ร S MARGENS,
plano urbano para a bacia do Rio Pirajuรงara
CAMILLA FREITAS
ÀS MARGENS,
plano urbano para a bacia do Rio Pirajuçara Orientação: Prof. Drª. Maria Cecília Lucchese
Trabalho Final de Graduação Arquitetura e Urbanismo | IFSP/SPO.
SÃO PAULO, nov. 2018
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pira โ ข juรงara peixe que tem espinhos
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Aos meus pais, pelo apoio em toda a trajetรณria, de lรก ate aqui.
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RESUMO
ABSTRACT
Separada do centro expandido de São Paulo pelo rio Pinheiros — distintamente uma barreira urbana na metrópole — a bacia do Pirajuçara é, por si só, um território periférico. Há de se destacar, no entanto, que os efeitos dessa barreira repercutem de maneira diferente ao longo deste território, reverberando com maior intensidade nas bordas urbanas, onde a autoconstrução emerge como única forma de acesso à moradia para a população mais pobre.
Parted from the expanded center of São Paulo by the Pinheiros River, distinctly an urban barrier in the metropolis, the Pirajuçara watershed is, by itself, an outskirt territory. However, it should be noted that the effects of this barrier have a different repercussion throughout this territory, reverberating more intensely in the urban borders, where the practice of self-construction emerges as the only way that the poorest population can live.
A lógica predatória que regeu a ocupação da metrópole de São Paulo, em que as áreas ambientalmente frágeis, como várzeas e nascentes, não foram poupadas das dinâmicas do mercado imobiliário, determinou os principais conflitos socio-ambientais deste recorte. Os rios, destituídos de suas várzeas, ora ocupadas pelo sistema viário, ora ocupadas pela habitação, periódicamente retomam seus espaços na forma de enchentes e inundações que assolam a população.
The predatory occupancy process which the metropolis of Sao Paulo went through, where fragile ambiental areas, such as floodplains or springs, weren´t preserved from the dynamics of Real State markets, has determined the main social-ambiental conflicts in this particular zone. The rivers, deprived of their floodplains, which is occupied by road systems or by residency, periodically regain their spaces by floods that concerns the population.
Palavras-chave: Planejamento urbano, Rios urbanos, Bacia do Pirajuçara, Drenagem Urbana, Autoconstrução.
Key words: Urban Planning, Urban rivers, Pirajuçara watershed, Urban drainage, Selfconstruction.
JUSTIFICATIVA
OBJETIVO Este trabalho pretende denunciar a exclusão social e territorial a qual a população mais periférica está sujeita e ser uma iniciativa no combate à essa exclusão. O plano aqui elaborado busca promover o acesso à cidade, no sentido dual de facilitar a transposição periferia/centro e de adequar a precária urbanização existente à uma urbanidade emergente. Dessa forma, se atingirá o objetivo maior de incorporar esse território à dinâmica da metrópole, não apenas como moradia, como tem acontecido até então, mas como uma centralidade completa, que ofereça condições adequadas de emprego, mobilidade, cultura e educação.
Os limites municipais são meras divisões administrativas, que não coincidem com o contorno da expansão urbana e nem refletem as características físicas e frações socioeconômicas de um território. Infelizmente, é a supremacia desse limite que determina os planos e projetos estratégicos na região metropolitana de São Paulo, executados, em sua maioria, pelos governos municipais. O que se verifica nessas ações é uma desconectividade entre as propostas e uma disparidade de recursos, considerando que a capital apresenta melhores condições financeiras. Os demais municípios são desfavorecidos também em termos de informação e documentação histórica, uma vez que não foram dispendidos os mesmos esforços na identificação e divulgação de sua cartografia. Se vê portanto, a necessidade de reforçar a identidade periférica, para que esta seja, de alguma forma, colocada no mapa.
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ANÁLISE TEÓRICA, 14 ÁGUAS NA CIDADE: QUALIDADE E GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS, 14
RESUMO/ ABSTRACT, 04 ÁGUAS NO DESENHO URBANO: OBJETIVO, 05 PROCESSO DE FORMAÇÃO DA JUSTIFICATIVA, 05
METRÓPOLE, 20
ÁGUAS DO RIO PIRAJUÇARA: DO
ABREVIAÇÕES E SIGLAS, 08 NATURAL AO CONCRETO, 32
APRESENTAÇÃO, 10 CARACTERIZAÇÃO DO TERRITÓRIO, 50
ESTUDOS DE CASO, 74 REVITALIZAÇÃO DA BACIA DO JAGUARÉ, 75 PROJETO URBANO INTEGRAL DA ZONA NORDESTE DE MEDELLÍN, 94
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PROPOSTAS, 148 MACROZONEAMENTO, 150 PLANO DE AÇÕES, 157
DIAGNÓSTICO, 120 MAPA SÍNTESE, 120 SÉRIE FOTOGRÁFICA, 130 METODOLOGIA PARTICIPATIVA, 134
ÁREA DE INTERVENÇÃO 01 NASCENTES, 165 ÁREA DE INTERVENÇÃO 02 LARGO DO CAMPO LIMPO, 172
CONSIDERAÇÕES FINAIS, 186
ÁREA DE INTERVENÇÃO 03 LARGO DO TABOÃO, 179
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, 189
ABREVIAÇÕES E SIGLAS ANA
Agência Nacional das Águas
APA
Área de Proteção Ambiental
CCSPJP
Conselho Cidadão para a Segurança Pública e Justiça Penal (México)
CEDEZO
Centro de Desenvolvimento Empresarial Regional (Medellín)
CEM CESAD-USP
10 CETESB CEU DAEE
Centro de Estudos da Metrópole Centro de Coleta, Sistematização, Armazenamento e Fornecimento de Dados da Universidade de São Paulo Companhia Ambiental do Estado de São Paulo Centro Educacional Unificado Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo
DBO
Demanda Bioquímica de Oxigênio
DQO
Demanda Química de Oxigênio
EDU
Empresa de Desarollo Urbano (Medellín)
EMPLASA
Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano
ETE
Estação de Tratamento de Esgotos
ETEc
Estacão de Tratamento de Esgotos Compacta
FAU-USP
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Estado de São Paulo
Universidade de São Paulo FCTH Fundação SEADE
Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados
SEHAB SM SMA
Secretaria Municipal de Habitação Salários mínimos Secretaria Estadual do Meio Ambiente
HIS
Habitação de Interesse Social
SPTRANS
IAE
Instituto Adventista de Ensino
SVMA
Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente
Instituto Federal de Ciência, Tecnologia e Educação de São Paulo
UNASP
Universidade Adventista de São Paulo
USP
Universidade de São Paulo
Índice Paulista de Vulnerabilidade Social
ZEIS
Zona Especial de Interesse Social
IBGE IFSP-SPO IPVS IQA LPUOS OD PDMAT
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Índice de Qualidade das Águas Lei de Uso e Parcelamento do Solo Oxigênio Dissolvido Plano Diretor de Macrodrenagem do Alto-Tietê
PDUI
Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado
PITU
Plano Integrado de Transportes
PMSB
Plano Municipal de Saneamento Básico
PNUD
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
POT
Plano de Ordenamento Territorial (Medellín)
PUI
Plano Urbano Integrado (Medellín)
RMSP SABESP
Região Metropolitana de São Paulo Companhia de Saneamento Básico do
São Paulo Transportes S.A.
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Apresentação 12
Nos países em desenvolvimento, em especial na América Latina, as metrópoles apresentam uma estrutura urbana característica, que difere de outras de igual porte em países desenvolvidos. Essas metrópoles são marcadas pela presença das periferias urbanas, que evidenciam a gritante disparidade econômica e social entre diferentes classes. Conforme explica Meyer, Grostein e Biderman (2002), o processo migratório em direção à metrópole é um traço essencial da metropolização, seja em países ricos ou pobres, no entanto, são as condições oferecidas à população migrante que distingue um do outro. Como no Brasil a formação das metrópoles se deu sem que houvesse uma infraestrutura urbana capaz de acolher tamanho contingente populacional, as grandes cidades brasileiras são palco de problemas sociais, econômicos e ambientais de grande complexidade. A Região Metropolitana de São Paulo é um exemplo claro disso. Quarta maior do mundo, a RMSP possui mais de 20 milhões de habitantes distribuídos em uma mancha urbana que se extende por cerca de 2.200 km², sob diferentes padrões socioespaciais de ocupação. A cidade-sede, São Paulo, fundada às margens do Anhangabaú e Tamanduateí, embora tenha nascido entre rios, hoje quase não apresenta traços dessa origem. Não fosse pelos canais mal-cheirosos que carregam esgoto a céu aberto e as inundações que volta e meia
atingem a população — agravadas ao longo dos anos pela impermeabilização dos solos e sufocamento dos cursos d’água — ninguém saberia que por baixo de avenidas, rios e casas corre uma extensa rede hídrica. Esse quadro é resultado de um processo de urbanização extensivo e predatório que ao longo das décadas modificou completamente a relação da cidade com as suas águas. Essa mudança está relacionada ao processo de apropriação das áreas de várzea pelo Estado e pelo mercado imobiliário e ao avanço do padrão periférico de ocupação em direção às áreas de mananciais e nascentes; ambos impulsionados pelos projetos de saneamento e retificação dos grandes rios: Tietê e Pinheiros. Ao transpor o limite desses rios, a mancha urbana metropolitana se expandiu para áreas cada vez mais distantes do núcleo urbano consolidado, no entanto, a oferta de emprego se manteve concentrada no chamado centro expandido da cidade de São Paulo. Dessa forma, os grandes rios se consolidaram como barreiras urbanas da cidade, na medida que separam o território da geração de renda da moradia da mão-de-obra necessária para fazer girar a economia. Considerando essa divisão funcional, a bacia do Pirajuçara1, afluente da margem direita do Pinheiros, é, por si só, periférica, visto que encontra-se do outro lado da ponte. No entanto, um olhar mais atento ao território revela que essa exclusão territorial atinge de maneiras muito distintas as diferentes frações de classe da população, formando periferias dentro da periferia, com mais ou menos acesso à cidade. O fato de essas distinções se apresentarem territorialmente de maneira gradual, de forma que as condições de vida, em geral, tornam-se piores à medida que se afasta do centro da metrópole, confirma que a estrutura radioconcêntrica de São Paulo não se limita ao seu traçado viário, muito menos à seu processo de expansão, mas diz respeito também à acumulação de riquezas e concentração das estruturas de lazer, cultura, educação, enfim, dos atributos de cidade.
1. Adotou-se em todo esse trabalho o uso da grafia Pirajuçara, porque, apesar do uso da forma Pirajussara ser comum, inclusive em trabalhos científicos, é convenção ortográfica que se usa o “ç”, e não o “ss”, na grafia das palavras em português provenientes do tupi‑guarani e de outras línguas indígenas do Brasil.
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É nesse contexto que se busca compreender quais são os padrões de ocupação presentes na bacia do Pirajuçara e quais as demandas que cada um deles apresenta, a fim de compor um diagnóstico que permita a proposição de estratégias adequadas de articulação dentro e fora deste recorte. Isto posto, esse trabalho se estrutura em quatro partes: análise teórica do sítio e de seu histórico, estudos de caso para referência projetual, estratégias e diretrizes para o projeto e o projeto propriamente dito. Em relação à primeira parte, o primeiro capítulo diz respeito à qualidade e gestão das águas urbanas, em especial nos grandes centros metropolitanos, onde os altos níveis de poluição das águas superficiais demandam uma gestão compartilhada entre municípios — o que quase nunca acontece.
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O segundo capítulo explora o panorama histórico da metrópole paulista a partir da sua relação com a água. Este histórico se inicia na formação da vila na confluência dos rios Tamanduateí e Anhangabaú, perpassando as ideias higienistas do início do século XX e seus desdobramentos que resultaram na apropriação capitalista das várzeas. Trata também da formação das periferias a partir do processo de urbanização-industrialização da metrópole. A partir desse panorama, inicia-se, no terceiro capítulo, o estudo da bacia do Pirajuçara através de seus aspectos físicos, como relevo e hidrografia, e de seu próprio histórico de ocupação, iniciado em 1950. O último capítulo desta parte apresenta as problemáticas atuais da bacia a partir da análise cartográfica, que sobrepõe dados das esferas ambiental, social, econômica e física. Este diagnóstico foi elaborado mediante informações disponibilizadas pelas prefeituras das cidades de Embu, Taboão e São Paulo, orgãos estaduais e instituições de pesquisa, revisadas e organizadas através do software ArcGis. A produção dos mapas levou em consideração aspectos de representação cartográficas apresentados por Rosely Sampaio Archela e Hervé Théry em artigo publicado na Confins (2008), revista franco-brasileira de geografia.
Na segunda parte deste trabalho são apresentadas referências projetuais na forma de estudos de caso, sendo um nacional – Plano de revitalização para a bacia do Jaguaré – e o outro colombiano – Projeto Urbano Integral da zona nordeste de Medellín. Os projetos aqui expostos foram escolhidos mediante sua proximidade com as problemáticas encontradas na bacia do Pirajuçara e análisados segundo sua metodologia e resultados. A terceira parte corresponde a uma síntese das informações levantadas, apresentando um diagnóstico em escala macro e em escala micro, este último a partir do uso de metodologia participativa, que envolveu crianças de 8 a 9 anos que moram em uma das áreas de intervenção. Por fim, se apresenta, na quarta parte, a proposta própriamente dita. O plano foi elaborado em duas diferentes escalas. A primeira trabalha todo o perímetro da bacia, através da proposição de um macrozoneamento e um plano diretor. A segunda estabelece 3 áreas, cada qual com suas características, para intervenções estratégicas com impacto regional. A escolha deste território como objeto de estudo se deu pela sua importância espacial: o rio Pirajuçara é o maior afluente do Pinheiros e sua bacia corresponde a cerca de 22% da bacia do rio principal, sendo, portanto, um importante contribuinte para a degradação hídrica deste, ou revitalização, como se pretende. Por se tratar de um recorte intermunicipal, poucos são os estudos que abordam esse território, já que a documentação histórica e informação cartográfica para além dos limites da cidade de São Paulo ainda são muito reduzidas quando comparadas com os dados da capital. De qualquer forma, a bacia do Pirajuçara é uma região interessante a ser trabalhada, uma vez que possui nascentes a serem preservadas, áreas de ocupação intensa, com e sem infraestrutura, além de áreas com infraestrutura extremamente precária. A bacia apresenta trechos de rios que ainda correm a céu aberto, o que é uma possibilidade para as propostas de recuperação da paisagem.
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Águas na cidade: qualidade e gestão dos recursos hídricos 16
2. Publicação anual da Agência Nacional de Águas que divulga informações sobre a situação e a gestão do recurso no Brasil.
Não é raro que nas maiores cidades brasileiras a paisagem urbana seja marcada pelo mau cheiro dos rios e córregos. Como afirma Herzog (2013), a condição das águas reflete as dinâmicas urbanas de um território, determinando o quanto ele é saudável e, consequentemente, a qualidade de vida que tem a oferecer a seus habitantes. Portanto, o odor é o sintoma mais perceptível de que algo está errado com o rio, e, sobretudo, com a cidade. Segundo a Agência Nacional das Águas (ANA), no Relatório de Conjuntura2 (2017), a degradação da qualidade hídrica é mais representativa nos grandes centros urbanos. Isso acontece porque, por mais que os rios apresentem a surpreende capacidade de se regenerar, a vazão dos corpos d’água é insuficiente para assimilar a poluição gerada pelo elevado contingente populacional. No Brasil, o monitoramento da qualidade da água se dá a partir de indicadores de ordem físico-química e biológica das amostras de água colhidas nos rios e reservatórios. Os principais deles são: Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO), Oxigênio Dissolvido (OD), concentração de fósforo e turbidez da água. A descrição desses parâmetros, segundo a ANA, é reproduzida aqui:
A Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) indica a quantidade de oxigênio consumido nos processos biológicos de degradação da matéria orgânica no meio aquático. É, portanto, um indicador das cargas orgânicas nos corpos hídricos. Cargas orgânicas provenientes de esgotos domésticos não tratados têm forte influência no aumento da DBO, sobretudo em rios e córregos de pequeno porte e com capacidade limitada de autodepuração. Efluentes industriais [e chorume proveniente do lixo doméstico] também podem conter cargas orgânicas elevadas, dependendo dos processos envolvidos. [...] A concentração de oxigênio dissolvido (OD) na água é essencial para os ciclos de vida de peixes e outros organismos aquáticos e para o funcionamento adequado dos ecossistemas. Os níveis de OD indicam a saúde desses ecossistemas, uma vez que o oxigênio está envolvido em praticamente todos os processos químicos e biológicos. O déficit extremo de OD pode levar ao que popularmente chamamos de “rios mortos”, onde já não se observam as formas de vida mais evidentes. Os níveis de OD na água também indicam a contaminação por cargas orgânicas e por isso estão geralmente relacionados à DBO. O lançamento de cargas orgânicas resulta no aumento do consumo de OD por microrganismos aeróbios durante o processo de estabilização da matéria orgânica. [...] Nos centros urbanos, a concentração de fósforo na água indica principalmente a poluição por efluentes domésticos e industriais, a depender do tipo de indústria no último caso. No campo, as concentrações de fósforo estão geralmente associadas à entrada de sedimentos e nutrientes com origem em processos erosivos pelo manejo inadequado do solo e fertilizantes. [...] O aporte excessivo deste nutriente pode ocasionar o crescimento excessivo da flora aquática e o desequilíbrio dos ecossistemas, através da eutrofização3.
3. A eutrofização é o processo decorrente do crescimento excessivo de plantas aquáticas superficiais, em níveis que afetem a utilização normal e desejável da água. A presença exagerada dessas plantas forma uma camada densa que impede a penetração de luminosidade, impactando a fotossíntese das camadas inferiores. Isso reduz a oferta de oxigênio dissolvido na água e agrava a situação de turbidez.
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DBO
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4. AGÊNCIA NACIONAL DAS ÁGUAS (ANA), 2017. p 4548.
