental para a manutenção da identidade do bairro”. O tombamento da Vila Itororó pelo Condephaat só ocorre em 2005, depois de embates entre o proprietário e os moradores, bem como de um processo de negociação entre o proprietário e administrações municipal e estadual. Esse tombamento retomou os termos da solicitação encaminhada pelo IAB em 1981, destacando o conjunto de edificações “de caráter singular, pitoresco e onírico”; a criatividade na composição arquitetônica resultado de uma colagem de elementos decorativos provenientes, em sua grande maioria, do antigo Teatro São José; o pioneirismo na introdução de uma piscina em propriedade particular; o destaque na paisagem urbana e a original implantação da vila dentro da quadra, aproveitando o seu miolo e interligando três ruas que definem o quadrilátero. No ano seguinte ao tombamento, a saída dos moradores da Vila Itororó foi definida através de um decreto estadual assinado pelo então governador do estado de São Paulo, que declarou a Vila Itororó de interesse público para fins de desapropriação, ação necessária à Secretaria da Cultura para sua recuperação, preservação e conservação.

Projeto Benedito Lima de Toledo_ Muitos projetos visando a recuperação da Vila Itororó foram feitos ao estudá-la mais a fundo, inclusive de muitos realizados por graduandos de cursos de arquitetura. Porém, na presente monografia decidimos apresentar apenas dois, o primeiro por ser de grande relevância tanto por ter chegado a ser apresentado aos órgãos de preservação do patrimônio como por ter como um dos seus elaboradores um professor da FAU, o Benedito Lima de Toledo. O segundo, comentado mais à frente, é o desenvolvido pelo Instituto Pedra e tem sua relevância por estar sendo executado atualmente. No seu projeto Benedito trabalhou em parceria com Cláudio Tozzi, Décio Tozzi e Roberto Burle Marx, este último responsável pelo projeto de paisagismo. Iniciou-o com VILA ITORORÓ: PERCURSO HISTÓRICO

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um estudo do lugar e sua história, permitindo assim identificar os principais problemas a serem solucionados no projeto. Foram listados três: sucessivas caiações sobre pinturas murais e esculturas, alterando a modelagem dos relevos das últimas; recalque do terreno deslocando o prumo de algumas colunas e paredes de sustentação e furtos das peças decorativas passíveis de serem transportadas. O procedimento foi dado ao estabelecer os princípios os quais deveriam ser seguidos durante todo o processo. O primeiro deles é a identificação da mancha urbana original, pois Benedito acreditava que a mudança nas tipologias e gabaritos das construções da quadra prejudicava a leitura da Vila. Acarretando, portanto, em outro princípio resumido como: proteção do entorno visando a restituição da escala do conjunto. A retirada ou substituição dos elementos posteriores alteradores do espaço e acréscimos espúrios violentadores do caráter plástico, diferente daquelas suscetíveis de acrescentar unidade dentro do espírito original, o terceiro princípio. O quarto, a definição do programa de revitalização e o último, a garantia do segundo realizada através do Plano de Massas desenvolvido por Burle Marx. Benedito visava transformar a Vila num centro cultural, ideia em voga na época de transformar lugares portadores de história em casas para abrigar atividades culturais, sendo um dos maiores exemplos, o Sesc Pompéia. Deste modo, após identificar cada um dos imóveis, foi pensado a destinação de cada um deles para servir ao propósito acima citado. O item principal e de mais fácil identificação, a casa principal com colunatas, passaria a ser visitável nos níveis intermediários, abrigaria manifestações artísticas e no nível do pátio central teria destinações múltiplas que ajudassem nas atividades em desenvolvimento no primeiro. A casa das carrancas passaria a ser alugada para uma galeria de arte contemporânea. O terceiro item, de área mais extensa, os jardins, abrigaria espetáculos de fantoches, dança pública ou de conjuntos musicais. A área esportiva da Vila Surrealista seria para desfruto da população, sendo assim vetada para práticas profissionais e competições. E as demais casas, num total de quatorze, abrigariam as atividades do centro administrativo, além de poderem ser alugadas para receber, restaurantes, pizzarias, centro de arte para crianças e adolescentes, livrarias, aluguel de trajes para teatros, antiquário, centro de gravuras, centro de formação de fantocheiros, centro de cursos de cozinha, centro de iniciação musical e aluguel para estúdios de artistas. A forma como os criadores do projeto imaginavam para a Vila ser desfrutada pode ser melhor entendida nos croquis abaixo.

