Crianças do século XXI

CRIANÇAS DO SÉCULO XXI Retratos de uma geração que evolui assustadoramente e surpreende pais e especialistas

Admirável mundo moder Esconde-esconde, polícia-e-ladrão, corda. Uma ponta de nostalgia toma qualquer adulto hoje na faixa dos seus vinte e poucos anos. Os mais velhos com certeza lembram-se do bafo, pião, fubeca e amarelinha. Como a infância era diferente. Hoje, polícia-e-ladrão somente pelo vídeo-game, pião só se for aquele ultramoderno que toca música e brilha no escuro e a fubeca, mais conhecida como bolinha de gude, virou inimiga número um dos pequenos. Aparentemente, as chances de engoli-las aumentou vertiginosamente para essa nova trupe infantil.

Paloma Alvarez Crianças de algumas gerações atrás tinham tempo para brincar, estudar e serem exatamente o que eram: crianças. A geração de hoje, do século XXI, é cercada de afazeres, atividades extracurriculares e responsabilidades. Segundo levantamento da Associação Americana de Pediatria há uma estimativa de que as crianças de 4 e 5 anos tenham somente 25% do seu tempo livre para brincar, enquanto que esse índice era de 40% em 1981.

Pais, preocupados que seus filhos não possam se “encaixar no mercado”, mesmo que este mercado só os atinja quando tiverem mais de 16 anos, procuram inserir as crianças em diversas atividades.

Esportes, dança, canto, aprendizado de línguas, tudo parte de uma rotina. “De segunda, saio da escola de manhã, almoço e vou pro futebol à tarde. De terça e quinta tenho inglês, e nas sextas, faço natação”, explica o atarefado Ricardo Augusto Garcia Toffoli, de 10 anos. Para a pesquisadora e coordenadora do curso de Psicopedagogia da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Neide de Aquino Noffs, os pais estão transformando seus

vezes quando se reúnem durante filhos em pequenos executivos.

Ricardo não é um perso- uma tarde para jogar videogame. nagem solitário neste panorama. “Quando não tem lição de casa Seus amiguinhos de escola tam- nós combinamos de passar a tarde bém fazem outras atividades e na casa de alguém e jogar. Adojuntos começam a adentrar um mundo adulto de horários e compromissos a cumprir. Na sala de aula os próprios educadores sentem que essa “adultização” precoce pode prejudicar o desenvolvimento na escola, além de provocar uma falsa sensação de poder nessas crianças. Segundo a educadora Cristiane Amadeu Fernandes, que leciona para uma turma de 5ª série de uma escola estadual na Zona Leste de São Paulo, Imagens manipuladas mostram o que já é uma rea os jovens estudantes estão renderam à internet e já manipulam estas ferrame tornando-se cada dia mais impacientes. “Um dos maiores ro aquele jogo de futebol Wining problemas que enfrentamos é Eleven”. Sobre as brincadeiras de a falta de respeito que eles têm rua, o pequeno revela “mamãe pelos adultos, seja em decorrên- não deixa, porque é perigoso”.

A mãe do menino, Maria cia do estresse dessa vida infantil atribulada, seja pela falta de Cristina Garcia, comenta que copresença dos pais na educação de locou o filho para fazer várias atividades além da escola principalseus filhos”, aponta.

Entre a turminha de ami- mente pela falta de tempo, dela e gos de Ricardo, pouco tempo do marido, em estar em casa para sobra para brincar efetivamente. cuidar das crianças. “Prefiro que São situações no meio do recreio, eles (os filhos) ocupem o tempo nas festinhas de aniversário e às e a mente com coisas que possam

rno das crianças adultas fazê-los crescer. Melhor do que ficar à toa na casa da avó, por exemplo”.

Infância adultizada Esmalte na mão, brinco colorido nas orelhas. Batom e sombra também fazem parte da composição. Festa? Que nada.

Carolina Costa e Silva, de 12 anos, vai à escola. Ela se arruma todos os dias, mas nunca foi exigência dos pais. Foi por vontade Fotos: Arquivo

alidade: cada vez mais cedo, crianças se entas com facilidade espantosa

própria e também por observar as amiguinhas. A brincadeira de usar maquiagem da mamãe deixou de ser diversão para essa nova geração. Hoje tudo é levado a sério, seja aos 10 ou aos 20 anos, a pessoa precisa se encaixar no grupo, e segundo Cleusa Kazue Sakamoto, psicóloga e doutora em psicologia e desenvolvimento humano da Universidade do ABC (UniABC), esse “encaixe” está acontecendo cada

vez mais cedo. “A infância é um período de desenvolvimento que se tornou menor, trazendo uma perda significativa na estruturação da personalidade do futuro jovem”.

Para a psicóloga um dos principais elementos influenciadores dessa nova geração de “modelos mirins” é o papel que a mídia desempenha na sociedade moderna. Ela afirma que embora possa ser grande formadora cultural, os meios de comunicação vendem diariamente uma imagem distorcida da realidade, prejudicial à compreensão de fatores sociais que nos cercam durante toda a juventude e vida adulta.

Estresse e compromissos.

Adultos não são os únicos que sofrem com esses problemas. De acordo com um levantamento realizado com 400 estudantes de 7 a 12 anos pela Universidade São Marcos de São Paulo, 40% dos alunos apresentavam sintomas de estresse. Desse percentual, 51% das crianças sofriam de insônia e 76% apresentavam alterações de comportamento.

“São dados que assustam. Estamos formando uma sociedade mirim psicologicamente alterada”, ressalta Cleusa.

Outro desdobramento negativo para essas crianças é a erotização precoce, que começa fora das escolas e já se estende, sem nenhum pudor, para dentro das salas de aula. Segundo a especialista este não é um problema pontual e atualmente é um dos

grandes desafios dos pais, que são obrigados a lidar com despreparo para o assunto. A falta de envolvimento e a ausência dos pais acaba permitindo o agravamento de diversas situações que poderiam ser evitadas no futuro.

Tudo num só lugar No mundo cotidiano onde o corre-corre, o trabalho e a violência são personagens constantes na vida de qualquer pessoa, pais que antes proporcionavam diversas atividades aos filhos em diferentes locais da cidade acabaram por optar por escolas e colégios que dispusessem de tudo num só lugar. É o caso do Colégio Marista Arquidiocesano, na zona sul de São Paulo, que após realizar pesquisa com os pais dos alunos, decidiu ampliar ainda mais o leque de atividades extracurriculares disponíveis. Agora as crianças podem escolher entre seis tipos de dança, três tipos de aulas de formação musical, teatro, três tipos de ginástica além de seis modalidades esportivas e cinco cursos de línguas. “Moro mais distante do colégio e se tivesse que ficar levando e buscando minha filha para todas as atividades que ela quer fazer não faria mais nada do dia.

Além de prático, é seguro porque sei que ela não fica andando sozinha por aí”, comenta Rosimeire Costa Callado, mãe de uma aluna da escola.

Outro colégio que segue o exemplo em promover diversas atividades dentro do espaço edu-

cacional é o Colégio Humboldt, localizado na região de Interlagos, que entre as atividades regulares complementa o currículo dos alunos com aulas de pilates, esgrima, pintura, mandarim, saxofone, entre outros vinte e oito cursos extracurriculares. Segundo a psicopedagoga Neide Noffs, a procura exagerada por cursos e atividades num só local pode ser prática, mas tem seu lado negativo. “A criança acaba passando muito tempo num só lugar, convivendo com as mesmas pessoas sem ter a oportunidade de ter contato com outras realidades”.

A opinião da especialista é também sustentada pela educadora Cristiane Fernandes, que acredita que o excesso de compromissos acelera o processo de adultização dentro e fora das salas de aula. Para ela, os pais deveriam ser os primeiros a perceber que isso pode ser nocivo para o futuro dos filhos. Cristiane comenta que existe uma defasagem

significativa quanto ao aprendizado extracurricular nas escolas estaduais. “Ocorre um processo de segregação infantil, em que as crianças que frequentam colégios particulares convivem com outra realidade de cotidiano. No futuro essa diferença pode se tornar um grande problema no que compete aos relacionamentos interpessoais, comportamento psicológico e busca pelo mercado de trabalho”.

Aluna do Colégio Marista Arquidiocesano, Jackeline (nome fictício a pedido dos pais), de 9 anos, gosta das atividades que participa, mas diz que sente falta de conhecer outras crianças de sua idade, e que acaba fazendo amigas virtuais por meio dos sites de relacionamento. “Conheço outras meninas que gostam das mesmas coisas que eu quando entro no orkut e trocamos MSN, mas é ruim não podermos nos ver pessoalmente”, diz.

Foto: Jackeline Roque

Crianças do Século XXI Universidade Metodista de São Paulo Jornalismo Noturno VI Semestre Camila da Silveira Perrud Camila Sousa de Lana Danielle Cassiano Fernanda Cíntia Kian Isabella Boaventura Jéssica Brizzante Bonifácio Larissa Grizoli Maiara Martines Paloma Alvarez Alonso Tatiana Pedros

Foto: Arquivo

Reportagem Especial para Impresso Professores Orientadores: Eduardo Grossi Marli dos Santos Arlete Prieto

Novembro de 2009

Foto: Bárbara Porto

Fotos como estas estariam facilmente em algum de nossos álbuns de retratos há alguns anos atrás.

Com as fotos digitais não há álbum - com as crianças ‘digitais’ não há fubeka, pipa ou tempo livre

Brincar está se tornando a segunda opção de muitas crianças, que preferem sentir-se bonitas a divertir-se Maiara Martines É hora de acordar. Você levanta, vai ao banheiro, lava o rosto, toma um banho, seca o cabelo com uma escova, ou coloca um gel, arruma a maquiagem, passa perfume, coloca o uniforme, pega a mochila do seu personagem preferido, toma um café e a perua chega para levá-lo a escola. Provavelmente ao começar a ler este texto você imaginou uma pessoa se preparando para mais um dia de trabalho, não é?

Mas é assim que muitas crianças se comportam hoje em dia. Júlia, 8, confirma a história. “Eu não saio de casa sem maquiagem, adoro brilho nos olhos, gloss”. Na hora de brincar ela troca as bonecas, ursinhos e outros brinquedos para imitar uma modelo, fingir que trabalha em um escritório ou que é uma professora.

Na hora da brincadeira Júlia não está sozinha. Cada vez mais as crianças estão se tor-

nando mini adultos. “O psiquismo tem um tempo, que não é o nosso tempo atual, como o do computador. Ele tem leis próprias e nós temos um tempo interno para que cada função seja amadurecida. Quando nós pulamos etapas ficam buracos que são importantes”, explica a psicóloga Denise Coimbra.

A preocupação com a beleza está cada vez mais presente. O que antes era percebido principalmente nas meninas, que vestem as roupas e os acessórios da mãe, que é o modelo de beleza que elas tem durante a infância, hoje é substituído pelo estereótipo de beleza, definido pela mídia como perfeito. Denise afirma que é normal a criança se espelhar na mãe, porque todo ser humano se desenvolve por identificação, mas os pais devem ficar atentos para o comportamento de seus filhos diante dos meios de comunicação.

E se idade não é documento, as irmãs

Brincadeiras ou maquiagem?

Brincadeiras ou maquiagem?

Gabriela, 9, e Bruna, 3, são a prova disto. A mais velha confirma a vaidade. “Eu gosto de passar batom, perfume e uma maquiagem antes de ir para a escola. Quase todas as minhas amigas vão iguais. Às vezes agente leva maquiagem e fica no banheiro brincando, outras vezes agente pula corda ou leva um jogo”.