OD
A turbidez reflete a interferência de materiais em suspensão na passagem da luz através da água. É, portanto, um bom indicador da quantidade de sólidos em suspensão e, consequentemente, de processos erosivos na bacia hidrográfica. Nas cidades, o aumento da turbidez pode refletir despejos domésticos e industriais de fontes pontuais, muitas vezes associadas à infraestrutura de drenagem, e também à poluição de origem difusa. 4 Outros importantes indicadores determinam a condição das águas superficiais: temperatura da água, pH, coliformes termotolerantes, nitrogênio total e sólidos totais. A análise conjunta desses nove indicadores compõe o Índice de Qualidade da Água (IQA), desenvolvido pela National Sanitation Foundation em 1970 e adaptado pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) em 1975. Quando os dados das amostras coletadas no Brasil são espacializados [figura 1] o que se tem é um diagnóstico que reflete os usos da água em cada região. No Tocantins, por exemplo, os índices de fósforo são alarmantes, no entanto, esse estado não apresenta situação grave em termos de DBO, tubidez ou OD. Trata-se, portanto, de uma situação decorrente dos usos agropecuários. Mas, de modo geral, chama a atenção a degradação dos recur-
FÓSFORO
TURBIDEZ
IQA excelente bom regula ruim péssimo
sos hídricos nas maiores metrópoles brasileiras e nos açudes do nordeste, situação que se repete com pouca variação nos quadros apresentados. Ao analisar o IQA, essa situação fica ainda mais clara. Ainda segundo o relatório da ANA de 2017, no período analisado (2001 a 2015) todos os grandes centros urbanos brasileiros apresentaram IQA ruim ou péssimo, enquanto a maior parte dos pontos situados em cidades de pequeno porte apresentou IQA na categoria boa. É possível observar que as piores avaliações de IQA concentram-se nas maiores metrópoles brasileiras, em especial a Macrometrópole Paulista e regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Curitiba. Apesar de suas particularidades, essas cidades apresentam em comum um histórico de ocupação acelerado e conflituoso, em que a expansão urbana aconteceu sem a infraestrutura necessária, sobretudo em termos de saneamento básico. Esse processo resultou em impactos ambientais, sociais e econômicos que se manifestam, principalmente, na degradação dos cursos d’água e do entorno imediato, além de situações recorrentes de inundações, enchentes, assoreamento e desmoronamentos.
[fig. 1]
indicadores e índice de qualidade da água. fonte: ANA - Agência Nacional das Águas, 2017.
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Devido ao fenômeno de conurbação, em que a expansão da mancha urbana incorpora territórios de outros municípios à um polo, a gestão dos recursos hídricos no Brasil, especialmente nas regiões metropolitanas, esbarra em questões como a dificuldade da gestão compartilhada entre cidades ou até mesmo o conflito de interesses entre os departamentos de um mesmo órgão de governo. É por essa razão que muitas vezes os projetos de drenagem urbana e saneamento, planos urbanísticos de uso e ocupação do solo, e outros planos e projetos estratégicos são objetos de políticas públicas e ações desconexas. Por serem desenvolvidas de forma isolada, cada uma dessas políticas, ainda que sejam legítimas em si, tem travado conflitos com a garantia de qualidade e quantidade das águas. (FCTH, 2017)
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5. YASSUDA 1993, APUD PORTO, 2009
A gestão urbana das águas, para ser efetiva, deve considerar os aspectos físicos, sociais, econômicos e ambientais de um território (PORTO, 2008). Partindo do pressuposto que nem a expansão urbana nem os elementos geográficos de um território respeitam os limites administrativos, um recorte compatível para a abordagem de uma sistemática integrada é o da bacia hidrográfica, pois “a bacia hidrográfica é o palco unitário de interação das águas com o meio físico, o meio biótico e o meio social, econômico e cultural” 5. Por essa razão, existem os Comitês de Bacia Hidrográfica organismos integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, compostos por representantes do setor público, da sociedade civil e dos usuários. Essas organizações têm o objetivo de garantir a gestão participativa, integrada e descentralizada da água. Os comitês abrangem a escala nacional, estadual e regional, embora na escala regional nem sempre sejam delimitados pelo perímetro da bacia, mas sim por outras características julgadas relevantes para a gestão dos recursos hídricos. No caso de São Paulo, a mancha urbana da metrópole está quase completamente situada na bacia do Alto Tietê, que possui seu próprio comitê. Em termos de gestão, esse comitê foi dividido em sub-regiões determinadas de acordo com os limites municipais. Essa situação reforça o ponto outrora levantado, a respeito da dificuldade de gestão de uma bacia hidrográfica situada em mais de um município.
Entende-se como bacia hidrográfica uma área natural cujos limites são determinados pelos pontos mais altos do relevo, chamados de divisores de água. Dentro desse perímetro, a água das chuvas é drenada superficialmente pelos cursos d’água, até sua saída na bacia, no local de relevo mais baixo, ou seja, na foz do rio ou ponto exutório. Apesar de ser uma unidade de contornos definidos, as bacias podem ser analisadas em diferentes escalas espaciais, entendendo que cada afluente do curso principal possuí seu próprio ecossistema, ou seja, sua própria bacia hidrográfica. Dessa forma, ao se estabelecer a escala de análise, se admite o termo sub-bacias para as bacias dos córregos tributários do curso principal. A compreensão da rede hídrica como um sistema interdependente, com componentes e subcomponentes, implica que mudanças significativas em qualquer parte da bacia, sejam essas mudanças benéficas ou maléficas, podem gerar alterações, efeitos e/ou impactos a jusante6 e nos fluxos de saída. Ou seja, da mesma forma que a degradação hídrica se espalha pelo território a partir de dinâmicas poluentes a montante, ações pontuais e preferencialmente integradas de transformação ou revitalização serão notadas em todo o trecho a jusante das mesmas. Assim sendo, para estabelecer uma relação mais ambientalmente saudável entre rios e cidades é preciso voltar-se para a unidade básica de gestão das águas, que é a bacia hidrográfica. Não é possível pensar cenários de revitalização hídrica sem compreender como se dá o curso daquele rio, que obstáculos ele enfrenta e, sobretudo, em que situação encontram-se as nascentes que dão forma a esse curso d'água. Por ser um recorte delimitado por aspectos físicos, a bacia hidrográfica concentra em si estruturas morfológicas e geológicas semelhantes. Isso, por si só, desempenha um importante papel na ocupação territorial, na medida em que estimula ou inviabiliza atividades desenvolvidas pelo homem e determinados tipos de ocupação (ROCHA; VIANA, 2008). Como se verá adiante, é essa capacidade que o meio físico possui de atrair ou repelir a ocupação urbana que determina as relações na cidade.
6. Jusante e montante são as direções para onde correm as águas de um rio. A jusante significa em direção à foz, ou seja, segundo o fluxo normal da água. A montante significa em direção à nascente, ou seja, contra-corrente.
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Águas no desenho urbano: processo de formação da metrópole 22
Para diversas civilizações ao longo da história, os rios foram fatores chave de desenvolvimento. De modo geral, os cursos d’água, independente de sua escala, compunham um cenário ideal para o estabelecimento de aldeias, que depois tornavam-se vilas e então núcleos maiores. Não foi diferente para São Paulo, pois, se a água é indispensável à vida, é também indispensável à cidade. De acordo com Kahtouni (2004), a relação de São Paulo com suas águas pode ser dividida em três principais períodos históricos. O primeiro período compreende o intervalo entre o século XVI e a primeira metade do século XIX, em que a paisagem natural da cidade foi pouco alterada. Neste momento, os rios desempenharam um papel decisivo, pois foi através dos caminhos d’água que o núcleo urbano se estruturou. A fundação da vila se deu na confluência dos rios Anhangabaú e Tamanduateí em uma situação topográfica que proporcionou uma série de vantagens, entre elas a mobilidade através da navegação e visibilidade para ataques. Nesse período os rios exerciam uma importância geográfica de demarcação de território, provisão de água, circulação de pessoas e de mercadorias.
O transporte fluvial foi um aspecto fundamental para a consolidação deste povoado, que teve uma ocupação bastante precoce se comparada com outros núcleos interioranos. Devido a esse aspecto, a vila de Piratininga se configurou como um centro de irradiação da interiorização urbana, diferente do modelo português de ocupação litorânea: Na origem, portanto, do pequeno núcleo simbolizado pelo Colégio irradiou-se o processo de ocupação, cuja direção, num primeiro momento, se deu rumo ao interior, relegando à localidade instalada no topo do planalto papel marginal na vida econômica e social da capitania. Os rios tiveram papel preponderante nesta interiorização, pois com seus cursos d’água direcionados ao interior da capitania, principalmente através do Tietê e seus afluentes, eram estabelecidos os caminhos naturais e mais utilizados enquanto vias de comunicação.7 Esta relação entre rios e cidade permaneceu durante o período Colonial, motivada, principalmente, pela mobilidade entre os aldeamentos indígenas, por missões jesuíticas e, posteriormente, pelo transporte de mercadorias até o Porto de Santos. Nos dois primeiros séculos todo sistema de transporte era por canoa, era por via fluvial. A entrada da Vila de São Paulo era por água. Por isso, todos os edifícios importantes ficavam na borda da colina, voltados para o Tamanduateí (com a mesma ordem geral com que na Bahia ficavam voltados para o mar). O rio Tamanduateí corria na borda, no pé da colina, como o mar chegava aos pés da cidade de Salvador.8 A partir de 1870, a metrópole passou por uma série de transformações urbanas decorrentes da expansão da produção cafeeira e da inauguração da ferrovia São Paulo Railway, responsável pelo escoamento dessa produção até o porto de Santos. Segundo Kahtouni (2004), os avanços tecnológicos desse período reformularam a relação da população com a água, estabelecendo um novo cenário que perdurou até 1930.
7. SANTOS, 2006, p. 16 8. REIS FILHO, apud DELIJAICOV, 1998, p. 22
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A construção da São Paulo Railway instituiu uma nova dinâmica de transporte na cidade, estruturada a partir das estações ferroviárias e das rodovias que davam acesso a estas. Isto significou o abandono das águas como rotas fluviais e o desenvolvimento de um novo desenho urbano, caracterizado principalmente pela industrialização e ocupação das várzeas. (KAHTOUNI, 2012) Esta nova configuração é uma consequência de as estradas de ferro terem se instalado nos vales dos rios, onde os terrenos podiam ser obtidos a preços baixos, por não serem apreciados como áreas residenciais (SANTOS, 2006). A ocupação nesses moldes se deu primeiramente às margens do Tamanduateí, onde se instalaram as primeiras fábricas que acompanhavam o traçado da ferrovia Santos-Jundiaí. (KAHTOUNI, 2012)
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9. SILVA, 2009, p. 49
Nesse momento histórico, os rios e as várzeas tornam-se espaços estratégicos tanto do ponto de vista econômico, como do político. Econômico porque a sua apropriação dependia intervenções urbanas, obras públicas que realizavam a acumulação privada, assim como alimentavam o mercado de terras na forma de loteamentos disponíveis ao proletariado e também aos empreendimentos industriais. Político, pois se tornavam espaços de segregação, que isolavam as classes proletárias, impedidas de ocupar áreas mais valorizadas da cidade, ao mesmo tempo em que mantinham-nas longe dos espaços da classe dominante.9 Em decorrência da nascente indústria paulista, formaram-se os primeiros bairros operários, alguns promovidos pelas próprias empresas, em regiões de terrenos pouco valorizados e nas proximidades das fábricas. Dessa forma, se desenvolveu uma compartimentação social equivalente à compartimentação do relevo na cidade de São Paulo. Rolnik (2009) se refere a esse fenômeno como topografia social, na qual a elite ocupa as colinas, enquanto as baixadas, sujeitas às inundações, são ocupadas pelos operários, nas chamadas planícies populares. Na Primeira República a imagem dessa topografia social é feita de colinas secas, arejadas e iluminadas de palacetes que olham para as baixadas úmi-
das e pantanosas onde se aglomera a pobreza. E nem poderia ser diferente, já que foram os olhos higienistas os responsáveis pelo desenho da geografia urbana que corresponde às hierarquias sociais.10 O baixo preço dos terrenos e a proximidade das estações ferroviárias atraíam para o Brás, o Bom Retiro, a Mooca, as novas indústrias e muitos dos imigrantes recém-chegados. O processo de formação dos bairros, em função da constituição da sociedade de classes, é simétrico: enquanto a massa de imigrantes se concentra nas várzeas, bordando as faces sul e leste do maciço paulistano, vão surgindo neste os bairros residenciais que sobem as encostas em busca de terrenos altos e saudáveis (Higienópolis) até atingir o alto espigão, onde se abre a Avenida Paulista.11 Além das baixadas, os trabalhadores mais pobres e suas famílias — migrantes nacionais e internacionais — se acumularam em cortiços, cuja presença na paisagem urbana causava grande incômodo para a elite, uma vez que representavam uma ameaça à beleza e ordem social do centro da cidade. As péssimas condições de saneamento, limpeza e circulação de ar dessas edificações, as sujeitavam veementemente à uma maior incidência de epidemias. A população mais abastada, então, reivindicava ao governo a extinção dos cortiços — ou que estes pelo menos não fossem visíveis a seus olhos — a fim de que não alastrassem a sujeira dos hábitos bárbaros para os elegantes bairros da elite paulistana. (SANTOS, 2006) Neste período a metrópole vinha recebendo uma série de reformas urbanísticas quanto à sua infraestrutura, e também quanto ao ordenamento espacial, com o objetivo de torná-la tão moderna quanto outras metrópoles, como Londes ou Paris. A proibição dos cortiços, em 1886, assim como outras medidas de caráter ordenador do espaço, surgiram sobre o preceito do higienismo, que visava tornar o ambiente urbano salubre, ainda que para um setor específico da população. Assim, os subúrbios populares foram colocados para cada vez mais longe da elite e do centro.
10. ROLNIK, 2003, p. 47 apud SILVA, 2009, p. 51 11. FAUSTO, B. 1976, p. 18-19 apud SANTOS, 2006, p. 60
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As transformações urbanas que acontecem em São Paulo a partir do final do século XIX não estão ligadas somente à questão do embelezamento urbano, de trazer à cidade uma aparência estética digna de uma capital de tamanha importância econômica como São Paulo. As transformações urbanas são uma redefinição do espaço que pretende sanar os problemas de saúde e de comportamento dos paulistanos. Nesse sentido, a medicina urbana instrumentalizada pela engenharia, tem por objeto a circulação dos indivíduos e dos elementos que os rodeiam, como a água e o ar. Sendo assim, seu foco está principalmente em regiões de amontoamento — como os cortiços do centro de São Paulo — que podem significar algum tipo de perigo para a sociedade, seja este perigo relacionado à saúde, ao vício ou ao ócio.12
26
12. LUCCHESI, 2015, p. 1
Nesse contexto, o higienismo se configura como uma ideologia pautada na limpeza social, uma vez que a pobreza foi associada às doenças causadas pela falta de higiene em moradias insalubres. O ordenamento espacial se apresenta como um requisito à manutenção da cidade. Contudo, na realidade configura-se como um instrumento da valorização imobiliária, fundamentada na segregação sócio-espacial e manutenção da desigualdade de classes. Ao mesmo tempo, em termos urbanos, o higienismo representa um desejo utópico de uma cidade bela, limpa, saudável e arejada. Não se pode negar, entrentanto, que o conceito estético que regeu as transformações desse período tem características nitidamentes européias, que visam a negação da realidade tropical. Assim, além de interferir nas relações sociais e de moradia, o higienismo foi a centelha para o processo de negação dos rios e apropriação das várzeas pelo mercado imobiliário. Com o abandono da rede fluvial e a instalação de água canalizada, os rios perderam seus principais atributos, configurando-se apenas como afastadores de esgoto. E, conforme os cursos d’água perdiam importância, passaram a ser encarados como um obstáculo para a expansão da cidade.
1905
1914
Na década de 20, os dois rios que deram origem a cidade, Tamanduateí e Anhangabaú, já não compunham mais a paisagem urbana, nem simbolizavam limites à sua expansão. Mas, em pouco tempo, a cidade se veria novamente contida, desta vez pelos limites geográficos do Tietê e Pinheiros. Estes dois, por serem rios de meandros, apresentavam grandes planícies alagáveis, cuja soma da área de várzea resulta em quase 60 km². Coincidentemente, neste momento o mercado de terras ascendia como forma de investimento do capital privado. À medida que a cidade se expandia em direção à áreas de topografia irregular, cuja ocupação requeria obras dispendiosas como pontes e viadutos, as áreas de várzea passaram a atrair cada vez mais a atenção dos investidores, embora esses territórios ficassem alagados periódicamente. O discurso higienista de saneamento das várzeas e combate às enchentes, se encaixou com o desejo do mercado de ocupar essas áreas. Pois a partir de obras de aterramento, retificação e canalização dos grandes rios, poderiam ser criados novos terrenos. (MOROZ-CACCIA GOUVEIA, 2016) A higiene como ‘apanágio do progresso e vitalidade de um povo’ parecia rimar perfeitamente com o desejo de transformar a cidade em capital favorável aos interesses dessa crescente especulação.13
1930
[fig. 2]
diagramas da expansão urbana de São Paulo nos anos 1905; 1914 e 1930. Elaboração própria. Dados: CESAD FAU-USP
13. SANT'ANNA, 2004, p. 198, apud MOROZ-CACCIA GOUVEIA, 2016
27
Surge, portanto, uma nova relação da cidade com suas águas, que compreende o intervalo da década de 30 até pelo menos a década de 90. Segundo Moroz-Caccia Gouveia (2016), este período é marcado por decisões determinantes para a formação da metrópole como conhecemos hoje, como a opção pela urbanização rodoviarista, que representa, de alguma forma, um caminho sem volta: "se a ferrovia transformou a cidade, o rodoviarismo a transfigurou". É o Plano de Avenidas de Prestes Maia [figura 3] que inaugura a prática de canalizações e tamponamentos dos cursos d’água para fins de mobilidade sobre rodas, através das avenidas de fundo de vale. Esse plano consiste numa readequação viária da cidade em uma configuração radial-perimetral, ou seja, com anéis viários que configuram os perímetros de irradiação e avenidas radiais, que partem do centro em direção a periferia, fazendo a conexão entre os anéis.
28
[fig. 3]
plano de avenidas de Prestes Maia para a cidade de São Paulo. fonte: Prestes Maia, 1930.
