Escala Solar: A realidade é virtual

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AGRADECIMENTOS À minha família, pelo contínuo apoio às minhas escolhas e mudanças de rumo, por me amparar e por não me apressar nesse meu longo período de graduação.

À minha querida mãe Maria Candida, por ter me mostrado desde cedo a importância e a beleza do trabalho científico.

A Amanda, pelo amor e carinho, pela profunda amizade, pelas conversas, pelas opiniões sinceras, por me alimentar e por me cobrar nos momentos mais necessários.

Aos amigos, pelo apoio, pelas risadas, e por me aturarem mais uma vez falando dos planetas.

Aos colegas do Estudio Eter, pela perceria, pelas ajudas técnicas, por me darem o tempo e o espaço para a construção deste projeto, e pelo Oculus utilizado no desenvolvimento e apresentacão deste trabalho.

A todos os professores e educadores que me inspiraram e inspiram até hoje.



RESUMO Este trabalho descreve o desenvolvimento de uma experiência de percepção espacial de um modelo virtual do Sistema Solar em escala, utilizando a tecnologia da Realidade Virtual. Tratase de um tour virtual inserido no entorno volumétrico do Minhocão. Como pesquisa teórica, inicialmente são abordados o conceito de virtualidade e os processos de virtualização envolvidos na percepção humana. Além da abordagem filosófica, são apresentados estudos da Psicologia, Genética e Neurologia que discutem a natureza da nossa percepção. Outra virtualidade explorada é a da construção do modelo científico, através de instrumentos que ampliam a nossa percepção e nos revelam outros mundos além da escala humana. Entendendo os avanços tecnológicos da computação gráfica e das ferramentas de representação realista de ambientes virtuais, o presente projeto propõe a utilização destas tecnologias de imersão para explorarmos, de uma maneira mais sensorial e imersiva, a nossa vizinhança solar. Acreditamos que este tipo de experiência possui um grande potencial didático, pelo comprometimento com a representação em escala, pelo caráter lúdico da imersão em Realidade Virtual, e pela conexão espacial estabelecida entre o modelo e o ambiente urbano.

Palavras-chave: Realidade Virtual, espaço virtual, percepção, representação gráfica, educação científica



SUMÁRIO

1.

Introdução

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2.

O que é o Virtual?

5

3.

A modelagem espacial cognitiva

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4.

A representação científica do virtual

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5.

Imersão espacial

21

6.

A Realidade Virtual

27

7.

Desenvolvimento

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8.

Considerações finais

41

9.

Referências acadêmicas

45

10.

Referências web

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1. INTRODUÇÃO Mesmo antes de iniciar o curso, já tinha um grande interesse pela modelagem tridimensional. Consequentemente, aprendi cedo a utilizar o software de modelagem Sketch Up, e em grande parte das atividades ao longo da graduação procurei utilizar o 3D como parte do processo de projeto. Em alguns casos, a modelagem e a visualização da maquete eletrônica colaboraram para o processo de desenvolvimento do projeto, mas por serem atividades mais demoradas, ainda é mais comum o uso do modelo 3D apenas na etapa final, como suporte para os outros desenhos. Ao longo do curso trabalhei com a modelagem 3D nos estágios e também como autônomo, o que colaborou bastante para adquirir um domínio melhor das ferramentas de design 3D. A riqueza da leitura espacial de uma perspectiva renderizada é algo que me fascina, pela forma como a luz e a sombra exercem um papel importante na percepção do espaço virtual. Dessa forma sempre tive o interesse em abordar, como tema do TFG, a relação do arquiteto com o modelo 3D, com um enfoque na importância da renderização na percepção do modelo digital. Nos últimos dois anos, os avanços tecnológicos da computação gráfica, impulsionados pelo contínuo crescimento da indústria de games, estão construindo um cenário onde novas tecnologias ampliam a forma como desenhamos e percebemos os ambientes virtuais. Uma tecnologia emergente que promete alterar profundamente a relação do arquiteto com o ambiente projetado é a Realidade Virtual (RV). Trata-se de uma tecnologia vestível1 que insere o espectador em um ambiente virtual. É composta de duas telas de alta definição que

1 Abordagem que descreve as tecnologias com uma interação humano-máquina mais direta, onde o aparelho é fixado ao corpo

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projetam uma imagem estereoscópica cobrindo um grande ângulo da visão, e um sistema de rastreamento que transmite os movimentos do espectador para dentro do ambiente virtual, gerando uma sensação de imersão amplificada. Apesar de não se tratar de uma tecnologia recente2, as limitações técnicas de processamento gráfico impediam a construção de experiências realmente imersíveis. Hoje em dia, a maioria dessas limitações já está sendo superada e no começo de 2016 será lançado o primeiro aparelho de RV destinado ao mercado de games. Por este motivo, para trabalhar com essa tecnologia ainda é necessário algum domínio das ferramentas de programação e design de games, o que dificulta um pouco o acesso pelo arquiteto, porém com o tempo novas ferramentas e softwares surgirão para diminuir essa distância. No início dessa pesquisa, tive o interesse de trabalhar diretamente com a tecnologia de RV, aproveitando a minha experiência com a modelagem 3D; considerei como uma oportunidade de conhecer melhor o processo de desenvolvimento de games, uma área pela qual tenho um interesse. Nessa busca por um produto, resolvi aproveitar do caráter mais livre dos temas de TFG da Fau, e escolhi trabalhar com um projeto de educação científica que estava desenvolvendo desde 2012: uma maquete do Sistema Solar em escala. A educação científica é outro campo no qual me identifico, e a escolha de trabalhar com um modelo de dimensões astronômicas abriu o caminho para uma discussão mais filosófica; a tecnologia de RV como ferramenta de ampliação dos limites biológicos da nossa percepção. Desenvolvi então, como produto do TFG, uma experiência em RV de percepção de um modelo do Sistema Solar em escala, inserido num cenário urbano virtual do Elevado Costa e Silva, o Minhocão. O objetivo dessa experiência inicialmente é de possibilitar uma compreensão fiel das dimensões e distâncias

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a RV vem sendo desenvolvida desde a década de 90


do modelo, construir um modelo espacial mental que não dependa de números, através de uma percepção mais sensorial do modelo científico. Posteriormente, pretendo explorar formas de manipular a escala do espectador, transportar sua “janela de percepção” para paisagens extra-humanas. Ao trabalhar com um modelo espacial de dimensões tão distantes, procurei discutir a importância das representações no desenvolvimento da ciência, e quais novas possibilidades surgem na intersecção da produção didática e o design de games. A cada dia, as novas tecnologias imersivas nos permitem habitar novos mundos virtuais. Quando os modelos que visitarmos no futuro forem uma representação cientificamente correta do mundo real, poderemos considerar que, de alguma forma, estaremos visitando o mundo real?