A pequena Bruna não fica atrás na hora de se arrumar, ela afirma que adora maquiagem e que sabe do que está falando. “Eu passo muito direitinho sombra no meu olho e muito direitinho o batom”.

Até na hora de escolher a roupa ela mostra que tem personalidade, pois sem pensar ela já afirmou a sua marca e cor favorita. “Eu gosto das roupas cor de rosa da Barbie”.

Concursos de Beleza Não existe idade para se envolver no mundo da moda e da beleza. O glamour que ele sugere é tão encantador, que faz vitimas de todas as idades. Mas se o trabalho infantil é considerado crime, porque quando tem envolvimento com a mídia é diferente?

A polemica sobre o envolvimento de crianças neste meio ganhou destaque depois que Natália Stangherlin, uma gauchinha de 6 anos, venceu o concurso Little Miss Word pela segunda vez. Ela se tornou uma representante internacional do Brasil, com compromissos e uma agenda cheia. A mãe de Natália afirmou que a filha não deixa de brincar e aproveitar a infância, mas que essa foi a escolha dela para sua vida.

Crianças de todas as idades se dividem entre os estudos e a carreira, iniciada logo cedo. Esse tipo

de comportamento faz com que os pequenos deixem as brincadeiras de lado para se transformar em mini adultos, que usam maquiagem, fazem cabelo, unhas, entre outras coisas que se não forem usadas corretamente podem trazer dados a saúde da criança.

Existe idade para ficar bonito? Ô mãe, quando ou vou poder usar o batom vermelho? Mas mãe porque eu não posso usar esmalte escuro, se a Rafaela pode, só porque ela é mais velha? Você mãe ou pai já deve ter sido questionado de maneira parecida, mas não Foto: Dvulgação

Natália Stangherlin, a Little Miss World

se preocupe: o questionamento é normal, só é preciso explicar os motivos por tal proibição de maneira adequada.

Mas aconselhar os filhos e educá-los pode ser mais complicado do que se imagina, pois cada criança tem as suas características pessoais e vai lidar com o valor de uma forma diferente. Vânia Maria

Reis de Almeida, a mãe da Gabriela e da Bruna, conta como é difícil controlar a vaidade das filhas. “Eu coloco limite quando a Gabriela quer usar lápis de olho e rímel. Eu até peço para elas tirar, porque fica muito para a idade dela, um batonzinho cor de rosa eu até deixo.

A Gabi também gosta de colocar terceiro olho (acessório indiano), tatuagem no cabelo, tatuagem nas unhas e agora está até pintando as unhas de um rosa mais escuro”.

A psicóloga também explica que a forma como os pais lidam com a vaidade, com seu corpo e com a saúde pode influenciar os filhos. Mas essa interferência não precisa ser feita de forma autoritária. “Eu não interfiro muito nas escolhas das minhas filhas, pois acredito que isso pode acarretar algum problema no futuro, só fico atenta aos exageros”, afirma Vânia. Como na vez que chegou em casa e Gabriela tinha pintado a unhas dela e da Bruna de vermelho. “Eu mandei elas tirarem na hora”, completou a mãe.

“A criança repete aquilo que ela vê mais do que aquilo que a gente diz para ela. Então, em relação aos exageros e ao que uma criança deve usar ou não, vai depender um pouco do critério dos pais. De como os pais lidam com essa questão da vaidade”, explica a psicóloga Denise Molino.

Atenção pais!

Que pai nunca teve problemas com seus filhos em relação a notas da escola, complexos relacionados a beleza ou ao corpo?

Toda e qualquer diferença pode acabar virando motivo de chacota e gozação pelos amigos, como

por exemplo, a criação de apelidos maldosos. É importante que os pais sempre estejam atentos ao comportamento de seus filhos, seja ele o motivo ou aquele que promove a brincadeira maldosa. Denise Molino acredita que inclusão de todos é indispensável para a solução do problema. “Eu priorizo muito a participação e a discussão com pais e professores, por exemplo, no que vai se valorizar, nós muitas vezes definimos uma pessoa por uma característica estética, o que é absolutamente passageiro.”

Espelho, espelho meu, existe alguém mais bonito do que eu?

Se a resposta do seu filho for negativa, você pai também pode ter envolvimento. Tudo depende da forma como a criança é abordada em determinadas situações e de como a família lida com valores relacionados a estética e ao corpo.

“Crianças com graves problemas de auto estima terão problemas de relacionamento, problemas de aproveitamento escolar, então na ausência de afetividade, ela podese desenvolver vários problemas”, explica a psicóloga.

A importância dos pais na vida dos filhos não se resume simplesmente em ser o espelho do seu comportamento, mas também é essencial para o filho se sentir bemvindo para desenvolver uma autoestima positiva. O contato físico, a troca de carinhos e a proximidade da relação de pais e filhos é muito importante, crianças carentes podem desenvolver mais facilmente algum tipo de bloqueio.

Quem nunca se pegou pensando se falhou com o filho? Ou no que pode fazer para corrigir um

Foto: Maiara Martines

Brincadeiras ou maquiagem? erro, antes que ele prejudique a criança? Denise chama atenção para os pais não se acomodarem em “comprar” seus filhos.

“Quando um pai ou uma mãe substitui alguma falha no relacionamento com um objeto, ou quando ela veste uma menininha com roupinhas de adulto, eles simplesmente tentam agradála. Então, está tudo errado, ela continua sendo uma menininha com roupinhas de adulto, e isto não vai funcionar”.

Que os adultos são fundamentais na criação de uma criança, na construção de valores, no desenvolvimento da confiança, não se Júlia conta que não sai de casa sem maquiagem pode discutir. É fundamental que os pequenos desenvolvam gente não deve pular etapa, cada um senso crítico, mas saber o que momento é importante como o é adequado ou não para cada mo- momento de brincar, o momento mento é função dos pais duran- de dormir, de estudar tudo isso é te a educação, e nunca esquecer fundamental a cada momento”, fique cada coisa tem seu tempo. “A naliza a psicóloga.

Dicas da dermatologista Denise Steiner sobre os cuidados que os pais devem tomar com os filhos: - A maquiagem deve ser evitada em crianças, pois é precoce. Agredir a pele com conservantes, corantes e produtos químicos em geral não faz bem para os pequenos.

- A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) não aprova maquiagem para crianças.

- Na adolescência, dependendo da necessidade, pode ser indicada limpeza de pele. A drenagem e a depilação também podem ser feitas a partir de 12 anos, quando o jovem está passando pela puberdade.

- A escova progressiva que usa formol é proibida pela Anvisa em qualquer situação, independente da idade.

- Tinturas e alisantes não devem ser usados em crianças menores de 12 anos. Os produtos químicos são agressivos e podem ser absorvidos.

- O gel para fixar o cabelo pode ser utilizado e não cauda queda. Há exceções quando o produto pode causar alergia.

Segundo Denise, os pais não devem emprestar os seus produtos, pois o resultado pode não ser bom para as crianças. “O bom senso estimula que as crianças evitem o uso de substâncias químicas a não ser que haja necessidade excepcional”, finaliza a dermatologista.

Geração Hi-Tech Larissa Grizoli mundo está a um clique. Um simples toque no mouse abre um leque de possibilidades de informação, diversão e cultura. Mas nem sempre foi assim.

O detalhe é que grande parte das crianças não imagina o mundo sem a internet.

A facilidade conquistou os pequenos e ao mesmo tempo atropelou os que não acompanharam a modernidade. Algumas pessoas mais velhas não

O

sabem nem ligar o computador, coisa que a garotada tira de letra. “As crianças, muitas vezes, não sabem escrever corretamente, mas em relação ao computador elas se comportam bem melhor do que muitos adultos”, afirma Fábio Martins, professor de informática.

Essa nova geração, denominada hi-tech, nasceu inserida em uma realidade que não fez parte da infância dos pais. Daí a dificuldade de impor limites e saber o que é certo ou errado em relação ao uso das novas ferramentas da web.

Geração Hi-Tech

Foto: Arquivo

Todos os dias a internet surge com novidades que fascinam públicos de todas as idades. As mais recentes são as redes sociais, como Orkut, Facebook e Twitter. Mesmo não sendo destinadas às crianças, elas aderem às inovações. É o caso de Lucas Domingues, 12 anos, que fica cerca de 4 horas por dia em sites de relacionamento. “Tanto faz conversar pessoalmente ou online”, opina o garoto.

Essa relação com o mundo virtual pode comprometer a sociabilidade das crianças. De acordo com Sonia Maria de Souza, presidente da seção São Paulo da Associação Brasileira de Psicopedagogia, os pais devem “intervir nas relações sociais virtuais assim como nas não-virtuais”, uma é tão importante quanto a outra e ambas carecem de atenção.

Isso é o que o pai de Lucas tenta fazer. Edgar Veras monitora e dá instruções ao filho. “Tem alguns cuidados que a gente precisa tomar porque tem muita coisa que não é para determinada idade, e as crianças querem ir além”, afirma.

Pena que nem todos os pais pensam assim. Muitas crianças ficam livres para fazer o que querem nas horas vagas e acabam exagerando.

Vinicius Teixeira, 12 anos, passa grande parte do tempo livre no computador e já chegou a passar a noite em claro para ficar na internet. “Fiquei mexendo e nem vi a hora passar”, conta. Nesse caso, a intervenção dos responsáveis é necessária para que a diversão não se torne prejudicial. “Os pais tem que saber quais sites a criança está visitando e vigiar o tempo de uso. Monitorar é fundamental”, orienta Regina Gaiarsa, psiquiatra da infância e da adolescência.

A dica serve para os pais de Lucas Thomaz, 12 anos, que já desobedeceu a mãe por causa do computador. “Minha mãe mandou arrumar a

Pais devem instruir os filhos sobre o uso da internet

cama, daí eu saí para mexer na internet”, conta.

Isso não aconteceu porque Lucas foi mal educado.

O “deixar para depois” é comum entre as crianças.

Carla Bernardes também passa por esse problema com o filho. “Ele é desorganizado e esquece de estudar. Se a professora dá lição, eu tenho que ficar cobrando”, diz.

Se a internet é um desafio para os pais, é também para os professores. O fácil acesso ao conteúdo virtual modificou o comportamento dos alunos em sala de aula. Para Cleusa Raquel Diniz, coordenadora de Tecnologia Educacional do Colégio Marista Arquidiocesano, as crianças de hoje são mais ativas e interativas. “Muitas vezes elas checam as informações que os professores trazem e questionam as fontes”, afirma.

Foto: Tatiana Pedros Isso prova que a web pode ser utilizada a favor do conhecimento.

Basta que as crianças saibam que nem tudo que está disponível é confiável.

Celular

“Depois que ganhou o aparelho, ela acha que pode me controlar.

Me liga pra dizer que estou atrasada ou demorando a chegar”. Essa frase poderia ser dita por Rafaella brinca com o celular uma adolescente que está que ganhou da mãe cansada de ser monitorada pela mãe. Mas acredite, não é nada disso. Quem faz a fiscalização dos horários é a pequena Rafaella Galhardo, que tem 4 anos. Ela não sabe ler, mas aprendeu a ligar para a mãe porque decorou a posição dos números. Érika Pedros, mãe da menina, acredita que o telefone móvel não tem tanta utilidade para a filha. “É mais um mimo mesmo”, diz.

Na opinião de Regina Gaiarsa, psiquiatra da infância e da adolescência, o celular é desnecessário para as crianças pequenas. “Uma criança de 3 ou 4 anos dificilmente vai a uma festa de aniversário sozinha. Sempre tem pessoas tomando conta dela”, afirma.

O caso de Rafaella não é um fato isolado.

