O Despertar da Meia-Noite Midnight Awakening
Lara Adrian
Um coração de gelo... Uma paixão de fogo... Com um punhal na mão e a vingança em mente, Elise Chase percorre as ruas de Boston em busca de retaliação contra os vampiros corruptos que tomaram dela tudo o que ela mais amava. Usando um extraordinário dom psíquico, ela persegue a presa, consciente de que o poder que possui a está destruindo. Elise precisa aprender a dominar essa força e, para isso, só pode recorrer a um único homem: Tegan, o mais mortal dos guerreiros... Tegan conhece a dor da perda, e conhece a fúria, mas quando mata seus inimigos é com frieza e autocontrole... Até que Elise pede sua ajuda numa guerra pessoal. Uma aliança profana é forjada, um elo que os ligará por sangue e juramento e os lançará num redemoinho de perigo, de desejo, e das mais sombrias paixões do coração...
Digitalização: Crysty Revisão: Alice Akeru
Bianca 902 – O Despertar Da Meia-Noite (Midnight Awakening) Lara Adrian
Querida leitora, Ao realizar a viagem de seus sonhos à Escócia, Maggie Graham jamais poderia imaginar que, ao encontrar uma estranha espiral esculpida no piso de uma antiga formação de pedras, acionaria uma mágica que a transportaria trezentos anos de volta no tempo, para os braços de um homem maravilhoso, muito mais do que ela ousaria sonhar... Leonice Pompônio Editora
Copyright ©2007 por Lara Adrian Originalmente publicado em 2007 por Bantam Dell PUBLICADO SOB ACORDO COM BANTAM DELL NY,NY —USA Todos os direitos reservados. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência.
TÍTULO ORIGINAL: MIDNIGHT AWAKENING EDITORA Leonice Pomponio ASSISTENTES EDITORIAIS Patrícia Chaves Vânia Canto Buchala EDIÇÃO/TEXTO Tradução: Débora Guimarães Isidoro Revisão: Ana Maria Cortazzo da Silva ARTE Mônica Maldonado MARKETING/COMERCIAL Andréa Riccelli PRODUÇÃO GRÁFICA Sônia Sassi PAGINAÇÃO Ana Beatriz Pádua Copyright © 2010 Editora Nova Cultural Ltda. Rua Butantã, 500 — 10° andar — CEP 05424-000 — São Paulo - SP www.novacultural.com.br Impressão e acabamento: RR Donnelley
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Capítulo I
Ela andava entre eles sem ser vista, apenas mais uma transeunte no meio do congestionamento, enfrentando a neve de fevereiro a caminho da estação de trem. Ninguém prestava atenção à mulher pequena com capuz, a echarpe cobrindo o rosto dos olhos para baixo; olhos que observavam atentos e interessados a multidão de pedestres. Estava ansiosa por estar entre eles, e impaciente para encontrar sua presa. Sua cabeça pulsava ao som do rock que brotava dos fones de ouvido conectados a um MP3 portátil que não era dela. Fora de seu filho adolescente, Camden. O doce Camden, morto havia quatro meses, vítima do submundo do qual ela própria agora fazia parte. Camden era a razão de sua presença ali, nas ruas movimentadas de Boston. Por ele, ela levava uma adaga no bolso do casaco e uma lâmina de titânio presa à coxa. Mais do que nunca, Camden era a razão para ela estar viva. Sua morte não poderia ficar impune. Elise atravessou a rua e continuou a caminho da estação. Podia ver pessoas conversando, seus lábios se movendo, silenciosos. Ou, mais importante, seus pensamentos. Tudo sufocado pela música agressiva, pelas guitarras estridentes, pelo pulsar do baixo cujas notas penetravam seus ouvidos e vibravam em seus ossos. Não sabia exatamente o que estava escutando, nem era importante. Apenas precisava do barulho, de um ruído intenso, alto e constante o suficiente para colocá-la no local da caçada. Ela entrou no edifício. Uma luz ofuscante se derramava das lâmpadas fluorescentes no teto. O cheiro da imundície da rua, de umidade, e de muitos corpos no mesmo espaço incomodou seu olfato. Parou perto do centro da estação. Forçada a se dividir para passar por ela, a multidão fluiu de um lado e de outro, muitas pessoas esbarrando em seu corpo, empurrando-a na pressa de pegar o trem seguinte. Várias a encararam com ar de censura, resmungando obscenidades por estar parada no meio do caminho. Deus, como desprezava aquele contato! Ela respirou fundo, enfiou a mão no bolso e desligou o MP3. O ruído da estação a invadiu: vozes, pés se arrastando, tráfego do lado de fora, o trem chegando. Mas tudo aquilo não se comparava ao que a atormentava agora: pensamentos ruins, más intenções, desejos secretos, ressentimentos. Tudo isso fervia em torno dela como uma tempestade. A mistura a perturbou. Como sempre, era um sopro do mal que a dominava, e ela cambaleou. Combateu a náusea e fez o possível para reduzir o impacto do assalto psíquico. Que cadela... Espero que lhe chutem o traseiro. Malditos turistas, por que não voltam para seu lugar? Saia da frente, idiota! E daí que ela é irmã da minha esposa?
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Elise respirava mais depressa a cada instante, sentindo o início de uma dor de cabeça. As vozes se misturavam num discurso sem sentido, mas ela resistiu, preparandose ao notar que o trem se aproximava e suas portas se abriam para deixar entrar um mar de gente. Mais vozes se juntaram à cacofonia: Droga de pedintes. Deviam estar pedindo emprego, isso sim! Se ele encostar a mão em mim outra vez, mato o filho da... Corra, gado. Corra de volta ao curral. Meu mestre está certo, vocês merecem mesmo ser escravizados... Elise piscou, o sangue congelando nas veias no instante em que as palavras penetraram sua mente. Era a voz que ela esperava ouvir. Meu mestre vai esfolar meu traseiro se eu não entregar essa encomenda. E se meu traseiro for esfolado, eu voltarei aqui para arrancar seus pulmões. Ela respirou fundo ao sentir a virulência da ameaça. Sabia que os Seguidores viviam somente para servir àquele que os criara, mas era sempre um choque perceber a profundidade dessa lealdade. Nada era sagrado para eles. Vidas nada significavam, fossem elas humanas ou da Raça. Os Seguidores eram quase tão terríveis quanto os Corrompidos, a facção sangrenta e criminosa da nação vampira. O Seguidor se apoiou no balcão, os punhos cerrados sustentando o corpo. — Preciso daquele pacote, seu cretino. Não vou sair daqui sem ele. O atendente recuou, a expressão tensa. — Eu já expliquei, não há mais nada que eu possa fazer. Vai ter de voltar amanhã. Agora, é melhor ir embora, senhor. Seu idiota inútil, o Seguidor resmungou em pensamento, eu vou voltar amanhã, sim... Para acabar com você. — Algum problema, Joey? — Um homem mais velho perguntou, vindo dos fundos. — Estou tentando explicar ao cliente que sua encomenda ainda não chegou por causa da tempestade, mas ele... — Senhor — o homem interrompeu seu subordinado e olhou para o Seguidor com ar aborrecido. — Vou pedir que se retire agora. Precisa ir, ou a polícia será chamada para acompanhá-lo. O Seguidor soltou uma imprecação em voz alta. Bateu com o punho sobre o balcão, depois se virou e começou a se afastar. Quando se aproximava da porta onde ela estava, saltou por cima de um carrinho, espalhando pacotes em todas as direções. Elise recuou, e ele a encarou com olhos vagos, destituídos de humanidade. — Saia do caminho, imbecil! Ela mal teve tempo para se mover antes de ele passar por ela, empurrando-a com tanta violência que os painéis de vidro tremeram como se fossem partir ao meio. — Cretino — disse um dos passageiros da fila. Elise sentiu o alívio que inundava todos os outros. Em parte também estava aliviada por ninguém ter sofrido nenhum mal. Queria esperar um pouco, mas esse era um luxo ao qual não poderia se entregar agora. O Seguidor já atravessava a rua, e a noite 4
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caía depressa. Tinha meia hora, no máximo, antes de a escuridão cair por completo e os Corrompidos saírem para se alimentar. Se o que estava fazendo era perigoso à luz do dia, à noite era praticamente suicídio. Podia eliminar um Seguidor com aço, e já havia realizado tal feito mais de uma vez, mas, como qualquer outro humano, mulher ou homem, não tinha chance contra a força descomunal de um Corrompido. Saiu e foi atrás do Seguidor. Ele estava furioso e andava depressa, colidindo contra outros pedestres e resmungando palavrões ao passar por eles. O tormento tornou a invadir sua cabeça quando mais vozes se juntaram ao ruído que já ecoava em sua mente, e ela ficou alguns passos para trás. O Seguidor virou à esquerda após um prédio alto e seguiu por uma viela estreita. Elise correu, desesperada para não perdê-lo de vista. No meio da rua lateral, ele abriu uma velha porta de aço e desapareceu. Ela se aproximou da porta sem visor ou janela, as palmas suando apesar do frio. Pensamentos assassinos invadiram-lhe a cabeça, retratando todas as coisas horríveis que ele faria em deferência a seu Mestre, e ela levou a mão ao bolso para pegar a adaga. Segurou-a bem perto do corpo, pronta para atacar. Com a mão livre, agarrou a maçaneta e abriu a porta destrancada. Flocos de neve a precederam no hall sombrio que cheirava a mofo e fumaça de cigarro. O Seguidor estava parado ao lado de um escaninho de correspondência, um ombro apoiado na parede, enquanto abria um celular flip idêntico aos que todos os outros carregavam: a linha direta dos Seguidores com seu mestre vampiro. — Feche a maldita porta, cadela! — ele disparou com os olhos brilhando. Sua testa se contraiu quando ela começou a caminhar em sua direção. — Mas que diabo é... Ela enterrou a adaga em seu peito, sabendo que o elemento surpresa era uma de suas maiores vantagens. A ira da criatura a atingiu como um golpe físico, empurrando-a para trás, e sua maleficência inundou-lhe a mente como ácido, queimando seus sentidos. Elise suportou a dor física, reunindo forças para desferir mais um golpe com a lâmina, ignorando o calor úmido do sangue que lhe encharcava a mão. O Seguidor estremeceu e caiu sobre ela. A ferida mortal vertia tanto sangue que Elise quase vomitou com o cheiro. Ela se desvencilhou dos braços pesados e deixou tombar o corpo sem vida. Estava ofegante, com o coração disparado, a cabeça castigada pela fúria que ainda revolvia sua mente. O Seguidor sofreu vários espasmos, até que se imobilizou. Com dedos trêmulos, Elise pegou o celular que caíra no chão e o guardou no bolso. O ataque a esgotara, a combinação de esforço físico e mental fora quase maior do que ela pudera suportar. Cada investida parecia mais pesada, cada recuperação, mais longa, pensou, especulando se haveria um dia em que desceria tão fundo no abismo que não seria capaz de voltar à tona. Mas seguiria lutando enquanto houvesse um sopro de vida em seu corpo e a dor da perda em seu coração. — Por Camden — sussurrou, olhando para o Seguidor morto. E ligou o MP3, preparando-se para voltar para casa. A música brotou dos fones de ouvido, silenciando o dom que lhe dava o poder de escutar os mais sombrios segredos da alma humana. 5
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Já ouvira o suficiente por agora. Concluída a sombria missão daquele dia, virou-se e deixou o cenário sangrento que acabara de criar.
A brisa gelada de inverno carregava o cheiro de sangue. Era fraco, fresco, como um toque de cobre nas narinas do guerreiro que saltava silencioso de um telhado para outro. Flocos de neve flutuavam em torno dele como cinza branca, cobrindo a cidade que se espalhava à sua frente, seis andares abaixo. Tegan se abaixou na beirada de um telhado e inspecionou o emaranhado de ruas. Como membro da Ordem, um pequeno grupo de vampiros da Raça envolvidos em uma guerra contra seus selvagens oponentes, os Corrompidos, seu primeiro e mais importante objetivo era levar a morte ao inimigo; algo que ele fazia com fria eficiência e uma habilidade aperfeiçoada durante mais de sete séculos de existência. Era da Raça até a medula, e não havia nenhum entre os de sua casta que pudesse ignorar o chamado de sangue humano. Podia sentir as presas rasgando a gengiva. Sua visão ganhava mais acuidade, as pupilas se transformavam em finas frestas verticais no centro de seus olhos verdes. O impulso de caçar, de se alimentar, surgiu forte e imperioso. Era uma resposta espontânea que nem mesmo ele, com sua disciplina e seu autocontrole de ferro, podia suprimir. E era ainda pior por ele ser da primeira geração de vampiros nascidos na Terra. Os apetites da Primeira Geração, físicos, carnais, e todos os outros, eram mais fortes e prementes. Caminhou pela beirada do telhado, depois saltou para um edifício vizinho, mantendo os olhos fixos nas ruas e atentos aos membros mais fracos do rebanho. Mas não varria as ruas apenas com a intenção de saciar a própria necessidade. O fato de encontrar um homem com uma ferida aberta e recente podia significar que havia Corrompidos por perto. Começava a identificar a origem do cheiro de sangue. Agora que se aproximava, percebia que o aroma tinha um toque azedo. Era sangue derramado, mas não era fresco. Seus olhos encontraram uma figura baixa e delicada, coberta por uma longa parca com capuz, quase correndo pela rua principal depois da estação de trem. Havia ansiedade no caminhar da pessoa, um desejo claro de passar despercebido no meio da multidão. — O que andou aprontando? — Tegan resmungou para si mesmo enquanto a seguia com os olhos. Não podia saber se era homem ou mulher porque a parca cobria completamente a criatura. Viu o Corrompido um instante antes de ele sair de seu esconderijo atrás de uma lata de lixo. Não podia ouvir suas palavras, mas sabia que o vampiro provocava sua presa e se divertia antes de atacar. Mais dois Corrompidos surgiram na esquina, atrás da figura vestida com a parca, cercando-a. — Droga — resmungou, irritado. 6
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Nunca encontrara muita utilidade para o cintilante brasão de honra que exigia que os de sua raça agissem como invisíveis salvadores para os humanos que dividiam o planeta com eles. Mesmo sendo meio-humano, como eram todos os da Raça, Tegan havia muito desistira da necessidade de ser heroi. Seu propósito agora, e nos últimos cinco séculos, desde a tortura e morte brutal da única mulher que jamais amara, era simples: destruir tantos Corruptos quanto pudesse, ou morrer tentando. Não tinha importância qual das duas coisas ocorreria primeiro. Porém, parte dele ainda se rebelava contra situações nas quais as chances eram desiguais e injustas, como na cena que acontecia na rua lá embaixo. O ser humano na parca ensanguentada estava cercado e, como tubarões se movendo para o ataque, os Corruptos se aproximavam, fechando o círculo. Maldição, pensou Tegan. Nenhum humano tinha chance contra um Corrupto sedento por sangue, quanto menos três. Saltou sobre um telhado mais baixo e, no mesmo instante, o Corrupto na frente do humano entrou em ação. Tegan ouviu um grito de mulher quando o vampiro agarrou sua presa. Segurando-a pelo capuz, ele a jogou no chão coberto de neve, rugindo, satisfeito, ao escutar seu grito de dor. — Inferno — Tegan sussurrou, já sacando a lâmina que levava na bainha, presa à coxa. Ágil, saltou do telhado e aterrissou suavemente, sem fazer barulho. Os dois Corruptos perto dele se separaram, um tentando se esconder, o outro abrindo a boca para dar o alerta. Tegan o silenciou, deslizando a lâmina de titânio por seu pescoço. Alguns metros à sua frente, a mulher estava caída de bruços, tentando rastejar para longe de seu agressor. Ela também empunhava uma arma, porém o Corrupto percebeu e a chutou para longe, plantando a sola da outra bota no centro de suas costas. Tegan não esperou mais. Arrancou o Corrupto de cima da moça, empurrando-o contra a parede de um prédio e usando o antebraço para pressionar seu pescoço, imobilizando-o. — Saia daqui! — gritou para a mulher. — Corra! Ela olhou para trás, e Tegan viu um par de olhos enormes se arregalar no rosto bonito. Ele a conhecia! Não era uma humana qualquer; era parceira de um indivíduo da Raça. Uma jovem viúva de um dos santuários da nação vampira Darkhaven. Não a conhecia muito bem. Não a via fazia meses, desde que a levara para casa depois da reunião na sede da Ordem, onde ele fora informado que o filho dela se tornara um Corrompido. Essa havia sido a última vez em que a vira, mas não a última que pensara nela. Elise. Era esse seu nome. Que diabo ela estava fazendo ali? O olhar de Tegan a manteve transfixada por um momento que pareceu uma eternidade. Elise viu o brilho de reconhecimento nos olhos do guerreiro e sentiu a rajada de fúria que emanava dele. — Tegan — sussurrou, aturdida. Conhecera-o na época em que seu filho havia desaparecido. Ele a tratara com bondade na longa viagem noturna até sua casa, junto aos Darkhaven, e embora não tivesse voltado a vê-lo nos quatro meses seguintes, nunca se esquecera de sua compaixão. 7
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Mas não a via agora. A fúria da batalha transformava seu rosto, mostrando ao mundo o que ele realmente era: um vampiro da Raça, com presas brilhantes e olhos impressionantes, que não eram mais do tom de verde habitual, mas tingidos de um âmbar brilhante que lembrava uma chama. — Corra! — ele gritou, a voz furiosa soando além da música que invadia seus sentidos. — Saia daqui... agora! O breve momento de desatenção teve um preço para Tegan. O Corrompido que era mantido contra a parede, virou a enorme cabeça e cravou as presas em seu antebraço, rasgando-lhe a carne. Sem emitir nenhum som de raiva ou dor, apenas com gelada eficiência, Tegan usou a outra mão para enterrar a lâmina no pescoço da criatura. O vampiro caiu no chão, o corpo fervendo pelo contato com o titânio que envenenava sua corrente sanguínea. — Vá de uma vez, mulher! — Tegan gritou, furioso, enquanto, o último Corrupto que restava saltava sobre ele. Elise correu da alameda para outra rua. O pequeno apartamento que alugava não ficava longe dali: apenas alguns quarteirões distante da estação ferroviária; mas foi como se ficasse a quilômetros de distância. Estava exausta pela tarefa daquele dia e trêmula de preocupação por Tegan, embora tivesse certeza de que era tolice sentir-se assim. Ele era membro da Ordem, provavelmente o mais letal de todos eles. De acordo com os que o conheciam, era uma verdadeira máquina de matar. Após vê-lo em ação, ela não duvidava disso. E agora que fora descoberta sozinha na cidade, esperava que o guerreiro não se interessasse por suas atividades. Não podia se deixar enclausurar com os Darkhaven, nem mesmo por um homem tão temido quanto Tegan. Subiu a escada do prédio de concreto. A porta principal costumava ficar trancada, mas alguém arrombara a fechadura cinco semanas antes, e o síndico ainda não tomara providências para consertá-la. Empurrou a porta e correu até seu apartamento, no final do corredor do piso térreo. Destrancou a porta, entrou, e voltou a trancá-la imediatamente. Em seguida, acendeu todas as luzes e ligou a tevê e o estéreo bem alto, removendo os fones de ouvido e deixando o MP3 e o celular do Seguidor sobre o velho balcão da cozinha. Tirou a parca imunda e a jogou no chão ao lado da esteira, enojada ao ver as manchas de sangue iluminadas pela lâmpada da sala. O sangue do Seguidor também estava em suas mãos. Sua cabeça latejava, anunciando mais uma enxaqueca como as que sempre sucediam um período prolongado de utilização de seu dom. Logo ficaria pior, mas ela ainda teria tempo para se limpar e tentar ir para a cama. Arrastou-se até o banheiro e ligou o chuveiro. Seus dedos tremiam quando removeu a bainha da coxa e a deixou sobre a pia. Estava imunda. Perdera a lâmina de titânio na neve quando o Corrompido a chutara, porém tinha outras para substituí-la. Boa parte do dinheiro que levara com ela ao sair do território dos Darkhaven fora investido em armas e equipamentos para treinamento, coisas sobre as quais nunca se interessara, mas que agora considerava necessárias. Deus, como sua vida mudara em apenas quatro meses! E jamais poderia voltar ao que era antes. A pessoa que havia sido durante todo o tempo que vivera sob a proteção dos da Raça tinha desaparecido, estava morta, como seu amado parceiro e seu adorado filho. A dor daquelas perdas fora uma fornalha que devorara sua antiga vida, reduzindo-a a pó. Ela era o que restara: a fênix que se erguera 8
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das cinzas. Estava exausta. Mas, enquanto pudesse ficar em pé, poderia lutar. Enquanto seu coração ainda clamasse por vingança, usaria o dom físico que por tanto tempo fora sua maior fraqueza. Venderia sua alma imortal, se necessário fosse. Faria o que fosse preciso pela justiça.
Tegan limpou a lâmina ensanguentada na jaqueta do Corrupto morto e observou com indiferença a rápida desintegração do último corpo na alameda. A limpeza póstuma era cortesia de suas armas de titânio, um metal que agia como ácido tóxico para a composição celular de vampiros da Raça que tinham se tornado Corrompidos. Os três corpos se dissolveram na neve, reduzindo carne, osso e roupas a uma pilha de cinzas sobre a neve branca. Tegan resmungou um palavrão, ainda enfurecido pelo combate. De repente, seus olhos encontraram a adaga que Elise perdera ao ser atacada. Não era um simples punhal, mas uma ferramenta muito mais requintada. A lâmina de vinte centímetros era serrilhada até o cabo, e o metal não era aço, mas titânio, letal para os Corruptos. Que diabo aquela fêmea dos Darkhaven fazia na rua, no meio da noite, sozinha, coberta de sangue e portando armas próprias de guerreiro? Tegan farejou o ar, rastreando seu cheiro, e seu olfato o levou a um prédio de apartamentos na área mais barata e suja da cidade. Não era o tipo de lugar onde esperava encontrar uma nobre fêmea criada junto aos Darkhaven; mas ela certamente estava no interior do edifício decadente e coberto de grafites. Subiu a escada e franziu a testa para a porta com a fechadura quebrada. No interior do vestíbulo, suas botas rangeram sobre o tapete velho que cheirava a urina, sujeira e décadas de negligência. Havia uma velha escada de madeira à esquerda da entrada, mas o cheiro de Elise vinha de trás da porta no final do corredor do piso térreo. Caminhou para lá, sentindo portas e janelas vibrando ao som de uma música alta. Podia ouvir também uma televisão; uma enxurrada de sons que parecia crescer na medida em que se aproximava do apartamento. Bateu na porta e esperou. Nada. Bateu de novo, dessa vez com mais força. Nada. Dentro do apartamento, somente a música e a televisão. Talvez não devesse estar ali, não devesse se envolver no que havia levado a mulher a estar naquele lugar. Sabia que ela tivera momentos difíceis desde o desaparecimento e posterior falecimento do filho. A Ordem descobrira que Camden fora morto pelo cunhado de Elise, Sterling Chase, quando o garoto aparecera para os Darkhaven dominado pela sede de sangue. Pelo relato que ele escutara, Camden estivera prestes a atacar Elise quando Chase o atingira com várias balas de titânio, e diante dela. Só Deus sabia o que testemunhar a morte de um filho poderia fazer com uma mulher. Mas não era de sua conta. Não era problema seu. Então, por que estava parado naquele cortiço, esperando que ela o recebesse? Tegan notou a coleção de travas e fechaduras na porta. Pelo menos estas 9
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funcionavam, e ela tivera o bom senso de trancá-las ao entrar. Mas, para um vampiro da Raça, manipular mentalmente tais mecanismos era fácil. Dois segundos mais tarde, entrava no apartamento e fechava a porta. O nível de decibéis no interior do pequeno imóvel fez sua cabeça estalar. Ele olhou em volta, estudando a estranha decoração. Havia apenas um futon e uma velha estante, onde se via um aparelho de som de boa qualidade e uma pequena tevê de tela plana; os dois ligados no último volume. Ao lado do futon, em um espaço onde deveria haver mesa e cadeiras, viu uma esteira ergométrica e uma máquina para treinamento de resistência. A parca ensanguentada fora deixada no chão, ao lado da esteira, e sobre o balcão manchado e velho da cozinha ela abandonara um MP3 e um telefone celular. Martelado grosseiramente sobre todas as paredes do imóvel havia um revestimento de espuma acústica, material para isolamento de sons. Janelas e a parte de dentro da porta também tinham recebido uma grossa camada do mesmo material. — Mas o que... O chuveiro foi desligado e, um instante depois, Tegan viu a porta do banheiro ser aberta. Deparou com Elise vestindo um robe branco. Assustada, ela o encarou, a mão segurando a gola do roupão junto ao pescoço. — Tegan... — A voz dele era quase inaudível com todo aquele barulho do som e da tevê. Ela não fez nenhum movimento que indicasse intenção de desligar os aparelhos. — O que faz aqui? — ela exigiu, tensa. — Eu podia perguntar a mesma coisa. Que lugar terrível! Quem é o seu decorador? Elise não respondeu. Os olhos cor de ametista permaneciam fixos nele, prova evidente de sua desconfiança, e era claro que ela estava nervosa com sua presença. Que mulher não estaria? Tegan sabia que os Darkhaven tinham pouca afeição pelos membros da Ordem. Fora chamado de assassino frio por vários membros, daquela classe privilegiada de cidadãos. Não que se importasse. Embora não se incomodasse com a opinião da maioria, porém, não foi agradável ver o medo nos olhos de Elise. — Está ferida? Alguém atacou você antes de ser cercada pelos Corruptos? — Não. — Então, como explica todo aquele sangue? Ou sua presença em uma área da cidade onde é obrigada a andar armada? Ela segurou a cabeça entre as mãos. — Não quero explicar nada. Por favor, Tegan, vá embora. — Ei, eu salvei sua pele. Não é muito perguntar por que tive de socorrê-la, não acha? — Foi um erro. Eu não tinha a intenção de ficar fora até o anoitecer. Conheço os perigos. Mas as coisas demoraram mais do que eu previa. — Coisas... Não está falando sobre compras ou um café com amigas. Desconfiado, ele foi pegar o celular sobre o balcão da cozinha. Vira vários como aquele, todos do mesmo modelo. Era um desses aparelhos descartáveis, do tipo utilizado 10
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pelos humanos associados aos Corruptos. Abriu o celular e desabilitou o chip de localização por GPS. Se levasse o aparelho para o laboratório da sede, Gideon descobriria que ele registrava apenas um número codificado e impossível de descobrir. O telefone estava sujo de sangue humano, o mesmo que manchara a parca de Elise. — Onde conseguiu isto? — Você sabe. — Tirou este aparelho de um Seguidor sozinha? Não acredito. Como? Ela encolheu os ombros, massageando as têmporas como se sentisse forte dor de cabeça. — Eu o segui desde a estação ferroviária. Quando tive uma chance, eu o matei. Não era sempre que Tegan se surpreendia, mas as palavras pronunciadas pela mulher pequena e delicada o chocaram. — Não pode estar falando a sério. Mas ela estava. Seu olhar firme não deixava dúvidas quanto à seriedade da declaração. Atrás dela, a tela da tevê mudou de repente, iluminada por um boletim extraordinário do jornal noturno. Um repórter contava que uma vítima de esfaqueamento fora encontrada minutos antes: ...O morto foi encontrado a poucos quarteirões da estação ferroviária. Mais uma morte que as autoridades sugerem fazer parte de uma série de assassinatos relacionados. Tegan sentiu o sangue esfriar nas veias. — Foi você? — murmurou, incrédulo. Elise não respondeu. Tegan se aproximou de um alçapão no chão, ao lado do futon, e praguejou violentamente quando, ao erguer a tampa do compartimento, viu uma variada coleção de lâminas, armas e munição. Muitas eram novas, ainda sem uso, mas outras haviam sido utilizadas, como se podia comprovar pelo desgaste do metal. — Há quanto tempo, Elise? Quando começou essa loucura? — Meu filho está morto por causa dos Corruptos. Tudo o que amei se perdeu por causa deles. Eu não podia ficar sentada sem fazer nada. — Quantos? Ela se virou para ir buscar uma caixa que mantinha na prateleira mais baixa da estante. Olhando para Tegan, ergueu a tampa da caixa e a empurrou para frente. Dentro dela havia mais celulares. Pelo menos uma dúzia deles. Tegan caiu sentado sobre o futon e segurou a cabeça entre as mãos, os cotovelos apoiados nos joelhos. — Você perdeu o juízo. Elise massageava a testa, tentando aliviar parte da dor. A enxaqueca progredia rapidamente. Fechou os olhos, esperando escapar do pior. Como se já não bastasse ter sido encontrada, agora corria o risco de se desfazer num tormento físico e mental que a deixaria incapaz de funcionar, muito menos lidar com o guerreiro da Raça sentado no meio de sua sala. 11
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— Tem ideia do que está fazendo? A voz de Tegan, embora baixa e contida, explodia em sua cabeça como um tiro de canhão. Ele começou a andar pela sala, segurando a caixa com os celulares, e seus passos soavam como marteladas. — Que diabo está tentando fazer, mulher? Quer se matar? — Você não entende. — Experimente explicar. Elise se levantou e caminhou devagar até o outro lado da sala. Com as costas apoiadas na parede, pensou que seria ótimo se Tegan fosse embora e a deixasse sozinha com sua dor e angústia. — Isso é problema meu. — Pelo amor de Deus, Elise. Isso é suicídio! Ela se encolheu ao ouvir a palavra. Quentin nunca praguejara em sua presença, nem mesmo quando estava zangado com as políticas restritivas dos Darkhaven ou da Agência. Ele sempre fora um perfeito cavalheiro, nobre e gentil, apesar da força incomensurável típica dos que pertenciam à Raça. Tegan era rude, um terrível contraste com seu parceiro morto. Para Quentin e a Agência de Defesa que ele integrava, Tegan e os outros membros da Ordem eram perigosos vigilantes. Para muitos dos Darkhaven, os guerreiros eram simplesmente uma horda de selvagens, brutamontes medievais que haviam ultrapassado sua serventia como defensores da nação vampira, pois eram implacáveis. E apesar de Tegan ter salvado sua vida naquela noite, ela ainda sentia-se desconfortável em sua presença, como se houvesse um animal selvagem solto em sua casa. Tegan inspecionou os aparelhos celulares. — Os chips de GPS já foram desabilitados. Sabia como anular o mecanismo? — Fui mãe de um adolescente. Camden não gostava de ser rastreado e vivia desabilitando o GPS do celular. Tive de aprender a reabilitá-lo, mas ele sempre percebia e conseguia escapar. — Se não tivesse anulado o localizador, certamente já estaria morta. — Não tenho medo de morrer. — Morrer deve ser a menor de suas preocupações. Pode ter tido sucesso com um punhado de Seguidores incautos, mas isso é uma guerra, e você está indo além do que pode e deve. O que aconteceu hoje é prova disso. — Foi um erro que não vai se repetir. Saí tarde, demorei demais... Na próxima vez, vou terminar o serviço em tempo de voltar antes do anoitecer. — Na próxima vez... Então está mesmo decidida a continuar! — Tegan balançou a cabeça e enfiou todos os celulares nos bolsos. — O que vai fazer? — Elise perguntou. — Não vai me denunciar, vai? — Deveria, mas o que você faz não é da minha conta, desde que fique fora do meu caminho. E não espere socorro da Ordem na próxima vez em que se meter em confusão. — Eu não espero nada. — Ao ver o guerreiro abrir a porta para sair, ela fez um último esforço: —- Obrigada. 12
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Calou-se, então, pensando em Camden e em todos os outros jovens Darkhaven que tinham se perdido, envenenados pelos Corruptos. O próprio Quentin morrera pelas mãos de um membro enfermo da Raça que se tornara Corrupto e o atacara enquanto ele ainda estava no comando da Agência. Elise suspirou. Não podia trazer de volta a vida de seus amados; sabia disso. Mas cada Seguidor que eliminava representava uma arma a menos no arsenal dos Corruptos. A dor que sentia quando concluía cada tarefa era nada comparada ao que os outros deviam ter suportado. A verdadeira morte para ela estaria em ficar sentada e protegida junto aos Darkhaven, enquanto as ruas se tingiam de vermelho com o sangue de inocentes. — É importante para mim, Tegan. Eu fiz uma promessa e vou cumpri-la. Tegan a fitou por um momento, depois saiu e fechou a porta. Tegan jogou os celulares em um trecho isolado do rio Charles, vendo a água escura tragar os aparelhos. Não tinham utilidade para a Ordem, mas não os deixaria com Elise, mesmo com os chips de GPS desabilitados. Ainda não conseguia acreditar no que ela estava fazendo. Mais incrível ainda era o fato de estar se dedicando àquela vingança maluca por semanas, meses, talvez. Era evidente que seu cunhado nada sabia, ou a Agência de Defesa, sempre tão severa, já teria posto um fim naquilo. Todos na Ordem sabiam que Sterling Chase já havia nutrido sentimentos pela viúva do irmão, e provavelmente ainda os alimentava. Mas isso não era de sua conta. Como não era de sua conta o aparente desejo de morte de Elise. Voltou à rua. Nevava outra vez em Boston. Todos se queixavam do inverno prolongado e rigoroso, mas ele não sentia frio. Não se recordava de quando havia tido algum desconforto pela última vez. Mas ainda se lembrava da dor da perda, da revolta que se seguira e o consumira por tanto tempo. Recordava-se de Sorcha e de quanto a amava. De como ela havia sido doce e inocente, e de como confiara nele para protegê-la. E de como ele a desapontara. Fechou os olhos. Jamais se esqueceria da selvageria dos abusos que ela sofrera. Para sobreviver ao golpe, aprendera a se distanciar de seu luto, da fúria crua e mortal. Mas jamais poderia esquecer. Matava Corruptos havia mais de cinco séculos, e ainda não estava nem perto de considerar suas contas acertadas com eles. Vira um reflexo dessa dor e dessa fúria nos olhos de Elise pouco antes. Ela queria justiça, vingança, mas apenas encontraria a morte. Se os humanos, escravos mentais dos Corruptos, não a matassem, sua própria fraqueza física a eliminaria. Percebera sua fadiga, a negligência que ela se impunha desde que deixara os Darkhaven. E por que ela mantinha revestimento acústico nas paredes do apartamento? Não era de sua conta, repetiu para si mesmo enquanto caminhava para o local secreto e fechado que abrigava a Ordem, na periferia da cidade. A mansão de pedras e o imenso terreno que a cercava eram delimitados por cercas elétricas de alta voltagem e portões de aço dotados de câmeras e alarmes com sensor de movimento e faixas de laser. Poucos membros da Raça conheciam a exata localização da sede, e os que a conheciam eram sensatos o bastante para ficar longe dali, a menos que fossem convidados. Quanto aos humanos, catorze mil volts de eletricidade eram o bastante para 13
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desencorajar até os mais curiosos. Tegan digitou seu código de acesso no painel de segurança escondido perto do portão, depois passou rapidamente por este. Uma vez dentro da área delimitada, viu as luzes pálidas da mansão brilhando através da densa cortina de neve. Embora o verdadeiro quartel general da Ordem funcionasse no subterrâneo da mansão gótica, não era raro encontrar um ou mais guerreiros e suas parceiras usando a casa à noite como palco de jantares ou entretenimento. Mas quem estava ali naquela noite não se divertia. Quando se aproximou da mansão, Tegan ouviu um rugido feroz seguido pelo estrondo de vidros se quebrando. — Mas o que... Outro estrondo soou, mais violento que o primeiro, vindo do saguão da mansão. Era como se alguma coisa ou alguém muito grande estivesse destruindo o lugar. Entrou, empunhando uma de suas lâminas e pisando sobre o monte de porcelana e vidros estilhaçados. — O que é isso? — ele murmurou, identificando a origem da destruição. Um dos guerreiros estava em pé, ao lado de um console no centro do saguão, mantendo as mãos sobre ele como se apenas assim pudesse permanecer ereto. Encontrava-se ensopado de suor e sem camisa, vestindo apenas velhas calças de moletom que pareciam ter sido postas às pressas momentos antes. De cabeça baixa, não se incomodava com as mechas castanhas e longas que caíam, úmidas, em torno de seu rosto. Os dermaglifos que cobriam seu peito e ombros eram de cor viva; o complexo padrão dos membros da Raça pulsando furiosamente. Tegan baixou a arma, devolvendo-a a bainha. — Como vai, Rio? Aperfeiçoando seus talentos a esta hora da noite? — Aproximou-se, cauteloso. Rio se virou. Olhos cor de topázio ainda guardavam um lampejo âmbar, espalhando em volta a luz da loucura. O brilho de suas presas podia ser visto por trás dos lábios entreabertos. Tegan sabia que não era a Luxúria do Sangue que despertara o lado selvagem do guerreiro. Era fúria... e remorso. — Eu podia tê-la matado — ele gemeu, angustiado, e sem o habitual sotaque espanhol. — Tive de sair de lá. Alguma coisa dentro de mim simplesmente explodiu. — Droga, Tegan... Eu queria... Não, eu precisava machucar alguém! Não restava muito do homem belo e sofisticado que já havia sido o mais assediado membro da Ordem, sempre rápido com uma piada e generoso com seus sorrisos. A explosão a que ele sobrevivera no verão anterior arruinara sua aparência. E a revelação de que sua parceira, Eva, o traíra, acabara de arruinar o restante. — Madre de Dios! — Rio sussurrou. — Ninguém deveria ficar perto de mim. Estou perdendo o juízo! E se fizesse alguma coisa com ela, Tegan? E se eu a ferisse? Ela, quem? O guerreiro não falava sobre Eva. Eva se suicidara ao saber que sua traição havia sido descoberta. A única outra mulher que agora mantinha contato regular com Rio era Tess, parceira de Dante. Desde que chegara à sede alguns meses antes, Tess trabalhava com Rio, usando seu toque curador para consertar o que podia de seu 14
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corpo castigado, tentando reabilitá-lo do desastre físico e mental. Se o guerreiro a ferisse, acidentalmente ou não, as consequências seriam terríveis. Dante amava sua mulher com tal intensidade que surpreendia a todos na sede. Antes um incansável bad boy, ele agora vivia aos pés de Tess e não tentava esconder seu amor por ela. Mataria Rio com as próprias mãos se alguma coisa acontecesse com sua parceira. — O que você fez, Rio? Onde está Tess? Rio balançou a cabeça e apontou para a ala no fundo da ampla mansão. Tegan se preparava para seguir na direção apontada quando passos precederam a entrada estrondosa da moça. — Rio? Rio, onde se meteu...? Usava calças de moletom sobre um maiô azul e molhado. Sua aparência era puramente esportiva, mas qualquer homem teria notado a beleza sinuosa e perfeita que preenchia o maiô. O cabelo castanho estava preso num rabo de cavalo, as pontas ainda molhadas da água da piscina. — Meu Deus, Rio! Você está bem? — Ele está ótimo — Tegan respondeu. — E você? — Está bem. — O que aconteceu? — Tivemos alguns contratempos na sessão de hoje, nada importante. — Conte a ele o que fiz com você — Rio resmungou. — Conte como perdi a consciência na piscina e como, quando me recuperei, estava apertando seu pescoço. — O que é isso? — Tegan agora podia ver o hematoma que já começava a se formar no pescoço de Tess. — Tem certeza de que está bem? — Sim, estou. Ele não teve intenção e me soltou assim que percebeu o que estava fazendo. Rio vai ficar bem. Sabe disso, não é, Rio? Amanhã vai se sentir melhor. Todos os dias fazemos pequenos progressos, — Não estou progredindo. Alguém deveria me matar. Seria uma bênção para todos, especialmente para mim. Este corpo, minha mente... tudo é inútil agora. — Rio bateu com o punho cerrado sobre o console, fazendo tremer as vidraças da mansão. — Você não é inútil — Tess volveu com firmeza. — A cura leva tempo. Não pode desistir. Tegan admirou a calma, a segurança e a tenacidade da moça. Não era difícil entender por que Dante a amava tanto. Entretanto, também percebia que Tegan se encontrava em um momento especialmente volátil. Ele não tinha intenção de ferir, muito menos Tess, cujo conhecimento o trouxera de volta das portas da psicose. Tegan suspirou. Também havia vivido algo semelhante no passado. Se somasse aquilo às sequelas de uma lesão cerebral como a que Rio tinha sofrido, e ao fato de o guerreiro ser um barril de pólvora esperando por alguém que acendesse seu pavio... — Venha, Rio — chamou, olhando para Tess com uma expressão significativa. —Estou descendo. Deixo você na sede. Tess agradeceu com um sorriso pálido, e Tegan segurou o braço do amigo, levando-o para longe dos escombros deixados por seu ataque de fúria. Os passos de Rios eram pesados, agora; desprovidos da graça que antes lhes era natural. Ele se apoiava em seu braço e respirava com dificuldade, como se estivesse muito cansado. 15
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— Vamos com calma — Tegan tentou animá-lo. — Sente-se melhor? Ele assentiu. Tegan olhou para Tess, que já se ajoelhara para recolher os cacos de vidro e porcelana do chão. — Viu Chase por aí? — Não — ela respondeu. — Ele e Dante ainda não voltaram da patrulha. Tegan sorriu. Havia meses os dois homens estavam prontos para apertar o pescoço um do outro. Tinham sido reunidos na improvável dupla por Lucan quando Sterling Chase, o agente dos Darkhaven, aparecera na sede com informações sobre uma droga chamada Crimson, ou droga vermelha, e pedira ajuda à Ordem para tirar mais aquele perigo das ruas. Agora ele e Dante eram quase inseparáveis no campo, e estavam juntos desde que Chase deixara os Darkhaven e se tornara oficialmente membro da Ordem. — Os dois são uma réplica perfeita de Mutt e Jeff, não acha? Tess riu: — Se quer minha opinião, acho que estão mais para Larry e Curly. Tegan caiu na risada e continuou levando Rio para o corredor. Conduziu-o ao elevador da mansão, depois pressionou o código para iniciar a jornada até o quartel general subterrâneo da Ordem.
Após deixar Rio em seus aposentos, na sede, foi ao laboratório de tecnologia para conversar com Gideon, o vampiro loiro que, como sempre, encontrava-se sentado em sua cadeira giratória, realizando sua magia em quatro computadores ao mesmo tempo. Com um fone sem fio no ouvido, fornecia coordenadas pelo pequeno microfone que tinha diante da boca. Exemplo perfeito do homem multitarefa, Gideon ergueu os olhos ao sentir a presença de Tegan no laboratório, chamando-o para mais perto com um gesto de mão enquanto, com a outra, paralisava um conjunto de imagens de satélite em uma das telas. — Niko parece ter uma pista para o laboratório de Crimson — contou, os dedos voando sobre o teclado de outra máquina. — Estou fazendo uma verificação. Tegan olhou para as imagens que Gideon espalhava pela tela. Algumas eram conhecidas tocas de Corruptos, muitas delas antigos covis graças aos esforços da Ordem. Outras mostravam Corruptos e Seguidores indo e vindo de vários pontos da cidade. Um rosto chamou a atenção de Tegan. Era um traficante humano de Crimson, Ben Sullivan. Dante havia posto as mãos no bastardo no ano anterior, mas a localização de seu laboratório de produção de Crimson ainda era desconhecida. Problemas com a droga tinham diminuído desde que a Ordem se envolvera, mas enquanto os Corruptos possuíssem meios para fabricar mais daquela porcaria, a ameaça de um ressurgimento do uso de Crimson entre os da Raça ainda existia. — Espere um minuto. Estou tentando precisar uma localização em Revere — Gideon disse. — Sim, parece que é uma boa pista. Querem dar um passeio pelo Chelsea 16
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River e ver o que encontramos por lá? Tegan olhou para a foto do rosto de Ben Sullivan. O humano matara muitos jovens vampiros com sua droga, entre eles Camden Chase, o filho de Elise. Não fosse pelo Crimson, o garoto nunca teria se tornado Corrupto. Nunca teria sido morto como foi. E uma mulher de criação nobre como Elise não estaria acuada naquele apartamento terrível, no centro da cidade, enlouquecida pela dor e pela revolta, e envolvida em algum tipo de vingança maternal que provavelmente acabaria por matá-la também. — Isso nunca vai acabar, vai? — Como? Tegan só se deu conta de que havia falado quando percebeu que Gideon o encarava, intrigado. — Nada. Dominado por pensamentos sombrios, ele se afastou dos computadores e deixou Gideon com seus monitores e teclados. Outra imagem surgiu em uma das telas, esta mostrando uma velha área industrial não muito longe do rio. Tegan conhecia o lugar. Não precisava de mais nada. — Sim, Niko — Gideon disse ao microfone do celular. — É, parece boa. Se as coisas ficarem feias por aí, peça reforço. Dante e Chase estão menos de uma hora distantes, e Tegan está... — Franziu o cenho. Tegan não estava mais lá.
