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A conversão da penhora em hipoteca: tratamento processual, fiscal e registral

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A conversão da penhora em hipoteca: tratamento processual, fiscal e registral

A conversão da penhora em hipoteca: tratamento processual, fiscal e registral

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SUSANA PATRÍCIA MARTINS PEREIRA

Solicitadora Licenciada em Solicitadoria e em Direito Mestranda em Solicitadoria na ESTG/P. Porto

PATRÍCIA VELOSO

Prof. Adjunta Convidada na ESTG/P. Porto

VIRGÍLIO FÉLIX MACHADO

RESUMO A conversão da penhora em hipoteca, na sequência da celebração de acordo de pagamento em prestações entre as partes na ação executiva, é uma novidade introduzida no nosso ordenamento jurídico através da Lei nº 41/2013, de 26 de junho, que aprovou o Novo Código de Processo Civil. Ao consagrar-se o pagamento em prestações como causa extintiva da ação executiva importava garantir a salvaguarda dos direitos do exequente, e para tanto atribuiu-se àquele a faculdade de não prescindir da garantia dada pela penhora realizada nos autos, convertendo-se a mesma em hipoteca (no caso de imóveis); aplicando-se a esta, desde então, o regime legalmente previsto no nosso ordenamento jurídico para tal garantia real, designadamente no que respeita aos seus efeitos e vicissitudes. Todavia, sem que se retire o mérito a esta inovação, a verdade é que inúmeras questões, eminentemente práticas mas não só, ficaram sem regulamentação/resposta.

Palavras-chave: conversão da penhora em hipoteca; responsabilidade tributária; reconversão; natureza da garantia; falta de personalidade jurídica.

Introdução A extinção da ação executiva, como consequência da celebração de um acordo de pagamento em prestações entre as partes, é uma inovação do Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho. Desde a reforma de 1995 até então, a celebração de acordo de pagamento em prestações determinava a suspensão da instância até integral cumprimento do acordo. Sucede que, a pendência de ações em tribunal foi fortemente criticada pela Troika, aquando da sua intervenção no nosso país. O que levou a que o nosso legislador revisse o regime da ação executiva, e incluísse o pagamento em prestações como causa extintiva da instância. Acontece, porém, que o nosso legislador não ignorou que tal alteração legislativa teria de ser acompanhada de uma medida que acautelasse os interesses dos credores/exequentes, em particular na possibilidade de incumprimento do acordo por parte do executado. Ora, foi por essa razão, para garantia dos direitos do credor/exequente, que o nosso legislador, particularmente inovador, previu a possibilidade de o exequente poder declarar que não prescinde da garantia que lhe é dada pela penhora realizada nos autos e, consequentemente procede-se à conversão da penhora em hipoteca (no caso dos imóveis ou equiparados) ou em penhor (no caso dos bens móveis). Note-se, o regime foi simplificado (aparentemente) a este ponto: o exequente declara que não prescinde da garantia que a penhora lhe dá, de ser ressarcido pelo produto de determinado bem com prioridade face aos demais credores, e o agente de execução procede à conversão da penhora em hipoteca.

Se nos ficássemos por aqui poder-se-ia simplesmente aplaudir o mérito da inovação legislativa. A questão é que, volvidos aproximadamente oito anos após a entrada em vigor do novo regime, e daí a oportunidade da análise do tema, questões de vária ordem se levantaram e se levantam, dado que o regime foi criado sem a devida maturação, mantendo-se inalterado. Veja-se por exemplo a problemática processual e registral que se levanta no cenário de incumprimento do acordo de pagamento em prestações por parte do executado, e em que se vê o exequente obrigado a requerer a renovação da instância para pagamento do remanescente do crédito. Recorde-se que se criou a conversão da penhora em hipoteca precisamente pensando-se nestes casos, para salvaguarda dos interesses do credor/exequente. Pois bem, será que poderá dar-se uma “reconversão” da hipoteca em penhora, para prosseguimento dos autos com as diligências de venda do bem? Não existe norma habilitante. Então como se soluciona a questão? Como se verifica, trata-se de um tema atual, inovador, e cujo regime merece ser analisado nas suas diferentes dimensões. Sendo os principais objetivos do presente trabalho trazer à discussão as problemáticas que a aplicação deste novo regime legal trouxe, e continua a trazer diariamente, em particular aos agentes de execução e credores/exequentes. Para tanto irá analisar-se o regime no seu todo, isto é, na sua aplicação do ponto de vista processual, fiscal e registral, apresentando- se os principais problemas e propondo-se, sempre que possível, soluções.