Ela é o retrato da geração que nasceu em plena revolução tecnológica. Os carrinhos e as bonecas não atraem tanto quanto os eletrônicos. “O celular é usado como brinquedo e isso não pode ser

Geração Hi-Tech permitido pelos responsáveis”, afirma Regina, que frequentemente vê crianças brincando com o aparelho dos pais na sala de espera do consultório e até mesmo durante as consultas médicas. É por esse motivo que Irani Goulart, mãe de Vinicius Silva, está relutante em dar um telefone móvel para o filho. “Ele quer mais para brincar com os joguinhos, é muito pequeno ainda, quem sabe daqui uns dois ou três anos”, diz.

Talvez daqui a algum tempo o celular seja mais útil para Vinicius e não sirva somente como entretenimento. Muitas vezes, a vontade das crianças é passageira e só ocorre como uma curiosidade pelo novo. Foi o que aconteceu com Mateus Henrique, que apesar de ter 10 anos já passou pela fase de euforia por causa do aparelho. “Quando eu ganhei era muito importante, mas agora desprezei”, afirma com um tom de convicção.

REDES SOCIAIS

Conheça os sites mais populares e saiba em que páginas seu filho passa o tempo

www.facebook.com - O Facebook, rede mais conhecida no mundo, tem 335 milhões de usuários

Videogame

Atari, Nintendo, Playstation, Wii e X-Box. A evolução dos videogames trouxe junto de si algumas dúvidas que permeiam entre pais e profissionais da medicina. Afinal, os jogos são benéficos ou prejudiciais às crianças?

Um estudo realizado pela União Europeia e divulgado em fevereiro de 2009 aponta que o videogame faz bem aos pequenos. O brinquedo ajuda a desenvolver a criatividade e a reflexão estratégica, dentre outras habilidades. Não é à toa que alguns médicos usam determinados jogos para aperfeiçoar aptidões como coordenação motora e agilidade nas respostas, o que serve como treino para procedimentos mais minuciosos.

A notícia é boa para Julio César de Souza, 9 anos, que apesar de não gostar de internet, diz “amar” videogame. Ele não é o único. Antonio Henrique Diano, 10 anos, também adora o brinquedo. “Eu fico mais ou menos o dia inteiro jogando”, diz com uma risadinha no canto da boca.

O pai, Geraldo Diano, se preocupa com o filho.

“Eu acho que tem jogos que não passam coisas positivas”, comenta.

O fato é que muitos games incentivam e premiam os jogadores por suas atitudes violentas.

Outros ainda incitam o preconceito. Mas o relatório da UE alega que não existe uma ligação direta entre os jogos e o comportamento agressivo. Para Olga Tessari, psicóloga, se a criança se torna agressiva é porque ultrapassa os limites dela. “A criança que não pratica atividade física tende a ficar tensa, o que a torna agressiva”, explica.

Esse não é o caso de Pedro Lago, 9 anos,

www.orkut.com - O Orkut, com 80 milhões de usuários, é a rede social preferida das crianças no Brasil

twitter.com - O Twitter é a mais nova sensação mundial e já alcançou 44 milhões de usuários

que apesar de gostar de videogame, não deixa de empinar pipa e jogar bola na rua. “O Pedro tem uma coisa que muitas crianças não têm, que é gostar de brincar e não só ficar ligado em tecnologia”, diz Adriana Santos, mãe do garoto.

O exemplo serve para Paulo Henrique da Silva, 10 anos, que fica enrolando no videogame quando a mãe chama para fazer outras coisas. Nesse caso, os responsáveis não devem simplesmente proibir a brincadeira. De acordo com Francisco Assumpção Junior, psiquiatra infantil, os pais devem educar os filhos, o que pressupõe limitar, ensinar, prover e permitir. Para ele, “a criança precisa ter acesso ao mundo e não se limitar a uma atividade específica e única”.

Leitura: a melhor opção para seu filho Danielle Cassiano

E

ra uma vez... Essas três palavrinhas mágicas têm o poder de criar mundos e despertar a imaginação de pequenos ao lerem ou ouvirem muitas histórias infantis. A partir disso, castelos e princesas vão surgindo, lobos-maus e vovozinha também trazem o cenário e a fantasia para a vida de cada pequenino com a ajuda de seus personagens. É por meio do incentivo a leitura desde a infância, que as crianças podem começar a construir sua própria personalidade, pois além de ser uma atividade divertida, o enredo das historias traz para os leitores mirins conceitos sobre o certo e o errado e o bem e o mal - na maioria das vezes através da conduta dos personagens apresentados.

Larissa Oliveira, de dez anos, é uma leitora assídua de livrinhos de coleções bíblicas em casa e afirma que adora ler “principalmente as histórias da Bíblia”, e que na escola quando a professora pede para ler um texto, fica treinando bastante pra ler melhor.

A criança que pratica o hábito da leitura desde cedo desenvolve mais rápido o senso critico, a auto confiança, e adquire maior facilidade em entender o mundo que a cerca, da mesma forma que no aspecto estudantil a dicção é mais bem trabalhada à medida que este hábito é feito com freqüência.

São inúmeras as vantagens do incentivo a leitura para as crianças, no entanto essa iniciativa tem maior eficácia quando começa em casa.

Os pais tornam-se parte essencial para que este método de melhoria na vida dos filhos dê bons frutos a médio e longo prazo.

Pais que estimulam a leitura ensinam os filhos a reconhecerem e se habituarem ao ambiente em que vivem e a desenvolverem atitudes que os influenciarão até a vida adulta. Em alguns casos, esse interesse é o reflexo do que se tem em casa, por isso, é necessário que os pais viabilizem o acesso dos pequenos herdeiros a todo material de leitura tais como revistas e livros.

Para a mãe de Larissa, Adenalia Nascimento Oliveira, ler é muito importante. “Eu sem-

pre incentivei minha filha a ler e mesmo quando to estão utilizando suas dependências. Michele ela era menor, a presenteava com livros de gravuCarvalho trabalha em uma livraria no centro no ras coloridas. Acho importante, porque além de centro da cidade de São Paulo há três anos e desde ser fundamental para ela agora em seu desenvolvientão é a responsável pela diversão no Cantinho mento escolar, antes ela já se familiarizava com as da Leitura, que funciona todas as tardes dentro da cores e desenhos”. livraria.

Para a mãe de Larissa, Adenalia Nascimento Michele conta sobre o dia a dia em seu trabaOliveira, ler é muito importante. “Eu sempre inlho e a realização profissional. “Desde que comecei centivei minha filha a ler e mesmo quando ela era a trabalhar nesse segmento me satisfaço a cada dia. menor, a presenteava com livros de gravuras coloA programação é feita de acordo com a vontade ridas. Acho importante, porque além de ser fundas crianças, têm dias que só leio historias e todos damental para ela agora em seu desenvolvimento parecem extasiados com o destino dos personaescolar, antes ela já se familiarizava com as cores e gens, em outros, trabalho com fantoches, DVDs e desenhos”. musiquinhas”.

Segundo Noelice Francisca O apoio de made Sousa, coordenadora de uma teriais diversificados escola de Ensino Fundamental na para atrair a atenção Região do ABC, para que a perfeidos meninos e menita alfabetização infantil aconteça nas é um grande aliana vida de uma criança, é necessádo, de acordo com rio existir um trabalho em “equiMichele. “É interespe. “A relação dos pais, com os sante surpreendê-los educadores e também com os mépara não cair na rotitodos de ensino que a escola adota na ou tornar o assunto tem que andar em harmonia para maçante ou cansativo, que desenvolvimento criança seja por isso sempre faço contínuo”, explica. atividades variadas, Atualmente, com a ajuda ora narrando historias, de mecanismos tecnológicos e até ora cantando ou oumesmo com novas ferramentas vindo alguma história didáticas, as escolas têm percebiem DVD. Acredito interação da familia na hora da leitura é muito do um grande avanço quanto ao Aimportante, que a minha particialém de divertida interesse dos alunos pela leitura pação nessa parte dá a durante o período em que estão liberdade de expressão na escola. A coordenadora nos fala ainda sobre a para eles na maioria das vezes”. concorrência que existe entre a prática da leitura A criatividade é convidada especial quando e outras mídias como a televisão e a internet, e o assunto é leitura de historias infantis, como exacrescenta que “a concorrência é mais intensa a plica a professora de Educação Infantil, Gabriela partir da pré-adolescência. Na Educação Infantil e Pereira “O tempo que tenho com meus alunos é nas primeiras séries do Ensino Fundamental, vebem pequeno, então preciso de criatividade para mos a criança como um leitor em potencial, que é aproveitar a energia deles durante as aulas. Por atraído pelas ilustrações e as cores dos livros”. isso, na hora da leitura deixo-os bem a vontade para opinar sobre o que quem ouvir, ou como preRecreação ferem, as historinhas”.

Apesar da possibilidade que a idade das Sobre os materiais de leitura a professora crianças tem de contribuir como fator decisivo ainda completa: “é preciso dinamizar, atualmente pelo interesse pela leitura, existem hoje métodos temos um material vasto nesse assunto, então eu e ferramentas que vem sendo exploradas para esutilizo além dos livrinhos tradicionais que não potimular o interesse dos baixinhos pelo fantástico dem faltar, CDs de historinhas e músicas. Livros mundo da leitura. em alto relevo também são bem interessantes, no Muitas bibliotecas e livrarias atualmente disfinal é tudo muito divertido até pra mim” põem de um cantinho exclusivo para o completo O incentivo a leitura, e a inclusão das crianentretenimento e informação das crianças enquanças no mundo lúdico das histórias e brincadeiras

infantis, têm atingido proporções maiores com o passar do tempo.

Bebeteca

Com um novo olhar destinado a educação infantil, pretende-se que principalmente as creches não sejam apenas mais um lugar em que as crianças são deixadas pelos pais ao irem trabalhar, mas que tenham a preocupação de entreter os bebês e crianças até três anos de idade de diferentes formas e com um caráter educacional. Muitas bebetecas estão sendo implantadas também em algumas escolas de Ensino Infantil. É na bebeteca, que são proporcionadas as primeiras experiências sensoriais em que os estímulos afetivos tornam-se essenciais para que a criança estabeleça com o livro uma relação de prazer e o veja como objeto de sua rotina.

Em países como a Colômbia, Espanha e Chile, são uma febre. Já no Brasil esse projeto está surgindo timidamente. Esse trabalho além de apresentar reflexões sobre aspectos como o desenvolvimento infantil e a integração dos pais nesse perío-

do, define o perfil dos usuários das bebetecas.

A interação do Educador ultrapassa as atividades de elaboração e organização de atividades.

Para que o envolvimento dos pequenos nas bebetecas seja realmente proveitoso, é preciso que haja um empenho permanente de todos envolvidos em tornar os resultados obtidos durante o período em que ficam na bebeteca.

Questionada sobre a importância de uma bebeteca, a psicóloga Claudia de Sousa explica que “quanto mais cedo a criança ou o bebê, no caso, tiver contato com elementos lúdicos ou algo que o inspire e aguce a sua curiosidade, mais rápido ele vai absorver informações importantes para entender as coisas que acontecem ao seu redor e se situar mais rápido também”.

Fotos: Arquivo

Com a leitura de importantes clássicos, como o Sítio do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato, as crianças podem conhecer melhor o mundo da escrita

Alimentação saudável também na infância

B

Camila Lana

olachas, salgadinhos, doces e guloseimas em geral são alimentos que não podem faltar no cardápio das crianças.

Na casa das avós, na escolinha, ou dentro da própria casa, diariamente elas consomem produtos industrializados.