Realidades Virtuais ou Virtualidades Reais?

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2. O QUE É O VIRTUAL? O filósofo francês Pierre Lévy em sua definição do termo virtual, vai muito além do não material. Sua origem vem do latim medieval, virtualis, que por sua vez deriva de virtus, significando força, potência; é o que existe em potência e não em ato. Ele descreve o virtual como uma forma de existência latente, um: [...] complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução: a atualização. (LÉVY, 1996:16) A atualização representa uma solução particular a um problema, aqui e agora. É uma manifestação do virtual. “O virtual tende a atualizar-se, sem ter passado no entanto à concretização efetiva ou formal.” (LÉVY, 1996:15) Muitas vezes é através da atualização que interagimos com o virtual. A atualização vai de um problema a uma solução, e a virtualização vai de uma solução a um novo problema. Lévy argumenta que a virtualização está presente em todos os episódios evolutivos da história humana, e mais ainda hoje em dia: Certamente nunca antes as mudanças das técnicas, da economia e dos costumes foram tão rápidas e desestabilizantes. Ora, a virtualização constitui justamente a essência, ou a ponta fina, da mutação em curso. (LÉVY, 1996:11)

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Ele também aponta desterritorializado:

o

virtual

como

“não-presente”,

A imaginação, a memória, o conhecimento, a religião são vetores de virtualização que nos fizeram abandonar a presença muito antes da informatização e das redes digitais. (LÉVY, 1996:20) A definição é bastante ampla, por isso alguns exemplos facilitam o compreendimento:

A Biologi a A árvore está virtualmente presente na semente. (LÉVY, 1996:15) O código genético armazena o potencial para a construção de um ser. As bases nucleicas do DNA formam o suporte material dessa informação, e cada divisão celular é um processo de atualização. Mas ainda é necessário que as condições externas sejam corretas para essa atualização.

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A Memória A nossa capacidade de recordar experiências passadas representa também uma forma de virtualização, pois essa informação armazenada pode se tornar importante para o indivíduo no futuro. Por exemplo, a experiência de ter sobrevivido ao ataque de um predador utilizando alguma técnica. Com o domínio da fala essas experiências passam a ser transmitidas entre indivíduos. Cada momento de utilização desse conhecimento é um processo de atualização, tanto na execução da técnica, quanto na transmissão do conhecimento para outros indivíduos. Acredito que podemos generalizar e afirmar que o cérebro é um órgão que amplificou exponencialmente as possibilidades do virtual. A fala, a escrita, o conhecimento, a capacidade de simular o futuro são algumas de muitas virtualizações que revolucionaram o ser humano. De uma forma similar, a revolução digital também impulsiona essa explosão de mudanças. Dessa forma encontramos cada vez mais exemplos de virtualidades no nosso cotidiano, sejam nas nossas ferramentas digitais, ou até mesmo na forma como nos relacionamos através de aparelhos eletrônicos.

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A Modelagem D i gi ta l Outro exemplo mais recente, e com o qual tenho um contato mais pessoal, é a modelagem tridimensional digital. Neste caso, o modelo virtual é um objeto armazenado em uma matriz matemática que contém toda a informação da geometria desenhada: vértices, arestas e faces; e o que se visualiza é uma atualização: a maneira como estes elementos geométricos são desenhados na tela do computador, a partir de um ponto de vista específico, também dentro dessa matriz. A possibilidade de manipular esse ponto de vista nos garante a sensação de uma experiência um pouco mais direta com esse modelo virtual. Neste trabalho, é abordada a virtualização do espaço através da percepção, ocorrendo de duas maneiras distintas: a virtualização do espaço humano através dos nossos sentidos, e a virtualização do espaço extra-humano através dos instrumentos científicos. Em ambos os casos, a representação executa a atualização do virtual, no primeiro caso uma representação cognitiva, produto evolutivo, e no segundo caso, uma representação criativa, exclusivamente humana.

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3. A MODELAGEM ESPACIAL COGNITIVA Ao abordar o tema filosófico da percepção, é importante compreender os conceitos principais do trabalho de Immanuel Kant, filósofo prussiano do final do século XVIII, considerado um dos mais influentes da era moderna, especialmente no campo da metafísica e da epistemologia. Em seu trabalho, Kant investigou como a ciência entendia o mundo exterior, e para isso separou o mundo que experimentamos (mundo fenomenal) do mundo em si (mundo numênico), este considerado separado da experiência dos sentidos. Ele define que possuímos alguns conhecimentos a priori, os principais sendo o tempo e o espaço, que possibilitam uma experiência matemática da natureza: podemos medi-la segundo valores conhecidos. Dessa forma podemos considerar a nossa experiência empírica como útil para a ciência. A nossa experiência do mundo não é, portanto, uma experiência direta, e sim uma experiência mediada pelos nossos sentidos, ou seja, quando entramos em contato com algo externo, como este caderno, por exemplo, estamos interagindo com um modelo do caderno, uma representação construída pela nossa mente, a partir dos sinais elétricos ativados pelos nossos sentidos. E é a partir dessas representações que se estabelece toda a nossa interação com o mundo material, assim como a interação com as outras pessoas. Em alguns aspectos, essa abordagem da filosofia apresentada por Kant se sustenta até hoje. Muitos são os desdobramentos desse pensamento que procuram compreender a natureza e os limites dessas representações. Com o surgimento da psicologia comportamental na metade do século XX, essas questões

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começaram a ser abordadas experimentalmente. Em 1948, o psicólogo Edward C. Tolman, examinando o comportamento de ratos em labirintos (figura A), sugeriu a construção mental de um “mapa cognitivo” do espaço1. Essa discussão hoje é abordada pela neurociência, e os avanços mais recentes nas técnicas de captura imagética do cérebro ativo nos permitiram identificar não apenas as áreas do cérebro envolvidas nessa modelagem do mundo externo, mas também possibilitou o monitoramento de neurônios específicos, correlacionando a sua atividade com o espaço externo.

Figura A: Labirinto mapeado cognitivamente pelos ratos.