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Com os diversos imóveis destinados ao aluguel, as rendas auferidas permitiriam ao centro tornar-se autossustentável e significar rentabilidade para municipalidade. Entre suas justificativas para essa mudança de uso da Vila estava a devolução da mesma a uma classe média trabalhadora, a qual era a usuária do espaço desde sua inauguração. O novo programa poderia assim atender a necessidade de lazer desta classe nas três formas existentes: na de descanso, na de divertimento, recreação e entretenimento e na de desenvolvimento. E como respaldo, no memorial do projeto é citado o trecho da Carta de Veneza onde se lê: “a conservação dos monumentos é sempre favorecida quando se atribui ao monumento uma função útil à sociedade”. Todo esse processo seria realizado em três etapas, a primeira consistindo numa recuperação, revitalização e restauração das casas acompanhada de uma supressão das construções provisórias e muros que seccionam o espaço livre. Conjuntamente contaria com uma complementação do piso externo com a execução do auditório ao ar livre, solução para o restabelecimento dos acessos originais e plantio de vegetação, além do início da instalação do programa.

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Na etapa posterior haveria uma supressão das casas entre a rua Martiniano e o palacete, a demolição de um edifício de três andares na rua Monsenhor Passalaqua visando a liberação do térreo para as demais infraestruturas requeridas pelo centro, complementação do uso esportivo, demolição de um prédio de três andares na rua Maestro Cardim e supressão da parte posterior do galpão.

A última etapa teria seus esforços concentrados no corredor comercial localizado na rua Pedroso, o qual passaria por uma reconfiguração para integração com a quadra. Portanto passaria a ser um único grande bloco de 100x40m, liberando cinco metros a mais ocupados pelos comércios atualmente. Este teria seu térreo livre, com construções nesse nível ocupando no máximo trinta por cento da projeção, seu subsolo, tendo o mesmo nível do pátio central da Vila, seria desfrutado por ela e seus dois subsolos seguintes teriam estacionamento como destinação. Seus espaços livres

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contavam com um projeto de paisagismo baseado em patamares para uma maior integração com a Vila Itororó.

Projeto Instituto Pedra_ Cartas Patrimoniais Antes de comentar nas intervenções de restauro geradas pelo Instituto Pedra e o quão bem-sucedidas essas foram é necessário primeiro entender as motivações gerais por trás dessas ações, uma vez que os memoriais descritivos e fotos do canteiro atual não elucidam as motivações e justificativas por trás de cada uma das decisões de projeto. Assim é imperativo entender qual visão de patrimônio norteia esse projeto, mesmo que apenas na teoria. As principais fontes conceituais são cartas patrimoniais, em específico a de Veneza de 1964 e a Declaração de Amsterdã de 1975, produto de encontros internacionais sobre o tema que sintetizam diretrizes gerais sobre como abordar patrimônio, manutenção, conservação, restauro, intervenção e a relação do bem tombado com o poder público e a população local de maneira condizente com a conjuntura contemporânea.

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O projeto apresentado no ano de 2014 e colocado em prática até o momento não preserva a função habitacional do conjunto de casas situado na Vila Itororó. O programa (ainda aberto) devido a discussões com a comunidade e interessados apresenta carácter cultural e educativo, em algumas áreas. A proposta formulada busca uma aproximação cultural e de oficinas. O método de restauro apresentado coloca em dúvida se os momentos históricos serão preservados ou se será feita uma reforma baseada somente no projeto original, descartando qualquer interferência social e histórico que o conjunto sofreu até o momento. Abaixo estão algumas imagens (feitas em 2014) que revelam a intenção final do projeto realizado naquele momento.

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“O uso do espaço será multidisciplinar, com a aproximação de temas como a valorização do patrimônio histórico, artes, educação, gastronomia, lazer e entretenimento. O projeto prevê espaços de lazer e convivência. Um museu multimídia sobre a Vila Itororó e a história de São Paulo na década de 1920 funcionará dentro do complexo que receberá, ainda, residência artística, salas de ensaio, espaços de cinema, teatro, dança, circo, oficinas e playground para crianças” (Prefeitura de São Paulo, 2014, ArcoWeb)

Situação no Canteiro Atualmente o Conjunto da Vila Itororó esta sob obras e aberto a visitações. O acesso se faz pelo Galpão na R Pedroso, que apesar de não pertencer ao conjunto original, teve uma das paredes abertas para dar acesso ao interior da Vila. Curiosamente a R. Pedroso foi a única rua que nunca teve um acesso direto para ela, e as outras 3 entradas VILA ITORORÓ: PERCURSO HISTÓRICO

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estão todas fechadas. Apesar disso ela era considerada o principal ponto de acesso à Vila desde a proposta de Benedito Lima. O Galpão serve além de entrada oficial do Canteiro Aberto, como ponto de encontro para várias atividades, oferecendo uma ampla programação durante seu horário de funcionamento. Gerenciado pela Prefeitura a proposta é de ser “uma praça coberta” e permite uma alta gama de atividades e um uso contínuo de interessados.

