Se essa rua fosse nossa...

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SE ESSA RUA FOSSE NOSSA...

Análise de ruas compartilhadas - Aplicabilidade em Brasília

Camila Garrido | Orientadora: GabrielaTenorio

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Universidade de Brasília Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

SE ESSA RUA FOSSE NOSSA... Análise de ruas compartilhadas - Aplicabilidade em Brasília

Ensaio Teórico por: Camila Jurema Garrido Leão Orientadora: Gabriela Tenorio Brasília, junho de 2017





SUMÁRIO INTRODUÇÃO 1. ESPAÇOS COMPARTILHADOS 1.1 O que são os espaços compartilhados? 1.2 Tipos de espaços compartilhados: Shared Space e Woonerf. 2. ESPAÇOS COMPARTILHADOS: ASPECTOS FUNCIONAIS E SOCIOLÓGICOS 2.1 Relações entre espaço e sociedade: a rua como espaço público 2.2 Estudos de caso A. New Road - Brighton, Reino Unido B. Rijksstraatweg - Haren, Holanda 3. BRASÍLIA E OS ESPAÇOS COMPARTILHADOS CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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INTRODUÇÃO Cidades de todo o mundo, mas principalmente as europeias vêm passando por transformações devido à mudança na mentalidade de seus planejadores e urbanistas que perceberam como a configuração dos espaços urbanos afeta a segurança, a qualidade de vida e a felicidade de seus habitantes. Essas mudanças refletem no turismo, na atratividade e consequentemente na economia desses lugares. Cidades como Nova York, Copenhague, Barcelona, São Paulo e Salvador são exemplos, as quais buscam priorizar os deslocamentos a pé e retomar o caráter de espaço público das ruas, espaços para pessoas e não exclusivamente para veículos, consequentemente melhorando a qualidade deles. Brasília é uma cidade concebida segundo preceitos do movimento moderno, baseada na segregação de fluxos e usos. Lucio Costa enunciou a necessidade de separação entre automóvel e pedestre, mas também a sua coexistência em alguns casos: “Há então que separá-los, mas sem perder de vista que em determinadas condições e para comodidade recíproca, a coexistência se impõe.” (IPHAN, 2014, p. 30). Ela também passa por transformações, mas a sua confi8


guração espacial torna o desafio ainda maior na busca por espaços que priorizem as pessoas. Os espaços compartilhados surgem com intuito de reduzir acidentes e proporcionar maior interação entre os utentes da rua, maior utilização de espaços públicos, promover encontros entre os habitantes da cidade e aumentar a sensação de segurança. Fazem isso por meio do nivelamento da faixa de rolagem e da calçada, com um pavimento único que facilita e torna mais democrática a movimentação de veículos, bicicletas e pedestres. O presente material refere-se ao Ensaio Teórico da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília. Esse é um estudo sobre espaços e vias compartilhadas, suas características e princípios, e tem como objetivo enunciar soluções de desenho urbano que possam ser aplicados na cidade de Brasília e contribuam para desestimular o uso do automóvel, e assim promover a mobilidade sustentável, a caminhabilidade e aumentar a urbanidade1 e a qualidade de vida dos habitantes por meio da revitalização de ruas.

1 Urbanidade entendida como a boa relação entre pessoas e edifícios, com espaços que propiciem a vivacidade.

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1.

ESPAÇOS COMPARTILHADOS

1.1

O que são os espaços compartilhados?

São espaços que objetivam minimizar a segregação entre veículos motorizados, pedestres e ciclistas, por meio da remoção de elementos como meios-fios, semáforos, sinalizações de trânsito e outros elementos de regulação (Figura 1). Eles têm como motivação a redução da velocidade dos veículos motorizados, assim como a negociação de prioridade por meio de maior contato visual entre todos os usuários do espaço (Figura 2). Surgiram na Holanda no final dos

Figura 1: Exemplo de rua compartilhada em Batavia, Illinois. Fonte: usa.streetsblog.org/2014/07/03/talking-shared-space-with-ben-hamilton-baillie/

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Figura 2 : Pode-se observar motoristas e ciclistas compartilhando um cruzamento com pavimentação nivelada. Fonte: worksthatwork.com/1/shared-space

anos 1960 e início dos anos 1970, por meio de experimentos realizados por engenheiros de tráfego holandeses como Joost Vàhl e Hans Monderman, que objetivavam a redução de acidentes e maior liberdade de movimentação, de maneira segura. O departamento de trânsito da Holanda observou que o número de acidentes fatais entre automóveis e pedestres crescia e, a fim de solucionar esse problema, convidou Hans Monderman para ajudar na pesquisa por novas soluções. Ao invés de focar sua atenção nos fatores técnicos e nos automóveis, Monderman observou o comportamento humano. 11


