Ano 1 • No. 01 • Julho de 2012 Ciência, Tecnologia e Inovação Universidade do Vale do Itajaí Distribuição gratuita
Ciência no campus Um Universo de saber Da tradição popular à universidade: folhas de nogueira-da-Índia viram medicamento nas mãos de pesquisadores da Univali (pág 10) • Acadêmicos e professores criam jogos que educam (pág 30)
Foto: Sheila Gastardi
Editorial por Camila Maurer
Não há nada como o sonho para criar o futuro. Utopia hoje, carne e osso amanhã.” Victor Hugo
Caro leitor,
Em suas mãos encontra-se a primeira edição da Moinho, uma revista que sonha espalhar aos quatro ventos o conhecimento produzido nesta universidade. Quem por aqui passa pode não se dar conta, mas, dentro destas salas, existem homens e mulheres que dedicam esforços à produção de ciência, trabalhando em pesquisas cujos desdobramentos ultrapassam os limites do campus. As histórias dessas pessoas e o conhecimento que brota das suas mãos estarão em destaque nas páginas desta publicação. Invenções que marcaram a história da humanidade representam cada um dos centros em que se organizam os cursos da universidade, contemplados nas seções que dividem a revista. Do moinho ao catavento, do tubo de ensaio ao telescópio. Um verdadeiro universo de saber se esconde por entre estes corredores de tijolos cor de laranja. Nesta primeira edição, ganha destaque o pioneirismo dos pesquisadores da Univali no desenvolvimento de um medicamento fitoterápico. Dificilmente sob os holofotes da mídia, o trabalho de alunos da graduação também encontra espaço privilegiado nas páginas da revista, fazendo-se presente nas seções Ábaco, Bússola e Telescópio, e mostrando que as mãos que fazem ciência podem ser mais jovens do que o estereótipo de cientista presente no imaginário faz crer. Menina dos olhos da revista, a seção Catavento destina-se à divulgação do trabalho dos mais jovens pesquisadores da universidade, alunos do Colégio de Aplicação da Univali contemplados por bolsas do CNPq. Seja bem-vindo a este universo de saber chamado Univali. Boa leitura!
Sumário Tubo de Ensaio ~ Ciências da Saúde Tradição que virou ciência, 10 Uso de plantas exige atenção, 14
Ábaco
~ Ciências Sociais Aplicadas - Gestão
Caça ao tesouro, 18
Ampulheta ~ Ciências Sociais e Jurídicas Do Cosmos aos Tribunais, 24
Expediente Bússola ~ Ciências Tecnológicas da Terra e do Mar
Educação: [mode on], 30
Editora Camila Maurer Reportagem Camila Maurer Fotografia Camila Maurer Sheila Gastardi Sxchu
Telescópio
Foto de Capa
~ Ciências Sociais Aplicadas - Comunicação, Turismo e Lazer
Hubble Telescope, NASA
Do helicóptero portátil
Arte e Ilustração
à Comunicação, 34
Bruna Perosa Projeto Gráfico Bruna Perosa Diagramação
Catavento
Bruna Perosa
~ Colégio de Aplicação Univali
Colaboradores
Ao alcance das mãos, 38
Márcio Ricardo Staffen Raquel da Cruz
Tubo de Ensaio
~ Ciências da Saúde
Tradição que virou ciência
Pesquisadores da Univali desenvolvem medicamento a partir de folhas de Nogueira-da-Índia Sempre chega a hora em que descobrimos que sabíamos muito mais do que antes julgávamos.” José Saramago O nome de Carlos Piccoli consta como inventor em uma patente de medicamento solicitada junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Ele é economista e jamais passou perto de um laboratório farmacêutico. Mas conhece o poder das árvores frondosas que crescem na sua fazenda, em Tijucas. Certo de que a planta poderia aliviar dores para além dos limites da propriedade, Piccoli a trouxe para a academia. Levada aos laboratórios pelas mãos dos pesquisadores da Univali, a tradição que nasceu do povo atingiu, entre os muros da universidade, o status de ciência. A antiga crença no poder curativo das plantas, há muito, ultrapassou os limites da sabedoria popular e 10 Moinho • Junho 2012
