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COMPASSO | Hoje h\u00E1 teatro
Os tempos que vivemos já não são de incerteza, mas de urgência. Urgência de humanidade. Sempre o foram.
Construímos sistemas económicos e políticos que acentuam as desigualdades sociais, a intolerância, o medo e insistimos em continuá-los e perpetuá-los até à exaustão. Andamos em círculo atrás de nós próprios até cansar e esvaziar a vontade, esperamos por Godot como na obra teatral de Samuel Beckett. Somos atores e espectadores duma tragicomédia como se a vida fosse mais visível no teatro. Uma catarse purificadora e libertadora. O absurdo, como no teatro.
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O teatro aprofunda a nossa consciência da condição humana, da sua natureza e revela-se como um espaço de reflexão perturbadora do que somos e para onde vamos. Uma aula sublime.
As palavras têm a leveza do vento e a força da tempestade, como refere Victor Hugo, e em cena incendeiam o nosso espírito. Somos por natureza inquietos e o teatro desperta-nos os sentidos e o pensamento. O teatro surpreende de forma desconcertante o espectador incauto, subtrai-lhe um olhar de espanto e põe a nu o mistério da vida.
O teatro da participação cívica, da transfiguração estética. O teatro contra a individualização. O Teatro determinado, interventivo, inconformado, insubmisso. O Teatro bobo que ri de tudo e de todos, até de si próprio. O teatro que se mostra por dentro como um processo criativo inacabado em busca da materialização do sonho. O teatro hipotético, de carácter precário. A criação no estado de contínua metamorfose.
O actor não cumpre sozinho o acto de criação. Depende de gestos criadores numa cadeia de relações onde todos nós, artistas e público, temos uma participação. Um movimento criador numa cadeia infinita de agregação de ideias. O novo teatro é agora uma realidade em mobilidade. Energético, intenso, performativo.
Hoje há teatro. O pano vai abrir no palco, os projetores vão iluminar o espaço público e todos os lugares instáveis de manifestação cénica. Lá estaremos, perfilados, de sorriso na boca, à vossa espera. Somos a nova diáspora de comediantes, de fabricantes de teatro, prontos para uma nova representação.
João Duarte Victor
Ator, encenador, especialista em Estudos de Teatro, mestre em Educação Artística
texto escrito com as regras anteriores ao novo acordo ortográfico