Concluiu que o ser humano é mais positivamente influenciado pelo ambiente construído que pelos convencionais sistemas de controle de tráfego. Por meio de técnicas de traffic calming2 , o desenho urbano dos espaços que são transformados em compartilhados é alterado, fazendo uso de vegetação e mobiliário urbano para estreitar ruas (Figura 3), assim como a troca do asfalto por pavimentação com blocos intertravados de texturas e cores diferentes que anunciam a diferenciação de tratamento da rua em questão com relação às outras da cidade ou da vizinhança. Para promover o comportamento socialmente consciente, o desenho da rua deve ser baseado em características locais e utilizar o mínimo possível de engenharia de tráfego e elementos de regulação. A sinalização deve ser substituída pela interação humana. 3 (BOENK, D. et al, 2007, p. 6, minha tradução). 2 Traffic calming é o termo que designa a aplicação através da engenharia de tráfego, de regulamentação e de medidas físicas, desenvolvidas para controlar a velocidade e induzir os motoristas a um modo de dirigir mais apropriado à segurança e ao meio ambiente. (BHTRANS, 1999.) 3 To promote socially conscious behaviour, the design should be based on local characteristics and one should use as few as possible traffic engineering and regulation elements. Priority signals should be replaced by human interaction.

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Figura 3: Rua de vizinhanรงa dotada de canteiros que estreitam a faixa de passagem dos carros Fonte: http://methleys.headstogether.org/homezones/launch-f.html

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Alguns autores enunciam que os princípios dos espaços compartilhados não são nada novos, existindo já em cidades antigas. Pavimentos elevados e calçadas existem há muitos anos, mas principalmente como um meio de manter as pessoas livres da lama e sujeira da “via de circula-ção”, do que como um método de regular o uso de espaço. Visite qualquer cidade do Mediterrâneo ou praça do mercado, e pode-se observar a partilha informal de espaço nas ruas por veículos e outros usuários, e tais arranjos permanecem comuns em todo o mundo.4

(HAMILTON-BAILLIE, 2008, p.

166, minha tradução).

A transformação de ruas tradicionais em ruas compartilhadas é uma tentativa de reestabelecer o valor de rua como espaço público de qualidade, no qual são garantidos a segurança física, o convívio e os encontros espontâneos entre as pessoas. 4 Raised pavements and kerbs have existed for many years, but principally as a means to keep pedestrians clear of the mud and dirt of the ‘carriageway’, rather than as a method of regulating the use of space. Visit any Mediterranean hill town or market square, and one can observe the informal sharing of street space by vehicles and other users, and such arrangements remain commonplace throughout the world.

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Com o tempo, os princípios do espaço compartilhado foram sendo propagados e empregados em muitas cidades do mundo, adquirindo diferentes conformações segundo seus contextos e usos. O espaço compartilhado aumenta o potencial para uma visão radicalmente diferente das ruas das cidades para o futuro. 5 (HAMILTON-BAILLIE, 2008, p. 179, minha tradução).

A configuração física destes espaços não segue um manual do que devem apresentar e como devem ser transformados, mas os objetivos gerais são comuns a todos, como enunciados por Ferreira, 2015, p.22: • Reduzir a velocidade dos veículos; A velocidade de 30 km/h é a ideal para que a ocorrência de acidentes diminua e que vítimas fatais sejam quase nulas, isso porque o campo de visão do motorista e seu tempo de reação aumentam. • Aumentar a segurança; Com a redução da velocidade, o risco de acidentes é menor, garantindo maior segurança física das pessoas. Quanto à segurança relacionada ao crime, ruas com desenho urbano atrativo tendem a ter maior concentração de pessoas, 5 Shared space raises the potential for a radically different vision for the streets of towns and cities for the future.

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desfavorecendo a ocorrência de crimes. • Maximizar a acessibilidade universal; O uso do pavimento nivelado garante a livre movimentação das pessoas, mesmo que elas apresentem mobilidade reduzida. • Reconciliar o caráter multifuncional da rua; A rua não é apenas infraestrutura viária, é também espaço público de todos os habitantes da cidade. Para que a transformação das ruas alcance resultados satisfatórios é importante haver a participação de todos os envolvidos no processo, como engenheiros de tráfego, urbanistas, planejadores urbanos, governo e investidores, além dos moradores da região, de maneira que seja possível elencar e compreender quais são os problemas da área, quais as principais demandas e relações existentes entre habitantes e usuários com a rua. Um argumento desfavorável à aplicação dos princípios de espaços compartilhados é o da teoria de risco, em que se assume que o aumento da chance de um acidente ocorrer provocaria maiores cautela e cuidado entre as pessoas, concluindo que todos os usuários saberiam exatamente o que fazer e quais decisões tomar nesse contexto. O segundo fator desfavorável é que pedestres podem se sentir intimidados por ciclis16


Figura 4: Exemplo de Shared Space – Holanda. É possível perceber a pavimentação nivelada, o uso de mobiliário urbano e vegetação, além da ausência de sinalização, de meios-fios e de estacionamentos. Fonte: https://www.theplanner.co.uk/advice/ cycling-infrastructure-resources-for-planners