passou a fazer parte do cotidiano dos laboratórios. Os chamados fitoterápicos – medicamentos obtidos com o emprego exclusivo de matérias-primas ativas vegetais – movimentam 14 bilhões de dólares por ano em todo o mundo. No Brasil, estima-se que esse mercado movimente cerca de 400 milhões de dólares todos os anos. Há mais de uma década, pesquisadores da Univali dedicam esforços ao estudo da Aleurites moluccana, planta exótica adaptada no Brasil. Conhecida popularmente como Nogueirada-Índia, a planta é amplamente usada pela população local em forma de chás e emplastros para combater dores e inflamações. Agora, depois de um longo e
Foto: Camila Maurer
complexo processo que envolve estudos abundantes e testes diversos, o resultado desse trabalho, tão árduo quanto nobre, está prestes a ser oferecido – ou devolvido - à comunidade: o medicamento produzido a partir do extrato das folhas da Nogueirada-Índia deve chegar em breve ao mercado. As pesquisas em torno da planta marcaram a história do curso de Farmácia da Univali desde seu início, há 15 anos. O interesse da então acadêmica Christiane Meyre – hoje professora do curso a Fundação de Amparo à Pesquisa – se traduziu em uma pesquisa e Inovação do Estado orientada pelo professor de Santa Catarina Valdir Cechinel Filho, Não (Fapesc). entusiasta do estudo queremos de fitoterápicos simplesmente concorrer De acordo com na universidade. os estudos A estrutura de com o que já existe no comandados que se dispunha, mercado, a ideia é ter pela professora insuficiente um medicamento Tania Mari à época dos diferenciado. Bellé Bresolin, a primeiros estudos, planta é dotada de foi ampliada com propriedades analgésicas recursos provenientes da e anti-inflamatórias. Mas, entre aprovação de projetos por órgãos a detecção de tais propriedades de fomento à pesquisa, dentre medicinais e o efetivo eles, a Financiadora de Estudos desenvolvimento e registro de um e Projetos (Finep), o Conselho medicamento, uma série de etapas Nacional de Desenvolvimento precisam ser ultrapassadas. Tudo Científico e Tecnológico (CNPq) e
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tem início com a identificação do objeto de estudo, neste caso a Aleurites moluccana, na chamada etapa botânica. A fase seguinte consiste na identificação das substâncias ativas da planta estudada, o que permite o preparo de uma fórmula. A etapa de ensaios pré-clínicos é o momento em que o medicamento é testado em animais. Características como efeitos colaterais, distribuição do medicamento no organismo, velocidade de absorção, metabolização e excreção do produto são identificadas nesta fase. Também nesta Foto: Camila Maurer
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etapa são realizados os estudos toxicológicos, que têm por objetivo avaliar se o medicamento pode ser, em alguma medida, prejudicial ao organismo. Apenas depois de todo esse processo o medicamento está apto a ser testado em humanos, na chamada etapa clínica. Esta, por sua vez, é dividida em três fases. Na primeira, o medicamento é testado em indivíduos saudáveis para detectar algum possível efeito tóxico. A segunda fase consiste na utilização do fitoterápico por pacientes que apresentam o problema que ele se propõe a amenizar. No caso do fitoterápico desenvolvido pelos pesquisadores da Univali, o poder analgésico do medicamento foi testado em um grupo de pacientes que havia passado pela extração do dente do siso. Na terceira e última fase do processo, um grande número de pacientes passa por testes para que se possa comparar o efeito do produto a um similar que já esteja no mercado. Nessas poucas linhas, o processo chega a parecer simples. Mas tais etapas significam, necessariamente, um longo período de tempo até que o produto final, com eficácia
Foto: Camila Maurer