O Prêmio Nobel de Fisiologia de 2014 foi destinado justamente a duas descobertas de tipos de células neurais que constituem um sistema de posicionamento espacial no cérebro de ratos, e posteriormente também identificadas em humanos. A primeira descoberta, em 1971 por John O’Keefe2, foi a de células batizadas de “place cells”, localizadas no hipocampo (estrutura cerebral que também exerce um papel importante na memória, e nas emoções). Estes neurônios disparam quando o rato se encontra em uma região específica de um ambiente, e outros disparam em regiões diferentes (figura B), evidenciando pela primeira vez uma conexão do espaço externo com a atividade cerebral. Este é um dos sistemas que nosso cérebro utiliza para lembrar de certas localidades. É utilizado, por exemplo, ao procurarmos o local onde paramos o carro em um estacionamento.

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1 TOLMAN, Edward C. Cognitive maps in rats and men. York University, Toronto, Canadá, 1948 2 O’KEEFE, J., and DOSTROVSKY, J. The hippocampus as a spatial map. Brain Research 34, 171-175, 1971


A outra metade do prêmio foi destinada ao trabalho de MayBritt Moser e Edvard I. Moser, publicado em 20053. Ao analisar uma região próxima ao hipocampo chamada córtex entorrinal, eles descobriram neurônios que disparam, não em regiões específicas, mas em múltiplas localidades distribuídas em um padrão hexagonal (figura C). As então denominadas “grid cells” são responsáveis pela nossa percepção de deslocamento e, junto com outras células que processam a direção, velocidade de deslocamento e até as bordas de um ambiente, elas formam um circuito com as células do hipocampo e constituem um complexo sistema de posicionamento, quase como um “GPS” do cérebro.

Figura B: Padrão de ativação de uma “place cell” em um ambiente fechado.

Figura C: Padrão hexagonal ativação de uma “grid cell” em um abiente fechado.

Figura D: Estruturas cerebrais envolvidas, nos ratos e no homem. 3 FYHN, M., MOLDEN, S., WITTER, M.P., MOSER, E.I., MOSER, M.B. Spatial representation in the entorhinal cortex. Science 305, 1258-1264, 2004

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O cientista cognitivo Donald Hoffman também abordou essa questão do ponto de vista da evolução4. Ele aponta para a forma como o nosso cérebro é ativamente responsável por uma reconstrução de toda a realidade, a partir dos nossos sentidos. Em seu trabalho ele encontra, através de extensas simulações de diferentes cenários evolutivos, evidências de que a nossa percepção não evoluiu em direção a uma percepção completa da realidade, como se era esperado. Em seus estudos ele compara a adaptação evolutiva de espécies capazes de perceber a realidade completa com outras espécies com percepções limitadas, e os resultados apontam para a extinção dos indivíduos com a percepção completa. A pressão evolutiva é maior para o aparecimento de indivíduos que reconstroem apenas a parte da realidade necessária para sua sobrevivência. Essas descobertas representam uma mudança de paradigma no que diz respeito à natureza do mundo externo. Apesar dos avanços da neurociência, muita pesquisa ainda deve ser feita antes que possamos compreender exatamente como esse mapa mental é de fato representado na nossa mente, mas as evidências dessa modelagem cognitiva demonstram a existência de um mundo fenomenal, de uma certa forma separado do mundo numênico, como argumentou Kant. É um mundo subjetivo, pois ele é resultado das nossas experiências e dos nossos sentidos. Ao nos deslocarmos pelo espaço real, também nos deslocamos por um espaço interno, um espaço virtual que é uma reconstrução do real, e é nesse espaço que fundamentalmente vivemos.

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Palestra TED, filmada em março de 2015:

https://www.ted.com/talks/donald_hoffman_do_we_see_reality_as_it_is

(acesso junho 2015)


4. A REPRESENTAÇÃO CIENTÍFICA DO VIRTUAL A c i ê n c i a e o li m i te d a p ercep çã o A ciência, desde a antiguidade, possui em sua base o empirismo. Ela é construída a partir daquilo que pode ser observado; é dependente da nossa percepção e, portanto, inicialmente é limitada pelo alcance da percepção humana. Reconhecendo esse limite, ela procura por novas tecnologias que ampliem essa percepção, construindo próteses sensoriais que nos revelam mais do universo, empurrando o limite do conhecimento. Invenções como o telescópio, por exemplo, abriram o caminho para a construção de modelos do Sistema Solar cada vez mais precisos, cada vez mais próximos do real; foi o instrumento necessário para provar que a Terra não era o centro estático do universo. Mesmo com todos os avanços tecnológicos, a modelagem científica ainda consiste em uma experiência perceptiva; mesmo após a invenção da eletrônica, da computação e de células fotossensíveis, essa informação do mundo externo ainda é adquirida e processada de uma maneira sensorial. O nosso mundo sensorial direto tem uma dimensão fixada e limitada pelo alcance dos nossos sentidos. Na astronomia fica bem ilustrada a forma como a tecnologia amplia esse limite sensorial da visão, e os modelos espaciais construídos vão muito além das dimensões do nosso mundo sensorial. Na outra direção, a invenção do microscópio revelou uma nova realidade fora do nosso alcance. A ciência realiza, através das próteses da percepção, a modelagem do universo não apenas na escala humana (figura A). Dessa forma, a compreensão

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espacial desses modelos “extra-humanos”, inicialmente só parece ser possível através de uma abstração. Nosso cérebro não possui naturalmente a estrutura cognitiva necessária para compreender as distâncias astronômicas, ou até mesmo as distâncias microscópicas. Ele ainda é capaz de construir esse modelo mentalmente, mas é uma construção abstrata e não uma sensorial.