14. SILVA, 2009 p. 46
Quando Prestes Maia assume a prefeitura de São Paulo, em 1938, iniciam-se obras de retificação do Tietê e de abertura de parte das avenidas propostas. Embora não tenha sido executado em sua totalidade, este plano estruturou o desenvolvimento viário da cidade nas décadas seguintes. Os baixos custos com as desapropriações e a valorização imediada do entorno após a obra foram alguns dos motivos que incentivaram essa prática. Suas características, terrenos úmidos e lamacentos, de águas paradas, sujeitos a enchentes, favoreceram um tipo muito específico de apropriação em meio a estratégias políticas que acompanharam a modernização de São Paulo. A continuidade da apropriação das várzeas para outras finalidades obedeceria à lógica e a racionalidade urbana, como espaços de circulação.14 Cabe ressaltar que o modelo do Plano de Avenidas muito se assemelha a configuração natural da hidrografia paulista: as avenidas de fundo de vale, seguindo o curso dos rios, encontram-se com o principal eixo viário, as marginais Tietê e Pinheiros, que é também o principal eixo hidrográfico (SILVA, 2009). A opção pela retificação dos cursos d'água e sua canalização em seções abertas ou fechadas, bem como a alta taxa de impermeabilização de superfícies, ambos sob a lógica de se escoar a água cada vez mais
rápido, agravaram as condições de drenagem da metrópole. Conforme Meyer, Grostein e Biderman (2004), o rodoviarismo se tornou um fator de reestruturação do território existente e de estruturação do novo território intra-urbano e regional. Apesar de a metrópole já apresentar, desde sua formação, a tendência de crescer de forma radioconcêntrica, incorporando territórios e concentrando funções, essa expansão foi limitada pelos grandes rios. Ainda que existissem pontes desde o período colonial, a expansão para além-rio e a incorporação dos territórios ditos rurais só aconteceu após 1950, devido a uma série de fatores, a maior parte deles decorrente da ideologia rodoviarista. Entre eles, o abandono do sistema de bondes, a adoção do ônibus como principal modal de transporte público e a substituição, por Prestes Maia, das pontes existentes por novas, mais resistentes e com maior vazão. Estas pontes, projetadas a partir dos ideais rodoviaristas, visavam uma rápida transposição do rio por meio do automóvel. Nota-se que, apesar de cumprirem seu papel na conexão rodoviária e metropolitana, ofereciam pouco ou nenhum suporte para a transposição via modais não-motorizados. Ainda hoje, em muitas delas a travessia de pedestres não é confortável e segura, sendo em alguns casos proibida. Fica claro, portanto, que esses rios ainda configuram barreiras geográficas na estruturação da metrópole e transitar entre os dois lados dela é um privilégio dos automóveis. A ocupação para além-rio, possibilitada por essas estruturas viárias, aconteceu sob dois processos. O primeiro deles retoma o saneamento das várzeas, que, a partir dos investimentos das companhias imobiliárias, deixaram de ser terrenos insalubres para tornar-se símbolo de civilidade através da promoção de loteamentos para as classes média e alta. Grandes negócios com a terra surgiram desta expropriação. Loteamentos destinados a classes e frações de classes das elites paulistanas davam novos ares aos fétidos e pantanosos terrenos de várzeas, que já em princípios do século XX deixavam de ser o pior terreno para tornarem-se símbolo da civilidade trazida com a modernização.15
15. SILVA, 2009 p. 39
29
1952
30
[fig. 4]
1962 diagramas da expansão urbana de São Paulo nos anos 1952; 1962, 1972, 1981, 1993 e 2001. Elaboração própria. Dados: CESAD FAU-USP
1972
O segundo diz respeito ao espraiamento da mancha urbana a partir de um padrão precário, não só nas periferias além-rio mas em todo o perímetro da metrópole. Este processo se deu a partir da demanda habitacional da população mais pobre, resultado da intensificação dos processos migratórios, primeiramente através do êxodo rural e posteriormente dos trabalhadores industriais. De acordo com Kowarick (1983), até os anos 30 as empresas resolveram o problema da habitação da mão-de-obra com a produção de vilas operárias, contíguas aos terrenos das fábricas. Com a intensificação da industrialização, cresce também o número de trabalhadores a demanda por moradia e a valorização dos terrenos torna anti-econômica a produção de habitação pela empresa; dessa forma, o custo da moradia e transporte é repassado para o trabalhador. Esse contingente populacional não tinha condições de ocupar os territórios centrais da cidade e encontraram nas bordas urbanas a possibilidade de se estabelecer a partir do padrão periférico de urbanização, marcado, principalmente, pela autoconstrução de moradias e da cidade. Essa ocupação se deu em loteamentos distantes — promovidos muitas vezes de forma irregular — e sem que houvesse infraestrutura urbana necessária: em ruas de terra, sem rede de distribuição de água ou energia.
1983
1995
Os lugares de moradia na periferia são caracterizados pela ausência, pelo menos parcial, de infraestrutura, o que possibilita a compra dos lotes por preços menores do que aqueles em localidades mais estruturadas. A produção dessas estruturas por parte da própria população “desobriga” o Estado desses compromissos. 16 A expectativa dos empreendedores ao abrir um loteamento deste tipo é vender os lotes para uma população que se sujeita a morar num bairro carente de qualquer serviço, com exceção de transporte coletivo relativamente próximo.17 A construção desses loteamentos serviam ao capital de diversas formas. Primeiramente pela venda dos terrenos própriamente ditos, em “ ‘lotes e a prestações’ — o maior veio de ouro que se descobriu nesta São Paulo de Piratininga do século XX”18. Em segundo lugar, a partir da valorização imobiliária da chamada reserva especulativa, áreas entre o centro e os loteamentos distantes, congeladas até que a infraestrutura atingisse esses loteamentos e alterasse o valor comercial-imobiário dessas áreas (MEYER; GROSTEIN; BIDERMAN, 2002). Além disso, favorecia o Estado, pois este dispendia menor gasto com a implantação de infraestrutura.
2001 16. SILVA, 2009, p. 103 17. BONDUKI; ROLNIK, 1982, p.121 apud SILVA, 2009, p. 104 18. PRADO JR., 1983 (1943), p.75, apud SILVA, 2009, p. 99
31
Aqui, fica claro que a periferia se constitui por uma população que sustenta a produção da riqueza a partir da reprodução da pobreza; em um processo de exploração que favorece a acumulação e concentração do capital, às custas da população mais pobre, que se sujeita a morar nas bordas urbanas. (SILVA, 2009) Essas pessoas têm papel desbravador no processo de metropolização. Trata-se de uma população que abre caminho nos limites da metrópole, pois, no processo de valorização, a partir da consolidação dos loteamentos e da formação das infraestruturas, aqueles cujos rendimentos são insuficientes procuram um novo loteamento, ainda mais distante, para se fixar. Assim se constitui o processo de capitalização do lote pelo próprio morador, através da revenda, em situação valorizada, ou do aluguel de parte da edificação.
32
19. BONDUKI; ROLNIK, 1982, p.137 apud SILVA, 2009, p. 106
A autoconstrução da casa própria em loteamentos periféricos não significa apenas a possibilidade de manutenção da alta taxa de exploração da força de trabalho no processo produtivo, mas também, ao inserir uma parcela dos trabalhadores no estrato dos pequenos proprietários urbanos, importantes implicações de natureza político-ideológicas [...] A casa própria significa um expediente de reprodução para o trabalhador proprietário, não somente ao resolver o problema da moradia, mas também enquanto aumento de seus rendimentos, possibilitado pela mercantilização do lote e da casa.19 No processo de metropolização, os limites municipais não constituem barreiras para a expansão do padrão periférico de urbanização, são apenas divisões administrativas que não resistem a força da lógica de ocupação. Inclusive, foi a expansão desenfreada da função “morar”, destituída de atributos urbanos e desarticulada com estratégias de geração de renda, que criou o que se conhece por cidades-dormitório, hoje um grande conflito nas relações inter-urbanas. Pode-se afimar que foi a ausência de controle pelo poder público, tanto em relação à localização dos loteamentos, quanto à produção de moradias autoconstruídas que garantiu, e até, de certa forma, estimulou a consolidação de um território marginal e precário. (MEYER; GROSTEIN; BIDERMAN, 2002).
O alto grau de desarticulação, e até mesmo o rompimento da continuidade urbana entre os dois setores — o equipado e o urbano —, justifica o uso da expressão segegação urbana para definir a relação que a periferia mantém com a cidade e a metrópole. 20 A partir dessa breve contextualização, é possível inferir que a metrópole é resultado de uma série de ações, individuais e coletivas, que moldaram o tecido urbano ao longo dos séculos. O que se observa, portanto, é a existência de padrões de desenvolvimento muito distintos, sobretudo ao comparar as áreas centrais, providas de infraestrutura, com as periferias mais distantes, que se tornaram, indiscutivelmente, o lugar dos pobres no Brasil contemporâneo (MEYER; GROSTEIN; BIDERMAN, 2002). Isso porque o processo de metropolização foi também um processo de periferização, que culminou em gradações radiocêntricas de classe e de desenvolvimento urbano, salvo algumas exceções. Nos territórios mais distantes, o que se tem é um tecido urbano desestruturado, carente de atributos de cidade, com insuficiência de serviços básicos, como os de educação, saúde e saneamento básico. A mobilidade limitada de seus moradores, dependentes de um transporte público pouco eficiente, torna esses territórios ainda mais excluídos no contexto da metrópole. Constituem-se, portanto, como áreas confinadas, que servem de dormitório à força de trabalho que sustenta a metrópole. Assim sendo, a configuração urbana metropolitana, baseada na segregação espacial da população mais pobre, não se deu ao acaso. Pelo contrário, é fruto de ações do Estado e do mercado imobiliário, motivados por seus próprios interesses e influência, pois foi por omissão do poder público que o poder privado determinou a estruturação da metrópole.
20. MEYER; GROSTEIN; BIDERMAN, 2002, p.51
33
Águas do rio Pirajuçara: do natural ao concreto 34
A bacia do Rio Pirajuçara é a maior sub-bacia do Rio Pinheiros, que, por sua vez, compõe a bacia hidrográfica do Alto-Tietê. Abrange uma área de cerca de 72 km² distribuídos em três municípios da RMSP: a porção leste de Embu das Artes, a totalidade de Taboão da Serra e a porção sudoeste de São Paulo, respectivamente ocupando 22%, 28% e 50% da área da bacia. O Pirajuçara nasce no município de Embu e seu curso delimita a divisa entre as cidades de São Paulo e Taboão, até sua confluência com o Ribeirão Poá, seu maior afluente. A partir dessa confluência, o curso d’água encontra-se canalizado em galeria fechada, correndo sob a Av. Eliseu de Almeida em um percurso de 6 km até sua foz no rio Pinheiros, na altura da Cidade Universitária. Este território transformou-se, não sem descontinuidades, de rural a urbano em menos de 40 anos. De modo geral, a expansão urbana se deu a partir da foz em direção às nascentes, em processos de ocupação distintos, influenciados pelas características físicas inerentes ao território, mas também através das forças do mercado imobiliário e ação do Estado no contexto metropolitano.
3
2 1 TABOÃO DA SERRA
[fig. 5]
Situação geográfica da bacia do Pirajuçara na Região Metropolitana de São Paulo e na bacia do rio Pinheiros. Elaboração própria.
[fig. 6]
Esquema de estrutura do território. Elaboração própria
SÃO PAULO
BAIXO PIRAJUÇARA VULNERABILIDADE BAIXA E BAIXÍSSIMA
35
4
5 MÉDIO PIRAJUÇARA VULNERABILIDADE 3 MÉDIA E ALTA
EMBU DAS ARTES
6
ALTO PIRAJUÇARA VULNERABILIDADE ALTA E ALTÍSSIMA
1
RODOVIA RÉGIS BITTENCOURT
2
AV. ELISEU DE ALMEIDA
3
AV. FRANCISCO MORATO
4
ESTRADA DO CAMPO LIMPO
5
ESTRADA KIZAEMON TAKEUTI
6
ESTRADA DE ITAPECERICA A CAMPO LIMPO LIMITES MUNICIPAIS SISTEMA VIÁRIO PRINCIPAL LIMITES APROXIMADOS DOS PADRÕES SOCIOESPACIAIS HIDROGRAFIA PRINCIPAL
Av. Eliseu de Almeida rio Pirajuçara
Av. Francisco Morato
CORTE NO TRECHO BAIXO DA BACIA Av. São Francisco
Estr. do Campo Limpo
Rodovia Régis Bittencourt
córrego Pirajuçara
córrego Poá
CORTE NO TRECHO MÉDIO DA BACIA
Rodovia Régis Bittencourt córrego Poá
Estr. Kizaemon Takeuti córrego Joaquim Cachoeira
Estr. de Itapecerica à Campo Limpo córrego Pirajuçara
CORTE NO TRECHO ALTO DA BACIA
36
[fig. 7]
cortes esquemáticos de relevo na bacia do Pirajuçara. elaboração própria.
Em termos morfológicos, a bacia possui um formato alongado e assimétrico, o que resulta em características diferentes entre as margens. A esquerda, por exemplo, é composta por colinas com declividades muito acentuadas que se encerram nas várzeas, sem que ocorram terraços. Já a margem direita possui várzeas mais alargadas, com áreas planas entre a colina e o rio, além de declividades que raramente ultrapassam 20%. (SILVA, 2009) Essas características foram determinantes na apropriação do espaço natural pelo homem, pois foi pelos terraços das encostas da margem direita que se formaram os caminhos que ligavam a Vila de São Paulo aos aldeamentos indígenas e territórios rurais. Hoje, esses caminhos permanecem como as mais importantes rotas da região, como: Av. Francisco Morato e sua bifurcação em Rodovia Régis Bittencourt e Estrada do Campo Limpo. No período colonial, essas vias davam acesso, respectivamente, ao aldeamento de M’boy (hoje Embu das Artes) e de Itapecerica. (SILVA, 2009) Considerando a configuração geomorfológica da bacia, se pode classificar este território em três trechos: alto, médio e baixo. Como forma de enfatizar as diferenças entre esses trechos, bem como entre as margens direita e esquerda dos cursos d’água, foram elaborados três cortes esquemáticos [figura 7], indicados no mapa 01- Relevo.
[legenda] 845 – 875 m 815 – 845 m 784 – 815 m 754 – 784 m 724 – 754 m limite da bacia limites municipais hidrografia principal
37
[mapa 01]
RELEVO [base cartográfica] BASE CARTOGRÁFICA 1:10.000. PMSP, 2002. [fonte] FOLHAS TOPOGRÁFICAS 1:10.000 - 2225/ 2326 / 2341 / 2342 / 2343, EMPLASA, 1981. [organização] KANIL, 2006.
Km
No trecho alto, correspondente às cabeceiras, os vales têm forma de V e as vertentes possuem inclinações acentuadas, cujas várzeas são estreitas ou inexistentes. Nessa fração do território, distante do centro urbano e com condições inóspitas à ocupação, se instalaram as favelas e a população pobre e periférica. O trecho médio é formado por grandes áreas de várzea, cuja paisagem natural é de campos. Segundo Silva (2009), nesse espaço o relevo se configura como um “remanso para as águas que se espraiam após percorrerem o trecho de nascentes”. Nessa área, registros relatam a existência de pontos de difícil travessia em períodos de chuva desde o período colonial. Além disso, a vegetação típica desse tipo de formação é de hidrófitas perenes, como é o caso da taboa, que deu nome à cidade de Taboão da Serra. Ainda hoje as confluências dos principais rios do trecho médio são, não por acaso, pontos de alagamentos recorrentes.
38
Nas proximidades da foz do Pirajuçara com o rio Pinheiros as várzeas se tornam ainda mais largas. Como já foi dito, no processo de modernização da cidade de São Paulo, o mercado imobiliário expropriou os terrenos das várzeas e modificou o estilo de vida atrelado à eles, dando um novo significado à áreas antes tidas como sujas ou inabitáveis. Portanto, nessa parte do território, grandes loteamentos destinados às classes média e alta suprimiram os pântanos, transformando essas áreas indesejadas em símbolo de civilidade. A partir dessa breve contextualização, é possível afirmar que cada trecho possui características físicas distintas e que estas foram determinantes no processo de ocupação do território. Este processo não se deu de forma homogênea; muito pelo contrário, resultou em padrões socioespaciais muito diferentes, a partir dos quais é possível distinguir as classes e gradações de classe na bacia, de tal modo que existem periferias dentro da periferia. Por isso, pode-se dizer que a ocupação do outro lado da ponte, salvo raras exceções, torna-se mais precária e pobre à medida que se avança rumo às cabeceiras.
Histórico de Ocupação da bacia do Pirajuçara Mediante análise do levantamento aerofotogramétrico da região metropolitana de São Paulo nos anos 1952, 1962, 1972 e 1994, Marco Antônio Teixeira da Silva elaborou a Carta de usos rurais e urbanos da bacia do rio Pirajuçara em 1952 e a Carta de crescimento da mancha urbana da bacia do rio Pirajuçara. Sua dissertação de mestrado em geografia, O Ambiente Fluvial das Várzeas no Espaço da Metrópole: a Bacia do Pirajuçara na Metropolização de São Paulo, apresenta um estudo completo do processo de formação das periferias da bacia em questão. Como este não é o objeto específico desta pesquisa, seu estudo servirá como base para compreensão do histórico de ocupação da bacia. Outra importante contribuição para o tema é a tese: Sistemática integrada para controle de inundações em sub-bacias hidrográficas urbanas, de Maria de Sampaio Bonafé Ostrowsky, cujo capítulo VI mostra, a partir dos registros do jornal A Gazeta de Pinheiros, o processo de ocupação da bacia do Pirajuçara e os conflitos sociais decorrentes desse processo. PAISAGEM RURAL DE 1952 No início da década de 50 a paisagem dos arredores paulistas era majoritariamente caipira, cujo modo de vida se contrapunha ao da metrópole em ascensão. Era visto, portanto, como a própria falta de civilidade, pelos olhos dos ditos “civilizados”. (SILVA, 2009) (...) nota-se um desejo maior de melhorar, de aprender, de civilizar-se. Muitos são os que enviam seus filhos à escola e freqüentam com assiduidade os postos médicos; mas ainda constituem uma ínfima minoria em comparação com os que preferem viver na rotina e na ignorância, como se pertencessem a um outro mundo, embora poucos quilômetros os separem da metrópole tri-milionária. Basta percorrer a região em estudo para se descobrir as propriedades agrícolas caipiras. Com suas plantações mal arranjadas, suas galinhas espalhadas pelo terreiro, suas capoeiras inúteis, destacam-se lamentavelmente das propriedades, também modestas, dos japoneses ou dos portugueses. O contraste é gritante. 21
21. VIOTTI, 1958 p. 124 apud SILVA, 2009 p. 75
39
A demanda da metrópole foi o ponto de partida para a transformação do modo de vida caipira, que passou da produção de subsistência à atividades agrárias de abastecimento. Além disso, o primeiro momento da indústria paulista levou a uma migração interna de outros estados do Brasil, ainda que pequena se comparada com os períodos subsequentes. No caso da bacia do Pirajuçara, Silva (2009) aponta que provavelmente esses migrantes trabalhavam em sistema de arrendamento em atividades agrícolas ou nas olarias, que, como se pode ver na Carta [mapa 02] e também em relatos dos moradores, se multiplicaram a partir das várzeas do Pirajuçara.