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tas, assim como os ciclistas podem se sentir intimidados por motoristas, indo contra o argumento de que a interação entre esses diferentes modos de transporte seja sempre positiva e favoreça a maior utilização da rua por todos. Outro argumento utilizado contra a utilização de elementos desses espaços é que portadores de deficiência visual po-dem ser prejudicados ao se considerar que o aumento do contato visual entre os usuários é necessário para que esses espaços não possuam sinalizações. Isso também deve ser considerado pelo nivelamento da pavimentação da rua que não faz distinção entre a passagem do carro, das bicicletas e dos pedestres, dificultando a garantia de segurança do deficiente visual. Apesar das estruturas urbanas atuais no Brasil não favorecerem a mobilidade de portadores de deficiência, uma solução ao argumento contrário é o emprego de superfícies táteis que facilitem a acessibilidade universal. Falhas ocorrem em todos os sistemas, por isso, devemos sempre considerar os fatos positivos e os fatos negativos quando em uma tomada de decisão, principalmente quando ela tem impacto direto na cidade e na vida das pessoas. Adaptações e mudanças devem ser feitas constantemente para garantir a qua18


lidade dos espaços de nossos núcleos urbanos, visto que as demandas são instáveis. 1.2 Tipos de espaços compartilhados: Shared Space e Woonerf. Existem dois diferentes conceitos de espaços compartilhados, o Shared Space e o Woonerf. O Shared Space é o espaço compartilhado em seu contexto mais amplo, podendo ser aplicado em diferentes vias comerciais, praças e cruzamentos, geralmente com caixas viárias mais largas (Figura 4), enquanto o Woonerf é uma aplicação mais limitada a ruas de caráter local, consideradas ruas de vizinhança, nas quais o fluxo de veículos se resume aos carros dos moradores da própria rua e de alguns poucos visitantes, traduzido como um quintal residêncial (Figura 5). Segundo Toth (2009) Woonerfs são lugares onde os pedestres têm prioridade sobre os carros. Ambas as conceituações apresentam os mesmo princípios que já foram citados anteriormente, em uma busca pela requalificação das ruas por meio de mudanças no desenho urbano, objetivando aumento da segurança e maior uso pelas pessoas, principalmente pedestres. Em relação ao desenho urbano e 19


elementos físicos, algumas recomendações são feitas aos dois tipos, como as enunciadas por Collarte, 2012, p.4: • Fazer uma clara distinção de onde inicia e onde termina a área compartilhada. A distinção deve ser feita pra que as pessoas entendam que não se trata de uma rua comum. • Eliminar o meio-fio. O espaço para automóveis, pedestres e ciclistas deve estar no mesmo nível, permitindo que moradores – em especial crianças – tenham maior liberdade de movimentação. • Usar medidas de traffic calming. A rua deve apresentar elementos que façam as pessoas dirigirem mais devagar e com mais atenção. • Estacionamentos devem estar presentes intermitentemente na rua. Essas áreas devem estar marcadas com elementos físicos como diferente pavimentação e separadas ao longo da rua para que o carro não seja o elemento predominante. • Incorporar mobiliário e paisagismo. Esses elementos tornam a rua mais atraente e proporcionam espaços de descanso e permanência.

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Figura 5: Exemplo de Shared Space – Exhibition Road, Londres. Fonte: https://www.theguardian.com/artanddesign/gallery/2012/jun/21/riba-stirling-prize-longlist-architecture-pictures#img-12

Figura 6: Exemplo de Woonerf – Holanda. Fonte: https://upload. wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/a7/Dutch_woonerf.jpg/250px-Dutch_woonerf.jpg

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2. ESPAÇOS COMPARTILHADOS: ASPECTOS FUNCIONAIS E SOCIOLÓGICOS 2.1 Relações entre espaço e sociedade: a rua como espaço público Segundo Gondim (2014, p.152) as cidades são tecidos formados por conexões entre lugares. “Até a metade do século 20, a rua representava um sistema integrado de movimento e de vida social e econômica.” (WERF, J. V. D. et al, 2015, p.36). Com o início do racionalismo 6, recomendações para a pavimentação e segregação do tráfego começam a surgir. Soma-se a isso o advento do automóvel, que em conjunto com os princípios do movimento moderno fortalece o urbanismo dito “rodoviarista” 7, possibilitando o alcance do homem a áreas mais distantes em menor tempo, com reflexo direto no espraiamento das cidades. Como consequência, as pessoas foram forçadas a se adaptar a normas e regulamentos de trânsito, ao invés do 6 Termo utilizado para caracterizar o urbanismo decorrente do movimento moderno, posterior à Revolução Industrial, que se fundamentou na crítica à cidade de origem medieval e no sanitarismo para propor novas soluções. 7 Baseado no espraiamento das cidades, dotadas de muita área livre e excessiva infraestrutura viária.