Figura A

É possível, então, reconhecer no modelo científico as características de virtual, definidas por Pierre Lévy. Por mais reais que estes espaços sejam, por estarem em escalas além do nosso alcance, o nosso contato com estes modelos sempre se dará através de atualizações, ou representações desse modelo virtual. Cada representação é uma solução a uma problemática, e essas atualizações, por sua vez, nos possibilitam repensar o modelo de uma forma inventiva. Virtualizar uma entidade qualquer consiste em descobrir uma questão geral à qual ela se relaciona, em fazer mutar a entidade em direção a essa interrogação e em redefinir a atualidade de partida como resposta a uma questão particular. (LÉVY, 1996:18)

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Nesse caso, a problemática é a modelagem do universo real; modelamos através de instrumentos que ampliam a nossa percepção, acessamos esses novos mundos através das representações e construímos um modelo mental da nossa realidade. Desde sua aparição, os primeiros aparelhos ópticos alteram gravemente os contextos de aquisição e restituição topográficas das imagens mentais, a exigência de se representar, esta transformação da imaginação em imagens que, segundo Descartes, tanto ajuda aos matemáticos e que ele considera uma verdadeira parte do corpo, veram partem corporis. No momento em que pretendemos procurar as formas de ver mais e melhor o não-visto do universo, estamos no ponto de perder o frágil poder de imaginar que possuíamos. Modelo das próteses de visão, o telescópio projeta a imagem de um mundo fora de nosso alcance e, enquanto uma outra forma de nos movermos no mundo, a logística da percepção, inaugura uma transferência desconhecida do olhar, ela cria o encaixe (“teléscopage”) entre o próximo e o distante, um fenômeno de aceleração que abole nosso conhecimento das distâncias e das dimensões. (VIRILIO, 1994:18) As representações exercem então um papel didático importante no processo científico, tanto as representações de modelos teóricos, como de observações feitas através de instrumentos. É uma forma de extrair de um objeto ou entidade as características necessárias para construir um modelo cognitivo que nos possibilita compreender e manipular mentalmente esse objeto, assim como entender sua dinâmica em relação a outros objetos aos quais ele se relaciona. Esse processo é essencial para a criatividade humana. A virtualização é um dos principais vetores da criação de realidade. (LÉVY, 1996:18)

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Toda a representação, além de ampliar algumas características, também oculta outras. No caso do Sistema Solar, quase todas as representações ampliam a nossa percepção dos planetas, pois de um pequeno ponto luminoso no céu noturno, ele se transforma em um disco colorido e detalhado. Por outro lado, ainda é uma representação que omite outras características espaciais como, por exemplo, a sua distância até a Terra. Mas mesmo assim são essenciais para uma rápida compreensão desses modelos virtualmente distantes. As primeiras ilustrações da Lua (figura B), realizadas por Galileo em 1610 com o uso do telescópio recém inventado, revelaram pela primeira vez os detalhes da sua superfície, e transformaram completamente o entendimento que tínhamos do satélite.

Figura B: Ilustrações de Galileo da lua, 1610.

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O m o d e l o d o S i s tem a S o la r O modelo científico do Sistema Solar não é um modelo recente. Podemos até considerar que a sua modelagem começou no século XVI com a teoria heliocêntrica proposta por Nicolau Copérnico, depois em 1781 com a descoberta de Urano, e em 1846 com a descoberta de Netuno. Logicamente muitos outros corpos celestes menores (asteroides, planetas anões, cometas, satélites, etc.) foram descobertos, e ainda são até hoje, mas o modelo planetário não sofreu alterações significativas há mais de 150 anos. A única exceção sendo Plutão, descoberto em 1930 por um método indireto analisando pequenas perturbações na órbita de Netuno, o novo corpo celeste ocupou a nona posição de planeta até 2006, quando foi “rebaixado” a planeta anão. É interessante observar como esse episódio ilustra a importância das representações, pois por 76 anos, Plutão foi considerado um planeta, mesmo após muitos outros corpos celestes serem descobertos em órbitas até mais próximas. Por todo esse período, ele foi representado nos livros didáticos como um planeta, e até hoje essa questão ainda é discutida, principalmente pelos que defendem que Plutão seja restabelecido como planeta, mais pela conexão pessoal que as pessoas tiveram com a sua representação como planeta do que com a realidade do modelo científico em si.

Figura C: Diagrama comparativo do tamnho dos planetas

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A representação didática do modelo científico do sistema solar sempre enfrentou o problema da escala, pois seus elementos possuem diâmetros muito menores do que as distâncias entre eles, na escala de muitas ordens de grandeza. Por este motivo, a representação espacial sempre foi alterada, e dessa forma o nosso único contato visual com estes modelos, é através de representações que ocultam essas distâncias. As únicas maneiras de construir uma representação em escala que possa ser incluída em um material didático impresso são, ou ocultando as distâncias entre os planetas ao aproximá-los comparativamente (figura C), ou omitindo os diâmetros ao desenhar as trajetórias de cada órbita (figura D).

Figura D: Diagrama das órbitas (planetas fora de escala).

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A e sc a l a n a rep res enta çã o A escala na representação exerce um papel importante na compreensão do modelo. Ela estabelece uma conexão espacial com o modelo representado, uma maneira de “corrigir” o desvio das dimensões espaciais e entender o objeto por uma perspectiva humana. Na arquitetura, a escala humana é um dos objetos mais importantes de um corte; sem ela não temos uma maneira de entender corretamente a dimensão dos espaços representados. Porém, nas representações de modelos científicos extra-humanos, a escala humana muitas vezes se torna muito pequena para ser efetivamente ilustrada, e essa conexão espacial é perdida. Uma alternativa é a adoção de uma outra escala de referência. No caso do SS, adotamos a escala da Terra; é comum encontrar ilustrações dos planetas com a Terra na mesma escala ao lado. A unidade de medida mais utilizada para descrever as distâncias dos planetas até o Sol, a unidade astronômica1, equivale à distância da Terra ao Sol.

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Aproximadamente 150 bilhões de quilômetros

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5. IMERSÃO ESPACIAL O termo imersão tratado aqui é um uso metafórico da experiência de submergir, aplicado a uma representação de um espaço virtual. Define o estado cognitivo em que um visitante tem sua autoconsciência transportada para um ambiente virtual. Já estamos culturalmente acostumados com a imersão em espaços virtuais. Quando assistimos a um filme, ou lemos um livro, nossa mente constrói esses espaços imaginários e facilmente insere a própria consciência em dimensões onde o tempo e o espaço não são mais lineares. É um conceito bem conhecido na literatura, no cinema e principalmente no design de games, e pode ser alcançada de três maneiras diferentes. A imersão emocional, muito importante no cinema, é quando o espectador tem reações emotivas genuínas em resposta a eventos ficcionais. A imersão narrativa, mais presente nos games, acontece quando o jogador tem a sensação de fazer parte de história, de que suas escolhas e ações realmente produzirão efeito na história. Por último, a imersão espacial, focada nesse trabalho, e muito importante no cinema e nos games, depende da representação espacial que dá o suporte de fundo para a história.

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No design de games, o potencial da imersão emotiva e narrativa depende muito das escolhas criativas de roteiro e não encontram muito suporte tecnológico. A imersão espacial, por outro lado, é continuamente amplificada pelos avanços da computação gráfica.

