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Ronaldo: 40 anos


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Arena da Baixada se coloriu em vermelho, azul e branco. As três cores do Paraná Clube tomaram as arquibancadas e pintaram uma noite histórica ao futebol paranaense. Embalada pela campanha lançada na última semana, a torcida paranista se uniu para “calar quem duvidava”. Mais do que isso, promoveu um espetáculo que durou muito além dos 90 minutos.

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E que terminou não só com a vitória por 1 a 0 sobre o Internacional, mas também com o novo recorde de público do estádio para um jogo de futebol. Terça-feira que será lembrada por muito tempo como o grande emblema do orgulho tricolor e que, esperam, culmine com o retorno do clube à Série A do Campeonato Brasileiro, depois de uma década de ausência.


cale quem duvida a partir disso tem muito mais importância. Pesa para escancarar a ambição dos tricolores em se colocarem novamente entre os principais clubes do Brasileirão. Para não se verem inferiorizados em relação aos rivais locais. E, ainda que existam estes sentimentos, uma boa parcela dos atleticanos e dos coxa-brancas também deseja o sucesso dos vizinhos, depois de tanto tempo vagando pela Série B. O futebol de Curitiba, como um todo, ganha com isso. Esta terça, de qualquer forma, era o dia do Paraná. O dia em que o clube viveria uma página única em sua história, bem como um dos episódios mais belos das divisões inferiores brasileiras nos últimos anos. A meta de colocar 40 mil na Baixada não se cumpriu por pouco. Mas o que são algumas centenas de pessoas quando dezenas de milhares se empenharam para enfrentar filas, comprar os ingressos, lotar as arquibancadas e realizar a apoteose tricolor? Ao todo, 39.414 espectadores estiveram presentes no estádio, superando o recorde anterior, estabelecido durante o confronto entre Espanha e Austrália, pela Copa do Mundo de 2014. Bateram, e com mais de mil pessoas de folga, a melhor marca registrada pelo Atlético Paranaense – cujos torcedores, aliás, veem uma oportunidade para pressionar sua diretoria em busca de preços mais justos nos ingressos e de uma política menos restritiva.

A mobilização em torno do Paraná se alongou por uma semana. Desde o anúncio do jogo na Arena da Baixada, os paranistas criaram enormes expectativas sobre o que poderiam proporcionar contra o Inter. Sobre a maneira como demonstrariam a imensidão de seu amor. Talvez haja um ranço exagerado no slogan da campanha, A noite paranista começou sob o poente, enfatizando o menosprezo de outras tor- com a multidão se reunindo nos arredocidas. No entanto, a comunhão causada res da Baixada. A chegada do Paraná ao

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cale quem duvida estádio foi iluminada pela luz dos sinalizadores, que se incendiaram em um corredor de fogo. O calor mais forte, independentemente disso, ainda era o da torcida. Que se irradiou mais e mais à medida em que as horas passavam. À medida que as arquibancadas se enchiam, com os quase 40 mil presentes aguardando o apito inicial. A recepção aos times mais lembrava uma final de campeonato. Soava como uma partida decisiva de mata-matas, diante da atmosfera que tomou a Baixada. Os quatro cantos do estádio reluziam em três cores, com o mosaico formado pelos torcedores. “Rumo à Série A” era a mensagem mais do que clara. Que precisava ter coro também quando a bola rolasse. E o Inter não desejava ser um mero convidado da festa. Pelo investimento de seu elenco e pela liderança do campeonato, os colorados podiam se transformar em visitantes indigestos. Como era de se esperar em uma ocasião deste peso, o jogo foi muito pegado. Sobraram entradas com excesso de vontade. Além disso, as chances de gol também surgiam. O Inter poderia muito bem ter aberto o placar aos 29, em chutaço de Eduardo Sasha. Só não conseguiu porque o goleiro Richard foi capaz de operar uma defesa monumental, indo buscar a bola no ângulo. Milagre decisivo para que os paranistas saíssem em vantagem aos 41 minutos. Escanteio cobrado por Renatinho que Iago Maidana teve toda a liberdade para completar de cabeça. O segundo tempo seria ainda mais tenso.

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O Inter tentava pressionar, esbarrando em um adversário que se segurou heroicamente. Leandro Damião acertou a trave, enquanto Richard se agigantaria mais uma vez aos 31, abafando o chute de Nico López na pequena área. Os paranistas precisaram se lutar até os 50 do segundo tempo, quando finalmente soltaram o grito de alívio. De glória. O urro que ecoou dentro da Arena da Baixada amplificado como nunca antes, calando quem duvidava não pelo silêncio, e sim pelo enorme barulho. A grandeza da torcida do Paraná se torna irrefutável.


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or onde nós começamos? Eu quero contar para você como meu avô mudou a minha vida. Mas eu também quero falar sobre o Ronaldo. E também sobre o Romário curtindo no avião, e sobre um fusca laranja. Nós temos muito para falar a respeito. Vamos começar com um cheiro. É a primeira coisa que eu consigo me lembrar na minha vida. Quando eu tinha 6 anos de idade, nós já estávamos em férias de verão na escola, mas eu ainda costumava acordar às 7h30 todas as manhãs e levar minha bola de futebol numa pracinha na Praia do Botafogo. É no Rio, de onde vêm os melhores jogadores de futebol. Tinha esse parque próximo da praia com essa quadra de futebol de salão com escorregador pequeno para as crianças, e tinha sempre o mesmo cara gritando para as pessoas esta-

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cionarem seus carros: “É um real, É um real, É um real”. Ele guardava o carro por um real. Eu me lembro do som da voz dele, mas eu me lembro mais ainda do cheiro da terra. Tinha um cano de drenagem quebrado que soltava água por todo o solo ao redor da quadra, se transformando em barro. Então, todas as vezes as manhãs, quando eu caminhava até o parque, eu sentia o cheiro da lama. A quadra era o território dos torcedores do Botafogo, então, em alguns dias, eu aparecia, e eles já tinham dominado o lugar, e eu tinha de jogar no canto sozinho. Em outros dias, eu aparecia e não tinha ninguém jogando lá. Não importava – o pequeno Marcelinho estava lá todos os dias. Eu tenho uma lembrança profunda daquele cheiro, e a sensação de ter a bola nos meus pés. Eu percebi uma coisa que ainda é verdadeira para mim. Sempre que você tiver a bola aos seus pés, você


