DRAG QUEENS
AGRICULTURA ALTERNATIVA BRECHÓS
(trans) v i a d o Nascimento “(trans)viado: Nascimento”; é o primeiro de uma série de ensaios inspirados na juventude transviada de 1950 e no questionamento dos padrões binários de gênero, uma andança com vários rumos dentro de si mesmo: do nascimento ao orgasmo.
Mod elo: Luc as Gonรง alv es
Por Mylena Melo
Editorial
por Camila Gonçalves
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MISSÃO CUMPRIDA A primeira edição da Aspas nos leva além da multiplicidade de assuntos de uma revista. Temas que inspiram nossos tempos, como qualidade de vida e diversidade, enriquecem o conteúdo, que ao mesmo tempo que incita é relevante. Reunir em cada página matérias que sejam desejáveis e informativas se torna um desafio que é de todos. Considero ser um dos pilares mais importantes que sustentam uma publicação a escolha de cada tema para cada matéria. A partir dessa escolha, começa o trabalho do repórter, que é de encontrar a melhor maneira de nos contar aquela história.
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A missão só se torna cumprida quando o trabalho começa a ganhar o corpo das páginas, e que então percebemos que a tradução do que queríamos ver se fez em cada linha. Como um amálgama, cada conteúdo é um elemento que separadamente funciona, mas que, quando colocados juntos, obtêm uma ligação perfeita. É o que a primeira edição da Aspas representa.
Nosso agradecimento especial à Arto Freitas e Larissa Brandão pela colaboração em ilustração, direção de arte e finalização da revista.
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Sumário 06. UMA PÁSCOA MAIS SAUDÁVEL Páscoa fitness: a resposta para não estragar sua dieta Por Isys Bastos
08. brechós: para além do bom, bonito e barato A arte de reciclar o guarda-roupa: garimpo bem sucedido nos brechós em Juiz de Fora Por Nicole Quintão
10. PERFIL DELEGADA SHEILA Delegada foi o fenômeno da última eleição municipal Por Amaurílio Carvalho
12. o cenário drag em juiz de fora e a nova geração Como a cena nacional e local se modificou ao longo do tempo Por Lucas Gonçalves
17. Se alimentar é um ato eminentemente político Modelos alternativos de agricultura propõe mudança de estilo de consumo Por Mylena Mello
21. poesia em prosa O Ungido ao Mar Por Henrique T. D. Pessinotto 05
Expediente Revista ASPAS da Faculdade de Jornalismo da Universidade Federal de Juiz de Fora, produzido pelos alunos da disciplina de Técnica de Produção em Jornalismo Impresso. Reitor: Prof. Drº. Marcus David Vice-reitora: Profª. Drª. Girlene Alves da Silva Diretor da Faculdade de Comunicação Social: Prof. Dr. Jorge Carlos Felz Ferreira Vice Diretora: Profª. Drª. Marise Pimentel Mendes Coordenador do Curso de Jornalismo Noturno: Prof. Mestre Eduardo Sérgio Leão de Souza Chefe do Departamento de Métodos Aplicados e Técnicas Laboratoriais: Profª. Drª. Maria Cristina Brandão de Faria Professores Orientadores: Profª. Drª. Maria Cristina Brandão de Faria Prof. Mestre Wendell Guiducci Repórteres: Amaurílio Carva, Débora Lisboa, Henrique Perissinotto, Isys Bastos, Lucas Gonçalves, Mylena Melo, Nicole Quintão. Edição e Diagramação: Camila Gonçalves, Caio Ferreira, Ruth Flores.
Uma Pascoa mais saudavel Desde o século XIX, quando se tornou o que conhecemos hoje, o chocolate é uma paixão mundial, que além de famoso por seu sabor irresistível, também é indicado em diversos estudos como grande aliado contra a ansiedade e o estresse. Entretanto, mesmo com estes e outros benefícios, o chocolate ainda apresenta alto teor calórico, exigindo moderação em seu consumo. Em datas como a Páscoa, segurar a boca acaba sendo difícil, e o feriado se torna uma grande desculpa para sair daquela dieta que ninguém aguenta mais, não é mesmo? Nem sempre. Em contrapartida aos “furões de dieta”, entra em cena um estilo de vida que cada vez mais toma espaço não só em academias, consultórios e lanchonetes, mas também no comércio de doces: o estilo fit ou fitness. Esse tipo de alimentação é famosa por aqueles que querem ter uma vida saudável, livre de gorduras e calorias em exagero, priorizando componentes como proteína e fibras. Segundo a técnica em nutrição Sinara de Oliveira, que já trabalha com o comércio fit de Juiz de Fora há 3 anos, esse segmento – que engloba desde produtos sem adição de açúcar, sem glúten, sem lactose e sem soja até os que contêm colágeno e whey protein, por exemplo – cresce em torno de 30% ao ano, não só devido a quem procura uma vida mais saudável, mas também em vista do grande número de pessoas intolerantes e alérgicas a algum dos componentes encontrados nos chocolates tradicionais.