40
22. SILVA, 2009 p. 86
O baixo Pirajuçara, em 1952, também apresenta usos urbanos. Com o projeto de retificação do rio Pinheiros e ocupação residencial dos bairros Pinheiros e Vila Madalena, essa área se apresentou como uma possibilidade à expansão da cidade. Entre as décadas de 30 e 50 foram iniciadas obras institucionais de grande porte no intuito de valorizá-la e induzir a ocupação. Entre essas obras estão: Jockey Clube (1941), primeira fase da Cidade Universitária (1951) e Estádio do Morumbi (1952-1970). [figuras 8,9 e 10, página 40] Uma série de loteamentos, apesar de ainda não ocupados, compõe esse trecho do território. Esses loteamentos foram destinado às classes média alta e alta, em modelo de bairro jardim, como o City Butantã (1945), em terreno plano na proximidade da foz do Pirajuçara com o Pinheiros, e os bairros Morumbi, Jd. Guedala (1956) e Jd Leonor (1962), na margem direita do rio, sob as colinas do divisor de águas entre a área de contribuição direta do Pinheiros e a bacia do Pirajuçara. Estes últimos, devido às altas declividades, possuem arruamentos desenhados seguindo as curvas de nível, muito diferente do que ocorreu em áreas morfologicamente semelhantes no Alto Pirajuçara. (SILVA, 2009) Mesmo em situações geomorfológicas que em outras áreas denominam-se “áreas de risco”, dada a inclinação das vertentes, estes loteamentos seguiram padrões de construção mais adaptados à situação de relevo. É o modo como se produz a cidade, as condições técnicas possibilitadas pelo mercado que produzem, sob condições geomorfológicas semelhantes, condições de moradia tão diferentes.22
[legenda] usos urbanos usos agrícolas olarias várzeas estradas limite da bacia limites municipais hidrografia principal
41
[mapa 02]
USOS RURAIS E URBANOS [1952] [fonte] Arquivo de fotos aéreas dos levantamentos aerofotogramétrico de 1952. FFLCH-USP [organização] SILVA, 2009
Km
42
[fig. 8]
Ortofoto de 1958 da área loteada em torno do Estádio do Morumbi, uma das obras institucionais de incentivo à ocupação residencial. FOto: SPFC divulgação
[fig. 9]
Construção da raia da USP, sem data. Foto: acervo da Coordenadoria do Espaço Físico da Cidade Universitária
[fig. 10] Foto aérea da região do Butantã e Jardim Guedala na década de 50. Foto: Acervo Companhia City
Há, também, loteamentos destinados à classe operária, como o Jardim Previdência (1952), na margem esquerda; e Ferreira, Vila Sônia (1951) e Caxingui (1950), sob a margem direita do rio. Estes últimos têm a av. Francisco Morato como eixo principal. O trecho médio, nesse período, apresenta poucos arruamentos e ocupação esparsa. É, portanto, uma área majoritariamente rural onde predominam as olarias e áreas agrícolas. Desses poucos arruamentos é possível distinguir o Jardim Maria Rosa e Santa Luzia, provavelmente decorrentes das centralidades que o Largo do Taboão e do Campo Limpo apresentavam já naquela época. As estradas permanecem como referência, uma vez que esses loteamentos surgem nas proximidades da Rodovia Régis Bittencourt ou da Estrada do Campo Limpo. (SILVA, 2009) No trecho do alto Pirajuçara observa-se algumas chácaras de lazer apenas no limite da bacia do Pirajuçara com a bacia do Morro do S, próximo à estrada de Itapecerica. Fora isso, não existem loteamentos. Assim como no trecho médio, são muitas as áreas agrícolas e de olarias, assim, a várzea se mantém como um importante mecanismo da economia e da vida. As várzeas são o [compartimento] da dádiva: da umidade, da fertilidade, das frações minerais, das estações do ano, das águas espraiadas, dos peixes, da festa. Por todo este período é rural a centralidade.23 PAISAGEM URBANA EM 1962 Em 1962 [mapa 03] o baixo Pirajuçara não apresenta mais usos relacionados à terra. Os loteamentos, ainda parcialmente desocupados, compõe a paisagem, sobrando poucos espaços sem intervenção humana. É possível observar as obras nas várzeas: o leito do rio principal encontra-se canalizado no bairro da Previdência, desponta a construção do estádio do Morumbi sob a várzea do rio Itororó, e de uma avenida de fundo de vale (hoje, Jorge João Saad) para sua conexão com a Av. Francisco Morato. (SILVA, 2009).
23. SILVA, 2009 p. 91
43
A partir do saneamento das várzeas acontecia a valorização dos terrenos do entorno e a possibilidade da atuação do mercado de terras, assim, se configura um círculo vicioso de ocupação da várzea dos rios e a urbanização de espaços cada vez mais próximos ao leito. (OSTROWSKY, 2000) Segundo levantamento de Ostrowsky, nesse período as inundações começam a aparecer nos jornais da região, em notícias que relacionam as cheias com a necessidade de retificação. O córrego Pirajuçara que se encontra completamente obstruído em seu curso, precisa ser limpo e ter seu leito retificado com urgência. As águas transbordam e causam inundações, invadindo as residências.24
44
24. A Gazeta de Pinheiros, 23.mar.63 apud OSTROWSY, 200 p. 66
Uma série de loteamentos surge no trecho médio, consolidando o uso urbano dessa região. Ainda que existam atividades rurais, aos poucos, os usos industriais ganham espaço, ocupando várzeas nas proximidades das vias principais: Régis Bittencourt e Estrada do Campo Limpo. Desse período destaca-se a ocupação do Jd. Jussara (1956), loteamento de classe média promovido pela City, a mesma companhia responsável pela ocupação do baixo Pirajuçara. É possível perceber que são empreendimentos direcionados à frações de renda diferentes, inclusive com tamanhos de lote e arruamentos específicos para as características sociais e de relevo. (SILVA, 2009) No alto Pirajuçara, devido ao vetor da Estrada de Itapecerica (que ligava o aldeamento de Itapecerica à Santo Amaro e permaneceu, assim como a Av. Francisco Morato, Estr. do Campo Limpo e Régis Bittencourt, como importante via da região), nota-se uma ocupação tímida do território em meio às áreas rurais. Esse processo foi provavelmente promovido pelo crescimento do Instituto Adventista de Ensino (IAE), hoje Universidade Adventista de São Paulo (UNASP), que teve papel importante no processo de ocupação da Estrada de Itapecerica, desde o Capão Redondo até o Valo Velho, nos anos subsequentes. Nesse trecho da bacia as relações permanecem rurais, servindo de abastecimento para a metrópole:
[legenda] loteamentos até 1952 loteamentos até 1962 loteamentos até 1972 loteamentos até 1994 limite da bacia limites municipais hidrografia principal
45
[mapa 03]
EVOLUÇÃO DOS LOTEAMENTOS [fonte] Arquivo de fotos aéreas dos levantamentos aerofotogramétrico dos anos 1952, 1962, 1972 e 1994. FFLCH-USP [organização] SILVA, 2009
Km
Os tijolos, telhas, enfim, o barro retirado das várzeas dava corpo às edificações da cidade. As hortaliças, irrigadas com as águas do Pirajuçara, plantadas nos terrenos úmidos das várzeas eram compradas nas feiras e mercados de São Paulo. 25 À medida que o tecido urbano de São Paulo se expande, aumenta a demanda pelos produtos advindos da terra. No entanto, a cidade cresce suprimindo os territórios rurais de seus arredores. É, portanto, uma questão de tempo até desapareçam do Pirajuçara as produções rurais.
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25. SILVA, 2009, p. 126. 26. SILVA, 2009, p. 71.
A cidade de São Paulo passa a determinar na Bacia do Pirajuçara fundamentalmente dois processos: por um lado, consome-lhe os elementos naturais que através do trabalho sobre a terra e das trocas monetárias realiza suas necessidades como a construção de edifícios, de casas, do alimento; por outro, devora-lhe também a própria terra, produzindo outra morfologia, o urbano, fundamentado em outra forma de propriedade privada, os loteamentos.26 PAISAGEM URBANA EM 1972 O início da década de 70 é marcado por grandes intervenções nas várzeas da bacia do rio Pirajuçara. O leito principal do rio já encontra-se canalizado da sua foz até o Largo do Taboão. Até então existia uma avenida de fundo do vale em apenas um trecho da canalização, mas em breve é anunciado o projeto da via que ligaria a Régis Bittencourt à Marginal Pinheiros, sobre o leito do rio: a Av. Eliseu de Almeida. A necessidade de saneamento, justificado pelo discurso do progresso, é reforçada como solução para as inundações que assolam a população da bacia. Segundo Ostrowsky, o desconhecimento acerca das enchentes permaneceu, assim como a ideia de que a canalização, isoladamente, resolveria o problema para sempre. Quando havia enchentes, os moradores culpavam o governo municipal e pediam a canalização do mesmo. Os córregos já serviam de depositário de lixo
e esgoto. Quanto ao sistema de drenagem, reclamava-se que, por ocasião das chuvas, as galerias não suportavam o acréscimo de água e também estavam sempre entupidas. As reivindicações eram sempre pela canalização de trechos dos córregos.27 O período em questão trata também do boom populacional nas periferias mais distantes, estimulado não somente pela migração da população vinda de outros estados, mas também da própria cidade de São Paulo, onde o aumento do custo de vida e de moradia tornava inviável o estabelecimento dessa parcela da população. Trata-se aqui da população mais pobre, que perambulava até encontrar um local que conseguisse se fixar. Obviamente, a autoconstrução aparece como a única forma de acesso à moradia. O processo de metropolização institui centralidades periféricas, como é o caso do Largo do Taboão e do Largo do Campo Limpo, no trecho médio da bacia. Os depoimentos coletados por Silva (2009) ilustram o processo de formação das periferias, em que a população busca terrenos mais baratos, desde que próximos à essas centralidades, uma vez que oferecem a possibilidade de mobilidade ao centro da cidade, e, consequentemente, ao emprego.
[fig. 11] Manifestações pela canalização do Pirajuçara no largo do Taboão na década de 80. Foto: Djalma Kutxfara. 27. OSTROWSKY, 2000, p. 68
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Eu moro aqui porque foi o único lugar que eu consegui comprar, porque nos outros lugares era mais caro e não dava para a gente comprar. Depois que ficamos sabendo que dava enchente, naquela época não dava enchente. Não tinha nem...tinha só um córrego pequenininho, era mato, cheio de água assim, mas enchente eles falavam que não tinha enchente. Tinha umas águas assim, umas lagoas aqui, outras acolá, uns sapos cantando. Já tinha luz, água encanada. A gente tomava ônibus lá no largo do Campo Limpo, onde hoje é a pracinha. Tinha uma ponte que ia para lá e outra mais aqui que era pinguela. As ruas eram de terra aí depois veio o asfalto. A gente sempre pensava que ia crescer, que ia melhorar.28
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[fig. 12] Canalização e tamponamento do córrego do Pirajuçara no trecho entre a Estrada do Campo Limpo e a Avenida Intercontinental em 1996. Foto: S.A. Paulista. 28. Depoimento de sra. Maria II, moradora desde 1970 do bairro Jd. Clementino Taboão da Serra, às margens do rio Pirajuçara. In: SILVA, 2009, p. 164
PAISAGEM URBANA EM 1994 O primeiro ponto a se destacar nesse período é a construção da Av. Eliseu de Almeida, a partir do tamponamento da galeria do rio Pirajuçara, em 1986 [figura 12]. Esta ação proporcionou a existência de outras obras, como a implantação do Shopping Butantã sobre um terreno alagadiço, na foz do rio Itararé e à beira do Pirajuçara. Este empreendimento, assim como muitos outros, só foi possível graças aos processos de saneamento dessa bacia ocorridos até então. É, portanto, um exemplo claro da ampliação do capital imobiliário privado a partir de ações de infraestrutura pública. (SILVA, 2009) De forma geral, mediante os processos de ocupação dos loteamentos das classes média e alta e da expansão da mancha urbana através do padrão periférico de ocupação, a bacia apresenta, nesse momento, uma paisagem densamente ocupada e com poucos vazios urbanos. Nota-se o aumento da concentração industrial em alguns pontos próximos à rodovia Regis Bittencourt, provavelmente em razão da divulgação dos projetos do trecho oeste do Rodoanel Mario Covas, cujas obras iniciaram em 1998 e foram concluídas em 2002.
É possível perceber também a multiplicação das favelas, que apareciam timidamente desde os anos 70 e agora compõe parte significativa do território, em especial na parte mais periférica. Essas ocupações [favelas] faziam-se nas sobras do mercado de terras composto por proprietários e loteadores, de tal forma que boa parte delas ergueu-se em condições de relevo muitas vezes rejeitadas por este mercado, tais como vertentes muito inclinadas, vales encaixados, margens dos rios, para as quais seria necessária uma densidade técnica pouco acessível aos seus moradores.29 A impermeabilização de todo o fundo do vale e das cabeceiras aumentou de forma surpreendente a vazão das águas, atingindo o dobro da capacidade projetada no canal principal. A inviabilidade de aumentar a seção deste canal, em razão da intensa movimentação de veículos e da existência de coletores-tronco de esgoto nas duas margens, levou à implantação de medidas à montante da canalização. (CUSTÓDIO, 2002) Intervenções pontuais e canalização parcial ou total de afluentes do rio foram executadas pelas prefeituras da região, mas a principal medida adotada desde então consiste na implantação de grandes reservatórios de detenção de água: os piscinões. O conceito de piscinão surge no início da década de 90, inspirado em experiências francesas e americanas de contenção de águas pluviais. O primeiro projeto executado foi do Piscinão do Pacaembu (1995), em uma área nobre da cidade de São Paulo. Neste caso, foi aproveitado a parte de estacionamento do Estádio do Pacaembu para fazer a escavação da estrutura, que, depois de finalizada e tamponada, recebeu de volta a Praça Charles Miller sob sua laje. Este projeto obteve excelente desempenho e entusiasmou a população, que passou a reivindicar essa solução em outras áreas da cidade, inclusive na bacia do Pirajuçara:
29. SILVA, 2009, p. 143.
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Comunidade quer piscinões para combater enchentes. As temíveis enchentes dos córregos Poá e Pirajuçara podem ser solucionadas pelo Governo do Estado mediante construção de bacias de contenção. 30 Esta iniciativa também movimentou a comunidade técnica, que utilizou o projeto como referência para a propostição do primeiro Plano Diretor de Macrodrenagem do Alto Tietê (PDMAT), desenvolvido em 1998. Além da proposta de piscinões tamponados, se incluiu a possibilidade de piscinões abertos que abrigariam usos multiplos nos períodos sem chuva:
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30. Chamada de matéria do jornal A Gazeta de Pinheiros em 04.set.97. In OSTROWSKY, 2000, p. 80 31. DAEE, 1998. 32. Extraído de A prefeitura e você, folheto de divulgação das obras de combate às enchentes, da Prefeitura municipal de Taboão da Serra (1999/2000). In CUSTODIO, 2002, p. 215.
Além de servir como um lago artificial no período de chuvas, o piscinão poderá ser utilizado, nas demais estações do ano, como área de lazer. Assim, ao mesmo tempo em que abriga uma obra de retenção, o terreno poderá acomodar playgrounds, praças esportivas, jardins, quadras, campos de futebol e pistas de cooper.31 Claramente, não foi isso que aconteceu. As estruturas construídas são de caráter monofuncional, que, situadas em grandes terrenos, representam não-lugares inseridos no tecido urbano. Considerando a quase inexistência de espaços livres nesse território, a implantação dessas grandes bacias representa um desperdício de espaço, cujas possibilidades de aproveitamento foram ignoradas. Mesmo que o papel de reservar as águas seja cumprido, ainda que com alguns questionamentos quanto à sua eficácia, pode-se dizer que os impactos positivos em macro-escala não superam os impactos negativos na escala local. Infelizmente foi essa a lógica que prevaleceu no controle de águas pluviais na bacia do Pirajuçara nos anos subsequentes, justificada na promessa de extinguir as enchentes que assolavam a população. Essa situação de calamidade é nada menos do que o resultado de anos de apropriação indevida do espaço das águas, seja nas várzeas ou nas nascentes, através da habitação ou do sistema viário. No entanto, em todo caso, o Estado se exime dessa culpa, atribuindo-lhe unicamente à natureza: “[...] quem provoca as enchentes são as chuvas (um fenômeno natural) não podemos controlá-la” 32
[fig. 13] Piscinão da Sharp, segundo maior da RMSP, com capacidade de mais de 500 m³. Foto: CPI das Enchentes [fig. 14] Piscinão Nova República, limite entre Embu, Taboão e São Paulo. Foto: Nelson Kon.
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Caracterização do território 52
A lógica de configuração do espaço metropolitano, bem como o processo de ocupação da própria bacia do Pirajuçara, determinaram diferentes padrões de ocupação neste recorte. Segundo suas características socioespaciais, esses padrões podem ser agrupados pelo menos em três trechos distintos, que correspondem também aos setores morfogeológicos da bacia. Essa divisão se dá principalmente pela diversidade nos padrões construtivos e densidade de ocupação do solo, mais precários e mais densos à medida que se avança rumo às cabeceiras. É importante observar que essa condição não apresenta dependência com os limites administrativos municipais, sendo uma consequência direta das dinâmicas denvolvidas ao longo do tempo. A partir do levantamento de uso e ocupação do solo [mapa 04] é possível perceber que praticamente 1/3 do território é ocupado por construções de médio padrão construtivo, alta densidade de ocupação e pouca cobertura vegetal. Esta situação correspondente, espacialmente, à subprefeitura do Campo Limpo, parte da subprefeitura da Vila Sônia e à maior porção do território de Taboão da Serra, ambos no trecho médio do território.