A Problemática O nosso direito processual civil, enquanto “conjunto das regras e dos comandos normativos que acompanham a vida de uma acção em tribunal, desde que ela é instaurada até ser proferida a decisão que lhe ponha termo1”, distingue as ações, consoante o seu fim, atento ao disposto no nº1 do art. 10º do Código de Processo Civil (doravante designado por CPC), em declarativas ou executivas. Sendo que, nas ações declarativas o autor pretende que o tribunal declare a solução para um dado litígio, proferindo o tribunal uma decisão, fundamentada no direito civil aplicável, que declare, no caso em concreto, a existência ou inexistência do direito invocado por cada uma das partes; ao passo que, nas ações executivas o credor obtém a realização coativa da prestação não cumprida2 . No que respeita às ações executivas, estas podem distinguir-se entre ações executivas para pagamento de quantia certa, entrega de coisa certa ou prestação de facto (positivo ou

1 Montalvão Machado, A., & Pimenta, P. (2009). O Novo Processo Civil. Coimbra, Almedina, pág. 11

2 Nas palavras de Jorge Augusto Pais do Amaral (Direito Processual Civil. (10ª Edição). Coimbra, Almedina, pág. 19), “a distinção entre acções declarativas e acções executivas equivale à diferença entre o simples declarar e o executar, entre o dizer e o fazer. No processo declarativo é declarada a vontade concreta da lei, visando o executivo a execução dessa vontade”.

negativo), conforme dispõe o nº6 do referido preceito. Nesta sede centraremos as nossas atenções na ação executiva para pagamento de quantia certa, cujo regime legal está previsto no título III do CPC (artigos 724º a 858º), nas quais estamos perante um incumprimento por parte do devedor, no pagamento ao credor de uma determinada dívida. Em face de tal tem o credor (que na ação figurará como exequente) a possibilidade de intentar uma ação executiva, desde que se encontre munido de um qualquer título executivo dos elencados no artigo 703º, nº 1 do CPC, contra o devedor (que na ação figurará como executado), a fim de ver o seu crédito ressarcido através do produto da venda de bens que integrem o património do devedor (conforme princípio geral previsto no art. 817º Código Civil (doravante designado por CC)), que se mostrem suscetíveis de penhora3 e suficientes para fazer face ao pagamento da dívida. Sucede que, uma vez intentada a ação, e penhorados ou não bens do devedor, poderá ser alcançado entre as partes um acordo de pagamento em prestações4, como alternativa à penhora e/ou venda de bens que integram o património do executado. Até à entrada em vigor do novo CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho e que entrou em vigor em setembro daquele ano, a celebração de acordo de pagamento em prestações entre exequente e executado ditava a suspensão da instância executiva5. Deste modo, salvo convenção em contrário e sem prejuízo de constituição de outras garantias, a penhora realizada nos autos mantinha-se até integral cumprimento do acordo (art. 883º do antigo CPC). Com a intervenção da Troika6 no nosso país, entre os anos de 2011 e 2014, um dos grandes problemas com que se depararam foi a elevada pendência de ações executivas em tribunal. Aliás, a ação executiva foi considerada nessa fase como o “cancro” da Justiça portuguesa, atento ao número elevado de processos pendentes, de crédito mal parado, e dos prejuízos daí decorrentes. Era, por isso, urgente reformular a ação executiva, tornando-a (ainda mais) célere, eficaz, evitando-se a pendência de ações nas quais não são realizados quaisquer atos por longos períodos de tempo, entre outros aspetos.

3 A penhora, conforme nos ensina o professor Lebre de Freitas (A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013. (7ª Edição). Coimbra, Gestlegal, pág. 234), “é … o ato judicial fundamental do processo de execução para pagamento de quantia certa”, e traduz-se na apreensão judicial de bens do executado.

4 Esta faculdade tornou-se possível com a revisão do CPC operada pelo DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, que veio permitir o pagamento em prestações da dívida exequenda fora do esquema da transação.