— É isso. Vire à esquerda na próxima esquina — disse Nikolai do banco traseiro da SUV preta da Ordem. Estava ocupado, recarregando as armas que havia usado com os novos guerreiros recrutas, os quais o acompanhavam naquela noite. — Estacione atrás daquele caminhão velho. Vamos a pé daqui. Brock, um lutador recrutado em Detroit, era tão suave ao volante quanto com as mulheres. Estacionou o veículo e desligou o motor. Ao lado de Brock, no assento dianteiro, o outro recruta de Niko se virou e estendeu a mão para a arma recarregada. Os olhos prateados de Kade ainda brilhavam depois da ação, e os cabelos pretos e curtos estavam molhados por causa da neve. — Acha que vamos encontrar alguma coisa aqui? — Espero que sim — respondeu Niko, entregando pistolas, munição e silenciadores para os dois recrutas. — Vamos dar uma farejada por aí em busca de Crimson. Desceram da Range Rover e percorreram a área residencial a pé; os três mantendo-se nas sombras enquanto se aproximaram do velho galpão onde as pistas de Niko os levavam. O prédio era terrível por fora: um bloco industrial típico da década de 70. Uma monstruosidade de concreto, madeira e vidro. Postes que antes haviam servido para sustentar uma corrente agora se erguiam em ângulos estranhos, improváveis; e a corrente deixara de existir. Niko e os rapazes passaram para o interior do terreno, as botas rangendo na neve fresca. Quando já se aproximavam do galpão, Niko viu cinzas no chão. A forma irregular e 17
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grande ainda era visível, ainda fumegava e fervia em contato com os delicados focos de neve que derretiam. — Alguém defumou um Corrupto — disse em voz baixa. Gideon não mencionara reforços, por isso ele se manteve alerta. Corruptos eram basicamente selvagens, e não era incomum que atacassem uns aos outros. A Ordem não se opunha a essa selvageria entre os daquela espécie porque poupava trabalho aos guerreiros. Outro encontrara a morte perto da entrada do galpão. Um grande cadeado fora jogado no meio da massa molecular, e Brock apontou para a velha porta de aço. Estava encostada. Niko suspirou. Alguma coisa não estava certa ali. Ouviu um ruído no interior do galpão, um som que ecoou como uma leve vibração na sola de seus pés. O vento gelado trouxe o aroma de alguma substância química. Era querosene? O barulho ganhou força, como um trovão se formando. — Que diabo é isso? — Kade murmurou. Niko sentiu cheiro de metal aquecido. — Ah, droga! — Olhou para os dois recrutas. — Corram! Vamos sair daqui! Os três correram para a rua. O ruído se tornara um estrondo assustador. Houve uma percussão profunda, intensa, quando a explosão aconteceu no interior do velho galpão. As janelas do piso superior cuspiram suas vidraças, e pelo vão aberto as chamas e a fumaça ganharam o espaço externo. Enquanto os três olhavam perplexos para o galpão, a porta da frente foi aberta, arrancada de suas dobradiças. Não pela força da explosão, mas pela disposição de um indivíduo. Uma luz alaranjada o iluminava por trás, escurecendo o contorno dos ombros largos. Seu caminhar era casual, relaxado. Enquanto se afastava do inferno, o casaco preto que usava aberto tremulava atrás de seu corpo como uma capa que cairia muito bem no próprio príncipe das trevas. — Tegan... — Brock murmurou. Niko balançou a cabeça, rindo do espanto no rosto do noviço. Não que este não fosse justificado. Poucos eram mais impressionantes do que Tegan, e aquela demonstração decerto se tornaria uma lenda. Atrás dele, o galpão era dominado pelas chamas, propagando um calor que só podia ser comparado ao das fornalhas do inferno. A cena era de uma beleza assustadora. E a indiferença no rosto de Tegan dava a impressão de que ele apenas se ausentara para ir ao banheiro. — Está bem, T? — Niko brincou. — Precisa de ajuda? Talvez uns marshmallows para tostar nessa fogueira? — Tudo resolvido — resmungou, enquanto uma coluna de fumaça negra se erguia para o céu. Tegan passou por eles sem dar justificativas ou explicações. Era sempre assim com ele. Ele sempre fora mortal em combate, mas a destruição do laboratório de Crimson era algo que Niko jamais vira antes. Considerando as informações que recebera pouco antes, pelo menos meia dúzia 18
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de Corruptos cuidava do lugar; e agora todos estavam mortos. O laboratório logo seria uma imensa pilha de cinzas no meio de um terreno baldio. — Vamos, rapazes — Niko chamou seus recrutas. — Vamos sair daqui antes que o lugar fique cheio de humanos. Tegan caminhou de volta para a cidade sozinho, ouvindo o ruído estridente das sirenes atrás dele. Não precisava olhar para trás para saber que o céu noturno estava alaranjado perto de Chelsea. E por mais que os bombeiros jogassem água sobre o velho galpão, não haveria como salvá-lo. Ele se certificara disso. Havia desejado que o local fosse destruído com uma ferocidade que não sentira em anos. Séculos, melhor dizendo. E o mais estranho era que gostava da sensação. Ainda podia experimentar o sofrimento que impusera aos Corruptos naquela noite. O delicioso horror que plantara no coração de cada indivíduo morto no laboratório de Crimson. Deliciara-se com a angústia causada pelo titânio entrando em suas carnes, cozinhando-os de dentro para fora. Havia muito tempo aprendera a isolar as próprias emoções, mas seu poder psíquico era algo que estava além do seu controle. Como todos os da Raça, tinha, além das características herdadas do pai, certas habilidades sensoriais únicas que herdara da mulher que o havia gerado. Apenas precisava encostar em outro indivíduo, humano ou vampiro, para saber o que ele sentia. Tocava em alguém e absorvia suas emoções, alimentando-se da conexão como uma sanguessuga se alimenta de uma ferida aberta. : O dom havia sido presente e maldito durante toda sua vida; agora era seu vício. Raramente o usava, mas, quando e fazia, era com uma alegria sádica e deliberada. Era melhor tirar prazer da dor e do medo alheios do que deixar os próprios sentimentos dominar sua alma, como no passado. Mas, naquela noite, havia sentido uma grande satisfação ao eliminar os Corruptos e os Seguidores recrutados para trabalhar na produção de Crimson. E quando não vira mais nenhum sobrevivente, quando o chão da fábrica se tingira de vermelho pelo sangue derramado dos mortos por titânio, ele ainda sentira necessidade de algo mais. Por razões que não tinha interesse em examinar agora, desejara mais do que a completa obliteração. Fogo. Desejara apagar o laboratório da face da Terra, transformá-lo em uma cicatriz escura de cinzas sobre o solo estéril. E esse desejo de destruição estava relacionado a Elise. Pudera até ver seu rosto ao começar o incêndio. Fora a lembrança de seu sofrimento que o levara a saborear a morte de cada Corrupto naquela noite. Ainda não conseguia entender sua presença em um lugar tão terrível. Como viúva de um oficial do governo da Raça, Elise tinha posses e recursos. Podia viver com os Darkhaven, cercada de conforto, talvez até com um novo companheiro. Trocar sua antiga vida por aquele convívio com a pior escória da humanidade era surpreendente. Tão surpreendente quanto havia sido encontrá-la armada como um guerreiro da Ordem e coberta pelo sangue de um Seguidor. Mas Tegan também notara seu cansaço. Magra, exausta, ela parecia estar à beira de um esgotamento. Talvez por isso estivesse novamente diante do prédio onde ela morava. Mas não entraria. Era tarde, ela na certa dormia, e enquanto estivesse escuro, sua prioridade era a Ordem. Mesmo assim, passou por entre o prédio de Elise e o edifício vizinho, aproximandose da janela nos fundos. O interior do apartamento estava vazio, mas podia ser apenas o revestimento acústico bloqueando a passagem da luz.
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E mesmo com toda aquela espuma, podia ouvir o estéreo e a televisão do outro lado. Esqueça! Vá embora!, disse a si mesmo. Sentiu cheiro de sangue no interior do apartamento. Era o sangue de Elise porque o aroma se misturava à fragrância de rosas que a caracterizava. Ela perdia sangue! Não muito, porque o cheiro era fraco, mas precisava saber o que estava acontecendo. Abriu a janela com o pensamento e removeu o painel acústico que impedia sua entrada. Não havia luzes lá dentro, porém sua visão era mais aguçada na escuridão. Elise estava ali, no futon, encolhida, ainda vestindo o roupão branco. Os braços envolviam a cabeça numa moldura protetora, e os cabelos curtos e loiros estavam desalinhados. Ela nem se moveu quando pulou a janela. Nem mesmo quando ele desligou o estéreo, cujo som era ensurdecedor. Quando fez o mesmo com a televisão, ela se levantou de um salto, dominada por uma espécie de pânico semi consciente. — Sou eu, Elise. Está tudo bem. Ela não o escutava. Os olhos estavam abertos, mas sem foco. Gemia como se sentisse dor, e se atirou no chão de joelhos, procurando pelo controle remoto da tevê. Ao encontrar o aparelho, começou a apertar os botões com desespero. — Vamos, funcione! — Elise... — Tegan foi se ajoelhar ao lado dela. O sangue cujo cheiro tinha sentido escorria de suas narinas. Gotas vermelhas caíam agora sobre a lapela do roupão branco. — Senhor... — Ligue! — ela gritou, notando que o painel acústico havia sido removido da janela. — Oh, droga! Quem tirou a espuma? — Levantou-se e correu para devolver o revestimento ao lugar antes de fechar a janela com desespero. — Elise... — Faça isso parar — ela gemeu. — Faça isso parar! Tegan se aproximou dela devagar, tentando não perturbá-la ainda mais. Cuidadoso, tocou suas costas, estabelecendo a conexão. O sofrimento dela o invadiu como uma corrente elétrica. Sentiu a agonia da enxaqueca que a atormentava, o gosto ruim na boca, a dor muscular provocada pela mandíbula tensa. E ouviu vozes. Vozes horríveis, corrosivas, que viajavam no ar em torno deles; silenciosas para todos, menos para a sensível mulher caída a seu lado. Tegan ouviu, pela associação com Elise, a discussão amarga entre um homem e uma mulher do outro lado do corredor. No andar de cima, um homem desejava a própria filha. No apartamento ao lado, uma drogada injetava na veia o equivalente a um mês de alimentação infantil enquanto seu bebê faminto chorava, completamente negligenciado. Cada pensamento e sentimento negativo dos humanos, num raio de muitos metros, convergiam para a mente de Elise. Era o inferno na Terra, e ela vivia cada momento dele. Agora ele entendia os painéis de revestimento e o som alto. Elise tentava reduzir o ruído externo com esses artifícios. Mas iludia-se pensando que podia lidar com isso. Sem mencionar a insanidade de 20
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buscar uma vingança contra os Corruptos e os Seguidores. — Por favor, faça isso parar — ela implorou outra vez. Tegan respirou profundamente. Não podia deixá-la ali. Deveria levá-la para os Darkhaven. Mas, naquele momento, ela precisava de alívio para o sofrimento que experimentava. — Relaxe. Está tudo bem, Elise. Ele a pegou nos braços e a levou para o futon, onde a deitou com cuidado, estranhando a ausência de peso. Quando ela havia comido pela última vez? Elise precisava de sangue. Uma boa dose de glóbulos vermelhos da Raça proveria a força necessária e aquietaria parte de seu sofrimento, mas ele não poderia nem pensar em se oferecer como doador. Elise era uma Escolhida, uma das raras fêmeas humanas geneticamente compatíveis com membros da raça dos vampiros. Alimentá-la com o que corria em suas veias a revitalizaria, mas colocar seu sangue no corpo de Elise também criaria um elo inquebrável entre eles. Esse tipo de elo era reservado para os pares escolhidos, o mais sagrado dos votos da Raça. Apenas a morte podia romper um elo de sangue, por isso poucos doavam a substância vital por caridade ou de maneira inconsequente. Elise era viúva, e os anos que passara sem um parceiro, associados ao dano que causava a si mesma todos os dias vivendo entre humanos, começavam a afetá-la seriamente. Quando a deitou, Tegan notou que o roupão se abria entre a coxa e o ventre, exibindo o sinal de nascença que todas as Escolhidas tinham em alguma parte do corpo, o crescente em forma de gota. O dela ficava na coxa, logo abaixo da virilha, e ele quase perdeu o ar ao ser invadido por um súbito desejo. Esqueça, homem. Ela não é para você. Ele a cobriu rapidamente com o roupão. Seu nariz ainda sangrava em razão da enxaqueca, e o fio avermelhado tingia uma de suas faces. Enxugou o sangue com a barra da camiseta preta, tentando ignorar o aroma adocicado que apelava para seus mais enraizados instintos. O pulso instável de Elise era como um tambor em seus ouvidos, e o pulsar rápido de sua carótida atraía o olhar para a linha graciosa do pescoço pálido. Droga!, praguejou mentalmente. Sentia o apetite crescer apenas por estar perto dela. Estava faminto, embora houvesse se alimentado havia pouco tempo. Mas os humanos ordinários e sujos de que se alimentava não podiam ser comparados a beleza única diante de seus olhos. Elise gemeu, mais uma vez atormentada pela dor. Estava vulnerável, indefesa contra seu martírio psíquico. Naquele momento, ele era sua única chance de alívio. Tegan tocou a testa fria com a ponta dos dedos e, delicadamente, pressionou as pálpebras fechadas. — Durma — ordenou, induzindo-a a um transe leve. Com a respiração de Elise reduzida para um ritmo próximo do normal e a tensão deixando seu corpo, ele sentou-se e a viu mergulhar num sono calmo e profundo.
Elise acordou devagar e em paz, sentindo o conforto do cobertor sobre seu corpo e do silêncio que a cercava. 21
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Não ouviu um só ruído. Abriu os olhos, esperando pelo assalto aos sentidos, mas o silêncio perdurava. — Dormiu bem? O som da voz masculina vinha da cozinha, de onde também flutuava um delicioso aroma de ovos e torradas. — O que aconteceu? O que está fazendo aqui? De repente, ela se lembrou. A agonia da dor, o barulho, a presença inexplicável de Tegan... Confusa, sentou-se, esperando o ataque aos sentidos a qualquer momento. — O que fez comigo? — Você precisada de ajuda. — Está dizendo que me apagou? — Foi apenas um transe moderado para você poder descansar. Não pode estar pensando que tive a intenção de lhe fazer algum mal. — Não... Eu sei que não. Já teve outras oportunidades, e nunca me fez nada. — Uma sincera declaração de confiança. Devo me sentir lisonjeado? — Estou tentando agradecer, Tegan. Você me ajudou duas vezes ontem à noite. E nunca agradeci por sua generosidade há alguns meses, quando me levou para casa depois daquele incidente na Ordem. — Esqueça. O transe ainda está ativo, por isso seu talento está adormecido. O bloqueio vai funcionar enquanto eu estiver aqui. Ele cruzou os braços, atraindo o olhar de Elise para os dermaglifos que subiam por seus antebraços e desapareciam sob a manga da camiseta escura. Os glifos serviam como uma espécie de termômetro emocional nos membros da Raça, mas os dele agora apresentavam apenas um tom mais escuro que o dourado de sua pele, revelando pouco sobre sua disposição. Elise já havia visto aquelas marcas meses antes, quando falara com ele pela primeira vez, na sede da Rodem. Era difícil não admirar os arcos e padrões geométricos que o distinguiam como um dos mais velhos da raça. Tegan era da primeira geração, e se a profundidade de seus poderes não o destacava como tal, a beleza e complexidade dos glifos certamente cumpriam esse papel. Mas o fato de ser um Gene Um também o tornava mais vulnerável a coisas como a luz do sol, fator que, àquela hora da manhã, era uma preocupação. — São nove horas. Passou a noite toda aqui. Tegan serviu os ovos mexidos em um prato e acrescentou duas torradas à refeição. — Venha comer enquanto está quente. , Elise só percebeu que estava faminta quando levou o alimento à boca. — Hum, delicioso. — Porque está com fome. E se continuar vivendo dessa maneira, não vai durar muito. Viver entre humanos a submete a um constante esforço psíquico, Elise. Não tem 22
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controle sobre isso, e essa exposição é perigosa. Pode destruir você. Seu corpo não está preparado para o desgaste a que o está expondo, Não está em condições de realizar o que se dispôs a fazer. — Estou sobrevivendo bem. — Percebi — ele comentou, irônico, olhando em volta. — E, ontem à noite, notei como lidava bem com a situação. — Não precisava me ajudar. — Eu sei. — Então, por que me ajudou? E por que voltou? — Achei que gostaria de saber que a Ordem destruiu o laboratório de Crimson. O laboratório, os ingredientes para a fabricação da droga, os indivíduos que cuidavam do local... Tudo virou cinza. A droga que havia roubado Camden de sua vida não poderia mais fazer mal ao filho de nenhuma outra mulher? — Graças a Deus! — Ela enxugou as lágrimas. — Desculpe. Não quero parecer fraca ou emotiva, mas é que ainda sinto um vazio no coração desde a morte de Quentin. Depois, quando perdi meu filho... Enfim, tudo o que sinto é dor. — Vai passar. — Como pode afirmar isso? — Porque é verdade. O luto é uma emoção inútil. Quanto antes superar esse sentimento, melhor para você. — E o amor? Nunca perdeu ninguém que amava? Ou homens como você, que vivem para matar e destruir, não conhecem esse sentimento? — Termine seu café — ele sugeriu com frieza. — Precisa repousar enquanto pode. Assim que o sol se puser, terei de ir embora, e você vai voltar a contar apenas com suas próprias defesas... Sejam elas quais forem. Tegan caminhou até o casaco pendurado na esteira e tirou do bolso o celular, que usou para falar com a Ordem. Elise gostaria de detestá-lo por sua indiferença, mas não conseguia. Na verdade, invejava-o por esse distanciamento. Como ele conseguia manter a calma? Seu dom era parecido com o dela. Na noite anterior, ele havia experimentado seu tormento quando a tocara, mas isso não o abalara. Como ele pudera,suportá-lo? Talvez a força do Gene Um o tornasse tão impenetrável, tão impassível. Ou talvez fosse treinamento. E, se era algo que ele tinha aprendido, ela também poderia aprender. — Mostre-me como faz isso — pediu quando ele desligou o celular. — Como faço o quê? — Disse que preciso aprender a controlar meus poderes. Então, mostre-me o que devo fazer. Quero ser como você. —- Não, não quer. Ela contornou o balcão para se aproximar dele. — Tegan, por favor. Posso ser uma boa aquisição para a Ordem... Posso ajudar 23
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você e quero ajudar. Preciso ajudar. — Esqueça. — Por quê? Porque sou mulher? — Porque está motivada pela dor, e essa é uma fraqueza fatal fora dos limites da Ordem. Está exposta, vulnerável, consumida pela auto-piedade. Não pode ajudar ninguém. A crítica era dolorosa, mas verdadeira, e ela assentiu. — O melhor lugar para você é junto aos Darkhaven, Elise. Aqui, na situação em que está agora, é apenas mais um problema para nós. E para você, especialmente. Não quero ser cruel, mas... — Não, é- claro que não. Crueldade implicaria em um tipo de sentimento, não? Ela não disse mais nada. Nem voltou a olhar para ele. Apenas se virou, pegou o prato sobre o balcão, e o levou para a pia.
— Como assim, desapareceu? — O líder dos Corruptos estava sentado na beirada de sua cadeira de couro, com os cotovelos plantados sobre a mesa de mogno, ouvindo o relato nervoso de um Seguidor pelo telefone. — Ontem à noite os bombeiros foram chamados, senhor. Houve uma explosão. Todo o galpão ardia como Roma depois de Nero. De acordo com o pessoal que atendeu ao chamado, não houve como salvar nada. Os relatórios iniciais sugerem um vazamento de gás. Marek desligou, interrompendo o relato inútil do criado humano. O laboratório de Crimson não podia ter sido destruído por uma casualidade ou por alguma falha nas instalações. Isso era obra da Ordem. A única coisa que o surpreendia era que seu irmão Lucan e os guerreiros que o seguiam houvessem levado tanto tempo para entrar em ação. Contudo, ele os mantinha ocupados nas ruas desde o último verão. E era exatamente nas ruas que queria manter o foco da Ordem. Precisava desviar a atenção dos combatentes para poder fazer seu verdadeiro trabalho sem ser notado ou perturbado. Por isso escolhera Boston. Por isso o problema com os Corruptos crescera consideravelmente nos últimos tempos naquela cidade. Tudo era parte de um plano para chegar a um objetivo maior. Se pudesse eliminar alguns guerreiros pelo caminho, tanto melhor; mas distraí-los também seria útil. Assim que alcançasse seu verdadeiro objetivo, nem a Ordem poderia detê-lo. E por mais que a perda do laboratório de Crimson o enfurecesse, a irritação maior era proveniente do fato de um de seus Seguidores ter deixado de se reportar, como fora instruído a fazer. Ele esperava por uma informação vital, e sua paciência chegara ao fim. O atraso do Seguidor não era um bom sinal. O humano que havia recrutado para aquela tarefa era instável e arrogante, mas confiável, também. Todos os Seguidores eram confiáveis. Drenada de praticamente toda a vida, a mente humana escravizada ficava sob total controle do vampiro que a dominava. Apenas os mais poderosos entre os vampiros podiam criar Seguidores, e a lei da Raça proibira essa prática, considerando-a bárbara. 24
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Marek riu, desdenhando da castração burocrática que a raça impunha a si mesma. Era só mais um exemplo de por que o reino dos vampiros em breve sofreria uma mudança. Eles precisavam de uma nova e forte liderança para entrar em uma nova era. A nova era que pertenceria a ele.
Capítulo II
Ele a enfurecera, possivelmente a magoara, mas não se desculparia. Não devia explicações ou desculpas àquela mulher. E nem perderia tempo pensando em seu pedido. Não a ajudaria a dominar seu dom psíquico. A ideia de que uma mulher podia pensar em se colocar à sua mercê daquela maneira era ridícula. Elise o ajudou a evitar o assunto porque não voltou a pronunciar uma só palavra. Ocupou-se com a arrumação, a limpeza, treinou trinta minutos na esteira e procurou ficar bem longe dele. Enquanto ela tomava banho, Tegan aproveitou para cochilar por alguns minutos no chão, despertando ao ouvi-la sair do chuveiro. Ela apareceu vestindo jeans e moletom com capuz, um blusão de Harvard vários números maior do que o dela. Os cabelos loiros e limpos brilhavam, realçando os olhos cor de ametista. — O que está fazendo? — perguntou, ao vê-la calçar as botas e pegar um casaco no armário. — Preciso sair. Deve ter notado que minha geladeira está vazia, e estou com fome. — Se sair daqui, o transe se quebrará. — Nesse caso, vou ter de continuar vivendo sem ele. Ela pegou o MP3 sobre o balcão da cozinha, colocando-o no bolso da frente das calças e, passando o fio por baixo do moletom, deixou os fones pendurados para fora da gola. Não pegou a faca que havia largado sobre o balcão na noite anterior, e Tegan não viu outras armas nela. — Não sei quanto vou demorar — Elise disse, séria. — Se tiver de sair antes disso, tranque a porta. Estou levando minhas chaves. — Elise, por favor, escute. Sei que está zangada comigo por causa das coisas que falei, mas são a pura verdade! Não está preparada para isso. Antes que ele pudesse anunciar sua decisão de levá-la para os Darkhaven, ela abriu a porta. A arma foi mais eficiente do que qualquer outra. A luz radiante do sol vespertino penetrou no apartamento, obrigando-o a recuar. Tegan saltou para longe da claridade, cobrindo os olhos com um braço. Elise saiu e fechou a porta. 25
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Sem pressa, Elise percorreu o mercado, escolhendo os produtos. Carregando uma sacola com itens básicos, caminhou pela calçada, afastando-se do bairro onde vivia. O ar gelado a revigorou, ajudando-a na difícil tarefa de clarear as ideias. O transe realmente se quebrara. Agora podia sentir a vibração de vozes humanas sob o ruído estridente das guitarras elétricas do MP3 que havia pertencido a Camden. A corrupção ácida da mente humana era companhia constante desde, que ela iniciara aquela jornada sombria além do santuário dos Darkhaven. Tinha de admitir, a intervenção de Tegan fora uma bênção. Ele a enfurecia e insultava, mas as horas que conseguira dormir sob o transe tinham sido mais do que necessárias. O intervalo dera a ela uma chance para pensar, e, durante o banho, finalmente conseguira se lembrar de detalhes específicos do Seguidor que matara na noite anterior. Raines, ela ouvira bem seu nome, tentava pegar uma encomenda para alguém que chamara de mestre, e ficara indignado ao ser informado de que o pacote não havia chegado. O que podia ser tão importante? Ou melhor, o que podia ser tão importante para o vampiro que o transformara num Seguidor? Era isso o que ela pretendia descobrir agora. Por isso decidira sair, apesar de o arrogante guerreiro da Raça montar guarda em seu apartamento. Como Tegan acreditava que ela nada tinha a acrescentar na luta contra os Corruptos, não vira motivos para informá-lo sobre suas intenções. Não enquanto não tivesse certeza do significado desse detalhe. Levou alguns minutos para chegar ao posto da FedEx, perto da estação ferroviária. O atendente era o mesmo da noite anterior. — Em que posso ajudá-la? Ela respirou fundo, tentando resistir à cacofonia que invadia sua mente. Em pouco tempo estaria completamente dominada. — Preciso retirar uma encomenda, por favor. Devia ter chegado ontem, mas a tempestade atrasou a entrega. — Nome? — Raines. O rapaz consultou os dados no terminal de computador. — Sim, já chegou. Pode me mostrar algum documento de identificação? — Como? — Licença de motorista, cartão de crédito... qualquer coisa que tenha sua identificação e a confirmação da assinatura para concluirmos a retirada. — Ah, bem... Não tenho nada disso aqui comigo. — Lamento, mas não posso entregar a encomenda sem uma identificação. — Por favor. É muito importante. Meu... marido esteve aqui ontem para retirar esse pacote, e ficou muito aborrecido com o atraso. Ela tentou bloquear a onda de animosidade do atendente pelo Seguidor. Ele pensava em tacos de beisebol, ruas escuras, e ossos quebrados. — Sem nenhuma intenção de ofendê-la, senhora, seu marido é um homem muito desagradável. 26
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— Ele não vai ficar feliz se eu chegar em casa sem esse pacote. Realmente, preciso levar a encomenda. — Não sem uma identificação. É claro que, se eu deixar a caixa sobre o balcão e for buscar um formulário de recibo, lá atrás, a encomenda pode criar pernas e desaparecer. Coisas desaparecem o tempo todo... — Faria isso por mim? — Não por nada, é claro. — Ele olhou para os fones de ouvido pendurados na gola do moletom. — Esse modelo é novo? Aquele com tela de vídeo? — Ah, isso não... — ela começou, balançando a cabeça. Era seu único elo tangível com o filho morto. Era o aparelho que ele estivera escutando antes de sair de casa pela última vez. Além do mais, precisava da música. — Como quiser. — O atendente encolheu os ombros. .— Não devo mesmo contrariar a política da empresa. — Está bem — Elise o interrompeu. — Pode ficar com ele. Removeu os fios de baixo do moletom, depois os enrolou em torrão do iPod e o colocou em cima do balcão. — O pacote, por favor.
Tegan despertou de um cochilo breve ao ouvir passos do lado de fora da porta do apartamento. A chave na fechadura anunciou o retorno de Elise. Ela passara quase duas horas fora. Mais duas, e a noite chegaria, e ele poderia sair dali e ir cuidar das próprias coisas. — Encontrou tudo de que precisava? — perguntou, notando que ela apoiava a testa na porta fechada por um instante antes de assentir. — Outra dor de cabeça? — Estou bem —- Elise murmurou, mantendo a mão direita na têmpora, enquanto se dirigia à cozinha com uma sacola. — Não é das piores. Não fiquei fora por muito tempo, então logo vai melhorar. Elise bebeu um copo de água, sedenta. Havia algo de primitivo em sua sede, uma necessidade tão básica e que, no entanto, pareceu absurdamente erótica para ele. Tegan tentou calcular quanto tempo ela passara sem receber sangue da Raça. Cinco anos, pelo menos, pois seu corpo já começava a mostrar essa carência. A pele era pálida, os músculos, mantidos com grande esforço, e Elise não poderia lidar com seu talento sem ser alimentada com sangue da Raça. Mas ela devia saber disso. Elise bebeu mais água, e, depois do terceiro copo, Tegan teve a impressão de ver a tensão deixando seus ombros. — O estéreo, por favor. Pode ligá-lo? Ele enviou um comando mental ao aparelho, e a música inundou o apartamento. Não era estridente, como ela parecia preferir, mas já ajudava. Após um momento, Elise começou a guardar as compras. — É pior quando você se aproxima dos Seguidores — ele comentou. — Expor-se a esse nível de maldade, aproximar-se o suficiente para tocá-los, é o que provoca as 27
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enxaquecas e os sangramentos. — Faço o que é necessário. E antes que me diga que sou inútil para a Ordem, nessa batalha, talvez queira saber que o Seguidor de ontem à noite cumpria uma tarefa para o vampiro que o transformou. — Que tipo de tarefa? O que está dizendo? — Eu o segui da estação ferroviária até um posto do FedEx. Ele queria retirar uma encomenda. — Sabe o que era ou de onde veio? Sabe o que o Seguidor disse? Consegue se lembrar de alguma coisa que possa ser... — Útil? — ela completou com ironia. Tegan suspirou. — Conte-me tudo o que sabe, Elise. Nenhum detalhe é insignificante. Ela revelou tudo o que conseguira descobrir na noite anterior, até mesmo o nome do Seguidor. — O que vai fazer? — perguntou, por fim. — Esperar pelo anoitecer. Então, vou até o tal posto do FedEx, retirar a encomenda e torcer para que ela nos traga respostas. Elise colocou diante dele uma sacola plástica, a caixa retangular no fundo servindo de base para mantê-la em pé. A nota de recebimento estava em nome de Sheldon Raines. O Seguidor que ela matara na noite anterior. Impossível! Ela não podia ter... — Como conseguiu isto? — Achei que podia ser útil e não quis correr o risco de esperar que os Corruptos retirassem a encomenda. Ele soltou uma risada seca. E pensar que havia declarado que ela não podia ajudar na guerra da Ordem. Tegan abriu a caixa com a ajuda de uma das facas que sempre carregava. O endereço do remetente devia ser falso. Gideon poderia verificá-lo, mas Marek não seria tolo a ponto de deixar um rastro tão óbvio. Dentro da caixa havia um livro de capa de couro envolto em plástico do tipo bolha. Ele removeu a embalagem do pequeno volume e o estudou, intrigado. Um diário, talvez. Passagens manuscritas em uma mistura de alemão e latim cobriam as primeiras páginas; as outras estavam em branco, exceto por símbolos grosseiros, rabiscados nas margens. — Como conseguiu pegar esta encomenda, Elise? Deixou seu nome, assinou algum recibo?' — Não. Nada. Tegan virou as páginas do livro, encontrando várias referências a uma família de nome Odolf. Não era um nome familiar, mas estava disposto a apostar que pertencia à Raça. E muitos registros eram apenas repetições de algum tipo de verso ou poema. Que interesse Marek podia ter em uma crônica tão obscura? Devia haver uma razão. — Deu ao atendente do posto alguma informação que possa identificá-la? 28
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— Não, eu... fiz uma troca com ele. O atendente me entregou a encomenda em troca do iPod que era de Camden. Apenas então ele percebeu que ela voltara sem o aparato utilizado para reduzir a força de seu dom. Por isso ela retornara com dor de cabeça. Mas o desconforto fora superado, e ela se inclinava para estudar o livro, totalmente focada na tarefa. — Acha que isso pode ser importante para os Corruptos? — Não sei, mas é importante para aquele que os lidera. — E você o conhece, não? — Sim, eu o conheço — Tegan admitiu. — O nome dele é Marek. O irmão mais velho de Lucan. — Um guerreiro? — Já foi. Lucan e eu travamos muitas batalhas com Marek a nosso favor. Confiávamos a ele a própria vida e teríamos morrido por ele. — E agora? — Agora Marek é um traidor e um assassino. É nosso inimigo; não apenas da Ordem, mas de todos os indivíduos da Raça... Só que ele não sabe disso ainda. Com sorte, vamos pegá-lo antes que Marek tenha uma chance de fazer o que pretende. — E se a Ordem falhar? —- Reze para que isso não aconteça. No silêncio que se seguiu à declaração, ela virou algumas páginas, estudando as anotações misteriosas. — Isto é um glifo? Tegan olhou para o pequeno símbolo anotado em uma das páginas, já quase no final do livro. O padrão de arcos e traços geométricos entrelaçados podia parecer simplesmente decorativo ao olhar destreinado, mas Elise tinha razão. Era um símbolo dermaglífico. — Droga! — resmungou, olhando para o que sabia ser a marca de uma linhagem muito antiga. Ela não pertencia a ninguém chamado Odolf, mas a um grupo de outro nome. Uma família que vivera e perecera completamente havia muito tempo. Que motivos Marek podia ter para desenterrar um passado tão remoto?
Gritos soaram na velha mansão de Berkshire. Eram urros de angústia provenientes de um sótão no terceiro andar da casa. O cômodo possuía amplas janelas de onde se podia ver todo o vale lá embaixo. O cenário era lindo, especialmente banhado pelos últimos raios de sol de uma tarde perfeita. O vampiro mantido cativo por guardas Seguidores não parecia muito impressionado com a beleza do lugar. Fora acomodado na primeira fileira do espetáculo de raios ultravioleta, onde permanecia já fazia vinte e sete minutos. Mais gritos ecoaram pela escadaria central, dando lugar a soluços exaustos. 29
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Com um suspiro aborrecido, Marek se levantou de sua elegante poltrona Luís XVI e se dirigiu à porta do escritório. Com exceção das janelas do sótão, onde eram realizados os interrogatórios, todas as outras tinham persianas eletrônicas que bloqueavam a luz solar. Chamou um de seus Seguidores e ordenou que ele subisse para informar que o mestre estava a caminho, e que as janelas deveriam ser fechadas antes de sua chegada. Enquanto ia subindo os degraus do salão até o terceiro andar que precedia o sótão, Marek sentiu-se outra vez dominado pela fúria. Esse era apenas mais um dos frustrantes interrogatórios do prisioneiro em seu poder nas duas últimas semanas. Tortura era um procedimento divertido, mas raramente eficiente. E não havia nada de divertido no que acontecera naquele dia em Boston. O Seguidor enviado para apanhar a encomenda aparecera no necrotério da cidade, vítima de esfaqueamento, de acordo com seu informante no gabinete da perícia. E ele tinha sido morto em plena luz do dia, o que excluía a participação de alguém da Ordem ou outra intervenção da Raça. E como se não bastasse, a encomenda desaparecera do posto do FedEx. Marek suspirou. Era uma perda grave, mas pretendia recuperá-la. E quando isso acontecesse, interrogaria pessoalmente o ladrão que dela se apoderara. No sótão, o vampiro estava nu, amarrado a uma cadeira e preso por correntes e argolas de aço nos pulsos e tornozelos. Sua pele fumegava em vários pontos, onde ele sofrera queimaduras graves, emanando um odor enjoativo que misturava suor e carne queimada. — Gostando da paisagem? — Marek perguntou, olhando para o homem com repulsa. — Pena ainda ser inverno. Dizem que as cores são fascinantes no outono. O vampiro não respondeu. Provavelmente, não conseguia mais falar. — Está pronto para me dizer o que quero saber? Ninguém vai saber que você sucumbiu. Pretendo fazer essa concessão, se você cooperar comigo agora. Posso mandá-Io para longe, assegurar sua cura e garantir sua proteção. É fácil para alguém com o meu poder. Está entendendo? A criatura gemeu. Marek respirou fundo. Não cumpriria nada do que prometia, mas as mentiras deveriam servir para convencer aquele infeliz a falar, já que tortura e sofrimento de nada haviam adiantado. — Fale e liberte-se disso — ele aconselhou. — Onde ele está? Silêncio. — Fale! Não precisa mais carregar esse fardo. Um sibilo brotou dos lábios do vampiro, um som que denotava exaustão. Um tremor o sacudiu, mas ele tentou novamente: — Vá para o inferno — conseguiu-balbuciar por fim. Com uma calma que encobria a fúria que o dominava, Marek se levantou e caminhou devagar para a escada do sótão. — Abram a persiana e deixem esse imprestável torrar ao sol. — ordenou aos Seguidores. — Se ele não estiver morto quando anoitecer, deixem-no aqui para um belo bronzeado matinal.
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Saiu, então, sorrindo ao ouvir novamente os gritos de terror.
A noite se aproximava, e Tegan pegou o livro, suas armas e o casaco. Elise passara a última hora, desde que entregara a ele o pacote com o selo do FedEx, observando-o estudar as páginas com estranhas anotações, enquanto tentava reunir coragem para falar novamente sobre a possibilidade de ajudar na guerra contra os Corruptos. Tegan vestiu o casaco. Ou falava agora, ou perderia sua última chance. — Espero que o livro seja útil. — Vai ser. E você terá a gratidão da Ordem por isso. — E a sua? — Minha? — Não estou pedindo demais, estou? Você é o único que pode me ajudar a lidar com a minha... falha. Ensine-me como Calar esse dom, como não sentir, e poderei ser ainda mais útil para você e a Ordem. — Eu trabalho sozinho. E você não sabe o que está pedindo. Além do mais, já discutimos esse assunto. — Eu posso aprender. Por favor, Tegan. Eu preciso aprender. — E acha que eu sou o mais indicado para ajudar você nisso? — Você é a minha única esperança. Ele balançou a cabeça. Quando deu alguns passos na direção da porta, ela o seguiu, determinada. — Não acha que eu já teria procurado ajuda em outro lugar, se pudesse? — Já lhe dei minha resposta. — E eu lhe dei esse diário. Mereço algum tipo de retribuição. — Quem disse que estamos negociando? — Se esse livro contém informações sobre as atuais atividades dos Corruptos, tenho certeza de que os Darkhaven estariam tão interessados nele quanto você. Apenas preciso dar um telefonema para qualquer contato de meu marido na Agência de Defesa, e em uma hora a sede da Ordem estará totalmente dominada por agentes. Era verdade. Quentin havia sido uma importante autoridade na Agência, e Elise, sua viúva, ainda mantinha um status considerável lá. Citar o nome do marido seria suficiente para abrir dez vezes o número de portas de que ela precisava. — Está me ameaçando? — perguntou, zangado. — Está brincando com fogo. — Com ou sem a sua aprovação, faço parte dessa guerra. Não procurei por isso; os Corruptos me envolveram nessa história quando Camden morreu. Só estou pedindo que me ensine a ser mais eficiente. Suponho que a Ordem não vá recusar aliados nesse momento. — Não se trata da Ordem, e você sabe disso. A questão aqui é vingança, olho por olho. Está com as emoções em desequilíbrio desde que viu seu filho Corrupto ser queimado vivo. 31
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As palavras de Tegan a atingiram como cacos de vidro cortando-lhe a carne. — A questão aqui é justiça — ela o corrigiu. — Preciso reparar essa situação. Droga, Tegan! Vou ter de implorar por sua ajuda? Um comando mental do guerreiro silenciou o estéreo. No silêncio que se seguiu, as ondas do dom telepático de Elise começaram a formar um campo em torno deles. Ela tocou seu braço tentando chamar sua atenção e, sem querer, o envolveu nesse campo. Vozes invadiram a mente de Tegan e ele as absorveu. Elise lutou contra a terrível invasão, mas as vozes ganharam volume e força, e ela quase caiu ante sua virulência. Tegan a observou. Elise o encarou e sentiu que, de alguma forma, ele controlava o ataque aos seus sentidos. Amplificava o estímulo da mesma maneira que podia silenciar a televisão e o aparelho de som! — Meu Deus! Você é cruel — ela gemeu. Quieto, estóico, ele rompeu o contato físico e ficou olhando para Elise, que recuava passo a passo, angustiada. — Lição número um — começou em tom frio. — Não conte comigo para nada. Eu sempre a desapontarei. Ele podia estar agindo como um cretino, verdade, mas teria sido menos honesto se deixasse Elise pensar de outra maneira. Enquanto ela ainda se recuperava da dolorosa experiência, aproveitou para sair do apartamento. Talvez devesse se sentir culpado por ter tratado Elise de forma tão dura, mas, francamente, não era essa emoção que o incomodava. Na verdade, acreditava que a ajudara com sua atitude. Agora ela iria procurar alguém melhor para ajudá-la. Levando o livro sob o casaco, caminhou com passos firmes e rápidos pela noite escura. A curiosidade o levou ao posto do FedEx. Talvez pudesse descobrir mais alguma coisa com o atendente. Quando se aproximava do local, percebeu que não havia sido o único a ter essa ideia. Sentiu cheiro de sangue fresco. Muito sangue. O posto estava escuro, mas ele pôde ver a forma inerte de um rapaz atrás do balcão. Os Corruptos já tinham estado ali. No monitor sobre o balcão, uma cena fora congelada na tela. Era uma foto de Elise com o pacote nas mãos. E, naquele momento, os mesmos Corruptos que haviam estado ali provavelmente estavam varrendo a área atrás dela. Tegan voltou ao prédio de apartamentos usando sua velocidade supranatural. Com os punhos cerrados, bateu na porta, praguejando contra a música alta lá dentro. — Elise! Abra! Depois da terceira tentativa, quando ele já se preparava para invadir o apartamento mais uma vez, ela o atendeu. Tegan a empurrou para dentro, entrou e trancou a porta. — Ponha o casaco e as botas. Agora. — O quê? — Faça o que estou dizendo! — Se acha que vai me mandar de volta... — Corruptos, Elise. Eles mataram o atendente do posto do FedEx e estão atrás de 32
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você. Não temos tempo. Pegue suas coisas. Ela empalideceu, mas ainda o encarou, hesitante, como se duvidasse da notícia. Depois do que fizera com ela alguns minutos antes, por que seria diferente? — Preciso tirar você daqui — ele insistiu. — Agora. — Está bem. — Ela assentiu. Rapidamente, pegou um casaco e calçou as botas. — A arma... — Eu vou proteger você. Vamos. Mal saíram do apartamento, viram um Corrupto espiando pelo vidro da entrada do prédio, os olhos ferozes espalhando uma luz âmbar que parecia envolvê-los. O indivíduo sorriu e rosnou alguma coisa por cima de um ombro, sem dúvida chamando reforços. — Oh, meu Deus!—Elise gemeu. — Volte. — Ele pôs o livro nas mãos dela e a empurrou para dentro do prédio. — Tranque a porta. Ela obedeceu sem discutir. Terminava de acionar a última trava da porta, quando o Corrupto invadiu o prédio. Outro o seguiu, ambos babando e exibindo as presas, armados para uma luta feroz e definitiva. Tegan atacou primeiro, e o golpe o arremessou contra o que o seguia. O que deveria estar no alto da pilha rolou para o lado no último segundo, escapando quando as mãos de Tegan agarraram seu companheiro com força letal. A luta atraiu um morador, mas, ao ver o confronto, o humano decidiu recuar. Apavorado, voltou para sua unidade e trancou a porta. Tegan não perdeu tempo e rasgou a garganta do Corrupto com uma de suas lâminas. A criatura gritou e sofreu vários espasmos antes de começar a se desintegrar. -— Sua vez — Tegan anunciou ao outro que já tentava fugir. O vampiro estendeu um braço, tentando atacá-lo com uma faca, mas sua habilidade era mínima e ele se esquivou para o lado, ganhando tempo... Tegan só compreendeu a tática quando ouviu o estrondo dos vidros se partindo no apartamento e um grito de pavor. — Filho de uma... O Corrupto o atacou, mas Tegan estava preparado e furioso. Após lhe cortar o pescoço, correu para acudir Elise. Usando força mental e física, arrebentou a porta. Ela estava no chão, o rosto para baixo, as costas prensadas pela bota do Corrupto que entrara pela janela. Segurava o diário contra o peito, protegendo-o com o corpo. Na luta, sofrera um corte no braço direito, e o sangue escorria da ferida. Em vez de tentar pegar o livro, objetivo da missão do trio, a criatura sobre ela parecia mais interessada em saciar sua sede. — Tegan! — ela gritou, querendo entregar o livro a ele embora sua vida estivesse por um fio. Dominado por uma fúria assassina, ele derrubou o terceiro Corrupto com um golpe mental. Sem tocar no bastardo, usando apenas a vontade e a ira que o dominava, arremessou-o contra a parede e o manteve lá, suspenso no ar. Mesmo agora, quando o vampiro morria aos poucos pela asfixia mental imposta 33
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por Tegan, este pôde ver a fome nos olhos do Corrupto, as pupilas verticais fixas em Elise. As longas presas pingavam saliva, e sua mente já não era mais capaz de funcionar se não como meio para saciar a sede avassaladora. A exterminação era a única solução para vampiros naquela situação. Mas não foi dever ou lógica que o fez cravar a lâmina no coração da criatura. Foi o aroma de rosas misturado ao cheiro do sangue de Elise... e o medo nos olhos dela. O bastardo a machucara, uma mulher inocente, e isso era algo que ele não podia tolerar. — Você está bem? — perguntou, vendo-a se levantar enquanto o vampiro se desintegrava. — Sim... acho. — Então, vamos sair daqui. Quando já estavam na rua, Tegan usou o celular para ligar para a sede. — Preciso de carona. Depressa! — Está ferido? — perguntou a voz do outro lado. — Não, estou bem, mas não estou sozinho. Uma mulher dos Darkhaven está sangrando, e acabei de queimar três Corruptos. Tenho a sensação de que logo virão outros. —- Onde estão? — Gideon indagou, preocupado. Tegan forneceu a direção que tomavam, pois não podiam ficar parados, esperando por um novo ataque. — Já estou mandando o resgate — Gideon respondeu, digitando alguma coisa no teclado. — Estou acionando o GPS para ver quem está mais perto... Está bem.. Dante e Chase estão a quinze minutos daí. — Diga a eles que é melhor chegarem em cinco. Gideon? — Sim? — Avise-os de que a mulher ferida é Elise. — Droga! Está falando a sério? Que diabo está fazendo com ela? — É uma longa história. Elise se esforçava para acompanhar o ritmo de Tegan na louca escapada pelas ruas escuras e sombrias. Sabia que o retardava, pois nenhum humano podia acompanhar a incrível velocidade de um indivíduo da Raça. O Corrupto que os perseguiu também foi muito rápido. Tegan tinha acabado de desligar o celular quando viu a ameaça. — Por aqui — disse, puxando-a pela mão para uma viela entre dois edifícios. Atrás dele, Elise ouviu as pesadas botas de neve, e de repente silêncio, seguido imediatamente por um baque metálico. Olhou para trás e viu que havia outro Corrupto atrás deles. O vampiro saltara e aterrissara na escada de incêndio de um dos prédios. — Tegan, lá em cima! — Eu sei. A voz dele era séria, grave, e a mão que segurava a dela, sólida como aço: uma promessa de que não a abandonaria. Ela o seguiu, ignorando a dor nas pernas, o ardor no braço ferido e a opressão nos pulmões. 34
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Quando saíram do outro lado da viela, uma picape preta surgiu do nada e parou, cantando os pneus junto da calçada. A porta de trás se abriu. — Entrem! Tegan praticamente a jogou para dentro do veículo, depois se virou e arremessou uma de suas facas. De algum lugar na escuridão brotou um grito de dor, depois o urro agoniado e longo de um Corrupto se desmanchando pelo contato com titânio. Tegan mergulhou na caminhonete ao lado de Elise e fechou a porta. — Vamos embora, Dante. Há outros a caminho. Estão vindo de cima também... Nesse instante, algo pesado atingiu o teto do carro. Dante engatou a ré e saiu cantando pneus, derrubando o Corrupto, que rolou pelo chão sob uma implacável chuva de balas do guerreiro posicionado no banco traseiro. Tegan soltou um feroz grito de guerra e continuou atirando, até o veículo dobrar a primeira esquina. Dante suspirou no banco da frente. — Acho que exagerou um pouco, parceiro, mas o desgraçado entendeu a mensagem. O comentário debochado não mereceu nenhuma resposta. O único som no interior da picape era o estalido de uma arma sendo recarregada. — Você está bem? — Tegan perguntou a Elise. Ela assentiu, ofegante demais para respirar, o coração ainda disparado pelo medo. O corpo de Tegan a seu lado era uma estranha fonte de calor e conforto. Sabia que a propriedade exigia que pusesse alguma distância entre eles, mas estava abalada demais para se mover. — Venha aqui — ele murmurou, e tocou sua testa com a palma da mão. — Melhor? Foi impossível conter o suspiro de alívio. — Sim, muito. Quando Tegan interrompeu o contato, Elise sentiu a intensidade de um par de olhos fixos nela. Levantou a cabeça e deparou com o azul frio do olhar do guerreiro sentado no banco do passageiro. — Sterling! — ela sussurrou, perplexa. Ele não respondeu. Elise suspirou. Não o via fazia quatro meses, desde a morte de Camden naquela noite terrível, diante da casa da família. Sterling saíra sozinho na ocasião, a última em que alguém dos Darkhaven ouvira falar nele. Sabiam que ele se culpava por ter acabado com a vida de Camden, mas a culpa era indevida; e vê-lo agora, tão inesperadamente, despertava nela o desejo de dizer o quanto sentia, o quanto lamentava por tudo. Mas os olhos que antes olhavam para ela com nobre compaixão, até com afeição, agora pareciam desprezá-la. Sterling Chase não era mais seu cunhado, pensou. Era um guerreiro. E se esperava conquistá-lo como aliado, como seu último parente, essa esperança morreu enquanto a picape cortava as ruas da cidade a caminho do quartel general da Ordem.