Novas formas d e R e p re se n ta ç ã o A tecnologia amplia o ser humano, transforma as nossas virtualidades e altera a forma como enxergamos e interagimos com o mundo. Ela amplia a percepção humana através do avanço científico, construindo modelos cada vez mais completos, mas ela também proporciona novas formas mais completas de representação. Ainda que Paul Valéry escreva: ‘O homem ampliou muito mais seus meios de percepção e de ação do que seus meios de representação e de enumeração’, os futuristas italianos acreditam que os últimos meios de ação são ao mesmo tempo meios de representação; para eles cada veículo ou vetor técnico é uma ideia, é mais uma visão de universo do que sua imagem. (VIRILIO, 1994:50) A evolução das formas de representação traça um caminho bem antigo na história. Desde as primeiras pinturas, o homem procurou novas formas de representar o espaço, aproximando cada vez mais a sua representação da experiência perceptiva. A invenção de novas técnicas de representação, como a perspectiva, por exemplo, alteraram a forma como compreendemos o espaço. O artista do Renascimento, ao utilizar a perspectiva como meio de representação tridimensional, contribuiu para o desenvolvimento de uma nova forma de olhar e compreender o espaço e promoveu uma revolução psicológica na sociedade Renascentista que se reflete até os dias atuais, ao alterar completamente a concepção de espaço e a sua compreensão. (GONÇALVES, 2009:56)

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A cada nova tecnologia de representação espacial, passamos a extrair novas informações sensoriais do espaço virtual criado pelo artista. Com o surgimento da fotografia no século XIX, a visão do artista é congelada, e o espaço passa a ser capturado no quadro. No século XX a fotografia ganha uma nova dimensão, o tempo, e o cinema inicia um avanço tecnológico que percebemos até os dias de hoje. A era da informática introduziu a computação gráfica e o modelo tridimensional digital, inicialmente mais presentes nas ferramentas de desenho técnico de softwares de engenharia e arquitetura. Nos anos 90, os avanços da computação gráfica e da velocidade de processamento possibilitaram o uso do modelo 3D em games, e algoritmos foram desenvolvidos para calcular e simular o comportamento físico da luz, utilizando o modelo matemático descrito pela óptica; este processo é chamado de renderização (Figura A).

Figura A: Modelo digital renderizado

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A neurociência já nos mostra como a nossa (re)construção visual do mundo externo é bastante completa e como a luz exerce um papel importante nessa modelagem cognitiva. Isso fica bem evidente quando estudamos ilusões de ótica como da figura B. A nossa mente utiliza as informações de iluminação da cena para poder compreender o espaço: na imagem da esquerda percebemos os detalhes como convexos, e na da direita como côncavos, devido ao contexto de uma fonte de luz em comum aos dois objetos. Atualmente os softwares que simulam esse cálculo de luz estão cada dia mais avançados, e é comum encontrar trabalhos que desafiam a nossa percepção ao apresentar um ambiente virtual de uma maneira extremamente realista (figura C). O fotorrealismo, então, se torna um elemento importante para a imersão espacial em ambientes virtuais, tanto nos games quanto no cinema.

Figura B: Ilusão Concavo-Convexo

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Figura C: Renderização hiper realista do artista Marek Denko

Uma das consequências dessa contínua evolução no realismo das representações, é que nos tornamos mais sensíveis, mais capazes de detectar os artifícios dessas construções realistas. Cada avanço tecnológico da computação gráfica passa a gerar uma experiência mais intensa; passamos a esperar cada vez mais realismo e a rejeitar as produções que ficam aquém. Os games e as animações 3D são mídias que não necessitam a princípio de um espaço real para a construção dos cenários, ou dos personagens, diferentemente, por exemplo, do cinema, que faz uso da câmera que registra um espaço real. Evidentemente que essa dependência de espaços reais também não é tão presente no cinema atualmente, com os avanços da computação gráfica que possibilitam que filmes inteiros sejam produzidos em cenários completamente virtuais, onde os atores são filmados contra uma tela em “Chroma Key” que depois é substituída por qualquer cenário construído digitalmente. Esse uso dos cenários virtuais também impulsiona o desenvolvimento das representações cada vez mais realistas, mais convincentes, ampliando a imersão, e diminuindo a distância entre o espaço real e o espaço virtual imaginado.

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Ime r são Cien tí fi c a Uma questão importante para a imersão espacial no cinema, mais especificamente na ficção científica, é a de como representar mundos que não conhecemos. À medida que o avanço da computação gráfica possibilita o uso de cenários virtuais realistas, a ciência constrói modelos mais detalhados do universo. O uso do modelo científico no cinema gera uma imersão espacial mais forte quando somos convencidos de que um fenômeno está representado de uma forma cientificamente correta. Um exemplo recente é a representação do buraco negro no filme Interestelar (figura D). Trata-se de uma representação cientificamente correta, estando de acordo com os modelos teóricos mais recentes da astronomia; apesar da ciência não ser capaz de fotografar um buraco negro, é uma representação científica da sua aparência no espectro da luz visível. Para alguns expectadores esse realismo científico nitidamente intensifica a experiência do filme e amplifica a imersão na história.

Figura D: Representação do buraco negro no filme Interestelar

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6. A REALIDADE VIRTUAL De todas as técnicas de representação aqui abordadas, a RV é a que mais potencializa a imersão espacial. É uma ferramenta que substitui uma grande parte da entrada sensorial que compõe a nossa percepção. Dessa forma, o potencial de imersão espacial é consideravelmente amplificado. O que possibilita essa profunda imersão espacial, é a forma como essa tecnologia manipula os estímulos visuais, e incorpora o movimento da cabeça na atualização do ambiente virtual, induzindo uma sensação de presença. Essa imersão amplificada produz efeitos importantes que já estão sendo explorados por alguns artistas. Novos métodos de captura de vídeos panorâmicos em 3D possibilitam um novo tipo de cinema, onde o espectador se vê completamente inserido na cena, como se estivesse realmente presente, ou até mesmo, na pele de outra pessoa. A possibilidade de reviver a experiência completa de outra pessoa já levou a RV a ser batizada de “Máquina de Empatia Final” (Ultimate Empathy Machine). Os sistemas ditos de realidade virtual nos permitem experimentar uma integração dinâmica de diferentes modalidades perceptivas. Podemos quase reviver a experiência sensorial completa de outra pessoa. (LÉVY, 1996:28) Chris Milk, produtor norte americano, apresentou em uma palestra em março de 20151, a maneira como ele está utilizando a RV para construir experiências mais empáticas entre pessoas que vivem em condições desumanas, e as pessoas que possuem a capacidade de mudar essas condições. Ele observou como a imersão espacial colabora para uma conexão emotiva amplificada com os personagens. 1 https://www.ted.com/talks/chris_milk_how_virtual_reality_can_create_the_ ultimate_empathy_machine (acesso junho 2015)

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Como a RV fu n c i o n a De uma maneira geral, a RV consiste em um sistema que produz uma imagem estereoscópica e que reage aos movimentos do observador. No caso do “headset” (figura A e B), uma tela projeta a imagem estereoscópica através de duas lentes, cobrindo um campo de visão de 110 graus (o dobro do campo de visão médio do cinema). O sistema estereoscópico é responsável por parte da percepção de volume e profundidade do ambiente.