Por Isys Bastos explica Sinara. Outra opção também é a alfarroba, destaque na procura dos produtos de Páscoa, uma vagem substituta do cacau, porém com sabor semelhante. “Ela é mais doce do que o cacau, que puro em si é muito amargo, mas naturalmente não tem glúten, nem lactose e nem açúcar”, conta ela. “Engana mesmo a vontade de comer chocolate.” Outro componente muito encontrado nos produtos fit é a biomassa de banana verde, que, segundo a técnica em nutrição, é muito saudável em diversos aspectos. “Ela funciona como um probiótico para o nosso intestino, vai aumentar a imunidade, melhorar a absorção de nutrientes e auxiliar na saciedade por ser rica em fibras.” A faixa de preço dos ovos de Páscoa fit varia de R$ 39 até R$ 70, considerando os comuns, trufados e de colher. As barras de chocolate e alfarroba também variam em tamanho e preço, estando as menores em uma faixa de R$ 2 a R$ 5, e as maiores de R$ 11 até R$ 20, considerando que o público também se diversifica cada vez mais, e assim, todo ano surgem novidades ainda mais específicas para atender as demandas do consumidor. Grandes empresas já buscam adaptar suas receitas, mas diversas lojas já se especializam no ramo e dispõem de um estoque com marcas e tipos para todos os gostos.
Para a Páscoa, a variedade acaba sendo impressionante. “Tem brownies, barras de chocolate e tem os ovos também, com a retirada do glúten e do açúcar, e os ovos com 70% de cacau”,
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Adotando o estilo de vida fit Com o crescimento do mercado de produtos mais saudáveis, não é difícil encontrar alguém que tenha decidido se dedicar a esse tipo de alimentação diária. A estudante de fisioterapia Nicolle Bastos Magalhães, de 25 anos, por exemplo, conta que decidiu ser fit depois que chegou à obesidade severa. “Dou preferência a produtos sem açúcar e sem farinha branca. Consumo bastante fibras, proteína, oleaginosas e verduras.” Há dois anos consumindo os alimentos fit, ela já nota uma grande melhora na qualidade de vida, com mais disposição, autoestima, qualidade de sono e redução da pressão arterial. Para a Páscoa e outras datas festivas, ela comenta que o doces fit são o suficiente. “Não acho que o gosto seja muito diferente, já que eu desacostumei a ingerir açúcar.” Já para Emily Villaquiran, publicitária e modelo de 23 anos, o gosto pela vida saudável surgiu há aproximadamente 5 anos, assim que começou a frequentar a academia. Com incentivo de amigos e professores, sentiu a necessidade de se desafiar e impulsionar os resultados que a musculação proporcionava, através de uma alimentação mais natural. Nesse sentido, ela afirma que a variedade de produtos que surgem no mercado só fortalecem esse compromisso com o corpo. “Os doces fit ajudam muito a não quebrar essa rotina da dieta.” Mesmo com os ovos, chocolates e brownies saudáveis, Emily afirma que ainda assim procura ter moderação ao consumir. “Gosto bastante de chocolate 70%, 80%, mas também não se pode abusar desse tipo de doce, porque querendo ou não, é um doce”.
Acompanhando a demanda de clientes Antenadas nas novas tendências no mundo dos doces fit, as estudantes de nutrição Marcella Duarte, 22 anos, e Allana Ramos, 21, que já faziam guloseimas caseiras para vender na faculdade, decidiram se aventurar pelo mundo dos produtos mais saudáveis. “A gente percebeu que as pessoas estão procurando por uma coisa mais saudável, mais integral e com menos açúcar, e acho que até pelo fato de sermos estudantes de nutrição, começaram a perguntar ‘ah, esse ovo é saudável?’, ‘tem ovo fit?’, e aí pensamos em criar essa versão”, conta Marcella. Trabalhando em cima da novidade que já tinham lançado para essa época do ano – um ovo de Páscoa com recheio de bolo e cobertura de doce –, desenvolveram um ovo fit com casca de chocolate meio amargo, bolo de banana sem açúcar e integral, com uma cobertura de pasta de amendoim, totalmente caseira e também sem adição de açúcar.
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A estudante afirma que agora, além das versões de ovo tradicionais, em que o cliente pode escolher o sabor do bolo, da casca e da cobertura de doce, há também no cardápio essa receita fit original, que, segundo ela, já está sendo pedida. “Tivemos encomenda dele, e talvez até por isso seja legal termos outros sabores. Como a Páscoa é nesse fim de semana, vamos manter o cardápio, mas vamos tentar pensar em alguma coisa mais saudável para adaptar para os docinhos que fazemos normalmente, para também atender a esse público, já que vem por aí Dia dos Namorados e Dia das Mães”, completa. O preço dos ovos tradicionais é R$ 32, e a versão fit, R$ 38.
Brechós: para além do bom, bonito e barato A consciência de vendedores e consumidores que optam pelas peças de segunda mão. Por Nicole Quintão Um brechó é uma loja de artigos usados. Roupas, calçados, objetos e acessórios que, por algum motivo, já não são interessantes para o dono. Uma forma de ganhar renda extra ou mesmo exercer a filantropia através da doação. Atualmente, há uma variedade de espaços que recebem esse nome, mas, apesar de pertencerem à mesma categoria, há características que os diferenciam entre si. Há brechós que oferecem peças vintages, que para alguns são ‘fora de moda’, mas que atraem os de estilo alternativo. Como é o caso de Bianca Colvara: “Eu sempre busco brechós vintages. Gosto muito dessas roupinhas com cara de mais antigas, sabe? Eu falo que meu estilo é mais esse”. Bianca, que começou a frequentar os brechós a convite de um amigo, gostou tanto da experiência que passou a ser uma prática comum e, hoje, confessa ser a sua primeira opção de loja quando precisa renovar o guarda-roupa. “Já aconteceu de eu não achar em um brechó e fui procurar em outro. É muito difícil eu comprar roupa em loja de departamento, só compro em raríssimas ocasiões. Brechó é muito mais comum para mim. Pelo preço, mas também pelo estilo de roupa que a gente encontra.”
