Universidade Estadual Paulista 09 novembro de 2012 Trabalho Final de Graduação
Caio Yugo Mizutani RA: 730149 Prof Orientador: Claudio Amaral Coorientador: Paulo Roberto Masseran
Análise da Obra de Helio Oiticica e sua Relação com a Cidade
Dedico este trabalho a todas as pessoas que acreditam na mudanรงa e se deixam transformar.
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Agradeço primeiramente e acima de tudo a minha família, meus pais que sempre incentivaram os estudos, que acreditam na educação como formação da pessoa, e evolução da sociedade, mesmo assim me deram a devida liberdade, necessária para o crescimento e responsabilidade individual. Minha irmã que sempre me apoiou, da qual eu admiro muito e meu irmão que me acompanha nesta caminhada mágica. Agradeço a minha namorada, que me mostra um novo mundo possível, e faz eu me redescobrir a todo o momento. Agradeço a minha segunda família: todos os meus amigos que compartilham ideias, sanduiches, emoções e se tornam um pouquinho de você, tudo junto misturado. O exercício de amar é bom. Foram seis anos muito bem vividos.
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Introdução
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Índice
Hélio Oiticica
Aspiro ao grande labirinto
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Os Penetráveis
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O Movimento
Pça Victor Civita
Masp
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Parangolé
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A dança
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Bibliografia
O presente trabalho pretende analisar a obra de Hélio Oiticica, artista plástico brasileiro, e traçar relações, com a arquitetura das cidades, as transformações que nela ocorrem, a interação entre seus habitantes, a apropriação das pessoas nos espaços. A ideia surgiu pela leitura de alguns textos e críticas de Helio sobre a arte, que ia de encontro ao que penso ser a arquitetura. E quanto mais me aprofundava no assunto, mais semelhanças iam surgindo. Sua critica, pensamentos, obras de arte, fazem uma ponte com a arquitetura, os espaços e as pessoas que neles circundam. Revela o quanto o artista estava além de seu tempo, colocando uma nova forma de fazer e pensar a arte, não fazia apenas a critica pela critica, mas a colocava em prática, experimentando novas formas de comunicação e expressão. Para isso selecionei algumas de suas obras, e relacionei com alguns projetos arquitetônicos, em que o debate de ideias e criticas que resultaram a obra de arte, basicamente se traduzem e se completam nos espaços arquitetônicos.
Quando o Ponto vira Linha?
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1. HĂŠlio Oiticica
Hélio Oiticica foi um artista plástico brasileiro,
performático e crítico, que sempre andou a frente do seu tempo, considerado um revolucionário das artes, pela forma como apresentou seu trabalho e a crítica formada em cima do ambiente existente na época. Era antes de tudo um grande estudioso das artes, um caso raro na arte brasileira onde o próprio artista elabora teorias e conceitua sua obra. Talvez por isso todas suas obras tenha um forte embasamento teórico, nomeando cada descoberta, adquire domínio e controle total sobre sua produção. Escrever passa a ser uma forma a mais em sua expressão.
Nascido em 1937 no Rio de Janeiro, e falecendo jovem, aos 43 anos. Helio Oiticica marcou seu tempo, nos deixando trabalhos importantes, que se caracterizam pela experimentalidade e inovação. Participando ativamente de movimentos que marcam a historia do nosso país. Ainda hoje inspira artistas e é base de estudos e pesquisas.
Participou ativamente de um dos períodos de fortes criticas à arte no Brasil, chamado neoconcreto. Rebelandose contra o conformismo e estagnação cultural dominante no meio das artes, como pensador ativista, defendendo a cultura brasileira e autêntica. “Estamos agora em outro ciclo, que não é mais puramente artístico, mas cultural” (Helio Oiticica, Aspiro ao Grande Labirinto, Rio de Janeiro: Rocco, p.9.)
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Começou nos anos 60, a frequentar a comunidade da mangueira, na zona norte do Rio de Janeiro, e o contato com seus moradores, com a favela, com o samba, influenciou diretamente seu trabalho. Valorizando sua singularidade arquitetônica, urbanística e cultural, Oiticica mostrou para o mundo, traduzido em suas obras, um pouco da singularidade e identidade dessa comunidade. Nessa época o Brasil viveu uma grande mudança nas cidades, com adensamento rápido e aumento significativo das favelas e da desigualdade. O que muitos queriam esconder, aflorava nos pensamentos e criações do Helio. Foi durante sua iniciação ao samba que o artista passou da experiência visual, em sua pureza, para uma experiência de tato, do movimento, em que o corpo inteiro era fonte da sensorialidade. Seu legado até hoje inspira artistas, dançarinos, músicos, por todo o mundo. Sua luta maior era pelo coletivo, pela liberdade, pela cultura, pela valorização dos pequenos atos, das trocas e vivências. Acima de tudo pelo ser humano.