[legenda] Hidrografia Mata Campo Chácaras Alto padrão construtivo, com cobertura vegetal significativa e média densidade de ocupação Médio padrão construtivo, com média cobertura vegetal e média densidade de ocupação Médio padrão construtivo, com média cobertura vegetal e média densidade de ocupação Baixo padrão construtivo, sem cobertura vegetal, alta densidade de ocupação
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Área institucional Área urbana em consolidação com alta densidade de ocupação Área urbana em consolidação com média densidade de ocupação Área parcelada Superfície em exposição
[mapa 04]
USO E OCUPAÇÃO DO SOLO [base cartográfica] BASE 1:10.000, SÃO PAULO, SÃO PAULO PROTEGE, 2002.. FOLHAS TOPOGRÁFICAS 1:10.000 - 2225/ 2326/ 2341/ 2342/ 2343/ 2344. SÃO PAULO (ESTADO), EMPLASA, 1981. [organização] CANIL, 2006
Km
O segundo tipo de ocupação predominante na região é de construções de padrão construtivo baixo ou extremamente precário, com alta densidade urbana e pouca cobertura vegetal (23%). Essa tipologia corresponde às cabeceiras do rio Pirajuçara e seus afluentes, na porção mais periférica da bacia. Cerca de 12% do território é ocupado por construções de médio padrão construtivo, média cobertura vegetal e média densidade de ocupação, na porção do baixo Pirajuçara, majoritariamente na subprefeitura do Butantã, nos distritos Vila Sônia e Butantã. A porção ocupada por área urbana de alto padrão construtivo (apenas 4%) corresponde aos bairros Morumbi, Jardim Guedala, Real Parque e proximidades.
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As áreas institucionais correspondem a 10% do território e aparecem nas tipologias de shoppings, piscinões, escolas e universidades. Grande parte desses equipamentos está atrelada à Rodovia Régis Bittencourt. Destaca-se também a Cidade Universitária (USP) na foz do Pirajuçara com o Pinheiros. Apenas 7% do território possui cobertura vegetal expressiva. Pelo Mapa 05-Drenagem é possível notar a concentração da área verde na zona noroeste de Taboão da Serra e nordeste de Embu das Artes. Essa área tem uma alta importância ecológica por ser parte de um remanescente de Mata Atlântica que se estende até Curitiba. Além disso, porções isoladas de áreas vegetadas estão distribuídas pela bacia, aparecendo de forma mais generosa em terrenos particulares do trecho baixo. Na porção sudoeste, a mata ciliar ao longo dos cursos d’água é quase inexistente, com exceção da APA Roque Valente, única massa arbórea relevante dessa parte do território, que abriga três nascentes em sua área. Somando-se as áreas de mata, campos e chácaras tem-se que apenas 10% de todo o território é completamente permeável, um dado preocupante do ponto de vista da drenagem urbana e de manutenção da biodiversidade de flora e fauna. Isso porque a supressão desenfreada da cobertura vegetal, atrelada ao intenso processo de impermeabilização do solo, resultado da ocupação urbana na bacia, implica em uma série de modificações do ecossistema.
Como já foi dito, esse território apresenta, desde as primeiras grandes intervenções humanas, problemas de inundação em eventos de alta pluviosidade. Espacialmente [ver mapa 06] é possível perceber que as maiores manchas de inundação correspondem às áreas de confluência natural dos cursos d’água, como o Poá e o córrego do Bananal, na área da Rodovia Regis Bittencourt; o Joaquim Cachoeira e o Pirajuçara, no Largo do Campo Limpo; o Poá e o Pirajuçara, no Largo do Taboão; e nas proximidades da foz do Pirajuçara com o rio Pinheiros. A mancha de inundação também se estende ao longo do curso principal, agravada pela ausência de espaços permeáveis no trecho à montante da confluência com o Poá e pelo confinamento do curso d’água na forma de galeria tamponada no trecho a jusante. Medidas estruturais foram aplicadas ao longo das décadas: a canalização de nascentes, retificação, desvio e tamponamento do leito principal e a inserção de grandes bacias de detenção ao longo do território. Essa última medida, talvez, é a que deixa cicatrizes maiores no tecido urbano, uma vez que esses reservatórios causam um impacto visual muito grande na paisagem urbana, e, além disso, criam barreiras que dificultam — ou até mesmo impedem — a mobilidade em seu entorno, segregando ainda mais os espaços. Hoje, a bacia hidrográfica possui sete desses reservatórios, seis deles ao longo do curso do Pirajuçara — no trecho alto e médio — e um às margens do ribeirão Poá. Problemas com odores e insalubridades nestes locais são recorrentes, causando uma grande desvalorização da área e prejudicando, muitas vezes, a saúde dos moradores do entorno. Apesar disso, pela falta de espaços públicos, a relação entre a população e o piscinão permanece, havendo casos de pessoas que utilizam a grade do piscinão para estender roupas, ou mesmo crianças que brincam dentro dessas estruturas, aproveitando o espaço vazio para empinar pipa. Enfim, mesmo com a existência dos piscinões, as inundações continuam como um problema cotidiano. O PDMAT — Plano Diretor de Macrodrenagem da bacia do Alto Tietê elaborado pelo DAEE em 1998, com revisões em 2008 e 2011 — prevê a necessidade de se construir mais 9 reservatórios nessa bacia. Pelo plano, os piscinões estariam dispersos por
[fig. 15] Marca d’água da enchente de 1996, no Jardim Santa Luzia, na confluência do Pirajuçara com o Poá. Foto: Marco Antônio Teixeira da Silva.
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todo o território, no entanto, dados atualizados do DAEE indicam a localização das bacias de detenção exclusivamente no trecho a montante, longe dos bairros nobres. Mediante esse modelo de implantação, fica evidente que as áreas mais pobres são tidas como zonas de sacrifício, territórios que recebem o ônus para que as áreas ocupadas pela população de renda mais alta recebam os bônus dessas intervenções. A implantação dessas estruturas na cidade que não é vista reforça o sentimento de invisibilidade dessa população que é carente não apenas de recursos financeiros, mas de equipamentos e espaços públicos. Cabe ressaltar também que esse tipo de solução vem para tentar remediar, não prevenir, o problema de escoamento pluvial. É a alta velocidade com que as águas correm superficialmente (seja pelas galerias e canais de concreto ou pelas ruas asfaltadas) que faz acumular um sobre-volume d’água no rio, e este transborda para as ruas e casas adjacentes ao seu leito.
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Isso é agravado pela situação em que se encontram as margens dos rios dessa bacia: quase todas sufocadas pelo sistema viário, ainda que não sejam avenidas de grande importância para a circulação de automóveis. Essa condição contribui grandemente para a degradação hídrica, pois em eventos de chuva toda a carga da movimentação de veículos e da lavagem superficial é carregada para os córregos. Com a ausência de mata ciliar, a poluição não encontra barreiras para atingir as águas.
Kilometers
No entanto, os cursos d’água desse território recebem o esgoto de um contingente populacional muito maior do que a população favelada. Por conta de a instalação de infraestrutura não ter acompanhado a dinâmica da expansão urbana no processo de formação 4
[fig. 17] Afluente do Pirajuçara sufocado pela habitação. Foto: Devanir Amâncio.
3
[fig. 16] Córrego Pirajuçara sufocado pelo sistema viário. Foto: Projeto Arrastão.
Quando não é o sistema viário, é a habitação que ocupa áreas que antes pertenciam à várzea do rio. Como o processo de ocupação desse território deixou poucos espaços vazios, a população mais pobre se apropriou de áreas desinteressantes para o mercado imobiliário, em especial à beira dos cursos d’água, na forma de favelas. Essas habitações, de padrão extremamente precário, são geralmente desprovidas de rede coletora de esgoto, logo, se caracterizam pelo despejo de esgoto in natura nos córregos adjacentes.
[legenda] Parques e praças Área de Proteção Ambiental Área Vegetada Bairro jardim Mancha de Inundação TR 25 anos Mancha de inundação TR 50 anos Mancha de inundação TR 100 anos Piscinões existentes Piscinões propostos no PDMAT Curso d'água natural Curso d'água canalizado a céu aberto Curso d'água tamponado limite da bacia do Pirajuçara limites municipais
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da metrópole, ainda hoje a maior parte do território não tem seu esgoto encaminhado para tratamento, ainda que este seja coletado pela SABESP. [figura 18] Isso acontece pela ineficiência na rede de coletores-tronco. A ausência ou desconexão entre os coletores-tronco impede a interligação entre a rede coletora existente e o sistema de interceptação, gerando um descompasso entre a capacidade dos interceptores e as vazões interceptadas. Onde há essas falhas na rede de captação/interceptação o esgoto é depositado diretamente nos cursos d’água, através dos pontos de lançamento. Como resultado, os rios recebem uma carga poluidora muito além da que podem assimilar e atingem índices de qualidade de água preocupantes. [mapa 06]
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coleta e tratamento
[mapa 05]
coleta sem tratamento
DRENAGEM
área sem coleta
[base cartográfica]
[fig. 18] Esquema da situação de esgotamento sanitário. Dados: SABESP, 2018. Elaboração própria.
LIMITES MUNICIPAIS, IBGE, 2015. [fonte] PISCINÕES EXISTENTES E PROPOSTOS, DAEE, 2018. MANCHA DE INUNDAÇÃO NA BACIA DO
33. SILVA, 2009, p. 200
PIRAJUÇARA, DAEE, 2013. ÁREAS VERDES DA RMSP, CEM, 2018. USO E OCUPAÇÃO DO SOLO, EMPLASA, 2013 (Atualizado para 2018). REDE DE DRENAGEM DE SÃO PAULO, FCTH, 2015. REDE DE DRENAGEM DE TABOÃO DA SERRA, TABOÃO DA SERRA, SEHAB, 2018.
Ainda que esse dado seja alarmante, essa informação refuta a ideia de que a má qualidade das águas urbanas é resultado das ações de uma população mais pobre, menos informada. Como ponderado no panorama histórico, a situação das águas urbanas — na bacia do Pirajuçara e nos demais territórios da metrópole — é consequência de decisões tomadas em prol dos interesses dos setores com maior poder, em especial o mercado imobiliário e o Estado. Assim sendo, não é pertinente a separação entre uma classe ambientalmente responsável e outra mazelada, cujas práticas impróprias resultam em problemas para todos. Discursos que seguem essas lógicas procuram justificar uma equivalência dos não equivalentes, ignorando conteúdos históricos, como a segregação espacial, acumulação e reprodução da força de trabalho. (SILVA, 2009) O pobre num barraco construído na beira do rio, sob condições de inundação, de contaminações, entre outras, ali está por pura necessidade, pois não tem outra condição de vida que não essa da escassez. 33 Logo, ao analisar o território mediante as dinâmicas do mercado imobiliário, o que se percebe é uma divisão clara de para quem os espaços foram pensados, projetados e destinados. Não foi a população pobre que escolheu ocupar a margem do rio, a encosta íngrime do morro ou as baixadas alagadiças. Este foi o território que históricamente lhes foi atribui-
REDE DE DRENAGEM DE EMBU, EMBU, SECRETARIA DE PLANEJAMENTO E MEIO AMBIENTE, 2016. [organização própria]
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[legenda] coletor tronco existente pontos de lançamento rede coletora curso d'água natural curso d'água canalizado a céu aberto curso d'água tamponado limite da bacia do Pirajuçara limites municipais hidrografia principal
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[mapa 06]
ESGOTO SANITÁRIO [base cartográfica] REDE DE DRENAGEM DA RMSP, CEM, 2017. LIMITES MUNICIPAIS, IBGE, 2015. [fonte] PONTOS DE LANÇAMENTO, SABESP, 2018. REDE COLETORA, SABESP, 2018. REDE DE DRENAGEM DE SÃO PAULO, FCTH, 2015. REDE DE DRENAGEM DE TABOÃO DA SERRA, TABOÃO DA SERRA, SEHAB, 2018. REDE DE DRENAGEM DE EMBU, EMBU, SECRETARIA DE PLANEJAMENTO E MEIO AMBIENTE 2016. [elaboração própria]
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do. Quando as camadas mais privilegiadas ocupam os mesmos espaços, obviamente em situações urbanas e arquitetônicas distintas, mas ainda sim sob as mesmas condições geográficas, essas áreas não são consideradas áreas de risco. A partir do levantamento de empreendimentos residenciais lançados no território entre 1985 e 2013 [mapa 07], por exemplo, fica claro que o mercado imobiliário praticamente não atinge a porção mais periférica, reforçando a ideia de que à população mais pobre resta apenas a autoconstrução como forma de moradia [figura 19]. Como já foi dito, essa porção do território abriga a maior parte dos núcleos de habitação subnormal, quase todos lineares, acompanhando os cursos d’água.
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De forma oposta, cabe destacar o caso da Favela de Paraisópolis. Vizinha do Morumbi, um dos bairros mais nobres de São Paulo, Paraisópolis é a segunda maior favela do Estado de São Paulo em termos habitacionais, com cerca de 100.000 habitantes. Devido a sua extensão e complexidade, esse território será abordado superficialmente nesse trabalho, entendendo que se trata de um núcleo com alta vulnerabilidade urbana mas em uma localização privilegiada. É, portanto, uma exceção no recorte da bacia do Pirajuçara, um caso particular com carências específicas e que demanda um olhar voltado exclusivamente a ele. É interessante observar o vetor de expansão do mercado imobiliário que atingiu o trecho médio da bacia nos últimos anos. Em Taboão, apenas na última década foram mais de 51 torres construídas em 10 conjuntos habitacionais de uma mesma incorporadora [figura 20]. O processo de verticalização, somado à alta densidade populacional das habitações horizontais, fez com que o município atingisse em 2017 a marca de cidade mais densamente povoada do Brasil, segundo a projeção do IBGE. Esses empreendimentos têm um alto impacto urbanístico, tanto pela altura de suas torres (ultrapassando os 25 andares) e tipologia arquitetônica (edifícios garagem ou torres distantes do alinhamento da rua), quanto pela localização de sua implantação: majoritariamente às margens da Rodovia Régis Bittencourt e Avenida São Francisco, aos moldes da ocupação da Rodovia Raposo Tavares. Esses empreendimentos são de difícil acesso por transporte público, portanto, o alto fluxo de automóveis têm sufocado as estruturas viárias da região.
[fig. 20] Foto aérea da cooperativa habitacional Vida Nova, em Taboão da Serra. Foto: divulgação [fig. 19] Foto aérea das autoconstruções periféricas. Ao fundo, prédios da cidade de São Paulo. Foto da autora.
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No caso dos lançamentos empresariais percebe-se a prevalência desses empreendimentos no centro expandido da cidade de São Paulo, existindo pouquíssimos investimentos para além do rio Pinheiros. Esse cenário reforça a concentração de emprego formal e renda no chamado centro corporativo metropolitano, que movimenta a maior economia do país, além de criar uma demanda insipiente por mobilidade.
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A oferta de emprego no território em questão se dá majoritariamente no setor de comércios e serviços, ainda que exista alguma atividade industrial relevante, em especial nas proximidades da rodovia Régis Bittencourt. Mas essa oferta não é suficiente. Ao sobrepor dados de densidade habitacional e oferta de emprego tem-se que esse território está entre as áreas com maior déficit de emprego formal por habitante da RMSP.
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[fig. 21] Esquemas da distribuição de emprego na RMSP. 1. Áreas com alta densidade demográfica e alta taxa de crescimento. 2. Áreas com carência de oferta de emprego. 3. Áreas com alta demanda e pouca oferta de emprego. Dados: Pesquisa OD 2007. Elaborado por FAU-USP.
[legenda] Habitação precária Lançamentos imobiliários residenciais entre 1985 e 2013 Lançamentos imobiliários empresariais na RMSP entre 1985 e 2013 limite da bacia do Pirajuçara limites municipais logradouros hidrografia principal
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[fig. 22] Estética padrão do CEU, na [fig. 23] foto, unidade Butantã. Foto: VD Arquitetura 34. Segundo artigo publicado por Danilo Mekari no portal Archdaily, em 17/06/2018 sob o título CEUs: a construção coletiva do espaço público.
HABITAÇÃO [base cartográfica] BASE DE LOGRADOUROS DA RMSP, CEM, 2018. REDE DE DRENAGEM DA RMSP, CEM, 2017. LIMITES MUNICIPAIS, IBGE, 2015. [fonte] AGLOMERADOS SUBNORMAIS, EMBU, IBGE, 2010. (Atualizado para 2018.) ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS, TABOÃO DA
Embora existam alguns eixos de desenvolvimento comercial, como é o caso da Av. Francisco Morato, os já citados Largo do Campo Limpo e do Taboão, e, em menor escala, os bairros Casa Branca, Pirajussara e Jd. Santo Eduardo, essas centralidades não se comparam, em termos de infraestrutura e porte, aos eixos de desenvolvimento do centro expandido de São Paulo e são, sobretudo, deficientes em termos de cultura e educação. Essa lacuna é suprida, em parte, pelos CEU’s Campo Limpo e Cantos do Amanhecer, que se configuram como importantes equipamentos de acesso à cultura e lazer, considerando a infraestrutura que possuem (piscinas, biblioteca, teatro, quadras, etc.). É interessante ressaltar que o projeto inicial dos CEU’s, previa uma proximidade entre esses equipamentos e os cursos d’água da cidade de São Paulo.
SERRA, SEHAB, 2018. FAVELAS, SÃO PAULO, SEHAB, 2016. LANÇAMENTOS IMOBILIÁRIOS COMERCIAIS NA RMSP, CEM, 2013. LANÇAMENTOS IMOBILIÁRIOS RESIDENCIAIS NA RMSP, CEM, 2013. [organização própria]
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Entre os idealizadores do projeto está Alexandre Delijaicov, coordenador do Metrópole Fluvial, grupo de pesquisa em projeto de arquitetura de infraestruturas urbanas fluviais da FAU-USP. Segundo ele, um dos partidos do projeto era mostrar a contradição entre as águas sujas dos cursos naturais e a água límpida das piscinas. Essa contradição tem um papel didático na educação das crianças: “Queríamos dizer o seguinte: fomos nós que deixamos o rio ficar assim, e somos nós que teremos que reverter essa realidade.”34
No caso do CEU Campo Limpo, a relação com o rio Pirajuçara é parcial. Apesar da proximidade, este equipamento não oferece nenhum contato com o rio, nem ao menos visual [figura 24]. Como os acessos se concentram na av. Carlos Lacerda, o rio Pirajuçara se configura como um limite ao fundo do terreno. Considerando que neste trecho o rio faz a distinção entre a cidade de São Paulo e Taboão da Serra, entender o rio como limite é também entender que não há necessidade de se expandir o acesso à esse equipamento aos moradores da cidade vizinha, ainda que a fronteira seja, nesse caso, uma mera convenção administrativa. É importante ressaltar o papel que o CEU tem enquanto centralidade educacional, não apenas para crianças mas para o público em geral, uma vez que ocorrem diversas atividades e oficinas fora do horário de aulas. Há também a oferta de cursos superiores semi-presenciais e gratuítos, através do programa Universidade Aberta. 35 Em relação às instituições de ensino superior existem quatro universidades no território, sendo uma delas pública: a USP, localizada no limite entre e bacia do Pirajuçara e do Jaguaré, na foz com o rio Pinheiros. Entre outros equipamentos relevantes estão o Estádio do Morumbi, sede do São Paulo Futebol Clube, e a Arena Multiuso, no Jardim Record, em
[fig. 24] Foto aérea do CEU Campo Limpo e do Córrego Pirajuçara. Foto da autora. 35. Trata-se de uma iniciativa federal implantada pelo Ministério da Educação. Segundo o portal do MEC, o programa busca ampliar e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação superior, por meio da educação a distância.