5 Tal possibilidade resultava do art. 882º CPC, cuja redação dada pelo DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro era a seguinte “Artigo 882º - Requerimento para pagamento em prestações: 1 - É admitido o pagamento em prestações da dívida exequenda, se exequente e executado, de comum acordo, requererem a suspensão da instância executiva. 2 - O requerimento para pagamento em prestações é subscrito por exequente e executado, devendo conter o plano de pagamento acordado, e pode ser apresentado até à notificação do despacho que ordena a realização da venda ou das outras diligências para pagamento”. 6 Troika é a designação atribuída à equipa composta pelo Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia, responsável pela negociação com os países que solicitam um pedido de resgate financeiro, de forma a consolidar as suas contas públicas.

É movido por este ímpeto que o nosso legislador concebe o novo CPC. O qual, para o que nesta sede releva, prevê, no seu art. 806º, que o acordo de pagamento em prestações celebrado entre exequente e executado acarreta a extinção (e já não a suspensão) da instância executiva. Aqui o nosso legislador inovou, e resolveu uma parte do “cancro” das ações executivas à data, que era causado pela pendência de ações em tribunal que apenas aguardavam pelo cumprimento integral do acordo celebrado entre as partes, nas quais não era praticado qualquer ato na vigência do acordo. E verdade seja dita, entende-se esta solução apresentada pelo nosso legislador. Todavia, a inovação não se ficou por aqui. Consciente de que a extinção da instância, nestes casos, não seria bem acolhida se não fosse acompanhada de uma garantia para o exequente, em caso de posterior incumprimento do acordo por parte do executado, de que os bens já penhorados nos autos serviriam para pagamento do remanescente, mantendo assim o exequente a sua prioridade face a possíveis outras penhoras ou negócios realizados sobre o imóvel pelo executado; o nosso legislador foi mais longe e previu, no nº 1 do art. 807º do CPC, a faculdade do exequente declarar que não prescinde da garantia7 dada pela penhora já realizada nos autos, e deste modo aquela converter-se-á, automaticamente na letra da lei, em hipoteca ou penhor (conforme estejamos perante bens imóveis ou móveis), beneficiando esta da prioridade que a penhoratinha. Após a conversão da penhora em hipoteca o exequente dispõe de uma garantia real sobre determinado imóvel8 , ao passo que até então apenas dispunha do direito de ser pago pelo produto da venda daquele bem com preferência em relação a qualquer outro credor que não tivesse garantia real anterior, nos termos do n.º 1 do artigo 822º do CC. Donde, após a conversão deverá passar-se a aplicar à hipoteca, resultante da conversão da penhora, o seu regime substantivo, tal como previsto no CC. Como se referiu, o regime em questão foi criado em 2013 e mantém-se inalterado até aos dias de hoje, volvidos que são quase oito anos. Não se retira mérito à solução introduzida pelo nosso legislador, não se mostra inatingível qual o propósito que esteve na sua base; contudo, não será exagerado admitir-se que a solução foi pensada sem uma visão ou conhecimento aprofundado do que se passa na prática, na vida real, no dia-a-dia da ação executiva, seja na ótica dos exequentes seja, em particular, na ótica do agente de execução.

7 A letra da lei não é “feliz” quanto a esta questão. A lei refere “se o exequente declarar que não prescinde da penhora…”. Ora, se a execução se extingue, a penhora extinguir-se-á obrigatoriamente. O que o legislador não disse, mas queria dizer a nosso ver, era “se o exequente declarar que não prescinde da garantia dada pela penhora…”. 8 Conforme refere Menezes Leitão, (Garantias das Obrigações. (2012). Coimbra, Almedina, pág. 182) “a hipoteca constitui um direito real de garantia que se caracteriza por…não estabelecer a preferência em atenção à causa do crédito, vigorando antes o princípio da prioridade na constituição”.