Primeiro nós atacamos não pode ficar bravo. Você nem mesmo precisa de outras pessoas para jogar com você. Tudo gira em torno da bola. Eu me lembro que naquele verão de 1994, a Copa do Mundo estava acontecendo nos Estados Unidos. No Brasil, pouco antes da Copa do Mundo começar, todo mundo na vizinhança saía nas ruas para pintar os muros e para comemorar. Todas as coisas ficam cobertas de verde, azul e amarelo – as ruas, os portões, as paredes, os rostos das pessoas. Essa é uma lembrança muito especial para todas as crianças no Brasil. Eu estava lendo a história do Ronaldo outro dia, e ele estava contando como ele foi para as ruas antes da Copa de 1982 e ajudou a pintar um mural do Zico. Bom, adivinha só, Ronaldo? Se você estiver lendo isso, quando eu tinha 6 anos de idade, meus amigos e eu pintamos o seu rosto na nossa rua. Você era o nosso he-

rói. É uma lembrança que fica no meu coração. É engraçado o que a gente lembra da vida. Eu não me recordo muito bem de assistir ao Brasil ganhar a final. Tudo isso para mim não fica muito claro. Mas eu tenho uma lembrança de ver uma foto específica na primeira página do jornal do Rio. A Seleção Brasileira tinha acabado de chegar no Brasil, e o Romário estava literalmente curtindo na janela da frente, na cabine do piloto, balançando uma bandeira gigante do Brasil, como se ele estivesse acabado de conquistar o mundo pra gente. Eu me lembro de ver aquela foto e sentir que meu coração ia explodir de orgulho. Eu pensei, Meu Deus, eu preciso fazer isso um dia. É claro, esse era um sonho ridículo por vários motivos. Em primeiro lugar, existem 200 milhões de pessoas no Brasil, e todos eles querem ser jogadores de futebol (mesmo os caras mais velhos).

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Primeiro nós atacamos Em segundo lugar, eu nem mesmo era jogador de futebol ainda. Eu só jogava futebol de salão num time local. Viajar por um clube de futebol não era algo muito realista para a minha família. Talvez as pessoas nos Estados Unidos ou na Inglaterra não entendam isso muito bem, mas a gasolina no Brasil, principalmente quando eu era criança, era muito cara. Felizmente, meu avô estava disposto a sacrificar tudo por mim. Ele é a pessoa mais importante na minha história. Se você quiser visualizar o meu avô… bem, ele era uma figura. Ele sempre estava com óculos de sol, e ele costumava dizer uma frase. Ele dizia isso sempre quando ele estava com os amigos. Como posso dizer isso? Bom, ele falava assim… “Eu não tenho um puto no bolso, mas eu sou feliz pra car****!”. Ele costumava me levar para o futebol de salão numa Variant. Eu acho que o carro era modelo 1969. Quando eu tinha 8, 9 anos de idade, comecei a viajar bastante com o time e era muito caro pra gente pagar pela gasolina, pelo almoço e por tudo mais, então, meu avô tomou u m a decisão que mudou a minha vida. Ele vendeu

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o carro e usou o dinheiro para pagar por nossas passagens de ônibus. Por anos, ele ficou sem carro, só para que eu pudesse continuar jogando futebol. Ao fazer um sacrifício como esse, talvez você possa pensar que ele se sentia como um mártir ou dizer, “Oh, coitado de mim”. De jeito nenhum. “Meu neto é o maior jogador de futebol do Rio de Janeiro. O maior jogador no Brasil! Magnífico! Imparável.” Aos olhos dele, eu nunca cometia um erro. Era hilário. Ele voltava para casa depois de ter assistido aos meus jogos e dizia pro meu pai. “Você tem que vir assistir o Marcelo jogar. O que ele fez hoje, oh meu Deus, foi mágico. Incrível.” Mas o meu pai sempre tinha que trabalhar. Ele provavelmente pensava que o meu avô era louco. A parte mais engraçada era quando eu não jogava nada e nós perdíamos. Ele não me criticava porque ele sabia que eu sabia onde eu errava. “ah, depois você vê isso daí…”. Ele me fez sentir como se eu fosse o Ronaldo quando eu tinha 9 anos de idade. Eu juro por


Primeiro nós atacamos Deus, eu andava pela casa com meu peito estufado, tipo, Eu sou jogador de futebol. Então, um dia, quando eu tinha talvez 12 anos de idade, meu avô apareceu no meu jogo dirigindo um fusca laranja. Ele diz, “Entra aí, nós vamos de carro para casa”. Eu, tipo, “O que está acontecendo? Onde você conseguiu isso?” Ele, “Jogo do bicho”. No Rio, o Jogo do bicho pode não ser 100% legal, mas é o jogo do povo. Você escolhe um número associado com um animal – como uma avestruz ou um galo ou qualquer coisa. Todo dia, tem um novo sorteio do jogo de bicho. Meu avô ganhou não sei quanto dinheiro no jogo do bicho e daí ele comprou um Fusca. Era inacreditável. Nós íamos para todo lugar com aquele carro. Mas quando eu tinha 15 anos, fui convidado para jogar futebol de campo com o time juvenil do Fluminense. O problema era que o campo de treinamento era em Xerém, quase duas horas de distância da minha casa, e ia ser impossível pra gente pagar combus-

FICHA TÉCNICA NOME COMPLETO: Marcelo Vieira da Silva Júnior

DATA DE NASC.: 12 de maio de 1988 (29 anos)

LOCAL DE NASC.: Rio de Janeiro (RJ), Brasil

NACIONALIDADE: brasileiro ALTURA: 1,74 m PÉ: canhoto CLUBE ATUAL: Real Madrid NÚMERO: 12 POSIÇÃO: Lateral-esquerdo CLUBES

JOGOS (GOLS)

Fluminense 30 (6) Real Madrid 422 (29) Seleção Brasileira 49 (6)