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2. HĂŠlio Oiticica
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3. Metaesquema
Em meados dos anos 1961, Hélio Oiticica começa a colocar em prática uma grande questão que sempre o incomodou: a crítica ao quadro como era tida na época, que enquadrava a pintura, delimitava sua área e espaço de criação. Chamo de Aspiro ao Grande Labirinto essa primeira critica a arte que Oiticica colocou sobre a arte. Para Oiticica estava tudo muito claro, o quadro estava saturado, a pintura deveria sair para o espaço, ser completa, não em superfície ou aparência, mas na sua integridade profunda. “Longe de ser a morte da pintura, é a sua salvação, pois a morte mesmo seria a continuação do quadro como tal, e como suporte da pintura” (Hélio Oiticica, Aspiro ao Grande Labirinto, Rio de Janeiro: Rocco, p.27.). Ele partia de um estudo e leitura de artistas do começo do séc. XIX, Kandinsky seria o primeiro a procurar relações da pintura com a musica. Junto com Melevitch, Tatlin, Wols, Mondrian e outros, chamados por ele de “construtores do fim da figura do quadro”. Ou seja, a desintegração do quadro era a procura de uma arte não naturalista, não objetiva, a desintegração da figura e sua incorporação no espaço e tempo Assim Helio Oiticica passou a desenvolver a passagem do quadro para o espaço. Algo novo, no começo incerto, flutuando na imaginação, mas que ele dizia uma necessidade cósmica, e cabia a ele e ao artista torná-la clara e palpável.
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4. Mondrian, em suas palavras: “Pela unificação da arquitetura, escultura e pintura, uma nova realidade plástica será criada. A pintura e a escultura não se manifestarão como objetos separados, nem em forma de arte muralista” ou “arte aplicada”, mas, sendo puramente construtivas, ajudarão na criação de ambiente não meramente utilitário ou racional, mas também puro e completo em sua beleza.” (Helio Oiticica, Aspiro ao
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O problema estava posto, entrava a discussão do espaço e do tempo. “O espaço é imprescindível como dimensão da obra, mas, pelo fato de já existir em si, não constitui problema; o problema aqui, é a inclusão do tempo “O espaço existe nele mesmo, o artista temporaliza esse espaço nele mesmo e o resultado será espaciotemporal. O problema, pois, é o tempo e não o espaço, dependendo um do outro. Se fosse o espaço chegaríamos, novamente, ao material, racionalizado. A noção de espaço é racional por excelência, provém da inteligência e não da intuição (Bergson)” (Fios Soltos: A Arte de Hélio Oiticica, São Paulo: Perspectiva, p.34). Oiticica cita Bergson em seus estudos, este por sua vez, acreditava que o tempo cientifico não possuía duração, não poderia ser medido. Ele tentava se relacionar com o “intervalo” entre o pensamento científico e a realidade, mas que no fim nunca era alcançado. Assim para Bergson, o tempo real, ou duração, como ele definia, consistia em uma experiência subjetiva, seria sempre diferente, nunca homogêneo. A solução esta em pé de igualdade com a arquitetura. Hélio faz neste ponto a primeira relação da arquitetura com a arte. Para ele arquitetura é o sentimento sublime de todas as épocas, é a síntese de todas as suas aspirações individuais e a sua justificação mais alta. O problema da pintura se resolve com a arquitetura, com a destruição do quadro e da sua incorporação no espaço tempo. O espaço se torna o elemento mais importante nas concepções arquitetônicas contemporâneas. A arquitetura ao mesmo tempo em que dilui no espaço, tende a incorporá-la como um elemento seu.
Oiticica explica o que pensa citando Worringer, que faz um paralelo curioso entre a arquitetura e a estética, colocando a arquitetura grega como exemplo: para ele o espaço é o elemento mais importante para concepções arquitetônicas contemporâneas. A arquitetura grega seria “orgânica” no sentido de ser naturalista, é o perfeito equilíbrio entre a ideia e a fluência orgânica de seus elementos, seria assim, plástica por excelência. Porém, na medida em que a arquitetura vai se tornando não objetiva, “abstrata”, o espaço passa a crescer de importância, assim como seu significado. O mesmo tenta passar Oiticica com sua obra, em seus labirintos, ele quer que
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5. Wols - Composition Jaune
6. Wassili Kandinsky (1923)
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a estrutura arquitetônica recrie e incorpore o espaço real, num espaço virtual e estético. Seria uma tentativa de dar ao espaço real uma vivência estética, aproximando se assim do mágico. Casando o espaço e o tempo em definitivo. “Como está tudo tão claro agora: que a pintura teria de sair para o espaço, ser completa, não em superfície, em aparência, mas na sua integridade profunda. Creio que só partindo desses elementos novos poder-se-á levar a diante o que começaram grandes construtores do começo do século (Kandinsky, Malevitch, Tatlin, Mondrian, etc.) construtores do fim da era do quadro, e começo de algo novo, não por serem “geométricos”, mas porque atingem com maior objetividade o problema da não objetividade.” (Helio Oiticica, Aspiro ao Grande Labirinto, pg. 27) Para Oiticica estava claro que não é a aparência exterior que dá a característica da obra de arte, e sim o seu significado, que surge do diálogo entre o artista e a matéria com que se expressa. Continua assim o pensamento daqueles percussores do desaparecimento do quadro, Mondrian, Wols, não tratam de destruir a superfície e sim dão significações que transformam essa superfície de dentro pra fora.
Por isso também para Oiticica, na arte não existe
“ïnformal” e “formal”, não existe a arte “geométrica” ou de “contornos e manchas”, o problema é bem mais profundo que a aparência. Mondrian pode estar tão próximo a Wols, na concepção e expressão. Um “geométrico” e outro das “manchas”, ambos são pintores e tem a faculdade de dar ao espaço dimensão infinita e colocam a pintura numa posição ética e vital de profundíssima significação. Estão mais próximos entre si, do que a maioria de seus seguidores, que vieram depois de seus reconhecimentos. Assim Aspiro ao Grande Labirinto marca uma nova experimentação na área das artes plásticas. Coloca o artista frente a frente com sua críticas e indagações, inicia a discussão do espaço e o tempo e propõe uma integração entre as artes, a procura de uma arte não objetiva, universal.