Figura A: “Headset” do Oculus Rift

Figura B: Descrição dos componentes do Oculus Rift

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O “headset” possui também um sistema de rastreamento da posição do usuário, através de uma câmera de infravermelho e sensores espalhados pela superfície do equipamento. Este rastreamento possibilita inserir a informação de movimento do espectador no processamento que calcula exatamente como o estímulo visual deveria se alterar, construindo a ilusão de presença. É possível traçar uma relação entre esse sistema de rastreamento e a nossa propriocepção2. A neurociência já aponta que o nosso sistema sensorial responsável por sentir a posição dos olhos e cabeça é processado junto com os estímulos visuais dos olhos; é o que nos permite manter o olhar fixo em um objeto enquanto mexemos a cabeça. Nosso cérebro processa a informação e corrige o deslocamento com um movimento suave e contrário dos olhos (figura C), este movimento é chamado de Reflexo vestíbulo-ocular. Por este motivo o rastreamento é importante, pois o usuário precisa ter a sensação de que ao movimentar a sua cabeça, o seu entorno continua no lugar.

Figura C: Sistema neural que compensa o movimento da cabeça para a manutenção do olhar em um ponto fixo. 2 Capacidade sensorial de reconhecer a localização espacial do próprio corpo sem usar a visão.

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7. DESENVOLVIMENTO Como produto desse trabalho, desenvolvi o protótipo de um aplicativo de educação científica, e que também considero um experimento de percepção. Consiste em um tour interativo em RV de uma maquete do Sistema Solar (SS) na escala aproximada de 1:2,5 bilhões, inserida em um entorno volumétrico do Minhocão. Na tabela 7.1 estão descritas todas as medidas utilizadas na modelagem, na escala real e na escala da maquete virtual. Além dos planetas, incluí também o diâmetro da heliosfera1, e a distância atual até as sondas espaciais, Voyager 1 e 2, lançadas pela NASA em 1977. Para uma ilustração da velocidade dos planetas em torno do Sol, na última coluna está representado o tempo de travessia do Minhocão2.

Tabela 7.1: Dimensões reais e em escala do modelo

Páginas seguintes: Implantação da maquete e programação visual dos planetas em escala.

1 2

Região sob a influência da radiação solar. Largura média de 15 metros.

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O ponto central deste trabalho está na construção de uma representação didática do SS com suas proporções verdadeiras; uma tentativa de contornar o problema da representação de um modelo com dimensões extra-humanas, utilizando a modelagem digital, e se valendo do potencial imersivo da RV para alcançar uma experiência perceptiva mais intensa. A questão que procuro explorar com este experimento, é se podemos utilizar as tecnologias imersivas da RV para transportar a nossa “janela” sensorial para mundos além da escala humana (figura A); mundos virtuais, modelados cientificamente.

Figura A

A modelagem do entorno foi realizada utilizando como base o Mapa Digital da Cidade (MDC) disponibilizado para os alunos pelo sistema CeSAD3. Como referência de gabarito e altura dos edifícios, utilizei imagens de satélite e a ferramenta “Street View” disponível pelo site Google Maps (figura B). Os softwares utilizados na modelagem foram o SketchUp e o 3dMax, e para a programação utilizei o software Unreal Engine 4.

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3

CeSAD - http://www.cesadweb.fau.usp.br/


Figura B: Google Street View

A interação com o modelo é baseada no estilo de game conhecido como FPS (First Person Shooter). Nesse estilo, o jogador observa o mundo virtual pelo mesmo ponto de vista do personagem, ele tem o controle dos movimentos do seu personagem, e está preso a ele. Poderíamos até considerar este tipo de visualização como uma visualização em escala humana, pois a maneira como o nosso ponto de vista está presa a um avatar4, confere a sensação de presença no ambiente virtual. Outra forma comum de se trabalhar na RV é com um tour guiado, onde o espectador não tem controle dos seus movimentos. Este tipo de visualização é normalmente chamado de “trem fantasma”, fazendo referência aos brinquedos em parques de diversão. A princípio a definição do Minhocão como cenário se deu analisando a possibilidade de realizar uma exposição real no local, e o fato de ele já ser utilizado como um parque linear aos domingos colaborou para a escolha.

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Representação do corpo do usuário dentro de um espaço virtual.

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A decisão de apresentar o modelo do SS como uma maquete em um cenário de fundo foi feita para garantir a percepção de movimento. Uma das primeiras demonstrações desenvolvida para o Oculus Rift foi um aplicativo de visualização do SS, Titans of Space, da empresa DrashVR5. Trata-se também de um tour pelo SS, nesse caso na escala 1:1 milhão, mas os planetas são colocados próximos uns aos outros para uma representação comparativa, e ao fundo o espaço sideral, infinitamente distante. Ao testar essa demonstração, percebi como ao me deslocar pelo espaço, por não ter nenhum plano de fundo como referência, não é possível ter a sensação de movimento; faltam os estímulos visuais que estamos acostumados a receber quando nos movemos por um ambiente. Por isso concluí que para uma visualização do modelo do SS em escala, a representação como uma maquete inserida em um espaço familiar e em que podemos percorrer, funciona melhor para a construção de um modelo espacial mental mais coerente com o modelo real. Acho sensato supor que a presença do entorno está associada às “grid cells” descritas no capítulo 3, por serem responsáveis pela percepção de deslocamento.