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Taboão da Serra. Na arena multiuso, além de atividades esportivas como atletismo, futebol, volei, basquete, a população se apropria para eventos culturais e de lazer como shows, festivais, festas juninas e de fim de ano. Quanto aos equipamentos de saúde, há uma concentração de hospitais particulares no trecho baixo, incluindo hospitais de referência nacional, como o Albert Einstein. Os hospitais públicos estão todos na cidade de Taboão da Serra, exceto do Hospital Vital Brazil, especializado no atendimento a pacientes picados por animais peçonhentos, no Instituto Butantã.
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36. O Polo Cultural e Criativo Municipal da Chácara do Jockey é um projeto da Secretaria de Cultura que visa a reforma de cerca de 8.800 m² para implementação de um centro de produção, formação e fruição do saber artístico em suas múltiplas linguagens e representações. 37. O termo Ponto Nodal é usado aqui sob o conceito defendido por Kevin Lynch em A Imagem da Cidade: lugares aos quais e dos quais as pessoas, respectivamente, convergem e divergem.
Em relação aos parques públicos, é preciso destacar que estes localizam-se apenas na cidade de São Paulo. O Parque da Previdência possui acesso somente pela parte norte, através da Rodovia Raposo Tavares, enquanto o Parque Luís Carlos Prestes oferece uma possibilidade de conexão de pedestres entre essa rodovia e a Av. Eliseu de Almeida. Esses dois equipamentos são muito próximos, no entanto, a conexão entre eles é deficiente. O Parque Chácara do Jockey, por sua vez, foi inaugurado em 2016, após cerca de três décadas de reivindicações dos moradores do entorno. Trata-se de um importante atrativo, uma vez que possui boa infraestrutura, em especial pelo complexo esportivo. Espera-se que seja também um pólo cultural e criativo36 após a reforma das edificações existentes pela Secretaria de Cultura de São Paulo. Além dos equipamentos citados, configuram-se como importantes pontos nodais37 do território o terminal Campo Limpo e a estação Butantã, hoje único acesso da população ao sistema de Metrô. A ausência de transporte sobre trilhos somada à grande quantidade de viagens motorizadas, seja por transporte individual ou coletivo, gera trânsito intenso. Esse fator aumenta o tempo de deslocamento da população, principalmente de quem mora nas periferias mais distantes. Estão sendo construídas mais duas estações da linha 4-amarela: São Paulo-Morumbi e Vila Sônia, ambas com obras atrasadas. A estação Taboão, prometida desde 1995 pelo então governador Geraldo Alckmin, não tem projeto executivo, terreno definitivo e muito menos previsão de início. De acordo com a CPTM, o horizonte esperado para 2030 em relação ao transporte público sobre trilhos inclui outras três estações da Linha
[legenda] 1 USP (Pública)
1
1
2 Universidade Anhanguera (Privada) 3 Universidade Anhanguera (Privada) 4 UNASP (Privada)
2
1 2
1
4 Parque dos Eucaliptos
4 3 2
9
8
4 6
2
3 1
4
5
1 CEU Campo Limpo 2 CEU Cantos do Amanhecer 1 Hospital Vital Brazil (Privado) 2 Hospital Metropolitano (Privado) 3 Hospital Leforte (Privado) 4 Hospital Infantil Darcy Vargas (Privado)
2 7
6
2 Parque Luís Carlos Prestes 3 Parque Chácara do Jockey
3
1
1 Parque da Previdência
5 Hospital Albert Einstein (Privado) 6 Hospital Family (Privado) 7 Pronto Socorro Akira Tada (Público) 8 Pronto Socorro Antena (Público) 9 Hospital Geral Pirajussara (Público) 1 Vila Progredior e Shopping Butantã 2 Taboão Centro 3 Shopping Taboão
5
4 Estrada do Campo Limpo
2
5 Pirajussara 6 Santa Tereza/Casa Branca 7 Santo Eduardo
4 7
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Amarela além da estação Taboão. Destas, duas avançam no sentido Régis Bittencourt. No entanto, nada disso consta no Plano Integrado de Transportes Urbanos - PITU. Além disso, se prevê a extensão da linha 17-ouro da CPTM38, em construção desde 2012, até a estação São Paulo-Morumbi. Na situação atual, o deslocamento por transporte coletivo se dá por meio de ônibus. O terminal Campo Limpo movimenta cerca de 270 mil pessoas todos os dias, fazendo a conexão entre os bairros mais periféricos e o centro expandido. No sentido centro, destacam-se as linhas Metrô Pinheiros, Metrô Paraíso e Praça Ramos, que utilizam o eixo Estrada do Campo Limpo/Av. Francisco Morato/Rebouças, sendo que a infraestrutura de corredor de ônibus só existe a partir da Av. Francisco Morato.
68
38. Esta linha, também conhecida como Monotrilho, prevê a interligação entre as linhas 4-amarela, 9-esmeralda e 5-lilás até o Aeroporto de Congonhas, na Zona Sul de São Paulo.
O transporte coletivo intermunicipal utiliza principalmente o eixo Kizaemon Takeuti/ Régis Bittencourt/Eliseu de Almeida. Existem apenas dois terminais metropolitanos: Casa Branca, em Embu e Terminal Butantã, junto à estação de Metrô, mas o Largo do Taboão configura-se como um importante ponto de transferência entre linhas para os residentes da sub-região Sudoeste da RMSP. Trata-se de um ponto estratégico pelo entroncamento das linhas municipais de São Paulo, que seguem caminho pela Francisco Morato/Estrada do Campo Limpo, e as intermunicipais, no eixo Régis Bittencourt/Eliseu de Almeida. Ainda sobre mobilidade, cabe destacar a relevância que a linha 5-lilás possuí para a porção sul da bacia, em especial para o distrito do Capão Redondo e alguns bairros de Embu, uma vez que as estações Campo Limpo e Capão Redondo possuem terminal metropolitano com linhas que atendem essa região. A linha lilás hoje opera ligando territórios da Zona Sul de São Paulo, desde o Capão até a Chácara Klabin. Por muito tempo, essa linha possuia conexão apenas com a linha 9-lilás da CPTM; no entanto recentemente foi inaugurado trecho que possibilita a transferência com as linhas 1-Azul e 3-Verde do Metrô. Desde sua inauguração, a linha lilás representa um avanço em termos de mobilidade da periferia, inclusive para a bacia do Pirajuçara, visto que a ocupação ao sul do território apresenta maior intensidade nas proximidades do divisor de águas que a separa da bacia do córrego Morro do S.
[mapa 08]
EQUIPAMENTOS [base cartográfica] BASE DE LOGRADOUROS DA RMSP, CEM, 2018. REDE DE DRENAGEM DA RMSP, CEM, 2017. LIMITES MUNICIPAIS, IBGE, 2015. [organização própria]
Km
[legenda] Estação de metrô/ linha 4-amarela Estação de metrô em obras/ linha 4-amarela Estação de metrô planejada/ linha 4-amarela Estação de metrô/ linha 5-lilás Estação de metrô/ linha 1-azul Estação de metrô/ linha 2-verde Estação de metrô/ linha 3-vermelha Estação de trem/ linha 9-esmeralda Estação de trem planejada/ linha 17-ouro Terminal de ônibus SPtrans Terminal de ônibus EMTU Corredor exclusivo de ônibus Faixa de ônibus Rotas principais EMTU Ciclovia/ciclofaixa limite da bacia do Pirajuçara limites municipais logradouros hidrografia principal
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Situação Sócio-econômica Como já foi dito, o processo de ocupação da bacia do Pirajuçara deu origem a áreas com padrões socio-espaciais evidentemente distintos. Para uma análise mais profunda em termos socioeconomicos, o recorte mais compatível é o do setor censitário, instituído pelo IBGE. Ainda que o censo de 2010, que serviu de referência para a elaboração dessa análise, se encontre desatualizado, os dados por setores censitários fornecem um panorama espacial da segregação social à qual a população mais periférica está sujeita. A partir da espacialização dos dados demográficos [mapa 10] é possível perceber, por exemplo, que o território torna-se muito mais denso na porção sudoeste, coincidindo com áreas ambientalmente mais frágeis, que são as nascentes dos corpos d’água, em especial naquelas que dão forma ao Pirajuçara. Na sub-bacia do rio Poá, no entanto, correspondente ao eixo Regis Bittencourt, há uma menor densidade demográfica, dado o uso fabril e institucional que se instalou nas margens da rodovia e também às áreas verdes preservadas existentes nessa parte.
70
[mapa 09]
MOBILIDADE URBANA
No trecho médio observa-se um padrão misto de ocupação, predominando densidades mais baixas no eixo da Régis Bittencourt — ocupado, nesta seção, majoritariamente por galpões comerciais; e uma concentração populacional maior na porção sul, nos distritos de Campo Limpo e Capão Redondo e na porção norte, em bairros próximos à rodovia Raposo Tavares, como o Jardim Jaqueline e Dracena. Já no trecho baixo a densidade é visívelmente menor, já quea maior parte do território é ocupada por bairros-jardim e pela cidade universitária.
[base cartográfica] BASE DE LOGRADOUROS DA RMSP, CEM, 2018. REDE DE DRENAGEM DA RMSP, CEM, 2017. LIMITES MUNICIPAIS, IBGE, 2015. [fonte] CENÁRIO DE MOBILIDADE URBANA SOB TRILHOS 2030, CPTM, 2018. SISTEMA VIÁRIO PRINCIPAL, EMPLASA, 2018. TERMINAIS URBANOS, SPTRANS, 2018.
[fig. 25] Comparação entre a densidade construtiva de três trechos da bacia do Pirajuçara. 1. Capão Redondo; 2. Campo Limpo; 3. Morumbi. Elaboração própria.
CICLOVIAS, CET, 2018. CORREDORES DE ÔNIBUS, SPTRANS, 2018. FAIXAS EXCLUSIVAS DE ÔNIBUS, SPTRANS, 2018. [organização própria]
Km
No caso da bacia do Pirajuçara, por sua ocupação majoritariamente horizontal, é possível assimilar a densidade habitacional com a densidade construtiva. Neste caso, nos territórios mais densos as construções são menores e mais próximas, e nos territórios menos densos as construções são maiores e com abudante espaço livre [figura 25]. Embora possam ocorrer núcleos de alta densidade de habitação verticalizados, isso não necessariamente representa que as unidades habitacionais são pequenas, como é o caso dos bairros verticais de alto padrão: Vila Progredior e Real Parque.
[legenda] menos de 85 hab/ha 85 a 170 hab/ha 170 a 250 hab/ha 250 a 360 hab/ha mais de 360 hab/ha sem dados limite da bacia do Pirajuçara limites municipais limite setor censitário hidrografia principal
71
[mapa 10]
DENSIDADE DEMOGRÁFICA [base cartográfica] BASE DE LOGRADOUROS DA RMSP, CEM, 2018. REDE DE DRENAGEM DA RMSP, CEM, 2017. LIMITES MUNICIPAIS, IBGE, 2015. [fonte] MALHA DIGITAL DE SETORES CENSITÁRIOS, IBGE, 2010. CENSO DEMOGRÁFICO, IBGE, 2010. [organização própria]
Km
Para entender como se dá a distribuição de renda na bacia, foi elaborado um mapa de renda per capita por setor censitário [mapa 11]. Visualmente, o que se pode perceber é oposto do mapa de densidade habitacional. Além disso, o território em questão apresenta, notoriamente, uma estrutura bastante desigual em termos de riqueza dos seus habitantes, mesclando porções muito ricas, concentradas no trecho mais próximo à várzea do rio Pinheiros, e áreas de extrema pobreza, nos setores mais periféricos. Alguns poucos setores fogem à essa lógica de distribuição de renda: o condomínio Jardim Iolanda [1], loteamento de médio-alto padrão localizado em área de mata atlântica preservada na porção noroeste de Taboão da Serra; o condomínio Horto do Ypê [2], bairro fechado e planejado do distrito do Campo Limpo que reúne condomínios verticais e horizontais de médio padrão; e — na situação oposta — Paraisópolis [3], segunda maior favela da cidade de São Paulo, vizinha dos bairros nobres Morumbi (a leste) e Real Parque (a oeste).
72
Em termos espaciais, as camadas mais privilegiadas residem em cerca de 1/3 do território da bacia, no entanto, é preciso considerar o tipo de ocupação praticado por essa população. Como já foi visto, no caso da bacia do Pirajuçara essa ocupação se dá, majoritariamente, na forma de bairros jardins, salvo alguns núcleos verticalizados, como é o caso do Real Parque e Vila Progredior.
[fig. 26] Gráficos de distribuição da população segundo classes de renda e segundo classes de vulnerabilidade social. Ver legendas das páginas 74 e 76. Dados: Censo 2010 do IBGE. Elaboração própria.
Portanto, ao considerar a densidade desses bairros, tem-se que em termos quantitativos apenas 4% da população se enquadra nas classes A (acima de 20 SM per capita) e B (entre 10 e 20 SM per capita). A maioria (84%) corresponde às classe D e E (entre 0 e 2 SM per capita) e quase metade da população vive com menos do que 1 salário mínimo per capita. Ainda que o indicador renda seja um dado importante para a compreensão das condições de vida da população, é preciso considerar a complexidade desta questão, que exige a análise de outras tantas variáveis do campo socioeconomico relacionadas à educação, arranjo familiar, inserção no mercado de trabalho, oportunidades de mobilidade social entre outras esferas.
[legenda] até 1 SM 1 a 2 SM 2 a 4 SM 4 a 10 SM 10 a 20 SM mais que 20 SM sem dados limite da bacia do Pirajuçara limites municipais logradouros hidrografia principal
73
[mapa 11]
RENDA PER CAPITA [base cartográfica] BASE DE LOGRADOUROS DA RMSP, CEM, 2018. REDE DE DRENAGEM DA RMSP, CEM, 2017. LIMITES MUNICIPAIS, IBGE, 2015. [fonte] MALHA DIGITAL DE SETORES CENSITÁRIOS, IBGE, 2010. ÍNDICE PAULISTA DE VULNERABILIDADE SOCIAL, FUNDAÇÃO SEADE, 2010. [organização própria]
Km
Dessa forma, para identificar e localizar as áreas que abrigam os segmentos populacionais mais vulneráveis dentro dos municípios, a Fundação SEADE desenvolveu o Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS) que combina dados das dimensões socioeconômica e demográfica39 na unidade do setor censitário, a partir da análise de dados do Censo de 2010 do IBGE.
74
39. O IPVS considera os seguintes dados da situação econômica: renda domiciliar per capita; rendimento médio da mulher responsável pelo domicílio; % de domicílios com renda domiciliar per capita até 1/2 SM; % de domicílios com renda; domiciliar per capita até 1/4 SM; % de pessoas responsáveis pelo domicílio alfabetizadas. E considera também os seguintes dados da situação demográfica: % de pessoas responsáveis de 10 a 29 anos; % de mulheres responsáveis de 10 a 29 anos, idade média das pessoas responsáveis; % de crianças de 0 a 5 anos de idade.
Um dos aspetos conceituais da elaboração do IPVS é a consideração de que segregação espacial na metrópole é um mecanismo que contribui decisivamente para a manutenção dos padrões de desigualdade social. Ou seja, uma característica da pobreza urbana e metropolitana é a segregação espacial como um condicionante da própria condição de pobreza. A diferenciação entre áreas intraurbanas quanto à infraestrutura, oferta de espaços públicos e equipamentos urbanos, entre outros, influencia diretamente a qualidade de vida dos moradores. Assim sendo, pela hostilidade com a qual a cidade se apresenta à população mais pobre, há uma tendência de essa população apresentar determinados comportamentos, ainda que determinados valores e processos de socialização influenciem as trajetórias individuais. (FUNDAÇÃO SEADE, 2013) No caso da Bacia do Pirajuçara, os setores mais vulneráveis encontram-se na porção mais periférica, onde o acesso à habitação de qualidade, transporte, cultura e educação é limitado [mapa 12]. Cabe destacar ainda a maior ocorrência desses setores na borda sudoeste, em especial na parte que corresponde ao distrito do Capão Redondo, reconhecido como um dos mais violentos da capital. Em contraponto, as áreas mais próximas ao centro expandido, históricamente destinadas à uma ocupação bucólica do território pelas frações de classe mais abastadas e e que têm em si a melhor infraestrutura urbana, apresentam baixíssima vulnerabilidade. Este diagnóstico, no geral, justifica a ideia de quanto mais distante está a periferia, avançando em direção as cabeceiras, piores tornam-se as condições de vida da população. Nesse sentido, este trabalho se propõe a diluir as barreiras da exclusão social e territorial que a população mais periférica está sujeita e promover o acesso à cidade, no sentido dual de facilitar a transposição periferia/centro e de adequar a precária urbanização existente à uma urbanidade emergente.