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7. Av. Paulista (MASP)
O Museu de Arte de São Paulo de Lina Bo Bardi surge nessa relação entre arquitetura e arte, espaço e tempo, este edifício, a meu ver, representa todo o simbolismo de quebra dos limites do quadro. Representa a valorização do espaço em relação a forma, deixando o naturalista, o objetivo, e trazendo importância ao seu significado, um significado universal. O edifício ocupa o alto do principal divisor de águas da cidade, a Avenida Paulista. Tem por um lado um remanescente de mata atlântica, o belo Parque Siqueira Campos, e por outro o início de um talvegue onde se implantou uma das principais vias radiais do Plano de Avenidas, projetado pelo engenheiro Prestes Maia em 1930, e que atravessa o espigão por um túnel em direção à sudoeste. Essa situação especial conduziu as decisões de projeto de Lina Bo Bardi, que colocou o edifício totalmente suspenso, o que garantiu a continuidade do parque com a paisagem do vale; e a fachada, inicialmente opaca, aos poucos foi ganhando transparência, tomando forma com o conjunto. Para o professor Gèrard Monnier, o edifício do MASP é um “edifício-acontecimento”: uma obra que extrapola seus fins ordinários e se torna peça relevante para além do contexto arquitetônico e urbanístico, incorporando significados diversos à memória coletiva. Pelas palavras da própria Lina, o museu procurou o sentido do coletivo, de dignidade cívica, e nisso estava o “monumental do edifício”, a arquiteta quis exatamente eliminar o esnobismo cultural dos intelectuais. Aproveitou os anos vividos no nordeste, e sua experiência: o arcaico, as várias culturas ali presentes, somado à essencialidade derivada da pobreza (como o aproveitamento do lixo para produção de utensílios) e aos objetos de crendices e religiões, aprendeu a construir com esses fragmentos uma totalidade, uma civilização e sobre ela estruturar uma alternativa de futuro. Assim de volta a São Paulo, exercitou a experiência de simplificação, o concreto aparente, o não acabamento.
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8. MASP
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Buscava também a participação do povo: as pessoas se misturam com os quadros e esculturas, realizando uma fusão de imagens que simboliza a aproximação desejada entre arte e vida. É como se o espaço expositivo metafísico, vazio e transcendente, das perspectivas do Museu fosse invadida pelo povo. A fachada de vidro, o vão aberto, expandia a pinacoteca à cidade. Seria um esforço à popularização do museu. O acervo do MASP também foi escolhido cuidadosamente e estudado para ser grandioso e ao mesmo tempo despertasse reações de curiosidade, espanto, admiração. Com obras de diversas épocas, pretendia-se oferecer ao “espectador a observação pura e desprevenida”, sem preconceitos que destacassem esta ou aquela obra de arte, evitando a reprodução automática dos valores sedimentados na Europa ao longo de séculos. Em algumas situações chegou-se a ocultar as etiquetas de identificação para permitir um julgamento espontâneo de um olho inculto, sem vícios. Os Bardi pretendiam que essa fosse uma oportunidade de apropriação daquele patrimônio, gerando uma cultura própria, um ambiente no qual o visitante experimentaria. Tornou-se assim uma arquitetura universal onde a relação de artista e obra passa a ser não particular, assim como pensava Mondrian e Oiticica. Uma arquitetura onde o espaço toma importância maior que seu desenho, ou aparência. Assim aconteceu com o MASP, que historicamente se tornou um espaço de encontros, vivências, lutas sociais e palco de grandes acontecimentos, tornou se um símbolo da cidade, uma arquitetura universal. Tem contido no seu interior infinitos significados e valores, diferente para cada cidadão que por ali passa, e toma o edifício como parte de si.
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Seus traçados também lembram a vontade de Mondrian em uma obra viva, onde as linhas horizontais e verticais, os espaços brancos e pretos criam a necessidade de verticalizar o espaço, de quebrar a moldura, o edifício quebra a sequencia da avenida, não se sabe onde começa onde termina, dando a superfície uma dimensão infinita. Infinito o olhar que se transpõe à marquise do MASP e vê a cidade de cima, participa da cidade, é a cidade.
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9. Manifestação vão MASP
10. Feirinha MASP
11. Meditação no MASP
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12. Magic Square - Inhotim
Hélio Oiticica passa então a fazer esudos, primeiro em maquetes, depois em tamanho ampliado do que ele chamava de penetráveis. Projetos, onde experimentava novas formas de interação entre expectador e obra de arte. Os penetráveis seriam basicamente labirintos de diversos materiais, texturas e tamanhos, onde o expectador o percorria pisando na areia, cimento, pedra, folhas, tocando em tecidos, cordas, madeira, despertando sensações e o colocando numa experiência multissensorial, o que na época foi muito polêmico, pois a ideia de instalação ainda era pouco conhecida. Os Penetráveis partiam da cor: a cor no espaço e no tempo, a cor se desenvolve em estruturas polimorfas de placas que se sucedem no espaço e no tempo, já o caráter móvel dessas placas, dava o sentido de labirinto. A cor para Helio teria o sentido de luz, é a relação física e psíquica, a qual quer sempre se expressar. O branco seria a cor-luz ideal, síntese de todas as cores, e cada cor teria uma escala de luminosidade ou opacidade. Por isso a importância da cor nos estudos e obras de Hélio, seriam como as bases e a matéria prima do artista. Ele depois nomearia como estrutura cor. “É preciso dar grande ordem à cor, ao mesmo tempo que vem a grande ordem dos espaços arquitetônicos. A cor, no seu sentido de estrutura, apenas pode ser vislumbrada. A grande ordem nascerá da vontade interior em diálogo com a cor, pura em estado estrutural; é um instante especial que, ao se repetir, criará essa ordem; são instantes raros. A cor tem que se estruturar assim como o som na música; é veículo da própria cosmicidade do criador em diálogo com seu elemento; o elemento primordial do musico é o som; do pintor a cor; não a cor alusiva, “vista”; é a cor estrutura, cósmica. Mas o diálogo cria sua ordem, que não é unidade, mas pluralidade: exige o tempo para se exprimir; esse tempo pode ser a cristalização da expressão ou a sua diluição. Para uma grande ordem na expressão, de que a cor é elemento principal, é preciso que o artista se torne superior, eticamente caminhe para cima” (Fios Soltos: A Arte de Helio Oiticica, São Paulo: Perspectiva, p.41).