Figura C: Entorno próximo ao modelo do Sol. (diâmetro: 56 cm)

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3

Titans os Space - http://titansofspacevr.com/


Obviamente essa representação, mesmo comprometida com as proporções reais, ainda é uma representação limitada. O SS é um sistema dinâmico, todos os corpos estão continuamente em rotação, revolução e precessão. Dessa forma, a distância entre os planetas está continuamente mudando. A maneira como eles foram representados nesse trabalho aconteceria caso eles se posicionassem em um alinhamento muito específico cuja probabilidade de acontecer é infinitamente pequena, mas isso não nos impede de compreender as distâncias entre eles e de entender espacialmente a nossa vizinhança planetária. A escolha da escala também foi um fator importante, pois procurei construir uma experiência que pudesse ser percorrida a pé. Dessa forma, a distância entre o Sol e Netuno (o planeta mais distante) totaliza 1800 metros, uma caminhada de 20 minutos. Outro fator que influenciou a escolha dessa escala foi a dimensão dos menores planetas; Mercúrio foi representado com um diâmetro de 2 milímetros. Se estivesse trabalhando com uma escala menor, os diâmetros desses planetas apresentariam dimensões muito difíceis de serem percebidas.

Figura D: Modelo da Terra. (diâmetro: 5 mm)

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O ajuste final na escolha da escala foi direcionado para conseguir inserir a maior parte dos planetas numa mesma linha, apenas Netuno ficou fora do eixo da Av. São João. Dessa forma pude explorar o mesmo eixo visual em toda a maquete. Uma consequência de alguns planetas ficarem com apenas alguns milímetros de diâmetro, foi que se tornaram muito difíceis de encontrar sem algum tipo de indicação. A minha intenção era poder mostrar os planetas flutuando, como se estivessem mesmo pelo espaço, por isso descartei a ideia de apresentá-los sobre algum pedestal. A solução que encontrei foi inseri-los em uma esfera semitransparente com um fundo estrelado (figura E). Dessa forma a esfera se tornou um tipo de portal, pois ao aproximar a câmera do planeta, cria-se a ilusão de que se está em outro lugar; o céu do Minhocão é substituído por uma abóboda estrelada.

Figura E: Esfera “portal” modelada em torno dos planetas

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Apesar de o modelo estar representado em escala, por se tratar de uma escala astronômica, a conexão com a dimensão humana inevitavelmente se perde. Para escalas arquitetônicas, é possível compreender a relação do espaço desenhado e do espaço real, mas para uma escala dessa dimensão, essa percepção se torna cognitivamente impossível. Por isso procurei construir a experiência de alterar a dimensão do espectador virtual, inserindo-o na superfície do planeta, com a mesma escala da maquete, mas mantendo o fundo do Minhocão na parte visível do céu. Nessa escala seria como se o visitante tivesse apenas alguns nanômetros de altura, e o Minhocão se torna um plano de fundo infinitamente distante.

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8. CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar de, no momento da conclusão deste caderno, a programação do protótipo estar incompleta (sem a interatividade necessária para ser utilizado como um aplicativo educativo), ao longo do processo de modelagem foi possível perceber como as dimensões extremas do modelo ficaram bem evidentes com a RV, tanto o tamanho dos planetas, quanto suas distâncias. A associação espacial dos planetas com o Minhocão funcionou muito bem, pois além de servir de plano de fundo para a percepção de deslocamento, também serviu como uma forma de “armazenar” o modelo do SS em uma memória espacial já construída. Naturalmente, as minhas impressões sobre essa experiência serão condicionadas, pois tenho um contato com videogames e a modelagem 3D há um bom tempo e já tenho uma familiaridade com o modelo virtual. Acredito que este projeto tem um grande potencial educativo, e por este motivo pretendo continuar o seu desenvolvimento após a graduação.

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A reali dade é v i r tu a l Ao estudar uma tecnologia tão emergente como a da Realidade Virtual, é natural imaginar o que nos espera no futuro. Não está claro ainda se encontraremos um limite na capacidade de manipular eletronicamente os nossos sentidos. Com cada vez mais conhecimento sobre o funcionamento do cérebro, ficções científicas, como o filme Matrix, começam a parecer menos fictícias. Atualmente a RV, apesar da intensa imersão espacial, ainda possui outras limitações técnicas que sempre denunciarão a sua virtualidade, mas com o contínuo aprimoramento da tecnologia, impulsionado pelo poderoso mercado de games, é sensato esperar que daqui há alguns anos tenhamos acesso a um sistema de RV que realmente coloque em questão a nossa definição de realidade. John Perry Barlow, fundador da Fundação Fronteira Eletrônica, organização sem fins lucrativos cujo objetivo é proteger os direitos de liberdade de expressão no contexto da era digital, comenta sobre a RV: “I have a feeling Virtual Reality will further expose the conceit that ‘reality’ is a fact. It will provide another reminder of the seamless continuity between the world outside and the world within, delivering another major hit to the old fraud of objectivity. ‘Real,’ as Kevin Kelly put it, ‘is going to be one of the most relative words we’ll have.” Nesse cenário, a indústria de games se torna muito mais influente na forma como escapamos da nossa realidade, e também na forma como a enxergamos. Acredito que a educação científica tem muito a se beneficiar com as novas formas de visitar mundos virtuais; construindo representações mais sensíveis, e que transmitam muito mais informações dos fenômenos, e com modelos científicos virtuais que possam ser habitados, e manipulados por seus visitantes, libertando o ser humano dos seus limites sensoriais.

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Hoje os aparelhos eletrônicos estão por toda a parte, e já começou a ficar bem claro, como eles fazem parte de nós. Nossas ferramentas sempre formaram uma parte virtual da nossa espécie; somos descendentes daqueles que aprenderam a manipular e operar o mundo de uma forma mais eficiente, mais econômica. Hoje, a nossa experiência cotidiana é cada vez mais intermediada por ferramentas eletrônicas, que alteram a forma como a percebemos, inclusive a forma como nos relacionamos. Temos supercomputadores nos bolsos, e estamos entrando numa nova era do desenvolvimento tecnológico onde o software passa a ser tão importante quanto o hardware. Confesso que apesar de um entusiasmo com as futuras tecnologias, me assusta um cenário onde facilmente podemos manipular os nossos sentidos e fugir da nossa realidade. Por isso acho importante entender como vamos utilizar essas novas tecnologias, e de que maneira podemos positivamente crescer com elas.

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9. REFERÊNCIAS ACADÊMICAS

BEIGUELMAN, Giselle. Arte pós-virtual: Criação e agenciamento no tempo da internet das coisas e da próxima natureza. Seminário Internacional Vale: Cyber-Arte-Cultura, Vitória: Museu Vale, 2013, p.146 - 175.