S i ngu l ar Outra questão que a atrai é a exclusividade das peças que, segundo ela, é bem difícil nas lojas de departamento. “Tem um vestidinho lá em casa que só eu tenho. Vai ser muito difícil alguém ter um igual ao meu, e eu acho isso muito legal, ter uma peça exclusiva”, comemora Bianca. Há, também, os estabelecimentos que oferecem peças de marcas conhecidas, popularmente chamados ‘brechós chiques’, que funcionam, em alguns casos, também como outlet de marcas conhecidas. Esse tipo de comércio não atrai Geara Franco, uma consumidora aficcionada por brechós, que não os têm como sua primeira opção de loja, mas não perde a chance de entrar e tentar garimpar peças, quando encontra algum. “Eu compro em brechó desde que comecei a ganhar dinheiro com meu trabalho, em 2014, no
início da faculdade”, diz Geara. “Eu sempre entro, porque penso: vai que eu acho um diamante ali. Eu não gosto de brechó chique, brechó chique acho que não é brechó. Acho tudo caro. Eu não gosto de brechó chechelento.” Mesmo que as peças não sejam de marca, a estética da loja física, o atendimento, tudo contribui para melhoria nas vendas. É o que diz Neide Aparecida, gerente em um brechó infantil em Juiz de Fora. Ela conta que, por ter um espaço bem arrumado, com peças muito bem selecionadas, há quem só perceba que é brechó quando vai finalizar a compra, mas garante que nunca alguém desistiu por isso. Pelo contrário, na loja em que trabalha são comuns elogios à qualidade das peças e aos donos anteriores pelo capricho com as mesmas.
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Uma opção sustentável e filantrópica Hoje as diversas possibilidades de compra e facilidade de crédito incentivam, em alguma medida, aquisições sem muita análise prévia. Adquirimos muito e descartamos tudo na mesma proporção, mas como frear esse consumismo? Os brechós são uma opção a ser considerada, mas vender algo que não se usa mais não pode soar um pouco egoísta, se pensarmos na possibilidade da doação? Neide Aparecida, gerente de um brechó infantil em Juiz de Fora, afirma que é uma opção que se agrega positivamente à ideia da doação, pois, por serem peças mais baratas, há pessoas que compram para doar. E, segundo ela, na loja em que trabalha, quando tem alguma peça que não atende ao perfil de venda e passa despercebida pela triagem que fazem antes de aceitá-la, a doação é feita pela própria loja. Separar um tempo para organizar o guarda-roupa e fazer uma seleção é por si só um ato sustentável e que, em alguma medida, envolve uma responsabilidade social, pois a pessoa parte
do princípio do desapego. Mesmo que as peças sejam destinadas à venda, no brechó elas serão necessariamente mais baratas e, portanto, ficarão acessíveis a quem não teria condições de comprá-las em outra situação. Léo Barbosa, que se intitula ‘brechozeiro’ desde que tem autonomia para escolher suas roupas, comenta que, além do preço e da exclusividade das peças, o princípio sustentável por trás do ato é um atrativo. “Quando você compra uma roupa usada, você reutiliza uma peça que talvez teria sido descartada, jogada fora ou ficaria no guarda-roupa de alguém, sem utilidade nenhuma. Assim, você dá vida útil à peça.” Léo ressalta a interessante mobilização de igrejas, ONGs e associações para a organização de bazares que têm intuito beneficente. O que, segundo ele, é uma iniciativa que exemplifica como o brechó não impede a doação: pelo contrário, em alguns casos, é uma forma de angariar fundos para fazê-la.
De casa para o mercado - Recicle o guarda-roupa Célia Loures, dona de um brechó em Juiz de Fora e que cresceu em uma família com quatro irmãs, lembra que uma roupa passava para a outra, então a ideia de reutilizar nunca foi um problema. E foi seguindo esse ideal que surgiu a ideia de abrir um brechó. No início, a loja só tinha peças do seu próprio guarda-roupa, mas com o tempo conseguiu captar novas peças de clientes que apareciam dispostas a vender. Célia formalizou um contrato de consignação que, segundo ela, sempre funcionou muito bem. Hoje, infelizmente, há apenas uma arara de brechó na loja, o resto são peças novas. Célia trabalha como outlet das marcas Morena Rosa, Bana Bana e Libélula, mas, ainda assim, não pretende abrir mão de sua ideia inicial. “Acho que eu fui a primeira pessoa a chegar no centro de Juiz de Fora e dizer: ‘Eu tenho um brechó’. Aqui tem um pouco de preconceito, acho que por ser uma
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cidade pequena. Mas eu não quero perder isso (o brechó), eu viajo muito e lá fora é tão normal, é tão bom.” De acordo com Célia, no Brasil, as pessoas tendem a sentir vergonha. Não gostam de ser vistas entrando em brechó e muitas têm dificuldade para admitir que compraram em um. “Já atendi cliente que estava pegando alguma peça e, quando eu falei que era brechó, não colocou mais a mão na roupa. Eu costumo dizer que a única coisa que roupa carrega é linha. Energia não existe, mas há quem acredite nisso.” A empresária conta que ainda há duas clientes que trazem peças para o brechó na loja. Uma, inclusive, está viajando para fora do país e já prometeu que trará mais peças para preencher a única arara restante. O que a deixa muito satisfeita, pois, mesmo que em menor quantidade, ela recusa a ideia de manter a loja sem o brechó, pois foi a partir dele que ela se tornou empreendedora.