e segurança garantidas, possa chegar às mãos do consumidor. Testes em animais indicaram que o uso prolongado do medicamento não causa danos ao sistema gastrointestinal, efeito típico da maioria dos anti-inflamatórios. Tal característica torna o medicamento adequado ao tratamento de inflamações crônicas, tais como a artrite, doença inflamatória para a qual não existem muitas alternativas de tratamento atualmente disponíveis no mercado. “Não queremos simplesmente concorrer com o que já existe no mercado, a ideia é ter um medicamento diferenciado, que tenha eficácia, sem os efeitos colaterais dos anti-inflamatórios”, explica a professora Tania. Uma patente conjunta entre a Univali e a Eurofarma foi depositada no Brasil e em diversos outros países, tais como Japão e Estados Unidos, além de países da União Europeia e da América Latina. A parceria com a indústria foi essencial nesse processo e, ao que tudo indica, vai garantir aos pesquisadores da Univali o
mérito pelo registro do primeiro fitoterápico via oral desenvolvido integralmente no Brasil. “A indústria precisa de pesquisadores que eles não têm”, conclui a professora Tania, ao comentar sobre os motivos que dificultam o desenvolvimento de fitoterápicos no país. Para a professora Ruth Meri Lucinda, integrante da equipe que desenvolveu o medicamento, os entraves burocráticos do processo junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária também são obstáculos a serem vencidos. O projeto, no entanto, encontra-se em estágio avançado. Agora, o ingresso no mercado é uma questão de tempo. E paciência, sabe-se, é qualidade de quem faz ciência. 13 Junho 2012 • Moinho
Uso de plantas exige atenção Emprego de plantas desconhecidas pode representar risco à saúde
O que difere o veneno do fármaco é a dose.” Paracelso Cuidada com tanto esmero quanto o resto da casa, a jardineira sob a janela é a farmácia de Dona Eraci, 63. Hortelã, boldo, alecrim e outras tantas plantas. Para ela, as ervas cultivadas ali curam males diversos. A crença nesse poder não é exclusividade de Dona Eraci. O uso de plantas como remédio é um traço da cultura popular que encontrou respaldo na comunidade médica e científica.
O emprego indiscriminado de plantas desconhecidas, no entanto, pode representar sério risco à saúde. “As plantas não são nem um pouco inocentes”, alerta a professora Tania Bresolin, lembrando que matérias-primas vegetais são utilizadas até mesmo na fabricação de quimioterápicos, tendo, portanto, o poder de matar células, estejam elas doentes ou sadias.
Fotos: http://migre.me/9vSaB, http://migre.me/9vSbe e http://migre.me/9vSbO
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Alívio que nasce da terra
Fonte: Anvisa
O quê?
Para quê?
Como?
Quanto?
Marcela
Má digestão, cólicas intestinais, antiinflamatório
Infusão: ½ colher de sopa em uma xícara de chá
Uma xícara de chá, 4 vezes por dia
Alho
Colesterol elevado
Maceração: 1 colher de café em 30ml
Um cálice, duas vezes ao dia, antes das refeições
Camomila
Cólicas intestinais, calmante
Infusão: 1 colher de sopa em 1 xícara de chá
Uma xícara de chá 3 a 4 vezes ao dia
Guaco
Gripes e resfriados, expectorante
Infusão: 1 colher de sopa em 1 xícara de chá
Uma xícara de chá, 3 vezes ao dia
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) divulgou, em 2010, uma lista de plantas medicinais da flora brasileira cuja eficácia é reconhecida e o uso, sob determinadas condições, seguro. Além de listar as espécies, o documento traz informações sobre a maneira como cada uma delas deve ser preparada
e administrada. Não basta que a planta tenha propriedades medicinais, é preciso que o preparo e o consumo obedeçam a certos critérios, para que as propriedades da planta sejam mantidas. A lista completa contém 66 nomes e pode ser acessada no endereço: http://migre.me/9qQbU
15 Junho 2012 • Moinho
Ábaco
~ Ciências Sociais Aplicadas - Gestão
Caça ao tesouro
Piratas modernos ameaçam transporte marítimo Eu quero o mapa das nuvens e um barco bem vagaroso.” Mario Quintana
Foto: http://migre.me/9vSwJ
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Não bebem rum, nem carregam papagaio sobre os ombros. De tapa-olho não precisam e dispensam mapas do tesouro. Os piratas modernos sabem bem o que querem e onde podem conseguir. A ocorrência de roubos em alto mar, registrada desde os primórdios do transporte marítimo, voltou a atrair as atenções de autoridades em todo o mundo nos últimos anos, por conta da violência dos ataques e dos prejuízos por eles causados. O tema foi estudado pela então acadêmica de Comércio Exterior Bruna Horstmann, em seu Trabalho de Conclusão de Curso, uma pesquisa bibliográfica que gerou a monografia defendida por ela no segundo semestre de