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13. NC1 – Pequeno Núcleo nº1 (1960)
Os primeiros estudos sobre os penetráveis era apenas placas de cor, suspensas no ar, em que a visão estática, de um ponto só da obra, não a revelaria por inteiro, a intenção era de o espectador girar sobre a obra, mudar seu campo de visão, a visão cíclica, e poderia também movimentar a placa. Seria o primeiro desenvolvimento nuclear da cor: trabalhando com nuanças sutis de tons de uma mesma cor. Esta técnica de pintura tonal, em todas as épocas, era trabalhava para amenizar os contrastes, para integrar todas as cores num clima de serenidade. Porém o que procurava Hélio em seus Penetráveis não era amenizar os contrastes, mesmo o fazendo em certo sentido, mas sim de movimentar virtualmente a cor. Colocando de novo a problemática do espaço tempo na estrutura cor.
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Oiticica experimentou também nos Penetráveis a ideia de improviso. Ele dizia que a necessidade de improvisar é uma das características mais importantes da arte contemporânea. Ela surge quando a preocupação formal já se superou em um conceito de ordem livre, de espaço e tempo, atingindo um grau mais universal de expressão.
14. A Invenção da Luz (1978)
Na experiência dos penetráveis ao verificar reações e sensações no decorrer da exposição, Oiticica fez uma importante descoberta, que a informação estava contida na própria ambientação, algumas obras, se isoladas em seco, não comunicariam com plenitude o seu sentido. O ambiente que ele criava não era pois algo gratuito, superficial ou decorativo, como poderiam parecer, mas a contemplação dessas obras, a obra “pedia” um ambiente, seria como uma introdução à obra. Como exemplifica Oiticica: “Talvez não tenha Mondrian deixado nenhuma específica introdução quanto a isso; mas quando vemos as fotos de seu ateliê em Nova Iorque, com a ambientação que criara para a condição, para o nascimento de cada obra sua, vemos que estas “viviam” muito mais ali, antes de entrarem no consumo “Cultura-comércio” em que se transformaram posteriormente, guardadas delicadamente atrás de grossos vidros em salas atapetadas etc.” (Helio Oiticica, Aspiro ao Grande Labirinto, pg. 118).
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15. Projeto Cães de Caça
O projeto Cães de Caça é um deles, seria uma maqueta de um jardim, composto por 5 penetráveis, um deles o poema concreto de Ferreira Goulart, que tomou forma de um grande labirinto com três saídas. Ele seria constituído de obras, de caráter estético, assim resaltou um caráter não utilitário e, em certo sentido, mágico. Por ser uma instalação na natureza, Oiticica queria mostrar o desgarramento do natural, conforme partia para o elaborado, pela utilização de diferentes materiais, e não poderia ser uma mudança brusca. Assim a areia seria o natural, a entrada em mármore branco seria o intermediário, e a alvenaria seria o elaborado. O poema de Ferreira Goulart seria segundo ele mesmo: “O poema-enterrado era o seguinte: é uma sala abaixo do chão, no subsolo. Você desce por uma escada, abre a porta do poema, e entra no poema. É um cubo de 2 metros por 2 metros: uma sala que foi construída no quintal do Oiticica. (Eles iam construir uma caixa d’água, mas aí ele insistiu que tínhamos que construir o poema, e o pai dele, também pirado, construiu), Era quase como um túmulo. No centro dessa sala tinha um cubo vermelho de meio metro de lado. Então levantava-se o cubo. Embaixo tinha um cubo verde com trinta centímetros de lado. Levantava-se este cubo. Aí sobrava um cubo branco, este, sólido, compacto, de 15 centímetros de
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lado e pousado no chão. Ao levantar este cubo, sob a face pousada no chão, lia-se a palavra “Rejuvenesça”.” É como se o projeto fosse uma reintegração do espaço e das vivencias cotidianas nessa outra ordem espáciotemporal e estética, como uma sublimação humana. A relação de espectador e estrutura cor se da numa integração completa. Transforma o espectador ao convida-lo a pisar, entrar, interagir com os materiais, em “descobridor da obra”. É a pura disponibilidade criadora, ao lazer, ao prazer, ao mito do viver, onde o que é secreto agora passa a ser revelado na própria existência, no dia-a-dia. A intenção de toda essa experiência era para Oiticica, tornar o que há de imediato na vivencia cotidiana em não imediato.