Entrevista
Sheila Oliveira, vereadora e delegada de polícia A revista “Aspas” foi conhecer melhor o fenômeno das últimas eleições em Juiz de fora e traz com exclusividade um pouco mais da intimidade de Sheila Aparecida Pedrosa de Mello Oliveira, ou como é conhecida em Juiz de Fora: Dra. Sheila. Sheila tem 37 anos, é casada, natural de Presidente Prudente (SP), onde morou até janeiro de 2001, alternando mudanças para Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Itaguaí (RJ), indo e voltando para Presidente Prudente, onde se formou em direito. Ela mesma explica o que a levou para a polícia. “Na verdade eu tenho muitos familiares que são da Polícia Militar. Meu namorado na época, hoje marido, também fazia Direito, passou no concurso para delegado de polícia no Estado de São Paulo, e a partir daí mesmo, na faculdade, eu decidi seguir a carreira policial e fui estudando para concursos na área”, conta Sheila. Cristã, ela é mãe de quatro filhos, todos nascidos em Juiz de Fora - José Elias, de 10 anos, e os trigêmeos Marcos, Moisés e o André, 7 - e encara a vida com uma missão: não temer os desafios. “Quando aprovada para a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro trabalhei na parte de homicídios, com muita investigação, adrenalina, um trabalho muito operacional. Acho que foi um dos lugares que mais gostei de trabalhar.” Àquela altura, o marido de Sheila trabalhava como delegado no Rio, mas passou no concurso para juiz de direito em Minas Gerais. “Aí me vi obrigada a estudar para acompanhá-lo, foquei, estudei e fui aprovada para delegada em Minas, tomei posse em junho de 2006, trabalhando na delegacia regional de Ubá, Guarani, Piraúba e outras cidades interioranas.” A transferência para Juiz de Fora veio no início de 2009,
como delegada de plantão e outras distritais, até, a convite da cúpula da Polícia Civil de Minas Geras, tornar-se a primeira mulher a ser delegada regional em Juiz de Fora. Era um trabalho de perfil administrativo, desafiador, diferente do meu perfil, mas que serviu de aprendizado. Atualmente divido os plantões na Delegacia da Mulher e na delegacia em Santa Therezinha.” Outro desafio veio com o nascimento dos filhos. “Ficava muito tempo sem dormir: quatro crianças pequenas e três amamentando, tempos de menos de 2 horas de sono. Desafio muito grande, nasceram prematuros, adoeciam muito por problemas respiratórios, gripes, pneumonias. Não foi fácil.” Embora muitas pessoas dissessem que ela pararia de trabalhar, sairia da polícia, Sheila seguiu em frente. “Continuei e deu certo, claro que nada disso sozinha, conto muito com meu companheiro, meu marido é muito bom, paciente, gosta de crianças, e minha mãe também, sempre que eu preciso ela vem do Rio e me ajuda.”
Um Salto Segundo Sheila, depois de ocupar o posto de delegada regional, pôde perceber o abandono do Governo em relação ao número de efetivo e estado dos equipamentos. “Os colegas comentavam que precisamos eleger um representante da Polícia Civil para termos mais voz ativa. Existia somente um deputado federal, o delegado Edson Moreira, nenhum estadual e vereador nenhum. Começaram a me incentivar a lançar candidatura. No início eu recusava, mas com a insistência dos colegas e convites de vários partidos, fui amadurecendo a ideia.” Esse processo demorou um ano e dois meses. Como delegada, Sheila já
demonstrava preocupação em relação à violência contra a mulher, mesmo não tendo ainda trabalhado na Delegacia da Mulher. “Comecei a entender de maneira mais sutil como poderia ajudar. Percebia a fragilidade da proteção da mulher em nossa cidade.” E a população talvez tenha percebido isso. Sheila foi a vereadora mais votada da história de Juiz de Fora, com 9.921 votos. “Não esperava que eu fosse a mais votada, fiquei muito feliz. Só que a responsabilidade aumenta e você nota que as pessoas estão confiando em você porque a população está cansada do mesmo, dos políticos profissionais, de nada ir para frente. Tenho consciência disso”, pondera Sheila. “Não vou corresponder expectativas individuais de ninguém, o político deve estar ali para olhar o bem comum, fiscalizar o Executivo, elaborar leis para a coletividade, propor a realização de projetos de bem comum na sua área de atuação, mas o que eu puder fazer para ajudar a coletividade, farei; não sou política para assistencialismos e em minha forma de pensar essa visão é distorcida pela população e pelos políticos que a fazem. Meu jeito de fazer campanha foi diferente e minhas atitudes como política serão diferentes também.”
futuro Segundo Sheila, se a experiência for positiva como vereadora, ela poderia no futuro concorrer a uma vaga na Assembléia Legislativa, mesmo esse não sendo um projeto pessoal e tendo que pesar o fato de que, se fosse eleita, teria que se licenciar do cargo de delegada de polícia. Pesa o fato de a categoria dela não ter nenhum representante estadual. “E a segurança como um todo deve ter um representante, mesmo que não seja eu. Se houver outra pessoa em condições de concorrer, eu prefiro, mas se não houver opções não vou declinar aos desafios.”
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Por Amaurílio Carvalho
Cenario drag A realidade em Juiz de Fora e a nova geração Drags: artistas performáticos que se transformam com o intuito profissional ou artístico. Historicamente, o costume de se montar começa séculos atrás, em um cenário teatral onde os homens representavam a figura feminina, uma vez que que mulheres não podiam ocupar este espaço. É evidente que a arte drag começa em um cenário completamente machista, onde mulheres eram proibidas de participar das apresentações. Todavia, a jornalista drag que vos fala tentará desconstruir este modelo engessado e defasado no decorrer desta matéria. Drag é arte, cultura, entretenimento e não possui gênero. Qualquer pessoa, independente de sua orientação sexual ou identidade de gênero, pode se montar, sem rótulos e pré-requisitos.