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contrário. A rua perdeu seu caráter de espaço público, transformando-se apenas em infraestrutura viária para veículos automotores, objetivando a fluidez e a movimentação desimpedida deles. E tratando-se de movimentação, é importante perceber como na dinâmica funcionalista, o desenho das cidades é constituído de malhas ortogonais com vias retilíneas que favorecem o ganho de velocidade pelos veículos, aumentando a probabilidade de acidentes (Figura 7). Cidades mais antigas e mais densas têm números muito menores de mortes por acidentes do que as mais novas e com grandes áreas de expansão urbana. Justamente os lugares plasmados em função dos automóveis é que parecem mais eficazes em destroçá-los entre si. (SPECK, 2016, p.49)

No Brasil, o processo foi ainda mais evidente, visto que o grande período de urbanização e de aumento da população urbana ocorreu simultaneamente à grande produção de automóveis. As cidades brasileiras deixaram as ferrovias de lado e priorizaram as conexões pelas rodovias. Os centros urbanos foram desenvolvidos com predominância de sistema viário, o que facilitou o protagonismo dos automóveis. 23


Figura 7: Campanha da Organização Mundial da Saúde reforça a importância de reduzir os limites de velocidade. Fonte: https:// brasiliaparapessoas.wordpress.com/

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O fato é que, nas cidades brasileiras, o carro é um objeto desejado e que se multiplica mais do que os homens. Para se ter uma ideia, a frota de automóveis no Brasil aumentou, de 2001 a 2011, 104,5%, enquanto o crescimento da po-pulação entre os dois últimos Censos demográficos (2000 e 2010) foi de 11,8%4. 8(GONDIM, 2014).

Os congestionamentos são recorrentes nas grandes capitais e só no ano de 2016, no Distrito Federal foram registrados 366 acidentes de trânsito fatais. O cenário atual das condições de vida nas cidades brasileiras exige que alguma medida seja tomada para conter o uso indisciplinado de veículos motorizados, de forma a recuperar a qualidade de vida. (BHTRANS, 1999, p.25.)

Como enuncia Jacobs (2011, p.29) as ruas e suas calçadas, principais locais públicos de uma cidade, são seus órgãos mais vitais. A rua é o principal espaço público tanto por sua extensão como pela sua acessibilidade e atividades que contêm. Ali se produz o encontro social e o for8 Dados do Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN) publicados pelo INCT - Observatório das Metrópoles, em Evolução da frota de automóveis e motos no Brasil: 2001 – 2011 (Relatório 2013). Dis-ponível em: http://www.observatoriodasmetropoles.net/download/auto_motos2013.pdf.

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talecimento das relações de vizinhança.” (AMADO; TELLA, 2016).

Porém, para que a rua se configure em um espaço de qualidade e de boa interação social, apenas uma mudança em seu desenho urbano não é suficiente. Sua configuração já deve ser dotada ou favorecida da diversidade de atividades e usos, deve apresentar fachadas ativas que estimulem a circulação de pessoas e deve preferencialmente pertencer a bairros mais compactos. Uma forma de avaliar a qualidade da vida urbana de uma cidade é por meio de sua caminhabilidade. Aqui entendida não apenas como a facilidade em se movimentar a pé, mas na qualidade do caminhar promovida por ruas atrativas. É pelo ato de caminhar que conseguimos interagir de maneira mais abrangente com o espaço urbano, com a paisagem e com os demais pedestres. Detalhes só são perceptíveis quando estamos caminhando e isso se justifica pela baixa velocidade do pedestre (Figura 8). Caminhabilidade é, ao mesmo tempo, um meio e um fim, e também uma medi-da. Enquanto as compensações físicas e sociais do caminhar são muitas, talvez a caminhabilidade seja muito mais útil, já que contribui para a vitalidade urbana, além de ser o

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Figura 8: Pessoas caminhando na cidade de São Paulo. Fonte: http://www.archdaily.com.br/br/798534/a-relacao-entre-a-felicidade-e-a-velocidade-nas-cidades mais significativo indicador dessa vitalidade. (SPECK, 2016, p.14)

Em um momento no qual o individualismo é crescente e as pessoas estão cada vez mais atarefadas e movimentando-se mais rapidamente, as ruas compartilhadas buscam retomar a calma e a empatia que são necessárias aos espaços públicos de qualidade. O desenho das ruas compartilhadas tende a qualificar o ambiente construído, aumentar o capital social, melhorar a segurança, incrementar a vitalidade e, em vez de exercer o controle, promover a liberda-

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de de movimento. Requer uma mudança substancial na forma de percepção da rua, onde os motoristas sintam-se convidados a um espaço eminentemente orientado aos pedestres para a recreação, socialização e o lazer e, portanto, deve conduzir de acordo com essa premissa para evitar situações caóticas e / ou perigosas. (AMADO; TELLA, 2016).

As ruas compartilhadas têm como forte norteador a remoção de elementos reguladores de trânsito, baseando-se no princípio de que ao aumentar a percepção de risco de acidentes, a cautela entre os usuários é maior, fazendo com que as pessoas sejam mais cuidadosas e atentas a tudo que está acontecendo no ambiente. O Espaço Compartilhado não se concentra em limitar o tráfego de automóveis e as suas velocidades, mas na mudança comportamental de todos os utentes da estrada, apoiada por um desenho urbano e configuração do espaço adequado. 9 (BOENK, D. et al, 2007, p. 5, minha tradução).