[legenda] baixíssima vulnerabilidade vulnerabilidade muito baixa vulnerabilidade baixa vulnerabilidade média vulnerabilidade alta vulnerabulidade muito alta sem dados limite da bacia do Pirajuçara limites municipais logradouros hidrografia principal
75
[mapa 12]
VULNERABILIDADE SOCIAL [base cartográfica] BASE DE LOGRADOUROS DA RMSP, CEM, 2018. REDE DE DRENAGEM DA RMSP, CEM, 2017. LIMITES MUNICIPAIS, IBGE, 2015. [fonte] MALHA DIGITAL DE SETORES CENSITÁRIOS, IBGE, 2010. ÍNDICE PAULISTA DE VULNERABILIDADE SOCIAL, FUNDAÇÃO SEADE, 2010. [organização própria]
Km
Estudos de caso 76
Apesar de a temática dos rios urbanos ser amplamente discutida a nível internacional e existirem hoje uma série de projetos executados de recuperação e renaturalização de cursos d’água, a maior parte desses projetos se dá em circunstâncias muito diferentes da realidade aqui apresentada. Dessa forma, o principal critério para a escolha dos estudos de caso foi a semelhança das condições urbanas entre as áreas de intervenção análisadas e o recorte em questão. Se buscou, portanto, projetos que lidassem com as mesmas problemáticas da bacia do Pirajuçara, em especial a topografia acentuada e a autoconstrução, que são, pra mim, as características mais marcantes do território. Foram escolhidos dois projetos de referência. O primeiro é um plano teórico de revitalização da Bacia do Jaguaré, cuja localização geográfica é muito próxima à do Pirajuçara. Nele são abordadas soluções técnica e economicamente viáveis de drenagem de águas pluviais e recuperação da qualidade hídrica. O segundo é um projeto urbano para uma zona periférica de Medellín, na Colômbia, executado entre 2004 e 2008. A partir da percepção de que as metrópoles latino-americanas apresentam desafios próprios dos países do terceiro mundo, esse plano é uma importante contribuição, pois considera soluções criativas para lidar com as problemáticas urbanas da cidade informal.
Revitalização da Bacia do Jaguaré Caracterização do plano e do território A partir de um financiamento do Fundo Estadual de Recursos Hídricos (FEHIDRO), a Associação Águas Claras do Rio Pinheiros40 elaborou, junto à Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica (FCTH), o Estudo de Diagnóstico e Proposições de Ações para a Revitalização da Bacia do Córrego Jaguaré. O objetivo geral desse plano é a melhoria da qualidade das águas deste rio e de seus afluentes a partir de soluções técnicas, institucionais e estruturais para reduzir a poluição e melhorar a paisagem. Apesar do Córrego do Jaguaré ser o objeto de estudo, esse plano foi elaborado de tal maneira que seus métodos e resultados pudessem ser replicados para outros segmentos da bacia principal. O produto desse trabalho foi um relatório final na forma de um plano piloto para a revitalização das sub-bacias que abastecem o Rio Pinheiros. A Bacia do Córrego do Jaguaré está localizada na porção oeste do município de São Paulo, na margem esquerda do Pinheiros e em uma área de 28,2 km² [figura 27]. Em relação à administração municipal, esse território está sob domínio das subprefeituras do Butantã e Lapa, essa última em menor proporção (9%). Segundo o relatório final do projeto, o fato de o território estar completamente inserido em apenas um município foi um dos fatores de escolha desta bacia como bacia-piloto, uma vez que a coleta e comparação de dados torna-se mais fácil. O córrego do Jaguaré nasce na porção sudoeste da bacia, nas proximidades do limite entre São Paulo e Taboão da Serra. Após a confluência com o córrego Itaim, seu maior afluente, o Jaguaré percorre a Av. Escola Politécnica até sua foz no rio Pinheiros. É importante ressaltar que essa bacia faz limite, a sul, com a bacia do Pirajuçara. Assim, pela proximidade territorial, as duas apresentam características físicas muito parecidas, o que implica em semelhanças no processo de ocupação do território e em sua configuração atual.
[fig. 27] Localização da Bacia do Jaguaré na mancha urbana da RMSP, com destaque para o limite administrativo da cidade de São Paulo. Elaboração própria. 40. Fundada em 2009, a Associação Águas Claras do Rio Pinheiros é uma organização da sociedade civil que tem como missão agir, apoiar iniciativas e mobilizar o poder público, empresas e moradores da cidade de São Paulo para a recuperação do rio Pinheiros e sua bacia hidrográfica.
77
Hidrografia Comércio e serviços Favela Indústrial Residencial Área Verde
78
[fig. 28] Uso e ocupação do solo na bacia do Jaguaré Dados: Mapa Digital da Cidade (2014), Mapa Hidrográfico do Município (2015) e Uso do Solo - FCHT (2016) Elaborado por Associação Águas Claras do Rio Pinheiros, 2016
Hidrografia Espaço não aberto Viário Praças Área verde - viário Área verde - residencial Linhão Área verde - industrial Área verde - com./serv. Áreas pavimentadas Área verde livre
[fig. 29] Espaços abertos na bacia do Jaguaré Dados: Mapa Digital da Cidade (2014)e Mapa Hidrográfico do Município (2015) Elaborado por Associação Águas Claras do Rio Pinheiros, 2016
79
Áreas pavimentadas 4,0% Sistema viário 12,0% Espaço não aberto 51,0% Áreas verdes livres 27,0% Praças, jardins e canteiros 6,0%
80
[fig. 30] Gráfico de classificação dos espaços livres segundo tipologias de uso. Dados: Associação Águas Claras do Rio Pinheiros, 2016. Elaboração própria.
Para um diagnóstico do território, a Associação elaborou um mapa de uso e ocupação do solo a partir das categorias utilizadas pela Prefeitura de São Paulo, sendo elas: Residencial, Área Verde, Sistema Viário, Comércio e Serviço, Industrial, Favela e Massa d’água [figura 28]. A partir desse primeiro levantamento, as construções e espaços livres foram qualificados segundo sua tipologia [figura 29] e os usos segundo padrões de ocupação [figura 31]. Esta segunda análise permitiu que o estudo identificasse correlações mais claras entre padrões de uso do solo e a geração de cargas poluentes, além de indicar a real situação de permeabilidade da bacia e apontar possíveis locais de intervenção. Entre as contribuições mais importantes desse diagnóstico está a constatação de que praticamente metade da área da bacia (49%) se configura como espaço aberto. Ainda que parte disso corresponda ao sistema viário e grandes áreas pavimentadas, quase 1/3 do território é ocupado por superfícies permeáveis, o que chama a atenção considerando que a região é completamente urbana e inserida nos limites do Município de São Paulo. Segundo o relatório, a escolha pela bacia do Jaguaré como bacia-piloto se deu por diversos motivos, entre os quais a heterogeneidade dos padrões de ocupação urbana: coexistem favelas, áreas de classe média dotadas de infraestrutura relativamente boa, áreas industriais e áreas habitacionais de alto padrão, além de áreas de mata preservada. Essa bacia possui também áreas de ocupação típicas das zonas de expansão da metrópole: as periferias, onde a ocupação humana aconteceu antes mesmo que houvesse infraestrutura sanitária e urbanística, desconsiderando também a legislação ambiental. Esse histórico, somado à morosidade e descontinuidade dos investimentos públicos em saneamento básico, resulta em uma situação em que apenas parte do esgoto é coletado, e, na ausência de rede coletora, uma parcela considerável da população lança seus dejetos na rede de drenagem pluvial ou diretamente nos corpos hídricos, ademais, só parte do esgoto coletado é encaminhado à ETE correspondente, neste caso, Barueri. Em decorrência desses fatores, o que se vê é uma realidade hídrica comum tanto à bacia do Pirajuçara, como à do Jaguaré e outras tantas bacias hidrográficas em território
Hidrografia existente Comércio e serviço, Comércio e serviço Comércio e serviço, Área pavimentada Favela Industrial, Industrial Industrial, Área pavimentada Residencial, Horizontal, Baixo padrão Residencial, Horizontal, Médio Alto padrão Residencial, Vertical, Baixo padrão Residencial, Vertical, Médio Alto padrão Área verde, associada ao comércio e serviço Área verde, associada ao industrial Área verde, associada ao linhão Área verde, associada ao residencial Área verde, associada ao viário Área verde, praça Área verde, área verde
[fig. 31] Uso e ocupação do solo na bacia do Jaguaré Dados: Mapa Digital da Cidade (2014), Mapa Hidrográfico do Município (2015) e Uso do Solo - FCTH (2016); Elaborado por Associação Águas Claras do Rio Pinheiros, 2016
81
urbano: as águas superficiais encontram-se extremamente poluídas, carregando o esgoto de todo o território que atravessam, além de resíduos de correntes do lixo mal coletado, ruas mal varridas, entulho de construção civil e erosão de solos descobertos. Para reverter esse quadro é necessário restabelecer um equilíbrio hidrológico urbano, promover a qualidade da água e uma harmonia entre os rios e a cidade. Em função disso, o plano prevê a identificação, caracterização e avaliação da viabilidade de ações que visem: • Controlar e eliminar áreas de risco; • Avançar na coleta e no tratamento de esgoto; • Minimizar conflitos que impedem o uso múltiplo das águas;
82
[fig. 32] Córrego Água Podre, afluente do Jaguaré. foto: Globo/SP
• Minimizar enchentes e inundações reduzindo o escoamento superficial com a ampliação das áreas de infiltração e retenção a montante; • Controlar a carga poluente de primeira chuva antes que alcance os corpos d’água; • Controlar o lançamento inadequado de resíduo sólido; • Ampliar a cobertura vegetal para melhoria da qualidade do ar, das águas e do solo; • Fornecer habitat para a biodiversidade; • Melhorar a paisagem; • Criar áreas de lazer; • Melhorar a qualidade de vida da população.
Diagnóstico A caracterização e quantificação das fontes poluidoras que atingem um curso d’agua é um ponto essencial no desenvolvimento de um plano que vise a recuperação, conservação e
uso dos recursos hídricos. Portanto, além do diagnóstico físico-territorial e socioeconômico do território, a Fundação Águas Claras elaborou um estudo minucioso dos fatores que influenciam a qualidade das águas superficiais, a fim de montar um banco de dados eficiente para o projeto. Esse levantamento visa uma melhor compreensão da dinâmica das águas com o objetivo de amparar a definição das ações do plano. Primeiramente foram definidos pontos de monitoramento da qualidade da água a partir de diferentes mecanismos de coleta. A quantificação das cargas poluidoras foi realizada de forma a isolar as cargas advindas de territórios com diferentes tipologias de uso do solo urbano. Assim, os resultados podem ser replicados para regiões com semelhantes características de uso do solo:
ÁREA VERDE
[fig. 33] Gráfico de Coeficiente de exportação por tipologias de uso do solo. Dados: FCTH, 2016. Elaboração própria.
CARGA DE BASE DBO DQO FÓSFORO
RESIDÊNCIA
NITROGÊNIO AMONIACAL SÓLIDOS TOTAIS SÓLIDOS SUSPENSOS TOTAIS
COMÉRCIO E SERVIÇOS CARGA DIFUSA DBO INDÚSTRIA
DQO FÓSFORO NITROGÊNIO AMONIACAL SÓLIDOS TOTAIS
FAVELA
SÓLIDOS SUSPENSOS TOTAIS
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Hidrografia Área com coleta e ligação ao coletor-tronco Área com coleta e sem ligação ao coletor-tronco Área sem coleta
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[fig. 34] Esquema da situação de esgotamento sanitário. Dados: FCTH, 2016. Elaborado por Associação Águas Claras do RIo Pinheiros, 2016.
Também foi levantada a situação de esgotamento da bacia, classificando o território em as áreas de coleta ligadas ao coletor tronco, áreas de coleta sem ligação com o coletor tronco e áreas sem coleta de esgoto. No caso da bacia do Jaguaré, 16% da população reside em áreas não atendidas por coleta de esgoto, majoritariamente na tipologia de favelas. No entanto, apesar de 84% da população ser atendida pela rede de coleta, apenas 34% do esgoto coletado segue para a ETE Barueri. Dessa forma, metade do esgoto produzido no território é lançado diretamente nos corpos d’água do território. Como é possível ver no esquema ao lado [figura 32], a distribuição dessa infraestrutura segue a lógica de uma periferia menos abastecida, que coincide com as áreas ambientalmente mais frágeis: as nascentes. Ademais, este diagnóstico contou com um estudo hidrológico da região, desenvolvido através de dados de precipitação, vazão, permeabilidade do solo e fator de forma. Esse estudo foi complementado pela análise da situação sistema de drenagem e manejo de águas pluviais dessa bacia, que se deu através do levantamento da capacidade e localização de galerias e canais. Uma pesquisa histórica das inundações forneceu dados para a definição de pontos suscetiveis a alagamento. Já em relação à paisagem urbana, foram mapeadas as áreas de favela, obtendo 39 manchas. Segundo o relatório, a análise da situação habitacional indicou a tendência de ocupação de significativas áreas verdes por novos empreendimentos urbanos de alta densidade e por ocupações irregulares. Essa tendência é justificada pela nova Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS), uma vez que foram ampliadas as áreas de ZEIS, algumas em áreas de preservação ambiental. No diagnóstico foram levantados também os pontos viciados de descarte de resíduos sólidos, a frequência de varrição das ruas e de coleta de lixo. A partir disso, detectou-se uma grande deficiência nos sistemas de coleta e tratamento de resíduos. Como resultado, ainda que estes não sejam lançados diretamente nos cursos d’água, inevitavelmente acabam sendo direcionados à eles por meio da chuva, na forma de carga difusa.
Hidrografia existente Favela Áreas suscetíveias à inundações TR 100 anos Pontos de lançamento de esgoto Pontos viciados de resíduos sólidos Trecho supercrítico de qualidade da água Áreas críticas na produção de Sólidos Suspensos Totais: Crítico Supercrítico Áreas críticas na produção de Demanda Bioquimica de Oxigênio: Crítico Supercrítico
[fig. 35] Áreas críticas da bacia do Jaguaré Dados: Mapa Digital da Cidade (2014) e Mapa Hidrográfico do Município. Elaborado por Associação Águas Claras do Rio Pinheiros, 2015
85
A partir de uma quantificação in loco elaborada pela FCTH, se estima o descarte de cerca de 76 toneladas de resíduos sólidos por ano nos córregos da bacia do Jaguaré, o equivalente a 210 kg/dia. A maior parte desses resíduos é formada por plásticos (43,2%) ou orgânicos (34,3%). Considerando a porcentagem do descarte de metal (5,5%) e vidro (0,2%), praticamente metade dos resíduos sólidos despejados nos cursos d’água poderiam ter sido reciclados. Os levantamentos e diagnósticos desenvolvidos permitiram uma compreensão clara da dinâmica da degradação das águas. O produto final dessa análise é um mapa síntese [figura 35] que aponta áreas críticas e supercríticas a partir da sobreposição dos diversos dados levantados.
Proposta
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As soluções propostas têm por objetivo o controle e o tratamento das águas na própria bacia, e foram idealizadas de maneira a se inserirem na paisagem urbana e no contexto social da vizinhança. Os resultados foram separados em etapas de conclusão, com previsões para os anos 2025 e 2040. [figuras 37 e 38] Como proposta geral, foram adotadas as seguintes medidas não estruturais: [fig. 36] Situação existente e proposta para o córrego do Jaguaré, respectivamente a jusante e montante da praça Cesar Washington Alves de Proença. fonte: Associação Águas Claras do Rio Pinheiros, 2016
• Integração dos planos setoriais • Centralização do planejamento do saneamento básico • Compatibilização do planejamento de recursos hídricos com planejamento urbano e ambiental • Medidas de educação ambiental e de gestão de resíduos E as seguintes medidas estruturais: • Implementação de sistema de coleta seletiva em 100% da bacia até 2025, com índi-
ce de adesão de 80% até 2040. • Implementação do sistema de varrição mecanizada. • Implementação de sistema de conteinerização do lixo. • Adoção de sistema de contenção de resíduos sólidos nos corpos d’água (eco-barreiras)41 • Reestruturação de parte das galerias, de forma a promover o uso de estruturas de gabião ao invés do tradicional concreto no leito dos cursos d’água da bacia. [figura 36] • Implantação de parques lineares nas bordas dos córregos abertos, em especial em áreas sujeitas à inundação. • Implantação de reservatórios de armazenamento in line42 de caráter multifuncional agregando áreas verdes e de lazer ou off-line. Caso sejam off line, propõe-se que esses reservatórios não sejam como os “piscinões”. Nessa proposta, se prevê reservatórios vegetados, cuja profundidade máxima seja de 3m, desnível que pode ser absorvido pela paisagem, facilitando sua integração com o entorno. Caso haja possibilidade do reservatório ser fechado, o desnível pode ser maior, chegando a 12m, no entanto, sobre a laje deverão existir espaços públicos de esporte e lazer. • Aplicação de dispositivos LID (Low Impact Development)43 em 40% dos espaços abertos da bacia e ao longo das vias, como: Biovaleta (BV), Canteiro Pluvial (CP), Jardim de Chuva (JC) e Pavimento Permeável (PP), até 2040. • Implantação de seis wetlands44 no território da bacia, com o objetivo de tratar as cargas poluentes das águas superficiais. • Implantação de um parque alagável na confluência do córrego Jaguaré com a rodovia Raposo Tavares, cujo volume retido calculado é 46 mil m³. • Requalificação urbana de todas as favelas da Bacia.
41. Trata-se de uma estrutura flutuante que retém os resíduos sólidos nos cursos d'água. 42. Os reservatórios podem ser classificados em dois tipos: on line ou off line. No on line, o fluxo de água do reservatório está no nível do córrego, como uma lagoa permanentemente cheia e adjacente ao curso d'água. Já o off line só capta o excesso de água quando necessário, operando em paralelo ao rio. 43. Low Impac Development, ou desenvolvimento de baixo impacto, é um termo usado no Canadá e nos Estados Unidos para descrever uma abordagem de projeto urbano que visa o escoamento de águas pluviais através da infraestrutura verde. 44. Wetlands ou alagados construídos são sistemas artificialmente projetados que utilizam plantas aquáticas (macrófitas) para o tratamento de efluentes através de processos bioquímicos e físicos.
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Hidrografia existente Áreas verdes existentes Parques lineares Parques e praças Retrofit de áreas pavimentadas Outros espaços abertos Vias com LID Reservatório aberto off line Reservatório fechado off line Wetland Assentamentos
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[fig. 37] Cenário de revitalização paisagística: 2025 Dados: Mapa Digital da Cidade (2014), Mapa Hidrográfico do Município (2015) e Uso do Solo - FCHT (2016) Elaborado por Associação Águas Claras do Rio Pinheiros, 2016
Hidrografia existente Áreas verdes existentes Parques lineares Parques e praças Retrofit de áreas pavimentadas Outros espaços abertos Vias com LID Reservatório aberto off line Reservatório fechado off line Wetland Assentamentos
[fig. 38] Cenário de revitalização paisagística: 2040 Dados: Mapa Digital da Cidade (2014) e Mapa Hidrográfico do Município (2015) Elaborado por Associação Águas Claras do Rio Pinheiros, 2016
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No campo político-administrativo foi levantado a necessidade de se criar um órgão público responsável pelo planejamento e gestão dos recursos hídricos na Prefeitura, com ênfase no saneamento básico — aqui inclusos água, esgoto, drenagem e resíduos sólidos. Esse órgão trabalharia em conjunto com as secretarias executoras de projetos e obras: Secretaria Municipal de Habitação, cujo plano setorial deverá se manter integrado ao Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB); Secretaria Municipal de Serviços e Obras, responsável pelas obras de drenagem no município; e Prefeituras Regionais, competentes pela manutenção do território, incluindo o acompanhamento dos serviços de manejo de resíduos sólidos realizados pelas concessionárias, limpeza de reservatórios e galerias, ligação domiciliar nas redes de esgoto, Defesa Civil, dentre outros.