Desde pequenas elas já são apresentadas às bolachas recheadas, iogurtes e refrigerantes, deixando para trás o hábito de comidas saudáveis. Os pais ficam com a ideia equivocada de que assim eles estão se alimentando e ganhando peso. Quando bebês, as figuras de fofinho, e bochechas gostosas de apertar são sinônimos de criança saudável e bonita. Porém, o desenvolvimento natural da idade, aliado a alimentação inadequada, pode gerar desconfortos físicos e até problemas mais graves, como a obesidade infantil.

Uma pesquisa realizada pelo Hospital das Clínicas de São Paulo revela que a obesidade pode antecipar em até 20% doenças como a hipertensão e o diabetes, além de aumentar consideravelmente os índices de colesterol. Os riscos também servem para doenças cardiovasculares, como o enfarte e o AVC. Para o cardiologista do Hospital Albert Einstein, Silvio Reggi, isso pode ser facilmente explicado. “A hipertensão, diabetes e o aumento nos níveis de colesterol contribuem para a formação de placas de gorduras na parede dos vasos sanguíneos, e isso pode causar o infarto e o derrame”, afirma.

A alimentação inadequada causa sérios danos à saúde. Os pais devem ficar atentos e tentar modificar a rotina alimentar de seus filhos o quanto antes. O processo é algo que requer empenho e paciência, pois as crianças não costumam aceitar as temidas verduras e legumes com muita facilidade.

Mas a questão essencial é entender a gravidade e as conseqüências do excesso de peso na infância.

Filho de pais “gordinhos”, Caíque Gonçalves, cresceu em meio a uma rotina alimentar calórica.

Brigadeiros, doses diárias de refrigerantes e pizzas, fizeram com que ganhasse peso rapidamente. Atualmente com 10 anos, tem 1,48 m e já pesa 60 quilos. A mãe Carolina se culpa por ver o filho ser alvo constante de piadas, na escola. “Quase todos os dias ele reclama dos amiguinhos, eu devia ter me policiado mais”. Ela afirma, que quando Caíque tinha dois anos, era magrinho e por isso decidiu levá-lo ao pediatra. “Eles receitaram muitas vitaminas e fortificantes, às vezes desconfio disso”.

Apesar da preocupação, os pais ainda não acharam uma equipe que pudesse resolver o problema do filho. Ele já iniciou atividades físicas, como caminhada e natação, mas o problema ainda não foi resolvido.

A pediatra Lilian Zaboto, Coordenadora do Departamento Infantil da ABESO (Associação Brasileira

Fotos: Arquivo

para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica) fala da importância do profissional na vida da criança. “É dentro do consultório que podemos prevenir a obesidade, por meio do gráfico de crescimento da criança”. Ela ressalta que é extremamente necessária a orientação aos pais, que são alertados para a importância do aleitamento materno e a educação alimentar. “O melhor tratamento é a prevenção, desde que médico e família trabalhem juntos”.

A obesidade infantil pode ser diagnosticada pela curva de crescimento, realizada nos consultórios, com a supervisão do pediatra, ou pelo IMC (Índice de Massa Corporal) da criança com mais de 10 anos. O IMC é calculado dividindo o peso pela altura ao quadrado. Assim como nos adultos existem medidas que precisam ser respeitadas. Para o cálculo é preciso levar em consideração a idade e o sexo da criança.

Para a nutricionista Juliana Watanabe, formada pela Universidade de São Paulo, a tabela é importante para a prevenção da obesidade. Com o acompanhamento necessário, é possível prevenir a doença ou até mesmo tratar o quanto antes.

Para ela o grande problema está na quantidade de valor calórico ingerido diariamente. “As crianças adoram biscoitos recheados, frituras, refrigerantes e chocolates. Esses alimentos possuem muitas calorias”, diz.

Para controlar a alimentação inadequada, os pais precisam estimular o consumo de alimentos saudáveis. Como por exemplo, frutas da época, que são as mais saborosas. Além disso, deve-se investir em legumes e verduras, com preparações que as crianças aceitam melhor, como arroz com legumes, bolinho de carne com espinafre, e a saborosa torta de legumes.

Outra alternativa é levar os pequenos ao supermercado. “O hábito de mostrar o aroma, as formas, e até mesmo conhecer melhor os alimentos, faz muita diferença e acaba criando uma proximidade”, explica Juliana.

A dona de casa Magali Ribeiro é a mãe de Maria Eduarda, que com oito anos já pesa 38 quilos, índice considerado inadequado. E fala que a filha já sofre com o preconceito. “Várias vezes ela

Guloseimas fazem parte do cardápio da maioria das crianças

chega chorando falando que é excluída das brincadeiras, por ser mais gordinha”. Por outro lado, Duda, como é chamada pelos pais, conta o que mais gosta de comer. “Eu gosto de hambúrguer e de batata frita, com refrigerante”.

O preconceito não é algo que atinge somente a pequena Duda. Crianças obesas são alvos constantes de brincadeiras e apelidos indesejáveis. Para Rita Romaro, doutora em Psicologia Clínica pela USP, todas as vezes que a criança ganha algum tipo de apelido ela tende a ficar mais isolada. “O isolamento, a ansiedade e o estado depressivo, ficam mais freqüentes”, conta. Para ela a cobrança é tão grande, que se corre o risco da criança buscar desesperadamente o emagrecimento. “Elas acabam fazendo o uso excessivo de dietéticos, laxantes e exercícios sem a supervisão de um profissional”.

A obesidade infantil mostra a necessidade de um tratamento com vários profissionais. Os pais precisam estar atentos, e buscar orientação médica a qualquer sinal. O tratamento deve ser feito atendendo a solicitação de nutricionistas, pediatras e essencialmente de um psicólogo, que deve agir buscando recuperar a auto-estima e porque em alguns casos, fatores psicológicos, como a perda de um ente querido, violência física ou psicológica ou a uma reação a separação dos pais, podem ajudar na progressão da doença.

“Para controlar a alimentação inadequada, os pais precisam estimular o consumo de alimentos saudáveis. Como por exemplo, frutas da época, que são as mais saborosas”

Vilões à mesa É na infância que alergias, intolerâncias e outras restrições alimentares costumam se manifestar Tatiana Pedros

Q

a mãe Raquel Lócio. Depois de passar por vários médicos, Raquel descobriu que Giulia tinha alergia tanto à lactose quanto à proteína do leite. Bastou retirar o leite comum da dieta e substituí-lo pelo de soja que Giulia melhorou.

Alergias Múltiplas

Recentemente casos de alergias e intolerâncias alimentares chamaram a atenção pela abrangência e complexidade.

Um garoto de cinco anos na Austrália, Kaleb Bussenchutt tem alergia à comida e só pode consumir água e um tipo especial de limonada. Depois de inúmeras tentativas dos pais e médicos para fazer com que Kaleb se alimentasse, a solução encontrada foi a ingestão dos Foto: Arquivo

uem é pai ou mãe sabe o quanto é difícil fazer com que os filhos mantenham uma alimentação saudável num mundo cheio de “tentações” e guloseimas. A tarefa fica mais árdua quando determinados alimentos se transformam em vilões: reações alérgicas, intolerâncias alimentares e condições em que o organismo é incapaz de digerir substâncias vitais para o crescimento costumam se manifestar na infância. E é preciso entender como reconhecer e lidar com tais problemas.

Quando Gabrielle tinha apenas 10 meses, uma forte pneumonia fez com ela ficasse internada por duas semanas no hospital. A mãe, Fabiana Faris, conta que os médicos logo suspeitaram: a pneumonia, na verdade, era consequência de uma intolerância alimentar. A certeza veio logo depois. Gabrielle foi diagnosticada com intolerância à proteína do leite.

Em sua forma mais comum, essa intolerância está relacionada à produção do anticorpo chamado Imunoglobulina E (IgE), que reage contra o alimento logo após a ingestão e pode causar uma variedade de manifestações clínicas, como urticária, broncoespasmo e até anafilaxia (queda da pressão san-

guínea), que pode ser fatal.

Fabiana Faris explica que até os cinco anos Gabrielle não pôde comer nem beber nada que tivesse proteína do leite, e isso inclui itens do cardápio que costumam ser os preferidos nessa idade: macarrão, sorvete e chocolate (com exceção do meio amargo).

A seleção rigorosa dos alimentos permitidos em casa exige também que os pais prestem atenção em outros ambientes que o filho frequenta. Um em especial: a escola. Fabiana recorda que orientou a todos sobre a intolerância alimentar da filha e que a atitude foi essencial até mesmo para que Gabrielle pudesse, por conta própria, discernir um alimento do outro. “Eu falei para professores e coleguinhas e nunca tive nenhum problema. Ela também já sabia.

Teve uma vez em que estavam oferecendo leite de vaca para ela tomar e ela disse: ‘esse leite eu não posso’”. Há dois anos, Gabrielle, atualmente com sete anos, já consegue consumir alguns derivados de leite e, mais recentemente, o próprio leite.

História parecida é a de Giulia Lócio, hoje com quatro anos. “Giulia nasceu enorme, com quatro quilos, mas com o passar dos meses ela começou a emagrecer. Sua pele vivia irritada e ela vomitava muito. Sempre que eu me aproximava para amamentá-la, ela chorava”, conta

A indústria se adaptou e criou diversos alimentos em glúten e sem lactose

Foto: Tatiana Pedros

nutrientes via sonda. No Brasil, em Goiânia, capital do Estado de Goiás, dois irmãos João Víthor e Nicole da Cruz têm restrições severas à comida.

O menino, de cinco anos, tolera apenas carne de rã e uma fórmula láctea especial. A irmã, de três anos, só pode ingerir um tipo de leite.

Tanto Kaleb, quanto João Víthor e Nicole sofrem de alergias múltiplas. O organismo desenvolve reações alérgicas a diversos tipos de alimentos e não apenas um específico.

Acredita-se que o número de crianças com algum tipo de restrição alimentar tenha aumentado porque o diagnóstico é mais contundente, mas não é só isso. Especialistas consideram que alergias e intolerâncias estão diretamente relacionadas com o

O leite pode ser perigoso para crianças intolerantes à proteína láctea

também tem influência”, explica a nutricionista das Unidades de Alergia e Imunologia e de Gastroenterologia, Glauce Hirome Yonamine, que trabalha no Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de

ESPECIALISTAS CONSIDERAM QUE ALERGIAS E INTOLERÂNCIAS ESTÃO DIRETAMENTE RELACIONADAS COM O HISTÓRICO ALIMENTAR DESDE O NASCIMENTO histórico alimentar desde o nascimento. O próprio leite materno é um desses indicadores.

“O principal fator de risco para o desenvolvimento de doenças alérgicas, incluindo a alergia alimentar, parece ser a história familiar. O tipo de alimentação no início da vida - aleitamento materno ou alimentação com fórmula infantil ou leite de vaca e a alimentação complementar -

São Paulo (ICr-HCFMUSP).

Glauce afirma que é essencial o acompanhamento com equipe multiprofissional especializada. “Muitas vezes, é necessário realizar suplementação de vitaminas e minerais, especialmente o cálcio, e o nutricionista irá avaliar individualmente cada caso, para prevenir possíveis deficiências nutricionais”.

Não contém glúten

Solange Edna Gomes, hoje com 28 anos, só pôde experimentar chocolate aos 13 anos.

Ela conta que quando tinha um ano e meio uma biópsia revelou a existência da doença celíaca no organismo, mas o diagnóstico demorou. “Como na época pouco se conhecia sobre o problema, fui diagnosticada depois de um bom tempo. Falavam que era virose, alergia, mas nunca doença celíaca”.

A doença caracteriza-se pela hipersensibilidade permanente ao glúten, substância presente no trigo, centeio, aveia e cevada.