— Lucan ainda está conosco? — Tegan perguntou quando Gideon os encontrou na sede. 35
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— Chegou da patrulha há vinte minutos. Decidiu ficar depois do seu telefonema. — Ótimo. Preciso falar com ele. E o técnico do laboratório? — Está em seu quarto com Gabrielle. Que diabo está acontecendo, T? — Providencie atendimento médico para esse ferimento — ele disse, apontando o braço ensanguentado de Elise, já se retirando com o livro que ela havia interceptado. Seus passos o levavam aos aposentos de Lucan na sede. Ele encontrou o Gene Um, líder da Ordem, no aposento mais apreciado por sua Escolhida: a biblioteca, onde estantes numerosas disputavam espaço com uma tapeçaria retratando o próprio Lucan numa armadura, montado sobre um cavalo de guerra, sob uma lua crescente cortada por nuvens finas. Viu um castelo queimando no alto da colina, ao fundo: uma declaração de guerra instigada por Lucan. Tegan se lembrava da noite eternizada naquela tapeçaria, muitas vidas antes, e da carnificina que havia acontecido. Estivera lá com Lucan quando a Ordem fora concebida em meio a sangue e fúria: eles dois è seis outros que tinham se unido em um juramento de lutar pelo futuro de sua espécie, a Raça. Muitas mortes tinham se seguido à criação da Ordem, dentro e fora dela. Muitos dos guerreiros originais tinham se perdido com o tempo e os combates. Do grupo original de oito guerreiros, apenas Tegan, Lucan e Marek, irmão mais velho de Lucan, e agora seu mais perigoso adversário, o qual se auto-proclamara líder dos Corruptos, haviam sobrevivido. Tegan parou na porta da biblioteca, e Lucan levantou os olhos das fotos que Gabrielle espalhara sobre a mesa. Artista de grande talento e fotógrafa de inigualável sensibilidade, sua Escolhida os ajudava, fotografando locais e rostos que poderiam ser úteis para a Ordem e sua batalha. Mas aquela coleção era diferente. Mesmo distante Tegan pôde ver as imagens dos jardins da mansão banhados pelo sol de inverno. O gelo cintilava nos galhos das árvores como pequenos diamantes, e, em um dos retratos, um cardeal vermelho havia sido capturado em close: uma pincelada de cor no meio da brancura do campo nevado. Algumas fotos tinham sido feitas na cidade, muitas mostrando crianças em um parque, todas vestindo agasalhos coloridos e fazendo grandes bolas de neve para um boneco construído em família. Coisas que os da Raça raramente tinham oportunidade de ver, em especial os guerreiros. A mulher de Lucan tirava as fotos para agradá-lo, para que ele pudesse ver as imagens de um dia radiante de sol e luz. Tegan suspirou. Não se sentia no direito de compartilhar essa alegria. Não havia ido até ali em busca de conforto. — Você não costuma chamar a cavalaria, Tegan — Lucan comentou. — Problemas? Quero dizer, mais problemas? — Talvez. O líder da Ordem assentiu. Tegan segurava o diário sob um braço, mas o protocolo o impedia de discutir problemas da Ordem diante de uma mulher. Em vez de deixar o local ou pedir que Gabrielle saísse, porém, Lucan segurou a mão dela, convidando-a a sentar-se a seu lado numa demonstração de respeito e solidariedade. A declaração era clara: eram uma unidade. Não existiam segredos entre eles. 36
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Os parceiros Escolhidos tinham suas liberdades, mesmo os que eram unidos a membros da Ordem; mas não havia um único homem ali que teria aprovado o que Elise vinha fazendo nos últimos meses. E o que pretendia continuar fazendo, mesmo que isso a matasse. — O que está havendo? — Lucan perguntou. — Gideon disse que você telefonou e que estava na companhia de uma mulher ferida. Alguém dos Darkhaven. — Elise Chase. E ela não está mais com eles. — Ela saiu de lá? — Depois da morte do filho, foi viver sozinha na cidade. — Senhor! O que aconteceu com ela hoje? — Atraiu a atenção dos Corruptos, e eles foram buscá-la em seu apartamento. — O que eles podiam querer com Elise? — Gabrielle estranhou. —- Isto. — Tegan exibiu o livro e Lucan o pegou, virando as páginas amareladas com evidente curiosidade. — Um Seguidor devia ter ido buscá-lo. Alguém está muito interessado nisso, mas Elise o interceptou. — Incrível. E Marek? — O Seguidor está morto. Marek deve ter sido informado do fato e soltou seus perdigueiros para tentar recuperar o caderno. Foi fácil rastrear Elise usando a imagem do circuito interno do posto do FedEx. — O que é isto? Um diário? — Gabrielle perguntou. — Parece que sim. Pelo que entendi, pertencia a uma família chamada Odolf. Já ouviu falar neles, Lucan? O vampiro balançou a cabeça e continuou estudando os registros. Antes que Tegan pudesse direcioná-lo para o perturbador símbolo no final do livro, Lucan o encontrou. — Maldição! Isso é o que eu penso que é? — Reconhece o padrão, então. — Dragos — ele declarou em tom sombrio. — Quem é Dragos? —- perguntou Gabrielle, olhando para o complexo glifo. — É um nome muito antigo da Raça — explicou Lucan. — Ele foi um dos membros originais da Ordem, um vampiro da primeira geração. Como Tegan e eu, Dragos nasceu de uma das antigas criaturas que começou a raça dos vampiros como a conhecemos agora. Dragos lutou conosco quando a Ordem declarou guerra a nossos pais alienígenas. Gabrielle assentiu, sem demonstrar surpresa ou confusão. Evidentemente, Lucan já a informara sobre a origem da Raça, bem como sobre a guerra sangrenta que surgira dentro daquela ordem durante o século catorze da era humana. Fora uma época tumultuada, cheia de traição e violência. Os Antigos eram famintos e brutais, extremamente poderosos. Sem a intervenção da Ordem, teriam sido uma sangrenta pestilência que faria até o pior Corrupto parecer um menino mimado. Gabrielle olhou para Tegan. — O que aconteceu com Dragos? — Foi morto em batalha durante a guerra contra os Antigos. 37
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— Tem certeza disso? Até o verão passado, todos acreditavam que Marek estava morto, no entanto... — Dragos está morto, amor — Lucan a interrompeu. — Eu vi o corpo. Nenhum ser da Raça pode ressuscitar quando sua cabeça é cortada. Tegan também se lembrava daquela noite. Havia sido um momento que marcara muitas perdas, começando pela Escolhida de Dragos, que pusera fim à própria vida ao saber da morte do parceiro. Kassia era uma mulher boa, afetuosa, quase uma irmã para Sorcha. E pouco depois da morte de Kassia, Tegan perdera Sorcha. — O que nos leva de volta ao nome Odolf — disse, suspirando profundamente. — Quem é? E o que pode significar para Marek? — Talvez Gideon possa encontrar alguma coisa nos registros. O banco de dados não é completo, eu sei, mas é tudo o que temos. — Vão fazer sua pesquisa, então — Gabrielle decidiu. — Vou ver se Elise está bem. Talvez ela queira companhia ou algo para comer. Lucan sussurrou alguma coisa para a parceira, deixando-a corada ao se despedir e sair. Tegan e Lucan seguiram juntos para o laboratório de Gideon. Era impossível não notar como Lucan se acalmava na presença de sua Escolhida. Antes de encontrá-la, ele era como um barril de pólvora prestes a explodir, e agora parecia totalmente controlado. A sede de sangue era a falha fatal de todos na Raça, uma linha delicada que, quando atravessada, podia lançar até o mais estável vampiro ao vício incurável. Todos daquela ordem precisavam consumir sangue para sobreviver, mas alguns levavam essa necessidade longe demais, tornando-se Corruptos. Ele ficara muito preocupado ao perceber que Lucan se aproximara muito dessa transformação. Quase o haviam perdido. Até Gabrielle aparecer, dando a Lucan o que ele necessitava por meio do elo de sangue, confiando em sua força e em sua capacidade de resistência. Salvara o guerreiro, e era evidente que ainda se dedicavam essa operação, prolongando-a para todos os momentos que passavam juntos. — Você encontrou uma boa parceira — comentou enquanto caminhavam. — Às vezes penso em você e Sorcha, sabia? Quando olho para Gabrielle e tento imaginar como seria minha vida sem ela, não entendo como conseguiu... — Isso passa — Tegan o interrompeu, sombrio. — E o único fantasma que quero discutir agora é Dragos. Entraram juntos no laboratório. Gideon estava em sua posição habitual, atrás do console, administrando os quatro terminais do computador. — O que conseguiu? —- perguntou ao vê-los. Tegan deixou sobre a mesa o diário e a embalagem da encomenda. — Preciso de sua ajuda para rastrear a origem dessa remessa, mas, antes, verifique o banco de dados em busca de alguma informação sobre o nome Odolf. — Está falando sobre registros criminais, certidões de nascimento, de óbito? — Qualquer coisa — ele respondeu, vendo os dedos de Gideon voar sobre os teclados. Em um dos monitores, uma lista de dados já começava a se desenrolar, 38
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crescendo assustadoramente. Então, um registro se destacou no alto da tela, enquanto o programa continuava buscando mais resultados. — Encontrou? — Morto — Gideon respondeu. — Reinhardt Odolf, dos Darkhaven de Munique. Tornou-se Corrupto em maio de 1946. Morreu no ano seguinte por suicídio solar. Outra entrada, essa de um Alfred Odolf, perdido para a sede de sangue em 1981. Hans Odolf, Setembro de 1993. Dois desaparecidos... Ah, aqui temos algo interessante; Petrov Odolf, dos Darkhaven de Berlim. — Morto? — Lucan quis saber. — Não. Ainda não, pelo menos. Petrov Odolf, internado para reabilitação. De acordo com o registro, foi Corrupto nos últimos anos, mas também foi guarda da Agência de Defesa na Alemanha. — Ele está lúcido? — Tegan indagou. — Pode ser interrogado? Mais importante, pode fornecer respostas confiáveis? — O registro não trata de sua condição atual. Tudo o que se sabe é que ainda respira e está sob a supervisão de uma instituição em Berlim. — Berlim... — Lucan olhou para Tegan. — Acha que pode pedir alguns favores por lá? — Talvez. — Tegan pegou o celular. — Esta é uma boa hora para descobrir.
Elise olhou para a ferida curada em seu braço esquerdo, depois para Tess, cujas mãos poderosas haviam apagado todos os traços de sangramento e cicatrizado a pele com um único toque. — Incrível! Há quanto tempo tem esse dom? — Desde sempre, acho. Por muito tempo me recusei a usá-lo, desejando apenas que ele desaparecesse. Eu queria ser normal. — Mas você tem sorte, Tess. Sua habilidade é uma força. Funciona para o bem. — Bem, agora sim, graças a Dante, principalmente. Antes de conhecer meu parceiro, eu não sabia por que era tão diferente das outras mulheres. Tratava meu dom como uma maldição. Agora quero aprofundá-lo. Há muito mais que desejo fazer. Como com Rio, por exemplo. Elise conhecia o guerreiro a que Tess se referia. Vira-o em um dos leitos da enfermaria, no hospital, desfigurado por queimaduras e coberto por cicatrizes e marcas. Havia em seus olhos uma angústia impressionante, e ela nunca mais o esquecera. —- Posso remover velhas feridas e cicatrizes — Tess confessou. -— E algumas das piores estão sempre no interior, onde não se pode vê-las. Rio é um bom homem, mas está machucado de um jeito que talvez seja irrecuperável; e não há talento de Escolhida que possa apagar esse tipo de dor. — Amor, talvez? — Ele foi traído pelo amor. Foi exatamente isso que o deixou como é agora. Não acredito que algum dia ele permita a aproximação de outra mulher. Ele sobrevive apenas com a intenção de voltar a campo com os outros guerreiros. Passos suaves soaram no corredor da enfermaria, acompanhados pelo ruído característico de um animal leve e de quatro patas. Savannah e seu terrier surgiram na 39
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porta. A bela Escolhida de Gideon sorriu para Elise. — Tudo bem aí? — Já terminamos — Tess revelou, enxugando as mãos em uma toalha de papel e se abaixando para afagar a cabeça do cachorro, que não escondia seu apreço por ela. Savannah aproximou-se para examinar o braço de Elise. — Recuperado. Não é surpreendente? — Vocês todas são surpreendentes — Elise respondeu com sinceridade. Conhecera Savannah e Gabrielle pouco antes, quando as duas haviam ido examiná-la minutos após sua chegada na sede. Tess aparecera em seguida, cobrindo-a de atenção e cuidados. Elise se sentia pequena diante delas. Tinha sido criada com os Darkhaven, onde os guerreiros da Ordem eram considerados uma antiquada e perigosa facção da raça dos vampiros; uma gangue atuando como vigilante. Mas aquelas eram mulheres inteligentes e generosas, que tinham se tornado membros da Ordem pela união com seus parceiros. Nenhuma teria se unido a um homem que não fosse íntegro e honrado. Eram astutas demais para isso, confiantes demais nas próprias habilidades. — Se já terminaram aqui, por que não vêm comigo? -— Savannah convidou. — Gabrielle e eu acabamos de preparar sanduíches e uma salada de frutas. Deve estar com fome, Elise. — Estou... ou deveria estar. — Sentia-se fraca, mas comer passara a ser apenas uma necessidade inconveniente. Nada mais tinha sabor desde a morte de Quentin e Camden. — Há quanto tempo, Elise? Eu soube que perdeu seu parceiro há cinco anos, então... Ela queria saber havia quanto tempo estava sem sangue? Entre os Darkhaven, esse tipo de pergunta seria considerada rude; especialmente se formulada a uma viúva. Mas ali, entre aquelas mulheres, não existia razão para esconder a realidade. — Quentin foi morto por um Corrupto há cinco anos e dois meses. A partir daí, não procurei saciar minhas necessidades com ninguém. — Cinco anos sem sangue da Raça é muito tempo — Savannah reconheceu, sem mencionar as outras implicações da declaração de Elise. Cinco anos sem um amante também era tempo demais. — Seu corpo vai envelhecer se não tomar outro parceiro — Tess observou, preocupada. — Vou acabar morrendo, eu sei. Sem sangue da Raça para me sustentar, preciso trabalhar meus músculos e me manter em forma como qualquer outro humano ou sucumbirei à idade. — A ideia de morrer não a incomoda?— Savannah estranhou. — Apenas quando penso que posso ir para o túmulo sem ter feito uma diferença neste mundo. Por isso eu... — Ela parou e baixou os olhos, ainda com dificuldades para falar sobre o que a motivara a deixar os Darkhaven e começar outra vida. — Perdi meu filho há quatro meses. Ele se envolveu com Crimson, e a droga o transformou em Corrupto. 40
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— Sim, sabemos disso. E também como ele morreu. Eu sinto muito. — Eu também — disse Tess. — Pelo menos o laboratório de Crimson foi destruído. Tegan cuidou disso pessoalmente. Elise a encarou, surpresa. — Como assim, "pessoalmente"? — Ele incendiou o lugar. Nikolai, Kade e Brock não falam em outra coisa desde que voltaram. Tegan foi até lá sozinho e encerrou a operação antes de os outros chegarem ao local. Depois, queimou o galpão. — Tegan fez isso? — Elise estava atônita. Tinha certeza de que ele havia dito que a Ordem era responsável pelo fim do laboratório, não ele. — Niko disse que Tegan saiu do galpão em chamas como uma criatura de um pesadelo -— Tess contou. — E foi embora sem dar explicações. E de lá ele voltara ao seu apartamento, Elise concluiu, surpresa. — Venha, vamos continuar conversando enquanto fazemos um lanche. Gabrielle está esperando por nós na sala de jantar, lá em cima. As três deixaram a enfermaria, seguidas pelo cachorro de Tess. Estavam quase chegando a um elevador quando portas deslizantes se abriram e vozes masculinas inundaram o lugar. Elise reconheceu a voz de Sterling entre eles, mas esta soava mais áspera do que o normal, falando sobre patrulhas e sobre a morte de Corruptos, como se aquilo fosse uma espécie de esporte para ele. A outra voz tinha um sotaque exótico. Era Dante. Os dois guerreiros armados se aproximaram, e Sterling envolveu Tess num abraço apertado. — Olá, meu anjo — ele a cumprimentou com ternura. —- Senti sua falta. — Bem, agora estou em casa. E sedento por você, Tess. — Eu ia lanchar com minhas amigas... — Acho que já encontrou coisa melhor. —- Savannah riu. — Vamos guardar um sanduíche para você. Vai precisar dele... Dante e Tess se afastaram. Savannah pegou o cachorro nos braços. — Vou ver o que Gideon está fazendo no laboratório, Elise. Volto já. Ela assentiu. Quando se virou, Sterling a observava do outro lado do corredor, os olhos estudando sua aparência com desaprovação ainda maior do que a reação inicial de Tegan. — Não vai me cumprimentar? — Elise perguntou. — Em algum momento vamos ter de conversar, não? Ele não disse nada. Apenas balançou a cabeça e se virou antes de se afastar.
Tegan ficou tenso quando as luzes se acenderam sobre a piscina interna da 41
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propriedade. Fora até ali, após dar um telefonema para os Darkhaven de Berlim, porque precisava de solidão e de uma válvula de escape para a tensão. Estava frustrado, mas não se surpreendera por Gideon não ter conseguido encontrar uma origem legítima para a remessa do FedEx. A rede de Seguidores de Marek devia ser extensa. Aquele diário provavelmente havia sido passado como um bastão de revezamento por meia dúzia de postos antes de chegar a Boston, apenas para ter seu rastro apagado. Quanto ao diário, propriamente dito, nem mesmo a impressionante habilidade psíquica de Savannah para ler o histórico do objeto fora de alguma utilidade. Tudo o que a Escolhida de Gideon conseguira extrair do caderno fora parte da sensação da profunda loucura daquele que escrevera em suas páginas. Frustrado, Tegan tinha nadado um pouco e agora estava sentado, sozinho, no espaço amplo da piscina coberta, as pernas longas estendidas sobre uma espreguiçadeira. Apreciava o isolamento e a escuridão, até que as luzes se acenderam. Ele se levantou, esperando ver Rio e Tess se aproximar para a sessão de terapia, mas não eram eles que saíam do chuveiro, na entrada. Era Elise. Ela não o viu. Vestindo um maiô branco com fendas laterais adornadas por delicados anéis de bronze, aproximou-se da piscina e o surpreendeu mais uma vez. Tegan jamais havia imaginado que uma viúva ficaria tão bem em um traje tão ousado. Ela estava simplesmente perfeita. Elise deixou a toalha no chão, ao lado da piscina, e começou a descer a escada no lado mais profundo. Sem fazer barulho, Tegan buscou refúgio nas sombras de um canto afastado, desfrutando a adorável visão. Havia vislumbrado apenas partes de seu corpo harmonioso na noite anterior, quando ela saíra do banho em seu apartamento, e mais tarde, quando a colocara em transe sobre o futon; mas o roupão espesso não revelara muito. O material elástico e claro do maiô só acentuava seus atributos; E estes eram muitos. Elise começou a nadar para o centro da piscina. De repente, mergulhou e reapareceu bem perto da extremidade, diante de Tegan. Abriu os olhos e o viu ali, parado. Seu grito assustado ecoou no ambiente vazio. — Tegan! Pensei que estivesse sozinha aqui. — Eu pensei a mesma coisa. — Ele deixou o refúgio, sem se incomodar com o rubor que coloriu o rosto de Elise diante de sua quase nudez. — Seu braço parece melhor. — Tess cuidou da ferida. Gabrielle e Savannah me alimentaram e me deram roupas limpas. Savannah disse que eu devia vir nadar um pouco... — Faça o que quiser. Não precisa me dar explicações. — Então, por que me faz sentir como se eu tivesse de me justificar? — Eu faço isso? Em vez de responder, ela se virou e começou a nadar para o outro lado, colocando uma boa distância entre eles. — Conseguiu descobrir alguma coisa sobre o diário? — indagou da outra borda. — Talvez tenhamos uma pista em Berlim. Vou para lá amanhã à noite. — O que há em Berlim? 42
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— Alguém que podemos convencer a nos dar informações. Infelizmente, nossa melhor pista, neste momento, é um Corrupto. E ele está em uma clínica de reabilitação há alguns anos. — Essas clínicas são controladas pela Agência de Defesa. — E daí? — Por que acha que vai conseguir entrar? Deve saber que a Ordem não tem muitos admiradores nos Darkhaven. Eles nunca aprovaram seus métodos para lidar com esse problema dos vampiros da Raça que se tornam Corruptos. Ela estava certa. E também acertara ao dizer que a Agência tentaria impedir o acesso da Ordem ao Corrupto em reabilitação. O telefonema que havia dado para seu antigo aliado em Berlim, Ándreas Reichen, apenas confirmara o que ele e Lucan esperavam. A única maneira de conseguirem se aproximar de Petrov Odolf seria vencer muitas barreiras legais e enfrentar uma tremenda idiotice burocrática. — Tenho contatos na Agência — lembrou Elise. — Se eu for com você... — De jeito nenhum. — Por que não? É tão teimoso que vai recusar minha ajuda até mesmo numa questão dessa natureza? — Eu trabalho sozinho. — Mesmo que isso o obrigue a bater com a cabeça na parede? Sempre pensei que fosse mais inteligente, Tegan. — Ela se virou para nadar e sair da piscina. — Acho melhor eu ir embora, Tegan caminhou pelo lado de fora, acompanhando-a. — Por favor, não pare por mim. Eu já estava mesmo de saída. — Estou dizendo que vou embora da sede. É evidente que não há nada para mim aqui. — Não pode voltar para o seu apartamento. Os Corruptos devem ter destruído o lugar. Marek já plantou espiões na vizinhança toda. Se chegar perto de seu antigo endereço, eles a pegarão. — Eu sei disso. Nunca pensei em voltar para lá. — Então Harvard a convenceu a voltar para os Darkhaven? — Harvard? É assim que Sterling é chamado, agora que é um de vocês? — Um de nós? — Tegan repetiu, reconhecendo o tom de acusação. Ela estava fora da piscina, irritada demais para se incomodar com o olhar que Tegan fez correr por seu corpo molhado. A marca na coxa roliça o atraía como um ímã e ele sentiu a boca se encher de saliva. De repente, sua pele pareceu se retesar e suas veias foram invadidas por um repentino calor: um fogo que se espalhou pelos dermaglifos que lhe cobriam o corpo. As gengivas doeram, resultado imediato do surgimento das presas. — Sterling não me convenceu de nada — Elise disse. — Ele nem fala comigo, se quer saber a verdade. Depois do que aconteceu no outono passado, acho que deve me odiar. — Acha mesmo que ele odeia você? — Sterling era irmão de meu parceiro. Pelo casamento, ele é meu irmão. Seria 43
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completamente impróprio... — Muitos irmãos já guerrearam por desejarem a mesma mulher. — Tegan riu. — O desejo não se incomoda com o que é próprio... Elise pegou a toalha e a segurou contra o peito. — Não estou gostando do tom desta conversa. — Sente alguma coisa por ele? — É claro que não! E que direito acha que tem de me interrogar? Nenhum, pensou Tegan. Mas, de repente, era importante para ele saber. — Ele a deseja, é óbvio. E a levaria para a cama se você permitisse. Ou talvez nem precise da sua permissão. — Agora está sendo grosseiro. — Estou apenas reconhecendo a realidade. Não me diga que não percebeu que Chase é louco por você. Qualquer um pode ver isso. — Mas apenas você é rude o bastante para comentar tal coisa. Tegan queria mesmo provocar a fúria de Elise. Queria que ela o odiasse, especialmente agora, com o cheiro de sua pele úmida atacando-lhe os sentidos, e cada curva do corpo delicado gravada em sua mente. Estava perto o bastante para tocá-la, e não havia ninguém ali para contê-lo caso decidisse provar o sabor proibido de seu corpo. — Atribui sua grosseria à necessidade de honrar a verdade — ela acusou. — Então, por que achou que era necessário mentir para mim sobre o que aconteceu no laboratório de Crimson? — Eu não menti sobre nada. — Foi você quem destruiu o laboratório, não a Ordem. Eu sei de tudo. Ele deixou escapar um suspiro irritado e recuou um passo. Mas ela o acompanhou, mantendo-se perto demais. Tentadora demais. — Por que faria tal coisa, Tegan? Não acredito que tenha tido motivos pessoais para provocar o incêndio. Fez isso por mim? Ele não respondeu. Temia falar e se aproximar demais de uma emoção que não queria sentir. Elise o encarava com firmeza. O silêncio se fez denso, pesado. — Onde está seu apego à verdade agora, guerreiro? — Já avisei uma vez, mulher. Está brincando com fogo. Na próxima vez, não serei cavalheiro o bastante para repetir o aviso. Elise fechou os olhos quando Tegan resmungou um palavrão e se afastou dela. Não ousou se mover. Mal respirou até ele sair do recinto da piscina. Apenas quando ouviu o ruído da porta de correr, suspirou, aliviada. De onde havia tirado a ideia de provocar Tegan? Vira a fúria estampada em seu rosto. Sabia que ele se retirara um instante antes de perder a cabeça. Seria realmente uma suicida, como ele a acusara na noite anterior? Talvez sim, 44
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porque, se a reputação de Tegan era justificada, provocá-lo como fizera podia ser o caminho mais curto para a morte. Mas talvez não fosse raiva o que queria provocar agora. Queria ver a emoção nele. Sentimentos que ele poderia ter por ela... Mas isso era tolice. Ainda assim, ela especulou. Estivera observando Tegan desde aquela noite, no início de novembro, quando ele a levara para casa. Não queria pensar que havia alguma coisa entre eles. Não precisava de mais essa complicação em sua vida agora. Mas nos momentos tensos, antes de Tegan deixar a piscina, algo realmente ocorrera. Apesar de sua atitude fria, uma leve coloração realçara os dennaglifos do Gene Um. As belas marcas que se retorciam e cobriam os braços, o peito e o ventre de Tegan como tatuagens complexas também desapareciam sob o calção de banho, acentuando sua sexualidade. E enquanto estivera diante dele, perto o bastante para que sentisse seu hálito quente na pele, seus incríveis glifos tinham começado a pulsar em tons de vinho, azul e dourado: as cores do despertar do desejo.
— Ei, T, parece que tem um compromisso em Berlim, amanhã à noite — Gideon avisou quando Tegan entrou no laboratório! — Acabamos de receber autorização para usar o jato. O piloto vai esperar por você no terminal corporativo de Logan ao anoitecer. Terá de parar em Paris para reabastecer, mas chegará a Berlim uma hora antes do amanhecer, no dia seguinte. Tegan moveu a cabeça num gesto afirmativo. Cerca de duas horas haviam se passado desde o encontro com Elise na piscina, mas seu sangue ainda pulsava nas têmporas e seu corpo fervia com uma sensação quase irritante. Pelo menos tinha um plano de fuga. No dia seguinte, à noite, estaria fora do país, distanciando-se da mulher que tanto o perturbava. A missão em Berlim não seria fácil. Passaria uma semana fora, provavelmente, ou talvez mais. Tempo suficiente para esquecer Elise pelo menos. Assim como a esquecera nos quatro meses desde que a conhecera. Levá-la para casa naquela noite fora um erro. Um impulso estúpido, algo que raramente se permitia. Nessas ocasiões sempre se arrependia. E a reação que tivera na presença dela comprovava essa teoria de forma irrefutável. Ardia por ela, e não podia se iludir com a esperança de que Elise não notara a ampla evidência desse desejo. Não conseguira evitar a transformação de seus glifos, tampouco suprimir sua excitação. Precisava se afastar dela, e depressa. No laboratório, Dante e Chase discutiam com Niko e alguns novos recrutas as táticas para as investidas seguintes. Todos olharam para ele quando, cansado, entrou no laboratório e se jogou na cadeira ao lado de Gideon. — Está bem? — Gideon perguntou, curioso. — Está fervendo como um radiador. — Nunca estive melhor. — Tegan pressionou o botão do alto-falante do telefone, 45
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ao lado de seu braço. — Vamos dar os detalhes do voo a Reichen e verificar se ele consegue alguma coisa com os sujeitos no comando da instituição. Ligou para a linha privada dos Darkhaven em Berlim e foi imediatamente transferido para Andreas Reichen. — Tudo em ordem — ele disse ao vampiro alemão, sem se importar com os cumprimentos. — Chegada prevista no Aeroporto Tegel depois de amanhã, pouco antes do amanhecer. Acha que consegue me levar para sua casa antes de eu ficar torrado? — É claro que sim. Vou mandar um carro esperar por você. Não me esqueci de que lhe devo um favor, afinal, já nos ajudou com aquele probleminha aqui, há algum tempo. Tegan se lembrava dessa ocasião. O "probleminha" dos Darkhaven de Berlim fora um ataque de Corruptos contra os residentes, o qual resultara em algumas mortes. Ele agira como um comando de um homem só, rastreando o celular do Corrupto pelas densas florestas de Grunewald, depois dizimando os predadores que aterrorizavam a região. Tudo isso tinha acontecido havia dois séculos. — Estaremos quites se você me puser dentro da instalação da Agência de Defesa — Tegan comunicou ao alemão. — Ah, isso está resolvido, meu amigo. O chefe da segurança telefonou pouco antes de você ligar. O Diretor da Agência, aqui em Berlim, deu licença específica para acesso à instituição. Não terá nenhum problema em entrar na clínica para conversar com Petrov Odolf. — Meu emissário... O líder alemão dos Darkhaven ainda estava falando, mas Tegan não escutava mais nada. As portas do laboratório tinham sido abertas e Elise estacara no batente, olhando em volta com ar culpado. Ela se aproximou da mesa com passos incertos. Vestia roupas limpas, provavelmente de outra Escolhida. A túnica de tricô roxa e o jeans azul eram um grande progresso em comparação ao maiô revelador, mas ainda não escondiam suas curvas, o que apenas o incomodou ainda mais. — Seja o que for que está fazendo aqui, esqueça — ele falou, exasperado. — Já disse que só trabalho sozinho. — Não desta vez. Os arranjos já foram feitos com a Agência e a instituição. Eles estão me esperando. — Isso deve ser uma piada. — Estou falando a sério. Eu vou com você, Tegan. Ele voltou à conversa com Reichen. — Não vai haver nenhum emissário dos Darkhaven me acompanhando. Eu vou sozinho, Andreas, e ainda assim vou entrar naquela instituição para conversar com o Corrupto, nem que tenha... — Tegan, acho que não entendeu. — A voz de Elise soou firme atrás dele. — Eu não estou pedindo sua permissão. Ele parou, furioso com sua ousadia. — Eu entro em contato — ele disse a Reichen pelo telefone, desligando com um movimento brusco. 46
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— Fui eu que entreguei o diário à Ordem. Sem mim, você nem saberia da existência do indivíduo que pretende interrogar. Sem mim, não teria autorização para chegar perto dele, muito menos falar com ele. Eu vou com você. Tegan se levantou de um salto, e Elise recuou, assustada; sua primeira demonstração de bom-senso desde que ele a vira entrar no laboratório. — Você não está em condições de viajar. Está magra e fraca... Não vamos nem comentar o fato de não poder chegar perto de humanos sem sofrer enxaquecas e sangramentos. — Eu vou sobreviver. -— Como? O que vai fazer? Solicitar a generosa veia de um vampiro para se fortalecer? Porque apenas isso poderia ajudá-la... Quem sabe um deles se ofereça para servir você — Tegan comentou em voz alta, olhando para os outros guerreiros que acompanhavam a cena. — Tegan, devagar — Gideon o preveniu. Mas ele não ouvia nem via nada que não fosse o rosto da mulher à sua frente. — Só isso pode resolver seu problema, Elise. Sangue da Raça correndo por seu corpo. Nada menos. Sem isso, seu talento vai continuar dominando seus passos, como acontece agora. Você será apenas um problema para mim. Ele viu o ultraje em seus olhos, mas foi a humilhação estampada neles que o atingiu como um soco. Era uma imperdoável grosseria mencionar em público os elos de sangue entre uma mulher e seu parceiro. E sugerir que uma Escolhida viúva tomasse um parceiro apenas para seu sustento era mais do que profano. — Sou viúva — ela lembrou em tom seco. — Estou de luto... — Há cinco anos? Está se suicidando, e sabe muito bem disso. Não me peça para ajudá-la a acelerar esse processo. — Você tem razão, Tegan. E me convenceu. Ela se virou e saiu do laboratório de cabeça erguida. Tegan sentiu-se um idiota, observando sua retirada silenciosa. Assim que Elise desapareceu, resmungou um palavrão, furioso. — O que está olhando? — disparou para Chase, que se levantara da cadeira onde estivera sentado. O ex-agente dos Darkhaven tinha a mão cerrada em torno do cabo de uma arma que levava em um coldre preso ao peito. Sua expressão sugeria assassinato. — Chega — Tegan rosnou. — Vou sair daqui. Chase o seguiu. Assim que eles saíram do laboratório, empurrou Tegan com violência inesperada. — Seu filho de uma cadela. Ela não merecia esse tratamento, muito menos de alguém como você! Não, ela não merecia. Mas era necessário. Não podia ficar perto de Elise, muito menos torná-la cúmplice daquela missão em Berlim. Tinha de afastá-la, e definitivamente. Se fizera papel de cretino, afastando-a em público... Bem, não tinha importância. Isso só reforçava o que todos já pensavam dele. Tegan encarou o furioso Chase com um sorriso cínico. — Está muito preocupado com ela, Harvard? Por que não vai lhe oferecer consolo? Eu sei que é isso o que quer. Faça um favor a todos nós e mantenha essa mulher longe 47
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de mim. — Você é um imbecil. — É mesmo? Na última, vez em que me dei o trabalho de verificar, eu não estava disputando nenhum prêmio por simpatia. — Arrogante, filho da... Tegan se aproximou de Chase com as presas à mostra, silenciando a ofensa antes de sua conclusão. Esperava, mesmo, que o vampiro o obrigasse a lutar. Mas Dante interferiu, saindo do laboratório em tempo de agarrar o braço de Chase e removê-lo de seu caminho. — Harvard, vai se matar agora que estamos no fim do treinamento? Seria um tremendo desperdício! Chase se dirigiu ao corredor, mas ainda olhou para Tegan algumas vezes, como se considerasse a ideia de voltar e atacá-lo. No laboratório, Gideon retomara o trabalho no computador. Nikolai, Brock e Kade também retomavam o serviço, todos agindo como se ele não houvesse se comportado como um idiota diante de uma mulher indefesa. Tegan praguejou mentalmente. Precisava sair dali. E pelo andar dos acontecimentos, esperar até a noite seguinte pelo voo que o levaria a Berlim seria um sacrifício quase insuportável. Mas havia um lugar para onde podia ir. Um refúgio aonde sempre ia quando a situação ficava difícil. Às vezes passava noites seguidas por lá, desaparecido. Era seu inferno privado, um buraco esquecido e preenchido pela morte. Naquele momento, contudo, parecia um paraíso.
Elise estava no meio do aposento vago na sede, sentindo-se como se nada houvesse restado dentro dela. Ainda tremia pelo confronto com Tegan, mas não saberia dizer se a reação era de humilhação ou raiva. O tratamento a que ele a submetera diante dos colegas fora imperdoável, cruel. Ele devia saber que a ofendera profundamente com suas sugestões. Não apenas a ela, mas aos guerreiros que o escutaram, também. Só as mais baixas dentre as mulheres que viviam entre a Raça se entregariam a um elo de sangue sem um solene compromisso e um amor profundo e recíproco. Era a comunhão mais sagrada entre uma Escolhida e o parceiro com quem ela viveria. A maior intimidade e, com frequência, um ato sexual. Uma união que ninguém deveria tratar com inconsequência. Usar o sangue de um vampiro somente para garantir longevidade e força era inaceitável. Ela mesma não conhecia ninguém capaz de tal ato. Mas não podia negar a verdade quanto às observações de Tegan. O que ele havia dito fora cruel e grosseiro, porém preciso. Ela estava definhando, ainda que essa fosse sua prerrogativa como uma Escolhida viúva. De qualquer maneira, queria participar ativamente da luta contra os Corruptos, e era tolice pensar que poderia alcançar esse objetivo agindo como agia. Olhou em volta. As paredes brancas e sem janelas não continham quadros ou fotos. Não viu mobília, computadores, livros, eletrodomésticos... nada. Apenas um gabinete preto perto de uma das paredes, e um banco de madeira escura ao lado deste, sob o qual se via um par de botas de couro arrumado com precisão militar. No quarto ao 48
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lado havia uma cama larga, mas nem esta era convidativa. Apenas lençóis cinza e um cobertor preto, dobrado aos pés do colchão king size. Ela nunca estivera em um alojamento militar, mas imaginava que fossem assim, embora menos frios e impessoais. Sabia onde estava, é claro. Sabia para onde ia quando percorrera o emaranhado de corredores depois de se retirar da embaraçosa situação no laboratório da Ordem. Sabia também o que iria fazer agora, contudo isso não a deixava mais calma. E ouvir os passos de Tegan no corredor só fez seu coração bater mais depressa. Os passos pararam diante da porta, e o ar ficou repentinamente frio. Então Tegan surgiu na soleira, as pernas afastadas numa atitude beligerante. Não falou de imediato, mas não foi necessário que utilizasse palavras. Não quando seus olhos pareciam duas geleiras. — Tegan... — Se veio achando que vou pedir desculpas, pode esquecer. — Não estou aqui para isso —- ela disse com firmeza e caminhou em sua direção. — Vim para lhe dizer que tinha razão em tudo o que disse. Preciso da força de uma associação de sangue, mas não estou procurando um parceiro. Preciso de um arranjo sem complicações com alguém que não se importe com o que eu faça, ou que não se incomode quando eu me afastar... Por isso escolhi você.