Gosto
2010. A relação dos ataques, aumentando muito do piratas de hoje os custos do assunto, então transporte de cargas. com organizações passei madrugadas terroristas e a influência de pesquisando, com o “Eu não queria um assunto fácil, aspectos econômicos maior prazer.” ou batido, que já e geográficos nessa atividade foram aspectos existisse um trabalho identificados por Bruna com o feito, e principalmente, queria estudo. Foto: http://migre.me/9vS9R
Estima-se que o prejuízo causado pela pirataria marítima chegue à casa dos 25 bilhões de dólares por ano. O setor de transporte marítimo é um dos mais prejudicados com a atividades dos piratas modernos, um vez que as empresas de navegação são forçadas a criar rotas alternativas – mais longas – para fugir dos
um assunto pelo qual eu tivesse interesse”, conta Bruna, que decidiu estudar a pirataria marítima ao deparar-se com o tema em um blog que costumava acompanhar. Ao procurar o professor Bruno Tussi, um alerta encorajador: “pesquisa e traz pra mim todos os livros que você achar, se forem suficientes, a
19 Junho 2012 • Moinho
gente toca o projeto”. Para Bruna, o trabalho foi tão árduo quanto prazeroso. “Eu pesquisei muito, mas essa parte pra mim foi prazerosa, pois eu gosto muito do assunto, então passei madrugadas pesquisando, com o maior prazer”. A falta de bibliografia nacional sobre o assunto foi, ao mesmo tempo, uma dificuldade e um trunfo para a estudante. Tomando por base autores estrangeiros, Bruna produziu material original sobre um assunto pouco explorado em terras brasileiras, o que atraiu o interesse de uma editora nacional. O livro encontrase em fase de aprovação, mas a satisfação pelo conhecimento produzido já está impressa na vida da jovem profissional. “O meu trabalho foi super elogiado pela banca examinadora, obtive nota máxima, e alguns professores da Univali vieram pedir para eu lhes
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enviar cópias depois, pois tinham interesse em ler o trabalho, isso pra mim já foi demais”, conta, com orgulho.
Negócios além mar A pilha de artigos sobre a mesa da bem-humorada professora Natalí Nascimento, no setor de estágios do Ceciesa – Gestão, evidencia a quantidade de trabalho que a espera. Provenientes de monografias dos alunos do curso de Comércio Exterior, os artigos sequer saíram da universidade e já estão na fila de espera para publicação. A coleção Negócios Mundiais – editada pelo curso desde 2008 – reúne a produção
Foto: http://migre.me/9vS86
científica dos jovens bacharéis e reflete a quantidade e a qualidade do material produzido pelos alunos do curso cinco estrelas da Univali. O grande volume de Trabalhos de Conclusão de Curso produzidos a cada semestre e a boa qualidade do material despertou nos professores o desejo de aproveitar e socializar o conhecimento produzido. Campo de estudo Logo da Coleção
recente, a área de Comércio Exterior ainda é, nas palavras da professora, “filhotinho” em termos de produção científica. A publicação dos artigos tenta suprir essa falta e fomentar a geração de conhecimento nesse campo de importância extrema na era da economia global. A instabilidade do mercado, de acordo com a professora, faz com que os alunos busquem o conhecimento através da pesquisa científica. As temáticas sobre as quais os alunos se debruçam são tão diversas quanto o campo de atuação profissional que os espera. “Sempre digo para os alunos em sala: o mercado de trabalho de vocês é o mundo”, conta Natalí. Como temas de estudo, um mundo de possibilidades.
21 Junho 2012 • Moinho
Ampulheta
~ Ciências Sociais e Jurídicas
Do Cosmos aos Tribunais Eu poderia viver recluso numa casca de noz e me considerar rei do espaço infinito.” Shakespeare
¹ HAWKING, Stephen; MLODINOW, Leonard. The grand design. New York: Bantam Books, 2010, 208 p.