Segundo o médico Nilton Carlos Machado, especialista em Gastroenterologia Pediátrica e professor adjunto da Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp), a doença celíaca tem diversas origens. “Tem uma base genética - um gene que veio com os imigrantes europeus, onde a doença é mais comum. A

parte ambiental - que é a exposição aos alimentos, principalmente feitos com trigo, no inicio da vida - e a base imunológica, uma resposta imunológica exacerbada ao glúten, com lesão importante da mucosa intestinal”.

Nos celíacos, a ingestão do glúten causa atrofia da mucosa do intestino delgado, e por consequência, má-absorção, diarreia e desnutrição. Foi o que aconteceu com Solange. “Sempre fui muito magra. Mas quando tinha um ano, minha magreza atingiu o terceiro nível de desnutrição.

Os médicos consideraram até, em última instância, me alimentar via sonda. Mas minha mãe, mesmo sem saber o que era glúten ou em quais alimentos ele estava presente, começou uma rigorosa dieta e eu melhorei”.

A falta de informações sobre a doença, a dificuldade de encontrar alimentos livres do glúten e a necessidade de trocar receitas adequadas foram alguns dos motivos pelos quais um grupo de pais de celíacos criou o Clube do Celíaco em 1985, que deu origem à Acelbra (Associação dos Celíacos do Brasil).

“Um estudo recente mostra que existe um celíaco para cada 214 pessoas sem a doença. A Acelbra nasceu quando já existia a Lei 8543/92 que obriga as empresas a colocar nas embalagens a frase CONTÉM GLÚTEN. Nesse tempo todo de existência, foi nosso dever que se fizesse cumprir a lei”, reitera Péricles Marques, um dos fundadores e o atual presidente da instituição.

Péricles é pai de Marcus Vinicius Marques, de 29 anos,

que teve o primeiro contato com o glúten após iniciar o consumo das p aalimentos 8 estão relacionados a 85% e 90% das pinhas infantis e sop a s alergias alimentares em de macarrão. “Quan- docrianças: eu o leite de vaca, tinha um ano pesa- va ovo, 16 soja, trigo, amendoim, quilos. Quando fiz um ano e castanhas, peixes e frutos do mar meio pesava sete quilos.

S e não descobrisse a doença a tempo podia ter morrido”, afirma. Na fase escolar, outro obstáculo. “As escolas púO aleitamento materno blicas não oferecem nada além exclusivo até os 6 meses reduz o de pão com salsicha, macarrão, risco de alergias, pão com manteiga. Tudo o que inclusive as eu não podia comer”. alimentares.

Marcus é o único celíaco entre três irmãos. Mesmo assim, ele Alergias alimentares na diz que o diagnóstico mu- ocorrem normalinfância mente devido à imaturidadou por completo a rotina de do trato da família. “Na m i n h a gastrointestinal, que permite a penetração casa sempre tinha bdeo lproteínas o, capazes de desencadear uma reação pizza, macarrão caseiro.

Isto tudo acabou d e alérgica repente.

Tivemos que substituir o trigo A Lei 8543 de 1992 obripor fécula de batata, fubá, ga que todos os alimentos industrializados que conteamido de milho e desenvolver as nham glúten - como trigo, receitas em casa, pois não tinha aveia, cevada, malte e cennada pronto para vender”. teio e/ou seus derivados tenham em seus rótulos a Para Solange, que só foi coadvertência indicando essa nhecer o trabalho da Acelbra aos composição.

19 anos, conhecer mais sobre o assunto é fundamental. “Eu tive A doença celíaca não é discernimento mesmo do que considerada nem alerpodia ou não comer depois dos gia, nem intolerância.

Os sintomas são pare10 anos”, recorda. cidos, mas o que exisDiagnósticos e Tratamento

E como saber se o filho tem ou não algum tipo de restrição alimentar? É preciso ficar atento.

Ao ingerir uma substância, o organismo pode reagir de diversas maneiras.

te é a hipersensibilidade gastrointestinal ao glúten

As manifestações apresentam características que mostram o que os médicos chamam de órgão-alvo. “Existem as formas

Alergia versus Intolerância É comum fazermos confusão quanto aos termos alergia alimentar e intolerância alimentar. Mas lembre-se: são dois problemas diferentes.

A intolerância alimentar não envolve o sistema imunológico. Um exemplo é a intolerância à lactose na qual o organismo é incapaz de digerir adequadamente o também chamado de açúcar do leite.

Já a alergia alimentar ocorre por conta das proteínas e envolve o sistema imunológico, como na alergia à proteína do leite de vaca.

o mercado alimentício tem lançado linhas completas à base de soja, o que facilita a adaptação do organismo e oferece aos pais de crianças intolerantes às substâncias dos lacticínios alternativas de consumo.

“As alergias alimentares são transitórias para a maioria das crianças e hoje temos fórmulas lácteas bem especificas para tratar os diferentes tipos de alergia”, avalia o médico Nilton Machado.

Para Péricles Marques, indicar a composição nos rótulos dos produtos evita, por exemplo, enganos comuns na ingestão das

refeições. Vários alimentos e compostos têm glúten na fórmula e pode ser perigoso para um celíaco comer, mesmo que em menor quantidade. Segundo ele, a assinatura do protocolo da doença celíaca, em setembro deste ano, foi outra conquista. O documento possui diretrizes para realização de exames e biópsia para a detecção do problema. Com o apoio da Acelbra, “estes novos celíacos verão que conviver com a doença não é um bicho de sete cabeças”, considera.

Foto: Tatiana Pedros

em que o intestino é o órgãoalvo isoladamente (diarréia, vômitos, sangue nas fezes e etc) em que o aparelho respiratório é o órgão-alvo (coriza, chiados, pneumonias, tosse crônica, etc) e situações em que a pele é afetada (inchaços, dermatites, eczemas, urticárias, erupções cutâneas, etc). O mais frequente é termos combinações desses órgãos-alvo e, assim, com diagnóstico mais difícil de ser feito”, afirma o gastropediatra Nilton Machado.

“Estima-se que as alergias alimentares devem corresponder de 2 a 8% das crianças menores de dois anos”, completa.

Segundo dados da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), os únicos meios de comprovar a existência de alergias, intolerâncias é a partir dos testes de provocação oral, ou seja, o diagnóstico inicial se dá quando a criança apresenta reações alérgicas depois de ingerir o alimento suspeito. O método também é útil para certificar que o organismo já é tolerante ao alimento.

“Existem alguns estudos que demonstram que o consumo frequente do alimento que causava a alergia é importante para que a criança se mantenha tolerante ao alimento. Em outras palavras, quando a criança deixa de ser alérgica, é importante introduzir o alimento na dieta, porque existe sim o risco de voltar a alergia se o organismo não entrar em contato com a proteína”, afirma a nutricionista Glauce Yonamine.

Outro fator determinante para amenizar os riscos é que

Bolos, pães, bolachas recheadas e chocolate estão entre os itens proibidos na dieta do celíaco

Tal pai, tal filho

Fernanda Kian

G

inásio lotado. Torcida os esportistas que eles não foram. to da prática esportiva, os pais uniformizada, as co- Com isso, criam expectativas e o precisam escolher profissionais res do time pintadas desejo de ter um filho vencedor, que saibam trabalhar de forma no rosto. O jogador destaque no esporte que pratica. adequada à faixa etária. “Os treiolha para a multidão, mas só vê o Essa expectativa pode gerar co- namentos devem acontecer duas pai. Com medo, prestes a chutar branças exageradas e o passatem- vezes na semana, com uma hora e meia de duração. Devem ser um pênalti, ele encara o goleiro e po vira motivo para frustração.

Monique Poles, professora 60% só de fundamentos e 40% acredita que vai acertar o ângulo.

Respiração profunda ao apito do de educação física, dá aulas há 23 entre parte tática e físico leve”, juiz, um suspiro e o grito de gol. anos para crianças. Atualmente, afirma.

O excesso de atividade e a O pai vibra, e com notória eufo- é treinadora do time infantil de basquete da Associação dos Fun- pressão dos pais podem levar os ria diz: “Esse é meu filho”.

A cena descrita parece cionários Públicos de São Ber- filhos a abandonarem o esporte. comum para muitas famílias. As nardo. Segundo ela, a prática de Segundo Monique, crianças que crianças têm ingressado cada vez esporte ainda na infância pode re- são obrigadas a fazer determinada mais cedo na prática esportiva meter a valores sociais e ajudar no atividade física ficam frustradas e sofrem de baixa-estima. como resultado das mu- Foto: Arquivo A psicóloga Ivete danças da vida moderna.

Pellegrino afirma que os Pais passam mais tempo filhos têm os pais como no trabalho e precisam espelho e, por isso, tenpreencher o dia dos filhos dem a segui-los em tudo, com várias atividades. Prainclusive na escolha pelo ticar esporte é uma delas, mesmo esporte. Mas é porque proporciona uma preciso ter cuidado quanvida mais saudável, longe to às cobranças. Na infândo sedentarismo e permicia, o esporte não deve ser te a interação com outras tratado como competição. pessoas.

A criança precisa entender Mas o esporte tamprimeiro o que é ganhar, bém tem contraindicaPais tem colocado os filhos cada vez mais cedo para para depois cobrar de si ções. Crianças que prati- praticar esportes mesma os resultados. cam atividades esportivas A especialista expliem excesso podem sofrer de estresse e depressão, e o que desenvolvimento físico, mas não ca que as atividades esportivas era para ser um exercício de des- significa necessariamente o início desenvolvem valores sociais como disciplina e obediência às regras, contração e prazer se torna aflição da vida profissional.

A professora explica que a ensina a perder, trabalhando com e tortura. Isso acontece quando os filhos são induzidos pelos pais criança deve fazer a atividade que o sentimento de frustração, a ese acabam praticando uma ativi- mais gosta e os pais não devem perar a vez, a ser solidário, justo influenciar nessa decisão. Mas e honesto, além do trabalho em dade física por obrigação.

Na maioria das vezes, os isso só não basta. Para que o fi- equipe.

Segundo a psicóloga, tudo pais querem que os filhos sejam lho tenha melhor aproveitamen-

na vida precisa ser dosado e com a prática esportiva não é diferente.

“Quando uma criança pratica esporte em excesso, faz a atividade sem interesse, sem envolvimento. Ela passa a ter medos e perde a motivação, tornando-se uma aluna problema.

Essas mudanças se estendem para outros setores da vida e ela passa a ser agressiva ou tímida demais.”

A psicóloga salienta que é fundamental a presença dos pais nos treinamentos das crianças. Porém, é preciso ter cuidado com as críticas sobre o desempenho do filho porque podem trazer maus resultados. As críticas negativas podem levá-las a dois extremos: aumentar o ritmo de treinamento, resultando em maior esforço físico e desgaste psicológico ou levar à desistência definitiva da prática esportiva. As exigências dos treinadores também devem ser analisadas. Os pais precisam conversar sempre com os pequenos para saber se existe cobrança excessiva por parte dos professores.

Não são raros os casos de filhos que exercem as mesmas atividades que os pais. Um exemplo é Ana Carolina da Cruz, 15 anos, ex-bailarina. Ana começou a dançar aos três anos, no grupo de dança Vera Cruz, no qual sua mãe era professora. Aos oito anos, ela entrou para o Teatro Municipal de São Paulo e seu objetivo era ser bailarina profissional e

professora de balé, como a mãe.

Aos 10, Ana tinha uma rotina tão corrida quanto à de um adulto.

A bailarina dançava todos os dias no teatro, tinha aulas no Sesi de Diadema e ainda participava do grupo de dança de sua mãe.