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Primeiro nós atacamos tível para ir lá todos os dias. Então eu decidi que ficaria nos dormitórios do clube. Eu ficava totalmente sozinho, longe da minha família. Meu avô ainda iria até lá aos sábados à noite para que eu pudesse ficar os domingos em casa no Rio, então, ele me levava de volta. Você precisa entender isso. Ele ganhou no Jogo do bicho. Então era um Fusquinha antigo, dos anos 1970. Todas as vezes que ele fazia uma curva, a estação de rádio mudava. Depois de um tempo indo e voltando, eu estava simplesmente exausto. Eu me sentia como um escravo do futebol. Eu via todos os meus amigos indo pra casa, pra praia, curtindo a vida, e tudo que eu fazia era treinar. Um dia meu avô foi me buscar e eu disse a ele: “Chega, eu vou desistir e vou voltar pra casa”. Ele disse, “Não, não, não. Você não vai fazer isso. Depois de tudo que nós lutamos?” Eu disse: “Estou no banco de reservas. Estou jogando fora minha juventude. Chega.” E então ele começou a chorar. Ele disse, “Marcelo, fique calmo. Você não pode desistir agora. Eu tenho que ver você jogando no Maracanã um dia”. Aquilo realmente tocou meu coração. Eu disse a ele, “tudo bem, eu vou jogar mais uma semana.” Eu desisti de desistir de jogar bola. Dois anos depois, eu entrei no gramado do Maracanã pelo time principal do Fluminense com meu avô assistindo nas arquibancadas. Ele sabia. Ele apostou em mim desde o começo, e

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ele simplesmente já sabia. Quando eu completei 18 anos, alguns clubes da Europa começaram a me rastrear. Eu ouvi que o CSKA de Moscou me queria, assim como o Sevilla. Naquela época, o Sevilla estava voando, com o time cheio de brasileiros, então eu pensei. “Ow, Sevilla, pode ser manero”. Então, um dia eu recebi a ligação de um agente. Ele disse, “Você quer ir para o Real Madrid?” Ele disse isso como se fosse a coisa mais natural do mundo. Então eu disse, “Claro, né?” Mas eu não sabia quem era esse cara. Então ele disse, “Então você vai para o Real Madrid. Guarda isso que estou te falando.” Algumas semanas depois, nós estávamos jogando em Porto Alegre, e o Real Madrid enviou alguém para me encontrar no hotel. Então eu fui até o lobby e um senhor se apresentou. Mas ele não estava usando um distintivo do Real. Ele não me entregou um cartão ou qualquer coisa do tipo. E ele começou a me perguntar coisas, tipo “Você tem namorada?” Eu disse: “Sim, claro”. Ele diz: “Com quem você mora?”. Eu: “Com a minha avó, tal.” De novo, sem qualquer cartão de identificação, sem escudo do Real Madrid. Sem papeis de contrato. Então eu esta-


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va realmente pensando comigo, Isso é pra valer? Estou prestes a ser jogado num avião para a Sibéria ou algo do tipo? Dois dias depois, eu recebi uma ligação de que o Real queria que eu fosse para Madrid para fazer um exame médico. Eu ainda estava pensando, isso é sério? Você tem de compreender algo a meu respeito. Até os 16 anos de idade, eu nem mesmo sabia que existia uma Champions League. Eu lembro disso exatamente – eu estava sentado na sala do clube em Xerém, e alguns caras assistiam a um jogo na TV. Era Porto x Mônaco. Mas na verdade o jogo parecia diferente. Era noite, com todas as luzes brilhando, com todos os torcedores, e o campo era tão bonito e sem buracos…era simplesmente incrível. No Brasil, pelo menos naquela época, as luzes não eram tão brilhantes. A grama não era tão verde.

Parecia que aquele jogo estava sendo transmitido de outro planeta que eu não conhecia. A certa altura, eu tava tipo, “Ei, que car***** de jogo é esse?”. Meu amigo diz, “Champions League”. Eu disse, “Champions do quê?”. Ele, “Cara, é a final da Champions League”. Eu não fazia a menor ideia do que ele estava falando. No Brasil, a Champions League só era exibida nos canais a cabo. A maior parte das pessoas, como eu, não tinha acesso a isso. Então, como eu dizia, eu estou no avião indo pra Madri. Lembre-se disso, eu tinha acabado de fazer 18 anos. Eu juro por Deus que eu achava que estava indo para lá só pra uma conversa. Quando eu cheguei para o encontro com o clube, eu vi os contratos com o símbolo do Real Madrid em cima – e assinei aquilo tudo rapidinho. Então, os caras de terno me levaram direto para o campo de futebol. Eles me apresentaram para a imprensa na-

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Primeiro nós atacamos quele dia. Eu não fazia ideia que já seria apresentado. Minha própria família no Brasil me disse que eles não acreditavam que era verdade até que eles viram a notícia aparecer no Globo Esporte: AOS 18 ANOS, MARCELO É APRESENTADO NO REAL MADRID. Um dos motivos que fazia tudo parecer tão irreal era o fato de Roberto Carlos ser o meu ídolo. Para mim, ele era Deus. Ser contratado pelo mesmo time do Roberto Carlos, na mesma posição, eu não podia acreditar. Entrando naquele vestiário… você tinha Robinho, Cicinho, Julio Baptista, Emerson, Ronaldo, Roberto Carlos. Seis lendas brasileiras. Além de nomes como Casillas. Raul. Beckham. Cannavaro. O pequeno Marcelito andava por ali, tipo, eu só conhecia esses caras pelo videogame. Eles podiam ter me engo-

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lido. Mas deixe eu te contar uma coisa sobre o Real Madrid. É um clube especial nesse sentido. Roberto Carlos caminhou comigo no primeiro dia e disse, “Aqui está o meu número de telefone. No caso de você precisar de alguma coisa. Qualquer coisa… você me liga.” No meu primeiro natal em Madrid, ele convidou minha esposa e eu para ir à casa dele com toda a sua família. O cara é meu ídolo, e nós estamos disputando a mesma posição como lateral esquerdo. A maioria dos caras não teriam feito aquilo para um moleque mais jovem. Mas era o Roberto Carlos. Ele é confiante. Este é o sinal de um homem de verdade. Eu me inspirei muito no Roberto Carlos dentro de campo também. Roberto Carlos ia pra cima e pra baixo como uma animal na ala es-