Tradicionalmente uma resenha inaugura-se com uma breve síntese bi[bli]ográfica do[s] autor[es]. No caso em tela, maiores detalhes talvez não façam sentido, uma vez estar-se comentando a obra de um dos maiores gênios da humanidade e seu discípulo. Na justa medida do seu conhecimento posicionase sua fama. Não é por acaso que Stephen Hawking transpassa os meios acadêmicos, cátedra lucasiana da Universidade de Cambridge, na qual lecionou sir Isaac Newton, para figurar em seriados infantis animados e trilogias de ficção científica. Leonard Mlodinow, por sua vez, é físico teórico do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) e assim, tal qual o mestre, é autor de inúmeras obras.
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A obra dos autores, em particular Hawking, lançou o alicerce da moderna compreensão da origem do Universo e dos buracos negros, aproximando elementos da física de gravitação de Einstein com a teoria quântica. Em The grand design, apresentam os pensamentos mais recentes sobre os mistérios do Universo. Quando e como o universo começou? Por que estamos aqui? Porque existe algo e não nada? Qual é a natureza da realidade? Por que as leis da natureza estão finamente ajustadas para permitir a existência de seres como nós? E, finalmente, é o “grande desígnio” aparente do nosso universo evidência de um criador benevolente que coloca as coisas em movimento e não oferece outra explicação científica? São exemplos de problemas
Divulgação
formulados nos escritos que objetivam demonstrar como o cosmos não tem uma existência única. Em suma, todas estas questões possibilitam admitir que a existência de tudo é fruto de flutuações quânticas. Logo, o desenvolvimento de uma teoria do tudo resta prejudicado. Neste cenário, até mesmo nosso paradigma de Universo perde sustentação. Com isso uma nova categoria merece destaque: “multiverso”, afinal, o “nosso” universo é apenas um dos muitos que surgiu espontaneamente do nada, cada um com leis da natureza distintas. Deste modo, o senso comum teórico é posto em xeque. A maioria dos estudiosos, físicos ou não, defende uma realidade objetiva. Destaque para a ciência clássica baseada na doutrina (exatamente na acepção de crença religiosa) de que existe um mundo externo de propriedades precisas e alheias ao sujeito que as percebe. Na filosofia, essa posição recebe o nome de realismo. Contudo, em paráfrase ao ponto de vista de Timothy Leary, os autores determinam que o conceito de
realidade está condicionado ao indivíduo que a percebe. Assim, o observador é elemento indispensável à percepção do mundo, não havendo forma de suprimi-lo. Todavia, com o progressivo desenvolvimento da física quântica, a aceitação do realismo encontra-se cada vez mais reduzida. Neste panorama, enquanto na física clássica (newtoniana) o passado existe como uma série definida de acontecimentos, na física quântica, o passado, bem como o 25 Junho 2012 • Moinho
Foto: Galáxia Catavento, NASA
futuro, é indefinido e existe tão só como um leque de possibilidades.