Tantas atividades ligadas ao balé atrapalharam o rendimento escolar e ainda resultaram em alguns problemas no joelho. A rotina tão exaustiva levou à desistência da bailarina. “Levantava cinco horas da manhã e passava duas horas no ônibus. Quando voltava, tinha que ir para escola e aos outros grupos de dança.”

A mãe de Ana, Vera Lúcia, 48, é professora de balé, mas não exerce mais a profissão. Ela conta que o maior orgulho de sua vida foi ver a única filha dançar e fazer o que a mãe mais gostava. “O meu sonho era que a Carolina fosse bailarina profissional e me substituísse no grupo de dança.”

um clube de futebol porque sabia que ele tinha talento para jogar.

Bruno conta que gosta do esporte, já jogou em mais de dez times e seu sonho é ser profissional. “A maior emoção que tive foi ser artilheiro e o melhor jogador do campeonato e receber o troféu das mãos do ministro dos Esportes, Orlando Silva”. O adolescente afirma que hoje joga futebol porque gosta, mas, no começo, era por vontade do pai.

“Quando eu jogava mal, não tinha vontade de voltar para casa porque sabia que meu pai iria brigar.”

O pai, Paulo Eiryio, 41, joga há 33 anos. Ele conta que decidiu ser jogador profissional aos 12, quando foi chamado para treinar na Portuguesa de Desportos. Porém, Paulo guarda uma frustração.

Seu pai não queria que ele jogasse futebol e o proibiu de ir aos treinamentos. Para ele, Paulo precisava estudar porque ser jogador não era profissão. O pai de Bruno estudou,

“QUANDO UMA CRIANÇA PRATICA ESPORTE EM EXCESSO, FAZ A ATIVIDADE SEM INTERESSE, SEM ENVOLVIMENTO” Quando Ana desistiu, Vera ficou decepcionada e chegou a fechar seu grupo de dança. A mãe afirma que o excesso de aulas foi um dos motivos para a desistência da adolescente. Ana Carolina ainda tem roupas, sapatilhas, vídeos e fotografias de quando era bailarina. Porém, não sente saudades e atualmente só dança para se divertir. “Eu gosto de dançar porque a dança exprime pensamentos que só o corpo pode transmitir.”

Bruno Eiriyo, 15, joga futebol desde os cinco anos. O jogador diz que o pai o levou em

mas continuou no futebol. Aos 18 anos, ele foi campeão da Copa Pelé e, aos 22, começou a jogar no São Caetano. O objetivo dele era se profissionalizar, porém não foi possível devido a uma lesão no joelho.

Atualmente, Paulo joga duas vezes na semana, e conta que já chegou a jogar todos os dias.

“Minha vida está ligada ao esporte. Já joguei em todos os times do bairro, fiz parte da seleção de Diadema, São Bernardo, São Caetano e das escolas que estudei. Além disso, já viajei para Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná para disputar campeonatos”.

Fotos: Fernanda Kian

Paulo Eiriyo assume que é muito exigente quanto ao desempenho de Bruno. “É um orgulho quando vejo meu filho fazer gol, mas ele sabe que essa é a função dele.” O pai afirma que se o herdeiro não gostasse de futebol ficaria muito frustrado, por isso, sempre o incentivou a jogar. “Com o tempo, percebi que ele tinha habilidade, poderia ser jogador e seguir minha carreira esportiva.” O sonho do pai é ver o filho se tornar profissional, defender a seleção brasileira, jogar no Corinthians, o time do coração dos dois, até chegar ao futebol europeu.

Mesmo com cobranças e expectativas, as crianças sentem a necessidade de compartilhar as vitórias e derrotas. Pais que cobram demais prejudicam os filhos e levam à desistência. Porém, o resultado para pais que não acompanham os filhos é bem semelhante.

Guilherme Abekawa, 11, joga futebol no time da escola. O garoto afirma que gosta de praticar esporte por causa dos benefícios para a saúde, mas o que o desmotiva é a falta do apoio da mãe, que devido à rotina tão corrida não o acompanha nos treinamentos e nunca assistiu a um jogo dele.

O pequeno não sonha em ser jogador profissional. Ele conta que vê o esporte apenas como diversão. “Me sinto bem quando jogo futebol, estou em movimento, dá uma sensação de liberdade e, nesse momento, não me preocupo com nada.”

A mãe de Guilherme, Cláudia, 39, é pedagoga. Ela afirma que não tem tempo para acompanhar o filho nos jogos, e acredita que o esporte deve ser tratado como brincadeira. “Qualquer esporte

Bruno tem atualmente mais de 300 medalhas, e a primeira conquistou aos cinco anos

O jogador tem mais de 40 troféus e os mais importantes são de artilheiro (bola) e de melhor jogador (chuteira) que conquistou no Campeonato Estadual de Futebol de Salão.

traz benefícios tanto físicos como psicológicos, desde que seja feito com acompanhamento. Mas não deve haver cobranças. Crianças praticam esporte para relaxar, ter contato com outras crianças, praticam como forma de distração.”

Cláudia conta que seu outro filho, Gustavo Abekawa, 9 anos,

sofre de obesidade mórbida e não pratica nenhum tipo de esporte. A pedagoga sabe que a atividade física é essencial para o controle da doença, mas como o garoto não gosta de fazer exercícios, ela não obriga.

“Os pais devem cobrar quando os filhos já são adultos e têm aquela atividade como profissão.”

MÃES

Contemporâneas Os medos e anseios de como cuidar dos filhos conciliando a carreira e a família

O

sentimento que a maioria das mães que trabalham fora possui, todos sabem: uma constante fisgada de culpa por se ausentar na criação dos filhos.

Tranqüilidade é uma palavra que parece não existir para a mulher que tem crianças e emprego.

Jéssica Brizzante Os compromissos pessoais e profissionais são muitos e nenhum pode ser deixado para segundo plano. Mas como o filho dessa mãe culpada reage a essa questão?

A psicoterapeuta Márcia Oliani diz que a ausência da mãe não é motivo para que os filhos fiquem mal educados ou mal criados, mas sim motivo para que amadureçam mais rapidamente e valorize o esforço que os pais fazem para vê-lo bem. “É muito difícil para a mulher abrir mão de estar o tempo todo perto dos filhos, cuidando e protegendo, contudo, esta experiência pode beneficiar a todos. Quando

a família aprende a dividir as tarefas, ajudando nos afazeres domésticos, sobra mais tempo para o casal estar junto e para os filhos, que se tornam mais independentes, aprendem a reconhecer o valor do trabalho que a mãe antes fazia sozinha”.

Luciana Fátima Medeiros de Oliveira, 40, diz que se sentia muito presa dentro de casa e por isso resolveu trabalhar, deixando a filha Luane de Oliveira na escolinha. “Quando a minha filha fez nove anos resolvi trabalhar, conversei com o meu esposo e entramos em um acordo. Colocaríamos Luane na escola e depois ela ficaria no apartamento até que nós chegássemos do serviço. Tudo es-

tava dando certo até que a minha filha começou a ter problemas na escola, tirava nota baixa e foi levada à diretoria duas vezes. O meu marido começou a me pressionar dizendo que era por causa da minha ausência, que a menina fazia o que queria quando estava em casa sem ninguém para supervisionar. Saí do meu emprego e comecei a dar mais atenção a Luane que começou a ir bem novamente na escola. Não sei se era a única saída, sinto falta de trabalhar fora, porém senti muito culpada naquele momento e decidi largar o emprego”. Segundo Márcia, não necessariamente o motivo das crianças irem mal na escola é por causa dos pais que trabalham, e ter que largar o emprego por isso pode ser prejudicial à mãe que terá

que conviver com esse arrependimento por toda a vida. “Quando essa culpa se torna exagerada existe um grande sofrimento, a mulher passa a não ficar bem em casa, fica estressada, o que facilita o aparecimento de doenças como a depressão”. E ela completa. “O que importa é a qualidade e não a quantidade. Basta observar quantas crianças que têm a mãe 24 horas por perto se sentem órfãs! Não há interação, a criança fica apenas com seus brinquedos enquanto a mãe se perde nos afazeres da casa. Os filhos se sentem valorizados, amados quando os pais demonstram interesse por eles, mesmo não estando com eles o dia inteiro. Os filhos tornam-se seguros quando os pais tomam atitudes repreensivas ou aprovativas e é por elas que encontram referências, explica” Hoje em dia pais ausentes, na concepção geral da sociedade, são os pais que trabalham fora de casa e por isso não possuem tempo para ficarem com os filhos, acompanhar o desenvolvimento deles, orientá-los sempre que necessário, ensinando valores, convívio. Na verdade, para o filho é bem melhor que ele tenha a mãe longe por mais tempo, realizada e satisfeita quando se relaciona com ele, do que a mãe por perto, frustrada e, portanto, impedida de exercer bem seu papel com ele.

De acordo com o psicólogo Bruno Vinicius Serafim, não existe uma receita básica para que as mães não errem na educação das crianças por estarem trabalhando. “Os pais devem se conscientizar que são importantes, principalmente na fase do desenvolvimento da criança, fase

Fases de desenvolvimento da criança

na qual o psicólogo e pesquisador Jean Piaget dividiu em períodos (confira no Sensório motor (0 a 2 anos) - A inteligência trabalha através das percepções box ao lado), nas quais tam- e das ações por meio dos deslocamentos bém está sendo formada a do próprio corpo. É uma inteligência imiprática. Sua linguagem vai personalidade da criança”, nentemente da repetição de sílabas à palavra-frase aconselha Bruno. (“água” para dizer que quer beber água) Esse sentimento, a já que não representa mentalmente o pedagoga Marisa Paiva Fer- objeto e as ações. nandes sentiu por muito Período Simbólico (2 a 4 anos) -Nestempo. Ela diz que antes te período surge a função semiótica que permite o surgimento da linguagem, do sempre teve vontade de ter desenho, da imitação, da dramatização, filhos. Queria ter dois, um etc.. Podendo criar imagens mentais na do objeto ou da ação é o períopara fazer companhia ao ausência do da fantasia, do faz de conta, do jogo outro. “Quando eu engravi- simbólico. dei fiquei muito preocupaOperações concretas (7 a 11 anos) da com a educação do meu É o período em que o indivíduo consolida filho. Estava perdida achan- as conservações de número, substância, e peso. Já é capaz de ordenar do que não ia participar da volume elementos por seu tamanho (grandeza), educação dele. Quando Pe- incluindo conjuntos, organizando então dro nasceu foi a coisa mais o mundo de forma lógica ou operatória.

Já podem compreender regras, sendo fibonita que eu já tinha vis- éis a ela, e estabelecer compromissos. to, cada segundo era muito formais (11 em diante)- É precioso para mim. Quan- Operações o ápice do desenvolvimento da inteligêndo faltavam dois dias para cia e corresponde ao nível de pensamento terminar o tempo de licença hipotético-dedutivo ou lógico-matemátiÉ quando o indivíduo está apto para maternidade e eu iria voltar co. calcular uma probabilidade, libertandoa trabalhar, eu chorava dia se do concreto em proveito de interesses e noite, não querendo lar- orientados para o futuro. gá-lo. Com a ajuda da mi- Fonte: www.pedagogiaemfoco.pro.br nha mãe consegui superar os primeiros dias e aceitar tudo que estava acontecendo. nalista inglês Donald Winnicott, Ligava para ela a cada hora para que torna a mãe e seu bebê uma saber se meu filho estava bem. unidade necessária e importante Passei com psicólogas durante o para a saúde da criança. “A mãe primeiro ano de vida de Pedro. se sente tão dependente do seu Hoje eu estou grávida novamen- bebê quanto o bebê tem uma dete, demorei dez anos para decidir pendência total de sua mãe ou engravidar e me livrar desse tabu substituta, na falta desta”. E a psique mãe que trabalha é ausente canalista completa. “Se a criança da criação dos filhos”. for bem cuidada no seu primeiro Para a psicanalista e pre- ano de vida, a figura da mãe essidente da Associação Brasilei- tará introjetada no psiquismo da ra de Terapia Familiar, Cynthia criança e sua ausência temporáLadvocat, é natural que a mãe ria pode ser superada sem gransinta-se culpada, pois ainda está des traumas. Pessoas com vínculo na fase da preocupação materna com a criança podem alegrar esse primária, um conceito do psica- momento de espera”.