Capítulo III
Tegan ficou parado onde estava, chocado com o que acabara de ouvir. O bom senso o aconselhava a recusar a proposta de Elise, mas sua boca se negou a fazê-lo. Uma imagem erótica surgiu instantaneamente: os lábios de Elise pressionados em sua pele, a língua rosada lambendo, a boca sugando... Era o que ele mais desejava, percebeu, incrédulo. E queria tanto isso que estremeceu com a força dessa urgência. — Você enlouqueceu — disse com voz rouca. — E eu estou saindo... Só vim pegar algumas coisas. Elise se colocou em seu caminho. — Do que está fugindo, Tegan? Tenho certeza de que não é de mim que está com medo. — Tem ideia do que está me pedindo? Você toma meu sangue, e parte de você estará ligada a mim enquanto eu viver. É um elo inquebrável. — Sei muito bem quais são as consequências de um elo de sangue. O rubor indicava que ela estava consciente também da natureza sexual do ato. 49
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Sangue de vampiro tinha uma qualidade altamente afrodisíaca. Nas mulheres sem a marca da Escolhida, o efeito era sempre uma onda de desejo incontrolável. Em mulheres como ela, capazes de procriar descendentes da Raça, sorver o sangue quase sempre as lançava num ardor sexual que exigia satisfação imediata. — Não sou o tipo de homem com que está acostumada — ele argumentou. — Não pense que serei delicado. Eu não teria nenhuma misericórdia. — Nunca esperei que tivesse. Com isso, virou-se e caminhou para longe dele, a espinha ereta enquanto se dirigia ao dormitório. Tegan passou as mãos pela cabeça, sabendo que tinha pouco tempo para sair dali antes do desastre. Se demorasse muito pensando, não teria forças para resistir. No quarto ao lado, ouviu o barulho dos sapatos de Elise caindo sobre o tapete. Ela já começara a se despir. Era evidente que não conseguiria assustá-la. Não a ponto de fazê-la desistir daquela loucura. Pelo contrário, tudo o que havia feito fora fortalecer sua determinação. Ela o desafiava agora. E ele nunca tinha sido homem de fugir de um desafio. Tegan rugiu baixo. Depois, com um comando mental, trancou a porta do apartamento e foi para o quarto. Parte da determinação de Elise se esvaiu quando Tegan apareceu no batente. Havia tanta intensidade em seus passos quanto em seu olhar. De repente, ela se sentiu diante de um predador; e presa fácil de um ataque iminente. — Como quer... Onde devo... — Na cama — ele respondeu em tom seco. Começou a tirar a camiseta preta, exibindo o peito marcado pelos glifos que agora ganhavam tons mais escuros, diferentes de sua disposição plácida. Elise sentou-se na beirada da cama e manteve os olhos baixos, evitando encará-lo. Tegan se aproximou e jogou a camisa no chão. — Está vestida demais — observou, o hálito morno já tocando a lateral de seu pescoço. Ela se assustou com as palavras e a repentina proximidade. — Quer que eu me dispa? Não vejo motivo algum para... — Claro que sim. Não sou um membro culto e elegante dos Darkhaven. Era verdade. O respeito pelo ato da associação por sangue entre vampiro e Escolhida exigia que ambos se entregassem sem reservas, sem segredos, sem coerção. Nus, comprometidos... e voluntariamente. Tegan desceu o zíper das calças jeans e, prendendo a respiração, Elise notou o padrão dos dermaglifos que continuavam até seu membro ereto. Ele não vestia nada sob a calça, constatou em pânico. — Por favor... Não pode ficar com as calças? Ele não respondeu, mas fechou o zíper. O botão, entretanto, permaneceu aberto, revelando uma porção de pele que sugeria intimidade. 50
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— É o único pedido que vou atender esta noite — avisou com voz grave. — Ainda tem tempo para reconsiderar. Mas não muito. Ou você se despe, ou me pede para ir embora. Ele a estava testando, pensou Elise. Pressionava-a deliberadamente, certo de que poderia fazê-la mudar de ideia com algumas palavras ameaçadoras. E era claro que ela deveria ter medo. Não apenas de ficar sozinha com um guerreiro como Tegan, mas também do ato íntimo e sagrado que estava prestes a profanar, sorvendo sangue de um homem que não pretendia tomar por parceiro. Degradara a ambos com seu pedido, e se Tegan sentia repulsa pela ideia ou por ela, não poderia culpá-lo. — O que vai ser, Elise? Ela se levantou, consciente da presença observadora, sabendo que ele esperava vê-la fugir. Com um leve tremor nas mãos, começou a levantar a túnica, despindo-a pela cabeça. Tegan parou de respirar. Ficou completamente quieto a seu lado, emanando um calor que foi inundando o quarto e transformando o lugar em uma fornalha. Elise deixou a túnica sobre a cama e cruzou os braços sobre o modesto sutiã de algodão branco. Com voz rouca, já obstruída pelas presas brilhantes, ele a instruiu: — Agora as calças. Pode manter o restante, por enquanto. Despiu o jeans rapidamente, depois sentou-se na cama. — Ajoelhe-se no meio do colchão e olhe para mim. Elise obedeceu e Tegan se ajoelhou diante dela. As pupilas no centro de seus olhos verdes começaram a se transformar em estreitas fendas verticais. Quando ele abriu a boca para falar, seus caninos pareciam enormes. — Ultima chance, Elise. Ela balançou a cabeça, incapaz de falar. Tegan resmungou alguma coisa incompreensível e levou o próprio pulso aos lábios. Com os olhos fixos nela, usou as presas para rasgar a pele sensível. Sangue vermelho e denso brotou do ferimento, caindo em gotas perfeitas sobre o lençol cinza. — Venha — ele chamou, oferecendo o pulso e mostrando os lábios vermelhos. De olhos fechados, Elise se inclinou para frente, segurando o braço musculoso, e o levou próximo à boca. Por um instante, ela hesitou, sabendo que não haveria como voltar atrás. Uma gota daquele sangue e estaria eternamente associada àquele homem perigoso e enigmático. Estaria para sempre consciente de sua existência, como um calor constante queimando em suas veias, até o momento em que um deles morresse. Mas também estaria mais forte e seu tormento psíquico seria amenizado. Seu corpo rejuvenesceria e exigiria menos esforço para ser mantido em forma e saudável. A promessa que fizera a Camden não soaria tão vazia quando tivesse um pouco do poder de Tegan em suas veias. Mas usá-lo daquela maneira... Abriu os olhos e viu que ele a observava com as presas à mostra, a respiração ofegante, os dermaglifos coloridos, lindos sobre a pele dourada e os músculos esculpidos. 51
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-— Faça o que tem de ser feito — desafiou, convidando-a com o olhar... e amaldiçoando-a por isso. Elise abriu a boca para sugá-lo. No instante em que seus lábios tocaram a pele morna, Tegan suspirou. Ela o chupou com delicadeza, usando a língua para recolher o sangue dos dois ferimentos idênticos, e o líquido quente e denso desceu por sua garganta, inundando-a com um calor que logo se tornou uma onda envolvente e progressiva. A reação foi tão intensa que ela gemeu, sentindo-se completamente dominada. O calor fervia em seus membros e em sua essência, pulsando forte. Não estava preparada para aquele tipo de resposta. Sentia-se derreter por dentro. Quando tentou se afastar, Tegan a segurou pela nuca. Seus dedos se abriram, tocando a base do crânio, afagando os cabelos curtos. Não havia como negar sua força, mas a pressão que ele exercia era suave e inabalável. Elise o fitou, ansiosa. Talvez a ideia não tivesse sido tão boa, afinal. Talvez houvesse cometido um erro. Os olhos de Tegan brilhavam, as pupilas inundadas por um tom cintilante de âmbar. — Se não estava preparada para terminar, não devia ter começado. Sorva mais. Elise precisava de mais. Já podia sentir o sangue de Tegan se misturando ao dela, latejando em suas têmporas. Lambeu os lábios, saboreando o gosto dele, e a mandíbula de Tegan ganhou uma tensão visível. — Elise... — grunhiu, mantendo a mão em sua nuca. Ofegante, com cada terminação nervosa entrando em curto, como se ocorresse uma série de explosões sensoriais, ela abaixou a cabeça e sorveu a seiva da vida mais uma vez. Tegan tentou respirar enquanto ela mantinha os lábios em seu pulso, bebendo de suas veias abertas, e Elise gemeu enquanto se alimentava. A fome só fez crescer e o desejo a levou a sorver com mais intensidade. Ele fechou os olhos. Aquela língua era uma presença úmida e quente em sua pele, mas era o contato frio dos dentes que fazia seu membro pulsar. Sabia que não estava sozinho em sua excitação. Podia sentir a resposta física de Elise; absorvia seus pensamentos e emoções pelos dedos, que permaneciam mergulhados nos cabelos curtos e sedosos. Deliciou-se, afagando os fios macios, depois removeu a mão quando as sensações se tornaram intensas demais. Estava em brasa, queimando de desejo, dominado pela ânsia carnal que o sangue da Raça inspirava nas fêmeas marcadas com o sinal da lágrima e do crescente. Era absurdo, mas ele tentava se distanciar da gravidade do que acontecia. Tentava ocupar a mente com um inventário mental dos traços daquela mulher, ou qualquer outra coisa que pudesse amenizar os movimentos eróticos da boca em seu braço. Mas era inútil. Elise era real, quente. Ela arfava, inclinava as costas, e sua boca produzia deliciosos ruídos na quietude do quarto. Elise abriu os olhos como se pedisse permissão, e Tegan foi surpreendido pelo brilho encantador das pupilas cor de ametista escurecidas pelo desejo. Suas faces já tinham ganhado um delicado tom rosado e seus lábios estavam tingidos pelo vermelho 52
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intenso e brilhante de seu sangue. — Termine — ele disse com a boca seca. — Beba quanto for necessário. Ela gemeu. Depois, o empurrou sobre a cama e se deitou ao lado dele, sem nunca interromper o contato da boca com seu pulso. Embora sentisse o membro túrgido dentro do jeans, Tegan quis se manter distante da catástrofe que estava por vir. Precisava isolar da mente a mulher desejável que agora se contorcia a seu lado, a qual vestia apenas um modesto sutiã e uma calcinha delicada, mas que emanava um calor que poderia incendiá-lo. A excitação de Elise o inundava. Sua necessidade era clara. Havia se esquecido dessas sensações. Não queria pensar em quanto tempo passara sem uma mulher. Não queria reconhecer como sua vida tinha sido vazia, voluntariamente casta, tanto no aspecto físico quanto no emocional, nos últimos cinco séculos. Não queria pensar em Sorcha... Não podia pensar nela. Não enquanto Elise o levava à loucura com seus gemidos e suspiros, com seu corpo quente colado ao dele. Senhor!... Precisava tocá-la. Usando a mão livre, traçou com os dedos o contorno de um ombro e de um braço e a pele sedosa ficou arrepiada. Sob o sutiã branco, os mamilos se transformaram em pérolas rígidas. Ele tocou um deles com o polegar e prendeu a respiração quando ela arqueou as costas numa oferta. O sangue que a alimentava também a libertava de inibições e reservas. Podia tomá-la agora e sabia disso. Ela provavelmente esperava que ele o fizesse, já que era raro que o ato de sorver o sangue terminasse de outra maneira para uma Escolhida. Mas ele havia informado que não teria misericórdia, e uma parte dele, a parte mais cruel, queria cumprir essa promessa. Especialmente porque estava sendo usado. Mas sua mão continuou explorando o corpo quente e delicioso. Deslizou os dedos por seu ventre, seguindo para a curva graciosa do quadril. Elise era fluida nos movimentos, ondulando e se inclinando enquanto sugava seu pulso com maior urgência. De repente, com um gemido baixo e arfante, abriu as pernas e levou a mão dele onde a queria. Depois uniu as coxas, prendendo-a e instigando-o a tocá-la com intimidade. Era demais para um homem poder resistir. Mesmo para um homem como ele. Tegan tocou a região quente, coberta pelo tecido da calcinha e ela estremeceu. Ele a afagou novamente, desta vez com mais propósito, e sentiu sua necessidade crescer. — Tegan... — Elise gemeu, fitando-o com olhos brilhantes. — Tegan, por favor... Faça alguma coisa. Ele deslizou os dedos sob a calcinha de algodão, tocando-a intimamente. Elise era macia como veludo e cetim, e seu perfume era uma combinação devastadora de rosas e chuva fresca de primavera. — Por favor... — ela murmurou, forçando-o a adotar um ritmo mais urgente. Mas sua necessidade estava além de qualquer possibilidade de controle. Tegan havia prometido ser implacável, mas não podia se furtar a dar a ela o alívio necessário. 53
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— Beba mais — convidou, a voz reduzida a um sussurro. — Eu cuido do restante. Elise aceitou o convite, sugando novamente seu sangue, enquanto ele a afagava e a conduzia a um clímax poderoso. Ela explodiu numa sucessão de espasmos, ondas de prazer que pareciam nunca chegar ao fim, os dentes humanos mordendo sua carne na urgência do orgasmo. Quando o momento chegou ao fim, as presas de Tegan pulsavam, seu membro clamava por liberdade e pela chance de se perder na essência úmida e quente daquele corpo. Ele removeu a mão, os sentidos inebriados pelo perfume de sexo, sangue e desejo. Queria possuí-la como um animal. Queria tanto que sua cabeça latejava com a urgência de rasgar as calças que ela o obrigara a usar e se entregar à luxúria. Oh, sim... Era tudo de que ele precisava para transformar uma situação que já era ruim em um completo desastre. Com um grunhido de frustração, Tegan removeu o braço da boca de Elise e o levou aos lábios, selando as feridas com a língua, lambendo o restante de sangue e tentando não sentir o gosto dela em seu corpo, mas a tentativa foi em vão. — Preciso ir — anunciou, temendo olhar para ela e ser tentado a cometer mais uma idiotice em uma mesma noite. Moveu-se para o outro lado da cama e pôs os pés no chão, já vestindo a camisa. — Se insiste em ir comigo a Berlim, esteja pronta amanhã. Partiremos ao anoitecer.
Para Elise, a espera até a noite seguinte parecia interminável. Ela se vestira e deixara o quarto de Tegan completamente envergonhada logo após ele ter saído de lá, sem condições de encontrar o caminho até o quarto que Gabrielle havia preparado para ela na sede. Mas, por fim, chegara à confortável suíte. Achara melhor se isolar como uma ermitã, fingindo uma dor de cabeça terrível para poder fazer suas refeições em total privacidade, sem enfrentar a curiosidade das outras mulheres, ou, pior ainda, dos guerreiros, porque temia que eles soubessem o que acontecera entre Tegan e ela. Não que ele pudesse ter contado, pensou. Sabia que tinha lhe causado desgosto, se não pelo egoísmo com que o usara e sorvera seu sangue, por sua humilhante e primitiva reação durante o ato. Não suportava nem pensar nisso agora, e não acreditava que um simples pedido de desculpas fosse suficiente para que Tegan se esquecesse de sua atitude. Durante as quase vinte horas, desde que o vira pela última vez, ele desaparecera completamente. Ninguém tinha notícias suas. Elise suspirou. Parte dela pensava em desistir de acompanhá-lo a Berlim, mas já tinha ido longe demais para voltar atrás. Cinco anos sem sangue da Raça a tinham enfraquecido mais do que havia percebido, contudo beber o sangue de um Gene Um fora uma revelação. Podia senti-lo fluindo por seus músculos, ossos e células, dando a ela uma vitalidade praticamente esquecida. Até seus sentidos tinham ganhado intensidade, tornaram-se mais precisos, e tudo isso após um único contato com Tegan. Por conta desse elo, Elise sentiu o exato momento em que Tegan entrou na sede. Ele estava ali, em algum lugar, e sua presença era como uma luz cintilante em um canto escuro de sua mente. Era essa conexão que nunca mais poderia romper, a consciência constante e inegável de sua existência. Viveria para sempre ligada a Tegan, até o dia em 54
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que um deles morresse. Senhor, o que foi que eu fiz? Elise andava pela saleta de seus aposentos, ansiosa, agora que se aproximava o momento de partir com Tegan para Berlim. Talvez devesse ir procurá-lo e se certificar de que ele não planejava viajar sem ela. Ou seria melhor esperar que ele fosse buscá-la? Com um suspiro, dirigiu-se à porta... no mesmo instante em que uma batida soava do lado de fora. Não era Tegan; sabia disso. Abriu a porta e se surpreendeu com o rosto familiar do outro lado. — Ah. Olá, Sterling. Não podia encarar o cunhado. Não quando sabia que ele estava sinceramente preocupado com seu bem-estar. — Eu soube que não se sentia bem. Savannah contou que passou o dia todo aqui, sozinha, então eu... Vim ver se precisava de alguma coisa. — Já estou bem melhor. Foi só uma dor de cabeça... Para ser franca, eu precisava de um tempo sozinha. —- É claro. Ainda não consigo acreditar no que Tegan fez com você no laboratório. — Não precisa sentir pena de mim. — Tegan ultrapassou os limites. Ele não tinha o direito de falar com você daquela maneira. Não espero que ele tenha a honra de se desculpar pela vergonha e pela humilhação a que a submeteu, por isso vim fazer isso por ele. — Não é necessário. — Eu acho que é. E não apenas pelo comportamento de Tegan, mas pelo meu, também. O que aconteceu com Camden naquela noite longe dos Darkhaven. Eu sinto muito. Lamento realmente por tudo. Se pudesse ter trocado de lugar com ele, se pudesse ter sido eu diante daquela arma quando o gatilho foi pressionado... — Eu sei. — Ela o tocou com ternura no braço. — Eu também lamento. Culpei você pela morte de Camden, Sterling, e isso foi um erro. Você fez tudo o que podia para salvá-lo. Sei o quanto isso custou para você. Sou eu quem tem de pedir desculpas. Você se sentiu responsável por ele, por mim... e eu permiti que carregasse sozinho esse fardo. — Você nunca foi um fardo. — Não seu, certamente. E meu maior erro foi não ter apontado esse fato. Devia ter deixado claros meus sentimentos, explicando minha posição. Sterling, eu nunca tive a intenção de magoar você ou de fazê-lo pensar que em algum momento... — Você nunca foi menos do que correta, Elise. — E, ainda assim, magoei você. — Não. Todas as decisões que tomei foram minhas. Só minhas. Você não tem pelo que se desculpar. — Não tenha tanta certeza disso — ela murmurou, pensando em todos os erros do passado, especialmente no último: a blasfêmia do elo de sangue com Tegan. Sentiu a presença do guerreiro ganhando força dentro dela e soube que ele se aproximava. — Agradeço por sua preocupação, Sterling, de verdade. Mas está tudo bem. Eu 55
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estou bem. — Não é o que parece. De repente ficou corada, agitada... — Não é nada. O momento em que Sterling concluiu acertadamente a razão de sua agitação ficou evidente no desânimo em sua expressão, na repentina raiva que inundou seus olhos azuis. — O que ele fez com você? — Nada. — Você se alimentou dele. Era uma acusação que Elise não podia negar. — Não se preocupe comigo. — Ele a induziu a pensar que isso era necessário? Ele a seduziu a beber seu sangue? Vou matar aquele desgraçado. Se ele a forçou, juro que o bastardo vai pagar caro... — Tegan não me obrigou a nada. Eu o procurei. A escolha foi minha. Pedi a ele que me deixasse usá-lo. Fui eu, Sterling. Não ele. — Você tomou a iniciativa? Alimentou-se dele por escolha própria? Senhor, Elise! Por quê? — Porque prometi a Camden que faria tudo o que fosse necessário para impedir que mais alguém fosse prejudicado pelos Corruptos. Fiz um juramento, mas não posso continuar vivendo para cumpri-lo se meu corpo estiver fraco. Tegan estava certo. Eu precisava de sangue da Raça, e ele me alimentou. Sterling a segurou pelos ombros com força, os olhos transbordando de dor. — Não precisava se alimentar de um estranho, Elise. Podia ter recorrido a mim. Devia ter me procurado. Elise estranhou a ferocidade em sua voz. Quando tentou se soltar, ele a segurou com mais força. — Eu teria cuidado de você. E a teria tratado como você merece. — Sterling, solte-me... Está me machucando. — Solte-a, Harvard. A ordem fria soou a alguns metros. Tegan estava parado sob a porta, vestindo suéter cinza e calça preta, o ombro recostado ao batente. Tudo sugeria que ele não se incomodava com o conflito entre ela e o cunhado, mas algo em seus olhos dizia o contrário. Ele olhou para Sterling, e esse olhar foi ameaçador. — Sterling, por favor... — Eu sinto muito. — Ele a soltou. — Agora fui eu que ultrapassei os limites. Isso não vai acontecer novamente, prometo. — Não vai mesmo — Tegan concordou, sem se mover. Enquanto Sterling se afastava, visivelmente abalado, Tegan olhou para Elise. — O avião está pronto. Você vem ou não? — Já estou indo.
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Enquanto Elise caminhava ao lado de Tegan no corredor, pôde sentir o peso do olhar do cunhado sobre si. Sterling ainda continuou parado no lugar após ela e Tegan terem desaparecido. Não podia fingir que estava surpreso com a rejeição de Elise. Seu sofrimento persistia havia tempos, mas tinha de reconhecer que o único culpado era ele mesmo. Ela nunca pertencera a ele, por mais que desejasse o contrário. Elise fora parceira de seu irmão. E, em essência, ainda era, embora houvesse trocado o branco do luto de uma viúva por roupas comuns. E agora parte dela pertencia irrevogavelmente a Tegan. Essa era a verdade que mais o chocava. Tegan, o mais frio dos membros da Ordem. O mais mortal. O que menos respeitava a vida. Ele possuíra Elise no processo de alimentá-la? Sterling se negava a considerar essa possibilidade, embora não se soubesse de um vampiro da Raça capaz de alimentar uma mulher da própria veia sem tomar seu corpo em troca. Sem dizer que Tegan não costumava se gabar de suas conquistas. Desde que ele, Sterling, ingressara na Ordem, nunca ouvira o guerreiro se vangloriar; mas as coisas que Tegan não contava não deixavam de existir. Uma mulher inocente e inexperiente como Elise não seria mais do que uma diversão passageira para um indivíduo frio como ele. — Maldição! — Sterling esmurrou a parede, um gesto fútil que só causou mais dor. Mas a dor era bem-vinda. Queria sangrar, e seria ainda melhor se pudesse levar com ele alguns Corruptos. Saiu do corredor dos aposentos privados de Elise e encontrou Dante, Niko, Brock e Kade do lado de fora do laboratório de tecnologia. Todos armados até os dentes, prontos para mais uma patrulha noturna. Dante o cumprimentou com um movimento de cabeça, os olhos cheios de compreensão e solidariedade. — Eles já foram — disse, como se esperasse que Sterling sentisse alívio por isso. — Você está bem? — Pareço estar precisando de um abraço do grupo? — ele disparou, sarcástico. — Vou me sentir muito melhor quando tiver os pés na rua e as mãos sujas do sangue daqueles Corruptos.. Alguém quer ir comigo fritar um punhado desses patifes, ou preferem continuar aqui pensando na vida? Sem esperar por resposta, ele se dirigiu ao elevador da sede com passos firmes.
Elise dormiu na maior parte das nove horas de voo até Berlim, mas Tegan permaneceu acordado. Voar não era exatamente seu passatempo preferido. Por isso, foi com alívio que ele desembarcou do jato particular no aeroporto de Tegel. — Eu dormi o tempo todo? — Ela estranhou. — Precisava descansar. Seu corpo ainda está se ajustando ao sangue que recebeu, e pode levar até dois dias para se reequilibrar. Ainda não haviam falado sobre o que ocorrera, e Tegan preferia não tocar no assunto. Já era terrível não conseguir parar de pensar nela nem por um segundo; e agora 57
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ainda tinha de se conformar com a necessidade de protegê-la, como fizera ao encontrá-la com Chase no corredor da sede. Ver outro homem tocando seu corpo o enchera de... Não, não queria pensar nisso. Gostaria de atribuir tais inconvenientes ao laço de sangue, mas a ligação não se completara. Não sorvera o sangue de Elise, por isso não devia sentir as coisas que estava sentindo. Por vários séculos, estivera aperfeiçoando seu estado geral de apatia como uma armadura que havia muito aderira à sua pele. Não devia sentir nada. Mas sentia. E se já a desejava antes, após ter oferecido sua veia para alimentá-la... Não queria pensar. Só sabia que, se algum dia a tivesse outra vez nua e quente sob seu corpo, nada o impediria de sorver o sangue daquela Escolhida. — Há um Rolls Royce parado na cabeceira da pista — Elise comentou, curiosa. — Deve ser Andreas Reichen. Ele supervisiona o maior de todos os territórios dos Darkhaven aqui. Vamos nos hospedar em sua propriedade, fora da cidade. A porta da aeronave foi aberta, e os dois pilotos uniformizados se posicionaram para acompanhar o desembarque. Ambos eram humanos, altamente competentes, e disponíveis em tempo integral mediante contratação pela Ordem. Até onde os pilotos sabiam, eles trabalhavam para uma corporação privada e muito rica, que exigia anonimato e absoluta lealdade em troca de um pagamento inigualável. Para muitos humanos, isso era suficiente. Para os poucos que se mostravam menos dignos, a recompensa era uma lavagem cerebral e um chute no traseiro. — Tenha uma boa estadia em Berlim, "sr. Smith" — disse o capitão ao se despedir, da porta do jato. Ele ofereceu um sorriso brincalhão a Elise. — "Sra. Smith", foi um prazer servi-la. Tenha um bom dia. Na pista, um motorista uniformizado desceu do Rolls Royce preto e abriu a porta de trás. Andreas Reichen saltou quando Tegan e Elise se aproximaram do veículo. Parecia mais um rico executivo do que o libertino que Tegan sabia que era. Apenas o cabelo escuro traía sua personalidade hedonista sob as roupas elegantes e clássicas: ele o usava mais longo e solto, uma moldura de ondas que a brisa de inverno punha em desalinho. — Sejam bem-vindos, amigos — disse com voz grave. Mudara pouco nas décadas que Tegan passara sem vê-lo não só na aparência de astro do cinema, motivo de incontestável orgulho para ele, mas também na apreciação pela beleza feminina. — Andreas Reichen — ele se apresentou, estendendo a mão para Elise. — Elise Chase. É um prazer conhecê-lo. Reichen beijou sua mão, num gesto galante. — Encantado. É uma honra recebê-la em meus domínios. — Muito obrigada, Herr Reichen. — Apenas Andreas, por favor. — Muito bem, mas vai ter de me chamar de Elise. — Será uma honra, Elise. — Ele se virou para Tegan. — É um prazer revê-lo, velho amigo, especialmente em circunstâncias tão mais agradáveis que as anteriores... — Isso é o que vamos ver. Tudo certo para a visita à instituição? 58
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— Sim, tudo em ordem. Podemos ir? Klaus vai cuidar da bagagem. — Está aqui. — Tegan exibiu uma valise preta que continha seu traje de combate e algumas armas. — Não vamos ficar mais do que dois dias. Não posso demorar mais do que isso para conseguir o que queremos do Odolf Corrupto. — Não me surpreende que esteja focado no trabalho, Tegan, mas... e a bela dama? — A viagem surgiu repentinamente. Não tive tempo para me preparar — Elise explicou, sem graça. — Não tem importância. Eu mesmo cuidarei disso. Mantenho contas em várias lojas por aqui. Vou telefonar do carro e pedir que mandem algumas amostras para a propriedade ainda hoje. Você e Tegan poderão escolher sem pressa. Ele usou o celular e começou a fazer as ligações antes mesmo de todos se acomodarem no automóvel. Tegan entendia um pouco de alemão, quando a Raça existia basicamente na Europa, por isso sabia que Reichen encomendava vestidos de grife e sapatos exclusivos, adivinhando o tamanho de Elise. Quando ele repetiu o gesto com uma loja masculina, Tegan não se conteve. — Que diabo está fazendo? — Teremos uma recepção esta noite, na minha propriedade. Não é sempre que os Darkhaven de Berlim recebem visitas tão importantes. Algumas pessoas da Agência de Defesa, em especial, solicitaram a chance de cumprimentá-los. — Posso imaginar. Mas não quero desfilar de smoking diante de um bando de burocratas Darkhaven. Sem ofensa, Reichen, mas esses engomados podem beijar meu... O alemão tossiu, como se quisesse lembrar que havia uma dama presente. Malditos Darkhaven sofisticados e suas maneiras impecáveis, pensou Tegan. Mas decidiu conter a fúria, de seu ataque contra a sociedade na qual Elise fora criada. — Na verdade, Tegan, a recepção foi organizada em honra à sua adorável companheira. Talvez, não saiba, mas Quentin Chase foi uma das figuras mais respeitadas da Agência de Defesa. É uma grande honra para nós receber a viúva do diretor Chase. Tegan franziu a testa e olhou para Elise. Ela parecia menos surpresa do que resignada com o anúncio, como se estivesse acostumada a receber o tipo de atenção que Reichen descrevia. Inferno... Ela não havia mentido quando dissera que podia levar toda a Agência de Defesa para dentro da Ordem com um simples telefonema. Ele sabia que seu antigo parceiro tinha conexões importantes, mas nunca imaginara a posição elevada que Elise ocupava dentro da cadeia dos Darkhaven. — Sua hospitalidade é encantadora, Herr Reichen... Andreas — ela se corrigiu. — Agradeço pela recepção. Tegan notou a facilidade com que ela assumia o papel de diplomata. Não se lembrava de tê-la visto tão elegante ou recatada na noite anterior, na sede. Com ele, Elise fora ousada e exigente; e até inescrupulosa ao usá-lo para obter o que julgava necessário. E por que não?, pensou com cinismo. Ele sabia como os membros dos Darkhaven viam os membros da Ordem. Com exceção de alguns poucos homens da geração atual, que se haviam impressionado com a destruição imposta pelos guerreiros aos Corruptos da área de Boston no verão anterior, muitos na sociedade dos vampiros os comparavam 59
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a ferozes pit bulls. Os da Agência de Defesa, o grupo cujas políticas de captura e reabilitação operava em oposição direta aos métodos violentos e definitivos da Ordem no trato com os Corruptos, eram os mais expressivos em seu desprezo. Não era surpresa que Elise, como Escolhida de um oficial de alta patente, o julgasse simplesmente um meio para um fim. Pensar que ele a deixara beber de seu sangue, contudo, provocou uma sensação muito parecida com a do sol do meio-dia em sua pele. E a constatação de que a desejava despertou nele uma forte vontade de pular do carro em movimento e rolar até o fundo do mais mortal precipício. Sim, era bom poder vê-la com clareza agora. Antes que acabasse fazendo algo ainda mais estúpido.
Elise deslizou as mãos pela seda azul do vestido sem mangas. Escolhera o mais simples de todos os da seleção enviada pela loja, embora preferisse não ter de comparecer àquela recepção. Fora tratada como uma rainha durante todo o dia, mas não se sentia disposta para as horas de socialização que teria de enfrentar no grande salão da propriedade, à margem do lago. Mas anos de prática e convivência com Quentin a tinham ensinado o que era esperado de um membro da família Chase, então... O dever acima de tudo. Calçou as sandálias de tiras finas e saltos altos, ajeitou os cabelos curtos, e saiu do quarto para desempenhar seu papel. Quando descia a escada para o salão, o som de música e vozes a fez parar. Aquela seria sua primeira recepção pública desde o funeral de Quentin. Até deixar os Darkhaven, quatro meses antes, permanecera de luto, vestindo a longa túnica branca e a faixa escarlate que declaravam a viuvez de uma Escolhida. Assim, pudera permanecer isolada em sua casa, recebendo apenas alguns poucos escolhidos, evitando olhares e sussurros de piedade que só tornavam a ausência de Quentin ainda mais dolorosa. Andreas Reichen se dirigiu à escada para acompanhá-la ao salão. Vestia um fraque preto muito elegante e sorria, absolutamente à vontade na situação. — Você está linda — elogiou, tomando sua mão e levando-a aos lábios. — Algum problema? — perguntou, notando sua hesitação. — Não, nenhum. É que não faço isso há muito tempo. Passei os últimos cinco anos de luto e... — Cinco anos de luto? É muito tempo. Peço desculpas por ter sido tão insensível. Se quiser, posso encerrar a recepção agora mesmo. Ninguém precisa saber por quê. — Não, não, eu jamais pediria tal coisa. É apenas uma reunião agradável, afinal. E já é hora de me recuperar e voltar à vida. Eu sei que vou conseguir. O sangue em suas veias anunciava a presença de Tegan na propriedade, mas ela não conseguia vê-lo no salão. — Esteve com Tegan? — Elise perguntou, tentando soar pouco interessada. — Não desde que chegaram esta manhã — Reichen respondeu, levando-a para perto dos convidados. — E tenho certeza de que não o veremos na recepção. Ele nunca foi adepto de eventos sociais.
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— Você o conhece bem? — Não muito, mas duvido de que alguém possa afirmar conhecer bem o guerreiro. Pessoalmente, sei tudo de que preciso para considerá-lo meu amigo. — Como assim? — Tegan veio em meu socorro há algum tempo, quando a região enfrentou um problema repentino e persistente com um grupo de Corruptos. Isso foi há séculos, no início de 1800... 1809, no verão. Dois séculos podiam parecer muito tempo para a maioria dos humanos, mas Elise vivia entre os da Raça havia mais de um século, desde que fora resgatada das favelas de Boston pela família Chase, ainda criança. As comunidades constituídas pelos Darkhaven da Raça existiam em várias partes da Europa e dos Estados Unidos fazia muito mais tempo que isso. — Deviam ser tempos diferentes — ela comentou. — Os Darkhaven não viviam tão seguros quanto vivem agora. Não existiam cercas eletrônicas, nem sensores de movimento, nem câmeras para denunciar invasões. Normalmente, nossos problemas com os Corruptos eram incidentes isolados, um ou dois vampiros mais fracos que sucumbiam à sede do sangue e criavam confusão entre os humanos antes de ser capturados e contidos. Mas aquilo foi diferente. Os Corruptos começaram a atacar humanos e vampiros sem discriminação. Uniram-se em bandos para caçar por esporte. Conseguiram se infiltrar em um dos nossos redutos Darkhaven e, antes do final da primeira noite, haviam violado e matado dezenas de mulheres, além de terem tirado a vida de muitos homens da Raça. — E como Tegan o ajudou? — Ele passava pela região quando entrou no Grunewald e encontrou um Darkhaven da minha comunidade ferido. Quando soube o que estava acontecendo, me procurou e ofereceu ajuda. Teríamos oferecido qualquer recompensa ou pagamento, mas ele não quis. Não sei como conseguiu, mas Tegan caçou e matou cada um dos Corruptos. — Quantos eram? — Dezesseis. — Meu Deus! Tantos assim... — Os Darkhaven de Berlim podiam ter sido dizimados não fosse pela ajuda de Tegan. Ele rastreou e matou todos os Corruptos sozinho, depois seguiu seu caminho como se não houvesse feito nada de mais. Não ouvi mais falar nele até muitos anos mais tarde, quando Tegan se estabeleceu em Boston com os poucos membros remanescentes da Ordem. — Andreas, eu... acho que preciso de um drinque — ela disse, perturbada com o que acabara de escutar. — É claro. Venha comigo.
Tegan esperou pela hora adequada para deixar o último andar da mansão. Após um dia inteiro trancafiado, esperando pelo anoitecer, agora finalmente podia sair em busca de sangue e Corruptos. E já se preparava para sair, quando a voz de Elise o deteve. Reichen a recebia ao pé da escada e elogiava sua beleza, beijando-lhe a mão. O 61
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vestido de seda azul realçava suas curvas delicadas e acentuava a linha graciosa do pescoço, onde uma veia pulsante atraiu seu olhar faminto. Precisava se alimentar. E depressa. Vestindo roupas de combate, ele se dirigiu à saída da mansão, ansioso por uma fuga rápida. Agora que vira Elise entrando no salão pelo braço de Reichen, não podia mais ignorar que aquele era seu mundo, enquanto o lugar dele era nas ruas, sujando as mãos com o sangue dos inimigos. Furioso, saiu sem olhar para trás.
Elise estudou os cerca de cinquenta convidados, reconhecendo alguns rostos. Todos olhavam para ela. O quarteto de cordas tocava em um canto da sala, enquanto Andreas Reichen a apresentava aos conhecidos. Um a um, rostos e nomes se sucediam, formando uma massa confusa em sua mente. Pessoas ofereciam condolências pela morte de Quentin, elogiavam seus feitos, e algumas perguntavam sobre a natureza dos assuntos que a levavam a Berlim. Mas ela se esquivava da curiosidade com elegância e habilidade. Não seria prudente discutir as questões da Ordem em local público, e não poderia explicar sua associação com os guerreiros sem revelar como os conhecera. Os políticos Darkhaven ficariam chocados se soubessem que ela estivera caçando pelas ruas de Boston, matando Seguidores. No meio de tanta gente perfumada e bem-vestida, alguém a chamou em tom emocionado. — Elise? Oh, meu Deus, é você! Ela foi envolvida num abraço caloroso e, quando recuou, viu-se diante de uma velha e querida amiga. — Anna, você está ótima! — Estou. E você... Há quantos anos não nos vemos? Os meninos eram pequenos. Acho que nem tinham seis anos em nosso último encontro. — Sete — Elise a corrigiu. Camden e o filho de Anna, Thomas, eram amigos e haviam passado todo o verão juntos antes de a Agência transferir o parceiro de Anna para um local em território estrangeiro. — O tempo passou — disse a outra Escolhida. — Lamento muito por sua perda, Elise. — Foi um período difícil, mas estou me ajustando à vida sem Quentin da melhor maneira possível. — E o pobre Camden! Não consigo nem imaginar como deve ter sido difícil para ele perder o pai ainda no início da adolescência. Como ele está agora? Veio com você para Berlim? Thomas vai ficar eufórico quando souber que... — Anna, ele não está aqui. Houve um incidente há alguns meses em Boston. Ele teve problemas... Camden está morto. Anna empalideceu. — Elise, meu Deus... Perdão! Eu não sabia... 62
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— É claro que não. Não se desculpe. A morte de Camden foi repentina; poucas pessoas sabem. — Oh, minha querida amiga! Quantas tragédias teve de enfrentar! Deve ser a mulher mais forte que conheço. Perder tanto em tão pouco tempo... podia ter sucumbido. Quase, pensou Elise. Mas a raiva a levara além do primeiro estágio de sofrimento. A vingança a conduziria pelo restante do caminho. — Você faz o que tem de ser feito para sobreviver — ela disse. — É claro — Anna forçou um sorriso desconfortável. — Quanto tempo vai passar na cidade? Se tiver tempo, podemos sair juntas. Temos lindos parques e museus... — Talvez. Pode me dar licença? Acho que vou circular um pouco e pegar mais uma taça de vinho. — É claro. Foi bom ver você, Elise. De verdade. Elise afagou a mão da velha amiga. — Foi bom ver você também. Quando ela começou a se afastar, fez-se uma comoção na multidão. Elise nem precisou olhar naquela direção para saber quem a provocava; sentia a presença em suas veias, nos ossos, no calor que inundava seu corpo. — Pelo amor de Deus! — o Agente Waldemar resmungou atrás dela. Ele e vários companheiros olhavam com evidente desprezo para a entrada do salão. — Ele devia ao menos ter se vestido de acordo com a ocasião. Selvagens desprezíveis, todos eles! Tegan entrava na sala exibindo seu traje de combate e armado até os dentes. O cabelo desalinhado e o olhar letal davam um toque de rebeldia à sua aparição. — Olhe só para o bárbaro Gene Um — Waldemar comentou com um colega da Agência. — As gerações mais novas devem ficar impressionadas com os métodos violentos da Ordem, em especial depois do espetáculo do verão passado. Mas eles não passam de criaturas selvagens que há muito ultrapassaram seus propósitos. Todos riram, e Elise reconheceu, envergonhada, que havia pensado de maneira muito parecida até um passado bem recente. Criada por uma família da Agência desde a infância, aprendera que a Ordem era exatamente o que esse agente dizia agora. A culpa pelo julgamento injusto a impeliu a reagir. — Diga-me, agente Waldemar, vive com os Darkhaven de Berlim há muito tempo? Ele inflou o peito com orgulho. — Cento e trinta e dois anos, minha querida dama. Boa parte deles servindo a Agência. Por quê? — Porque me ocorre que, enquanto você e seus amigos frequentam festas elegantes, trocam elogios e criticam a Ordem, os guerreiros estão nas ruas, arriscando a vida todas as noites para proteger uma nação que não se dá o trabalho nem de agradecer pelo esforço que eles fizeram nos últimos séculos. Waldemar empalideceu. — Sei que é a viúva de Quentin Chase, por isso não quero chocá-la com fatos sobre a brutalidade desses indivíduos; mas posso lhe garantir, senhora: todos são matadores sem alma, especialmente aquele. Ele rasgaria sua garganta enquanto dorme se achar que pode se beneficiar disso. 63
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— O guerreiro que insulta com tanta animosidade é a principal razão pela qual todos vocês estão aqui esta noite. — Francamente! — Waldemar riu com desdém. — Sua memória é tão deficiente que já se esqueceu dos Corruptos que atacaram os Darkhaven há dois séculos, matando muitos de seus habitantes? Foi esse guerreiro quem caçou e matou os Corruptos. Ele salvou sua comunidade sozinho e não pediu nada em troca. Não creio que um mínimo de respeito por ele seja impróprio. Nenhum dos cavalheiros respondeu ao comentário de Elise. Todos olhavam por cima de seu ombro agora, sendo o agente Waldemar o mais pálido do grupo. Os outros se retiraram, circulando pelo salão como se quisessem desaparecer rapidamente. Elise se virou e deparou com Tegan parado atrás dela. Ele a encarava como se quisesse esganá-la, mais furioso do que jamais o vira antes. — Que diabo pensa que está fazendo?
Tegan sabia que seria um erro entrar naquela recepção, mas não resistira ao impulso de voltar e mostrar sua presença a todos os idiotas dos Darkhaven que se julgavam melhores do que ele. Ou talvez quisesse apenas estar perto da mulher que não saía de sua cabeça desde o instante em que a conhecera. O que não esperava era ouvir Elise saindo em sua defesa, como se ele precisasse de proteção contra um bando de cretinos vestindo fraques. Não conseguia se lembrar da última vez em que se sentira humilhado, mas era essa a sensação que tinha agora ao ser deixado sozinho com Elise, enquanto todos os outros se afastavam. Como se não escutasse seu pedido de explicação, ela simplesmente pediu licença e também se afastou, largando-o ali, plantado. Tegan a viu sair pelas portas de vidro que abriam passagem para o terraço sobre o lago e, furioso, ele a seguiu. Elise caminhava para o lago quando ele a alcançou, a grama congelada rangendo sob suas botas. — Pode me explicar o que estava fazendo? — Ele a segurou pelo braço. — Não gostei do que estava ouvindo. Aqueles idiotas arrogantes estavam errados, e precisam saber disso. — Escute aqui, não preciso de ninguém para me defender, especialmente de um monte de cretinos como aqueles. Eu luto minhas batalhas. Da próxima vez, não se preocupe comigo. — Não é capaz de aceitar bondade de ninguém, não é? — Sempre vivi bem sozinho. — Você é incrível! — Ela riu. — Pode derrotar um exército de Corruptos sem nenhuma ajuda, mas tem medo de que alguém se importe com você. Ou, pior ainda, de se importar com alguém. — Não sabe nada sobre mim. — E alguém sabe? — Ela soltou o braço. — Saia daqui, Tegan. Estou cansada e 64
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quero ficar sozinha. Ele a viu descer até a margem do lago e parar ao lado de um velho abrigo para barcos, onde cruzou os braços como se quisesse se proteger. Tegan pensou em atender ao pedido de Elise, em ir embora e deixá-la ali sozinha, mas continuava inconformado. Foi com a intenção de censurá-la e colocá-la em seu devido lugar que ele a seguiu, mas, ao chegar perto dela, Tegan percebeu que Elise tremia. Não apenas de frio, mas como se estivesse à beira de um colapso. Ela estava chorando? — Elise... — Já disse para ir embora! Tegan ficou diante dela e a segurou pelos ombros. Imediatamente, uma dor o invadiu como uma lâmina afiada. Emoções desencontradas inundaram sua alma, uma avalanche de tristeza e o imenso vazio da perda. Era como se ela revivesse todo o sofrimento, como se uma ferida que não cicatrizara inteiramente voltasse a sangrar. — O que aconteceu lá dentro? — Nada. Vai passar. — Escute, sei o que está sentindo. Eu entendo a perda, Elise. Já passei por isso também. O que ele estava fazendo?, pensou em pânico. Mas era tarde demais porque as palavras já haviam sido pronunciadas. A expressão de Elise passou da inquietação à surpresa, E então para uma compaixão que ele não sabia se estava pronto para receber. — Quem você perdeu, Tegan? Ele olhou para o lago e pensou na noite que revira tantas vezes mentalmente. Mais de quinhentos anos de cenários, coisas que poderia ter feito ou que devia ter feito diferente... mas o desfecho nunca mudava. — O nome dela era Sorcha. Ela foi minha Escolhida há muito tempo, quando a Ordem era nova. Foi capturada por Corruptos numa noite em que eu estava fora, na patrulha. — Tegan... Eles a feriram? — Ela está morta — ele contou simplesmente. Elise não ia querer conhecer os detalhes horrendos de como os Corruptos a tinham mandado de volta para ele, abusada e violada. Não queria falar sobre a fúria e a culpa que o invadiram quando Sorcha fora devolvida viva, mas destituída de sangue e de humanidade. Para seu horror, ela voltara como Seguidora. Ele havia perdido a razão, o controle, caíra nas garras da sede de sangue, e estivera muito próximo de se tornar um Corrupto. Tudo por nada. A morte, quando finalmente chegara para Sorcha, tinha sido uma bênção. — Não posso trazê-la de volta e não posso mudar o que aconteceu. — Não. Mudaríamos tudo, se pudéssemos. Mas, quanto tempo levaremos até que deixemos de nos culpar por tudo o que gostaríamos de ter feito de outra maneira? 65
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Ele a encarou, surpreso, desacostumado com a sensação de afinidade. Mas foi a dor nos olhos dela que tocou algo profundo em sua alma. — Você não deu ao seu filho a droga que o corrompeu, Elise. Não o empurrou para aquele precipício. — Não? Pensei que o estava protegendo, mas o sufocava com minha atenção. Ele se revoltou. Queria ser um homem. Ele era um homem. Mas eu não suportava a ideia de perder meu menino porque ele era tudo o que eu tinha. Quanto mais tentava mantê-lo perto de mim, mais ele se afastava. — Toda criança passa por isso. Nem por isso todos morrem... — Nós discutimos na última noite em que o vi. Camden queria ir a uma festa; uma rave, ele disse. Alguns jovens Darkhaven já haviam desaparecido nesses lugares, e eu vivia preocupada com a possibilidade de alguma coisa acontecer a ele. Eu o proibi de ir. Disse a Camden que, se ele fosse, ele não devia voltar para casa. Era apenas uma ameaça idiota, sem sentido, vazia! Eu não queria... — Todos nós dizemos coisas das quais nos arrependemos, Elise. Você só estava tentando proteger seu filho. — E acabei matando Camden. — Não. A sede de sangue o matou. Marek e o humano que ele pagou para criar o Crimson mataram seu filho. Não foi você. Ela chorava copiosamente agora, ainda com os braços cruzados sobre o peito. — Está tremendo. — Tegan despiu a pesada jaqueta de couro e a colocou sobre os ombros dela. — Está muito frio. Não deveria ficar aqui fora. Não com ele, pelo menos, Tegan completou em pensamento. Não quando ele ansiava por tocá-la, por tomá-la nos braços. Antes que pudesse se conter, ele afagou o rosto molhado pelas lágrimas, lembrando-se da doçura daquela boca sobre sua pele, do calor da língua extraindo dele a seiva da vida. Queria isso de novo, e com uma ferocidade que o apavorava. — Tegan, por favor, não... — Ela fechou os olhos, como se pudesse ler seus pensamentos. — Não faça isso se não for importante para você. Não me toque como se... como se não sentisse nada. — O que acha que estou sentindo? Antes que ela pudesse responder, ele a beijou. O calor dos lábios de Elise acendeu uma chama que aqueceu o espaço vazio em seu peito. Ele a apertou contra o corpo e aprofundou o beijo, enquanto ela tremia em seus braços e correspondia, ardente. Quando suas mãos o tocaram, Tegan também começou a tremer, atônito ao perceber como precisava daquilo, o quanto precisava dela. Havia muito tempo não se permitia aquele tipo de intimidade. Seu desejo por Elise foi maior do que tudo, e suas gengivas pulsaram sob a pressão dos caninos. Sabia que seus olhos já eram frestas cor de âmbar, evidência da força das emoções que o dominavam. Sua pele se retesava, os dermaglifos queimavam com o súbito afluxo de sangue que os coloria. Ela devia sentir a pressão de seu membro ereto porque estavam colados um no outro. 66
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Elise teve consciência das reações que provocava em seu corpo, mas não tentou se afastar. Pelo contrário, seus braços o enlaçaram como se temessem perdê-lo. Foi Tegan quem encerrou o beijo e deixou escapar uma praga contida. Na mansão, vários rostos olhavam em sua direção com evidente desprezo. Elise também os viu, mas não parecia envergonhada ou arrependida. Quando o encarou novamente, tudo o que revelou foi desejo. — Que olhem — disse, afagando seu rosto diante da crítica platéia. — Não me incomodo com o que pensam. — Mas deveria. Este é o seu mundo. Deveria entrar e se reaproximar deles. — Não posso voltar. Não quero. Olho para eles e tudo o que vejo é uma linda gaiola. Sinto vontade de correr antes de ser trancada de novo. — Não era feliz com os Darkhaven? — Isso era tudo o que eu conhecia. Quentin era tudo o que eu conhecia. A família dele me adotou ainda bebê e me criou desde que cheguei ao reduto. Devo a eles minha gratidão pela vida que tive. — Não há nada de errado com gratidão, mas pergunto se você era feliz com eles. — Sim, eu era feliz, especialmente depois do nascimento de Camden. — Mas se sentia presa. — Sim. Nunca fui muito forte. Meu dom me impedia de deixar os Darkhaven, e Quentin não achava sensato que eu saísse sozinha. Ele só queria me proteger, eu sei, mas às vezes isso era sufocante. E ainda havia todas as obrigações da Agência e as expectativas impossíveis, inerentes ao papel de membro da família Chase. Não imagina quantas vezes senti vontade de gritar, apenas para provar para mim mesma que ainda era capaz disso. Ainda sinto esse impulso, às vezes. — E o que a impede agora? Ela franziu a testa. — O quê? — Vá em frente. Grite, se quiser. Eu não vou impedir. Elise riu e olhou para a mansão no alto da encosta. — Está louco? Já imaginou os comentários que fariam? E, no mínimo, o acusariam de ter aterrorizado uma mulher viúva e indefesa. Sua reputação nunca, mais seria recuperada. — Se quer saber minha opinião, essa é mais uma razão para você gritar. Ela riu e balançou a cabeça. Depois, quando o fitou novamente, havia uma súplica em seus olhos cor de ametista. — Não posso voltar para lá. Não esta noite. Pode ficar comigo aqui fora, Tegan... apenas por um tempo?