“Aparentemente despretensiosos, despropositados e aleatórios, os contatos nas ruas constituem a pequena mudança a partir da qual pode florescer a vida pública exuberante da cidade.” (JACOBS, 2011, p.78) 9 Shared Space does not focus on limiting car traffic and its speeds, but on voluntary behavioural change of all road users, supported by appropriate design and layout of public space.

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2.2

Estudos de caso

A.

New Road – Brighton, Reino Unido

167m

Brighton é uma cidade de aproximadamente 250 mil habitantes, localizada na costa sul da Inglaterra. Seu processo de transformação se iniciou com um estudo do escritório Gehl Architects 10, da qualidade da cidade e seus espaços públicos sob a pers-pectiva do pedestre. O carro era o meio de transporte utilizado na maior parte das movimentações e o que mais se beneficiava do desenho urbano da cidade, com velocidade média de 60 km/h e excesso de sinalização nas vias. Também foi percebido um grande potencial 10 Gehl Architects é um escritório fundado pelo arquiteto e urbanista dinamarquês Jan Gehl que realiza pesquisas e consultorias em diversas cidades do mundo com o objetivo de aumentar a qualidade de seus espaços urbanos.

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das ciclovias e dos movimentos dos pedestres. A New Road apresentava um caráter cultural com a presença de teatros e outros edifícios importantes para a cidade, sendo uma via pouco extensa localizada no centro antigo da cidade e próxima de um parque e da orla, que são grandes atrativos da região. Levando tudo isso em consideração, a revitalização se baseou nos conceitos de espaço compartilhado, com a prioridade voltada aos pedestres. O pavimento foi nivelado e transformado em um objeto único, sem meios-fios, placas de trânsito e faixas de pedestre, deixando claros o início e o final do espaço compartilhado, como é recomendado por alguns autores. Os espaços de estacionamento são poucos, demarcados apenas com linhas sob o pavimento nivelado, assim, quando não há veículos estacionados a superfície pode ser usada como em todo o restante da rua. Foi colocado um grande banco na extremidade da rua próxima ao parque, tornando-o uma área de permanência dos visitantes (Figura 11). A iluminação foi realizada com cuidado para incentivar o uso do espaço também no período noturno (Figura 12). Após a transformação, a rua tornou-se mais frequentada, aumentando a interação entre as pessoas e a dinâmica de movimentação. Segundo estudos 30


posteriores, o tráfego de veículos diminuiu 93% enquanto o número de pedestres aumentou 62%, confirmando a intenção projetual de torna-la uma via cuja prioridade são os pedestres. O novo desenho urbano da New Road já recebeu diversos prêmios. O caso da New Road mostra que a transformação de ruas tradicionais em compartilhadas deve fazer parte de um plano maior de transformações urbanas. É um caso de grande sucesso, pois soube aproveitar as potencialidades para gerar um espaço público de grande utilização por habitantes da região e por visitantes.

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Figura 9: New Road antes da transformação em rua compartilhada. Fonte: http://louisestokes.blogspot.com.br/2011/02/new-road-brighton.html

Figura 10: New Road após a transformação em rua compartilhada. Fonte: http://gehlpeople.com/cases/new-road-brighton-uk/

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Figura 11: New Road, Brighton. Fonte: http://gehlpeople.com/cases/new-road-brighton-uk/

Figura 12: New Road, Brighton. Fonte: http://gehlpeople.com/cases/new-road-brighton-uk/

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B.

Rijksstraatweg - Haren, Holanda

430m

Haren é um município da província de Groningen na Holanda. Uma pequena cidade que teve uma de suas principais ruas redesenhada segundo os princípios do Shared Space, em 2003. É uma via arterial, de uso misto e caráter local e com um fluxo de aproximadamente 9000 veículos e 4000 bicicletas por dia, a maioria destes tendo o centro de Groningen como destino (Figura 13). Foi modificada pontualmente, criando dois cruzamentos compartilhados com velocidade máxima permitida de 30 km/h, sem meios-fios, sinalizações, faixas de pedestre e demarcações de piso. Não há distinção entre calçada, ciclovia e pista e existem zonas de estacionamento apenas para veículos de carga e descarga de produtos para as lojas (Figura 15). A 34


pedido dos usuários, foram implementadas faixas de pedestre, apesar da facilidade de se atravessar a rua em qualquer. As ruas que chegam até o cruzamento também passaram por mudanças, apresentando pavimentação nivelada, porém com diferenciação de cor e textura que separam veículos e ciclistas dos pedestres, totalizando 500 metros de via transformados. O principal objetivo era o aumento na qualidade de vida dos habitantes por meio do aumento da segurança no trânsito e maior fluidez. Após as transformações, foram realizadas pesquisas com os usuários e foi constatado que a rua tornou-se mais atrativa e houve redução na velocidade dos veículos que por ali passam, porém a falta de separação entre os meios de transporte não teve um bom efeito sobre a sensação de segurança das pessoas. No que diz respeito ao nível de segurança alcançado, os pareceres são mistos, mas a maioria dos entrevistados não acha que as situações são seguras. Tanto os condutores de automóveis como os ciclistas e pedestres são crítico sobre isso. (BOENK, D. et al, 2007, p. 9, minha tradução)11 .