E agora, sou mãe!

Muitos casais atualmente pensam muito antes de terem filhos, com quem vão deixá-los quando estiverem trabalhando e como não se esquivarão da educação deles.

O casal Marcio e Tânia Rodrigues, casados há cinco anos, pensa em ter um filho, porém a dúvida é sempre a mesma. “O meu sonho é ter um filho, porém nossos pais não vão poder olhar a criança, e o nosso medo é que colocá-la na escola desde cedo a prejudique em seu desenvolvimento”, relata Luciana.

Segundo Cynthia Ladvocat, a vida de um casal hoje em dia já comporta que ambos trabalhem e que, ao chegarem em casa, inicia-se outra tarefa, de estar a par de tudo que aconteceu em casa, Foto: Arquivo

a chamada jornada dupla. “A idade para entrar no jardim de infância é perto dos dois anos, época em que a criança já anseia por amiguinhos e esta apta a ter uma vida mais social, se preparando para o processo de aprendizagem”. Mas para acalmar os pais de primeira viagem a psicanalista diz que tem outras alternativas se o único jeito é deixar os filhos desde cedo na escolinha.

“Os pais podem estar conectados na internet, pois muitas creches e escolas possuem esse serviço onde

os pais podem até ver seu bebê no que a criança precisa de um adulto berçário, na sala de aula ou mesmo para colocar limites. “O importandepois a própria criança, na hora te é que os pais procurem explicar do recreio, entrar em contato pelo para as outras pessoas como gostae-mail/Skype/MSN ou outros sis- riam que os filhos fossem criados, temas em rede. Estar presente na determinando regras e limites vida dos filhos não necessariamen- que consideram importantes e tete significa a presença física. Estar nham consciência de que são eles, ligado na vida dos filhos, mesmo a os pais, que conduzem a educação distância temporária, facilita a vida das crianças”. Márcia aconselha os na pós- modernidade”. casais a evitar interferir na frente Lucélia e Everton Mene- da criança na decisão do parceiro guelli querem ter filho no próxi- em uma discussão ou castigo, pormo ano, mas as suas preocupações que a criança pode sentir-se consão de mimar demais a criança e fusa sem saber a quem obedecer por estarem à maior parte do tem- e irá usar essa falta de consenso a po ausentes na educação dos filhos seu favor. possam querer agradá-los demais O mais importante é amar quando estiverem por perto deles. os filhos, independente do tempo Segundo Cynthia, o mimo “faz que estiverem dispostos para isso. parte dos cuidados com a criança, Dar atenção quando estes quiseentretanto esta deve sempre ser rem e mostrar o valor e o esforço educada a respeitar os li- que os pais fazem para dar uma mites impostos pela famí- criação de qualidade e um conforlia no que diz aos seus cui- to maior na vida deles. dados básicos e em Plano de ação acordo com a cultura familiar”. Os pais A vida da mãe que trabalha fora devem ser capazes de fica mais fácil se ela: dizer não sem culpa ou remorso, para 1. Não perder a hora de manhã 2. Preparar na véspera mochila do filho, que a criança seja mesa do café, lista de tarefas para a emcapaz de ouvir o não pregada sem se sentir rejei- 3. Ter um “ritual” (ir até o filho, dar uma tada. Everton pensa palavrinha, fazer um agrado) ao sair e ao voltar para casa em deixar o filho com a mãe 4. No trajeto casa-trabalho-casa, criar e sua esposa aprovou a deci- um método para se desligar dos problesão, porém eles têm medo de mas domésticos e vice-versa 5. Trocar de roupa quando chegar em que por deixarem a criança casa (para sentir que chegou mesmo) com parentes, eles eduquem 6. Atender e ouvir com atenção quando de maneira “ao contrário” do o filho quiser contar um problema 7. Se tiver um dia difícil, não esconder e que pensam em ser o corre- buscar um tempinho para relaxar to, ou seja, que os familiares 8. Ter alguém confiável a quem apelar ensinem atitudes que eles no caso de problemas inesperados não concordem com relação 9. Saber e lembrar o dia da prova difícil, do jogo e do passeio da escola à postura, comportamento 10. Tratar bem os amigos do filho ou costumes que as crianças Educadora Ellen Galinsky, autora possam apresentar. A psico- Fonte: do livro Ask the Children (Pergunte aos terapeuta Márcia Oliani diz Filhos), 2006.

Talento de gente grande Aparecer na TV e brilhar nos palcos. Ganhar fama e sucesso. O sonho de muitos adultos - que para alcançá-lo passam noites em claro tocando em bares e casas noturnas com o objetivo de se tornarem conhecidos - é o mesmo de milhares de crianças no Brasil. Aliás, elas nunca receberam tanto destaque nas telinhas como nos últimos anos. As vozes e o estilo despojado destes meninos e meninas tomaram o espaço das loiras que comandavam com autoridade os programas infantis até o fim dos anos 90.

Camila Perrud

Não tenho nem palavras, estou orgulhosa”, diz a mãe coruja.

Se enganam aqueles que pensam que todas estas crianças tem rotina de adultos. O grupo Os Quatro Irmãos, conhecido pelos telespectadores como Família

Fotos: Camila Perrud

Aparecer na TV e brilhar nos palcos. Ganhar fama e sucesso. O sonho de muitos adultos que para alcançá-lo passam noites em claro tocando em bares e casas noturnas com o objetivo de se tornarem conhecidos - é o mesmo de milhares de crianças no Brasil. Aliás, elas nunca receberam tanto destaque nas telinhas como nos últimos anos. As vozes e o estilo despojado destes meninos e meninas tomaram o espaço das loiras que comandavam com autoridade os programas infantis até o fim dos anos 90.

Crianças também dão audiência. Raul Gil, conhecido por seus programas de show de calouros, percebeu isto, e exibe em seu programa semanal o quadro Eu e as Crianças. Nos corredores da emissora, prestes a entrar para as gravações do dia, os cantores miA pequena Jennifer durante a maquiarins, como se estivessem em suas gem e com os irmãos e a família antes casas, parecem não sofrer com a das gravações temida ansiedade. Nem mesmo a pequena Nicole, de cinco anos, Buscapé, é formado por Jhoniffer, que se apresentaria pela primeira 12, Jennifer, 11, Jhonatan, sete, e vez ao lado de Kaik, de seis. A mãe Steffani, de cinco anos e se tornou da menina, Alessandra Nobre, es- destaque no programa há cerca de tava radiante. “Ela é agenciada, um ano. O pai das crianças, Ivan mas nunca apareceu na televisão. Moura Batista, explica que os en-

saios do quarteto são feitos naturalmente. Pai consciente, afirma que faz questão de interferir para que nada atrapalhe a infância dos filhos. “Minha esposa é quem ensina as danças. Treinam por uma hora mais ou menos. A mais nova, que ainda não sabe ler, decora as letras de música só de ouvir. Ensaia por cinco minutos e brinca por três horas”, relata, aos risos.

A dedicação do pai não é vista somente ao acompanhar os pequenos a cada programação (além das gravações, realizam shows nos fins de semana e nos feriados). “Não medimos esforço nem distância por amor a estas crianças”, afirma Batista, que vive com a família no bairro Itaim Paulista e ‘viaja’ para o Morumbi quase todas as semanas com o grupo. Ivan conta que aparecer na TV foi um desejo exclusivo dos filhos. A filha Jennifer confirma e diz que deseja continuar na área musical. “Adoro cantar. Quero gravar um CD, um DVD. Este é meu sonho, fazer sucesso”.

Ele sabe que no futuro a carreira musical pode não dar certo e por isto já conscientiza os filhos. “O estudo fica em primei-

Maísa Revelada também pelo programa Raul Gil, Maísa, de sete anos, apresentadora do Sábado Animado, é uma criança prodígio. Com raciocínio rápido, intriga adultos e pequenos com suas respostas desconcertantes.

Maísa ganhou fama rapidamente, já gravou um CD com artistas de renome, mas protagonizou há pouco tempo um episódio que chocou especialistas da área infantil. A menina chorou por duas vezes durante suas participações – já proibidas pela Justiça – no dominical Programa do Sílvio Santos.

A atitude dos pais de crianças famosas é que determinará o adulto que elas se tornarão no futuro. A fama na pouca idade pode abrir portas para decepções que podem vir adiante. Kátia explica que as crianças, por mais espontâneas que sejam, não são adultos,

Foto: Divulgação

ro lugar, independentemente de tudo. A carreira artística é para eles um pedestal, para ganhar dinheiro e pagar a faculdade no futuro”, declara.A psicóloga Kátia Teixeira, da EDAC (Equipe de Diagnóstico e Atendimento Clínico), afirma que os pais devem dar o suporte para que os pequenos talentos não tirem de uma experiência como esta uma marcante frustração. “O nível de expectativa que parte dos pais é que é perigoso. O preparo deve ser feito antes, dizer que tanto pode dar certo quanto não pode.

Quando a criança acha a atividade prazerosa, entende até mesmo como uma brincadeira, ela também aprende a perder”, diz.

O SBT foi proibido de incluir Maísa em participações no Programa Sílvio Santos

e por isto, os responsáveis devem estar antenados aos sinais que a criança oferece quanto ao aspecto emocional. “A Maísa deveria estar sobrecarregada. A mídia se aproveita da imagem da criança e os pais é que determinam se ela tem ou não condições para prosseguir. Os pais precisam lembrar que são para os filhos modelos de comportamento e oferecem segurança e proteção”, ressalta.

Sonho realizado Ela não esperava ser apresentadora. Com a intenção de divulgar seu trabalho como cantora de música gospel e conseguir um contrato com uma gravadora, Priscilla Alcântara, de 13 anos, do Bom Dia & Cia., do SBT, foi descoberta após participar do programa Código Fama, do mesmo canal. Priscilla começou a cantar com seis anos, por influência do pai, que tocava instrumentos e da mãe, que cantava na igreja. Mas a menina demonstrou aptidão musical e os pais investiram em sua carreira. Com nove anos, estreou

no programa matinal ao lado do amigo Yudi.

Beto Fonseca, pai de Priscilla, conta que sempre deixou a filha à vontade e faz questão de preservar sua imagem. “Ela é quem sempre decide as coisas.

Depois que ela entrou na TV, explicamos as vantagens e desvantagens, os altos e baixos da fama”, diz. O sucesso é explicado, segundo a própria Priscilla, pelo esforço e pela fé. “Se você tem vontade, corre atrás e acredita em Deus, tudo tem o seu tempo, e acontece mesmo”, declara. O apoio dos pais às suas escolhas para ela também foi fundamental. Ela acaba de gravar seu segundo CD. Para os pais que passam pela mesma situação, Fonseca aconselha: “É preciso ter pé no chão, muito diálogo e conselhos. Dar também abertura ao filho, e sem forçar, deixá-lo fazer o que realmente deseja, sem deixá-lo com a sensação de que está sendo explorado”, conclui.