A visão de Marek se tingiu de vermelho quando ele examinou o plano de voo que um de seus Seguidores tinha copiado de um aeroporto de Boston algumas horas antes. Um jato particular decolara para Berlim na noite anterior, levando dois passageiros: um 67
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deles, certamente, um membro da Ordem. Tegan, sem dúvida, a julgar pela descrição dada pelo Seguidor. Mas a mulher que o acompanhava era um enigma. Tegan sempre fora um solitário inveterado, e Marek não conseguia imaginar o que poderia ter induzido o estóico e letal guerreiro a tolerar uma presença feminina. Ele se lembrava bem da total devoção do guerreiro à mulher que este tomara por parceira havia cinco séculos. Ela era muito bonita, com uma aparência morena, cigana, e um sorriso doce e confiante. Tegan a adorava, e sua perda quase o destruíra. Pena não ter destruído. Por isso o fato de ele estar agora em Berlim era uma notícia preocupante. Aliada à perda do diário, a informação prenunciava um tremendo desastre. A Ordem tinha o diário agora, Marek estava certo disso. Quanto tempo levariam até unir as peças e encaixá-las em seus devidos lugares? Teria de trabalhar depressa, ou não se adiantaria aos guerreiros. Infelizmente era dia, e, a menos que quisesse correr o risco de ganhar um bronzeado mortal, teria de esperar até o anoitecer para poder embarcar e assumir o controle da situação.
Tegan abriu a porta do abrigo para barcos e levou Elise Já para dentro. Ela caminhava com dificuldade na escuridão, mas a mão em seu braço a guiava com segurança. O espaço para um barco grande ficava vazio no inverno, a água parcialmente congelada onde encontrava a base do galpão. — Deve haver um mezanino aqui — Tegan comentou, caminhando para uma escada. — Como sabe? — Esse era o chalé do zelador na última vez em que estive aqui. Imagino que não haja muita necessidade de manter guarda-caças hoje em dia, por isso Reichen converteu a casa em mais um de seus brinquedos. Elise ergueu a saia do vestido para subir a escada atrás dele. No último andar, ele abriu uma porta que revelou um espaço rústico, mas acolhedor. O luar penetrava por uma janela alta, e amplas poltronas de couro ladeavam um sofá, o conjunto todo posicionado para garantir a melhor vista do lago. Do outro lado havia uma lareira. — Conhecendo Reichen como conheço, deve haver energia elétrica aqui — Tegan apostou e, com a força do pensamento, acendeu uma lâmpada no instante seguinte. — Se não se importa, prefiro ficar no escuro. É mais relaxante. A luz se apagou, substituída pelo brilho prateado da lua. Elise caminhou até a janela, os saltos sobre o tapete macio e branco de pele de carneiro. Num impulso, tirou as sandálias e deixou os pés se deliciar com o contato aveludado. Entregou-se à tranquilidade do lugar, ao silêncio, superando o estresse da recepção. Mas ainda sentia a excitação provocada pelo beijo de Tegan. Não esperava a ternura, a compreensão... o desejo. 68
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Ele a queria, e ela também o desejava. — Acho que essa não foi uma boa ideia — Tegan murmurou atrás dela. — Não deveria ficar sozinha comigo. Elise pôde sentir o calor do corpo dele, e Tegan exibiu as presas num sorriso. — Caso não esteja certa, essa é sua chance de escapar. Ela não se moveu. Não queria sair dali. Sério, ele tirou o casaco de seus ombros, deixou-o sobre uma das cadeiras e tocou sua pele aveludada. O toque era quente, e Elise estremeceu. O desejo ferveu dentro dela. Queria que ele a tocasse e precisava tanto disso que não conseguiu sufocar o gemido que brotou de sua garganta. Ousada, ergueu-se na ponta dos pés e roçou os lábios nos dele. Pôde sentir a ferocidade de sua fome quando ele a abraçou, puxando-a contra o corpo enquanto a boca transformava em íntimo o beijo hesitante. Suas presas roçavam seus lábios, e ele deslizou a língua por eles como se quisesse apagar a sensação desconfortável. Elise se deliciou com a carícia erótica. Sentiu a pressão do membro ereto contra seu ventre e soube que, se ele se livrasse das armas e da camisa, ela poderia ver os dermaglifos em suas cores mais radiantes. Talvez devesse ter medo dele, agora mais do que nunca, mas não era medo o que sentia. Não era medo que fazia seus dedos tremer quando ela levou a mão às costas para abrir o zíper do vestido. Antes que ela terminasse, Tegan a abraçou e imobilizou sua mão, beijando-a com ardor, introduzindo a língua em sua boca. Imitou os movimentos que ela fazia com o quadril, empurrando a pélvis contra a dela. Os olhos cor de âmbar estavam fixos nos seus, registrando cada reação. Elise respirou fundo. Caso se entregasse agora, não haveria mais volta. Ele tomaria seu corpo e também seu sangue. Tegan deslizou a língua por sua carótida, anunciando sua intenção com clareza. Quando as garras afiadas ameaçaram romper sua pele, ela se retesou. Senhor, ela não devia estar ali... Não devia estar fazendo aquilo! Tegan a soltou imediatamente, empurrando-a para longe. — Saia daqui antes que façamos algo de que nós dois vamos nos arrepender. Elise levou a mão ao pescoço e, quando olhou para os dedos, viu duas pequenas manchas de sangue. Tegan estivera assim tão próximo de mordê-la? — O que está esperando? Já disse para sair daqui! Ela pegou as sandálias do chão e correu para fora do abrigo. Tegan caiu sobre uma das poltronas assim que ouviu a porta se fechando. Tremia pela força da necessidade de tê-la. Estivera tão perto, tão próximo de cravar as presas... Chegara a sentir o gosto do sangue de Elise, e quase perdera a razão. A única coisa que o levara de volta ao mundo real fora sua súbita ansiedade. Pela conexão física, sentira o medo sobrepujar o desejo, e agarrara a chance sem hesitar. Mas ainda a desejava. Era um predador e, naquele momento, sentia a força do instinto como jamais sentira antes. Por sorte, Elise não estava por perto. Sabia que se perderia completamente 69
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se pudesse encher a boca com o néctar doce que corria por suas veias. Precisava de alimento e de distração. E como estava determinado a saciar pelo menos uma das fomes que o atormentavam, teria a deliciosa Elise sob seu corpo antes de a noite chegar ao fim, decidiu.
Elise contornou a mansão e parou na escada de mármore da entrada principal. Era tarde. Estava gelada, com os pés molhados, e de repente compreendia que havia estado perto de cometer um engano que poderia ser fatal. O medo que sentira momentos antes, no abrigo para barcos, se transformara em outra coisa; algo que ainda a perturbava, mas que já não era tão intenso. Céus!, pudera sentir o desejo que o dominara e se surpreendera ao perceber como sua fome a inflamava. Agora, após fugir dele como uma covarde, tudo o que sentia era um enorme vazio. Resoluta, Elise se afastou da elegante mansão. Não iria voltar para a festa. Pisando a grama gelada, levantou a saia e desceu à encosta de volta ao abrigo na margem do lago. Estava pronta a se deixar levar para onde Tegan quisesse conduzi-la. Mas o lugar estava vazio. Ele desaparecera.
Tegan seguiu para a cidade com a velocidade supranatural que fazia os da Raça invisíveis aos olhos humanos. O frio da noite o ajudava a clarear as ideias. Havia poucos turistas na Berlim Oriental àquela hora da noite. Eram apenas pessoas locais, gente pobre e deprimida indo para casa depois de um plantão noturno ou de algumas horas nas dezenas de cervejarias de classe operária. Não havia Corruptos por ali. Enquanto Boston era praticamente invadida pelos miseráveis, graças à súbita reaparição de Marek, Berlim e muitas outras grandes cidades relatavam um número bastante reduzido de atos relacionados a atividade de Corruptos. E isso era estranho. Para não dizer frustrante. Naquele momento, ele teria adorado uma boa luta com seus inimigos.. Vários, se pudesse escolher. Duas mulheres sorriram para ele com ar convidativo, mas ele as ignorou. Não se alimentaria de mulheres. Não as escolhia como fonte de nutrição desde a morte de Sorcha. Era uma escolha pessoal, algo que fazia para se punir por ter desapontado a moça inocente que confiara nele. Em algum momento, a escolha se tornara um ato de desespero. Um ato de sobrevivência. Sabia que, com o apetite aguçado como o dele, seria fácil perder o controle. Conhecera a sede de sangue uma vez, e nunca mais se permitiria chegar perto disso. O fato de ter se sentido tão tentado a ceder com Elise o apavorava. Estivera sozinho por séculos, recolhido por escolha própria, focado apenas em sua missão de dizimar os Corruptos. Mas agora... — Droga! — resmungou, transtornado. Estava quase voltando ao maldito reduto 70
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Darkhaven onde Elise devia estar encolhida, tremendo de pavor pelo que ele quase fizera com ela... com eles. O que teria acontecido se houvesse sorvido seu sangue? Seguiu em frente, os olhos localizando dois skinheads vestidos com couro preto e portando correntes. Eles gritavam com uma mulher idosa que caminhava pela calçada em sentido contrário. A pobre criatura baixou os olhos para não encarar a ameaça e, quando quis atravessar a rua, a fim de sair do caminho dos degenerados, os neonazistas correram atrás dela, gritando ofensas e horríveis insultos raciais. Eles a empurraram contra um prédio, e um deles agarrou sua bolsa. A mulher gritou e segurou a bolsa com força, e, de repente, eles a arrastaram para um beco entre dois edifícios, Onde a situação decerto ficaria muito pior. Tegan se moveu rapidamente, sentindo a transformação operada pela revolta. O primeiro skinhead nem soube o que o atingiu, antes de ser arremessado de volta ao meio da rua. Sensato, ele se levantou, olhou para Tegan e começou a correr. Seus companheiros, contudo, não pareciam tão abalados. Enquanto um deles arrastava a mulher para o beco, ainda puxando a bolsa da pobre, o outro sacou uma navalha e investiu contra Tegan. Mas era difícil acertar um alvo que desaparecia para ressurgir do nada às suas costas, quase arrancando seu braço. O skinhead gritou de dor, derrubando a navalha ao cair de joelhos no chão. Tegan adoraria matá-lo, mas o que precisava de atenção urgente era o outro: o que esmurrava a senhora indefesa. — Suma daqui! — ele rosnou para o que tinha cativo, exibindo as presas para se certificar de que o cretino entendia bem o significado de sua ameaça. O rapaz arregalou os olhos antes de correr para bem longe dali, o braço deslocado pendendo ao lado do corpo. Tegan caminhou na direção do skinhead que finalmente conseguira arrancar a bolsa da mulher desesperada e agora ferida. Ele vasculhara o interior da bolsa e rasgara o forro interno, sem encontrar o que queria. — Onde está o dinheiro, vadia? Não ia segurar com tanta força uma bolsa vazia! A mulher recolheu uma foto da calçada. — Meu retrato — ela choramingou, seu alemão carregado por forte sotaque árabe. — Era tudo o que eu tinha de meu marido e você o arruinou! — Ah, meu coração está sangrando por você, seu lixo estrangeiro! — O skinhead riu. Tegan parou atrás do sujeito e o ergueu pela nuca. A pobre mulher recolheu seus pertences e fugiu, apressada. — Já se cansou de aterrorizar pobres velhinhas, ubermensch? — Tegan sussurrou bem perto de seu ouvido. — Que tal visitar um hospital agora? Aposto que iria fazer um estrago na ala pediátrica. Ou os doentes de câncer seriam mais interessantes? — Vá se danar! — o valentão respondeu em inglês. — Talvez eu prefira levar você para conhecer o necrotério, seu cretino. — Boa ideia. — Tegan sorriu, exibindo as presas. — É para lá mesmo que você vai... O humano mal teve tempo de gritar antes que Tegan rasgasse seu pescoço para se alimentar. 71
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Tegan conseguiu evitar Elise durante todo o dia seguinte. Ela não sabia para onde ele havia ido na noite anterior, ou onde passara as horas antes do anoitecer, quando se encontraram para a visita à instituição comandada pela Agência de Defesa. Tegan não falou com ela, quase nem olhou para ela, durante os quarenta e cinco minutos que estiveram no carro de Reichen a caminho da cidade, onde o Odolf Corrupto estava internado. A entrada da clínica era controlada por um sistema de segurança automático, e Elise não viu sinal que indicasse o que existia do outro lado do muro. Mas, pela cerca de alta voltagem e pelos portões de ferro típicos de uma fortaleza, era evidente que o que estava lá dentro deveria permanecer lá. Um raio de luz vermelha brotou de um dos aparatos eletrônicos no muro, varrendo o automóvel. Um momento depois o portão de ferro se abriu diante deles. O motorista de Reichen conduziu o veículo para o interior da fortaleza, mas logo parou diante de outro portão. Um quarteto de guardas da Raça armados se aproximou e abriu as portas. Todos tiveram de descer para verificação. Um homem se aproximou, saindo de uma guarita sem janelas. — Sra. Chase. — Ele a cumprimentou com respeito. — Seja bem-vinda. Sou Heinrich Kuhn, diretor desta instituição. Por favor, venha comigo. Vou escoltá-la ao interior da clínica. Seus companheiros podem esperar aqui, por favor. — De jeito nenhum — Tegan protestou, adiantando-se e colocando-se entre Elise e o diretor, ignorando as armas apontadas para ele.— Ela não vai entrar sozinha. — Não há perigo algum — argumentou o homem, dirigindo-se a Elise como se Tegan não existisse. — O paciente estará contido, é claro, e já foi sedado para receber a alimentação, o que deve terminar a qualquer momento. — Não me interessa se o desgraçado está preso atrás de dois metros de pedra. Elise não vai entrar nesse tanque de Corruptos sem mim. Reichen sorriu, mantendo-se silencioso diante do evidente desconforto do burocrata. — Senhora, por favor. — O diretor se dirigiu à Elise. — As visitas a esta instituição raramente são permitidas por causarem forte estresse aos residentes em tratamento. A pedido do Diretor Chefe da Agência de Defesa, abrimos uma exceção para essa sua entrevista. Mas odeio pensar o que a presença de um guerreiro pode causar ao progresso de nossos pacientes. Deve ter consciência de que essa categoria se alimenta de provocar os aflitos dentre os de nossa raça. Aqui praticamos a misericórdia, não a maldade. Tegan suspirou, irritado. — Eu vou entrar com ela. Isto não é um pedido. — Por favor, gostaria de poder entrar acompanhada por ele — Elise anunciou, tentando controlar a situação. — Senhora, não creio que... — Tegan vem comigo. — Elise despiu a jaqueta e a pendurou sobre um braço. Depois, sorriu educada, mas seu olhar era tão firme quanto seu tom de voz. — Eu insisto, diretor Kuhn.
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Ela se manteve firme. Conhecia o protocolo dos Darkhaven e da Agência de Defesa, e compreendia até onde poderia contorná-lo. Sua posição de viúva de Quentin Chase a colocava em situação vantajosa, e ela não hesitaria em usar esse poder. Tegan observou o homem ceder, impressionado. A decisão de Elise de apoiá-lo, em vez de permitir que resolvesse a situação à sua maneira, o intrigava ainda mais. Ela era fria sob pressão, uma dama e uma estrategista habilidosa. Odiava admitir, mas Elise era uma preciosa aquisição para a Ordem. E o fato de não conseguir tirar os olhos dela só aumentava sua inquietação. A evidência de sua apreciação ameaçava se tornar uma presença rija atrás do zíper de suas calças, e Tegan respirou fundo para se controlar antes de deixar Reichen no carro e acompanhá-la para o interior da clínica. O diretor os levou por corredores intermináveis e salas silenciosas, até que finalmente chegaram a um corredor de concreto e pararam diante de uma pesada porta de metal onde se lia "Centro de Tratamento". — Por aqui — ele disse, segurando a porta para permitir sua entrada. O espaço interno era tranquilo, exceto pelos gemidos e grunhidos que a música clássica de vários alto-falantes não conseguia encobrir. Portas fechadas se alinhavam nas duas laterais, algumas com pequenas janelas por onde se podia ver o ocupante do quarto. Alguns dos cômodos estavam vazios, mas outros abrigavam Corruptos em vários estágios de consciência, todos contidos por camisa de força. Barras de ferro dotadas de travas eletrônicas mantinham as portas fechadas. — Então, essa é a versão Darkhaven do centro de reabilitação Betty Ford — Tegan comentou com ironia. — E vocês ainda têm coragem de dizer que a Ordem é cruel. Elise o silenciou com o olhar, mas Kuhn ignorou a provocação e os conduziu até a última das celas de contenção, detendo-se diante dela para introduzir um código de acesso. Quando a luz mudou de vermelha para verde, disse: — Como a alimentação ainda está em curso, vamos ter de esperar na sala de observação até eles terminarem. Não pode demorar mais do que alguns minutos. Tegan seguiu Elise para o interior do aposento, e ela se encolheu visivelmente ao ver, pela primeira vez, o procedimento do outro lado do vidro. — Meu Deus!— gemeu, cobrindo a boca com a mão. Na sala vizinha, o Corrupto chamado Petrov Odolf estava amarrado a uma maça como um espécime sob a lente de um microscópio. Nu, tinha múltiplos pares de grampos metálicos presos em cada membro, em torno do peito e do pescoço, e na testa. A cabeça raspada era mantida em uma máscara de couro e arame que mantinha a mandíbula e as presas imobilizadas para permitir a entrada do tubo que levava sangue fresco à sua boca. O Corrupto urinara em algum momento do procedimento, pois havia uma poça sob a mesa: uma imagem que só acentuava sua degradação. E havia uma mulher. Tegan não conteve uma exclamação ao ver a moça cujo braço alimentava o tubo de transfusão. Ela estava deitada em outra mesa ao lado, vestida com um avental clínico branco e sem mangas, calma, mas com as faces molhadas pelas lágrimas. — Mandou uma mulher alimentar essa besta? — Ela é sua Escolhida — Kuhn respondeu. — Viveram juntos muitos anos antes de ele sucumbir à Luxúria do Sangue e se tornar Corrupto. Ela vem alimentá-lo todas as 73
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semanas, e também se alimenta dele. A moça precisa manter a saúde e a longevidade para continuar cuidando de seu parceiro. Francamente, ele tem muita sorte por poder contar com toda essa devoção. A maioria dos nossos pacientes não tem uma Escolhida para cuidar deles, de forma que precisam se alimentar de doadores humanos. — E como encontra esses doadores, diretor? — Elise indagou, curiosa. — Não é preciso procurar muito. Estudantes universitários que se oferecem para participar de pesquisas médicas por dinheiro, prostitutas, sem-teto... e viciados em drogas, em último caso. — Bela operação vocês têm aqui — Tegan ironizou. — Não prejudicamos ninguém. Os procedimentos são monitorados e nenhum dos nossos Hospedeiros recrutados preserva a memória da experiência. Simplesmente os devolvemos à vida normal com algum dinheiro no bolso, uma quantia que eles não teriam de outra maneira. O tempo passado aqui é a melhor coisa que pode acontecer aos infelizes que escolhemos como doadores. Tegan pensou em responder ao comentário do arrogante diretor da clínica, mas, havia menos de vinte e quatro horas, ele mesmo saíra em busca de sangue pelas ruas de Berlim. Não tinha o direito de criticar ninguém por isso. No fundo, todos os membros da Raça eram predadores egoístas e cruéis. A diferença era que alguns tentavam esconder a realidade por trás de paredes brancas e estéreis e uma coleção de aparelhos para tratamento médico. — Pronto — o diretor anunciou. — Agora ele está alimentado. Assim que o paciente estiver sozinho e repousando, vocês poderão entrar. Eles esperaram que o tubo de transfusão de Odolf fosse removido. O vampiro lutou contra a remoção, sua insaciável necessidade de sangue deixando-o furioso e levando-o a grunhir para as atendentes que cortavam o fornecimento de sangue. Ele se debateu, mas o esforço era inútil. Logo, porém, os sedativos começaram a fazer efeito, e ele se aquietou. Os dermaglifos do Corrupto ainda exibiam cores fortes: vermelho e preto, as cores da fome. Suas presas brilhavam, as pupilas eram fendas verticais, e o gosto do sangue o inflamara a ponto de trazer de volta-a loucura, como acontecia com todos eles. Ele próprio deveria saber, pensou Tegan. Vivia uma sede semelhante, e estava sempre furioso com ele mesmo. Não havia progredido tanto quanto aquele Corrupto, felizmente, mas chegara bem perto disso. Ver aquele indivíduo corrompido e enlouquecido era uma forte lembrança dos meses sombrios em que lutara para superar a própria fraqueza. Enquanto Petrov Odolf se debatia, sua Escolhida se levantou e chegava perto dele com passos lentos. Manteve as mãos atrás das costas, embora fosse evidente o desejo de tocá-lo. Disse alguma coisa em voz baixa, depois se virou e saiu da sala, limpando as lágrimas que ainda lavavam seu rosto. Kuhn abriu a porta, e ela se assustou ao perceber que tinha uma platéia. Seu rosto se tingiu de vermelho, e ela baixou os olhos, envergonhada. — Desculpem-me —- falou, tentando se afastar, apressada. — Você está bem? — Elise perguntou. A mulher assentiu, mas um soluço brotou de seu peito. — Podem me dar licença, por favor? 74
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— Por aqui — convidou o diretor da clínica, levando-a pelo corredor enquanto dizia: — Não posso permitir mais do que dez minutos com Odolf, sra. Chase. E devo reiterar que seria melhor se o guerreiro... — Na verdade, prefiro que Tegan conduza a entrevista sem mim. — O quê? Mas não foi isso que combinamos, senhora! — Mas é o que vai acontecer. Não vou deixar essa pobre mulher ir embora nesse estado. Tegan pode conversar com Petrov Odolf. Pode confiar nele, diretor. E se quiser ficar... O diretor hesitou, então voltou para a sala onde o paciente estava retido.
Capítulo IV
Elise encontrou a Escolhida ainda no corredor, sentada em um banco, com o rosto escondido entre as mãos. Ela chorava, e os soluços contidos sacudiam seu corpo. — Sinto muito — Elise murmurou, oferecendo lenços de papel que levava na bolsa. — Obrigada. Sempre penso que serei forte por ele, mas é difícil. — Posso imaginar. A propósito, meu nome é Elise. — O meu é Irina. — Sim, eu sei. O diretor da clínica nos contou. — É americana? — Sim, de Boston. — Tão longe... O diretor Kuhn me informou sobre algumas pessoas que desejavam conversar com Petrov, mas ele não soube me explicar por quê. O que querem com meu parceiro? — Só precisamos fazer algumas perguntas, Irina. Mais nada. — O homem que está com você... Ele não é da nação Darkhaven. — Não. Tegan é da Ordem. É um guerreiro. — Guerreiro? — Irina ficou pálida. — Mas Petrov não feriu ninguém. Ele é um bom homem. Não fez nada de errado... — Está tudo bem? Tegan não veio para fazer mal a Petrov, garanto. Ele só quer conversar. — Sobre o quê? — Precisamos de algumas informações sobre a linhagem de seu parceiro. Queremos ver se ele reconhece um dermaglifo. — Ele quase não me reconhece mais. Duvido de que possa ajudar em alguma 75
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coisa. — Precisamos tentar. É muito importante. — Você promete que nada de mal acontecerá a ele? — Tem minha palavra, Irina. A Escolhida olhou para Elise por um momento, tentando se certificar de que ela dizia a verdade. — Eu acredito em você — declarou, finalmente. Elise afagou a mão dela. — Há quanto tempo você e Petrov estão unidos pelo sangue? — Serão cinquenta e sete anos no próximo verão. — Havia orgulho e amor em seu tom de voz, mas tristeza também. — Ele está neste lugar há três semanas. — Sinto muito. — Imaginei que ele seria mais forte que o pai e os irmãos. Esperava que meu amor fosse suficiente para protegê-lo dessa loucura, mas ele foi atormentado por demônios que não consigo entender. Há três anos, era um homem diferente. — Como assim? — Ele mudou depois de o irmão mais velho se tornar Corrupto e morrer. Acho que Petrov sabia que um dia também sucumbiria. Era como se ele carregasse um fardo terrível. Ele se afastou de tudo,, então, inclusive de mim. Tornou-se misterioso, passava horas escrevendo em seu estúdio, apenas para queimar todos os papéis mais tarde. Consegui salvar uma das páginas, mas só havia bobagens nela, uma coleção de rabiscos malucos que ele não conseguia ou não queria me explicar. Petrov começou a comer muito tarde da noite, enquanto eu dormia. Com o tempo, enlouqueceu completamente. Numa noite ele me atacou dominado pela Luxúria do Sangue, e então percebi que era hora de nos separarmos. — Imagino que tenha sido difícil para você. — Sim. A Luxúria do Sangue é algo muito sedutor. Sei que Petrov nunca mais voltará para casa. Eles raramente saem deste lugar. Ainda assim, procuro ter esperança. — Ela suspirou, cansada. — Bem, preciso mudar de roupa e ir para casa. Obrigada por ter conversado comigo e... pelos lenços. — Não precisa agradecer. Elise abraçou Irina e voltou à sala onde estava Petrov Odolf. Tegan saía de lá e não parecia muito satisfeito. O diretor Kuhn vinha logo atrás dele, resmungando alguma coisa sobre garantir o conforto do paciente e doses perfeitamente seguras. — O que está acontecendo? — Odolf está tão medicado que seu estado é quase catatônico. Não vamos tirar nada dele nessas condições. — Sedativos adicionais são sempre necessários para o processo de alimentação, para a segurança do paciente e de seu Hospedeiro — Kuhn declarou, sério. — E a outra meia dúzia de drogas que injetou nele? — É um procedimento normal para nos certificarmos de que o paciente está sempre confortável. — Não conseguiu conversar com ele? — perguntou Elise, frustrada. — Um minuto depois da minha entrada na sala, Petrov já estava quase 76
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inconsciente. — Nesse caso, teremos de voltar amanhã — Ela se virou para o diretor. — Tenho certeza de que o diretor Kuhn pode mantê-lo mais lúcido quando voltarmos, não é mesmo? — Reduzir a medicação de um paciente é um risco enorme. Não nos responsabilizaremos por nenhum dano que possa ocorrer a nenhum de vocês em decorrência dessa solicitação. — Assumimos todos os riscos. Voltaremos amanhã, neste mesmo horário. Por favor, mantenha Petrov Odolf acordado e lúcido, então. Kuhn se mostrou visivelmente tenso. — Como quiser, senhora. Tegan a seguiu para fora do centro de reabilitação sem dizer nada e continuou em silêncio enquanto eles caminhavam para o carro. O que havia acontecido entre eles, no abrigo de barcos, ainda estava presente, percebeu Elise. Podia sentir as vibrações em seu corpo. Sabia que parte disso era consequência do elo de sangue, mas outra parte, a que afetava sua essência, era a que mais o incomodava. Especialmente porque, depois da noite anterior, sentia que estava sozinha nesse desejo. — Onde está Andreas? — perguntou ao encontrar o veículo vazio. O motorista se curvou com cortesia e respeito. — Ele pede desculpas, senhora, mas foi chamado para resolver uma questão pessoal na cidade. Pediu que eu entrasse em contato com ele assim que concluísse sua missão aqui. Vamos buscá-lo agora mesmo. — Ah, sim. Obrigada, Klaus. Tegan sentou-se ao lado dela na espaçosa parte traseira do Rolls Royce, apoiando um braço sobre o encosto do banco. Elise se manteve calada, tentando suportar o olhar fixo que parecia queimá-la. Os poucos minutos necessários para chegarem ao centro de Berlim pareceram horas. Pior: quanto mais se aproximavam da área urbana e povoada por humanos, mais forte ficava a dor de cabeça que a afligia. O ruído de centenas de pensamentos sombrios invadiu seus sentidos como uma onda. Queria ir para a cama e esquecer as últimas noites. — Você lidou muito bem com Kuhn na clínica e com a situação como um todo. Fiquei impressionado. — A voz profunda de Tegan penetrou a cacofonia de obscenidades e crueldade, tirando-a do pânico. Felizmente ele voltara a falar com ela. O elogio a encheu de orgulho. Ainda mais por saber que isso era raro, vindo de Tegan. — Lamento não termos tido mais sorte com Odolf. — Amanhã vamos conseguir tudo o que queremos dele. — Espero que sim. — Ela massageou as têmporas. — Não se sente bem? — Ficarei melhor assim que sairmos da cidade. — Precisa de mais sangue — ele decidiu a contragosto. — Depois de tanto tempo sem se alimentar, uma vez só não vai garantir seu sustento. 77
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— Já disse que estou bem. E não quero mais nada de você, Tegan. — Eu não estava me oferecendo. — Como não estava na primeira vez. Sei que o pressionei naquela noite, na sede. Espero que possa me desculpar. — Esqueça. Eu vou sobreviver. Bem, ele certamente queria encerrar o assunto, notou Elise. Na verdade, parecia preocupado e tenso, ainda mais que o habitual. Havia notado o quanto ele ficara abalado com as práticas adotadas na clínica. Também vira como ele tinha olhado para Petrov Odolf. Normalmente distante e frio, Tegan sentira alguma solidariedade pelo Corrupto cativo naquela cela. Um grupo de pessoas passou bem perto do carro, e seus pensamentos sombrios provocaram nela uma forte onda de náusea. Tegan se aproximou mais. — Venha aqui. Vou colocá-la em transe. — Não. Preciso lidar com isso sozinha. É problema meu, como você mesmo disse. O veículo voltou a se mover, e Elise experimentou certo alívio. — Encontre um pensamento em que possa se focar — Tegan instruiu, segurando sua mão. — Uma voz com a qual possa lidar. Separe-a das outras. Deixe todo o restante desaparecer ao fundo. A voz dele era hipnótica, e Elise se esforçou para seguir as instruções. — Escolha uma — ele repetiu. — Traga-a para mais perto, e permita que as outras se afastem. Elas não podem vencê-la. Você é mais forte que seu dom, Elise. Seu poder está em você, em sua vontade. Ela sentiu tudo o que ele dizia. Sabia que era verdade. Acreditava em sua força, em sua capacidade de fazer o que ele sugeria. — Sinta sua força, Elise. Não há pânico aqui, apenas calma. Seu dom não a domina... você está no controle. Tegan estava mostrando apenas uma pequena fração do controle de que ela era capaz. Ele abria uma porta para seu subconsciente, guiando-a para dentro dele, mostrando a força de seu potencial. Era uma revelação. Suas têmporas ainda latejavam pela dor física, mas era um pulsar fraco, suportável, agora que ela encontrava um foco e assumia o comando sobre sua capacidade. Queria continuar trabalhando nisso, em si mesma, mas o exercício também era exaustivo. A voz que ela mantinha em foco começou a desaparecer. O carro parou e passos se aproximaram: dois pares, logo acrescidos do eficiente caminhar do motorista que contornava o automóvel para abrir a porta. Tegan removeu o toque de sua mão e Elise piscou. Reichen estava do lado de fora, dando um beijo rápido nos lábios de uma bela morena. Esta se encontrava vestida por um casaco de pele cor de prata, e pelo que se podia deduzir, havia pouco embaixo dele. No gracioso pescoço, um sinal avermelhado se fazia ver, indicando o local onde Reichen se alimentara pouco antes. — Foi um prazer, como sempre, minha querida Helene. A mulher sorriu e retornou ao edifício diante do qual um veículo esperava. O alemão se concentrou neles. 78
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— Não que eu não aprecie a companhia de vocês, mas imaginei que iam demorar mais na entrevista. — Você também, pelo que acabei de ver. — Tegan riu. Reichen riu também, desinibido. Cheirava a perfume caro,sexo e sangue. Andreas Reichen era um homem misterioso e sofisticado, muito atraente, mas pouco sensual comparado a Tegan, refletiu Elise, lembrando-se do efeito do toque de suas mãos, especialmente enquanto a limusine percorrera as ruas movimentadas do centro de Berlim, onde seu dom se tornava uma maldição. Ela tentou usar a breve lição que recebera minutos antes, focando uma única voz para tentar silenciar as outras. Mais que tudo, no entanto, quis segurar a mão de Tegan e absorver seu calor. Mas ele permanecia distante. Afastado dela, moveu-se, a fim de deixar um vazio entre os dois. Pouco depois, quando chegaram à propriedade dos Darkhaven na margem do lago, saltou do carro momentos antes de Klaus estacionar. — Preciso entrar em contato com a sede — explicou, de olhos baixos, batendo em retirada antes que Elise e Reichen pudessem desembarcar.
Tegan fechou o celular após se reportar à Ordem e se reclinou no divã de veludo, em seus aposentos privados, no reduto Darkhaven. Estava irritado com o fracasso da missão daquela noite, e mais ainda com a realidade que encontrara na clínica. Ver Odolf e os outros Corruptos havia servido de lembrete quanto ao risco que correra depois da morte de Sorcha. Conseguira vencer a Luxúria do Sangue no passado, mas a luta fora brutal. A fome estava sempre com ele, mesmo quando se empenhava em negá-la. E estar perto de Elise só a tornava ainda maior. Queria ajudá-la. Não suportava vê-la Sofrer. Apesar de séculos de apatia treinada, começava a se importar com outra criatura. Começava a ter sentimentos por ela. Gostava de Elise e a desejava. E sabia que era apenas uma questão de tempo até ir atrás dela como o predador que era. Tegan se levantou e foi ao banheiro para ligar o chuveiro. Precisava de um banho, não só para apagar o fogo que ela acendia em seu corpo, mas para tentar lavar á lembrança do que havia visto naquela clínica de reabilitação. Era um sofrimento de que não gostava de se lembrar. Despiu a camisa e deixou as armas sobre uma cadeira perto da porta. Estava abrindo o zíper da calça, quando batidas na porta soaram na suíte, e ele foi abrir, certo de encontrar Reichen. Mas era Elise. A única pessoa que não podia ver naquele momento. Vê-la era como borrifar gasolina no fogo. — O que está fazendo aqui? — Podemos conversar? — Não ia jantar com Reichen? — Já jantamos. Eu esperei você voltar à sala, mas como demorou, decidi subir. Tegan fechou o chuveiro com o poder do pensamento, depois se virou para pegar a camisa e as armas. — Eu estava de saída. 79
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— O que pode ser tão urgente e repentino? — Apenas uma bobagem chamada dever. Não estou acostumado a passar a noite no ócio, quando posso sair e matar algum Corrupto. Eu deveria estar na cidade, nas ruas, onde posso ser útil, não aqui, desperdiçando meu tempo. Em vez de se retirar, Elise entrou no quarto. — Hoje não vai a lugar nenhum — anunciou, decidida, fechando a porta ao entrar. — Precisamos conversar. Quero saber qual é nossa situação, Tegan. — Acha que é uma boa ideia se trancar aqui comigo? Em pouco tempo, Reichen e o restante dos moradores vão deduzir onde você está e pensar o pior. Ele pode ser discreto quando é necessário, mas os outros que moram aqui... — Não quero saber o que os outros pensam. Só preciso saber o que você pensa. — O que eu penso é que você ficou maluca. Ela abaixou a cabeça. — Estou confusa, reconheço. Não sei o que pensar a seu respeito, Tegan. Não sei como jogar esse jogo que você começou entre nós. — Não gosto de jogos. Não tenho interesse nem tempo para eles. — Bobagem. Ele parou, surpreso com a reação. Precisava tirar Elise dali, afastá-la antes que ela conseguisse adivinhar o que ele sentia. Mas o brilho furioso em seus olhos o fez parar. Elise cruzou os braços e se aproximou dele, deixando claro que não se intimidaria. — Que nome dá a essa sua atitude? Uma hora é atencioso comigo, cheio de ternura; na outra me trata com frieza, quase com desprezo. Às vezes olha para mim como se pudesse sentir alguma coisa, depois pisca, e é como se o sentimento nunca houvesse existido. Se não é um jogo, o que é? Ele se virou e foi buscar a valise onde guardava mais armas, ignorando a tentativa de sondagem. Sem prestar atenção ao que fazia, começou a reunir munição e armas variadas, lâminas de titânio e balas do mesmo material, qualquer coisa que pudesse ocupar suas mãos e desviar o foco da mulher que insistia em se manter próxima demais. Suas mãos tremiam. Seus olhos mudavam de cor e as pupilas tinham a forma alterada. A boca salivava pela fome que ele já mal conseguia conter antes de Elise chegar. Agora que ela estava ali, não sabia por quanto tempo poderia se controlar. — Você diz que não é um jogo, mas é um mestre nesse tipo de brincadeira. Está jogando há tanto tempo que não consegue mais distinguir o que é real do que não é. Tegan se virou como um raio, empurrando-a contra a parede e ameaçando-a com sua presença. Usando o próprio corpo, ele a impediu de se mover. — E o que pensa disto? O desejo o enfurecia, transformando-o no selvagem que era por natureza. Com um grunhido, ele inclinou a cabeça e a beijou com violência. Elise gritou, assustada, as mãos se apoiando em seus ombros numa inútil tentativa de defesa, mas ele só aprofundou o beijo, tornando-o ainda mais íntimo. 80
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Elise era doce. Era quente e exuberante: uma tentação irresistível. Tegan suspirou. Não queria sentir aquela excitação. Queria rejeitar aquela envolvente necessidade. Mas estava queimando, ardendo, e não havia como negar o que sentia. — Ontem à noite, no abrigo para barcos, eu senti seu medo — ele disse com voz rouca, quase feroz, pressionando o corpo contra o dela e fazendo-a sentir seu membro rijo. — Deixei você escapar em vez de tomar o que eu queria. Dessa vez não terei clemência, Elise. Portanto, tenha medo de mim, se quiser, mas não espere que eu me importe... — Eu voltei ao abrigo ontem à noite, Tegan. Não estava com medo de você. Mesmo depois de ter me mandado embora, percebi que eu não queria deixá-lo. Queria estar com você. Ela o encarava sem nenhuma incerteza, e Tegan sentiu essa confiança por meio do contato físico. Era entrega. Desejo. — Queria estar nua com você, Tegan... Queria sentir seu corpo dentro do meu, por isso voltei. Mas você já havia desaparecido. Tegan sabia que deveria dizer alguma coisa, mas não teve voz para isso. A necessidade de empurrá-la para longe, de protegê-la, foi quase maior do que as outras emoções... Mas não conseguiu soltá-la. — Quero estar com você, Tegan, Por isso, se ainda me quiser, mesmo que só um pouco... Ele a beijou. Elise o abraçou e correspondeu ao beijo, entreabrindo os lábios para que ele pudesse invadir sua boca. Ele a guiou em direção à cama, sem interromper o beijo ardente. As mãos exploravam, tremiam, buscavam... As roupas foram logo removidas pela força da urgência que os dominava. Tegan tocou a renda branca do sutiã que ela vestia sob a camisa de seda branca, sentindo-se enlouquecer. Deitando-a na cama, ele a livrou da camisa e depois das calças, e se surpreendeu com a delicada peça de cetim branco que escondia seu sexo. Desenhou o contorno do pequeno triângulo com um dedo, afagando lentamente a região aveludada e quente, e seu polegar encontrou o caminho para um contato ainda mais macio e úmido. Elise mal respirava enquanto ele afagava suas partes íntimas, tomada de prazer. Ele afastou suas pernas e olhou para a marca de nascença no alto da coxa. Sonhava em poder sentir seu sabor desde a primeira vez em que a vira. Beijou o sinal, mordendo delicadamente o desenho antes de fitá-la. Ela era linda. Queria saboreá-la sem pressa, mas sua necessidade foi mais forte. A sua e a dela, também. E saber que Elise o queria tanto quanto ele só aumentou seu ardor. Despiu-se, impaciente, removeu a calcinha de Elise e se acomodou sobre o corpo delicado. Seu membro ereto se interpôs entre eles, roçando seu ventre. Os glifos do Gene Um pulsaram, coloridos e vivos, inundados por variações de índigo, dourado e vinho. — Está bom o bastante para você? — Sua voz era agora um rugido, e seu discurso foi prejudicado pela presença das presas.