11 With regard to the achieved safety level the opinions are mixed, but most respondents do not think the situations are safe. Both car drivers and bicyclists and pedestrians are critical about it.

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Mas cabe lembrar que um dos princípios do Shared Space é a sensação de insegurança para que se promova um aumento de interação e contato visual entre os usuários, tornado todos mais cautelosos e assim reduzindo a possibilidade de acidentes. O caso evidencia que espaços públicos estão em constante modificação conforme as demandas de sua população, já que mudanças foram necessárias posteriormente como a implantação de faixas de pedestre mesmo em um espaço fundado na liberdade de movimentação. Novas configurações devem considerar o tempo de adaptação de uma população devido a costumes, hábitos e cultura.

Figura 13: Mapa mostrando a Rijksstraatweg e seus cruzamentos. Fonte: http://www.fietsberaad.nl/index.cfm?lang=en&section=Voorbeeldenbank&mode=detail&repository=Shared-space+Haren

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Figura 14: Rijksstraatweg em 1983, antes das transformações em Shared Space. Fonte: http://www.fietsberaad.nl/index. cfm?lang=en&section=Voorbeeldenbank&mode=detail&repository=Shared-space+Haren

Figura 15: Cruzamento na Rijksstraatweg em 2017, depois das transformações em Shared Space. Arquivo pessoal.

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3. BRASÍLIA E OS ESPAÇOS COMPARTILHADOS Brasília é fruto do urbanismo modernista, possuidora de grandes distâncias entre seus núcleos urbanos, com baixas densidade e conectividade. Os carros são os grandes protagonistas da capital e o seu desenho urbano foi concebido segundo os preceitos da segregação de meios de transporte e da fluidez de movimentação dos automóveis, com eliminação dos cruzamentos e sua substituição por tesourinhas, plataformas e viadutos (Figura 16). Assim, a cidade dificulta a caminhabilidade, visto que sua escala dispersa, repleta de vazios urbanos (Figura 17), aumenta as distâncias e consequentemente os tempos de deslocamento. O desenho das vias muitas vezes desconsidera a mobilidade a pé, sendo a situação agravada pelo mal estado de conservação das calçadas existentes. Tem-se a sensação de que carros são os donos das ruas, o que provoca um comportamento defensivo dos pedestres e ciclistas. Os motoristas, por sua vez, estão condicionados a pensar que a rua é deles e diminuem a atenção ao que ocorre nas calçadas, estando mais suscetíveis a causar acidentes.

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Na visão do motorista, a perspectiva nas avenidas principais é infinita, à frente só o ponto de fuga. Para o pedestre, os caminhos são sem referenciais no solo; como também embaixo do chão, nas passagens subterrâneas de travessia das vias rápidas. Brasília, de fato, parece ser uma cidade rodoviarista. (GONDIM, 2014, p. 222).

A mobilidade urbana da cidade é prejudicada, refletindo no sistema de transporte público. Apesar das largas faixas, o congestionamento nos horários de pico é constante no Plano Piloto e no entorno. A falta de conexão e integração entre modais aumenta ainda mais o tempo dos deslocamentos, afetando diretamente na qualidade de vida dos habitantes. Uma alternativa para se atingir a mobilidade sustentável, que demonstrou ter grande potencial, é o uso da bicicleta. Quarenta pontos de bicicletas públicas chamadas Bike Brasília foram instalados nos últimos anos em diversas áreas do Plano Piloto e houve um investimento na implementação de 420 km de estrutura cicloviária na capital. Mas melhorias devem ser feitas na conectividade, na sinalização e na estrutura. Apesar de ser uma cidade dispersa, a capital apresenta espaços com potencial para a urbanidade. É o caso das superquadras, dotadas de cinturões ver39


Figura 16: Funcionamento das vias no Plano Piloto de BrasĂ­lia. Fonte: http:// www.archdaily.com.br/br/872391/escalas-de-brasilia-pelas-lentes-de-joana-franca

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des e edifícios sobre pilotis que liberam o solo para a permeabilidade e passagem do pedestre, com espaços de lazer em seus centros que possibilitam o encontro entre os moradores da quadra e da região, o comércio local visa suprir demandas imediatas dos moradores e tudo isso pode ser realizado por meio da caminhada. O Setor Comercial Sul e o Setor Bancário Sul são locais nos quais a mobilidade a pé é a melhor opção e muitas atividades ocorrem no período diurno. A rodoviária e seus espaços adjacentes apresentam características dos principais centros urbanos do mundo, onde as pessoas se encontram espontaneamente e as distâncias são pequenas.