Música Talvez seu filho não tenha

os pais podem exercer grande influência quando oferecem aos ‘baixinhos’ músicas de bom gosto. “Minha filha não aceita qualquer coisa. É capaz de ouvir as músicas típicas da adolescência, mas vai comigo sem problemas a concertos e sabe apreciar música de orquestra”, diz.

Diretora da Faculdade de Ciências da Saúde (Facis), a psicóloga Lourdes Brunini, que também éautora do livro Como entender e criar seu filho para a vida, diz que a música adequada

para a criança é aquela que apresenta valores importantes mesmo para os adultos. De acordo com a psicóloga, é preciso evitar o contato dos filhos com músicas em que o nível da palavra se detenha nos trocadilhos e que incentivem comportamentos sexuais ou imorais. “A música é sempre muito importante, é um remédio. As melhores para esta faixa etária são as que falam de animais e meio ambiente, que falam das relações interpessoais e pregam a solidariedade”, conclui.

Super fantástico...

Filhos de Edson, da dupla sertaneja Edson e Hudson, Vítor e Vitória estrearam recentemente no meio musical. São parte da nova safra de artistas filhos de cantores famosos que pretende substituir Sandy, 26, e Júnior, 24.

Os irmãos tiveram uma carreira de êxito e que com o tempo estava totalmente desvinculada do sucesso do pai, Xororó. Já adultos, seguem carreiras distintas após a separação da dupla.

Pequenos que embalaram crianças dos anos 80 com suas canções, os ex-integrantes do extinto Balão Mágico venderam 10 milhões de discos até o fim do grupo, em 1986. Simony, 33, prossegue na carreira artística, e aparece com freqüência em programas televisivos no período vespertino que abordam sua vida pessoal. Jairzinho, 34, filho do cantor Jair Rodrigues, continuou no meio musical e atua como intérprete, compositor e produtor. Vimerson Cavanilas, 38, o Tob, formou-se em Rádio e TV e é ator de teatro. Michael Biggs, 35, o Mike, vive em Londres com a família, onde se apresenta tocando músicas brasileiras.

Fotos: Divulgação

aptidão musical latente ou não faça parte de seus planos para ele expô-lo na mídia. Mas são tantos – e inegáveis – os benefícios da música que talvez seja o momento de ao menos cogitar incluir esta saudável atividade no dia a dia de seu herdeiro. E quanto mais cedo melhor. O aprendizado, que pode vir por meio de brincadeiras, estimula atributos como a sensibilidade e o raciocínio, além de estimular a fala e a audição.

Os irmãos da Família Buscapé descobriram o talento para a música naturalmente. O teclado ganho pelo pai tornou-se a diversão de Jhoniffer e Jennifer, os filhos mais velhos. Com o aprendizado do instrumento, proporcionado pela ajuda de uma amiga, veio o interesse pelo violão. Os dois não têm entre os familiares algum músico, assim como a maioria das crianças que freqüentam o curso de musicalização infantil promovido por Selma Regina Petroni.

Para a professora, além do imediatismo dos pequenos, a interferência negativa dos pais pode prejudicar o aprendizado. “Os pais não devem insistir nos exercícios. Hoje as crianças é que escolhem o instrumento que vão tocar e precisam ter uma certa maturidade e dedicação”, explica. Selma, que iniciou seus estudos musicais aos sete anos, afirma que toda criança gosta de música e é capaz de desenvolver o prazer de ouvir e fazer música com instrumentos.

A qualidade das músicas às quais as crianças são expostas preocupa a especialista. Para ela,

Armário de propagandas Porque comprar uma boneca nova se minha filha já tem cinco? Porque um relógio do Ben 10 se ele tem um do Homem Aranha? Bem-vindo ao mundo da publicidade infantil Isabela Boaventura

Foto: Getty Images

“Mãe, quero um celular novo!”. Aos nove anos de idade, Marina já teve três aparelhos diferentes e agora acha o seu desatualizado, por isso, ela resolveu pedir a mãe um celular novo, mais moderno como presente de aniversário. Afinal, justifica para a mãe, “ele é muito simplesinho, só tira foto, tem rádio e mp3... nem é 3G”, diz aborrecida.

Isto parece uma realidade distante da sua?

Pode ser que sim, ou pode ser que não, mas o fato é que essa tende a ser uma realidade cada vez mais comum. Uma pesquisa feita pelo jornal O Globo comprovou que 48% das crianças de classe AB têm celular. E a lista de desejos não para por ai…

Roupas, aparelhos eletrônicos, brinquedos interativos fazem parte do sonho de consumo de milhões de crianças no mundo inteiro. Hoje em dia é infinita a lista de produtos feitos para as crianças.

Para chamar a atenção da criançada e despertar o desejo de compra nelas, as campanhas publicitárias se adéquam cada vez mais ao público. Mesmo aparelhos que parecem não ser feitos para este público foram adaptados - um exemplo disso é o já citado celular. Agora, os fabricantes têm modelos coloridos ou decorados com os personagens favoritos do seu filho.

a forma de disposição de produtos em pontos de vendas.

Mas porque o mercado foca na criança em sua propaganda e não nos pais que são quem realmente vão pagar a conta? É claro que isso não é por acaso. Segundo dados da TNS/InterScience, instituto de pesquisa que atua em mais de 70 países, divulgou dados em outubro de 2003, que mostram que as crianças brasileiras influenciam 80% das decisões de compra de uma família.

Além disso, uma pesquisa realizada pela Associação Dietética Norte America Borzekowiski Robison também aponta que bastam 30 segundos para uma marca influenciar uma criança. Tendo isso como base, já é possível imaginar porque ela é tão importante para esse mercado. É claro que esse tipo de publicidade é uma grande responsável pela formação de jovens consumistas, e as empresas sabem aproveitar indícios do que as crianças querer para fazer comunicações eficazes a ponto de influenciar seus filhos. A TNS também divulgou dados em 2007 que mostram que as crianças brasileiras sentem-se mais atraídas por produtos e serviços que sejam associados

Vilões do consumismo precoce

Não adianta negar, as crianças realmente se encantam com o universo colorido e chamativo das propagandas dirigidas a elas. E não é fácil fugir dessas propagandas. É comum ver publicidades, anúncios impressos, comerciais televisivos, spots de rádio e banners na Internet. Sem contar no trabalho de divulgação que é feito nas embalagens dos produtos, as promoções, o merchandising, e

A televisão é o principal meio de divulgação dos produtos infantis

a personagens famosos, brindes, jogos e embalagens chamativas.

De qualquer maneira, o público infantil pode até ser o ponto focal do negócio, mas não é o único. Os pais, principalmente as mães, são extremamente valorizados por publicitários na hora de elaborar as campanhas do produto. “Os pais vão aprovar ou reprovar o produto. Não só quanto à qualidade, e outras características, mas quanto a preço. Então, quem trabalha com produtos que são voltados a criança tem que levar sempre o pai em consideração”, explica Arnaldo Rabelo, consultor em marketing infantil e um dos autores do livro Marketing Infantil – Como conquistar uma criança consumidora.

Rabelo afirma que as mães são ainda mais valorizadas neste processo de compra, afinal, são elas que adquirem a maior parte dos utensílios para a casa, e, portanto, o produto deve ser aprovado por elas. Então antes de dizer que seu filho faz birra e por isso tem uma pilha de brinquedos inúteis no armário, lembre-se que você de certa forma aprovou a compra de cada “tranqueira” que enche o quarto dele. Lembre-se pai, a propaganda existe e pode ser muito importante para influenciar seu filho, mas é você quem decide se deve ou não comprar determinado produto.

A opinião dos amigos, como já se imaginava, também é uma importante influência, como comprovou a pesquisa da TNS. Por isso, antes de proibir seus filhos de assistir TV, por exemplo, é importante lembrar que talvez os pais dos amigos não tenham

os proibido também. Ou seja, os pais também são co-responsáveis por essa formação de consumistas. Afinal, eles decidem o que o filho irá assistir, se irá comprar ou não determinado produto etc.

Vale à pena proibir?

Jovens consumistas estão cheios por ai. É cada vez mais comum encontrar jovens como Talita, 11 anos, que assumem “gosto mais de fazer compras do que brincar”. São exemplos como esse que fazem com que especialistas acreditam que a liberdade na abordagem das propagandas possa fazer com que se perca uma parte fundamental da infância.

Por isso, há um debate enorme sobre a proibição ou não da veiculação de propagandas direcionadas às crianças. Desde 2001 tramita o projeto de lei 5921 que propõe o fim da publicidade dirigida diretamente a crianças ou veiculada durante a programação infantil.

O autor da proposta, deputado Luiz Carlos Hauly, parte do pressuposto que a criança não tem capacidade de reflexão crítica ou nem mesmo consegue discernir o que é ou não publicidade. Além disso, ele também acredita que as empresas abusam da inocência infantil tendo em vista o lucro, o que pode influenciar valores éticos e morais dessas crianças.

Essa também a idéia compartilhada pela coordenadora de Educação do Projeto Criança e Consumo do Instituto Alana, Lais Fontenelle Pereira. Para ela, esse ambiente de fantasias que a

propaganda traz consigo pode ser prejudicial inclusive para o futuro dessas crianças, pois torna-as consumistas e incita a desigualdade social. Não é à toa essa visão que Laís carrega, afinal as crianças brasileiras de todas as idades e

Produtos criados para os adultos ganham a cara da criançada

classes passam em média quatro horas 50 minutos e 11 segundos por dia assistindo à programação televisiva (Painel Nacional de Televisores, IBOPE 2007).

Aproveitando isso, este se torna o meio de comunicação mais comum para divulgação de produtos infantis. E o que pode ser feito quando a família não tem condições de comprar determinado produto? Mesmo assim este continuará sendo um produto com publicidade dirigida a ela e é por isso que Laís defende a bandeira da proibição total deste tipo de propaganda.

Rabelo não é tão radical, ele não acredita que a comunicação com a criança deva ser totalmente vetada. Para ele, por causa de certos abusos por parte das empresas é importante sim que elas sejam fiscalizadas através da

Fotos: Getty Images

lei, para que elas tenham limites éticos (que atualmente foram esquecidos) antes de falar com a criança sobre ele. Ele acredita numa solução em colaboração com as escolas.

Para ele, deveriam ser dadas orientações dentro da própria escola aos alunos sobre as informações que eles recebem da mídia. Rabelo acredita que este poderia ser um grande aliado da formação de consumidores conscientes. “Este é uma caminho mais interessante, onde a gente envolva a criança com educação e não tentando colocar ela fora do processo de consumo. Porque o consumo faz parte da vida de todo mundo”, acredita o consultor.

Sem dúvidas, há uma grande tendência a criação de crianças mais consumistas, e mudanças devem ser feitas nesse cenário para preservar este período importante da vida delas. Por isso, Rabelo finaliza: “Eu acho que deve haver uma educação da criança quanto à publicidade, deve haver uma responsabilidade das empresas em oferecer produtos saudáveis e não cometer abusos quando produzirem publicidades e os pais tem que ser conscientizados do seu papel educador para evitar limites e excessos”.

Para os papais e mamães que querem saber mais sobre o tema: Documentário: Criança, a alma do negócio (Brasil) Direção: Estela Renner Produção Executiva: Marcos Nisti Maria Farinha Produções Livro: Marketing Infantil – Como conquistar uma criança consumidora (encontrado em http://www.marketinginfantil.com.br) Projeto Criança e Consumo do Instituto Alana http://www.alana.org.br/CriancaConsumo/

“Bastam 30 segundos para uma marca influenciar uma criança” Fonte: Associação Dietética Norte America Borzekowiski Robison