16. Tropicalia - PN2 (1967)
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17. Praรงa Victor Civita
A Praça Victor Civita, projeto das arquitetas Adriana Levisky e Anna Julia Dietzsch, traduz um pouco da ideia de Penetrável. Talvez em toda praça esteja incrustado a ideia do Hélio Oiticica, como um espaço para reintegração de vivencias cotidiana, sublimação humana. A praça é uma criação física do Homem. Desde sempre as praças serviram como espaço de reunião, de encontro e de troca de bens e de informação. Lamas (1993), defende que a praça é o lugar público intencional de permanência, de encontro, de comércio e circulação, local onde ocorrem importantes acontecimentos festivos, comemorações e manifestações e onde a Arquitetura assume um lugar de destaque. Para Zuliani (1995), a praça é o melhor e mais tradicional local para o comércio, nó formal para onde convergem as ruas centrando em si todas as energias sociais: quem compra, vende, passa, passeia, contempla, conversa, etc. E segundo Caldeira (2007) a praça sustenta um patrimônio rico em história, cultura, tradição e saber sobre a cidade como local de identidade. A praça em seu contexto original, era a parte mais importante da cidade. Nela aconteciam todas as trocas da sociedade: as trocas comerciais de materiais, as feiras; as trocas de informação, onde aconteciam os discursos religiosos, ideológicos, políticos, ou mesmo uma conversa com o vizinho; eram onde aconteciam as festas, comemorações religiosas. Teve grande importância na formação das cidades, eram por essência publicas, esse era o seu poder. Assim aconteceu na Grécia antiga, nas chamadas Ágoras, que eram o centro dinâmico da cidade grega. De acordo com Caldeira (2007) era um local amplo e privilegiado na cidade, limitado pela composição urbanística, normalmente rodeado de colunas e estátuas, onde os cidadãos se reuniam para falarem e para fazer política. Era na ágora que surgiam as correntes de opinião e de pensamento. Saldanha também destaca o poder político que havia nas praças: ele define a ágora como um lugar central e vital e símbolo da atividade política e consequentemente da liberdade do povo grego.
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Porém com o passar do tempo essa importância foi se perdendo cada vez mais, principalmente a partir do século XX as praças entraram em processo de decadência, os motivos são diversos: segundo a teoria de Gehl e Gemzøe (2002), deve-se principalmente ao rápido desenvolvimento ocorrido neste século. O novo estilo de vida alterou definitivamente o encontro dos cidadãos nas cidades e a troca de informação. Como consequência, a praça pública sofreu variadíssimas mudanças físicas, sociais e culturais. Estas mudanças ocorrem pela contínua evolução da sociedade relativamente aos seus hábitos, conhecimentos, objetivos, receios e, essencialmente nos últimos tempos, pelo galopante desenvolvimento tecnológico e científico. O tempo foi abreviado não só no modo de contacto e diálogo entre indivíduos, podendo ser feito por telefone, telemóvel, e-mail, Internet, etc., como também, na mobilidade individual que proporciona autonomia e rapidez nas deslocações. Outro fator importante foi que as praças no séc. XX foram esquecidas por arquitetos e urbanistas, o sistema econômico apelava para o uso do carro, e construções de grandes edifícios, shopping centers, edifícios comerciais, etc. De acordo com Ferrara (1993), o desenvolvimento urbano ocorrido durante o século XIX na Europa transferiu a imagem urbana da praça pública para as ruas, avenidas e boulevards. Isto evidenciou pela primeira vez a vontade de uma exposição mais recatada dos indivíduos. Este fato deveu-se a dois fatores: primeiro ao processo de industrialização iniciado com a Revolução Industrial, que se intensificou durante o século XIX e se agravou no século XX com a revolução tecnológica; segundo, ao movimento moderno, que colocava os espaços públicos e consequentemente as praças para segundo plano. Por volta da década de 70 do século XX, este paradigma mudou e o espaço público urbano começou a ser alvo de preocupação, de interesse e de análise por parte dos urbanistas. A grande maioria das novas praças ou das praças renovadas foram criadas nos últimos 25 anos do século XX. Parte dessa mudança se deu pela consciência ambiental, a praça entra como espaço desafogado de construções, permeável, que visa a salubridade do ambiente urbano.
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18. Antigo incinerador
19. Praรงa Victor Civita
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20. Yoga na Praรงa Victor Civita
21. Palco Praรงa Victor Civita
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A praça escolhida para a ponte com o trabalho de Oiticica, parte do mesmo principio critico de revitalização não só do espaço, mas da forma de pensar dos seus usuários. Em especial a Praça Victor Civita tenta trazer de volta o convívio humano harmônico, harmonia com o meio ambiente, com a cidade e com o próprio ser humano. A praça foi uma revitalização de uma área urbana degradada, onde antigamente funcionava um incinerador de lixo domiciliar e hospitalar. O terreno foi tratado, e hoje abriga o Museu Aberto do Meio Ambiente, tornando se uma referência para questões ambientais. Os espaços de passagem são cobertos por um deck de madeira (aqui comparo o material com a Cor estrutura da qual Hélio menciona), que além de pista de caminhada, mantém afastado o contato do usuário com a terra, ainda contaminado. “Fomos entendendo as condições do terreno e apreendendo sua personalidade, sua condição mista resultante do entrecruzamento dos contextos ambiental e urbano. A arquitetura precisava se posicionar claramente diante de importantes decisões de ordem tecnológica e ambiental”, reflete Adriana. Ela tenta trazer a ideia de praça como antigamente, de espaço para vivencias e integração, de descanso e lazer. Onde as relações humanas ganham espaço no meio a urbanidade. Era a essência que tanto buscava Oiticica, “tornar o que é imediato em não imediato”.