Na vila propriamente dita, nem todas as casas da sua vida como moradia sobreviveram, uma das casas próximo ao acesso do Galpão foi demolida para criar uma vista ininterrupta do Palacete. A única marca remanescente é o desenho no limite declive perto de um conjunto de escadas que leva ao centro da Vila.

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A maioria dos edifícios e casas ainda não sofreram intervenções e seu estado mostra as várias marcas do tempo como subdivisões, grafites, alterações na passarela, paredes adicionadas pós construção, etc. Além de, por causa do seu estado de semiruína mostrar os materiais que as compõem, mostrar a conformação de tijolos nas colunas, os antigos trilhos de trem resgatados de demolições funcionando como vigas. Se essa alterações e situações de “honestidade estrutural” serão mantidas, e em qual grau alteram a leitura do conjunto ou dificultam a consolidação dos edifícios é impossível saber. Mas analisando o primeiro dos edifícios totalmente restaurado, a casa n°8, a preocupação em mostrar algumas das marcas dos moradores é presente com a permanência no seu exterior um grafite do final da época ocupada. No entanto a casa apresenta revestimento que não mostra o seu material construtivo, em concordância com registros fotográficos.

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Outro conjunto de casas em finalização, as casas n° 5 a n°7 esperam acabamento e instalações elétricas, apesar do uso para o conjunto ainda não ter sido definido. Os vazios abaixo das escadas aparecem fieis à conformação original que aparece em registros fotográficos. O aspecto presente, sem revestimento, que será mimetizando tijolos é de paredes concretadas.

O resto dos edifícios, incluindo o Palacete que será o último dos restaurados estão no mesmo estado que no levantamento, ou nos primeiros estágios de consolidação e restauro. Com a única exceção da antiga sede do Clube Éden que hoje é ocupada pelo Instituto Goethe. A piscina que nos anos 90 serviu como tanque de tingimento esta esvaziada e os arcos que a adornavam foram removidos em algum ponto indeterminado no tempo.

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Outras remoções e demolições incluem a garagem de vidro e os vasos nos topos das colunas do Palacete, esses últimos para restauro dentro do Galpão. O piso de paralelepípedos presente na ladeira para o acesso à R. Monsenhor Passalaqua aparentemente será trocado por um de blocos de concreto intertravado. Outro ponto de interesse são as marcas nos tijolos de várias olearias e uma comemorativa da passagem do Cometa Halley em 1910. As únicas adições além das subdivisões dos edifícios foi um reforço da passarela de acesso a Rua Martiniano de Carvalho que originalmente era metálica e foi concretada.

Comentários Finais_ Infelizmente, os materiais disponíveis limitados atualmente, o estagio ainda precoce da obra, a falta de um memorial que justifique as decisões projetuais tomadas e o conteúdo dos próprios memoriais descritivos, limitados a planos ações técnicas e especificas de pré-consolidação a serem realizadas e planos ações de levantamento mais especifico de dados para uma ação de restauro mais informada além de diretrizes gerais que guiem o restauro de cada bloco. Essa falta de dados concretos além de fotos e plantas oficiais torna impossível uma analise conclusiva das ações do Instituto Pedra. Por isso só serão feitas suposições baseadas nas ações inacabadas feitas até o momento. Apesar de uma excepcional participação popular, principalmente da antiga comunidade moradora nas decisões de uso e gestão da obra as decisões projetuais continuam sob grande controle do grupo responsável. Algumas dessas decisões causam no mínimo hesitação quando vistas sob a ótica do sutil equilíbrio de criar uma leitura clara do conjunto, respeito à sua conformação original ao mesmo tempo