Desde logo, e aqui do ponto de vista processual, para que o acordo celebrado entre as partes possa ser processualmente valorado para efeitos de extinção da instância deverá, nos termos previstos na segunda parte do nº 1 do art. 806º do CPC, conter um plano de pagamentos definido. Ou seja, nesta sede o legislador, por razões de segurança jurídica, tal como referem Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo9 , vem impor que as partes não se limitem a declarar que chegaram a um acordo de pagamentos, mas sim, que façam constar do acordo subscrito o plano de pagamento definido, com valor total a pagar, número de prestações, valor de cada uma delas e data do respetivo vencimento. Celebrado o acordo nestes termos, deverá o mesmo ser comunicado ao agente de execução nomeado nos autos, dado que a este caberá proceder aos atos tendentes à extinção da instância. Se a pretensão do exequente for não prescindir da garantia dada pela penhora já realizada nos autos, mormente sobre um imóvel, terá este de declarar expressamente essa pretensão ao agente de execução, nos termos do nº1 do art. 807º do CPC, a fim de este proceder à conversão da penhora em hipoteca nos termos do nº4 do referido preceito. Note-se que, a lei não exige que tal pretensão conste expressa no acordo. Admite-se que possa não ser feita expressa referência no acordo subscrito pelas partes e junto aos autos, sendo apenas tal pretensão declarada pelo exequente aquando da comunicação ao agente de execução da celebração do acordo. Quer fique, ou não, expressamente a constar do acordo, certo é que esta questão será sempre negociada entre as partes nas negociações tendentes à celebração do acordo. Tanto mais que, desta conversão da penhora em hipoteca resulta a obrigação de pagamento de Imposto do Selo (doravante designado por IS), cujo valor a pagar será necessariamente imputado ao executado. Avançando-se para a dimensão registral, comunicando-se o acordo ao agente de execução e declarando-se que não se prescinde da garantia dada pela penhora, este procede à sua conversão em hipoteca junto da conservatória do registo predial. Esta conversão acarreta custos emolumentares. Custos esses que serão, a final, imputados ao executado no valor acordado para pagamento, mas de início será o seu pagamento exigido ao exequente pelo agente de execução, dado que é àquele que cabe o seu pagamento nos termos do art. 721º do CPC. Assim, independentemente dos moldes do acordo de pagamento celebrado entre as partes, o Agente de execução previamente notifica o exequente para pagamento das despesas referentes à conversão da penhora em hipoteca, a fim de oportunamente o proceder à apresentação do pedido de registo de conversão. Em sede de registo predial, a conversão da penhora em hipoteca, prevista no art. 48º-B do Código de Registo Predial (doravante designado por CRPredial), ingressa no registo mediante averbamento à inscrição de penhora, nos termos do art. 101º, nº 2, alínea b) do CRPredial.

9 Costa Ribeiro, V. da. & Rebelo, S. (2017). A Ação Executiva Anotada e Comentada. (2ª Edição). Coimbra, Almedina.

Significa assim que, o que em bom rigor é feito no registo é uma atualização da inscrição de penhora, atualizando-se a mesma com a menção de que aquela penhora “transformouse” em hipoteca, valendo como data da mesma a data inicial da penhora. Assim se garante a prioridade do exequente. Sendo certo que, a posteriori, após cumprimento integral do acordo, deverá o exequente disso informar o agente de execução, para que este promova o competente cancelamento da hipoteca10, nos termos da parte final do nº4 do art. 807º CPC. Note-se, é convertida a penhora em hipoteca e a execução extinta. Após cumprimento integral do acordo pelo executado, que poderá demorar anos, o exequente informa o agente de execução desse cumprimento para que este promova o cancelamento da hipoteca. Entende-se que o legislador não acautelou devidamente esta questão. A nosso ver fará mais sentido que possa o exequente, após cumprimento integral do acordo, emitir um distrate/autorização de cancelamento da hipoteca para efeitos de registo, tal como são emitidos, por exemplo, pelas entidades bancárias aquando do pagamento do crédito habitação. Contudo, e como supra se refere, apesar de extinta a ação executiva poderá esta ser renovada em consequência do incumprimento do acordo por parte do executado, conforme prevê o nº 1 do art. 808º CPC. Temos assim que, a falta de pagamento de uma prestação do acordo celebrado implica o imediato vencimento das restantes prestações11 e permite ao exequente requerer a renovação da instância, para prosseguimento das diligências de penhora e venda para ressarcimento do remanescente em dívida. Ao renovar-se a execução, esta inicia necessariamente pelo bem sobre o qual foi constituída a hipoteca, nos termos do nº2 do art. 808º do CPC. Porém, não se mostra admissível uma “reconversão da hipoteca em penhora”. Se tal fosse possível mantinha o exequente, sem necessidade de novos custos, a penhora inicialmente registada nos autos. Mas tal não sucede, visto que a hipoteca não consta de inscrição autónoma, mas antes de um averbamento à penhora originariamente efetuada. Nestes casos impõem-se ao exequente a obrigatoriedade de requerer o registo de uma nova penhora, desde logo com os custos que daí decorrem. É certo que o exequente não se vê prejudicado no que à prioridade respeita, dado que mantém a que lhe foi dada pelo registo da primeira penhora. Todavia, é necessário realizarse uma segunda penhora. Podendo dar-se o caso, note-se, de entre a primeira (convertida