Mas como isso começa a se popularizar? As drags, tais quais falamos hoje em dia, começaram a surgir em peso nos anos 1950 e 1960 (principalmente nos Estados Unidos), mas tiveram seu ápice no decorrer dos anos 1980 e 1990. Neste cenário, as drags ainda eram muito invisibilizadas e estavam diretamente relacionadas ao underground. Uma figura que se tornou popular na época foi Harris Glenn Milstead, conhecido mundialmente pela personagem Divine, que protagonizou os filmes “Pink Flamingos”, “Problemas femininos”, “Polyester” e “Hairspray”. Todos dirigidos pelo diretor John Waters. Não posso deixar de mencionar também a pioneira Marsha P. Johnson, drag norte-americana que esteve a par da icônica Revolta de Stonewall, em 1969, conhecida como a primeira reação LGBT frente ao preconceito, e que dá origem ao Dia Internacional do Orgulho <?>LGBT. O filme australiano “Priscilla, a Rainha do Deserto”, de 1994, também foi responsável pela popularização da cultura da montação. Na década de 1990, observamos a inserção da cultura drag na mídia por RuPaul, a celebridade drag queen mais famosa atualmente, apresentadora do programa “RuPaul’s Drags Race”, no canal de TV VH1.
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no brasil O cenário drag queen no contexto nacional também é importante para a arte drag mundialmente. De 1972 a 1976, por exemplo, tínhamos o grupo Dzi Croquettes, que realizava diversos monólogos alternados. Era apresentado por homens com visual exuberante, maquiagem pesada e trajes femininos. Os Dzi Croquettes, inclusive, resistiram à opressão militar e conquistaram destaque internacional. Nomes como Márcia Pantera, Kaká Di Polly, Veronika, Lorna Washington, Deydianne Piaf, Lola Batalhão, Isabelita dos Patins, Silvetty Montilla, e várias outras, foram imprescindíveis para o despertar da arte drag no país. Todas apresentam carreiras
consolidadas há décadas e foram importantes para a popularização do fazer drag no Brasil. Também é oportuno mencionar as paradas do Orgulho LGBT, palco para o surgimento e fortalecimento de diversas drag queens nacionais. Em Juiz de Fora, desde 1977, acontecia o concurso Miss Gay, responsável por consolidar a carreira de várias transformistas da época. O evento foi aprimorado pelo Movimento Gay de Minas (MGM, hoje inativo), dando espaço à Rainbow Fest e ao surgimento da Parada Gay em Juiz de Fora. Atualmente, não temos mais nenhuma das atividades.
Boate Stand Up
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Uma tese de mestrado desenvolvida por Rodrigo Souza Silva, no Instituto de Artes e Design da UFJF, trabalha a figura drag queen e suas múltiplas possibilidades de existência. Nela, Rodrigo aborda um pouquinho do cenário daqui e conta sobre grandes nomes de drags que residiam na boate: Hudson/La Beauty, Maycon/ Kinaidos e Rafael/Kathlyn. O pesquisador desenvolveu juntamente de amigas o documentário “Dressed as a girl”, retratando a experiência das três na boate Stand Up casa noturna que acolhia as queens locais e funcionava na Avenida Getúlio Vargas, sob a direção de Celso Maranhão e DJ Diego. Kinaidos, umas das queens participantes do documentário, falou sobre sua experiência. “Comecei com a drag em 2008 ou 2009, se não me engano. Eu havia acabado de terminar um namoro e estava depressivo, eu precisava de algo para fugir da depressão. Foi quando eu escapei da realidade criando um personagem. A Kinaidos é bem diferente de mim, muito diferente mesmo.” Segundo ele, sua fama na internet gerou polêmica, e a notícia sobre estar se montando chegou rapidamente ao ex. “Ele odiava drag queens e era uma delícia saber que ele era ex de uma. Sendo drag eu poderia ser quem eu quisesse, quando eu quisesse.” Além de história, Kinaidos também deixou na cidade uma filha (termo utilizado para designar a pessoa que é inserida no mundo drag por outra drag): Amanda Fierce. A drag queen, que também já se apresentou na Stand Up, é reconhecida em Juiz de Fora pelo trabalho que desenvolve atualmente. “Eu ficava na webcam com dois amigos, um também ficava testando maquiagem comigo, o outro já era drag residente em Juiz de Fora, futuramente seria meu ‘pai drag’”, contou Igor S. Filgueiras, o homem por trás de Amanda Fierce. “Com 19 anos esse amigo me inscreveu no ‘Novos Talentos’, que tinha na boate Stand Up... no ano que participei, não houve ganhadora, porém as cinco finalistas foram contratadas pela casa.”