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— Para mim, nada pode ser mais verdadeiro. Se ela tivesse dado a menor indicação de insegurança quanto ao que estavam por fazer, Tegan poderia ter recuando. Teria se obrigado a parar, apesar da necessidade que ameaçava enlouquecê-lo. A despeito de todas as ameaças, sabia que teria agido com misericórdia. Mas Elise não temia a fera posicionada sobre ela, pronta para dominá-la. Ela o afagava e o convidava à conclusão do ato. Tegan a beijou, usando a mão para guiar o membro para a região entre as pernas já entreabertas para recebê-lo. A penetração aconteceu de uma só vez. Elise gemeu ao se ver invadida. O membro de Tegan era quente e firme, e a preenchia por completo. Tudo o que ele pensava saber sobre amar uma mulher, tudo o que pensava se lembrar do ato sexual, foi obliterado pela sensação do corpo de Elise em torno dele. Aquilo era diferente de tudo o que conhecia, mais poderoso do que jamais imaginara. Estavam conectados, corpo e mente, e podia sentir o prazer dela inundando seu ser em cada pequeno ponto de contato. Elise era vibrante e forte e, após séculos de exílio daquele tipo de experiência sensorial, Tegan entregou-se completamente. Não conseguiu mais dominar os movimentos do quadril, nem a rápida escalada que a urgência de perder-se dentro dela exigia. Seu membro intumesceu com a aproximação de um clímax poderoso, e ele soube que em alguns segundos explodiria. — Elise... Não podia mais se conter. Com um movimento definitivo, explodiu como uma tempestade irrompendo numa tarde de verão. A força do êxtase o fez gritar, espantado e maravilhado com os espasmos que sacudiram seu corpo num prazer inigualável. E não foi o bastante. Ainda estava ereto, faminto por ela. Ainda se movia no interior do corpo quente e tenro de Elise. Fitando-a nos olhos, tentou ver ao menos um reflexo do prazer que estava sentindo. Precisava saber que também dava a ela a satisfação que encontrava. — Fui egoísta — ele murmurou, inclinando-se para beijá-la num pedido de desculpas, não ousando se aproximar do pescoço delicado. Não quando suas presas pulsavam, anunciando outro tipo de necessidade igualmente urgente. — Se quiser, podemos ir mais devagar agora. — Não se atreva — ela respondeu, arfante, envolvendo sua cintura com as pernas. Tegan riu, tentando se lembrar de quando havia sido a última vez que rira com humor. Quando sentira pela última vez algo parecido com o que Elise despertava nele? — Já faz muito tempo para mim — ela sussurrou. — E você é maravilhoso... As palavras se perderam num gemido quando Tegan a penetrou com um pouco mais de força. Ele se ergueu e repetiu o movimento, sentindo as paredes do canal morno envolvendo e massageando seu membro. Outro orgasmo já se formava dentro dele. O clímax de Elise também se aproximava. Ela o devorava com os movimentos do quadril, agarrando-se a seus ombros como se precisasse de apoio e sustentação. Tegan sentiu o prazer que ela sentia, experimentou o ardor que ela experimentava, e esse eco da paixão o levou à loucura. Ele a beijou com loucura, usando os lábios, a língua e as presas, e Elise correspondeu sem reservas. 82
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Quando sentiu a mordida em seu lábio inferior, Tegan recuou, grunhindo ao sentir a língua lamber o pequeno ferimento. Ela sugou com um pouco mais de força, e ele se perdeu completamente, dominado pelo desejo de tê-la em suas veias. Sem pensar muito, mordeu o próprio pulso. O sangue surgiu em gotas abundantes que caíram sobre os seios pálidos e firmes, uma oferta generosa que Elise aceitou sem hesitar. Com os olhos fixos nos dele, ela sorveu a seiva da vida. Bebeu com avidez, a língua criando uma sensação erótica e única. E o tempo todo Tegan se moveu dentro dela, seguindo-a na escalada rumo ao clímax. Elise foi sacudida por um violento espasmo, gritando enquanto Tegan mantinha o ritmo até também explodir num orgasmo poderoso. Após inundá-la com seu sêmen, ele se deitou a seu lado, cansado, mas ainda não saciado. Na verdade, não estava nem perto disso. O cheiro de sangue e sexo invadia o quarto; uma fragrância potente que apenas o fazia se lembrar do lado selvagem de sua natureza. A parte que um dia o dominara... e quase o destruíra. A seu lado, na cama, Elise se aninhou junto a seu corpo, os seios nus pressionando seu ombro. Afagou-lhe o rosto, afastando da testa os cabelos úmidos. — Você não terminou. — Não estava prestando atenção? — Ele riu, ofegante. — Não, Tegan. Estou dizendo que você... não terminou. — Ela passou o braço por cima dele, aproximando-o de seu pescoço,e Tegan se levantou como se impulsionado por molas. Em pé ao lado da cama, ele lambeu os ferimentos no pulso, selando-os com eficiência. . — Não vai beber de mim? — Não — ele respondeu firme. — Não posso. / — Pensei que... — Pensou errado. Negar a fome só tornava sua voz ainda mais ríspida. Tegan olhou em volta, notando as roupas e as armas espalhadas pelo quarto, tentando calcular com que velocidade poderia se vestir e deixar o quarto. Precisava sair dali, antes de ceder à tentação proposta por Elise. — Droga! — resmungou. — Isso está indo longe demais. Preciso sair daqui. — Não se incomode — ela respondeu, já se levantando também. — O quarto é seu. Eu saio. — Rapidamente, vestiu-se sem encará-lo. — Foi mesmo um erro — disse, já a caminho da porta. — Mais um dos muitos que cometi desde que o conheci. Você venceu, Tegan. Estou desistindo.
Elise se trancou no quarto e se apoiou na porta fechada. Era mesmo uma completa idiota. Como se não bastasse a entrega total, de corpo e alma, ainda tinha de oferecer 83
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seu sangue a Tegan... E ele o rejeitara. Aquilo doía, constatou, perturbada. Fora uma tolice acreditar que existia entre eles mais do que uma forte atração física. Quando Tegan a possuíra, quando oferecera seu sangue de novo, ela chegara a pensar que significava mais para ele do que simples alívio para uma urgência passageira. Após cinco anos de solidão, depois de ter acreditado que nunca mais sentiria nada por outro homem, por fim deixara o coração se abrir... Para um guerreiro. Era irônica a ideia de se envolver com um misterioso e sombrio membro da Ordem, especialmente após ter passado a vida aprendendo que eles eram todos selvagens que não mereciam confiança. E se envolvera justamente com Tegan, o mais frio de todos... Deveria sentir-se grata por ele ter-lhe rejeitado naquela noite, pois assim os poupara de um grave e irreversível erro. Tegan era um sofrimento de que não precisava. Mas, ainda assim, ela o desejava. Sabia que se sentiria sempre atraída por ele porque o sangue que corria em suas veias representava um elo invisível e indestrutível. Mas, por mais que quisesse atribuir seus sentimentos por Tegan ao infortúnio de ter se alimentado de seu sangue duas vezes, tinha de reconhecer que o problema era muito pior: estava apaixonada por ele.
Tegan passou muito tempo no chuveiro, mas seu corpo ainda ardia, inflamado pelas lembranças. A pele continuava estirada, os dermaglifos pulsavam, vibrantes, inundados por cores vivas, e ele se apoiava com os punhos cerrados contra os azulejos, sentindo o jato gelado e tentando resistir ao impulso de ir atrás dela e terminar o que haviam começado. Era o que mais queria. Suas duas maiores urgências estavam centradas em uma única mulher. A necessidade de completar sua ligação com Elise só crescia, tornando-se uma febre constante. Em quanto tempo acabaria perdendo o controle e selando definitivamente aquele elo? Como poderia ter certeza de que a luxúria não voltaria para dominá-lo? Era humilhante. Era vergonhoso ter de admitir que quase aceitara a oferta incondicional de Elise. Esmurrou a parede e o belo azulejo rachou sob a força do golpe, caindo em pedaços em torno de seus pés descalços. A dor explodiu em sua mão e no braço, mas ele a absorveu, vendo as gotas de sangue cair no chão e escorrer com a água. Não. Era mais forte que aquela necessidade animal que sentia por Elise. Podia resistir. Precisava resistir. Mesmo que para isso tivesse de ficar longe dela pelo restante da estadia em Berlim. Tegan desligou o chuveiro com o pensamento. Ao entrar no quarto com a toalha preta enrolada na cintura, viu a luz indicativa de mensagem piscando em seu celular. Enquanto chamava o serviço de caixa postal, esperou com fervor receber um chamado urgente de Boston e uma ordem para retornar imediatamente. Mas não era isso. Gideon só queria informar que havia sido avisado de que alguém estivera fazendo perguntas sobre os voos da Ordem no aeroporto Logan. Era evidente que Marek estava envolvido naquilo, e tudo indicava que logo ele estaria em Berlim, ou, 84
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na melhor das hipóteses, acionaria contatos locais para descobrir quanto a Ordem sabia e o que pretendia fazer com esse conhecimento. Agora, mais do que nunca, Tegan tinha certeza de que Petrov Odolf e o diário eram peças-chave para os planos de Marek. Apressado, ele se vestiu para ir à cidade. Carregando armas em várias partes do corpo, desceu a escada que levava à saída principal da mansão. Estava atravessando o vestíbulo quando Reichen saiu do escritório, acompanhado por um jovem casal Darkhaven. O rosto do rapaz estava corado sob os cabelos vermelhos, e sua companheira, também ruiva, sorria, mantendo a mão sobre o ventre proeminente. — Parabéns aos dois — Reichen disse em alemão. — Estou ansioso pela chegada desse bebê que vocês vão ter. — Obrigada por aceitar nosso convite para ser o padrinho — disse a moça. — Deve saber quanto nos honra com isso. Ela beijou o rosto de Reichen e os dois saíram de mãos dadas. — Ah, o amor — Reichen comentou, rindo, enquanto olhava para Tegan. — Espero que ele nunca nos aprisione em suas garras, meu amigo! Tegan não podia estar mais de acordo. — Teve problemas lá em cima? —- Reichen perguntou, curioso, notando o sangue em sua mão direita. — Foi um acidente. Faço questão de reembolsá-lo pelo prejuízo. — Nem pense nisso. Eu ficaria ofendido. Na verdade, sou eu quem ainda tem uma dívida com você. — Esqueça — Tegan respondeu, desconfortável com a gratidão e ansioso por deixar a casa dominada pelo ódio de Elise por ele. — Preciso dar uma olhada em algumas coisas na cidade. Soubemos de certa atividade em Boston, e essa informação nos leva a antever problemas por aqui. — Ouvi falar em um aumento na atividade dos Corruptos em nossa cidade. É verdade que havia dúzias deles no local destruído pela Ordem, no verão passado? — Não paramos para contar, mas eram muitos no covil. — Vampiros da Raça que se tornam corruptos não são exatamente criaturas sociais. Ter tantos em um só lugar é mesmo preocupante, para dizer o mínimo. Acha que estão tentando se organizar? — É possível — ele respondeu, sabendo que era esse o plano de Marek. — Tegan, se precisar de alguma coisa, não hesite em pedir. Não espero que me dê explicações, e garanto que a Ordem pode contar com minha total cooperação e minha confiança. Disponha dos meus recursos. Homens, dinheiro, armas, subterfúgio, ou inteligência... tudo está a seu inteiro dispor. — Deve saber que se aliar à Ordem não vai aumentar sua popularidade entre os membros dos Darkhaven. — Talvez não, mas quem suporta aqueles cretinos arrogantes? — Reichen bateu no ombro de Tegan. — Vamos juntos à cidade. Quero que conheça alguém. Se precisar de alguma informação sobre situações escusas, sobre os movimentos no submundo, Helene é sua fonte. 85
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— A mulher com quem estava esta noite? — Sim, ela é uma amiga querida... com alguns outros benefícios. É humana, caso não tenha percebido. Tegan havia sentido o cheiro de sangue humano ao vê-la, horas antes. No entanto, Reichen não parecia ter lavado a memória da mulher após se alimentar dela. — Ela sabe sobre você e a Raça? — Sim, ela é inteiramente confiável. Eu a conheço há muitos anos, e também somos sócios na boate.
Pouco tempo depois, Tegan se sentava no banco de veludo vermelho de um bordel de luxo chamado Aphrodite. O lugar era caro, um playground adulto, cheio de belas mulheres, móveis suntuosos e variados prazeres disponibilizados por preços negociados de antemão. Orgias aconteciam ali mesmo, diante de olhares curiosos e interessados. A clientela da boate era toda humana, com exceção de Reichen. Ele estava sentado diante de Tegan, os dedos deslizando, preguiçosos, pelo braço da proprietária do Aphrodite, a estonteante Helene. Várias garotas já se haviam aproximado e sorrido para Tegan, oferecendo bebida, comida, companhia e algumas outras tentações incluídas no cardápio. — Se tem alguma preferência, saiba que nosso quadro de funcionárias pode atender às suas expectativas — Helene anunciou. Tegan baixou os olhos. Sua preferência se resumia a uma única mulher, e ela estava na mansão de Reichen, provavelmente amaldiçoando o dia em que o conhecera. — Agradeço pela oferta, mas não vim aqui para me divertir. — Esperamos que você possa nos ajudar com informações sobre qualquer atividade incomum na cidade — explicou Reichen. — Trata-se de uma questão sigilosa, é claro. — Naturalmente — ela respondeu. — Estamos falando sobre atividade humana ou de outra natureza? — As duas — Tegan esclareceu. Como Reichen não guardava segredos, ele também não via razões para ser evasivo. — Temos notado um aumento na atividade da população de Corruptos nos Estados Unidos. Acreditamos que seja possível identificar a origem desse problema, mas estamos prevendo que ele pode se espalhar em outras direções, vindo até mesmo para Berlim. Se souber de alguma coisa incomum, avise, por favor. — Pode contar comigo. Helene estendeu a mão para Tegan, e ele aproveitou para ler suas emoções. Não havia nenhuma desonestidade nela. Uma moça se aproximou da mesa com ar preocupado. — Meu cliente bebeu demais. Está se tornando inconveniente e ruidoso. — Podem me dar licença? — Helene pediu com um sorriso calmo. — O dever me chama. Ela se levantou e fez um gesto para alguns dos seguranças espalhados pelo local. 86
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— Ela é demais, não acha? — Reichen perguntou, sorrindo. — Ela tem seus encantos, suponho. — Estou curioso, meu amigo. O celibato é imposição da Ordem? — Do que está falando? — Bem, você acaba de rejeitar meia dúzia de lindas mulheres. Nenhum homem tem esse tipo de controle. A menos que os rumores circulando pela recepção, naquela primeira noite, sejam verdadeiros. Existe alguma coisa entre você e a bela Elise Chase? Algo além do trabalho que os trouxe a Berlim? — Não há nada entre nós. Ou não deveria haver, pelo menos. — Ah, desculpe minha indiscrição. — Não tem importância. — Tegan se levantou. Precisava sair, patrulhar, afastar-se do clima carnal da boate. E não podia voltar para a propriedade com Reichen porque isso implicaria em voltar para perto de Elise. — Não espere por mim — grunhiu, retirando-se sem olhar para trás.
Elise acordou após uma noite de sono agitado e superficial. Não podia mais continuar ali com Tegan e sair daquilo com o coração intacto. Precisava deixar Berlim, voltar para Boston. A valise com seus poucos pertences já se encontrava pronta ao lado da porta. Estava vestida e já havia chamado um táxi para levá-la ao aeroporto. Insistira em acompanhar Tegan naquela viagem por conta da promessa que fizera a Camden, e porque queria fazer sua parte para descobrir que segredos podiam conter o velho diário que Marek esperara com tanta ansiedade. Mas estava fracassando. Cada segundo que desperdiçava pensando em Tegan a afastava mais desses objetivos, Conseguira realizar seu propósito em Berlim: Petrov Odolf seria interrogado, e a instituição estaria esperando por Tegan novamente, com ou sem sua presença. Agora era melhor ir embora, voltar para o local onde os Corruptos e seu liderança representavam uma ameaça mortal e imediata. Batidas na porta interromperam seus pensamentos. Uma voz feminina soou do lado de fora, e Elise reconheceu o tom doce da parente de Reichen que vivia na mansão. — Olá? Não quero incomodá-la... — Tudo bem, estou acordada. Pode entrar. Esperava escutar que o táxi chegara para apanhá-la. A moça que entrou no quarto sorria e segurava um telefone sem fio. — Chamada para você. Vai atender? — Sim, é claro. — Ela levou o fone ao ouvido enquanto a outra mulher se retirava. — Alô? — Elise? — Sim, sou eu. — Irina... Nós nos conhecemos ontem na clínica. 87
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— Oh, olá. — Era a Escolhida de Odolf. — Aconteceu alguma coisa? — Não, nada. Espero que não se incomode por eu ter telefonado. O diretor Kuhn me informou onde eu poderia encontrá-la. — Certo. Em que posso ajudá-la? — Encontrei algo que talvez possa ser útil para vocês. — O que é? — Eu estava organizando as coisas de Petrov para levar ao sótão e encontrei uma caixa de sapatos contendo alguns objetos que pertenceram ao irmão dele. Ele já morreu, como deve saber. São coisas comuns, basicamente... Fotos, jóias, alguns objetos de escritório marcados com seu monograma. Mas, no fundo da caixa, encontrei velhas cartas manuscritas, envoltas em um tecido bordado. A caligrafia é do irmão dele, porém, pelo que vi, é apenas um punhado de palavras sem sentido. Não posso ter certeza, mas acho que são as mesmas coisas estranhas que Petrov começou a escrever quando se tornou Corrupto. — Oh, meu Deus! — Acha que essas cartas podem ser úteis para vocês? — Preciso vê-las para saber. — O entusiasmo a invadiu como uma onda, e Elise pegou papel e caneta. — Poderia me dar essas cartas? — Sim, é claro. Por isso telefonei. Elise olhou para a valise ao lado da porta, mordeu o lábio e decidiu adiar a volta aos Estados Unidos.
O táxi entrou na propriedade vigiada por um Seguidor. De onde estava, escondido entre as árvores frondosas que cercavam toda a área e munido de binóculos, o homem viu a loira delicada entrar apressadamente no automóvel, A vadia era a imagem perfeita do vídeo que recebera por e-mail de seu Mestre. Para ter certeza, tirou a foto do bolso da jaqueta e a examinou mais uma vez. Sim, era ela. O Seguidor sorriu, — Hora do show —- murmurou, deixando o binóculo pendurado no pescoço. Correu até o carro estacionado em uma estrada deserta no meio da floresta, ligou o motor e partiu atrás de sua presa.
Irina Odolf vivia em uma pequena casa numa rua residencial e arborizada, na periferia do lado ocidental de Berlim. Mesmo após ter perdido o parceiro para a Luxúria do Sangue, ela decidira viver longe dos Darkhaven. Elise teria feito o mesmo. — Eram muitas as lembranças — Irina explicou ao servir o café na sala de jantar ensolarada. Portas de vidro protegidas por persianas verticais permitiam a visão do pátio do condomínio coberto de neve. — Petrov e eu temos muitos amigos junto aos Darkhaven, mas viver lá sem ele era muito difícil. Quando ele voltar para casa... se ele voltai, talvez possamos retomar nossa vida lá. 88
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— Espero que isso aconteça em breve. — Eu também. -— Ela sorriu com tristeza. Elise bebeu um gole do café, sentindo um leve latejar nas têmporas. O incômodo persistia desde a viagem de táxi pelo centro da cidade, onde pensamentos humanos a tomaram de assalto. Mas havia usado a técnica que Tegan lhe ensinara, e o pior da dor física fora reduzido a um nível suportável. Estar tão perto da humanidade era um teste. A vizinhança de Irina era um conglomerado de casas e ruas por onde passavam muitos carros, o que só contribuía para aumentar o ruído em sua mente. E no meio de toda aquela confusão, ela recebia um estímulo mais sombrio; algo que estava fora do seu alcance. — Quer ver as cartas? A voz de Irina chamou sua atenção. — Sim, é claro. Ela seguiu a mulher para uma saleta aconchegante no final do corredor. Tudo ali estava arrumado e limpo, como se esperasse pela volta de seu proprietário. Irina convidou Elise a se aproximar da mesa, sobre a qual havia uma caixa de sapato e um tecido bordado. Em cima do tecido, uma pilha de cartas. — Aqui estão. — Posso vê-las? Irina assentiu, e ela pegou a primeira carta. A página estava coberta por rabiscos distorcidos e garranchos. As palavras eram quase ilegíveis, escritas no que parecia latim. As outras seguiam o mesmo padrão. — Acha que significam alguma coisa? — Não sei ao certo. Gostaria de mostrar essas cartas para outra pessoa. Tem certeza de que não se incomoda se eu ficar com elas? — Faça como achar melhor. Não vou usar isso para nada. — Obrigada. Elise olhou para o bordado sobre a mesa, uma peça muito antiga e de rara beleza. Tocou os pontos delicados que retratavam um jardim medieval. — É lindo. É quase uma pintura, mas feita com agulha e linha. — Realmente. E quem o fez tinha um estranho capricho. — Como assim? — Notei esse detalhe quando o tecido ainda envolvia as cartas. Olhe... — mostrou Irina. Ela dobrou o quadrado no sentido diagonal, virando uma das pontas de forma que o desenho da esquerda inferior e o da direita superior se tocassem. No ponto exato onde esses cantos se encontravam, o bordado revelava a forma oculta de uma lágrima caindo sobre a curva de uma lua crescente. Elise riu, encantada com a arte do trabalho. — A mulher que fez isso era uma Escolhida? — Parece que sim — Irina alisou novamente o bordado. — Deve ser da Idade Média. 89
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Elise não teve tempo para opinar porque, nesse momento, uma dor lancinante invadiu sua cabeça. Era uma ameaça... e estava muito perto dali. Dentro da casa. — Irina — sussurrou em pânico. — Tem alguém aqui! — O quê? Está dizendo que alguém... Ela ergueu a mão para silenciar a moça, tentando combater o assalto mental representado pelos pensamentos violentos do invasor. Era um Seguidor. E sua missão era matar. — Temos de sair daqui imediatamente. — Sair daqui? Mas eu não... — Precisa confiar em mim. Ele nos matará se nos encontrar. — Mas não há saída pelos fundos. Apenas a janela. — Que seja! Depressa! Abra a janela e saia. Eu estarei bem atrás de você. Elise fechou a porta da sala, depois empurrou uma pesada poltrona de couro para travá-la enquanto Irina abria a veneziana. O Seguidor percorria a casa sem fazer barulho, procurando sua presa, mas a selvageria de seus pensamentos o traíra. Ele fora enviado por seu mestre para matá-la, mas pretendia prolongar a situação. Queria fazê-la sangrar e gritar. Isso era o que ele mais apreciava em seu trabalho. E estava animado com a possibilidade de realizar suas perversões com duas mulheres. Elise mal continha a repulsa. Resoluta, invocou o poder de Tegan em seu sangue e sua própria determinação, trabalhando para focar as informações referentes ao seu perseguidor. — A janela está travada! — Irina lutou contra o pavor. Sua voz horrorizada atraiu o Seguidor como um ímã e passos pesados soaram no corredor. Elise agarrou um livro pesado na estante e correu para perto da moça, utilizando-o como alavanca para forçar a fechadura, que cedeu. Abriu a vidraça e empurrou a tela para fora, derrubando-a no chão do pátio. — Vá, Irina! Pule! O Seguidor se aproximava da sala. Seus pensamentos eram cruéis, ameaçadores. Um rugido anunciou o instante em que ele se atirou contra a porta. O monstro repetiu o gesto três vezes. As dobradiças rangiam com a força dos golpes, e o batente se desprendia da parede, castigado pelos baques consecutivos. — Elise! — Irina gritou. — Oh, meu Deus! O que está acontecendo? Ela não respondeu. Não havia tempo. Agarrou as cartas, mas, quando correu para a janela, tentando escapar, o Seguidor empurrou a porta o suficiente para entrar na sala. Ele arremessou longe a poltrona que o detinha e correu em sua direção, brandindo uma faca. A criatura grunhia, exibindo uma terrível cicatriz que se estendia desde a testa até a face direita. Os olhos brilhavam, maliciosos. — Não fujam, garotas. Vamos nos divertir. Dedos fortes agarraram o pescoço de Elise antes que ela pudesse se esquivar. Ele a jogou sobre a mesa e se debruçou sobre dela, esbofeteando seu rosto com tanta violência que, por um instante, ela perdeu a visão. Com um poderoso movimento, plantou a ponta da faca na madeira da mesa ao lado de sua cabeça. 90
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Sua risada era sádica, e os dedos em seu pescoço, cruéis. — Seja boazinha, e talvez eu a deixe com vida — mentiu. Elise se debateu e retorceu, mas foi impossível escapar. Com a mão livre, procurou por alguma coisa que pudesse usar como arma. A caixa de sapato tombou sobre a mesa, derrubando seu conteúdo. Abotoaduras, fotos... e um abridor de correspondência com cabo de madrepérola. Ela tentou não chamar atenção para sua descoberta, mas estava determinada a fazer bom uso dela. — Solte-a! — Irina gritou da janela. — Fique quieta, sua vadia, ou sua amiga aqui vai comer aço — o Seguidor grunhiu. No momento em que o monstro se distraiu, Elise agarrou o abridor de correspondência e o atingiu na lateral do pescoço. Sabia que o objeto não era grande coisa comparado à faca do agressor, mas era melhor do que nada. O ferimento profundo o fez recuar, os dedos tocando o sangue que já brotava da fenda. Elise só percebeu que ele pegara o punhal quando o monstro já atacava. Rolou para o lado em tempo de escapar. O Seguidor cambaleou, como se estivesse tonto, as mãos tentando estancar o sangue que escorria e manchava sua camisa. — Desgraçada! Ele a atacou novamente, jogando-a no chão com o peso do corpo. Elise se debateu, tentando escapar, porém ele era grande e agora estava furioso. Ela conseguiu rolar até estar com as costas no chão, o abridor de cartas ainda na mão, preso entre ela e as costelas do Seguidor; mas o punhal estava muito perto de seu rosto. — Não! — disse, enojada com o cheiro do sangue do corrompido. Com um golpe desesperado, ela o atingiu mais uma vez com o abridor. A lâmina penetrou a região das costelas, provocando outro ferimento profundo e arrancando dele um rugido de dor. Sufocando e tossindo, o monstro recuou, dando a Elise a chance de escapar. — Meu Deus! — Irina soluçou, apavorada. — O que está acontecendo? Quem é esse homem? O que ele quer de nós? — Irina, saia daqui! — Elise gritou, pegando as cartas e empurrando a outra mulher para a janela aberta. As duas saltaram pela abertura, aterrissando na grama gelada do outro lado. Elise ainda viu o Seguidor sentado no chão da sala, pálido pelo choque. Ele não sairia dali tão cedo, mas não podia relaxar. — Precisamos sair daqui, Irina. Você tem carro? — Aquele ali, estacionado na rua. A moça tinha o rosto tão pálido quanto a neve que cobria a paisagem. — Então vamos sair daqui. Depressa!
A comoção no hall do reduto Darkhaven acordou Tegan de um cochilo no quarto. 91
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Alguma coisa estava acontecendo. Ele ouviu o tom agudo e desesperado da voz de Elise, e correu para a sala, vestindo apenas as calças jeans, descalço e despenteado. Uma mulher chorava. Não era Elise, graças a Deus, mas ela também estava ali, e parecia muito nervosa. E estava coberta de sangue. O cheiro do sangue era metálico, desagradável... sangue humano. A constatação o encheu de alívio. Mas logo a raiva substituiu a emoção anterior. Reichen voltava da cozinha com um copo de água que ofereceu a Elise. — Obrigada, Andreas. — Ela entregou o copo à Escolhida que chorava convulsivamente. — Aqui, Irina. Beba. Vai lhe fazer bem. — O que aconteceu? O que estava fazendo longe dos Darkhaven? Elise o ignorou. — Andreas, tem um cômodo onde ela possa descansar um pouco? — Sim, é claro. Há uma sala bem sossegada no final do corredor do primeiro andar. — Obrigada. — Será que pode explicar por que está toda suja de sangue? — Tegan se irritou. Ela respondeu sem encará-lo. — Fui à casa de Irina. Um Seguidor devia estar me vigiando, invadiu a casa e nos atacou... mas eu dei conta da situação. — O que aconteceu? Você lutou com o desgraçado? Matou o infeliz? — Não sei. Não esperamos para ver. Irina, venha comigo, vou levá-la para descansar um pouco. — Eu acompanho a Escolhida — Reichen se ofereceu, amparando a mulher em estado de choque e levando-a para fora do salão. Elise ameaçou segui-los, porém Tegan a segurou pelo braço. Ela parou. Depois suspirou, resignada, e o encarou. — Não preciso de sua censura agora, Tegan. Estou exausta e quero tirar essa roupa imunda. Se sua intenção é dar um sermão, vai ter de esperar até... Ele a abraçou. E não conseguia soltá-la. Não conseguia nem mesmo falar. Seu peito estava oprimido por uma emoção que não queria reconhecer, mas que não podia negar: algo que o devastava. Elise podia ter morrido. Conseguira escapar, era verdade, mas correra um sério risco com aquele Seguidor. Ele podia tê-la perdido enquanto dormia, enquanto ela estava longe do seu alcance e ele não podia protegê-la. Tudo o que podia fazer agora era abraçá-la. Como se não precisasse soltá-la nunca mais. Elise havia esperado a fúria de Tegan, por isso ficou paralisada quando seus braços a envolveram. Ele tremia?
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Após um tempo, mais calma e confortada pelo calor do corpo másculo, conseguiu falar: — Há alguns papéis... Cartas que o irmão de Petrov Odolf escreveu. Achei que poderiam ser importantes. Por isso fui ver Irina. — Não importa. — Elas podem ter algum significado, Tegan. São versos estranhos... — Tudo pode esperar. Ele a encarou por um instante, sem dizer nada, e depois a beijou. Foi um beijo breve e terno, cheio de doçura. — Tudo pode esperar — repetiu com voz rouca. — Venha comigo, Elise. Quero cuidar de você. Ele a levou pela mão para o quarto que ela ocupava no segundo andar. Elise o acompanhou e parou quando ele se deteve para fechar a porta do quarto. Tegan notou a valise no chão e a fitou com uma pergunta no olhar. — Eu pretendia deixar Berlim hoje. Ia voltar para Boston. — Por minha causa? — Não. Por minha causa. Porque estou confusa com muitas coisas e estou perdendo o foco sobre o que é realmente importante. — Sua vingança. — Minha promessa. Ele se aproximou e começou a desabotoar a blusa suja de sangue, removendo a seda pegajosa de seus ombros e jogando-a no chão. Elise respirou fundo. Deveria resistir, protestar... Permitir que ele a despisse depois do que havia acontecido na noite anterior era errado, tolo; mas estava enojada com o cheiro de sangue, e parte dela precisava muito do calor e do conforto daquelas mãos. Era um toque protetor, nada sexual. Tegan a livrou das calças manchadas, das meias e dos sapatos. Em pouco tempo, ela usava apenas calcinha e sutiã. — O sangue do Seguidor maculou sua pele. Precisa de um banho — ele disse, antes de levá-la ao espaçoso banheiro da suíte, onde removeu suas últimas peças de roupa. — Venha, Elise — convidou, levando-a para baixo do chuveiro. O jato morno a envolveu como uma carícia. — Está se molhando —- Elise comentou, notando que ele também entrava na área do chuveiro sem tirar o jeans. Ele encolheu os ombros. Elise tinha a sensação de que o via pela primeira vez. Não havia como ignorar sua essência, a criatura solitária e mortal, treinada para matar com apatia quase perfeita. Mas ali via também um ser vulnerável, alguém que a amparava e protegia com inesperada bondade... Como se o guerreiro nele houvesse se retirado por um período, deixando entrever uma nova versão do homem. Uma versão ainda mais perturbadora.
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Elise queria mergulhar nos braços dele e ficar ali para sempre... se pudesse. Tegan começou a deslizar a esponja ensaboada por seu corpo, removendo os resíduos do sangue do Seguidor, e ela sentiu-se derreter com a combinação deliciosa da água quente com o calor do corpo de Tegan. O toque de suas mãos apagava todas as amargas lembranças do início do dia. — Melhor? — ele perguntou. — Muito melhor. Quando estava com Tegan, ela se esquecia da dor. Ele tornava fácil demais aceitar o vazio que havia tanto tempo existia em seu coração. Sua ternura a preenchia, banindo de sua alma a escuridão. Quando estava com ele como agora, sentia-se... amada. — Estou falhando na promessa que fiz a meu filho. — Deveria estar me ocupando apenas de cuidar para que a morte de Camden não tenha sido em vão. — Não pode passar a vida chorando seus mortos. Ele desligou o chuveiro e pegou uma toalha macia e felpuda, que entregou a ela. Eli se o fitou e viu novamente o vazio, a escuridão; a dor de uma antiga ferida ainda por cicatrizar. — Tegan... — Não fui capaz de salvá-la — ele falou, emocionado. — Sorcha dependia de mim para estar segura, mas eu falhei. — E você a amava muito — ela deduziu com o coração oprimido. — Ela era uma menina doce, a pessoa mais inocente que jamais conheci. Não merecia a morte que teve. Elise se envolveu com a toalha enquanto ele se sentava no banco do lado de fora do espaço do chuveiro. Com as pernas afastadas, apoiou os cotovelos nos joelhos. — O que aconteceu, afinal? — ela quis saber. — Duas semanas depois de ter sido capturada, Sorcha me foi devolvida. Havia sido violentada, torturada... E como se isso não fosse crueldade suficiente, quem a levou também se alimentou dela. Ela voltou como Seguidora do infeliz que a brutalizara. — Oh, meu Deus! — Mandá-la de volta naquelas condições foi pior do que matá-la, mas hoje entendo que eles deixaram a tarefa para mim. E eu não podia executá-la. Sabia que ela estava perdida, que já não existia mais, mas não conseguia pôr fim à vida dela. — É claro que não. Elise foi sentar-se ao lado dele. Tegan precisava saber que não estava sozinho. — Tentei fazer Sorcha ficar melhor. — Ele a encarou. — Pensei que, se sorvesse boa parte do sangue contaminado e o substituísse pelo meu, se pudesse alimentá-la das minhas veias e remover o veneno que circulava nas dela, talvez, por algum milagre, ela voltasse. Comecei a alimentá-la e me alimentar dela. Passei semanas nesse círculo alucinado e perigoso. Não tinha controle. Estava tão consumido pela culpa, tão desesperado para recuperá-la, que não notei que me encaminhava a passos largos para a Luxúria do Sangue. — Mas não caiu nela, caiu? Não pode ter caído, ou não estaria aqui agora. — Ah, mas eu caí. Como todos os viciados, eu também sucumbi. E teria me 94
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tornado Corrupto, não fosse por Lucan. Ele me trancou em uma cela onde fiquei isolado, esperando a doença passar. Passei meses sozinho, faminto, alimentando-me apenas de pequenas quantidades necessárias para me manter vivo. Em muitos dias cheguei a rezar, pedindo para morrer. — Mas sobreviveu. — Sim. — E Sorcha? — Lucan fez por ela o que eu não pude fazer. Ele a libertou do sofrimento. — Ele a matou? — Foi um ato de misericórdia. Mesmo assim, eu o odiei por estes cinco séculos, desde que tudo aconteceu. No final, Lucan teve mais compaixão por ela do que eu. Eu a mantive viva, somente para me preservar da culpa por sua morte. Elise afagou as costas largas de Tegan, emocionada com sua história. Até então acreditara que ele fosse um homem frio e insensível, mas a verdade é que ele escondia bem seus sentimentos. Seu sofrimento era mais profundo do que podia imaginar. — Lamento por tudo o que teve de passar, Tegan. Agora entendo muitas coisas. — Verdade? — O olhar vazio penetrou o dela com incrível intensidade. — Quando a vi lá embaixo, coberta de sangue... — Ele parou de repente, como se não fosse capaz de formar as palavras. — Não queria sentir aquele medo e a dor nunca mais, entende? Por isso evitava me aproximar das pessoas e permitir, que elas se aproximassem de mim. Ele estava dizendo que se importava com ela? Que gostava dela? Elise entreabriu os lábios quando os dedos de Tegan tocaram seu rosto. — Eu me importo — ele disse em voz baixa, respondendo à questão. Depois, a abraçou. — E acho que seria fácil gostar até demais, Elise. Mas não sei se posso correr esse risco. — Não pode... ou não quer? — Não há nenhuma diferença. Ela apoiou a cabeça no ombro forte do guerreiro. Não queria ouvir aquilo agora. Não queria desistir dele. — O que vai ser de nós? O que vamos fazer, Tegan? Ele não disse nada. Apenas a apertou entre os braços e beijou sua testa.
O dia foi ocupado inteiramente por troca de informações e planejamento tático. Ao anoitecer, os dois enviados de Reichen à casa de Irina Odolf retornaram com a informação de que o Seguidor havia desaparecido, mas deixara um impressionante rastro de sangue no local. Munido da descrição do Seguidor, Reichen seguiu para a cidade em busca de pistas. Tegan mal podia esperar para pôr as mãos nele e terminar o que Elise havia começado. Quanto a Elise, por mais que a quisesse em seus braços, em sua cama, sabia que aquele era um caminho que só o conduziria a território ainda mais complicado. Por isso, preferiu se ocupar do diário e das cartas escritas pelo irmão de Odolf. 95
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Ambos continham exemplos das mesmas frases peculiares: Castelo e sítio devem se unir sob a lua crescente. Volte seu olhar para as terras do oriente. No entroncamento está a verdade. Era um enigma, mas seu significado, se é que existia, ainda não havia sido encontrado. Petrov Odolf também não entendia o que queriam dizer as frases, embora sua Escolhida tivesse contado que ele também estivera escrevendo coisas semelhantes, compulsivamente, no período anterior à sua transformação em Corrupto. Como acontecera ao irmão dele. E como acontecera com o dono do diário com o símbolo dos dermaglifos de Dragos em suas páginas. Tegan estava parado no centro da cela de Odolf e já começava a ficar impaciente. Após uma hora de interrogatório, ele e Elise ainda não haviam conseguido nada. A medicação fora reduzida, por isso o Corrupto encontrava-se consciente, mas ninguém podia dizer que ele estava lúcido. Preso em uma gaiola vertical de aço, com os braços musculosos imobilizados por argolas e os pés presos um ao outro, Petrov Odolf parecia de fato a besta perigosa que era. Sua enorme cabeça pendia sobre o peito, os olhos cor de âmbar vagando pela cela sem foco. Ele grunhia e arfava, exibindo as presas, sempre se debatendo contra as amarras e a gaiola. — Diga-nos o que isso significa — Tegan repetiu. — Por que você e seu irmão escreveram essas frases? Ele não respondeu, ocupado que estava na luta contra o aço que o mantinha cativo. — "Castelo e sítio devem se unir sob a lua crescente" — Tegan recitou. — "Volte seu olhar para as terras do oriente." Isso é uma localização? O que significa para você, Odolf? O que significava para seu irmão? O nome Dragos tem algum significado para você? O Corrupto tremia e se debatia como se fosse explodir. Ele jogava a cabeça para frente e para trás, rosnando furiosamente. Tegan deu um suspiro frustrado e olhou para Elise. — Estamos perdendo tempo. Ele não vai nos ajudar em nada. — Deixe-me tentar. Os olhos de Odolf a seguiram pela cela. Suas narinas se dilatavam como se ele quisesse registrar e identificar seu cheiro. — Não chegue perto dele — Tegan a preveniu. — Mantenha-se afastada. Não me obrigue a usar aquela porcaria de seringa que o diretor Kuhn deixou comigo, caso ele se torne incontrolável. Ela parou alguns passos antes do Corrupto e falou num tom paciente, cheio de compaixão. — Olá, Petrov. Meu nome é Elise. Conheci Irina. — Ele parou de se debater e olhou para ela. — Ela é muito boa e ama você. Ela mesma me contou o quanto você é importante para ela. Odolf ficou quieto na gaiola, e Elise deu mais um passo. Tegan resmungou alguma coisa, porém ela o ignorou. 96
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— Irina está preocupada com você. — Não seguro — Odolf grunhiu. — O que não é seguro? Irina não está segura? — Ninguém seguro. — Ele sacudia a cabeça como se não pudesse controlar os movimentos. Quando superou a momentânea fraqueza, recolheu os lábios, exibindo as presas e respirou profundamente. — No entroncamento está a verdade — resmungou. — Volte seu olhar... volte seu olhar... — O que significa isso, Petrov? — Elise leu novamente a passagem. — Pode explicar essas frases? Onde ouviu isso? Ou será que leu esses versos em algum lugar? — Castelo e sítio devem se unir... Volte seu olhar para as terras do oriente... — Estamos tentando entender, Petrov — Elise o incentivou, aproximando-se mais um passo. — Conte-nos o que sabe. Pode ser muito importante. Ele grunhiu e jogou a cabeça para trás, distendendo os tendões do pescoço. — Castelo e sítio devem se unir sob a lua crescente... Volte seu olhar para as terras do oriente... No entroncamento está a verdade. — Petrov, por favor. Precisamos de você para poder ajudá-lo. Por que não é seguro? Por que diz que ninguém está seguro? Mas ele não a escutava mais. Com os olhos fechados, a cabeça caída para trás, ele repetia as frases sem sentido muitas vezes, sussurrando num ofegante jorro de insanidade. Elise olhou para Tegan. -— Talvez tenha razão. Isto tudo é perda de tempo. Ele assentia, frustrado, quando Odolf começou a rir. Com a boca bem aberta, abaixou a cabeça e falou, mas com uma voz tão fraca e fina que Tegan mal pôde escutálo. Eram fragmentos do enigma, palavras e frases... e de repente Odolf piscou duas ou três vezes, percebendo tudo com mais clareza. Numa voz inteiramente racional e coerente, disse: — É lá que ele se esconde. O sangue de Tegan esfriou nas veias. — O que foi que disse? É lá que Marek se esconde? — Escondido — Odolf ria, já retornando à loucura. — Escondido, escondido... no entroncamento está a verdade. Tegan pensou no glifo que encontraram no diário. A linhagem da Raça a que ele pertencia havia muito fora extinta. Mas, e se Marek não fosse o único a voltar de uma morte meramente presumida? — Está falando sobre Dragos? Ele está vivo? Odolf sacudiu a cabeça com os olhos fechados. Ele repetia o enigma, murmurando-o com voz melodiosa e irritante. — Maldição! — Tegan grunhiu, caminhando até a gaiola. — Dragos está escondido em algum lugar? Ele e Marek se aliaram de alguma maneira? Estão planejando alguma coisa? Odolf entoava seu cântico. Nem mesmo quando Tegan agarrou a gaiola pelas 97
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barras e a sacudiu, ele reagiu ou deu indicação de perceber sua presença. O Corrupto se retirara mentalmente. O celular vibrou no bolso do casaco de Tegan. — Sim? — ele respondeu num grunhido. — Algum progresso? — Era Reichen. — Não muito. Atrás dele, na gaiola, Odolf mordia o ar, rosnando e praguejando. Era inútil prolongar a visita. Tegan fez um gesto, convidando Elise a segui-lo para a sala de observação ao lado. — Vamos confrontar nossos dados — sugeriu a Reichen. — Conseguiu alguma coisa com o Seguidor? — Sim. Estou no Aphrodite com Helene. Ela viu o homem aqui uma ou duas vezes e teve alguns problemas com ele. Aparentemente, ele trabalha para uma dessas organizações clandestinas, um banco de sangue aqui na cidade. E fornece mulheres para essa organização. Um traficante de mulheres. E Elise podia ter sido capturada pelo desgraçado. Esse tipo de "clube de sangue", como era chamado, embora ilegal entre os da Raça, já havia sido o entretenimento favorito de certa classe de vampiros. Atendia os ricos e importantes, além daqueles cujo apetite resvalava na crueldade. — Sabe como posso encontrar esse lugar? — Para evitar atenção indesejada, os clubes raramente se reúnem no mesmo lugar. Helene já enviou alguns mensageiros ao campo para adiantar seu trabalho. Ela deve ter alguma coisa nova em uma hora, mais ou menos. — Estou indo para aí. — O que houve? — Elise perguntou quando ele desligou. — Preciso ir para a cidade encontrar um dos contatos de Reichen. Ela tem informações importantes sobre o Seguidor que a atacou hoje. — Ela? Uma mulher? — Helene. Você a viu ontem à noite, quando fomos buscar Reichen na porta da boate que ela administra, a Aphrodite. É uma humana. — Ah, sim, é claro. Bem, vamos falar com ela, então. — Não vou levar você àquele lugar. Posso deixá-la com os Darkhaven e... — Por quê? Não tenho medo de ir a uma boate. As cenas que ele vira no Aphrodite na noite anterior ainda eram bem nítidas em sua memória. — Não é exatamente uma boate. Você não se sentiria confortável lá, garanto. — É um bordel, então? —Sim. — E você esteve lá? — Reichen me levou ao Aphrodite ontem à noite para me apresentar a Helene. 98
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— Ontem à noite? Você foi a um bordel, depois de termos... Ah. Está bem. Já entendi. — Não é o que está pensando, Elise. — Podemos ir agora, se quiser. Ele a seguiu pelo corredor. — Não vou demorar com Reichen. Assim que terminar, posso voltar ao território Darkhaven para tentarmos entender o que Odolf disse lá dentro. — Podemos falar sobre isso a caminho do Aphrodite, Tegan. Já disse que vou com você. Ele respirou profundamente, cansado e sem paciência para discutir. — Está bem, faça como quiser. Mas não diga que não a avisei.