Primeiro nós atacamos o Cannavaro. Você pode ir.” É como o Casemiro faz comigo hoje. “Vai pra cima, Marcelo. A gente dá conta do resto depois”. Ahhhhh, Casemiro. Ele salvou a minha vida. Eu poderia jogar até os 45 anos de idade com esse cara do meu lado. querda. Se você me ama ou me odeia, você sabe do que sou capaz quando estou lá. Eu adoro atacar. Não, é atacar como todos os laterais fazem. É A-TA-CAR, como se eu fosse um ponta mesmo, entende? E depois, na defesa? A gente tenta consertar o problema. A gente dá um jeito. Mas primeiro a gente gostava de atacar. Você só pode jogar desse jeito se você tiver um bom entendimento com os seus companheiros de equipe. Fabio Cannavaro jogava do meu lado, e ele me dizia: “ Você pode atacar, Marcelo. Fica à vontade. Pode ir, que eu sou

Quando eu cheguei em Madrid, Cannavaro me ajudou a ficar mais solto. A regra era, eu podia atacar desde que eu voltasse correndo pra defesa. Mas e quando eu estava atrasado para voltar para a nossa metade do campo? Hahahahahah. Ah, cara. Aí ficava sério. O cara sabia gritar. Ele pegava no meu pé. Cannavaro pegava pesado comigo com razão, e eu amo ele por isso. Ainda assim, você aprende rapidamente que o nível no Real é muito alto. No final da minha primeira temporada, o diretor me chamou na sala dele, e eu ainda era jovem e inexperiente. Entrei lá com meu boné na cabeça,

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Primeiro nós atacamos tranquilão. Ele me disse que o clube queria que eu saísse por empréstimo. Eu entendi o que eles estavam tentando fazer. Eles queriam que eu adquirisse experiência. Mas eu pensei, este é o Real Madrid. Se eu sair agora, eles podem nunca mais me ter de volta. Ele queria que eu assinasse um pedaço de papel. A única coisa que eu perguntei a ele foi, “Se eu não assinar isso, então eu não tenho que sair, certo?” Ele disse, “Bem, é isso. Se você não assinar, você fica por aí. Se o técnico quiser ficar com você, então vai ser isso mesmo. Mas eu acho que você precisa adquirir alguma experiência”. Eu pensei, Só com porrada ou com polícia pra eu sair daqui. Eu disse, “Eu vou pegar experiência. Deixa isso comigo”. Eu agradeci a ele e saí da sala. Roberto Carlos foi embora naquele verão e eu comecei a jogar mais. O pequeno Marcelito decolou. Sempre que

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eu voltava para o Brasil nas férias, eu ia visitar o meu avô, e ele continuava colocando todas aquelas coisas numa estante da casa dele. Quando eu tinha 6 anos, ele começou a fazer um tipo de galeria para minha carreira. Ele colocava todas as fotos do time e todos os troféus ali, e sempre que eu marcava um gol, ele registrava isso num caderninho. Literalmente, todos os gols que eu tinha feito desde os tempos de escola. Sempre que eu saía nas páginas dos jornais da cidade, ele pegava uma tesoura e recortava a matéria, plastificava e tudo mais. Em uma de minhas férias de verão do Real Madrid, e eu percebi que ele ainda estava fazendo isso. Ainda cortando tudo e plastificando tudo. Mas nós estávamos ganhando La Liga. Tinha muito material saindo na imprensa. Ele pegava todos os jornais. Ele não perdia nada. Eu sempre quis acrescentar duas coisas naquela estante: uma foto minha segurando o troféu da Champions League e uma foto minha curtindo na frente de um avião depois de ganhar uma Copa do Mundo, balançando a bandeira do Brasil como o Romário. Quando nós chegamos à final da Champions League contra o Atlético de Madrid, meu avô estava doente. Antes da final, eu tinha começado uma sequência de quatro jogos como titular. Eu estava pronto. Infelizmente, o técnico escolheu outro para jogar no meu lugar. O que você quer que eu


Primeiro nós atacamos diga? Eu fiquei muito triste no começo. Com um pouco de raiva. Mas, na minha mente, eu sabia que havia algo maior reservado para mim naquela noite. Eu sentei no banco e esperei. Quando nós estávamos perdendo de 1 a 0, eu esperei. Aos 45 minutos do segundo tempo, eu ainda estava esperando. Se você me conhece, ou teve a chance de me conhecer durante essa história, você pode imaginar o que estava se passando na minha cabeça. Eu não preciso dizer. Então, aos 48 minutos do segundo tempo, o Sérgio Ramos nos salvou da morte novamente. Eu não sei o que é que esse cara tem. Acho que pode ser o cabelo. Quando o técnico chamou a mim e ao Isco na prorrogação, eu corri para o campo com muita raiva – mas um tipo de raiva boa pra jogar. Eu queria conquistar. Eu queria deixar tudo no gramado. Na hora que eu marquei o gol do 3 a 1, eu acho que meu cérebro travou, de verdade. Eu pensei em tirar a minha camisa. Daí eu pensei de novo, eu não posso tirar a camisa, eu posso receber

um cartão. Então eu fiquei sério. Daí eu comecei a chorar. Uma loucura. Dez anos antes em Xerém, eu olhava para a TV e via as luzes brilhando e a grama verde, e perguntava: “Que jogo é esse?”. Dez anos depois, eu estava segurando o troféu. La décima – o décimo campeonato europeu na história do Real Madrid. Alguns meses depois daquela final, meu avô morreu no Rio. Eu tenho muito orgulho de ele ter me visto levantar o troféu da Champions League. Foi por causa dele que eu chegue naquele pódio. Às vezes eu acordo e penso, “11 temporadas pelo Real Madrid. 11 anos jogando pelo Brasil. Para um jogador maluco como eu. Como eu ainda estou aqui?”. Se eu te dissesse que isso é normal, eu estaria mentindo. Todos os dias quando eu apareço para treinar,

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Primeiro nós atacamos estaciono meu carro e vou para o vestiário do Real Madrid, é uma emoção gigante. Mesmo que eu não demonstre isso, dentro de mim, eu sinto isso profundamente. Eu ainda estou em estado de choque todos os dias. Para mim, ser parte do legado do clube não tem preço. Mas eu tenho uma missão final. Na Copa do Mundo de 2018, a Seleção Brasileira está voltando. Escreva o que estou te dizendo. Coloque um selo. E mande pelo correio para si mesmo. Com o Tite como nosso técnico, eu sinceramente acredito que podemos colocar a bandeira brasileira de volta ao posto mais al to. Eu posso te dizer que ele é uma pessoa fenomenal. Na verdade, quando ele aceitou ser técnico da Seleção, ele me ligou e disse: “Eu não estou prometendo a você que eu vou te convocar, mas se eu fizer