E m b o r a Amanda tenha participado de tempos de glória da Stand Up, ela pertence a um cenário muito diferente do de Kinaidos. A Stand Up logo fechou as portas. O que se tinha posteriormente eram festas organizadas pelo MGM. Neste contexto, artistas como Eduardo/ Duda Flux e Wagner/Beyoncé Ravell também conquistaram notoriedade e são reconhecidas não só na cidade, que carece de espaço para elas, mas em várias outras que lhes dão reconhecimento. Outro nome drag que continua consolidado no cenário drag de Juiz de Fora é Tiago Capuzzo, conhecido na noite por TITIago. A drag queen, que já lançou vários videoclipes e também se apresentou na Stand Up, comentou a respeito de como era a cena na cidade: “O cenário drag em Juiz de Fora há seis anos, quando comecei a me montar profissionalmente, era incrível. A Stand Up
O fim
abriu muitas portas para todos que tinham essa vontade de ser drag”. De acordo com TITIago, havia também o concurso “Novos Talentos”, que ela teve a oportunidade de apresentar por dois anos. Ela comenta que neste período surgiram shows de peso, como de Ikaro Kadoshi, Striperella, Lysa Bombom, Robytt Moon, Leona Top Fluor, Kayka Sabatella, Fernanda Muller, La Belle Beauty e muitas outras. A drag queen ainda ressaltou que, com o encerramento da Stand Up, houve a desistência de muitas queens locais. “Depois do fechamento muitos resolveram parar de montar, mas eu persisti, me atualizei e não deixei o meu personagem se apagar, com muita determinação, porque amo o que faço”, ressaltou TITIago.
A atual cena local O que a atual geração de drag queens apresenta de diferente da antecessora? Como narrador, observador e personagem deste texto, me insiro aqui novamente para questionar você, que chegou até aqui: seria o acesso livre à internet? Seria o livre acesso ao popular “RuPaul’s Drag Race”? Será a abertura (mesmo que não total) que os movimentos sociais proporcionaram? Caminhamos para um mundo pós-moderno desprendido de estigmas que são intrínsecos na sociedade atual? Temos mais visibilidade atualmente que as drag queens que se apresentavam na falecida Stand Up? Segundo Amanda Fierce, a resposta é a autoafirmação. Para ela, as drags atuais exploram muito mais o que pode ser aproveitado de suas personagens. “Não se prendem a um estereótipo... um dia de barba, outro de sereia, outro de alien, outro de humano e assim por diante. E a expressão cultural é mais forte, mais difundida. Minha drag nasceu na época que drag e mulher trans andavam ‘juntas’ na luta, então o quanto mais feminina fosse, melhor. Androginia era um tabu... Drag sem peito? De barba? Sovaco cabeludo? Era absurdo”, comenta Amanda.
De fato, o cenário atual tem tudo isso. Lucas Zonta Rodrigues, ou melhor, Lily-Th, observa a figura drag não apenas como o feminino exagerado, mas também como algo não humano. “Acho que por isso busquei a ideia de ser um demônio. Tenho muitas referências diferentes.” Suas referências estão em drags como Alma Negrot, Azazel, Ivanonvic e Hellonix, além de referências em torno dos club kids (drags de estética psicodélica e fantástica) antigos e atuais. GárNea, personagem do estudante de ciências humanas Daniel Schaefer, surgiu em 2016 e bebe de referências similares. Para ela, sua personagem representa um ser que vem de uma dimensão paralela à que vivemos. “Costumo dizer que é uma elfa da floresta que tem tentado sobreviver no nosso mundo urbano. Minhas referências vêm de algumas drags como a Alma Negrot, Kinaidos Sammael, Wandera Jones, e é inevitável para um ‘little monster’ que faz drag não pegar uma referência da Lady Gaga”, comenta.
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Feminilidade Outras drags como Luna Dilaurentis, Giselle Luzon, Nina Spektor e Pabloka representam, em suas personas, o mais próximo ao padrão de feminilidade estabelecido. Isso se deve à popularização da arte drag, graças ao reality show “RuPaul’s Drag Race”. O programa trouxe à tona uma nova geração de drags queens, com idade média entre 19 e 28 anos, que buscam proximidade estética com as participantes do programa. Luna DiLaurentis começou a se montar depois de assistir “RuPaul’s”. “Comecei a fazer drag há 7 meses, primeiro por influência do reality mais queridinho entre as gays, mas depois vi que existe um universo totalmente fora daquele meio e que também é incrível. Luna representa coragem, extroversão e empoderamento, porque ser drag é bem mais do que colocar um salto alto e uma peruca! Ser drag é ter a capacidade de colocar um salto e uma peruca e dizer: ‘sim, eu sou drag e não vou deixar que seu preconceito acabe comigo’.”
Uma questao financeira Embora exista estas multiplicidades estéticas de drags locais, ainda há uma barreira para remuneração e visibilidade destes artistas na cidade. Poucas são aquelas que têm conquistado notoriedade, sem contar também que a remuneração para as performers é escassa. Mas isso não impede que o trabalho de algumas alcance proporções maiores. É o caso de Femmenino, personagem do estudante de Artes Nino de Barros. Femmenino protagonizou o documentário de 26 minutos “Feminino”, que foi exibido no festival Fringe! Queer Film & Arts Festival, em Londres, Inglaterra, e outras mostras. “Não imaginava todo este impacto. Fizemos o filme pensando em um contexto local e acabamos alcançando novos horizontes. Fico feliz em ser reconhecido fora do Brasil como um artista exuberante e desafiador”, afirmou Nino em entrevista ao repórter Mauro Morais no jornal “Tribuna de Minas”. Ele é conhecido também por fazer parte do bloco carnavelesco e coletivo artístico Realce e por apresentar o Som Aberto (evento organizado mensalmente pela UFJF). A persona de Nino é uma extensão de sua própria personalidade, mesclada a um leque de possibilidade e referências externas e estéticas.