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mantendo marcas do tempo e a não criação de um falso histórico e respeito a matéria como meio de transmissão da obra. Cesare Brandi, um grande teórico do restauro, em seu texto “O Conceito da Restauração”, apesar de discorrer primeiramente sobre obras de arte no estrito senso e de maneira bastante genérica, serve como bom anteparo no quesito teórico, dos limites, muitas vezes contraditórios, que um bom restauro deve se inserir. Esse é o caso do estado atual, e ações planejadas para as casas n° 5, 6 e 7 que, apresentam após o restauro paredes concretadas em ângulos perfeitos e um falso relevo de tijolos na contraverga das janelas (presente desde a década de 1970, no mínimo). Isso somado com o plano de colocar um revestimento cerâmico mimetizando o mesmo tijolo embaixo da argamassa, e infinitamente mais autentico é uma escolha no mínimo estranha que só poderia ser justificada por uma mistura de instabilidade material onde o cobrimento das paredes fosse necessário para garantir a consolidação dos edifícios, e uma mudança radical nas diretrizes para esse 3 edifícios uma vez que o memorial descritivo do conjunto revela a decisão de passar uma argamassa única, remetendo à registros fotográficos dos anos 30 e 70. No entanto, a situação atual usa de materiais modernos para apresentar um falso histórico quando uma alternativa historicamente autêntica está aparentemente disponível.

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É importante lembrar que a falta de dados físicos levantados e a confiança cega em dados secundários (plantas e fotos) é uma falha sistemática, evidenciada pelo conteúdo dos memoriais descritivos, que se limita a planos de ações de préconsolidação, planos de levantamento de dados específicos a esse fim, amostragem de dados levantados até o momento (fotos de várias épocas e plantas oficiais) e diretrizes gerais que oriente as futuras ações. Nenhum plano é feito de levantar as verdadeiras medidas dos edifícios para criar uma base de dados confiável e que permita análises menos ambíguas, principalmente em medições futuras, e um real conhecimento do conjunto. Infelizmente o Instituto Pedra não é o único culpado nessa cegueira. O próprio edifício da Graduação FAU-USP, construído entre 1966 e 1969 só foi sistematicamente medido em 2016, mostrando variações de 20 cm nas medidas, que em planta e teoria, são

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constantes. Evidência que até em prédios modernos, com uso, reformas e presença de pessoal qualificado constantes, a falta de uma sistemática de levantamento de dados diretos é um constante ponto cego na metodologia prática sobre patrimônio no pais. Uma crítica plausível aos projetos aqui abordados, que segundo o ArchDaily seria o mesmo pois o Instituto Pedra seria apenas o gerenciador -apesar das divergências entre as fontes e de nítidas diferenças entre os dois projetos-, é o fato de como ambos descartam a possibilidade da moradia como uso da Vila, mesmo este sendo o motivador de sua construção e vigente até a retirada dos moradores. Benedito apoiase na Carta de Veneza para tal mudança alegando ser o uso cultural útil à sociedade, porém, a habitação é igualmente importante e em lugares onde há crise de habitação, como São Paulo, torna-se ainda mais relevante. Tal pensamento exemplifica como aqui no Brasil ainda existe a ideia de que todo imóvel constituinte de nosso patrimônio deve ser utilizado nobremente, como museus, centros culturais, teatros, entre outros, mas não para usos cotidianos, encaixando nessa categoria, moradia, educação infantil, centros de reabilitação. Grave preconceito, pois, induz os leigos a ver edifícios tombados como intocáveis e inalcançáveis, tornando-se assim apenas um entrave para o desenvolvimento da cidade e um fardo para os cofres públicos.

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Referências ANDERSEN, Marlana. Intervenções no espaço urbano: o caso da Vila Itororó. São Paulo, 2007. BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. São Paulo, Ateliê, 2004. COGEP, Coordenadoria Geral de Planejamento da Prefeitura Municipal de São Paulo. Vila Itororó: Projeto de Recuperação Urbana. São Paulo, 1975. FELDMAN, Sarah. Vila Itororó: uma história em três atos = Vila Itororó: a three-act story / Sarah Feldman e Ana Castro; [tradução/English Version: Paula Zimbres]. - São Paulo: Instituto Pedra, 2017. -- (Cadernos Vila Itororó: canteiro aberto; 2) SANTOS, Maria Vitória Fischer dos. Projeto de Restauro para Vila Itororó. São Paulo, 2007. SILVA, Paulo. Desenhos sobre a história da Vila Itororó. São Paulo, 1981. TOLEDO, Benedito Lima de. Vila Itororó - São Paulo: Instituto Pedra, 2015. -- (Cadernos Vila Itororó: canteiro aberto; 1) https://www.arcoweb.com.br/noticias/noticias/vila-itororo-restaurada-convertidaespaco-cultural acessado em 5 de agosto às 19:42. Memoriais descritivos - Canteiro Aberto - Instituto Pedra Declaração Amsterdã - 1975 Carta de Veneza - 1964 Mapas: CESAD - FAUUSP

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