10 Sobre esta questão existe uma referência que importa fazer-se, relativa à especificidade do pedido de cancelamento da hipoteca. Como se refere, a conversão da penhora em hipoteca ingressa no registo/no prédio mediante averbamento à inscrição de penhora, valendo como data da mesma a data inicial do registo de penhora. Ora, aquando do requerimento de cancelamento da hipoteca deverá o requerente (agente de execução ou o próprio executado, neste caso munido de distrate emitido pelo exequente) indicar como inscrição a cancelar a que correspondia ao registo de penhora (e que foi convertido em registo de hipoteca).

11 Conforme ressalta o autor Fernando Amâncio Ferreira (Curso de Processo de Execução. (2010). Coimbra, Almedina, pág. 364) trata-se de um regime em tudo semelhante ao previsto no art. 781º CC, “onde se determina que, nas dívidas liquidáveis em prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas, por quebra da confiança em que se baseava o plano de pagamento escalonado no tempo”.

em hipoteca) e a segunda penhora do exequente serem registadas outras penhoras no âmbito de outros processos. Temos assim que, o sistema que pretendia trazer um certo facilitismo e transparência, veio, afinal, trazer terrenos nebulosos, duplicar, em certa medida, atos processuais, e obrigar os intervenientes processuais a encontrar soluções ad hoc. Também aqui se denota que este quadro legal foi criado sem a devida maturação das suas consequências. Acresce ainda que, com este regime legal, quer-se tenha ou não equacionado a questão, também os nossos cofres de Estado ficaram a ganhar, dado que a constituição de hipoteca, enquanto garantia real, encontra-se sujeita a IS12, nos termos da verba 10 da tabela geral de IS. Assim, em função do prazo pelo qual é constituída, que no caso corresponderá ao prazo estabelecido para o plano de pagamentos, haverá lugar ao pagamento ao Estado de 0,04%, 0,5% ou 0,6% do valor do acordo. Como atrás se refere, o montante devido em sede de IS será, a final, imputado ao executado, incluindo-se no valor total a pagar. Todavia, é sobre o agente de execução que pende a obrigação de liquidação e pagamento aos cofres do imposto13, enquanto sujeito passivo do imposto, nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 2º do Código do IS (doravante designado por CIS). Até aqui, tivemos o particular interesse de analisar a problemática de um ponto de vista mais prático. Todavia, existem duas questões, relativamente às quais importa pensar, que têm repercussões práticas, mas que assentam numa dimensão mais dogmática – referimonos, por um lado, à discussão em torno da natureza jurídica da hipoteca resultante da conversão da penhora14, e, por outro lado, à problemática da impossibilidade de conversão da penhora em hipoteca por parte de entidades desprovidas de personalidade jurídica (como é o caso dos condomínios)15 .

12 Veja-se Informação Vinculativa da Autoridade Tributária nº 6579, Processo 2014000518

13 Para mais desenvolvimentos ver artigo “O Imposto do Selo na conversão da penhora em hipoteca ou penhora e a responsabilidade, perante a AT, do agente de execução”, de Florbela Teixeira e Patrícia Anjos Azevedo

14 O art. 703º do CC estabelece a distinção entre hipotecas legais (que resultam imediatamente da lei, sem dependência da vontade das partes), hipotecas judiciais (constituídas na sequência e por causa do incumprimento de uma obrigação fixada por sentença), e hipotecas voluntárias (que resultam de contrato ou declaração unilateral). No que respeita à natureza da hipoteca resultante da conversão da penhora, há uma corrente que defende que estamos perante uma hipoteca legal, seguida, por exemplo, por Delgado de Carvalho (a este propósito veja-se Temas de Processo Civil – A Prática da Teoria. (2019). Lisboa, Quid Juris, pág. 233), que entende que “não obstante existir um processo negocial…a posição do executado é neutra”, e Henrique de Carvalho; e uma outra que defende que estamos perante uma hipoteca voluntária, seguida, por exemplo, por Madalena Teixeira, relatora no Proc.:C.P.5/2014 STJ-CC, e por Virgílio Félix Machado, coorientador neste trabalho, que na I Conferência Ibérica em Registos e Notariado, realizada em 2016, referiu que “esta hipoteca resulta de direito negocial, na medida em que a sua razão de ser não assenta…em imperativos de ordem pública e porque a disciplina jurídica correspondente entra em vigor com a celebração do acordo para pagamento das prestações”.