apropriado. Em segundo lugar, e consequentemente, o realismo vinculado ao modelo se aplica não só a modelos científicos, mas também aos paradigmas neurológicos conscientes e subconscientes que se projeta para compreender o cotidiano. A
Hawking e Mlodinow apontam ainda alguns dilemas que permeiam o realismo e a física clássica preocupada em definir uma súmula definitiva para a teoria do tudo. Em primeiro realidade depende lugar, de acordo Não é por acaso o da percepção fracasso dos esforços com o realismo individual do para a obtenção de vinculado ao observador.” uma teoria do tudo modelo, não há razão (conjunto completo questionar se um e consistente de leis paradigma é real, mas fundamentais da natureza sim se ele está condizente com que esclarecem a realidade a observação, apenas. Portanto, se dois modelos estiverem integralmente), tal como ocorreu com a Teoria das Cordas e atinge de acordo com a observação, nenhum deles será mais real que a Teoria M. Assim, as reiteradas tentativas de uma teoria do tudo o outro. Logo, qualquer indivíduo acabam por alimentar e fortalecer poderá escolher o modelo mais
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a noção de que a descrição do universo reclama diferentes teorias em diferentes situações. Aproximando o magistério de Hawking e Mlodinow para o âmbito da Ciência Jurídica alguns conceitos [princípios] têm seu conteúdo corroído. A dúvida que incide sobre a verdade da realidade percebida compromete institutos como verdade real e segurança jurídica, bem como inúmeros conceitos que necessitam de atribuição de sentido pelo intérprete. Essa estrutura, preocupada com uma teoria do tudo, se manifesta fortemente no constante e progressivo processo de uniformização de julgados, especialmente na edição de súmulas vinculantes. Muito embora toda sua arquitetura seja atribuída ao fetiche do pensamento único à Francis Fukuyama, merece reflexão a ideia de formulação de uma teoria definitiva que unifique tudo. Essa reflexão permeia institutos como padronização da jurisprudência; cláusulas de repercussão geral; recursos repetitivos e súmulas vinculantes. O objetivo é claro: uniformizar
e padronizar acriticamente e de modo irrefletido o sentido da norma dentro do establischment jurídico, atribuindo ao aparato judiciário (juízes, promotores, advogados, etc.) a atuação como mera engrenagem de uma linha de produção fordista, a repetir sábias, pacíficas e remansosas ordens, mediante um poder de violência simbólico, onde predominam argumentos de autoridade em detrimento de uma racionalidade mínima. Bem se compreende, face o exposto, a partir da utilização de lições da física quântica transplantadas para a Ciência Jurídica, a impossibilidade de uma equação única para determinar o modo de produção, interpretação e aplicação do Direito. A realidade não está circunscrita unicamente em um modelo. A realidade depende da percepção individual do observador. Esse é o desafio, para físicos, filósofos, sociólogos, juristas, enfim. • Márcio Ricardo Staffen Doutorando e Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí. E-mail: staffen_sc@yahoo.com.br 27 Junho 2012 • Moinho
Bússola
~ Ciências Tecnológicas da Terra e do Mar
Educação: [mode on]
Acadêmicos e professores criam jogos que educam Sentir é criar.” Fernando Pessoa Em meio a reformas, é difícil caminhar entre os computadores e móveis do Laboratório de Inteligência Aplicada da Univali - LIA, para os íntimos. Alheios à bagunça temporária, Gabriel, Natalia e Rodrigo mantêm os olhos fixos à tela do computador. Ali, sob a orientação do professor Rudimar Dazzi, os estudantes desenvolvem pesquisas na área de jogos digitais. Ao contrário do que se pode pensar, os produtos que nascem desses estudos promovem mais do que simples diversão. “O que menos fazemos aqui são jogos de entretenimento puro”, explica Rudimar, fazendo referência às linhas de pesquisa adotadas pelo grupo, centradas na informática aplicada à educação, saúde e meio ambiente. Bolsista do artigo 170, Natalia
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Couto criou, sob o comando do professor Rudimar, um jogo educativo que estimula hábitos de higiene bucal. Inspirado nos jogos “tiro em primeira pessoa” (FPS, na sigla em inglês), o jogador combate os “vilões” da boca usando, como armas, creme dental, escova de dentes e fio dental. O projeto foi elaborado em parceria com o curso de Odontologia e deve ser usado por crianças e adolescentes atendidos na clínica de odontologia da Univali. Pesquisas na área de jogos são desenvolvidas no LIA há mais de uma década, mas ganharam maior impulso a partir de 2005. O que começou com iniciativas isoladas, hoje constitui a essência do trabalho realizado ali. Entre os frutos mais notáveis desse
Imagem: Natalia Couto
trabalho estão jogos como o SARDA – Software Auxiliar na Reabilitação de Deficientes Auditivos – e o RPGedu – jogo didático do tipo Role Playing Game, que engloba uma série de conteúdos do ensino fundamental.
um tanto fora de lugar, por conta da reforma – refletem o reconhecimento do trabalho dos alunos. “Publicou, vai para a parede”, conta Rudimar, que não esconde o orgulho O que pelos jovens pupilos.