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isso, você ainda estaria disposto a jogar pela Seleção Brasileira?”. Eu disse, “Professor, só o fato de você estar me ligando, para mim é uma emoção gigante. Eu venho jogando pela Seleção Brasileira desde que eu tinha 17 anos. Eu pegava voos de 20 horas sentado num lugar horrível, e agora que eu estou com um bom assento, você acha que eu não vou? Estou disponível sempre que precisar de mim.” Aquele telefonema foi tudo para mim. Foi a primeira vez que eu recebi um telefonema de um técnico da Seleção Brasileira, e olha que faz 10 anos que eu jogo pela Seleção. Eu mataria pelo Tite, e vou fazer de tudo que eu posso para colocar um troféu de ouro na estante do meu avô. E se eu não conseguir, o que eu posso dizer? Eu ainda serei o Marcelo. Feliz ca*****!


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Muito mais do que um simples entretenimento. Football Manager chega à maioridade como ma importante ferramenta de análise para times profissionais.

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ssim como na biologia, a teoria da Evolução se aplica também ao universo dos games. No caso dos joguinhos eletrônicos de futebol, as produções até meados dos anos 90 eram risíveis, toscas e sem graça. Mas, para o bem de toda a espécie, a tecnologia digital evoluiu monstruosamente em um curto espaço de tempo. Entre 1994 e 1996, testemunhamos o “boom” de Fifa e International Superstar Soccer (embrião do que hoje conhecemos como Pro Evolution Soccer), franquias que não só reproduziam fielmente o que se passava nos gramados mundo afora como também ajudaram a arrancar de uma vez o mercado de games de futebol da pré-história. Uma nova era, enfim, começava.


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Em comum, Fifa e PES exploravam o jogo jogado, o passe, o drible e a bola na rede. Não que essa engenharia não se sustentasse, mas faltava algo, um novo viés do negócio. Foi aí que em 2005 a inglesa Sports Interactive deu o ar da graça com o Football Manager, um upgrade de Championship Manager, game que durante anos vagou no anonimato. No FM, mais importante que o gol é o trabalho nos bastidores. O usuário “veste” o paletó e assume a figura de manager de um clube profissional, responsável por arquitetar taticamenOusmane Dembelé joga FM nas viagens de jogos.

te o time que vai a campo, gerenciar contratações e cuidar de burocracias pertinentes ao cargo. Quem nunca quis ter um time de futebol sob sua coordenação em todas as instâncias? Pois é, quase todo mundo. Mas a premissa do FM demorou a pegar. O “pulo do gato” se deu em 2010, quando o game sofreu uma repaginada e partiu definitivamente para ganhar o mundo. O sucesso foi tamanho que o FM extrapolou o âmbito do entretenimen-

FM TAMBÉM É CULTURA POP! A relevância do Football Manager na forma como o futebol se desenrola ganhou um novo capítulo em 2014. Produzido pela própria Sports Interactive, o longa-metragem An Alternative Reality: Football Manager Documentary mostra como o game influencia direta e indiretamente no esporte. Exibido em salas de cinema da Europa e de alguns países africanos, o filme conta com depoimentos de figuras notáveis do futebol, como o ex-atacante e hoje técnico Ole Gunnar Solskjaer, um fanático pelo simulador.

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SELECIONÁVEL DE TITE É “PRODUTO” DO FM James Phillips, segundo da esquerda para a direita, fez carreira como técnico, chamando a atenção pelo FM.

to. Com uma base de dados rica e constantemente atualizada, o simulador passou a ser usado como plataforma de análise de clubes profissionais da Europa. Para dar uma ideia de como o negócio ficou sério, em 2012 o FC Baku, do Uzbequistão, levou em conta as habilidades de um jovem de 21 anos no FM para contratá-lo como técnico. Na Inglaterra, onde o jogo nasceu, também teve clube recrutando de maneira nada ortodoxa. James Phillips, um ferrenho usuário do game, fez carreira no pequeno Romsey Town, quebrando inclusive o recorde de precocidade ao dirigir uma equipe na Copa da Inglaterra com apenas 22 anos.

Figurinha cativa nas convocações de Tite, o atacante Roberto Firmino, do Liverpool, deve um pouco do seu sucesso no futebol europeu ao Football Manager. Em 2011, enquanto jogava no Figueirense, Firmino chamou a atenção e foi adquirido pelo Hoffenhein (ALE) por cerca de 4 milhões de euros, em parte graças aos dados coletados no game. “(O Football Manager) foi um bom scouting, definitivamente. Estávamos contratando um jogador da Segunda Divisão do Brasil com apenas 17, 18 anos, uma promessa. No fim, nós o vendemos por 42 milhões de euros mais futuros pagamentos, então acho que, no final, acertamos”, declarou Lutz Pfannenstiel, olheiro do Hoffenhein, agradecido pelo lucrativo acertou ao game.

Mas o fato mais pitoresco aconteceu em 2016. Empresários de jogadores procuraram pelo diretor do game, Miles Jacobson, para pedir melhorias nos atributos de seus

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Uma realidade alternativa clientes. “Empresários pedem regularmente. Jogadores também. Houve propostas no passado e eu apenas digo não”, explicou Jacobson em entrevista à CNN. Na elite, o FM começa a se estabelecer. Times como Manchester United, Liverpool, Arsenal e Chelsea consultam a base de dados do game para prospectar reforços. Entre os boleiros, o simulador é tendência. O francês Bafétimbi Gomis revelou que, antes de assinar com o Swansea, passou um mês controlando o clube galês virtualmente. “É verdade que o FM me ajudou a aprender as características dos meus companheiros. Também aprendi sobre a históra do clube”, disse o jogador. O Brasil é um dos países que mais concentram usuários de FM. Mas essa assiduidade sofreu uma quebra em 2017, quando a Sports Interactive barrou o lançamento do game por aqui em razão de questões envolvendo licenciamento. Para 2018, o problema deve persistir, já que o lançamento oficial do jogo, marcado para 10 de novembro, por enquanto, não foi confirmado em território nacional.