Figura 17: Os grandes vazios urbanos de Brasília. Fonte: http:// www.archdaily.com.br/br/872391/escalas-de-brasilia-pelas-lentes-de-joana-franca

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Após análises sobre a presença de uso misto e transporte público, fluxo de pessoas, tamanho da caixa viária, tipo de via, velocidade, presença de fachadas ativas, entre outros, foram escolhidas ruas próximas à via W3 para terem seus desenhos avaliados e futuramente transformados conforme os princípios dos espaços compartilhados. Essa escolha foi feita visto que a W3 é uma via conectada às demais partes do DF, dispõe de uma boa rede de transporte público, seus edifícios são de uso misto, dotados de marquises que protegem os pedestres e apresentam lojas no pavimento térreo com fachadas ativas. A via W3 foi prevista por Lucio Costa como uma via de serviços, na qual prevaleceria a circulação de caminhões e veículos responsáveis pelo abastecimento dos comércios locais e dos pomares e hortas que deveriam existir na faixa hoje ocupada pelas residências geminadas das quadras 700. Com a alteração de uso de um lado para o residencial, a via W3, que se desenvolveu primeiramente no lado sul, perdeu sua configuração de via de serviços para uma via de acesso às casas e ao comércio. Dessa forma, tornou-se o principal centro comercial do Plano Piloto, em um período no qual os comércios locais das superquadras ainda não estavam estabelecidos e os shoppings eram 42


inexistentes. Nos anos 1970, a via entra em declínio e seu estado de degradação é crescente nos anos seguintes. A parte norte foi construída já tentando solucionar os problemas encontrados na parte sul, sendo assim, a configuração espacial da W3 norte apresenta os edifícios de lojas e comércio onde seriam as casas geminadas da W3 sul possui edifícios institucionais margeando o outro lado da via e entre o comércio e as quadras residenciais existe uma via semelhante à W2 por sua função, apelidada de W3 e meia. Ainda hoje, a via W3 apresenta grande importância para a cidade de Brasília, sendo um dos principais eixos de movimentação e ligação. Foram escolhidos três tipos de ruas, próximas à via W3, sendo elas: - as ruas residenciais das quadras 700, nas quais se aplicaria os princípios do Woonerf; - a via W2 por apresentar uso misto e predominância de estacionamentos; - a via “W3 e meia”, assim chamada por não possuir uma nomenclatura, já que apresenta configuração diferenciada com pouca identidade.

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Figura 18: Mapa do plano piloto com todas as vias das quadras 700, W2 e W3 e meia demarcadas.

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Woonerf nas 700 As quadras 700 se caracterizam por seu uso exclusivamente residencial, com tipos edilícios de casas geminadas de 1, 2 ou 3 pavimentos e edifícios de 2 ou 3 pavimentos sobre pilotis, todos com a fachada principal voltada para a rua e os fundos voltados para uma área gramada. As ruas são sem saída (cul-de-sac), asfaltadas e apresentam caixas viárias de aproximadamente 8 metros, com mão dupla e alargamentos destinados ao estacionamento dos veículos de moradores e visitantes, apesar destes estacionarem em sua grande maioria na frente das próprias casas, mesmo quando essas apresentam garagens privadas. Não existem calçadas uniformes, visto que cada proprietário é responsável pelo pavimento à frente de sua residência, o que ocasiona diferentes níveis e pavimentação, tornando a acessibilidade quase nula (Figura 19). Para esse tipo de rua, a proposta descartou o Shared Space por apresentar uso unicamente residencial e caixas viárias não muito largas, sendo mais adequados os princípios do Woonerf, já que estas são ruas locais com uso predominante de moradores e poucos visitantes. A pavimentação seria nivelada em um só material e cor, configurando uma grande calçada e 45


Figura 19: Atual configuração da via nas quadras 700. Arquivo pessoal.

garantindo a mobilidade e acessibilidade de todas as pessoas; árvores e canteiros de vegetação poderiam ser inseridos para melhorar a qualidade paisagística; mobiliário urbano garantiria áreas de permanência e os estacionamentos se limitariam aos alargamentos já existentes e a pequenas faixas com vagas de baliza. A intenção é tornar a rua um grande espaço comum a todos os moradores e aumentar a sensação de comunidade (Figura 20).

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Figura 20: Colagem ilustrativa de como poderia ser a via nas quadras 700 após modificações segundo princípios do Wonnerf

Shared Space na W2 e na W3 e meia A via W2 é uma via coletora, usada majoritariamente pelas pessoas que acessam o comércio e serviços ali presentes (Figura 21). Localizada entre a W3 e as Superquadras, um de seus lados é dotado de edifícios de uso misto, com algumas poucas fachadas ativas e o outro da faixa gramada da quadra residencial. Sua caixa viária é de aproximadamente 15 metros, dotada de vagas de estacionamento a 45° em ambos os lados, com conformação linear que facilita o ganho de 47


velocidade por parte dos motoristas. Apelidou-se de W3 e meia a via de serviços da W3 norte, uma rua de mão dupla com caixa viária de 15 metros e que apresenta vazios entre seus edifícios de comércio e serviços que hoje configuram estacionamentos irregulares, mas que poderiam ser espaços públicos de qualidade ou novos edifícios. Apesar das edificações contarem com marquises generosas que garantem sombra e proteção das chuvas aos pedestres, a irregularidade de nível e pavimentação entre elas força o pedestre a usar a rua como principal espa-