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22. O Lado de Lá/Angola, Congo (influencia africana no trabalho de oiticica)
O Parangolé eram espécies de capas, tendas, estandartes, coloridas, que só estariam completas quando usadas por alguém, quando em movimento. Talvez seja sua obra mais importante e conhecida de sua carreira. Oiticica mesmo dizia que o Parangolé marcava um ponto crucial e que definia uma posição especifica no desenvolvimento teórico de toda sua pesquisa de estrutura cor no espaço. Seria uma nova definição do que seja uma obra. A inspiração para a obra teria surgido de uma construção de um mendigo, como Oiticica conta: “Na Praça da Bandeira havia um mendigo que fez assim uma espécie de coisa mais linda do mundo: uma espécie de construção. No dia seguinte já havia desaparecido. Eram quatro postes, estacas de madeira de uns 2 m de altura, que ele fez como se fossem vértices de retângulo no chão. Era um terreno baldio, com um matinho, e tinha essa clareira que o cara botou as paredes feitas de fio de barbante de cima para baixo. Bem feitíssimo. E havia um pedaço de aniagem pregado num desses barbantes, que dizia “aqui é...” e a única coisa que eu entendi do que estava escrito era a palavra “Parangolé”. Aí eu disse ‘é essa a palavra’” Seria o Parangolé, esse interesse, pois pela primitividade construtiva popular que só acontece nas paisagens urbanas, suburbanas, rurais, etc., obras que revelam um núcleo construtivo primário mas de um sentido espacial definido, uma totalidade. Na arquitetura da favela esta implícito o caráter do Parangolé, tal a estrutura e organização que nela acontece, internamente e externamente. Os labirintos que formam, a dinâmica de espaço, as trocas sociais, internamente às construções por exemplo, percebemos que não há passagens bruscas do quarto para a sala, cada parte se liga a outra com continuidade. Assim como em tabiques de construções, em recantos populares improvisados, nas feiras, nas festas juninas, no carnaval, todas contem o caráter em que o Parangolé foi criado.
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23. Helio Oiticica The Color of Body
Desde o primeiro ato de “carregar” a obra, já se vê a aproximação com os elementos da dança. O vestir a obra é a pura manifestação da estrutura cor no espaço ambiental. (Espaço ambiental era o que Oiticica chamava de espaço de trocas completas.) O “ato” do espectador de carregar, correr ou dançar com a capa, revela a totalidade expressiva da obra. Ela requer ai a participação corporal direta, além de revestir o corpo, pede este movimento. A ação passa a ser a pura manifestação expressiva da obra. A criação da capa, veio trazer a tona não só a questão de inversão dos papeis do espectador, que agora passa a ser participador, da contraposição do “vestir”, em sentido maior e total ao “assistir”. Aborda também o problema da obra no espaço e no tempo. Seria a incorporação máxima e mágica desses elementos
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“O vestir já em si constitui numa totalidade vivencial da obra, pois ao desdobra-la tendo como núcleo central o seu próprio corpo, o espectador vivencia uma transmutação espacial: percebe ele na sua condição de núcleo estrutural da obra.” (Hélio Oiticica, Aspiro ao Grande Labirinto, pg. 71). E por sua vez vê o que acontece no outro, que também veste outra obra, que tranforma o espaço- tempo em obra ambiente, há então a vivencia de uma “participação coletiva”. E esta relação estabelece uma “percepção criativa”, seria o que Oiticica chama de “vivência-total Parangolé”.
24. Performance urbana
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25. Miro da Mangueira com bandeira de Oiticica
A relação da dança, mais especificamente do samba com Hélio Oiticica começou com sua aproximação com a favela da mangueira, e isso o influenciou e despertou novas percepções importantes para a direção de suas obras. Para ser mais preciso, em 1964, dois fatos irão marcar uma reviravolta na sua vida e obra: a morte de seu pai e a descoberta da mangueira. A disciplina, rigor e ordem que sempre aprendeu e seguiu com seu pai, dava lugar a liberdade com o novo contato com a escola de samba da mangueira, onde fora levado pelo escultor Jackson Ribeiro para pintar carros alegóricos para o carnaval. O jovem apolíneo descobrindo a liberdade dionisíaca, a musica, a dança, logo o contagiou e Hélio passou a frequentar e a participar da comunidade, mesmo ali não morando. Hélio Oiticica tornou se um passista importante da mangueira, a dança surgiu assim, como meio de desintelectualização, de desinibição intelectual, da necessidade da livre expressão, já que se sentia ameaçado de sua expressão de excessiva intelectualização. É portanto uma experiência de maior vitalidade e indispensável principalmente como demolidora de preconceitos, estereotipações. Como aconteceu mais tarde, houve uma convergência dessa experiência com a forma que tomou a arte como o Parangolé. A dança foi, portanto, o inicio de uma experiência social. A dança dionisíaca nasce do ritmo interior coletivo, da improvisação, quanto mais livre, melhor, há como uma imersão no ritmo, uma identificação vital completa do gesto. Em verdade a dança, o ritmo, é o próprio ato plástico na sua crudeza essencial. Essa imersão no ritmo é um puro ato criador, uma arte. A derrubada de preconceitos sociais, de barreiras de grupos, seria inevitável e essencial na realização dessa experiência vital. Oiticica descobriu ai a conexão entre o coletivo e a expressão individual. O condicionamento burguês a qual Oiticica estava submetido desde sua nascença se desfez como que por encanto. Como se derrepente, se visse por uma altura superior do mapa, fora dessa distinção entre classes sociais, fora dessa hierarquia.