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carreira de jogador de futebol é curta. Aqueles com mais sorte conseguem jogar por 20 anos, mas a maioria não chega nem nisso. Mais do que a carreira que o jogador faz é a lembrança que deixa. Ronaldo completa 40 anos nesta quinta-feira, 22 de setembro, e está eternizado na história do futebol. O Fenômeno, apelido que ganhou na Itália, quando defendeu a Inter, impressionou quem o viu jogar. A Internazionale, aliás, foi o clube pelo qual viveu seu ápice como jogador, mas também as maiores dores da sua carreira, com duas lesões graves. O seu início no Cruzeiro já foi muito impressionante. O garoto, aos 16 anos, já fazia com que as defesas sofressem. Seu talento em campo foi muito maior do que o sucesso que conseguiu. Mesmo sendo um craque, não conquistou uma Copa Libertadores e nem uma Champions League. O sucesso na Copa de 2002 é o seu maior título, mas o seu futebol teve o auge antes. Sua vida fora das quatro linhas sempre gerou polêmica – pouco treino, vida de popstar, modelos, casas noturnas. As le-

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sões, outro problema, também frearam alguém que parecia imparável no início de carreira. Ronaldo foi um fenômeno em campo e será sempre lembrado pelo seu talento. Mostramos um pouco da sua carreira neste especial.

MARCANTE NO PSV Em fevereiro de 1996, a revista Placar fez uma matéria com “o garoto de 20 milhões de dólares”. Na época, era chamado de Ronaldinho e jogava pelo PSV. Ronaldo esteve na Copa do Mundo de 1994, aos 17 anos, mas não entrou em campo. Era, porém, visto como um potencial craque. Já assustava pelo que fazia no Cruzeiro desde os 16 anos, ainda adolescente. Foi para o PSV em 1994 e se tornou rapidamente ídolo dos Boeren. Foi lá que teve sua primeira lesão de joelho, que atrapalhou a sua segunda temporada no clube. Ainda assim, teve uma marca importante de gols: 54 em 57 jogos. Tanto que foi vendido pelos 20 milhões de dólares falados na matéria da Placar. O recorde mundial de transferências naquele momento. Aliás, uma curiosidade é que nesta matéria, Ronaldo falava do sonho de jogar na Internazionale. Isso mesmo, a Inter de Milão, como também é chamada no Brasil, estava na mente do então Ronaldinho já naquela época. O que é curioso, porque a Inter dos anos 1990 era um clube cheio de problemas, que não vencia o badalado campeonato italiano desde 1990, quando tinha o trio de alemães Brehme, Klins-


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ronaldo: 40 anos mann e Matthäus. Era, porém, um dos grandes times italianos e da Europa.

UM RELÂMPAGO EM BARCELONA O destino foi o Barcelona e a Catalunha foi um dos palcos que Ronaldo se destacou mais rapidamente. Naquela época, o Barcelona não passava nem perto de ser o time dominante no cenário europeu que é atualmente. Depois de conquistar a sua primeira Champions League na história em 1992, o time vivia uma crise de identidade após a saída de Johan Cruyff, arrasado pelo Milan de Fabio Capello em 1994. Foi apenas uma temporada vestindo azul-grená, mas a sua passagem é lembrada até hoje pelos torcedores do clube. Foi assustador. O gol contra o Compostela é desses que nos deixa de boca aberta. A parceria com Giovani, então jogando muito também, foi fantástica. No total, foram 47 gols em 49 jogos, uma marca impressionante. Nos acostumamos a ver isso com Cristiano Ronaldo e Lionel Messi, mas naquela época isso era era precedentes. É preciso julgar Ronaldo pelo parâmetro de 1996, não de 2016. Até porque não só as ligas eram outras, mas o futebol era outro.

FICHA TÉCNICA NOME COMPLETO: Ronaldo Luís Nazário de Lima

DATA DE NASC.: 22 de setembro de

1976 (41 anos) LOCAL DE NASC.: Rio de Janeiro (RJ), Brasil NACIONALIDADE: brasileiro ALTURA: 1,83 m PÉ: ambidestro CLUBE ATUAL: aposentado NÚMERO: 9 POSIÇÃO: atacante

CLUBES

JOGOS (GOLS)

Cruzeiro 47 (44) PSV Eindhoven 57 (54) Barcelona 49 (47) Internazionale 99 (59) Real Madrid 177 (104) Milan 20 (9) Corinthians 69 (35) Seleção Brasileira

120 (78)

Aquele time do Barcelona era cheio de estrelas. Tinha Zubizarreta no gol, Laurent Blanc na zaga, Pep Guardiola no meio, Luis Enrique, Figo, Giovanni. O técnico era o lendário Bobby Robson, com José Mou-

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ronaldo: 40 anos rinho ali na sua comissão técnica. Mas a estrela era Ronaldo. Ele parecia imparável. Jorge Valdano, lenda do Real Madrid, disse naquele ano: “Ele não é um homem, é uma manada”. A forma como Ronaldo passava pelos defensores parecia desafiar o impossível. Ele passava pelos defensores onde não parecia haver espaço. Vencia na velocidade, na força e na habilidade, uma combinação explosiva de técnica, habilidade e um físico privilegiado. Bob Robson disse, na época: “Eu nunca vi um jogador mostrar um controle de bola tão preciso em

uma velocidade tão alta”. Se hoje se fala em jogadores que parecem de videogame, Ronaldo talvez tenha sido o primeiro jogador de Playstation. “Ele foi o jogador mais espetacular que eu já vi”, afirmou Luis Enrique, ex-companheiro de Ronaldo e atual técnico do Barcelona. “Ele fazia coisas que eu nunca tinha visto antes. Agora nós estamos acostumados a ver Messi driblar seis jogadores, mas na época não. Ele era forte, um animal”. Basta lembrar que Ronaldo levou a sua primeira Bola de Ouro aos 21 anos, o mais jovem jogador da história a vencê-la (na época de Pelé, só jogadores europeus e que atuavam na Europa podiam ser premiados). É o recorde que ele ainda mantém. Ele quebrou o recorde mundial de transferências duas vezes antes de completar 21 anos de idade. José Mourinho já era polêmico na época. Ronaldo era criticado por uma suposta falta de vontade, de gana. “Nós dissemos a Ronaldo que não é bom marcar um gol maravilhoso e passar os outros 89 minutos dormindo”. A declaração foi dada depois do primeiro gol do jogador no Campeonato Espanhol. Claro que esta crítica se diluiu em meio a tantos gols espetaculares. Havia polêmicas, porém. Ele foi liberado para o Carnaval e as imagens dele festejando, enquanto companheiros treinavam, foi faísca em um barril de pólvora. Sua vida fora de campo sempre foi