Elise não era exatamente uma puritana, mas o Aphrodite era uma lição instantânea sobre erotismo. O homem que os recebeu, um grandalhão vestindo terno e usando uma escuta sem fio no ouvido, com um pequeno microfone que se aproximava de sua boca, exibia um cavanhaque perfeito e maneiras impecáveis. Ele falou pelo microfone, certamente informando alguém da chegada dos convidados, e depois os acompanhou ao salão principal do clube. Adornado por cores berrantes, com acessórios de metal polido e mobília sugestiva, o salão e o bar eram um banquete para os olhos. Lindas mulheres nuas se reclinavam sobre sofás com estampas de animais, algumas entretendo um ou dois clientes ali mesmo, diante de todos os olhares. Outras se apresentavam juntas, trocando beijos e carícias, enquanto homens vestindo roupões de seda ou enrolados em toalhas da sauna assistiam a tudo com evidente excitação. Em outro recanto confortável, mais próximo ao bar, um homem era servido por quatro mulheres. Elise não conseguiu entender o emaranhado de braços e pernas. Apesar da música erótica que inundava o lugar, era possível ouvir o som de lambidas, os gemidos e os gritos de prazer que brotavam de todos os cantos. Cercada por tanto erotismo, ela tentou controlar seu talento, que despertou assim que ela passou pela porta do lugar. Felizmente, a maior parte dos estímulos era de natureza sexual, alguns intensos, mas nada que pudesse causar dor. Tentou se concentrar em uma das vozes, apenas, usando-a para silenciar as outras enquanto atravessava o salão. Tegan a observava. Não parecia abalado pelo que acontecia no salão. Na verdade, estava mais interessado em estudar a reação dela. A intensidade de seu olhar a aqueceu por dentro. Elise piscou e desviou os olhos dos dele. Mas, não olhar para ele significava olhar para mais sexualidade escancarada e crua, o que só aumentava sua consciência de Tegan e despertava a lembrança do encaixe perfeito entre seu corpo e o dele. Foi com alívio que ela se viu guiada para dentro de um elevador. Foram levados ao quarto andar, onde havia uma suíte que era, ao mesmo tempo, escritório e dormitório. Reichen se levantou para recebê-los, abandonando sua posição confortável na luxuosa cama redonda. A camisa branca estava desabotoada e solta, enquanto as calças cinza, usadas mais para baixo do que o habitual, deixavam entrever o ventre plano e musculoso. 99
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Os dermaglifos do vampiro chamavam a atenção do observador para a beleza de seus músculos esculpidos. — Elise, não sabia que viria com Tegan... Espero que não esteja chocada. — De jeito nenhum. — ela mentiu. Reichen a apresentou a Helene, uma morena elegante, vestida com um conjunto de suéter e calça, mais apropriado a uma sala de reuniões do que a um bordel. Os cabelos estavam presos, e ela era a imagem do profissionalismo, um curioso contraste com os vídeos que desfilavam pelas telas de vários monitores espalhados pelo ambiente. Dali ela controlava tudo o que acontecia na boate. — Helene é dona da boate e grande amiga. É inteiramente confiável — Reichen declarou. — É um prazer conhecê-la. — Elise sorriu. — O prazer é meu. Sejam bem-vindos ao Aphrodite. — É bom ver você de novo, Helene — Tegan sorriu para ela. — Reichen mencionou algumas novidades... — Sim. — Ela foi sentar-se diante de um laptop aberto sobre a mesa, em um canto. Após digitar algumas coisas, as telas atrás dela se apagaram, retornando em seguida com a imagem congelada, gravada pelas câmeras de segurança do circuito interno: um homem sentado no bar. A cicatriz no rosto do Seguidor o identificava. — É ele! — Elise afirmou. — Ele só esteve aqui algumas vezes. Era desagradável, rude com as meninas. Eu o expulsei há uns dois meses, e mais tarde soube de seu envolvimento com os clubes de sangue. Não imagina como gostei de saber que fez o miserável sentir dor, Elise. Mas ela não se orgulhava do que fizera. Na verdade, nem estava pensando nisso. A menção de clubes de sangue a horrorizava. Não se ouvia falar neles em Boston havia muitas décadas, devido principalmente à Agência de Defesa e sua ação firme contra as operações ilegais. Saber que ela e Irina podiam ser capturadas por um agenciador... Não. Era melhor nem pensar nisso. — Tem alguma pista sobre a localização dos clubes? — Tegan perguntava. — Alguma coisa sobre os associados desse sujeito, ou alguém que possa saber seu nome e onde encontrá-lo? — Sim, mantenho clientes assíduos dentre os valorosos membros da força policial, e esse Seguidor é velho conhecido da lei. — Ela imprimiu uma folha de papel que tirou do equipamento atrás da mesa. — Consegui esse registro recente de uma prisão. Aqui vocês vão encontrar o nome e o endereço do miserável. — Linda e eficiente — Reichen a elogiou. Elise viu Tegan ler o relatório com atenção antes de olhar para o amigo. — Pode levar Elise de volta ao território dos Darkhaven? — É claro que sim. Com prazer. — O que vai fazer, Tegan? — ela perguntou, adivinhando suas intenções. Ele ia matar o Seguidor que a atacara. — Tegan, por favor, tenha cuidado. — Leve-a, Reichen. Vou encontrá-los quando concluir minha missão. Elise quis abraçá-lo, porém Tegan já entrava no elevador: um guerreiro solitário 100
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com um propósito definido. O que ele sempre seria.
Tegan estava abaixado sobre o telhado de um prédio, olhando para a janela do edifício vizinho. O Seguidor falava ao celular havia quinze minutos. Considerando sua expressão preocupada e a velocidade com que movia os lábios, parecia se justificar para tentar escapar de alguma encrenca séria. Devia ser seu mestre do outro lado da linha, e este não podia estar satisfeito com a notícia de que suas ordens não tinham sido executadas. O humano corrompido tinha sangue seco no pescoço e uma faixa ensanguentada em torno do peito. A julgar por como segurava as costelas, provavelmente tinha um pulmão perfurado. Sobre uma mesa de canto coberta por revistas pornográficas e garrafas vazias de cerveja, estava a camisa suja e a caixa de suprimentos médicos, além de algodão, gaze, fita cirúrgica, linha e agulha. Ele mesmo havia feito o curativo. O Seguidor desligou o telefone e o jogou sobre a mesa. Desapareceu em outro quarto, mas voltou em seguida, vestindo uma camisa de flanela. Depois de abotoá-la, pôs o celular no bolso das calças jeans, pegou o casaco e se dirigiu para a porta. Tegan já estava na calçada quando ele saiu do prédio. — Volte. — Mas, que diabo! — ele exclamou ao ver as presas de seu oponente. O Seguidor tentou correr, porém Tegan bloqueou seu caminho com velocidade espantosa. Então o agarrou pelo pescoço com uma força descomunal, tirando seus pés do chão. Sua presa gritou, tentando se livrar do ataque mortal. — Problemas na cidade hoje, amigo? — Solte-me! — Quem o mandou atrás da moça? Quem é seu mestre, seu doente? — Vá para o inferno! — balbuciou o Seguidor, mas o pânico que o dominava e a dor insuportável, levaram sua mente a fornecer o nome que Tegan queria. — Foi Marek! Não era surpreendente. O poderoso vampiro devia ter uma vasta rede de escravos humanos à sua disposição. Afinal, tivera muitos anos para agir no submundo e planejar suas tramas sombrias. Tegan apertou o pescoço do Seguidor com fúria. Ele merecia o castigo, pois ousara tocar Elise. E se sentira prazer com a simples ideia de machucá-la, ele, Tegan, sentiria prazer dobrado pondo fim à vida do desgraçado.
Reichen e Elise foram jantar em um dos melhores restaurantes da cidade. Ela tentou protestar, mas o alemão argumentou que não seria um bom anfitrião se não a alimentasse adequadamente uma vez por dia, pelo menos. No momento, estavam sentados ha cobertura de um dos mais elegantes hotéis de Berlim, mas ele mesmo não comia nada. Os da Raça só podiam consumir alimentos preparados em pequenas 101
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quantidades, uma prática reservada para os raros momentos em que um vampiro julgava ser necessário fingir que era humano. Elise também comera pouco, apesar da indiscutível qualidade da comida e do vinho. Não podia se alimentar enquanto Tegan se encontrava sozinho, lutando suas batalhas. Na cidade iluminada muitos andares abaixo de onde estava agora, os humanos nem imaginavam a guerra travada dentro da Raça naquele momento. E poucos entre os Darkhaven tinham conhecimento dela. Os que conheciam os conflitos dos Corruptos preferiam fingir desconhecê-los, acreditando que políticas e protocolo manteriam as coisas em seus devidos lugares. Como Escolhida de Quentin Chase, ela havia sido privilegiada. Podia voltar para aquela existência fácil e calma, fingir que jamais vira as coisas terríveis que testemunhara fora do reduto Darkhaven naqueles últimos meses, fingir que não fizera as coisas terríveis de cuja necessidade se convencera a pretexto de vingar a morte de Camden. Não era tarde demais para voltar à velha vida e esquecer o guerreiro chamado Tegan. Mas, a quem estava tentando enganar? Tegan já fazia parte dela. Para se distrair, tentou conversar com Reichen. — Gostei de conhecer Helene. Ela é realmente adorável. São amigos há muito tempo? — Há alguns anos. Ela é minha Hospedeira ocasionalmente, e apreciamos a companhia um do outro; mas é apenas um arranjo físico, se é que me entende. — Não está apaixonado por ela? — Helene provavelmente diria que não amo ninguém além de mim mesmo. — Ele riu. — E ela tem certa razão, devo reconhecer. Nunca conheci uma mulher que me fizesse pensar em viver uma relação permanente. Contudo, quem seria louca o bastante para se unir a mim? Elise bebeu um gole do vinho. — É um homem perigoso, Andreas. Uma mulher deveria se proteger ao se aproximar de você. — Eu jamais partiria seu coração, bela Elise... — Viu só? — Ela riu. — Acabou de provar o que eu dizia.
Tegan chegou à mansão de mau humor. O Seguidor que se atrevera a atacar Elise estava morto, mas, antes que isso acontecesse, ele encontrara informações importantes. Em primeiro lugar: Marek havia ordenado a morte de Elise a vários de seus contatos e Seguidores, em Berlim e em torno desta. Sendo assim, tinha de tirá-la da cidade o mais depressa possível. Mas já estava cuidando disso. Entrara em contato com Gideon, que já providenciava o abastecimento e a autorização de decolagem para o jato particular da Ordem. Deixariam o Aeroporto Tegel em uma hora. A segunda informação era que, por mais que quisesse negar, Elise era importante para ele. Gostava dela como gostava de si mesmo; mais do que gostava de si mesmo, na 102
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verdade. Respeitava-a por sua coragem e força. Ela era uma mulher extraordinária, melhor do que sonhava merecer. Não tentaria fingir que era capaz de resistir a ela. Desejava-a como jamais havia desejado nenhuma outra e passava os dias pensando em como seria maravilhoso poder alimentá-la de novo com seu sangue, dar a ela a seiva da vida que corria em suas veias. Se completassem o elo, seu sangue a manteria viva praticamente para sempre. Tudo o que precisava fazer era beber dela, e estariam unidos para a eternidade. E isso era exatamente o que ele queria. Pensando bem, era melhor admitir toda a verdade de uma vez: amava aquela mulher. E por isso estava de mau humor. E agora que notava que ela e Reichen ainda não haviam voltado para a mansão, estava apavorado, também. Se um dos assassinos de Marek houvesse posto as mãos nela em sua ausência... O ruído do Rolls Royce de Reichen interrompeu seus pensamentos sombrios, e ele correu até a porta da varanda. Uma onda de alívio o invadiu quando viu Elise saindo do automóvel. — Obrigada pelo jantar — ela disse ao dono da mansão, aceitando seu braço para subir a escada. — Foi um grande prazer. Algo primitivo e possessivo despertou em Tegan provocado pelo tom íntimo na voz de Reichen. — Talvez eu possa convencê-la a prolongar sua estadia em Berlim. Adoraria poder conhecê-la melhor, Elise. Tegan mal conteve um grunhido quando o outro estendeu a mão para tocá-la, inclinando-se para beijar seu rosto de forma mais do que amigável. Ela não tentou se esquivar. Não o censurou, mas não o agrediu; tampouco fugiu, ultrajada. E por que o faria? Ele havia dado a ela todos os motivos para pensar em outros parceiros. Pensando bem, praticamente a jogara nos braços de Reichen. Afinal, não era exatamente um bom partido. Elise merecia alguém melhor do que ele. Melhor do que Reichen, também. E ele diria isso a ela. Sentindo o humor piorar a cada segundo que ela permanecia lá fora com o diretor Darkhaven, Tegan foi esperar por Elise em seu quarto.
Capítulo V
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Elise interrompeu o beijo inesperado. — Não devia ter feito isso, Andreas. — Eu sei, e peço desculpas. Devia ter percebido que seu coração já tem dono. Quero dizer, eu percebi, mas queria ter certeza de que não tinha mesmo nenhuma chance. Não tenho? — Não. — Ela sorriu. — Aquele bastardo é mesmo um sujeito de sorte... — E você é um bom homem, Andreas. Um dos melhores que já conheci. Obrigada pelo jantar. Obrigada por tudo.
Tegan ouviu os passos se aproximando. Viu a porta se abrir, Elise entrar... e parar. O elo de sangue a informara de sua presença, apesar da escuridão. — Tegan? Ela acendeu a luz, entrou e fechou a porta. Nesse exato momento, ele desceu do canto onde estivera suspenso como uma aranha, aterrissando atrás dela sem fazer barulho. Elise se virou e gritou. — Tegan! Quer me matar de susto? Por que está... Ele a abraçou e cobriu sua boca com a dele. Elise não protestou, tampouco tentou resistir. Pelo contrário, ela o abraçou e correspondeu ao beijo, suspirando ao sentir o corpo invadido pelo calor já familiar. — Não imagina como é bom vê-lo aqui — murmurou, arfante, ao final do beijo. — Passei a noite toda preocupada com você. — Eu notei sua preocupação enquanto estava nos braços de Reichen. — Você viu? — Ainda posso sentir o gosto dele em seus lábios. — Então, deve sentir também que não é ele quem eu quero -— ela afirmou, fechando os olhos enquanto a boca de Tegan passeava por seu pescoço até a base da orelha. — É você, Tegan... É com você que eu quero estar. Caso não tenha percebido, estou completamente apaixonada. Eram as palavras que ele queria ouvir. Mesmo assim, ficou surpreso. Abalado. Recuou para fitá-la nos olhos. Elise inclinou a cabeça para o lado, oferecendo o pescoço, expondo a região vulnerável. Sua veia pulsava forte. Com um suspiro, ele tocou a pele delicada e sentiu seu pulsar como um fogo que o marcaria para sempre. Devagar, inclinou-se e pousou os lábios sobre a artéria que carregava o sangue de Elise... a vida de Elise. Precisava sugá-la e concluir a ligação. Mas limitou-se a beijá-la. Com mãos reverentes, começou a despi-la e acariciar a pele suave. Elise suspirou ao sentir a carícia delicada em seus seios, os mamilos se enrijecendo como dois botões sob o cetim do sutiã. Tegan removeu a peça íntima e os desnudou para apreciá-los. 104
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— Lindos — falou, tocando-os com suavidade. Inclinando-se, tomou um deles nos lábios. Suas presas estavam à mostra, e ele precisou ter muito cuidado para não feri-la. Mas era cuidadoso. Segurava-a como se ela fosse de vidro: preciosa e frágil. Um tesouro do qual não era digno, embora estivesse disposto a conquistar e manter. Elise se ofereceu, inclinando as costas, e ele deu a mesma atenção ao outro seio. Depois, sua boca passeou pelo ventre pálido enquanto suas mãos a livravam das calças e da calcinha. Tocar as nádegas firmes foi como tocar o mais precioso veludo. Ele beijou a curva graciosa da pélvis e continuou descendo, até encontrar os pelos aparados da região entre as coxas. Elise abriu as pernas, e ele sentiu seu sabor. Enquanto se deliciava, ela tremia de prazer, agarrando-se aos ombros largos para não cair. Tegan a pegou nos braços e a levou para a cama. Depois ele se despiu devagar, como se quisesse oferecer um espetáculo. A fome em seus olhos teve o efeito do fogo sobre sua pele e ela arfou, excitada. Nu, Tegan ficou parado ao lado da cama, deixando que ela o visse sem pressa. Foi difícil respirar quando Elise sentou-se e segurou seu membro nas mãos. Ele gemeu, mergulhando os dedos nos cabelos curtos e dourados enquanto ela o beijava, torturandoo com movimentos lentos e ruidosos, usando a língua para inflamar ainda mais sua pele sensível. Elise aumentou o ritmo, levando-o para perto de um ponto onde não haveria mais possibilidade de controle. Com um grunhido, Tegan se libertou dos lábios ávidos e a empurrou sobre o colchão, debruçando-se sobre ela e beijando-a, sentindo a força de seu desejo em todos os pontos em que seu corpo entrava em contato com o dela. — Quer me sentir dentro de você? — Sim — ela murmurou. — Preciso de você dentro de mim, agora. Tegan atendeu ao pedido. Com um movimento preciso e firme, ele a preencheu completamente, abafando com a boca seu grito de prazer. O corpo de Elise o envolveu como uma luva, e Tegan se movimentou cada vez mais depressa, ansioso por saciá-la. Sua mulher. Sua parceira. Seu amor. Ela arfava e gemia, e de repente virou a cabeça para o lado, aproximando os lábios de seu pulso. Dominada pela paixão, cravou os dentes na pele clara, provocando uma dor erótica que o invadiu como uma flecha. — Quer sorver meu sangue enquanto eu a levo ao orgasmo? — ele perguntou com voz rouca. — É tudo o que eu mais quero! — Vai ter o que quer, mas... — Ele rolou e a puxou sobre si mesmo. — Desta vez quero sentir sua boca no meu pescoço. Quero sentir sua mordida. — Mas eu nunca fiz desse jeito antes — ela hesitou, ofegante. — Ótimo, porque nunca pedi isso a ninguém. Vai ser a primeira, Elise. — Não quero machucar você... Ele riu, amando-a ainda mais por sua preocupação. — Venha — convidou-a, segurando sua nuca e guiando a boca rosada até a 105
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carótida pulsante em seu pescoço. Quando os lábios quentes tocaram sua pele, Tegan não conteve um tremor de prazer. Sentiu a língua úmida e macia, os dentes posicionados sobre sua veia... No instante em que ela o mordeu, ele quase chegou ao orgasmo. Enquanto Elise o sugava, ele a penetrava com ferocidade, sentindo que ela o cavalgava, dominada também por um prazer que superava todas as outras emoções. O som da boca sugando seu sangue, tão perto de sua orelha, o enlouquecia, e ele não conteve os gemidos. Quando Elise ergueu o corpo e gritou, explodindo num orgasmo poderoso, Tegan desistiu de qualquer tentativa de controle. Sentando-se com ela, enlaçando o corpo delicado com as pernas e movendo-se ainda no ritmo do desejo, aproximou a boca do pescoço delicado e alvo. A veia fina pulsou contra sua língua, e Tegan a lambeu até bem perto da orelha, sentindo as presas pulsar no mesmo ritmo. — Oh, Tegan, por favor! Ele deu uma mordida leve e, em resposta, ela sentou-se ainda mais profundamente sobre seu membro, já a caminho de outro orgasmo. Aquilo era demais! Tegan segurou sua cabeça para o lado e sugou-lhe o pescoço. Quando suas presas se cravaram com facilidade na pele macia, Elise gritou, sentindo o primeiro jorro de sangue ser sorvido por ele. Seu corpo estremeceu, depois se acalmou quando ele começou a beber dela. Ah, como ela era doce! deliciou-se Tegan, Não havia nada melhor do que o sabor de Elise em sua língua, a essência vibrante de seu sangue correndo em suas veias. A fome por ela crescia a cada gole, e o desejo que sentira por ela antes era nada comparado ao que experimentava agora. Elise era sua mulher. Irrevogavelmente sua. Tegan a deitou sobre a cama e a possuiu, dominado pelo instinto. Elise sabia que não demoraria a explodir em mais um orgasmo. As presas penetrando seu pescoço, a poderosa sucção dos lábios em sua veia, o sangue jorrando de seu corpo para o dele... Tudo era incrivelmente erótico. Tegan a possuía como um selvagem, e ela nunca sentira prazer parecido com o que conhecia agora em seus braços. Fizeram amor até estar ambos saciados e ofegantes, e se deitaram, exaustos, ao lado um do outro. Quando acabou, Tegan deslizou a língua pelos ferimentos que abrira, selando-os com um beijo. — Elise... Há algo que preciso lhe dizer. — O quê? Por favor, não se sinta obrigado a dizer nada que... — Escute, por favor. Eu confesso que não estava preparado para você, confesso que tentei resistir, mas... a verdade é que amo você. Ela o fitou com olhos brilhantes e cheios de esperança. — Oh, Tegan... — A mordida no pescoço dele já cicatrizava, e ela tocou a região avermelhada. — Quero passar o restante da vida beijando você e... Um som estridente a interrompeu. — O que é isso? — Meu celular — ele respondeu com um suspiro, levantando-se para ir buscar o aparelho no bolso das calças esquecida no chão. — Devem ser as instruções para o 106
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nosso voo. Voltamos para Boston esta noite. — Atendeu ao chamado. — Sim? Certo. No Tegel, terminal corporativo. Partida em uma hora. Entendido. Elise se levantou e foi abraçá-lo, colando o corpo às costas largas e musculosas enquanto ele digitava outro número. Tegan sorriu. — Escute, partimos em duas horas — disse ao telefone. — Mas ainda tenho umas coisas a resolver por aqui... — Desligou o celular e se virou para encará-la com um sorriso nos lábios.
Elise havia recebido com sua habitual tranquilidade a notícia sobre a perseguição de Marek e os Seguidores que ele enviara com a intenção de matá-la. Agora dormia profundamente, com a cabeça apoiada em seu ombro, enquanto Tegan a abraçava, protetor, no voo de volta a Boston. Marek era um inimigo traiçoeiro. Fora um guerreiro formidável, porém cruel; e sempre hostilizado embora tivesse integrado a primeira formação da Ordem. Lucan, seu irmão mais velho, tinha sido o fundador da classe guerreira e um líder natural: duas coisas que o renegado nunca conseguira aceitar. Impaciência e arrogância haviam sido duas de suas maiores fraquezas, e justamente as características que o tinham impedido de conquistar o respeito que ele acreditava merecer. O fato de ter sido dado como morto por tanto tempo, seis séculos na verdade, e ter ressurgido em Boston com planos para atacar a Ordem parecia indicar que Marek aprendera a dominar sua impaciência. A introdução do nome Dragos naquela receita explosiva e os rabiscos codificados dos Odolf sugeriam problemas. Tegan abriu o diário e releu as estranhas passagens mais uma vez. Devia ser uma localização, mas... qual? E o que esta significava? Era onde ele estava escondido, Odolf resmungara, mas Tegan não acreditava que ele se referisse a Marek. Dragos, talvez? Ou alguém que ainda nem aparecia no radar da Ordem. De qualquer maneira, tudo indicava problemas sérios que poderiam afetar a todos. Assim que o jato aterrissou em Boston, Tegan ligou para Gideon e pediu que ele convocasse uma reunião na sede. Precisavam localizar Marek e colocar a Ordem um passo adiante dele.
Um de seus Seguidores estava morto, de acordo com o relatório enviado de Berlim. Marek se encontrava furioso com mais aquela perda, mas estava sobretudo intrigado. As condições em que o corpo fora encontrado sugeriam que houvera tortura, grande sofrimento, e isso era estranho, considerando que o assassino certamente havia sido Tegan. Ele eliminara um Seguidor cuja missão era matar a fêmea Darkhaven, e no lugar da fria eficiência, deixara sinais de raiva incontida. Tegan matara por vingança. E se agira em retaliação pelo atentado praticado contra a mulher, isso só podia ter um significado: ele gostava dela. Marek estava disposto a explorar essa fraqueza no guerreiro. Afinal, já quase 107
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destruíra Tegan uma vez por meio de seu amor por uma mulher. Como seria gratificante utilizar esse novo afeto para acabar com ele de uma vez por todas! Seria satisfatório acabar com todos da Ordem, assumir seu lugar de direito como líder da Raça. Para isso trabalhava fazia séculos num plano que exigira mais paciência do que ele pensara ter. Havia muito tempo sonhava com o momento de sua coroação: desde que o guerreiro Dragos confiara a ele um poderoso segredo. Marek se levantou de trás da escrivaninha e caminhou até a janela, de onde podia ver um enluarado vale Berkshires ao longe. Ali a vegetação era densa como em qualquer floresta medieval, compondo um cenário que despertava em sua mente a lembrança dos velhos tempos. Naquela época existia uma guerra na nação vampira: um conflito que colocava pai contra filho. E os pais em questão eram um bando de terríveis alienígenas, os Anciãos, criaturas que tinham chegado à Terra fazia milhares de anos e que precisavam de sangue humano para sobreviver. Seus filhos, criaturas híbridas, geradas pela semente extraterrestre plantada em mães humanas, tinham formado a primeira geração da Raça. Ele, Marek, além de Lucan e Tegan estavam entre esses raros filhos denominados Gene Um. Eles haviam testemunhado a selvageria perpetrada pelos Anciãos contra a humanidade, a matança de vilarejos inteiros, vidas perdidas para o insaciável apetite vampiro. Mas a carnificina nunca o incomodara como tinha incomodado seu irmão mais velho. Enquanto Lucan reprovava o terror imposto pelos Anciãos, ele sempre o praticara. O poder de instilar medo e matar sem muitos recursos era inebriante, e, mais de uma vez, ele se perguntara por que a Raça não podia simplesmente escravizar seus Hospedeiros humanos e reclamar o planeta como propriedade a ser liderada por ela. Na verdade, ele se empenhava em convencer os Anciãos da sabedoria desse plano, quando tudo fora por água abaixo. Num ataque de Luxuria do Sangue, seu pai alienígena tirara a vida de sua mãe. Havia sido uma morte violenta, e seu irmão, Lucan, clamando por justiça, arrancara a cabeça do vampiro em retaliação. Com a morte do Ancião, Lucan tinha declarado guerra aos poucos como ele que ainda restavam e aos muitos que os serviam. Assim, Lucan formara a Ordem, levando a ele, Marek, nesse turbilhão, bem como Tegan e mais cinco vampiros Gene Um. Todos haviam jurado pôr fim à matança e começar uma nova vida para a Raça. Marek ainda sentia vontade de rir. Não havia sido apenas ele que se rebelara diante da imagem de paz e tranquilidade projetada por Lucan para sua coexistência com a humanidade. Outro guerreiro, Dragos, acabara confidenciando a ele que tinha ideias diferentes para o futuro da Raça. Enquanto a Ordem travava sua guerra contra os Anciãos, caçando-os um a um numa batalha que levara anos para se completar, uma das criaturas mortais resistira. Dragos e seu pai alienígena tinham feito um pacto. Em vez de matar o vampiro, Dragos o ajudara a se esconder. Apenas mais tarde, depois de ter sido ferido em combate, ele decidira contar seu segredo. Mas o bastardo não o revelara completamente. Dragos se recusara a fornecer a localização da cripta onde o Ancião repousava em estado de prolongada hibernação. Marek ainda se lembrava como se tivesse acontecido no dia anterior. Furioso, acabara matando Dragos e mandando aquela perigosa informação com ele para o 108
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inferno. Depois, fora procurar a única pessoa que ainda podia lhe ser útil de alguma forma: Kassia, a Escolhida de Dragos. Mas ela também o desapontara. Sentindo a morte do parceiro nas veias literalmente, a mulher se matara antes que ele pudesse arrancar dela a importante informação. Suspirou pesadamente. Naquele tempo, ele estivera obcecado pelo segredo de Dragos. Havia torturado e matado em nome daquela busca. Fazia muito tempo abrira mão da honra, fingira a própria morte, e traíra seus irmãos; tudo pela chance de ser aquele a libertar o antigo terror e usá-lo em proveito próprio. Enfim, após uma busca interminável, recentemente tinha encontrado a primeira pista útil: o nome Odolf. Os Odolf eram uma família da Raça dos velhos tempos que havia tido laços com Kassia, a Escolhida de Dragos. Ela havia dado a eles algo de grande valor, muitos séculos antes, mas nem mesmo tortura fora suficiente para dar a ele as respostas que procurava. " E agora a Ordem estava cada vez mais próxima da verdade. Inacreditável. Não trabalhara tanto, esperara tanto, apenas para deixar tudo escapar por entre seus dedos. Recusava-se a pensar nessa possibilidade. Ele seria o vencedor. A verdadeira batalha estava apenas começando.
Assim que chegaram à sede, Tegan levou Elise aos seus aposentos, onde ela poderia se refrescar e descansar, e depois seguiu para o laboratório de tecnologia, onde a Ordem estava reunida a seu pedido. Todos se encontravam ali, até Rio. A presença do guerreiro espanhol foi uma agradável surpresa para Tegan, embora muitos dentre os homens ali presentes já houvessem lutado ao lado de Tegan. Outros, ainda, teriam de ser testados. Durante muito tempo ele pensara estar sozinho naquela batalha. Sempre pudera contar com Lucan e os outros, é claro; mas travara cada luta como se fosse pessoal, perdido em seu isolamento. Até conhecer uma bela mulher que o ensinara a não ter medo da luz. Agora que a conhecera, queria ter certeza de que a escuridão que tinha conhecido jamais a tocaria. E isso equivalia a mantê-la segura, longe das garras de Marek. — Então, o que tem para nos dizer sobre Petrov Odolf? — Lucan perguntou. — Está louco. E quando não está transtornado, urrando e babando, mostra-se catatônico. — Tegan tirou do bolso as cartas cedidas por Irina, entregando-as ao líder. — Antes de se tornar Corrupto, Odolf esteve escrevendo em código. Evidentemente, o irmão dele, que também foi Corrupto antes de Odolf, esteve obcecado por hábito semelhante. Parece familiar? — A mesma coisa que encontramos no diário que Marek procura. — Exatamente. Odolf disse algo esquisito em um de seus raros momentos de lucidez. Quando Elise e eu perguntamos o que significava o enigma, ele disse: "É onde ele se esconde". — Ele, quem? — Gideon perguntou, pegando as páginas de Lucan e examinando109
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as. — É uma referência a algum tipo de localização? — Talvez. Odolf não disse. Talvez nem saiba. Não conseguimos mais nada com ele. Dante se manifestou: — Seja o que for, é importante o bastante para despertar o interesse de Marek. E isso não pode resultar em nada muito bom. — E ele está disposto a matar qualquer um que se coloque em seu caminho —acrescentou Tegan. — Quando descobriu que estávamos em Berlim, Marek deu ordens aos Seguidores da cidade para que encontrassem e matassem Elise. Um deles quase conseguiu. Ela reagiu, feriu o desgraçado e conseguiu fugir. Naquela mesma noite, eu saí e acabei com ele. — Tegan sentiu o olhar de Chase e decidiu ser honesto. — Nos últimos dias, Elise se tornou muito importante para mim. Não vou permitir que nada aconteça a ela. Daria minha vida para mantê-la segura. Chase o encarou em silêncio por alguns instantes, depois assentiu. — E quanto ao glifo que você encontrou no diário? Aquele símbolo pertencia a um dos primeiros guerreiros, não? Um Gene Um chamado Dragos...? — Exatamente. Deve haver uma conexão, mas não sei qual é. Sei que Dragos está morto. Lucan pode confirmar, já que viu o corpo. O líder da Ordem concordou de pronto. — A Escolhida de Dragos também o viu morto. E essa experiência deve ter sido demais para Kassia porque, naquela mesma noite, ela se matou. Nikolai se manifestou: — O que temos para começar? Um cenário do tipo Romeu e Julieta, um Corrupto enlouquecido, recitando enigmas, um glifo inscrito na margem de um velho diário embolorado, e Marek metido em tudo isso. — Encontre Marek e vai começar a obter respostas — Dante sugeriu em voz baixa. — Mas não temos pistas — comentou Gideon. — Ele se escondeu muito bem desde que o encontramos no verão passado. — Então vamos caçá-lo como o verme que é — Rio falou pela primeira vez em tom letal. — Vamos desenterrar o desgraçado, arrancar o infeliz do submundo e torrar o filho da mãe. Tegan olhou para Lucan, que ouvia a conversa em silêncio. No meio do calor da batalha e da revolta provocada por tantas mortes, era fácil esquecer que Lucan e Marek eram irmãos. — Isso o incomoda? Os olhos prateados que buscaram os de Tegan eram firmes. — Não sei o que Marek está tramando, mas ele precisa ser contido. E a questão é quando. Vamos usar todos os meios para isso. *** Elise escutou vozes femininas quando percorreu o corredor, a caminho dos aposentos de Tegan, e parou diante da porta aberta. No interior da sala, as Escolhidas 110
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dos guerreiros da Ordem conversavam e riam. — Elise! — Gabrielle exclamou ao vê-la. — Seja bem-vinda! Soubemos há pouco que você e Tegan tinham retornado, e eu estava mesmo pensando em procurá-la. Não quer se juntar a nós? Elas comiam frutas e queijos na aconchegante biblioteca. Tess distribuía pratos, e já havia um extra para ela. Savannah abria uma garrafa de vinho branco gelado. Assim que sentou-se com as outras, Elise foi bombardeada por perguntas sobre a viagem, sobre o que ela e Tegan tinham descoberto ou estavam pesquisando, e sobre coisas relacionadas a Petrov Odolf e o diário que Marek tanto queria. Elas não estavam interessadas em fofoca ou escândalo, e logo a conversa começou a fluir com facilidade. Elise contou às outras o que sabia, relatando detalhes das visitas que fizera com Tegan à clínica de reabilitação. — O que aconteceu com seu rosto? —: Tess perguntou, intrigada. — Que marcas são essas? — Ah, eu fui atacada por um Seguidor. — Meu Deus! — Savannah exclamou. — Deixe-me dar uma olhada nisso—: pediu Tess, levantando-se para ir examinar as marcas de perto. Elise sentiu um leve formigamento na área tocada pela Escolhida de Dante e soube que ela a curava com seu poder especial. O trauma desapareceu, levando com ele o desconforto. Elise sorriu, sentindo-se sentiu invadida por uma paz repentina. — Seu poder é impressionante. — Algumas coisas estão além da minha capacidade. Não posso apagar cicatrizes ou curar feridas que já se fecharam por conta própria. Alguns danos são irreversíveis. Estou aprendendo isso com Rio. — Ele melhorou, muito depois que você começou a trabalhar em suas lesões — Savannah comentou. — Não fosse por Você, ele ainda estaria na cama. — Não. O que o mobiliza é pura raiva. A cura que operei em alguns de seus ferimentos foi puramente incidental. — Rio foi ferido em uma emboscada de Corruptos no verão passado — Gabrielle explicou a Elise. — Ele sofreu lesões graves em consequência de uma explosão, mas o pior foi descobrir que sua Escolhida havia contribuído para o ataque. — Que horror! — Sim, foi terrível. Eva traiu Rio e os outros guerreiros da Ordem, delatando-os a Marek. Em troca, Lucan deveria ter sido o principal alvo da explosão. Devia ter morrido naquela noite, mas a bomba só o feriu. Ele e Rio foram atingidos, porém Rio levou a pior. Eu vi quando Eva confessou o que tinha feito... e quando se matou, logo depois. — Foram dias terríveis — Savannah concordou. — Foi muito triste perder Eva daquela maneira. Sempre a consideramos uma amiga, mas o que ela fez com Rio e aos outros foi imperdoável. — Rio não consegue superar — Tess revelou. — Dante e eu estamos realmente preocupados com ele. Às vezes me pergunto se ele já não foi longe demais. Algumas vezes, quando estamos trabalhando na cura, tenho a sensação de estar diante de uma 111
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granada armada, esperando apenas por uma desculpa para explodir. — Para você ter ideia de quanto a situação é delicada, Rio faz Tegan parecer o garoto-propaganda da normalidade e do ajuste — completou Savannah. — Mas ele não foi tão assustador em Berlim, foi? — Gabrielle arriscou. — Sei que conviver com Tegan não é muito fácil, mas... — Não, não, ele foi ótimo — Elise cortou. — Foi gentil, protetor... e complicado a ponto de se tornar irritante. Tegan é o homem mais intenso que jamais conheci. Mas é muito mais do que a maioria das pessoas pode imaginar. — Resumindo, você e Tegan... Antes que confirmasse a suposição de Gabrielle, Elise foi envolvida pelos braços da nova amiga. As outras duas também a abraçaram e desejaram felicidades, criando um imediato círculo de afeto e amizade, no qual ela se sentiu aceita. E foi nesse momento emocionante que Elise notou, pela primeira vez, a tapeçaria na parede da biblioteca. As cores do cenário medieval eram lindas, retratando um cavaleiro sobre um cavalo de guerra. Os detalhes eram ricos como se fossem pintados sobre tela. A complexidade da tapeçaria era extraordinariamente familiar. E inconfundível. Vira uma peça de idêntica complexidade quando estivera na casa de Irina Odolf: o bordado que envolvia as cartas por ela encontradas. — A tapeçaria... — ela disse. — De onde veio? — É de Lucan — respondeu Gabrielle. — Foi feita para ele há muito tempo, por volta de 1300, quando a Ordem era nova. Elise se agitou. — Quem fez a tapeçaria? Vocês sabem? — Uma mulher chamada Kassia — disse Gabrielle. — Ela era a Escolhida de um dos membros da Ordem original. Lucan sempre diz que ela possuía um talento inigualável com as agulhas. Pelo que ele conta, essa foi a última tapeçaria feita por Kassia, e também seu trabalho mais surpreendente. O cavalo de guerra de Lucan... — Posso examiná-la? — Elise perguntou, já se aproximando do trabalho na parede. Sobre a colina atrás do cavaleiro, um castelo ardia sob a lua crescente. E sob os cascos do cavalo, havia um campo destruído, a plantação arrancada da terra e arruinada. Castelo e sítio devem se unir sob a lua crescente. O estranho enigma surgiu em sua mente, ecoando na voz atormentada de Petrov Odolf. Não podia ser... podia? Elise tocou o trabalho. Tudo tinha sido feito com grande cuidado. E, no canto inferior direito, ela viu a marca da tecelã: o símbolo de uma Escolhida, como o que vira no bordado na casa de Irina, costurado no padrão. Havia alguma mensagem escondida ali? Bem ali, o tempo todo? — O que foi, Elise? — Gabrielle perguntou, aproximando-se dela. — Há algo errado na tapeçaria? Elise sentia o coração bater depressa no peito. — Posso pegar este trabalho? Tirá-lo da parede? 112
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— Acho que sim... claro! — Gabrielle subiu na cadeira mais próxima e removeu a tapeçaria do gancho na parede. — O que devo fazer com ela? — Estenda-a em algum lugar, por favor. -— Vou limpar a mesa — disse Savannah, e Tess a ajudou a remover os pratos. Elise e Gabrielle estenderam a tapeçaria sobre a superfície firme, e Elise estudou a peça em silêncio por um instante, lembrando-se do restante do verso codificado: Volte seu olhar para as terras do oriente. No entroncamento está a verdade. —- Quero fazer uma experiência. Vou ter de dobrar a tapeçaria, mas prometo ser cuidadosa. Elise puxou a parte de cima sobre a de baixo no sentido diagonal, unindo o castelo e o campo sob as patas do cavalo de Lucan. — Castelo e sítio devem se encontrar sob a lua crescente... —- ela murmurou, vendo as duas extremidades se encontrar e formar um novo desenho. — Parece uma região montanhosa — Tess opinou. — De onde tirou a ideia de fazer isso? — O diário de Odolf contém escritos antigos; as mesmas frases pelas quais Petrov Odolf ficou obcecado nas semanas antes de se tornar Corrupto e enlouquecer, vítima da Luxúria do Sangue. As mesmas frases que o irmão dele havia escrito antes de se tornar Corrupto. Meu Deus! É como um quebra-cabeça que nunca poderíamos resolver. — Está dizendo que esta tapeçaria está de alguma forma associada a tudo isso? — Gabrielle se espantou. — Deve estar. "Volte seu olhar para as terras do oriente." Talvez, se virarmos a tapeçaria para a esquerda... Ela girou a tela noventa graus, de forma que o limite superior estivesse voltado para o Leste. Agora o centro dobrado se encontrava na vertical. E do esboço emergia outro, algo que não estivera visível até encontrarem aquele novo ângulo. O desenho apagado de uma cruz fora bordado na tapeçaria, e no centro dela uma única palavra fora formada pelos pontos da artesã habilidosa. — Praga! — Elise leu em voz alta, perplexa por uma voz tão antiga estar agora falando por intermédio da tapeçaria. — Seja qual for o segredo, está em Praga! — É incrível! — Savannah exclamou, tocando o trabalho e tirando a mão como se houvesse queimado os dedos. Então tocou a tela novamente, desta vez sustentando o contato em silêncio, como se pudesse ouvir alguma coisa. — Savannah? O que foi? Quando finalmente falou, a voz da moça soou fria como a morte. — Esta tapeçaria tem mais alguns segredos para contar.
