O Corpo do Livro

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um texto de Ellen Lupton



O Corpo do Livro Ellen Lupton

PRATOLDI

e d i t o r a


O Corpo do Livro Copyright©1990 by Ellen Lupton Todos os direitos reservados Direitos para a língua portuguesa reservados, com exclusividade para o Brasil, à EDITORA PRATOLDI LTDA. Rua Taubaté, 24 04589008 - São Paulo - SP Tel.: 5011.2034 impresso no Brasil designers responsáveis Caio Prat Lucas Bernoldi


O Corpo do Livro Ellen Lupton

PRATOLDI

e d i t o r a

São Paulo • 2012



Agradecemos Ă todos que de alguma forma contribuĂ­ram para o nosso aprendizado.



a tipografia existe para honrar o seu conteĂşdo Robert Bringhurst



Nos anos 20,

Lazlo Moholy-Nagy viu a câmara fotográfica como extensão do corpo humano, um instrumento que permite ao frágil olho biológico parar o tempo, atravessar distâncias extremas, aumentar paisagens invisíveis e penetrar estruturas opacas. Todos os objetos manufaturados para uso são extensões do corpo: comida, móveis, abrigos e ferramentas não estão localizados numa região segura “fora” do corpo, mas ao contrário, são continuações do corpo, virando-o do avesso. Como Elaine Scarry escreveu, não existe diferença fundamental entre um objeto que é tão externo e descartável como uma luva e outro interno e permanente como um órgão artificial. Ambos tornam-se parte do corpo.


Mas se alguĂŠm visse a escrita como extensĂŁo do corpo, como um membro artificial ou uma lente de contato?


Como uma cadeira que suporta o esqueleto humano, a escrita suplementa a capacidade de falar: é mais permanente que efêmera, resiste às mudanças de tempo e lugar permanecendo legível na ausência de seu autor. Uma outra maneira da escrita ser uma extensão do corpo: trata-se de um subproduto físico, um traço material da atividade humana. Diferentemente do discurso oral, a escrita deixa, atrás de si, uma marca visível. Como produto final do chamado “processo de pensamento”, a escrita então se assemelha aos excrementos humanos. É também, semelhante aos cabelos, às unhas e à superfície da pele - cada um deles uma parte do corpo que é continuamente regenerada, ainda que biologicamente morta, desconectável, descartável. A escrita é como o sangue, o suor, o sêmen, a saliva e outras substâncias que o corpo produz e elimina periodicamente.


Na linguagem editorial e tipográfica, nos referimos ao corpo de um trabalho como sua “parte principal”, sua parte central, substancial. Quando nos referimos ao “corpo” de uma pessoa, invocamos uma divisão entre dentro e fora: corpo e alma, corpo e mente. Similarmente, o termo tipográfico “corpo” sugere uma divisão entre dentro e fora, entre o que pertence propriamente a um texto e seus “membros” secundários ligados a ele: anotações, notas de rodapé, títulos e subtítulos, figuras, apêndices.


Uma das tarefas do designer gráfico é articular visualmente as diferenças entre os elementos secundários e o “corpo” do texto. Mas, esses membros ficam seguramente “fora” do texto? Ao contrário, poderíamos ver essas partes destacáveis, externas, como órgãos “internos”, sistemas de sustentação da vida, fundamentos para a forma do significado. Como uma extensão do texto, um elemento como uma anotação, uma nota de rodapé, figura ou apêndice é uma parte integral do corpo abrindo a pele do texto, virando-a do avesso.


Enquanto o “corpo” de um texto é tipicamente associado a um único autor, notas, anotações, figuras e apêndices são órgãos utilizados para transportar material externo, para trocar informação com outros documentos. Tais órgãos alimentam, impregnam e, algumas vezes, desfiguram, infectam, o corpo interior. As válvulas desses órgãos servem não apenas para absorver, mas também para expelir, excretar. Elas geram substâncias deixando uma marca, uma trilha de argumentos em excesso no aparente autocontido “corpo” do trabalho. Os órgãos do texto são áreas para elaboração, expansão, transbordo como a liberação periódica de sêmen ou sangue pelo corpo. Por exemplo, notas de rodapé sustentam o texto por baixo; elas representam a fundamentação da pesquisa. Porém, não constituem uma simples base ou pedestal passivo, mas sim um sistema de raízes vital que alimenta o trabalho através de uma rede subterrânea de outros textos. Notas de rodapé podem servir como âncoras mínimas ou como redes loquazes/ eloqüentes que facilitam o entendimento do corpo. Documentando a troca de fluidos entre textos, as notas de rodapé diagramam a paternidade das idéias.




A própria mão pode ser alterada,

“ redesenhada, reparada através, por exemplo, de uma luva de amianto (permitindo que a mão atue em materiais como se fosse indiferente à temperaturas de 500º); a luva de beisebol (permitindo à mão receber pancadas contínuas, como se fosse imune a elas); uma foice (aumentando muitas vezes a escala e a ação cortante da mão); de um lápis (dotando a mão de uma voz), e assim por diante, através de centenas de outros objetos. A mão material (queimável, quebrável, pequena e silenciosa) agora se torna a mão artificial (inqueimável, inquebrável, grande e infinitamente sonora/falante).” Livros de biblioteca são geralmente cheios de anotações de diversos leitores.


Um livro é então não somente lido por muitos, mas

escrito por muitos.



tipografia utilizada: Minion Pro tipo de papel: VergĂŞ tipo de impressĂŁo: jato de tinta




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