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26. Tela de Oiticica feita em 1965 em homenagem a Cara de Cavalo
Assim a marginalização tornou-se fundamental para Oiticica, seria a total falta de lugar social, ao mesmo tempo da descoberta de seu lugar individual, como homem total no mundo, como “ser social”. Seria um processo mais profundo, de ser a sociedade como um todo, a vontade de uma posição inteira, social no seu mais nobre sentido: livre e total. A dança não propõe uma fuga desse mundo imanente, mas o revela em toda a sua plenitude. O que seria para Nietzsche a “embriaguez dionisíaca” é na verdade uma lucidez expressiva da imanência do ato, ato este que não se caracteriza por parcialidade, mas sim por sua totalidade como tal: uma expressão total do eu. No Parangolé, por exemplo, quando exige a participação pela dança, é apenas uma adaptação dessa ideia, uma transformação desse “ato total do eu” A experiência da dança, do samba trouxe para Oiticica a exata ideia do que seria a criação pelo ato corporal. Este ambiente que estava em constante transformação, e livre de conceitos, deu base para o que Helio veio chamar de Arte Ambiental: um ambiente onde todos estariam imersos e participantes por completo: a ideia de criação total da participação. Coloca abaixo o conceito de “museu”. O próprio conceito de “exposição” no seu sentido tradicional já muda, pois nada significa expor as peças, assim como o sentido de expectador que passa a ser um participador. Ambiental para Oiticica seria a reunião invisível de todas as modalidades em posse do artista ao criar. Há uma liberdade completa dos meios, em que o próprio ato de não criar, já conta como uma manifestação criadora. No Parangolé essa formulação foi definitiva, nela Oiticica teve a oportunidade de fundir cor, estruturas, sentido poético, movimento, dança, fotografia, textura. Foi mais que chamar o público à sua participação, foi antiarte, foi apropriação das coisas do mundo, foi a ligação definitiva entre manifestação criativa e coletividade, foi um golpe ao conceito de museu, ao conceito de exposição. “O museu é o mundo, é a experiência cotidiana.” (Hélio Oiticica)
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27. Cosmococa 5 Hendrix War
Foi também o começo de tomada de posição de alguns artistas em relação aos problemas políticos, sociais e éticos. A produção artística responde ao que se apresentava naquele momento, particulamente no período de 1965-1968. Oiticica criticava os artistas que produziam arte para a elite, para ele a arte deveria atingir a todos, estar nas ruas, praças, preferia o terreno abandonado à estética dos jardins. “Para quem faz o artista sua obra? Vê-se, pois, que sente esse artista uma necessidade maior, não só de criar simplismente, mas de comunicar algo que para ele é fundamental, mas essa comunicação teria de se dar em grande escala, não numa elite reduzida a experts, mas até contra essa elite, com a proposição de obras não acabadas, “abertas”. É essa a tecla fundamental do novo conceito de antiarte: não apensa martelar contra a arte do passado ou contra conceitos antigos, mas criar novas condições experimentais, em que o artista assume o papel de “proposicionalista”, ou “empresário” ou mesmo “educador”. (Hélio Oiticica, Aspiro ao Grande Labirinto, pg. 97) Ferreira Goulart teve uma importante contribuição nesse sentido, dizia que não era necessário somente a participação do público em geral mas também do poeta, do
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28. CC3 “Merilyn”
intelectual em geral, nos acontecimentos e problemas do mundo, consequentemente influindo e modificando-o, não basta a conciência do artista como homem atuante somente com o poder criador e da inteligência, mas que o mesmo seja um ser social, criador não só de obras, mas modificador de consciência, que o artista participe da sua época, de seu povo. Acreditavam numa força coletiva, onde o público seria a própria criação da arte. Nesse sentido Oitcica exalta mais uma vez a cultura e manifestações populares do nosso pais, como berço dessa arte coletiva, que estariam presente nas escolas de samba, feiras, frevos, folclores, futebol, mas acima de tudo na diversidade que aqui se misturavam, enriquecendo a nossa cultura. “Não pregamos pensamentos abstratos, mas comunicamos pensamentos vivos (...). No Brasil, (...) hoje, para se ter uma posição cultural atuante, que conte, tem-se que ser contra, visceralmente contra tudo que seria em suma o conformismo cultural, político, social (...). Da Adversidade Vivemos!” (Hélio Oiticica, Esquema geral da Nova Objetividade, em Aspiro ao Grande Labirinto, pg. 98)
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29. Passarela sobre a Av. Juscelino Kubitscheck - S達o Paulo
As experiências da arte ambiental focavam primordialmente as possibilidades abertas do comportamento. Quando Oiticica projeta, cria espaços, são como suportes para acontecimentos, a partir da estruturas abertas que surge e espera a ocorrência de comportamentos diversos, de experiências artísticas vivenciais centradas no corpo e na ação comportamental de uma força criativa. Surge uma compreensão da obra como estrutura orgânica, organismo vivo, quase corpo, o objeto não é mais o alvo da participação, mas campo comportamental. Sujeito e objeto formam uma totalidade centrípeta. Assim como colocou Merleau-Ponty: “Nosso corpo não esta primeiramente no espaço: ele é no espaço”. Esta é a chave do que Oiticica chama de arte ambiental: “o eternamente móvel, transformável, que se estrutura pelo ato do espectador e o estático, que também transformável ao seu modo, dependendo do ambiente que esteja participando como estrutura.” Assim, a arquitetura, para Oiticica, tende a