Os guerreiros se preparavam para a patrulha quando a porta do laboratório se abriu e quatro lindas mulheres entraram. Elise e Gabrielle carregavam a tapeçaria da biblioteca de Lucan; Tess e Savannah vinham logo atrás com expressão muito séria. Savannah parecia especialmente perturbada, os punhos cerrados e a boca oprimida numa linha fina. 113
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Tegan olhou para Elise. — O que aconteceu? — A tapeçaria. — Ela e Gabrielle abriram o trabalho sobre a mesa de reuniões. — Acho que deciframos o enigma de Odolf. Atônito e orgulhoso, ele a viu recitar cada verso e dobrar a tapeçaria de acordo com as palavras: Era incrível, e absolutamente óbvio, agora que Elise explicava tudo. Quando terminou, ela exibia um desenho inteiramente novo, criado por Kassia. Elise olhou para Tegan. — Quando estive na casa de Irina, ela me mostrou um bordado que também continha um segredo entre seus pontos. Quando vi a tapeçaria na parede, tive a certeza de que ela fora feita pelas mesmas mãos. E deduzi que havia mais nisto do que os olhos viam. Tegan sorriu e a abraçou, sem se importar com os olhares intrigados. — Bom trabalho — elogiou, beijando-a na testa. — Conheço a cadeia de montanhas — Lucan se manifestou, ainda inspecionando a tapeçaria. — Fica ao norte de Praga — disse Tegan. — Não muito longe da região na qual a maior parte da Raça vivia naquele tempo. — Então isto é um mapa — Rio resumiu. — O que estamos esperando? — Não o que, mas quem — Savannah falou pela primeira vez. — A tapeçaria aponta para um local onde Dragos ajudou a esconder alguém: o vampiro que o trouxe à vida. — Senhor... — A Escolhida de Dragos teceu essa peça especificamente para mim — Lucan disse com ar sombrio. — Está dizendo que Kassia deixou esta mensagem no trabalho deliberadamente? Por quê? E por que ela não me falou na época? — Porque tinha medo. Havia sido confiado a ela um terrível segredo, e ela temia o que poderia acontecer se o revelasse. — Sentiu tudo isso no bordado, querida? — Gideon se espantou. — E ainda há mais... E não é nada bom. — Mas precisamos saber — Lucan a incentivou. Savannah tocou a tapeçaria. O dom da psicometria dominado por ela já havia sido útil à Ordem no passado, mas todos na sala sabiam que nunca este fora mais necessário do que naquele momento. — Kassia era atormentada pelo que sabia, mas Dragos a vigiava de perto. Se ela revelasse o segredo, o parceiro descobriria. Talvez mudasse de lugar o que escondia, e então não haveria esperança de reparar o erro que ele cometera. Kassia não tinha ninguém com quem dividir o fardo, nem mesmo sua querida amiga, Sorcha. Elise tocou o braço de Tegan num gesto de conforto, e Savannah continuou: — Quando Lucan pediu a Kassia que fizesse esta tapeçaria, ela encontrou um meio de preveni-lo sobre os atos de Dragos. Assim, enquanto bordava uma recordação, ela adicionava pistas e rezava para que, um dia, ele as descobrisse... e para que esse dia não chegasse tarde demais. 114
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— O que Dragos fez? — Lucan perguntou, sério. -— Como ele começou tudo isso? Savannah o encarou. — Quando você declarou guerra aos últimos Anciãos, apenas alguns meses antes da tapeçaria ser feita, Dragos e a criatura alienígena de quem ele recebera a vida forjaram um pacto. Dragos ajudaria o pai a escapar para as montanhas, e assim ele não teria de ficar e lutar contra a Ordem. — Não pode ser! Dragos e outros guerreiros lutaram contra essa criatura! Ele venceu o confronto, embora tenha sido gravemente ferido... — Tudo isso era parte do plano. Depois de matarem os outros, Dragos ajudou o pai a se esconder em uma cripta construída especialmente para esse fim nas montanhas, na região de Praga. Dragos estava mesmo ferido, mas eram feridas superficiais, somente para esconder a verdade. O plano era deixar o Ancião em estado de hibernação até tudo se acalmar na Ordem. Depois, o Ancião seria despertado para se alimentar novamente e começar uma nova geração da Raça. Gideon estava perplexo. — Kassia soube se Dragos chegou a libertar o bastardo? — Acho que não. Não estou captando nada que possa indicar que ela sabia qual havia sido o desfecho dessa situação. Dragos contou a ela onde ficava a cripta, e foi isso que ela inseriu no bordado. Ela queria que Lucan tivesse as pistas, caso alguma coisa acontecesse a ela. — Oh, Lucan — Gabrielle o abraçou. — Ainda há uma coisa — Savannah avisou. — Uma criança. Kassia estava grávida quando fez a tapeçaria. Dragos esteve fora por quase um ano em uma missão... Tanto tempo, que ela teve o filho em segredo e o deixou com uma família da Raça antes do retorno do companheiro. Ela não queria que o único filho fosse vítima da perigosa aliança do parceiro, por isso tomou medidas para proteger o bebê e dar a ele um futuro mais seguro. — Vamos ver se adivinho o nome da família a quem Kassia entregou a criança... — Gideon comentou. Savannah assentiu. — Exatamente. Odolf. — Ouvi dizer que, nas condições adequadas, os Anciãos poderiam hibernar por gerações — disse Kade. — Séculos — Tegan corrigiu. — O Ancião escondido ainda pode estar lá, dormindo no solo de Praga, esperando pela libertação. — Uma libertação que mudaria o mundo para sempre — murmurou Dante. — E se alguém decidir se aliar a esse poder mortal... Alguém como Marek...— sugeriu Niko. — Não podemos correr esse risco — Lucan decidiu, — Temos de ir a Praga e encontrar o desgraçado. — Reichen está a poucas horas de lá, em Berlim — disse Tegan. — E ele se ofereceu para nos ajudar em caso de necessidade. — Acha que ele é confiável? — Inteiramente, Lucan. 115
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— Então, telefone para ele. Mas só forneça as informações necessárias, sem detalhes. Diga que estamos a caminho e vamos precisar de transporte. Podemos encontrá-lo no aeroporto Tegel. — Não acha que devemos ir diretamente a Praga? — sugeriu Brock. Tegan balançou a cabeça, entendendo a tática de Lucan. — Reichen pode ser confiável, mas não sabemos nada sobre as pessoas que o cercam. Marek já sabe que estamos interessados em alguma coisa em Berlim. Não precisamos atrair seu olhar para Praga. — Exatamente — concordou o líder. — Informaremos Reichen sobre os detalhes quando o encontrarmos. — Vou pedir autorização para o voo. A decolagem será feita ainda hoje — disse Gideon. Todos se separaram para cuidar dos preparativos. Tegan segurou a mão de Elise e a levou ao quarto que ocupava na Ordem, disposto a passar mais alguns momentos com ela. Talvez não voltasse daquela missão. Embarcava com um objetivo pessoal: destruir Marek, nem que para isso tivesse de morrer também. Por isso queria ficar com ela o máximo possível agora, antes da guerra. Elise e Tegan passaram o restante do dia fazendo amor e evitando falar sobre o futuro. Ela conhecia os segredos da tapeçaria, sabia que as informações o incomodavam, mas Tegan foi se tornando mais e mais distante com a chegada da noite. Era como se já houvesse partido; como se lutasse contra o fantasma de um inimigo que o assombrava havia muito tempo, e que agora tinha de ser exorcizado. O telefonema para Reichen resultara em notícias preocupantes: Petrov Odolf havia piorado. A clínica informava que o Corrupto se tornara instável depois da última visita de Tegan e Elise. Em algum momento daquela noite, ele tivera surtos violentos, durante os quais atacara um dos funcionários, quase matando o atendente num ataque de fúria. Tegan parecia especialmente cético quanto ao relatório do diretor Kuhn. Não confiava no responsável pela clínica e, quando desligou o telefone, deixou com o homem Darkhaven a missão de obter mais respostas sobre a condição do Corrupto. — Tome cuidado — Elise pediu quando saíram do quarto para ir ao encontro dos outros na sala principal da sede. Tegan a beijou nos lábios, mas havia uma enorme distância em seus olhos. — Eu amo você — ela disse, tentando sufocar a preocupação. — Volte logo para mim, ouviu? Prometa que não vai tentar ser o heroi. — Eu, heroi? — Ele riu. — De jeito nenhum. O som de vozes na sala próxima indicava que os guerreiros já estavam reunidos. Elise sorriu para o parceiro, mas estava dominada por um terrível presságio. Tess e, Gabrielle também estavam apreensivas. Fora acertado que Gideon permaneceria na sede, de onde poderia monitorar a operação e ser um ponto de contato para os outros no campo. A maior surpresa foi Rio. O guerreiro em franca recuperação vestira seu traje de combate e esperava com os outros, seus olhos cor de topázio expressando intensa fúria. Estar perto dele era assustador. Lutar contra ele... Bem, Elise decidiu que preferia nem pensar nisso.
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Lucan olhou em volta, certificando-se de que todos os guerreiros estavam ali. — Prontos? Todos assentiram. — Muito bem. Chegou a hora.
Andreas Reichen os esperava no aeroporto Tegel com duas caminhonetes. Tegan fez as apresentações, e todos seguiram para a propriedade de Reichen em território Darkhaven, onde se instalaria temporariamente a base da operação. — Sempre quis saber como era ser um membro da Ordem — Reichen comentou. — Cuidado com o que deseja —: Lucan respondeu. — Dependendo de como tudo se desenvolver, é bem possível que você seja recrutado para atuar conosco no campo. — Alguma novidade boa da clínica? — Tegan perguntou. — Péssimas notícias. Odolf mergulhou na Luxúria do Sangue e passou a ter convulsões violentas. Começou até mesmo a espumar pela boca. O atendente com quem falei disse que isso é muito estranho, quase como se Odolf estivesse raivoso. Infelizmente, ele está morto agora. — Droga! — O relatório tinha a assinatura invisível de Marek. — E essa espuma que Odolf cuspia? Sabe se era rosada, se tinha algum odor marcante? — Não sei, mas posso tentar investigar. — Não. Esqueça. Eu assumo de agora em diante. Lucan sabia exatamente aonde isso os levaria. — Está pensando que o Corrupto recebeu Crimson? — Só há uma maneira de descobrir. Estarei de volta em duas horas. — O dia estará nascendo nesse mesmo período — Lucan lembrou. — Então, é melhor eu me apressar. Encontro vocês no reduto Darkhaven. — Tegan... Mas eleja se afastava, apressado, saindo do aeroporto.
O diretor Kuhn estava em seu escritório na clínica, preparando os documentos para a liberação do corpo do paciente morto recentemente, quando recebeu o chamado aflito da segurança. Alguém invadira a propriedade. Um homem da Raça, um guerreiro Gene Um, considerando seu tamanho e poder. Passara pelos portões e estava agora em algum lugar do prédio. — Atirar para matar, senhor? — perguntou o chefe da segurança. — Não — Kuhn respondeu. — Detenham o invasor e tragam-no a mim. Kuhn desligou, certo da identidade do guerreiro. Havia sido prevenido de que a Ordem logo entraria em cena, após a divulgação da morte de Petrov Odolf. Lamentava ter permitido a entrada do guerreiro chamado Tegan e sua acompanhante, a mulher da Agência de Defesa. Seu trabalho era proteger os pacientes de qualquer perturbação 117
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externa, e deixara de cumpri-lo, não apenas naquela ocasião, como posteriormente, quando permitira a visita final na cela de Odolf. Era o medo desse último visitante que o atormentava. De alguma forma, contrariando tudo o que acreditava ser correto, ele se permitira envolver numa associação que acabara com o terrível sofrimento de Petrov Odolf e sua morte. Kuhn havia sido ameaçado de fim semelhante, se não fosse útil para aquele novo e mortal conhecido. Talvez devesse fugir enquanto a situação não ficava ainda pior. Afinal, era quase dia, e não pretendia ficar ali sentado, esperando por mais problemas. Mas era tarde demais. Kuhn não saberia dizer quando sentiu o primeiro deslocamento de ar, mas, ao se virar para a porta da sala, viu os olhos verdes e frios fixos em seu rosto. — Guten morgen, Herr Kuhn. — O sorriso do guerreiro era gelado. —- Eu soube que teve alguns problemas aqui na clínica. — Eu... não sei a que se refere. O guerreiro saltou e aterrissou, agachado, sobre a mesa do diretor. — Petrov Odolf está morto. Isso refresca sua memória? — Ah, bem... Foi um infortúnio, mas ele estava muito doente. Pior do que eu imaginava. O diretor levou a mão à parte de baixo tampo da mesa, procurando pelo botão que faria disparar um alarme silencioso. Mas ele mal teve tempo de mover os dedos antes de sentir a lâmina fria sob o queixo. — Em seu lugar, eu não faria isso. — O que você quer? — Quero ver o corpo. — Para quê? — Para saber se você precisa morrer ou não. — Oh, Deus! Por favor, não me machuque! Juro que não tive escolha! — Você jura! A lâmina no pescoço de Kuhn foi substituída por dedos fortes e gelados. Os olhos verdes permaneciam fixos nos dele. — Bastardo mentiroso! Você e Marek... O estalo da porta sendo arrancada das dobradiças interrompeu a frase. Houve uma súbita rajada de tiros, disparos provenientes de quatro armas empunhadas por seguranças que abriam fogo contra o invasor. O guerreiro rugiu ao ser atingido. Os dedos soltaram o pescoço de Kuhn, que recuou e viu, aliviado, seu agressor cair da mesa para o chão. Os olhos implacáveis perderam o brilho. Kuhn ganhou coragem e se aproximou da besta caída sobre o tapete, olhando para a coleção de dardos tranquilizantes cravados em seu corpo. — Está bem, senhor? — um dos guardas perguntou. — Sim, tudo bem. Não quero que esse incidente seja relatado, entenderam? Não houve nada. Ninguém esteve aqui. Vou providenciar para que o invasor seja removido do 118
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prédio. Os guardas saíram, e Heinrich Kuhn usou o celular que havia recebido para discar o único número programado no aparelho. Quando a voz baixa soou do outro lado, Kuhn anunciou: — Algo interessante acabou de chegar. Para onde devo mandar a encomenda?
Lucan soube que algo estava errado antes mesmo do amanhecer. Agora, duas horas antes do meio-dia, só podia presumir o pior. Não era incomum que Tegan fosse sozinho a suas missões, mas daquela vez ele ultrapassara todos os limites. E ainda não retornara da clínica. Não mandara notícias, e não havia nem sequer um sinal de celular para indicar onde ele se encontrava, ou em que tipo de encrenca estava metido. Lucan ligara para a clínica mas a informação era que Tegan não estivera lá. Quanto à morte de Odolf, somente o diretor podia dar informações sobre o assunto, e Heinrich Kuhn não estaria disponível até voltar para seu expediente ao cair da noite. Sabia que Tegan estava encrencado. — Dante, você e Chase vão comandar o início da missão em Praga. A Ordem partirá esta noite. Eu vou ficar para localizar Tegan. — Como? Não sabemos onde ele está, nem mesmo se ainda se encontra na cidade. Vai levar uma eternidade para realizar essa busca de porta em porta. — Conheço um meio melhor para encontrá-lo.
A mente de Tegan despertou antes do corpo. A garganta queimava, ainda revestida pelo resíduo da droga injetada em seu sistema pelos guardas de Kuhn. Não estava mais na clínica; seu olfato fornecia essa informação. Em vez do cheiro característico do lugar, sentia agora o aroma de madeira, argila, tijolos e tinta fresca. Havia também um cheiro forte de... morte. Sangue da Raça derramado e coagulado. Muito sangue. Não precisava tentar se mover para saber que estava amarrado. O peso das correntes e algemas era inconfundível nos pulsos e nos tornozelos, e sentia o corpo estendido como as asas de uma grande ave entre duas vigas de madeira. Lá em cima, sobre a estrutura onde estava preso, corvos grasnavam. O interior do lugar era escuro, mas era dia lá fora. Devia estar ali havia horas. Abriu um olho com grande dificuldade. Sua visão estava embaçada, e uma vertigem o dominou completamente. — Enfim acordado — comentou uma voz que Tegan reconheceu mesmo em seu estado de torpor. — Aqueles idiotas empregados por Kuhn quase o mataram com seus dardos tranquilizantes, mas esse é um privilégio que pretendo reservar para mim. Tegan não respondeu. Mesmo que pudesse dominar a língua e articular as palavras, Marek não merecia uma resposta. — Acorde, Tegan, e diga onde ele está! Dedos firmes o agarraram pelos cabelos, levantando sua cabeça. Um soco violento atingiu sua face, mas ele mal registrou a dor no meio da confusão causada pelo sedativo. 119
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— Precisa ser convencido? Alguma coisa era mantida sob seu nariz. Quando o soco o atingiu entre as pernas, ele inspirou-e absorveu o pó que penetrou suas narinas e sua boca aberta. Tossiu, quase sufocando com a substância de cheiro forte. — Aí está. Um pouco de Crimson vai acelerar o processo. Tegan tentou cuspir a droga, mas foi inútil. O Crimson já penetrava seu cérebro como uma corrente elétrica, provocando espasmos e tremores. Sentiu a corrente sanguínea absorvendo a droga, levando um calor intenso aos membros adormecidos. Quando o impacto inicial foi superado, abriu os olhos e encarou seu carcereiro com expressão furiosa, assassina, Marek riu. —- Online novamente? — Vá para o inferno! — Onde ele está, Tegan? Já encontrou o esconderijo? Sei que a Ordem tem o diário. Sei que você viu o enigma. E sei que falou com Petrov Odolf. O que ele disse? — Ele esta morto. — Sim, graças a uma overdose de Crimson, como deve ter deduzido depois da visita que fez a Herr Kuhn, aqui presente. Tegan olhou na direção apontada e descobriu a origem do cheiro de morte. O corpo decapitado do diretor Kuhn estava caído no chão, ao lado de uma espada suja de sangue. Marek encolheu os ombros. — Ele não servia mais para nada. Todos do rebanho Darkhaven perderam seu propósito, não acha? Esqueceram-se de suas raízes, se é que realmente algum dia as entenderam. Quantas gerações nasceram desde a primeira da qual você e eu fazemos parte? Muitas. E cada uma delas surgiu mais fraca, com seu sangue diluído nos genes falhos dos homo sapiens. É hora de recomeçar, Tegan. A Raça precisa cortar seus galhos atrofiados e começar um novo reinado do poder do Gene Um. Quero ver a raça prosperar. Quero que sejamos reis... como deve ser. — Você é maluco. E só quer poder para você mesmo. Sempre quis. — Eu mereço governar. Eu sou o mais velho. Tive uma visão clara de como nossa raça deve evoluir. Os humanos deveriam estar se escondendo de nós, vivendo para nos servir; não o contrário. Lucan não concordava com isso. Ainda não concorda. Sua humanidade é a maior fraqueza do atual líder da Ordem. — E a sua é a arrogância. — E quanto à sua, Tegan? Ah, sim, ainda me lembro dela... Sorcha! Tegan lutou contra a fúria que ameaçava dominá-lo. Sorcha estava morta. Ele finalmente superara a dor da perda e a culpa, e Marek não poderia mais puni-lo com as lembranças. — Sim, essa foi sua fraqueza. Eu sabia disso quando fui procurá-la naquela noite. Você se recorda, não é? A noite em que ela foi capturada de sua casa enquanto você estava fora em mais uma patrulha com meu irmão. — Foi você?! — Quem mais? Ela e a vadia de Dragos eram muito amigas, por isso imaginei que 120
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Sorcha poderia me contar o segredo que Dragos levou para o túmulo e que Kassia roubou de mim ao se matar. Mas Sorcha não sabia de nada. Ou quase nada. Ela sabia sobre um filho que Kassia tivera em segredo e mandado para longe; um herdeiro sobre o qual nem o próprio Dragos sabia. Tegan tentou não pensar no que Sorcha havia passado nas mãos de Marek. O bandido continuou: — Ela cedeu logo, como eu já esperava que fosse. Sorcha nunca foi forte. Era apenas uma menina doce que contava com sua proteção. Foi uma pena ter de fazer dela uma Seguidora, especialmente depois de ela ter confessado tudo o que sabia ao primeiro sinal de dor. — Seu desgraçado! Doente, maldito! Por que fez isso com ela, se ela falou tudo o que você queria saber? — Porque eu podia fazer. O rugido de Tegan sacudiu a estrutura do galpão, fazendo vibrar as janelas pintadas de preto. Ele lutou contra as amarras, mas a explosão e a descarga de adrenalina só o deixaram mais exausto e arfante. Estava fraco demais para se libertar. — E porque posso, Tegan. Vou matar você e todos de quem gosta se não me contar qual é o significado do maldito enigma. Quero saber onde está o Ancião! Tegan estava tonto, ainda sob efeito dos sedativos. Marek abriu a porta e chamou dois Seguidores que guardavam o local do lado de fora. — Levem o corpo para o lado de fora e deixem queimar — ele ordenou, apontando para o cadáver de Kuhn. Enquanto os Seguidores faziam o que ele ordenava, Marek olhou para Tegan. — Parece que precisa de um tempo para pensar no que pedi. Pense, Tegan. Pense muito. Voltaremos a conversar mais tarde.
Elise notou a expressão de Gideon e soube imediatamente que alguma coisa terrível havia acontecido. — Lucan quer falar com você — ele anunciou. Ela pegou o celular, tentando conter o pânico. — O que aconteceu com Tegan? — perguntou sem preâmbulos. — Lucan, por favor, diga que ele está bem. — Eu não sei, Elise. Ela ouviu o líder falar sobre o desaparecimento de Tegan. Não o viam havia horas, nem tinham notícias dele. Lucan enviara o restante da Ordem para Praga com Reichen, mas ficaria para continuar procurando por Tegan. Ele não sabia por onde começar, mas, suspeitando do elo de sangue entre eles, sugeria que Elise seria o melhor instrumento de rastreamento. — Não temos certeza, mas suspeito de que Marek o tenha capturado. Nesse caso, não temos muito tempo antes de... — Estou indo para aí — ela anunciou, já olhando para Gideon, que continuava parado na porta do quarto de Tegan, na sede — Pode conseguir um voo para Berlim nas 121
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próximas horas? — O jato da ordem ainda está lá, mas posso fretar um jatinho. — E um voo comercial? — Quer mesmo passar metade do dia sentada em um avião cheio de humanos? Acha que está preparada para isso? Ela não sabia se estava ou não preparada, mas não permitiria que isso a retardasse em sua missão de vida ou morte. Se tivesse de embarcar num voo lotado de assassinos condenados, não hesitaria nem por um instante. Faria tudo o que pudesse para salvar Tegan. — Faça o que for possível, Gideon, e o que for mais rápido. Por favor. Preciso embarcar o quanto antes.
O voo para Berlim foi longo e difícil. Elise passou cada hora, cada minuto, lutando para ser mais forte do que seu poder. Graças a Tegan, já conseguia superar o pior efeito dessa habilidade; não apenas pelos ensinamentos valiosos que recebera dele, mas pelo amor que a fortalecia. Conseguia suportar com coragem até a terrível enxaqueca que começara pouco depois da primeira hora de voo. A vida de Tegan dependia dela. Por isso tinha de ser forte. Não podia falhar. Lucan a esperava no aeroporto, e ela logo suspirava, aliviada, no interior do automóvel escuro emprestado por Reichen. — Espero que entenda que, se encontrarmos Tegan, ele vai me matar por tê-la envolvido nisto. — Nós vamos encontrar Tegan. Não existe alternativa. E vamos começar agora mesmo. Não vou descansar enquanto não varrermos todas as ruas da cidade.
Dante, Reichen e os outros guerreiros da Ordem pararam a SUV no acostamento da estrada deserta, na periferia de Praga. Ali a floresta era densa, e apenas algumas luzes fracas de casas afastadas cintilavam na escuridão. Os sete desembarcaram vestidos com trajes de combate, armados até os dentes com balas, lâminas de titânio e explosivos. Cada guerreiro levava também uma espada medieval na bainha, presa às costas; armamento pouco convencional para uma guerra moderna, mas necessário para enfrentar a criatura que pretendiam despertar de um sono prolongado e profundo. — Deve ser aqui — disse Dante. — O cenário é idêntico ao da tapeçaria de Kassia. — Vamos levar duas horas para escalar a montanha —-disse Niko. — O que estamos esperando? Vamos acordar o desgraçado. — Devagar — preveniu Dante. — Isto não é um jogo. Não é uma missão como as outras que tivemos. Essa coisa adormecida no coração da montanha não é um vampiro comum. Unam Lucan e Tegan, acrescentem Marek à receita, e ainda não estarão nem perto do que é esse bicho: um Gene Um multiplicado por cem. 122
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— Mas sua cabeça pode ser separada do corpo, como a nossa — Rio apontou em tom frio. — E essa é a maneira mais rápida de se matar um vampiro. — Exatamente. Teremos uma chance com ele. Só uma. Assim que encontrarmos a cripta e entrarmos nela, a prioridade será enterrar um metro de titânio no pescoço do miserável. — E vamos ter de atacar antes de ele se levantar — Chase acrescentou. — Se deixarmos essa coisa acordar antes de estarmos prontos para o ataque fatal, não sairemos mais de lá. — Alguém pode me explicar por que não quis ser contador? — Brock resmungou. Niko riu. — Porque um contador nunca tem chance de explodir coisas. — E também não pode tostar Corruptos — Kade acrescentou, rindo. — Ah, sim. Agora eu me lembro... — Bem, vamos em frente — Dante decidiu. O grupo começou a subir a encosta. Não sabiam o que encontrariam ao final da jornada, mas tinham certeza de que enfrentariam juntos o que os estivesse esperando.
Elise não sabia dizer quanto tempo Lucan e ela passaram dentro do carro. Horas talvez. Haviam percorrido todos os bairros da cidade, dos mais elegantes aos mais decadentes, parando em intervalos regulares para que ela pudesse ouvir o silêncio e a escuridão. Mas não desistiu. Nem mesmo quando o dia começou a nascer. — Lucan, sei que não suporta a luz... Oh! meu Deus! Pare o carro! Lucan brecou imediatamente, estacionando na rua residencial. Elise abriu a janela para sentir a brisa fria de fevereiro. — Por aqui — disse, sentindo as veias formigar. A sensação a guiava. Tegan estava perto. E o calor que percorria o seu corpo não era agradável. Era de dor. — Lucan, ele está preso por aqui, nesta rua. E está sofrendo! Depressa! Tegan está sendo torturado! Ela estava enjoada e tonta, não apenas pelo medo, mas pela dor que compartilhava com Tegan. Uma espécie de choque a sacudiu quando passavam diante do cativeiro, e ela apontou para a mansão de tijolos e concreto do outro lado da rua. O lugar era habitado. Havia um Audi branco estacionado na entrada, e sementes frescas no alimentador para pássaros na entrada do jardim. Um triciclo infantil fora esquecido no gramado. — É aqui. — Tem certeza? — Lucan estranhou. — Sim, eu tenho. Tegan está lá dentro. Lucan se armou.
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— Fique aqui. — Nem pense nisso. Vou entrar e ajudar a encontrar e libertar Tegan. — Não, Elise. É perigoso demais. Não posso permitir que entre comigo. Assim que eu saltar do carro, assuma o volante e siga para... — Lucan, há quatro meses eu pensei que minha vida houvesse acabado. Meu coração foi arrancado por Marek e seus Corruptos. Agora, por um milagre, estou feliz novamente. Nunca sonhei que isso poderia acontecer. Nunca conheci o tipo de amor que sinto por Tegan. Por isso, se acha que vou ficar sentada no carro, esperando, ou que vou fugir e me esconder enquanto ele está em perigo, lamento, mas pode esquecer. — Se meu irmão está lá dentro, mantendo Tegan cativo, não há como prever o que vamos encontrar. Ele pode estar perdido por várias razões. — Eu preciso saber, Lucan. Prefiro morrer tentando ajudá-lo a ficar aqui ou fugir. — Alguém já lhe disse que é muito teimosa? — Tegan deve ter dito isso uma ou duas vezes. — Nesse caso, ele vai entender o que tive de enfrentar quando a fiz vir comigo. — Lucan deu a ela uma lâmina de titânio presa a um cinturão de couro. Elise colocou a arma na cintura e fechou a fivela. — Estou pronta. — Ótimo. Vamos buscar nosso homem, então. Eles desceram do carro e se aproximaram da mansão com cautela. Quando chegaram bem perto da entrada, Elise foi tomada de assalto pela dor de Tegan e pela sensação provocada pela presença dos Seguidores na propriedade. Sua mente foi invadida por pensamentos corrompidos, vozes ameaçadoras. — Lucan... Seguidores. Vários deles. Ele assentiu e apontou para uma treliça na lateral da casa, indicando que ela deveria permanecer atrás dele. — Acha que consegue subir? Elise agarrou a escada improvisada e começou a escalada bem atrás de Lucan. No alto, portas francesas se abriam para um aposento cujas cortinas brancas tremulavam como fantasmas. No interior do aposento, uma mulher numa camisola branca jazia no chão, em meio a uma poça de sangue, o pulso cortado e ainda sangrando. — Marek — Lucan anunciou num sussurro. — Vai ter de ver coisas horríveis, agora. Elise respirou fundo, mas atravessou com o amigo a cena de violência recente, passando pela mulher morta e pelo marido que tentara sem sucesso defender a casa e a família do ataque de ferozes vampiros. A bile surgiu em sua garganta quando, ao passar pela porta, viu o corpo de um menino no corredor. Marek não poupara ninguém. Lucan a puxou pela mão através do corredor silencioso. Elise sentiu a onda de dor, porém não viu o Seguidor se aproximando até ele estar bem perto, tendo saído de outro aposento no exato instante em que passavam pela porta. Lucan silenciou a mente do escravo de Marek antes que ele pudesse emitir um aviso. A lâmina foi precisa e letal, e o corpo caiu sem que ele pudesse emitir um único som. 124
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Os dois passaram por cima do cadáver e seguiram em frente. Quando se aproximaram da escada que levava ao piso superior, Elise sentiu as veias vibrar com uma espécie de intuição. Podia quase sentir o coração de Tegan batendo em seu corpo, sua respiração ofegante oprimindo-lhe os pulmões. — Por aqui, Lucan. — Fique atrás de mim. Juntos, eles subiram a escada até uma porta trancada. Lucan moveu a trava com o pensamento. Empurrou a porta e atacou como um trem desgovernado, cravando uma lâmina na garganta do Seguidor que montava guarda. Outro tentou reagir e teve o mesmo fim. Mas foi a imagem de Tegan que quase arrancou um grito do peito de Elise. Preso pelos pulsos e os tornozelos a duas vigas de madeira, ele estava fraco, com a cabeça caída sobre o peito ensanguentado e ferido. — Tegan... Ele levantou a cabeça, e a fúria em seu rosto a fez parar. — Tegan! — Saia daqui! — A voz dele soou num rugido. Os olhos eram frestas cor de âmbar. As presas estavam enormes, mais mortais do que ela jamais as vira, e ele se debatia contra as correntes que o prendiam. — Maldição! Tire-a daqui, agora! — Tegan — Lucan aproximou-se dele com cuidado, mas sem hesitação, tentando abrir uma das correntes que o mantinham cativo. — Vamos tirar você daqui. — Afaste-se! Lucan farejou o ar e notou o brilho rosado sob o nariz do guerreiro. — Tegan! Meu Deus, isso é... Crimson? — Marek me deu uma dose enorme desta porcaria... Entendeu agora? É a Luxúria do Sangue. Estou perdido! — Não, não está — Elise disse com firmeza. — Saiam daqui, os dois! Se quer me ajudar, Lucan, tire Elise daqui. Leve-a para bem longe! Ela se aproximou e tocou seu rosto com delicadeza. — Não vou sair daqui. Eu amo você. Enquanto ela o acalmava, Lucan arrancava a corrente da viga com força descomunal. O braço direito de Tegan se soltou. Quando Lucan repetia a operação do outro lado, Tegan rugiu: — Lucan... Tarde demais. O estrondo dos tiros ecoou na sala escura, uma explosão vinda da escada. Lucan foi atingido nas costas e caiu sobre um joelho. Outro tiro ecoou, mas só atingiu a parede. Mais tiros. Dois Seguidores e um Corrupto, ambos escravos de Marek, investiam com suas automáticas carregadas. Elise sentiu o peso de músculos que a envolviam e protegiam. Tegan respirava, arfante, perto de sua orelha, mas a envolvia com o braço livre, usando o corpo como escudo para protegê-la. 125
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Lucan lutou contra três oponentes, enquanto ela se encolhia covardemente nos braços do parceiro. O Corrupto rolou pela escada, atingido por um tiro de Lucan, morto pelo titânio. Seu corpo ferveu e se contorceu degraus abaixo, desaparecendo numa coluna de fumaça fétida. Quando um dos Seguidores se aproximou, tentando acertar Lucan à revelia, Elise levou a mão à lâmina em sua cintura. Teria de arremessá-la, e só haveria uma chance. Tegan sentiu que ela escapava de seu abraço. Sem demora, Elise mirou e fez seu arremesso. O Seguidor rugiu ao ser atingido no braço. Caiu, ainda disparando, enviando uma chuva de balas para as vigas do teto. Algumas quebraram as vidraças da janela alta, provocando uma tempestade de cacos e estilhaços. — Meu Deus! — Elise gemeu. O teto era de vidro, e havia sido pintado de preto para bloquear a luz do sol. Marek tomara essa precaução ao se apoderar da casa da família humana morta. Sem as vidraças, Elise pôde ver o céu além do telhado... Um céu que se tingia de rosa com a chegada de mais um dia.
Os guerreiros estavam vasculhando a encosta fazia horas e não viam nem sinal da cripta. Nenhum deles tinha particular afeição pelo sol, especialmente Dante, que sofrera horríveis queimaduras havia poucos meses. Mas, como gerações posteriores da Raça, podiam suportar a luz do dia por breves períodos. Com a ajuda do equipamento de proteção solar, talvez pudessem dobrar esse tempo de exposição. Porém não se podia dizer o mesmo sobre o Ancião que caçavam. Se a prole Gene Um desse alienígena sofria com queimaduras e bolhas após dez minutos de exposição, a derme alérgica a raios ultravioleta da criatura e seus olhos seriam incinerados em poucos segundos. Isso os ajudava a traçar um decente plano de ação, caso a Ordem por algum motivo deixasse de cortar sua cabeça. Em dúvida quanto a encontrarem o esconderijo daquele sanguessuga no meio de todas aquelas pedras, Dante olhou para o céu. — Se não encontrarmos nada na próxima meia hora, vamos ter de começar a descer. Chase assentiu. Estava ao lado de Dante, diante da entrada de uma caverna pouco profunda que continha apenas algumas garrafas vazias de cerveja e restos de uma fogueira extinta havia dias. — Talvez estejamos no lugar errado. Sugiro que nos separemos, e um grupo vá verificar a área mais próxima do cume e do precipício. — Tem de ser aqui — insistiu Dante. — Você viu a tapeçaria. A cadeia que Kassia bordou no desenho é esta aqui, bem no local onde estamos. — Ei, D. — Nikolai chamou de um platô, metros acima da boca da caverna. — Rio e Reichen acharam outra abertura. É muito estreita, mas entra na montanha com certa profundidade. Talvez queiram dar uma olhada. Dante e Chase se uniram aos outros. A boca da caverna, se é que podiam chamála assim, era uma abertura vertical na rocha, pequena o bastante para ficar escondida, 126
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mas larga o suficiente para um homem passar com cuidado. — Marcas de cinzel — Dante observou, tocando as beiradas da abertura. — Devem ser antigas. Pode ser aqui. Os guerreiros o viram sacar a espada e dar os comandos. Ele entraria na frente, veria até onde ia a abertura e se não havia nada do outro lado. Os outros ficariam aguardando suas ordens, dois vigiando a entrada da fenda, os outros prontos para seguilo a um sinal de que de fato haviam encontrado a cripta. Dante se esgueirou pela passagem estreita, os olhos fixos na escuridão diante dele. O cheiro de mofo e excrementos de morcego era insuportável, e não ouviu nenhum som além do produzido por seus movimentos. Em algum lugar ao longo do caminho, notou que a pressão da rocha diminuía. As paredes começavam a se afastar consideravelmente, até que, por fim, se abriram num espaço largo e profundo no interior da montanha. Dante franziu o cenho ao sentir que pisava em alguma coisa que rangia sob, suas botas. Seu olhar era ainda mais aguçados na escuridão, e o que ele viu gelou o sangue em suas veias. Maldição! Ali estava o segredo de Dragos. Ele encontrava-se no meio da câmara de hibernação do Ancião, cavada na encosta de uma montanha, exatamente como a tapeçaria de Kassia indicava. Dante não se lembrava de ter falado, não sabia nem se continuava respirando, mas em instantes os outros se juntaram a ele. — Senhor! — um deles murmurou, chocado. A prece que Rio murmurou em espanhol falou por todos: — Que Deus nos ajude!
Tegan levantou a cabeça, olhando para a claraboia quebrada, e praguejou, não ousando olhar por muito tempo. Mesmo sendo apenas o início do amanhecer, a luz filtrada que penetrava pelas aberturas era como ácido em suas retinas. Lucan também sentia os efeitos. Estava caído, atingido por um dos tiros do Seguidor. Como vampiro Gene Um, ele, Tegan, podia absorver mais danos que os outros de sua raça; e os absorvera, pois seu corpo agora expelia as balas que ele não conseguira evitar, as feridas sangrando, porém já em franca cicatrização. Mas estava sob o teto agora, e pequenas colunas de fumaça começaram a brotar de sua pele exposta. Urrou, transformado pela fúria. Os lábios se ergueram para exibir as presas que rasgavam as gengivas, e os olhos se transformaram em frestas cor de âmbar. O Seguidor começou a recuar, percebendo que seu inimigo era poderoso. Lucan rolou para longe da luz e puxou o gatilho de sua 9 mm. O Seguidor caiu, mas não morreu. Lucan disparou mais uma vez, acabando com a vida do bastardo. As habilidades de Gene Um de Tegan ganhavam vida lentamente, porém, ele ainda não podia romper os grilhões que o mantinham cativo. E não sabia se deveria se libertar. O Crimson que fora obrigado a inalar vibrava era cada célula de seu corpo, corrompendo-as como o perigoso veneno que era. Desesperado, ele sentiu a Luxúria do Sangue crescendo, compelindo-o a saciar a sede 127
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que queria dominá-lo. Rosnou quando Elise se aproximou e tentou libertá-lo. — Afaste-se! Não quero você aqui. Saia enquanto pode! Ela continuava tentando abrir as algemas, ignorando os avisos. — Tem de haver um jeito de livrar você disso! Tegan a viu olhar em volta, procurando por uma ferramenta. — Elise! Ela correu até um dos Seguidores mortos e removeu a semi-automática de baixo do corpo inerte. — Atire nas correntes, Tegan — disse, armando-o. — Agora! Ele hesitou. — Se você não atirar, eu atiro! De repente, algo a segurou pelos ombros e a jogou longe, contra a parede. A arma caiu no chão. Elise permaneceu caída sobre cacos de vidro, e seu perfume de rosas invadiu a sala. Marek estava parado na porta aberta com uma espada em uma das mãos. Na outra, carregava uma adaga que apontava na direção de Elise, imobilizando-a com a força da mente. Também com a força do pensamento, ele apertava seu pescoço e a impedia de respirar. Segurando as garras invisíveis, ela começou a sufocar. — Ela está sangrando, guerreiro — Marek provocou Tegan. — E seus olhos de Corrupto já viram o sangue. Lucan removeu a faca que levava na cintura e a arremessou. Marek desviou os olhos, voltando-os para a lâmina em movimento, e mudou seu curso com a força do pensamento. Implacável, ele se aproximou do rosto ensanguentado e queimado de Lucan. — Ah, meu irmão. Sua morte será particularmente doce depois de todos esses anos de espera. Só lamento que não possa viver para me ver reinar. Marek levantou a espada e a meneou no ar. Lucan rolou para o lado no último instante, deixando apenas as tábuas do piso no caminho da arma. A espada ficou cravada por alguns segundos na madeira. Rápido, Lucan se levantou, agarrou na parede um cano de cobre que transportava água para o reservatório da casa, e o arrancou. A água jorrou da conexão arrebentada como uma pequena fonte. — Lucan! — Tegan gritou, vendo que Marek recuperava a espada e se preparava para atacar o irmão. Lucan se defendeu do golpe com o cano, que se dobrou sob o impacto. Irmão contra irmão. Esse era o confronto furioso e violento que agora se desenrolava. Marek tentava vencer a barreira do cobre, forçando a espada para baixo, mas Lucan não cedia. Lá em cima, o céu ia ficando mais claro, ganhando brilho e calor, queimando a pele 128
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dos dois combatentes onde a tocava. Livre da pressão de Marek, Elise tossia e arfava, tentando respirar novamente. Sua dor atingia Tegan como se ele mesmo estivesse sendo asfixiado. Ao ver o sangue nas mãos e nos joelhos de Elise, porém, ele foi invadido por uma enxurrada de adrenalina, e a força o fez arrancar a corrente que ainda prendia o braço esquerdo à viga de madeira. O combate entre Marek e Lucan atingiu um ponto perigoso. Num instante, tudo mudou. O urro de Marek foi cruel, único sinal do que estava por vir. Mantendo a espada sobre o cano de cobre e obrigando Lucan a se defender, ele levou a mão ao interior da camisa e tirou de lá um pequeno frasco contendo um pó vermelho. Um rápido giro do pulso, e o pó atingiu o rosto de Lucan, cobrindo seus olhos e rosto com a fina névoa rosada. Ele perdeu a concentração e o cano cedeu. Lucan! Marek recuou, sorrindo, enquanto o irmão caía para frente. Ele então ergueu a espada com evidente propósito. Quando começou a baixá-la, um súbito lampejo de luz passou por seu rosto, demorando-se sobre seus olhos. Era uma luz brilhante, o sol refletido num raio poderoso que queimou suas retinas e quase cegou Tegan em sua posição de imobilidade e choque. Tegan desviou o olhar e viu Elise de joelhos sobre o vidro quebrado. Em suas mãos, avistou o pedaço de vidro, uma ferramenta que ela movia, captando a luz e direcionando-a para o rosto do inimigo. Era a chance que Tegan esperava. Rápido, ele atravessou a sala, girando as correntes que pendiam de seus punhos. Marek foi atingido no pescoço uma vez, e os elos se enrolaram em torno de seu tronco musculoso, arrancando-o do chão. A outra corrente encontrou o braço armado com a espada, desarmando-o. Marek lutou contra Tegan usando a força da mente, mas todas suas tentativas foram bloqueadas pela fúria de seu opositor. Tegan o subjugou, até que o manteve preso sob o pé, ignorando as súplicas por misericórdia e perdão. — Acabou, Marek — grunhiu. Removendo as correntes do inimigo, ele se abaixou para pegar a espada e recebeu um sinal afirmativo de Lucan quando a ergueu sobre o pescoço do vampiro. Marek gritou um impropério, unia maldição, depois mergulhou num silêncio que seria eterno, pois sua cabeça já jazia, separada do corpo. — Tegan! — Elise gritou, correndo para abraçá-lo. Juntos, os dois levaram Lucan para um canto do sótão onde havia sombra. Tegan a viu olhar para o telhado com evidente ansiedade. — Preciso tirar vocês daqui. Ela os levou escada abaixo, depois desapareceu no interior de um dos quartos. Quando voltou, carregava um cobertor e um edredom. — Peguem — disse ajudando-os a se cobrir. — Fiquem aqui. Vou trazer o carro para perto da porta. Nenhum deles protestou ou tentou discutir. A mulher pequena e determinada, a parceira de Tegan, ele pensava com orgulho, os guiava em plena luz do dia para o interior do carro de Reichen.
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— Continuem cobertos e mantenham a cabeça abaixada. — Ela os instruiu, ligando o motor e pisando fundo no acelerador.
Elise velava o sono de Tegan, aliviada por ter conseguido salvá-lo. Com a morte de Marek, viria agora um longo período de cura, não apenas para ele mas para ela e os outros da Ordem também. Um capítulo negro do passado se encerrava, finalmente, com todos os segredos revelados. Agora todos podiam olhar para o futuro e para os testes que um novo amanhecer traria. Elise esperara sentir um sabor de triunfo com a morte de Marek, único responsável pela morte de Camden e tantos outros. Com a ajuda de Tegan, cumprira sua promessa. Mas não se sentia vitoriosa. Estava ansiosa e apreensiva. Desesperada, para ser mais precisa. O Crimson que Marek dera a Tegan demorava a sair da corrente sanguínea. Ele dormia, agitado, desde que haviam voltado à propriedade Darkhaven. Episódios convulsivos o sacudiam, e sua pele era pegajosa ao toque. — Oh, Tegan — sussurrou, inclinando-se para beijá-lo nos lábios. — Não me deixe. Se também o perdesse para aquela maldita droga, depois de tudo o que já tinha passado... Lágrimas correram por seu rosto. E se Tegan não se recuperasse completamente? Ele estivera tão perto de se tornar Corrupto uma vez. E se, desta vez, ele não conseguisse voltar da beira do abismo? — Não vai se livrar de mim tão fácil. Ela não sabia se ouvira realmente as palavras, ou apenas as sentira em seu coração. Mas, quando ergueu a cabeça, Elise viu que ele a fitava. Em seus lindos olhos verdes, restava apenas uma leve nuance de âmbar. — Você voltou! — Ela sorriu em meio a lágrimas. — Sim... Estou de volta, Escolhida. Graças a você. — Então, finalmente admite que precisa de mim. — Deite-se aqui comigo e vai ver o quanto preciso de você. Ela obedeceu, emocionada com a ternura dos dedos que tocavam seu rosto. — Eu admito que amo você, Elise. Preciso de você, minha mulher, minha parceira, minha amada... Meu tudo. — Tegan, eu te amo tanto! Diga que isto é real... E que é para sempre. — Acha que vou me contentar com menos? Ela o beijou. E ainda o beijava quando batidas na porta interromperam o momento de intimidade. A voz profunda de Lucan soou do outro lado. — Posso entrar? — Sim, entre — Elise convidou. — Como vão as coisas por aqui?
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Lucan estava limpo e disposto, mas levaria algum tempo para se livrar completamente das marcas das queimaduras. Além do mais, havia nele uma tensão que Tegan, o eterno guerreiro, percebeu logo. — Aconteceu alguma coisa? Ele não mediu as palavras. — Dante e os outros acabaram de telefonar de Praga. Eles encontraram a cripta no seio de uma montanha, exatamente na cadeia que Kassia retratou em seu bordado. É uma câmara de hibernação cheia de dermaglifos e de ossos humanos, restos do banquete que Dragos serviu ao pai antes do longo sono. — E? — A câmara estava vazia. Alguém já havia estado lá e libertado o monstro. Tudo indica que isso ocorreu há anos. Décadas, talvez. — Ele está solto?! O que vamos fazer? — Elise se apavorou. — Vamos começar a procurar por ele — disse Tegan. — Se continua vivo, o Ancião pode estar em qualquer lugar. Uma agulha no palheiro. Lucan assentiu. — E vamos precisar de todos os recursos de que dispomos. Agora descansem. Não voltaremos a Boston até os outros voltarem de Praga esta noite. Com isso, Lucan se virou e caminhou para a porta. Na metade do caminho, parou e voltou para perto da cama. — Desde o início, Tegan, você foi mais meu irmão do que qualquer outro com quem eu tenha tido laços de sangue. E ainda é. Tegan sentia o mesmo. — Vou proteger você pelo resto da vida, Lucan. Pode contar com isso. Lucan estendeu a mão. Quando os dois guerreiros se cumprimentaram, Tegan sentiu o calor da amizade, da fraternidade, fluindo entre eles. — A Ordem tem com você uma imensa dívida de gratidão, Elise — Lucan anunciou. — Pelo que fez por nós, revelando o segredo de Dragos, e pelo que fez hoje por Tegan e por mim... Muito obrigado. — Não precisa agradecer. Estou feliz por poder ajudar a Ordem, e quero que saibam que podem contar sempre comigo. — Vocês formam um belo par — ele disse aos dois. — Tem razão — Tegan riu. — Não podia ter encontrado parceira melhor. — Bem, descansem. Não voltarei a incomodá-los até estarmos prontos para a viagem de volta a Boston. Sozinhos, Elise e Tegan ficaram deitados e abraçados, desfrutando a paz que os envolvia. Após alguns instantes, Tegan a beijou com paixão. — Ei... Lucan disse que você precisa descansar. — Estou descansando. — Não acha que devemos deixar para fazer isso em casa? Tegan rolou e se deitou sobre ela.
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— Pronto. Estou em casa.
Fim
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