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Mulheres drag queens
“No começo foi bem difícil, porque eu acreditava que mulheres não podiam fazer drag. Então, só me montava dentro de casa e tentava não dar muitas asas ao que eu fazia, com medo de estar ocupando um espaço que não me pertence (mas que hoje eu tenho certeza que pertence sim, viu, mulheres?) Conheci o coletivo RiotQueens (com mulheres drags do Brasil inteiro) pela internet e elas me acolheram e me deram todo o suporte que eu precisava para me assumir drag. Então a Vlada nasceu no fim de setembro, depois de um looongo período de incubação!”
A arte da montação foi por anos restrita apenas aos homens gays, como mencionei acima. Acontece que o machismo é estrutural e não está desvinculado de nossa comunidade, majoritariamente ocupada por homens cisgênero. Todavia, há sim pessoas que fogem desta concepção de “homem gay que é drag”, fazendo um trabalho maravilhoso, inclusive em nosso atual cenário de drags juiz-forano.
Vlada Vitrova, personagem de Letícia Vitral, doutoranda em Literatura Comparada em Växjö, na Suécia, está convicta de que é drag desde quando nasceu. Segundo ela, sempre gostou de se vestir de forma diferente e sempre foi contra a imposição de gênero que a permeava por ser mulher. “Use roupas discretas, batom vermelho é coisa de puta, fale baixo, senta direito, se preocupe 100% com que os outros pensam, seja respeitável, não beba em festa. Isso sempre me incomodou e me casou muito sofrimento”. A personagem, definida por ela como uma espiã soviética, a serviço na Alemanha Oriental, com dupla identidade e licença para matar, informou ter passado por dificuldades para dar vida a Vlada.
Por Lucas Gonçalves
‘Alimentar-se é um ato eminentemente político’ Modelos mais sustentáveis de agricultura estão colocando em xeque o atual modelo de consumo e estilo de vida da população brasileira Por Mylena Mello Segundo o livro “Agroecologia princípios e técnicas para uma agricultura orgânica sustentável”, publicado em 2005 pela Embrapa, o termo “agricultura sustentável” apresenta mais de 60 definições (veja arte). De maneira geral, estaria associada à capacidade de produzir alimentos para a atual população mundial, sem comprometer a produção e alimentação das gerações futuras. A Constituição Brasileira coloca a cargo do Estado a organização do abastecimento alimentar do país, mencionando o controle de seu teor nutricional. Leonardo Carneiro, professor do curso de Geografia da UFJF e coordenador do Núcleo de Estudos em Agroecologia (NEA), afirma que essa relação tem se dado em prol do fortalecimento do agronegócio convencional, e que algumas políticas públicas voltadas para a pauta acabam por ignorar as características básicas da agroecologia e da produção a partir de pequenos produtores, como o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), que tem como principal objetivo inserir o pequeno produtor na cadeia do agronegócio. “No fundo, o Estado é o grande orquestrador de seu território: é o conjunto de leis e de políticas públicas que favorecem a um ou a outro modelo; é o Estado que opta por qual modelo evidenciar”, afirma Carneiro. “Como a lógica do Estado é, grande parte, fruto do conjunto das relações de poder político, é nesse campo que as decisões são tomadas, sobretudo no Executivo e no Legislativo, mas também no Judiciário. E aí ganha mais quem está mais perto do poder, por isso a força que o agronegócio vem tomando no país. Eles estão sempre ao lado do Estado, mesmo quando governos de esquerda são eleitos.”
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Carneiro ainda aponta como a qualidade nutricional dos produtos provenientes do agronegócio é duvidosa. “Não há produção diversificada, os conflitos sócioambientais são inúmeros – como a consequente desterritorialização dos povos tradicionais (indígenas e quilombolas), o desmatamento, a contaminação do solo, do ar e da água, a diminuição da biodiversidade, dentre outros. Este é um modelo agrícola baseado na desigualdade social, na devastação ambiental e na concentração de terras e de poder econômico, e que também se traduz em poder político”.
Revolução Verde A intensificação desse modelo de agricultura baseado na mecanização, uso de químicos e sementes modificadas, no Brasil, se dá a partir da Revolução Verde, que surge internacionalmente na década de 1950 e se consolida no país a partir da década de 1970. Tatiana Gomes, da direção regional do MST, moradora e produtora de leite do Assentamento Dênis Gonçalves, em Goianá (MG), aponta que a justificativa para a implementação do modelo seria a erradicação da fome no planeta, mas que esta promessa não foi cumprida e ainda impacta diretamente a vida do trabalhador do campo.
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“O agronegócio não produz alimentos para a população, na verdade. Ele produz commodities, mercadorias para exportação, e para manter a balança comercial e o superávit. Tem vários companheiros e companheiras que são assentados hoje no MST que trabalhavam em fazendas, que batiam veneno, e estão com a saúde arruinada, com sequelas horrorosas do que eles fizeram. Inclusive muitos deles no meu assentamento. Tem um bocado de gente de Piau, que trabalhava na produção de banana, que bateu tanto veneno que está com sequela horrorosa hoje”. Segundo o Sinitox (Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas), entre 2007 e 2011, ocorreram quase 30 mil casos de intoxicações por agrotóxicos de uso agrícola.
impactos à saúde Além da contaminação do solo, ar e lençol freático, o uso de agrotóxicos pode trazer riscos à saúde humana. Estudo desenvolvido pela Fundação Oswaldo Cruz em 2014 mostra que a ingestão de alimentos cultivados à base de agrotóxicos e o manuseio dos mesmos pode causar câncer, disfunções do sistema hepático e reprodutor, dada a alteração da produção hormonal, além de problemas respiratórios e doenças degenerativas, como Parkinson e outros distúrbios neurológicos. Ainda há uma carência nas pesquisas sobre as consequências do consumo de transgênicos, mas, segundo a Embrapa, 90% das pesquisas de engenharia genética visam a obter plantas resistentes ao uso de herbicidas, permitindo o uso mais intensivo desses produtos.