Figura 21: Atual configuração da via W2 Sul. Fonte: Google street view

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ço de movimentação (Figura 23). A proposta é transformar ambas em Shared Space, nivelando o pavimento de toda a sua extensão, visto que são ruas de uso misto, com caixas viárias maiores e razoável fluxo de veículos e pessoas. Pequenos desvios seriam feitos ao longo das ruas, rompendo com a linearidade da faixa de rolamento, objetivando a redução da velocidade dos automóveis. Toda a sinalização de tráfego seria retirada, sendo colocadas apenas marcações de início e fim da via, para que os usuários percebam que se trata de espaços diferen-

Figura 22: Colagem ilustrativa de como poderia ser a via W2 sul após modificações segundo princípios do Shared Space

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Figura 23: Atual configuração da via W3 e meia. Arquivo pessoal.

tes do restante da cidade. Vegetação e mobiliário seriam inseridos para garantir maior qualidade e áreas de permanência, como nas ruas locais das 700 (Figura 22). Na via W2 a faixa de estacionamento adjacente às entradas das lojas seria retirada, sendo delimitada com mobiliário e vegetação para garantir maior segurança aos portadores de necessidades especiais. A faixa de estacionamento adjacente à superquadra seria mantida, demarcada apenas com diferença de piso e as vagas a 45° seriam substituídas por vagas paralelas à via. 50


Figura 24: Colagem ilustrativa de como poderia ser a via W3 e meia após modificações segundo princípios do Shared Space

Já a via W3 e meia não apresentaria estacionamentos lineares ao longo da via, sendo estes concentrados nos bolsões e alargamento já existentes, liberando a rua para a circulação de bicicletas, carros e pedestres. Esses bolsões e alargamentos também passariam por transformações, dotados da mesma pavimentação da rua, que os permitam uma flexibilidade de usos quando não apresentarem veículos estacionados, podendo ser locais públicos de permanência, brincadeiras das crianças, feiras aos finais de semana e eventos diversos da vida pública (Figura 24). 51


CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar de os espaços compartilhados terem sido inicialmente propostos nos anos 1960, poucos de seus casos foram profundamente estudados após as transformações, dificultando sua expressão em dados. A melhora na qualidade dos locais nos quais os princípios foram aplicados é recorrente, como explicitado nos dois estudos de caso. A New Road demonstrou um grande aumento do número de pessoas e a Rijksstraatweg apresentou diminuição nos acidentes e maior atratividade. Projetos ou transformações urbanísticas devem ser precedidos de um diagnóstico detalhado da área, baseado em muita observação e no estudo das condicionantes, do uso do solo, das normas e legislações, dos principais fluxos, das áreas de interesse, das potencialidades, entre outros. Não se pode assumir que uma transformação ou revitalização pontual, dissociada de um plano maior de melhoria da cidade, seja efetiva e resulte nos objetivos almejados na fase de projeto. Algumas questões devem ser observadas para que a aplicação dos elementos de desenho urbano obtenha sucesso. As vias não devem apresentar um 52


grande fluxo de veículos, como vias expressas e arteriais com velocidades entre 60 e 80 km/h. No caso da utilização de princípios do Shared Space, é importante perceber se existem vias próximas que suportariam o fluxo a ser desviado da via transformada, e também se ela não é uma via de grande comprimento, visto que percursos longos a uma velocidade de 30 km/h não são muito desejados pelos motoristas. Outro fator importante é a configuração da área próxima à via. Se a via em questão já não apresenta lotes com fachadas ativas, uso misto, um razoável fluxo de pessoas e outras características que somariam na atratividade após a transformação, é bem possível que ela não atinja os objetivos determinados e torne-se uma área pouco utilizada. Já no caso da aplicação de elementos do Woonerf, as considerações devem ser acerca da comunidade já apresentar um convívio, se há presença de crianças e idosos, se existe uma oferta de espaços públicos de qualidade próximos da via em questão. Esses aspectos ajudam a avaliar se as transformações são realmente necessárias e se o investimento resultará em espaços bem utilizados e que proporcionem maior qualidade de vida aos habitantes. Quanto à aplicabilidade em Brasília, observou-se tanto no Shared Space como no Woonerf, possibili53


dades de revitalizar e transformar espaços na cidade. Algumas dessas transformações são simples e já resultariam e grandes melhorias nos espaços que hoje se encontram degradados. Outras devem ser bem avaliadas por seu alto custo de implantação e talvez alternativas mais baratas e mais sustentáveis sejam encontradas. As vias escolhidas em Brasília para a aplicabilidade dos elementos de desenho urbano não apresentavam altos índices de acidentes. O enfoque deste trabalho foi na tentativa de um ganho de qualidade e identidade das ruas, na requalificação de espaços urbanos degradados e no aumento da urbanidade, diminuindo a preponderância dos carros e favorecendo a acessibilidade universal .

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