15 Sobre esta questão veja-se, designadamente, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no âmbito do processo nº 1167/15.9T8PVZ.P1, disponível em: http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf//5C516C76813F1DC980257F3700557FBA

Conclusões Com a grande reforma do processo civil em 2013, o nosso legislador veio, entre outros, determinar como causa extintiva da instância executiva a celebração entre as partes de um acordo de pagamento em prestações, rompendo com o regime que vigorava até então, que determinava naqueles casos a suspensão da instância até efetivo e integral pagamento. Acresce que, consciente de que os exequentes, com bens penhorados nos autos (em particular no caso dos imóveis), não veriam com bons olhos a extinção da execução sem salvaguarda da garantia, o nosso legislador veio conceder a faculdade de o exequente poder declarar que não prescinde da garantia dada pela penhora concretizada nos autos e, desse modo, procede-se à conversão da penhora em hipoteca (no caso dos imóveis). É inegável que esta inovação da extinção veio, de per si, pôr fim a um elevado número de ações que se mantinham em ativo no sistema judicial, traduzindo uma ideia errada do número de ações ativas, dado que, no regime anterior, ficavam num limbo, sem a prática de qualquer ato processual entre a celebração do acordo e o término do seu cumprimento. Porém, uma vez analisado o regime atualmente em vigor, a sua aplicação prática nas suas diferentes vertentes, processual, fiscal e registral, somos levados a concluir que o regime foi como que criado “do pé para a mão”, como é usual dizer-se. Esta foi a mesma conclusão a que chegaram Ana Luísa Gomes Loureiro, Nuno de Lemos Jorge e Paulo Ramos de Faria16 , juízes de direito, conforme missiva remetida ao deputado Fernando Negrão, e na qual ressaltam a falta de discussão da alteração. A sensação com que se fica, quando equacionadas as problemáticas que este regime levanta, é que o legislador teve somente a preocupação de acabar com parte da pendência da ação executiva em tribunal, e, sem descurar a salvaguarda da garantia dos credores, replicou o funcionamento do mecanismo da conversão do arresto em penhora (art. 762º do CPC). Atribuiu ao exequente uma garantia forte, de natureza real, que lhe permite, designadamente, em caso de incumprimento do acordo perseguir o imóvel sobre o qual tem a hipoteca mesmo que se encontre na posse de terceiro (direito de sequela); mas deixou por dar resposta a uma conjunto de questões que, na prática, na tramitação do processo, levantam graves problemas. Certo é que, (in)conscientemente veio criar-se uma nova fonte de receita para os cofres de Estado, no que respeita ao IS pago pela constituição da garantia e ao emolumento registral cujo registo impõe; e onerar o agente de execução com a obrigação de, apesar de mero intermediário, proceder à liquidação e pagamento do imposto, com as

16 Nas suas palavras, “a crítica mais importante…é a de que a solução consagrada não foi suficientemente debatida, não tendo sido abordada pela Comissão da Reforma do Processo Civil ou sujeita a discussão pública. Quer pela sua absoluta novidade, quer pela complexidade da solução proposta – o que comporta um elevado grau de imprevisibilidade das suas repercussões práticas –, entendemos que o seu sucesso só poderá ser garantido se o regime previsto for simples e absolutamente coerente (e consequente) ”.

consequências que daí decorrem em caso de incumprimento da obrigação. Porém, deixaram-se à margem desta novidade da conversão da penhora em hipoteca as entidades que dispõem de personalidade judiciária mas não de personalidade jurídica. Em jeito de síntese, é de atribuir-se mérito ao regime, ao propósito do legislador, mas impunham-se alterações que dessem resposta aos problemas levantados.

Referências (bibliografia e webgrafia)

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