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agitada. Ele chegou a questionar as táticas de Bobby Robson, o que levou a mais polêmica. Tudo isso atrapalhou tanto que os torcedores escolheram Luis Enrique, e não Ronaldo, como o melhor jogador da temporada.

maio de 1997, o Barcelona acreditou ter feito uma renovação até 2006 com o jogador, com declarações do então presidente Josep Lluís Núñez dizendo: “Ele é nosso pela vida toda”. No dia seguinte, quando iam assinar o contrato, o acordo ruiu. O presidente do Os vilões mesmo para o Barcelona, então, admitiu: Barcelona, porém, eram os “Acabou, Ronaldo vai emempresários do jogador, bora”. Reinaldo Pitta e Alexandre Martins. Se falava muito A Internazionale de Massida renovação e os empre- mo Moratti já queria tê-lo sários, claro, queriam ma- contratado do PSV e não ximizar o lucro. No final da queria deixar escapar a temporada, no dia 26 de chance desta vez. Os em-

presários do jogador receberam a sua comissão da Inter e o cheque para levar à Catalunha. Depositaram o cheque de 27 milhões de dólares na sede da Federação Espanhola de Futebol, pagando assim a sua cláusula de rescisão, mais uma vez quebrando o recorde mundial de transferências. O Barcelona entrou na Fifa pedindo uma indenização e a entidade obrigou o clube italiano a pagar mais 1,8 milhão pelo jogador, em setembro. Ronaldo, a essa altura, já tinha estreado pela Inter.

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O CÉU E O INFERNO NA ITÁLIA Na Itália, era o melhor atacante do mundo iria para a liga dos melhores zagueiros do mundo. A camisa 9, que ele tanto gostava, já tinha dono em Milão: Ivan Zamorano. Por isso, ele ficou com o número 10 na sua temporada de estreia. E foi um desempenho espetacular, mantendo a ótima forma que já vinha no Barcelona.

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Aquela temporada, 1997/98, talvez tenha sido a melhor da sua carreira. Aos 21 anos, ele marcou 34 gols em 47 jogos. Ficou ainda mais completo: passou a ser o cobrador de pênaltis do time, passou a fazer também gols de falta, virou também um jogador que faz assistências. No final de 1997, levou mais uma vez o prêmio de Melhor do Mundo da Fifa, além da Bola de Ouro – na época, ainda eram prêmios


ronaldo: 40 anos o empate por 1 a 1 na semifinal com a Holanda, com um gol seu e classificação brasileira nos pênaltis. Só que aquela Copa também ficou marcada pela final e a sua convulsão horas antes do apito inicial. A França venceu por 3 a 0, dois gols de Zinedine Zidane, que tomaria de Ronaldo os prêmios de Melhor do Mundo e Bola de Ouro. O Fenômeno terminou a Copa com sua chuteira pendurada no pescoço – um gesto que muitos atribuíram à patrocinadora, Nike, que tinha na chuteira Mercurial usada por Ronaldo um investimento grande. Na sua segunda temporada, a Nike, já a grande patrocinadora do Fenômeno, se tornou também patrocinadora da Inter. E pediu, para não dizer exigiu, que Ronaldo usasse a camisa 9. Foram duas grandes temporadas do Fenômeno na Inter. Mesmo sem tantos gols, com 15 em 28 jogos, apresentou um grande futebol.

diferentes. O final daquela temporada foi em Paris: a final da Copa da Uefa contra a Lazio teve um show de Ronaldo, com golaço passando por Alessandro Nesta e entrando quase com bola e tudo. Os 3 a 0 deram o título europeu à Inter. Veio a Copa do Mundo, que ele jogou muita bola, especialmente naquele que talvez tenha sido o maior jogaço da competição,

Em 1999/2000, a Inter queria acabar com o jejum de títulos na Serie A e tinha um ataque espetacular para isso. Além de Ronaldo, Roberto Baggio e Christian Vieri compunham a linha ofensiva. Só que em 21 de novembro de 1999, contra o Lecce, Ronaldo contundiu o joelho. Rompeu o tendão do joelho e, assim, precisou passar por cirurgia. Voltou a jogar no dia 12 de abril de 2000, no primeiro jogo da final da Copa da Itália. Já era reta final da temporada. E mais uma vez, Ronaldo encontrou o inferno.

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ronaldo: 40 anos Foram apenas sete minutos em campo. Em um lance que correu o mundo, ele tentou o seu característico drible passando o pé em cima da bola. Seu joelho saiu do lugar. Nova lesão. Novo rompimento do tendão. Mais uma vez, a mesa de cirurgia. Outra vez uma recuperação longa. Desta vez, ainda pior. Terminou a temporada 1999/2000 com apenas oito jogos e três gol. Ronaldo perdeu a temporada seguinte inteira, 2000/01. Mesmo na temporada seguinte, Ronaldo jogou pouco. Em 2001/02, foram só 16 jogos e sete gols. O técnico, o argentino Héctor Cúper, não parecia confiar no atacante. Esteve em

campo pouco.Parecia que não teria condições de jogar a Copa do Mundo. Mas Luiz Felipe Scolari acreditou nele, o levou à Coreia do Sul/Japão e todos nós sabemos como a história terminou. A sua saída da Inter logo depois da Copa foi, mais uma vez, polêmica. Os torcedores, apaixonados por Ronaldo, esperavam ver aquele jogador da Copa em campo. Mas ele decidiu ir embora, seduzido por uma proposta do Real Madrid. A bronca da torcida era porque o clube deu a ele todo tempo para se recuperar e esperava, agora, colher os frutos. Mas o seu relacionamento com Hector Cúper era ruim. O técnico não parecia disposto a ceder. Foi vendido ao Real Madrid por € 46 milhões, um valor numericamente muito maior do que o que foi contratado, mas que já não quebrava nenhum recorde de transferências na época. Terminou a sua passagem pela Inter com 59 gols em 99 jogos, além de um imenso carinho da torcida, apesar de tudo. O presidente da época, Massimo Moratti, disse que Ronaldo foi a melhor contratação que ele fez. “Ele poderia ter sido um fenômeno, para mim ele poderia ter o melhor do mundo. Ele tinha as habilidades que ninguém mas tinha. Mas ele não treinava duro o suficiente e não tinha o desejo de sofrer. Ele teve uma carreira pior do que suas habilidades o permitiam. O azar de Ronaldo foi se machucar depois da Copa do Mundo de 1998. Ele tinha uma grande carreira e era um grande jogador, sem aquela lesão ele teria feito ainda melhor”, declarou o dirigente após a aposentadoria de Ronaldo, em fevereiro de 2011.