Benjamin Grando Moreira, professor do curso de Ciência da Computação e integrante da equipe do LIA, é menos fazemos uma das “crias da aqui são jogos de Antes de ir embora, casa”. Trabalha uma breve conversa entretenimento no local há cinco chama a atenção da anos e foi um dos puro.” aprendiz de jornalista: primeiros bolsistas do laboratório, enquanto – “O que é isso?”, pergunta ainda era estudante. Benjamin Rudimar ao aluno cujos olhos não não foi o único a criar raízes no desgrudam da tela. segundo piso do bloco B6. Os professores Elieser e Elisângela Gabriel faz mistério e limita-se compartilham da mesma história a dizer que é algo que está e, entre os atuais bolsistas, há desenvolvendo. Para esses garotos, quem já pense em seguir na o jogo está sempre começando e a carreira acadêmica. Os banners criatividade não tem pausa. espalhados pelas paredes – 31 Junho 2012 • Moinho
Telescópio
~ Ciências Sociais Aplicadas - Comunicação, Turismo e Lazer
Do helicóptero portátil à Comunicação
Felipe da Costa, formado em Jornalismo em 2010, descobriu o gosto pela pesquisa durante a graduação Eu caminho vivo no meu sonho estrelado.” Victor Hugo
“Sempre fui curioso”, conta o rapaz que, quando criança, desenhou “um super dispositivo que era como um helicóptero portátil que funcionava a pilha”. Interessado em física, química e biologia nos tempos de escola, Felipe não fazia ideia que a Comunicação também produzia ciência.
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Foto: http://migre.me/9vS7i
Durante a graduação, teve sua primeira experiência com a pesquisa, ao ser convidado a trabalhar em um projeto sobre identidade nacional no cinema brasileiro. A oferta de uma bolsa de estudos foi o estímulo que o levou a aceitar. A experiência, no entanto, serviu para familiarizá-lo com os procedimentos da ciência.
Fotos: SBPJor
A monografia que escreveu ao final do curso foi a primeira pesquisa que produziu do início ao fim. O trabalho frutificou e rendeu a publicação de artigos em periódicos especializados. “Tive a sorte de ter uma parceria muito boa com a minha orientadora, Valquíria John, e até hoje trabalhamos em projetos juntos”, conta Felipe. A experiência com a produção científica também o fez enxergar dificuldades inerentes à prática. “Acho que a dificuldade na pesquisa na área de comunicação é mostrar que ela tem validade científica. Claro que não estamos buscando a cura do câncer ou da AIDS, mas a pesquisa nos
faz pensar sobre a prática da profissão. Pode nos ajudar a ser profissionais melhores e ainda levar este conhecimento a outros profissionais”. De olho em um mestrado na área, o jovem jornalista mantém os vínculos com a universidade integrando o grupo de pesquisa do curso de Jornalismo, como pesquisador associado. Atualmente, Felipe trabalha em pesquisas desenvolvidas pelo grupo, enquanto busca a aprovação no processo seletivo para o mestrado. O menino curioso agora quer ser professor.
35 Junho 2012 • Moinho
Catavento
~ Colégio de Aplicação Univali
Ao alcance das mãos
Pesquisa desenvolvida por aluna do CAU revela a importância de um novo olhar sobre o ensino de ciências Giro um simples compasso e num círculo eu faço o mundo.” Toquinho O que tem dentro da semente? A pergunta escrita no quadro negro desafia a mente dos pequenos. Sementes em mãos, a imaginação da criançada se traduz em desenhos e palavras, ainda um tanto vacilantes. A experiência fez parte de uma pesquisa realizada com alunos do quarto ano do Ensino Fundamental do CAU, o Colégio de Aplicação da Univali. Entre plantas, sementes, lápis e papel, um mundo de conhecimento esperando para ser desvendado. O que, para as crianças, tinha ares de brincadeira em sala de aula, para Luísa Arvani, tão estudante quanto elas, era um trabalho sério. 38 Moinho • Junho 2012