diluir-se no espaçoe incorporá-lo, ela é no espaço. Como corpo a arquitetura é uma totalidade espacial transformável e aberta pela experiência vivencial. É o corpo que se comunica, que se relaciona com outros, conformando um tecido celular, uma arquitetura viva, que existe enquanto existe a experiência da manifestação coletiva. Por isso a importância do corpo e da expressão corporal. A arquitetura, por essa via, não se resume a sua materialidade ou constituição física. É o entrecruzamento de relações espaciais e vivenciais geradas pelo corpo ativo. É o veículo para a experiência do corpo. Todos as críticas, pensamentos, criações do Hélio Oiticica, levam ao acontecimento maior que é o movimento. O movimento espaço temporal que rege aquilo que vivemos, pensando na arquitetura, o movimento que existe nas cidades, seus fluxos e contra fluxos, aglomerações e vazios, encontros e desencontros, o movimento que dá vida a arquitetura, que dá significado a arquitetura, onde nós seres humanos habitantes desses lugares somos os protagonistas, cada um do seu modo, na sua ginga, é a arte ambiental que Helio descobriu e nomeou. Acredito que a cidade é viva, imprevisível, que se
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transforma a todo o momento, ela é espaço tempo, devido a esses movimentos que acontecem a todo instante, essa interação entre cidadão e cidade. Ela é labirinto, é penetrável, é parangolé, é dança, é musica, é luz e sombra. A cidade é o movimento. É essa relação de pessoa com o espaço. Michael de Carteau diz que a história começa no chão, com passos. Oiticica já diria que a historia começa com passos que se transformam em dança. Na verdade a historia começa pela interação das pessoas. Esse complexo movimento de passos, danças, fluxos, do qual estamos inseridos, a arte ambiental por excelência que move as cidades. ‘Quando o Ponto vira Linha’, é esse movimento duplo, de força coletiva, onde muitos pontos juntos formam uma linha, ou melhor, formam rabiscos. Entrelaçam-se e formam cidades. É também o movimento que rapidamente repetido transforma um ponto em uma linha. É o fluxo vivo, imprevisível, que move as pessoas. É essa interação onde o ser humano é núcleo. Ele é o corpo que sente, que experimenta, se emociona, interpreta, comunica, e a partir desses sentidos vê o mundo, e interage com outros indivíduos, que se interagem entre si, numa linguagem universal: o movimento, a ação. O cenário é esta grande obra de arte: a cidade, que convida o espectador a ser participante, a ser cidadão. “Viver em conjunto assim, parece um modo de enriquecer e aumentar as possibilidades da existência”.
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30. Praรงa Roosevelt (SP) - Festival Existe Amor em SP
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Livros: JACQUES, Paola Berenstein; Estética da Ginga – a arquitetura das favelas através da obra de Hélio Oiticica (Rio de Janeiro / Salvador: Casa da Palavra, 2007) OITICICA, Hélio; Aspiro ao Grande Labirinto (Rio de Janeiro: Ed. Rocco 1986) FAVARETTO, Celso; A Invenção de Hélio Oiticica (São Paulo: Ed. USP, 1992) BRAGA, Paula; Fios Soltos: A Arte de Hélio Oiticica (São Paulo: Ed. Perspectiva, 2008) M. Ferraz, Lina Bo Bardi (Instituto Lina Bo e PM Bardi, 2007) PEREIRA, Maria Madalena; Praça Pública Sustentáveis (Dissertação para obtenção de Grau Mestre em Arquitetura, Universidade Técnica de Lisboa) Videos: Nelson Motta comenta Hélio Oiticica http://www.youtube.com/watch?v=L00rV_yeaIA Hélio Oiticica “O Museu é o Mundo” http://www.youtube.com/watch?v=ogV2LYkyImE Hélio Oiticica – Porta Curtas 1979 http://www.youtube.com/watch?v=slNZmpnFQvs Programa Experiencia – Hélio Oiticica http://www.youtube.com/watch?v=X8U16y1ss70 Sites: O Museu de Arte de São Paulo: o museu transparente e a dessacralização da arte (Renato Luiz Sobral Anelli) http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.112/22 Corporografias Urbanas (Paola Berenstein Jacques) http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.093/165
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Por uma cidade que se move: corpo, rua e improviso (Julia Saldanha Vieira de Aguiar) http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.106/66 http://www.heliooiticica.org.br/home/home.php http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index. cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_verbete=2020
Creditos das Fotos:
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http://aasavina.free.fr/spip.php?article89&id_
6. Walissy Kandinsky Fonte: http://www.ibiblio.org/wm/paint/auth/kandinsky/ 7. Av. Paulista (MASP) Fonte: http://magriniartes.wordpress.com/2012/10/03/65-anos-de-masp/
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8. MASP Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:MASP_at_Paulista_Av_ in_S%C3%A3o_Paulo.jpg 9. Manifestação vão MASP Fonte: http://juyamamoto.blogspot.com.br/ 10. Feirinha MASP Fonte: http://alessandra-amato.blogspot.com.br/2012/11/feira-deantiguidade-sampa.html 11. Meditação no MASP Fonte: http://artedeviver.org.br/destaques.php?id=86 12. Magic Square Inhotim Fonte: Murilo Nogueira 13. NC1 – pequeno núcleo penetrável (1960) Fonte: http://valiteratura.blogspot.com.br/2010/08/helio-oiticica.html 14. A Invenção da Luz (1978) Fonte: http://valiteratura.blogspot.com.br/2010/08/helio-oiticica.html 15. Projeto Cães de Caça Fonte: http://www.nossadica.com/helio_oiticica.php 16. Tropicalia PN2 (1967) Fonte: http://www.nararoesler.com.br/noticias/abre-hoje-a-retrospectivahelio-oiticica-museu-e-o-mundo-no-rio-de-janeiro 17. Praça Victor Civita Fonte: http://menosde100.com.br/tag/victor-civita/ 18. Antigo Incinerador Fonte: shtml
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