FYHN, M., MOLDEN, S., WITTER, M.P., MOSER, E.I., MOSER, M.B. Spatial representation in the entorhinal cortex. Science 305, 1258-1264, 2004

GONÇALVES, Marly M. O uso do computador como meio para a representação do espaço. Tese de doutorado, FAUUSP, São Paulo, 2009.

LÉVY, Pierre. O que é o virtual?. São Paulo, Editora 34, 1996.

O’KEEFE, J., and DOSTROVSKY, J. The hippocampus as a spatial map. Brain Research 34, 171-175, 1971

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ROZESTRATEN, A. S. Estudo sobre a História dos Modelos Arqtetônicos na Antiguidade: origens e características das primeiras maquetes de arquiteto. Tese de mestrado - FAUUSP, São Paulo, 2003.

TOLMAN, Edward C. Cognitive maps in rats and men. York University, Toronto, Canadá, 1948.

VIRILIO, Paul. A Máquina de Visão. Rio de Janeiro, Editora José Olympio, 1994.

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10. REFERÊNCIAS WEB Nesta seção, separei alguns links de trabalhos que foram utilizados como referencias teóricas e projetuais. Todos o links foram acessados em junho de 2015.

»» Percepção / filosofia / tecnologia / trasncendência •  Shots of Awe

https://www.youtube.com/user/ShotsOfAwe

O filósofo futurista e produtor Jason Silva aborda, em seus vídeos curtos, questões relacionadas ao ser humano e a capacidade de transcendência através da tecnologia.

•  Physical vs Digital Existence https://youtu.be/i5y9CU5RwZc

•  Reality of the Virtual

https://youtu.be/Xnz_Uc5sWOI

•  Virtual Reality: Turning Our Minds Inside Out https://youtu.be/dO4k2Rvs94I

•  Expanding Our Perception https://youtu.be/NzZJQrPPv0M

•  Dictionary of Obscure Sorrows •  Astrophe: The Feeling of Being Stuck on Earth

https://youtu.be/B1SkepihYLE

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•  Vsauce •  What Is The Resolution Of The Eye?

https://youtu.be/4I5Q3UXkGd0

•  TED •  Donald Hoffman: Do we see reality as it is?

https://www.ted.com/talks/donald_hoffman_do_we_see_ reality_as_it_is

•  Kevin Kelly: Technology’s epic story

https://www.ted.com/talks/kevin_kelly_tells_technology_s_ epic_story

»» Neurologia / cognição •  Videos •  DNews - How Does Your Brain’s GPS Work? https://youtu.be/_Mr0qoljiJU

•  TED - Neil Burgess: How your brain tells you where you are

https://www.ted.com/talks/neil_burgess_how_your_brain_ tells_you_where_you_are

•  TED - Daniel Wolpert: The real reason for brains https://www.ted.com/talks/daniel_wolpert_the_real_ reason_for_brains

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•  Coursera •  Visual Perception and the Brain https://www.coursera.org/course/visualpercepbrain

•  The Brain and Space https://www.coursera.org/course/brainspace

•  Foundational Neuroscience for Perception and Action https://www.coursera.org/course/foundationmedneuro

»» Educação Científica / Visualizações / Simuladores •  Simuladores •  Celestia

http://www.shatters.net/celestia/

Modelo 3D navegável do universo

•  Universe Sandbox

http://universesandbox.com/

Simulador de gravidade interativo

•  Outerra

http://www.outerra.com/

Sistema generativo de um modelo 3D da Terra em escala 1:1 para integração em games

•  Visualização Científica •  A virtual Universe

https://youtu.be/SY0bKE10ZDM

Modelo do unverso simulado

•  TED: Drew Berry: Animations of unseeable biology https://www.ted.com/talks/drew_berry_animations_of_ unseeable_biology

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•  Videos •  Kurz Gesagt - The Solar System -- our home in space

https://youtu.be/KsF_hdjWJjo

•  Kurz Gesagt - Engineering & Curiosity https://youtu.be/hUnhrFHe2AA

•  It’s Okay To Be Smart - How Big is the Solar System? https://youtu.be/_mD-ia6ng0A

•  Potencias de diez

https://youtu.be/fbCwkfrKuaw

»» Modelagem 3D •  Sculpting in Virtual Reality

https://youtu.be/jnqFdSa5p7w

»» Realidade Virtual e Games •  Demos VR •  Inside the Human Body

http://vrjam.challengepost.com/submissions/36188-insidethe-human-body

•  Share the Science: Climate Change

http://vrjam.challengepost.com/submissions/36253-sharethe-science-climate-change

•  StarTracker VR

http://vrjam.challengepost.com/submissions/36359startracker-vr

•  Telescopic

http://vrjam.challengepost.com/submissions/36293telescopic

•  NeosVR

http://neosvr.com/

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•  Titans of Space

http://titansofspacevr.com/


•  Experimentos com RV •  Living with lag

http://livingwithlag.com/

•  Machine to be another

http://www.themachinetobeanother.org/

•  Seeing-I

http://www.seeing-i.co.uk/

•  Futuro da RV •  Chris Milk: How virtual reality can create the ultimate empathy machine

https://www.ted.com/talks/chris_milk_how_virtual_reality_ can_create_the_ultimate_empathy_machine

•  Chris Kluwe: How augmented reality will change sports ... and build empathy

https://www.ted.com/talks/chris_kluwe_how_augmented_ reality_will_change_sports_and_build_empathy

•  PBS Game Show

https://www.youtube.com/channel/ UCr_2H8pPitVJ85bmpLwFUyQ

Jamin Warren, jornalista de games e fundador da empresa Kill Screen, explora questões da cultura de games, com uma abordagem focada na importância do gênero na sociedade atual.

•  Are Virtual Worlds Real or Fake? https://youtu.be/hiEu5wMoEDs

•  Thoughts on Oculus Story Studio https://youtu.be/OIEe1vCzWAc

•  Thoughts on Oculus Rift: Crescent Bay https://youtu.be/wHYYzT_2VB8

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•  Referências tecnicas (RV) •  GDC 14 - Vault

http://www.gdcvault.com/play/1020714

•  Oculus Connect: The Human Visual System and the Rift https://youtu.be/6DgfiDEqfaY

•  RV e Arquitetura •  VRCH

http://cargocollective.com/vrch

•  Architecture Real-time - Unreal Engine 4 https://youtu.be/eTt7AGIpV2I

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