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ronaldo: 40 anos RONALDO GALÁCTICO E OS PROBLEMAS MILAN BREVE, MAIS UMA LESÃO Depois de jogar no Barcelona e anos deCOM PESO Assim como na Inter, Ronaldo não pôde usar a camisa 9 quando chegou. O número era de Morientes. Ele vestiu a 11 na primeira temporada. Claro que isso não durou muito. Na temporada seguinte, o Fenômeno já passou a vestir a camisa 9. E deixaria a sua marca também no Real Madrid dos Galácticos. Ganhou a liga espanhola duas vezes e o Mundial de Clubes. Ficou nos merengues até 2007, quando deixou o clube com muitas acusações de pouco comprometimento, de jogar sempre acima do peso. Ele foi chamado de gordo muitas vezes. Em 18 de janeiro de 2007, ele teria aceitado uma transferência para o Milan, mas o Real Madrid não aceitou vendê-lo. Ronaldo teve que pagar, do próprio bolso, o resto do seu contrato. Depois de muitas conversas, a transferência foi finalizada no dia 30 de janeiro. Ronaldo deixava o Real Madrid no meio da temporada.

pois jogar no Real Madrid, Ronaldo voltou a jogar por um rival na Itália. Foi ídolo na Inter, mas chegava ao Milan. Ele acertou sua ida ao clube para tentar repetir o sucesso e voltar a jogar com frequência, mas a sua passagem pelo clube rossonero não durou mais que uma temporada. Naquela segunda metade de temporada 2006/07, ele jogou 14 partidas e marcou sete gols. Não era o mesmo Ronaldo da Inter, mas ainda era um atacante letal. O seu período na volta à Milão teve problemas parecidos com o Real Madrid: muitas críticas em relação ao seu peso, o que causava problemas musculares. No dia 13 de fevereiro de 2008, Ronaldo sofreu uma lesão séria no joelho em um empate com o Livorno. Ele rompeu os ligamentos do joelho esquerdo, o que o tirou de ação por um tempo maior do que o do seu contrato, que ia até junho. Acabou sem clube.

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ronaldo: 40 anos ÍDOLO NO CORINTHIANS Sem clube, Ronaldo voltou ao Brasil para a sua recuperação. Ficou treinando no Flamengo, seu clube de coração, o que aumentou as especulações que ele poderia jogar pelo time. No final do ano, porém, ele foi anunciado como jogador do Corinthians no dia 9 de dezembro, para surpresa de muita gente. As especulações sobre a ida de Ronaldo ao Corinthians chegaram a ser dadas como piadas, mas ela se concretizou. Mesmo acima do peso, voltando de mais uma lesão grave e aos 32 anos, Ronaldo foi uma contratação estelar. E a sua passagem pelo Corinthians acabou sendo marcante. Desde a sua estreia contra o Itumbiara, na Copa do Brasil de 2009 no dia 4 de março, até o último jogo com a camisa do Corinthians, a eliminação vexatória contra o Tolima, na fase preliminar

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da Copa Libertadores de 2011, Ronaldo se tornou o grande jogador do time. Conquistou o Campeonato Paulista de 2009 sobre o Santos do então ainda muito jovem Neymar, marcando um golaço. Foi também campeão da Copa do Brasil naquele ano, contra o internacional, sendo absolutamente decisivo na reta final. Foi o seu último título como jogador. Ele ainda seria importante na recuperação do Corinthians em 2010, após a chegada de Tite ao time e depois do desastroso período sob Adílson Baptista. O time foi para a Libertadores do ano seguinte como quarto colocado do Brasileiro, mas a eliminação traumática na Colômbia antecipou o fim da carreira de Ronaldo. Ele anunciou a aposentadoria na semana seguinte ao jogo, no dia 14 de fevereiro de 2011. Ele citou as dores e o hipotiroidismo pela aposentadoria. Ele tinha 34 anos.


ronaldo: 40 anos UMA LENDA Ginaluigi Buffon o enfrentou na Itália, quando o goleiro ainda era jovem. “Se não fossem pelas suas lesões, eu acho que estaríamos falando dele no mesmo nível de Pelé e Maradona. Ele tinhas todas as habilidades necessárias para ser o melhor de todos os tempos. Ele era como um extraterrestre pelo que ele podia fazer no campo”. As lesões, para muitos, vieram pelo seu fortalecimento muscular precoce e seu desempenho fantástico tão cedo. Outros acreditam que tem a ver com o estilo de vida do jogador, que não era dos mais calmos. Seja como for, o “e se…” que as duas possibilidades deixam tornam Ronaldo uma lenda ainda maior. Sua participação pela Seleção será para sempre lembrada. Foram 98 jogos e 62 gols, o que o coloca como um dos melho-

res de todos os tempos, atrás apenas de Pelé (77 gols). Conquistou duas vezes a Copa América, em 1997 e 1999, a Copa das Confederações de 1997 e, claro, as Copas do Mundo de 1994 e 2002, embora só tenha jogado nesta segunda. É o segundo maior artilheiro da história das Copas do Mundo, o que é notável, com 15 gols. Fora de campo, Ronaldo corroeu a sua imagem se envolvendo em polêmicas, como dizer que “não se faz Copa do Mundo com hospitais”, ou viver em um claro conflito de interesses ao ser comentarista na TV, convidado normalmente pela TV Globo, ao mesmo tempo que a sua empresa, 9ine, gerencia a imagem de diversos jogadores envolvidos em jogos que comenta. Ronaldo, como jogador, é uma lenda eterna. Fora de campo, é só um homem comum, que chega cheio de problemas. Como todos nós.

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