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Os modelos de agricultura e consumo impactam vidas Os questionamentos ao modelo hegemônico de agricultura atual, baseado no latifúndio, monocultura e exploração do trabalho, também impactam o estilo de vida das pessoas. “Me tornei vegano porque acredito que é uma forma melhor da gente poder viver no mundo. É uma das formas mais estáveis e menos agressivas ao planeta”, conta Guilherme Imbroisi, produtor cultural, que é vegetariano há dez anos e iniciou uma alimentação vegana (livre de quaisquer derivados animais) há sete anos. Ele também ressalta a necessidade de conhecer a origem do alimento: “A
importância de você saber o alimento que está consumindo é toda, você está colocando dentro do seu corpo, é seu lado mais delicado e sutil, é dentro de você”. Ele mesmo é responsável pelo cultivo de boa parte da sua alimentação, nutrindo uma produção orgânica e se baseando nas técnicas de cultivo de agroflorestas, que busca maior interação entre os elementos que compõem a biosfera, como explica Lucas Krasucki, produtor de processados (pães, geleias etc), na Fazenda Ananda Kiirtana, comunidade espiritual localizada em Belmiro Braga (MG). “Você
“A agroecologia a gente entende ela não só como um método, uma matriz tecnológica, mas como um modo de a gente viver. (...) Na agroecologia a gente parte de uma base de recursos que a gente já tem no próprio assentamento, e a partir daí é mais uma questão de observar o que a aquela terra pode produzir. É um outro jeito de produção. É uma outra lógica”.
(tatiana gomes, direção estadual do MST)
pode fazer agricultura orgânica e trabalhar com monocultura, pode plantar só alface orgânica. Se você usar insumo orgânico, é orgânico. A agroecologia tem várias formas, é uma coisa mais ampla. No princípio da agroecologia já não entra tanto a monocultura, mas você pode só plantar um consórcio tipo milho, feijão, abóbora. Já entra o policultivo. A agrofloresta já vai mais além, planta as culturas anuais, só que você já planta as perenes junto. Colhe as anuais, mas está formando uma floresta. A gente fala que é o sistema agrícola mais perfeito para o clima tropical, porque toda terra em clima tropical quer virar floresta”.
Se hoje a ampliação da produção agroecológica é possível, como indica a previsão do Ministério da Agricultura de crescimento do mercado em até 20%, com certeza isso se deve à luta política pela agroecologia. Por isso o simples prato de arroz e feijão se torna um ato político, como avalia Tatiana Gomes. “O ato de se alimentar é um ato eminentemente político. O que a gente come acaba sendo o que a gente vai ser, o que a gente é. O Brasil é o maior consumidor de agrotóxico do mundo, e não é o maior produtor de alimentos do mundo.”
Mercado Mesmo com a implementação de políticas públicas que incentivam a agroecologia e a agricultura familiar, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que exigem que escolas e instituições federais comprem no mínimo 30% de seus alimentos da agricultura familiar, e o aquecimento do mercado de orgânicos, cuja previsão do Ministério da Agricultura foi de movimentação de quase R$ 3 bilhões em 2016, pequenos produtores têm dificuldade de se consolidar no mercado. Segundo Lucas Krasucki, cada espaço tem suas peculiaridades. “Juiz de Fora tem uma dificuldade, São Paulo tem outra. Eu tenho dificuldade de comercialização. São Paulo não tem. São Paulo talvez você vá ter dificuldade de achar terra, pelo preço da terra. Numa feira eu atendo no máximo 60, 70 clientes. Enquanto numa feira de rua convencional você passa de 300, 400 clientes. Há cinco anos Juiz de Fora tinha um produtor orgânico. Com o Mogico (Associação Monte de Gente Interessada em Cultivo Orgânico), hoje a gente já tem mais de dez certificados. Mas é um mercado que começou agora.”
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O ungido ao mar Me falaram para vender quem sou, já que não tem espaço, o diferente se molda a aço para ser engrenagem na máquina de produção, repetição, transfusão do orgânico para a irreação. E se o pensamento for ativo, o corpo inquieto, os interesses dançarem múltiplos, fora de especialidade, mas por vontade, é completa disfunção, talento desperdiçado pelo foco quebrado. E se quem eu sou não for definido por profissão, e se minha profissão não tiver definição, e se o que eu sou só se definir na empatia multifacetada, curiosidade na medida que não sobra nem é dada. Me solte das amarras que criou, não sou seu padrão de mercada ou um trocado. Sem estar amordaçado, sou amor dançado para cada um que quiser me dar a mão.
Se me quiser como um soldado de chumbo saiba que serei o caído no fogo, fundindo o coração, que bate em mim por cada um de ti. E se me prender vou plantar meus pés no chão, ser raiz no seu interior e qualquer flor que nascer é meu fruto para você, então por favor espere, há de vir o tempo do florir. E se me quiser com pedras nas mãos e a violência for sua palavra que faz plantão, entenda que a vida é uma abstração e a minha vai ao vento sendo ao todo o ar para respirar, força alguma faz parar. Porque o amor ruge, e é escutado ao longe por aqueles que desejam mergulhar, sendo que, para cada pulsar o meu coração é o rugido do mar.
Por Henrique T.D Perissinotto
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colagem por larissa brandĂŁo