Bolsista do CNPq, a então aluna do segundo ano do Ensino Médio do CAU virou pesquisadora antes mesmo de chegar à graduação. A jovem, sempre brilhante nas aulas de Física do professor Valdir Rosa, foi convidada por ele a participar do projeto. Apaixonada por ciência e louca por crianças, Luísa não pensou duas vezes antes de aceitar. Sob a orientação do professor Valdir, a estudante trabalhou em um projeto que – utilizando a técnica Hands On – buscava contribuir para o aprendizado de ciências nas séries iniciais. Nascida na terra da torre Eiffel, a técnica propõe um novo olhar sobre o ensino de ciências nas séries iniciais do Ensino
Fotos: http://migre.me/9vS4t e http://migre.me/9vS5z
Fundamental, ao fazer com que os alunos observem, manipulem e registrem os fenômenos aos quais são apresentados. A turma do quarto ano do Ensino Fundamental do CAU foi eleita para realizar as atividades propostas pela dupla de pesquisadores. Deparando-se com o desafio de encaixar as atividades da pesquisa ao calendário de aulas da classe, Luísa e Valdir trabalharam em quatro atividades com a turma. Em pauta nas aulas promovidas pela dupla, conceitos de física e biologia, explorados com as mãos, a fala, o desenho e a escrita. Depois de refletir sobre o mistério da semente, cada criança abriu a sua. O que era apenas uma
ideia virou descoberta e foi para o papel, em formas e letras. Na primeira semana, frases tímidas e erros, aqui e ali. Nos experimentos das semanas seguintes, uma escrita mais corajosa e desenhos ricos em detalhes evidenciavam o aprendizado dos conceitos. “Nas primeiras aulas, elas pouco opinavam sobre as experiências, com receio de falar algo errado. Já nas últimas, elas traziam exemplos de casa, do que haviam pesquisado, davam ideias para as aulas, faziam as leituras, complementando o que já sabiam, enfim, desenvolveram melhor essa capacidade”, conta Luísa, que não esquece o carinho recebido dos pequenos alunos e sua vontade de conhecer o novo. 39 Junho 2012 • Moinho
Foto: http://migre.me/9vS6d
Jovens pesquisadores A pesquisa científica faz parte do cotidiano do Colégio de Aplicação da Univali, através do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica para o Ensino Médio, apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O órgão concede, anualmente, bolsas de estudos aos alunos do CAU interessados em produzir ciência, o que só é possível para colégios integrados a instituições de pesquisa ou universidades. 40 Moinho • Junho 2012
Em 2011, dez projetos foram aprovados. O trabalho desenvolvido por Luísa e orientado pelo professor Valdir ultrapassou os muros da Univali e foi apresentado em um Congresso de Pesquisa Científica para o Ensino Médio, em Florianópolis, no ano passado. De acordo com a professora Arlete Steil Kumm, diretora do CAU de Itajaí, o interesse de alunos e professores pelo desenvolvimento de atividades de pesquisa tem
Entre os aprovados deste ano, crescido, graças a experiências destaque para o projeto Cabeça bem sucedidas como essa. “Os alunos pesquisadores amaram Bem Feita, que transformou o terceiro piso do bloco C4 na a experiência e, por conta Rua da Poesia. Quadros, disso, o interesse pela poltronas, flores e versos pesquisa aumentou Além enfeitam o corredor consideravelmente”, que abriga a sala conta a professora. da bolsa, o Carlos Drummond aluno passa a ser Para Luísa, a pesquisador, vivencia de Andrade. O espaço foi criado para o pesquisa científica as práticas desenvolvimento do é um diferencial estudadas.” projeto, que pesquisa importante para o o trabalho pedagógico aluno bolsista e um com leitura e declamação de incentivo a novos projetos. poesia para o desenvolvimento “Além da bolsa, o aluno passa de habilidades comunicativas e a ser pesquisador, vivencia as sociais na escola. práticas estudadas e acima de tudo, tem a possibilidade de fazer De aluna e pesquisadora, Luísa a sua ideia se tornar algo real”. passou a funcionária e acadêmica. Além de trabalhar no colégio Foto: http://migre.me/9vS6J no qual estudou, a jovem cursa o primeiro período de Relações Públicas na Univali. Já sem o uniforme típico dos tempos de escola, Luísa permanece frequentadora dos corredores cor de laranja que há anos fazem parte de sua vida, evidenciando que os vínculos criados pelo conhecimento são laços difíceis de desfazer.
41 Junho 2012 • Moinho