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Um novo recorte O plano se deu em duas escalas: a primeira considerou o perímetro total da bacia do córrego do Jaguaré, trabalhando a nível de concepção de projeto. Mas, em um segundo momento, os autores optaram pela escolha de um recorte menor: o da microbacia Nascentes do Jaguaré, em escala de anteprojeto. Essa escala permitiu a análise da viabilidade de aplicação das soluções que foram propostas na concepção da revitalização da bacia como um todo. A microbacia Nascentes do Jaguaré se localiza nas cabeceiras da bacia, na porção sudoeste do território, em uma área de 1,56 km². As cabeceiras são zonas extremamente importantes do ponto de vista ambiental, uma vez que abrigam os elementos formadores dos cursos d’água. Esse ecossistema é, portanto, fundamental para a manutenção dos recursos hídricos em termos de qualidade e quantidade das águas. Em relação à caracterização do território, é possível afirmar que a paisagem urbana é marcada por características periféricas, como a autoconstrução de unidades de baixo padrão construtivo ou padrão extremamente precário (favelas) e conjuntos habitacionais de
produção pública, na categoria Habitação de Interesse Social (HIS). Apesar de ainda existir quantidade expressiva de áreas verdes, essas áreas estão ameaçadas pelo processo de supressão da vegetação com fins de ocupação urbana, tanto por meio da implantação de assentamentos irregulares quanto pela pressão do mercado imobiliário. As propostas para essa área levaram em conta a conceituação do plano elaborado para a bacia do Jaguaré, portanto, se apresentam como desdobramentos dos assuntos já discutidos. De forma geral, foram estabelecidos diretrizes para diminuir a quantidade de resíduos sólidos e cargas poluentes. Entre as ações previstas estão: • Implantação de Estação de Tratamento de Esgoto Compacta Nascentes — ETEc Nascentes; • Implantação de infraestrutura de coleta de esgoto em toda a microbacia; • Adoção de varrição mecanizada em parte das vias, a fim de reduzir os resíduos advindos das cargas difusas; • Adoção do sistema de conteinerização subterrânea para coleta dos resíduos domiciliares e recicláveis; • Implantação de 6 mini ecopontos, de acordo com a identificação de locais com demanda; • Apoio a criação de 3 cooperativas de catadores de lixo; • Instalação de ecobarreira no leito do rio principal; • Controle de resíduos em galerias através da instalação de redes de nylon na desembocadura das galerias no leito do rio; • Implantação de duas bacias de sedimentação a montante do rio. Como método de projeto, foram determinadas três áreas-tipo que representam padrões distintos de ocupação não apenas da microbacia mas do conjunto geral. Essas áreas-tipo
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são: 1. Favela a ser urbanizada e regularizada; 2. Conjuntos Habitacionais Verticais (mínimo de 4 pavimentos); 3. Habitação Unifamiliar Horizontal (até 3 pavimentos). No caso da área 1, a proposta é que não sejam removidas todas as habitações em situação precária, mas que estas sejam dotadas de infraestrutura, como a ligação à rede de esgoto, abastecimento de água e coleta de lixo e assessoria técnica.
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A relocação de famílias é recomendada em situações de risco geotécnico ou quando a ocupação oferecer impactos negativos irremediáveis ao meio ambiente. Portanto, é previsto a remoção de habitações na faixa lindeira aos córregos, respeitando o limite mínimo de 7,5m a partir do eixo do curso d’água. Nos espaços abertos a serem criados a partir da remoção, se prevê a implementação de Biovaleta, Jardim de Chuva e Canteiro Pluvial por meio do redesenho urbano e paisagístico. Para as construções já existentes, recomenda-se que, caso haja possibilidade, sejam instaladas cisternas alimentadas por calhas desconectadas da drenagem e com capacidade suficiente para armazenar as águas dos telhados.
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[fig. 39] Intervenção na área tipo 1 fonte: Associação Águas Claras do Rio Pinheiros, 2016
As propostas para área 2 tratam majoritariamente de intervenções na escala do lote e do viário adjacente. Por se tratar de uma tipologia com grandes áreas pavimentadas para estacionamento (cerca de 1/3 da área total) é proposto a substituição do pavimento impermeabilizado por pavimento permeável. Essa medida, junto à implantação de canteiros pluviais, pretende verdejar os estacionamentos, transformando-os em espaços mais agradáveis aos moradores e ainda cumprindo uma função de drenagem das águas pluviais. A área 3 é caracterizada por habitação horizontal de médio e baixo padrão construtivo, no modelo de autoconstrução. Essa tipologia é também marcado pela existência de ruas inclinadas, devido à topografia acidentada das áreas de cabeceira, e ao tipo de traçado viário, que corta transversalmente as curvas de nível. Devido à inclinação das ruas, a maior parte
dos lotes possui rampa de acesso para veículos e essas rampas ocupam espaços destinados às calçadas, criando degraus que as tornam descontínuas. Assim, quanto maior for a inclinação da via mais acidentada é a calçada, o que dificulta a mobilidade de pedestres, em especial aqueles que têm mobilidade reduzida. É proposto para essas áreas a adoção da tipologia woonerf para as ruas. Essa tipologia prevê o convívio compartilhado entre ciclistas, motoristas, motociclistas e pedestres. Além disso, é possível a apropriação de terrenos ainda vazios ou subutilizados para a conversão em pequenos parques de bairro, também conhecidos como pocket-parks. Por fim, a última proposta do plano é a criação de um parque das águas, formado por meandros e ilhas. O objetivo desse parque é preservar as nascentes do córrego do Jaguaré e criar uma conexão, através de pontes de pedestres, entre importantes pontos da microbacia, como o CEU Uirapuru, a Av. Joaquim de Santana e o campo de futebol do bairro.
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[fig. 40] Intervenção nas áreas tipo 2 e 3 fonte: Associação Águas Claras do Rio Pinheiros, 2016
Análise Crítica O plano apresentou um diagnóstico completo e muito bem estruturado, que levou em consideração aspectos geográficos, econômicos e sociais do território. Além disso, foi adotada uma metodologia inovadora na análise da qualidade da água, fundamental para a compreensão da dinâmica das águas na metrópole de São Paulo. Assim, em razão da tecnologia empregada no processamento das informações levantadas, é possível replicar os resultados obtidos para outras bacias hidrográficas em situação de ocupação semelhante. As simulações matemáticas e a territorialização dos dados levantados influenciaram grandemente na proposição das diretrizes do plano, determinando pontos de intervenção — como no caso da disposição dos conteiners de lixo — ou a forma dos elementos — como o caso do parque alagável. Essas propostas tiveram como premissa a sobreposição de dados interdisciplinares coletados. É também interessante o planejamento de execução do plano, pois foram considera-
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[fig. 42] Perspectiva do Parque das Águas. fonte: Associação Águas Claras do Rio Pinheiros, 2016
das duas etapas de implantação, que resultaram em diferentes cenários temporais (2025 e 2040). Outro ponto relevante é a divisão do plano em duas escalas — da bacia como concepção e da microbacia como anteprojeto. Essa opção de metodologia permite elaborar alternativas mais específicas de intervenção, após um olhar macro do território e de suas problemáticas. Como pontos fracos desse estudo, é preciso destacar a baixa participação popular no desenvolvimento do projeto, ainda que o mesmo tenha sido elaborado por uma entidade da sociedade civil, que é a Associação Águas Claras do Rio Pinheiros. Apesar das parcerias entre essa entidade e os órgãos públicos, fica claro também que não há agente capaz de implantar tais propostas, sendo inclusive uma das orientações do plano a criação de um órgão dentro da Prefeitura de São Paulo que se encarregue da gestão dos recursos hídricos. A inexistência desse órgão determina a inexequibilidade do plano. Dessa forma, por se tratar de um estudo teórico e sem perspectiva de implementação, não é possível estimar os impactos reais no território e na população. Por fim, cabe ressaltar que trata-se de um plano focado na recuperação da qualidade hídrica e e de parcela das funções biológicas da água, portanto, ainda que existam diretrizes
para melhorias urbanas de caráter social, o estudo não é abrangente do ponto de vista do planejamento urbano Considerações finais Há grandes semelhanças na caracterização territorial da bacia do Jaguaré e do Pirajuçara, tanto em aspectos físicos como sócio-econômicos. Isso é resultado principalmente da localização dessas duas bacias, que, por serem vizinhas, estiveram sujeitas ao mesmo processo de ocupação além-rio. Apesar de existirem também diferenças relevantes, como a alta porcentagem de áreas permeáveis na bacia do Jaguaré e a existência de áreas de mata preservada em parte significativa das cabeceiras, as problemáticas encontradas nesses terrítórios são muito próximas, ainda que no caso do Pirajuçara se expressem em maior quantidade e extensão. O plano de revitalização da bacia do Jaguaré apresenta um diagnóstico complexo, que aborda uma série de dados interdisciplinares. Assim, a metodologia utilizada para o diagnóstico e para o desenvolvimento das diretrizes a partir da territorialização dos dados foi um modelo considerado na elaboração deste projeto. Ademais, as propostas para macro e microdrenagem são pertinentes a ambos os territórios e concentram estratégias que têm sido discutidas a nível internacional como medidas de fácil implantação e pouca interferência na paisagem urbana, diferente do que tem sido adotado nas grandes obras de macrodrenagem na região metropolitana de São Paulo.
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6. 2. Projeto Urbano Integral - Zona Nordeste de Medellín Caracterização do plano e do território Nas últimas duas décadas, Medellín foi palco de uma intensa transformação urbana e social, resultado do trabalho articulado entre urbanistas, políticos e população. Através de intervenções espaciais — principalmente em termos de mobilidade, inclusão social e territorial, combate à pobreza e à violência — Medellín deu um grande passo para resgatar áreas da cidade que até então haviam sido ignoradas. Como resposta, a cidade deixou de ser a metrópole mais violenta do mundo para se tornar um modelo em termos de gestão pública e inovação urbana, em especial para as cidades latino-americanas.
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45. ABRAMO, 2003 apud Empresa de Desarollo Urbano - EDU, p. 21, 2012.
Em decorrência dos processos de industrialização e êxodo rural, a América Latina vivenciou uma explosão urbana que em 40 anos (1950 - 1990) transformou profundamente o território. O histórico de ocupação das metrópoles latinas foi muito semelhante, envolvendo, sobretudo, a falta de uma infraestrutura física que arranjasse a população mais pobre em condições adequadas de moradia. Primero se construyen las viviendas, posteriormente se desarrolla la infraestructura vial y de saneamiento, y mucho después las dotaciones de equipamientos y espacios públicos.45 Esse processo de ocupação resultou no que se conhece hoje por cidade informal, que se caracteriza, principalmente, pela autoconstrução das moradias e do entorno, uma vez que o Estado ignorou, por muitos anos, a existência dessas localidades. Um olhar panorâmico para os assentamentos populares das grandes metrópoles latino-americanas deixa claro que a cidade informal tem sido a principal forma de acesso à habitação para a população mais pobre, e se dá, predominantemente, nas franjas urbanas. Las características de la ciudad informal tienen seguramente sus matices locales, pero comparten también un número importante de rasgos comunes
que se podrían agrupar en aspectos espaciales, ambientales, sociales, económicos y de gobernabilidad. Estos aspectos están marcados consecutivamente por la precariedad, el deterioro, la exclusión, la pobreza, la ilegalidad y la debilidad institucional.46 A população que habita esses espaços está sujeita a uma série de privações, causadas pela desigualdade social, pobreza e falta de oportunidades e agravadas pela exclusão espacial, em um ciclo que perpetua a situação de precariedade. Esse cenário caracteriza uma hostilidade da cidade para com seus cidadãos, e resulta, invariavelmente, em altos índices de violência urbana: segundo o relatório anual (2017) do Conselho Cidadão para a Segurança Pública e Justiça Penal (CCSPJP)47, 42 das 50 cidades mais violentas do mundo estão na América Latina.
O caso de Medellín Medellín é a segunda cidade mais povoada da Colômbia, atrás apenas da capital nacional, Bogotá. É o município-polo de uma área conurbada que possui mais de 3,5 mi hab: a região metropolitana do Vale do Aburrá, sobre as montanhas centrais da Cordilheira dos Andes. A topografia acentuada, somada à existência de uma grande quantidade de micro-bacias hidrográficas, resulta em uma rede hidrográfica mais centralizada do que difusa, formada pelos córregos que nascem nas montanhas e confluem diretamente no Rio Medellín. Historicamente, essa situação hidrográfica definiu o avanço da mancha urbana no território: Esta condición [hidrológica] ha permitido el avance de la urbanización, pues las quebradas han servido tanto de fuente de abastecimiento como de drenaje de aguas residuales.48 O rápido crescimento urbano impactou de maneira negativa o rio Medellín, afetando a qualidade de suas águas. Muitas das sub-bacias que alimentam esse rio apresentam uma
46. Empresa de Desarrollo Urbano — EDU, 2014, p. 16. 47. O Consejo Ciudadano para la Seguridad Pública y la Justicia Penal A.C. é uma organização da sociedade civil mexicana que busca denunciar o crime, a corrupção e a violência nas cidades. 48. Empresa de Desarrollo Urbano — EDU, 2014, p. 23.
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[fig. 43] Vista panorâmica da zona nordeste de Medelín. foto: Empresa de Desarrollo Urbano, 2011
situação socioambiental atrelada à ocupação da cidade informal. É possível identificar, portanto, uma série de problemas ambientais, como a ocupação desenfreada dos vales e das margens por construções e a diminuição das áreas verdes e permeáveis. Como consequência surgem inundações cada vez mais devastadoras, uma vez que as estruturas de drenagem são insuficientes para suportar a alta velocidade de escoamento, decorrente da impermeabilização dos solos e do alto número de resíduos sólidos encontrados nos córregos. O ritmo da urbanização da segunda metade do século XX esteve além da capacidade do Estado de prover soluções habitacionais. Como resposta, surge o mercado informal de terras nas franjas urbanas, com loteamentos desprovidos de infraestrutura mínima. A precariedade habitacional e de seu entorno, bem como a crescente violência urbana — decorrente do aumento do narcotráfico e da consolidação do crime organizado — demonstram a ausência da ação do Estado nos bairros periféricos. Essa situação está entre os catalizadores da crise sociopolítica que assolou a Colômbia na década de 80. Um dos os desdobramentos dessa crise foi o aumento brutal do número de homicídios, que conferiu à Medellín o título de cidade mais violenta do mundo.
A partir dessas circunstâncias e mediante a ação de movimentos populares que reivindicavam uma reforma política, se estabeleceu uma assembleia constituinte que defendia a busca da paz; a extensão da democracia e os direitos políticos, econômicos e sociais dos cidadãos; o fortalecimento e a re-legitimação do Estado e do regime político; e a busca de maior equidade. A década de 90 foi marcada, então, por uma série de transformações políticas decorrentes da constituição de 1991. A nova constituição promoveu a descentralização administrativa, iniciada na década de 80 com a eleição dos Alcaldes (prefeitos). Em 97 foi criado o Plano de Ordenamento Territorial (POT) que se tornou uma importante ferramenta para dar continuidade às políticas de desenvolvimento urbano mesmo que sob diferentes gestões. Esse instrumento reconhece que as transformações espaciais da cidade são processos a longo prazo, que não se limitam à uma gestão de governo. Cada gestão, portanto, estabelece marcos de ação cujas diretrizes estão traçadas no POT. A gestão dos anos 2004-2007 teve como premissa conhecer e reconhecer a cidade, para tal, foi elaborado um diagnóstico completo da situação urbana de Medellín. O diagnóstico se deu a partir de uma parceria entre a prefeitura e as principais universidades da cidade, apoiados na participação popular. Esse período correspondeu a uma compatibilidade entre o Estado, a academia e a iniciativa privada, com objetivos comuns: diminuir a desigualdade na cidade e recuperar a cidade informal da precariedade. O Urbanismo Social é o principal conceito aplicado no planejamento urbano de Medellín desde então. Essa ideologia busca retomar a essência do urbanismo: um instrumento de inclusão espacial e de equidade de acesso. Se baseia, portanto, no combate à pobreza, à exclusão, à desigualdade e à falta de crescimento econômico a partir de equipes multidisciplinares e ações integradas, que têm como propósito promover o desenvolvimento e a transformação física e social das zonas de maior marginalidade urbana. Nesse contexto, surgiram importantes marcos de inclusão da periferia, principalmente através da melhoria da mobilidade entre a cidade informal e o resto da metrópole. O prin-
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LINHA J METROCABLE
LINHA L METROCABLE INAUGURAÇÃO DO METRÔ
HOMICÍDIOS EM MEDELLÍN
LINHA K METROCABLE
LINHA MP1 METRÔ
PUI NOROESTE
[fig. 44] Gráfico da evolução dos homicídos em Medellín fonte: Empresa de Desarrollo Urbano, 2011
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49. O sistema de Metrocable foi inaugurado em 2004. É composto atualmente por 4 linhas em operação, que somam 13 estações e 10,7 km de extensão. 50. As escadas rolantes de San Javier, inauguradas em 2011, realizam um percurso vertical de 384 metros, o equivalente a um prédio de 30 andares. 51. Comuna é o termo utilizado na Colômbia para designar uma unidade adminstrativa da cidade, semelhante ao conceito de distrito.
cipal deles foi a implantação do Metrocable49, um sistema de teleféricos conectados às linhas de metrô. Outra importante intervenção na esfera da mobilidade urbana, embora mais recente, foi a implementação de escadas rolantes urbanas50 na Comuna51 San Javier, mais conhecida por Comuna 13. Essas iniciativas lidam de maneira criativa com a problemática existente: a difícil acessibilidade por meio de transporte convencional nas ladeiras da periferia, além disso, têm um importante papel social, pois a interferência no modo de se deslocar modifica também as relações que os cidadãos e os bairros estabelecem com a cidade e vice-versa. Entre os elementos estruturadores da gestão pública a partir do Urbanismo Social estão os Projetos Urbanos Integrados (PUI). Trata-se de um instrumento que trabalha as problemáticas específicas de áreas da cidade informal através de intervenções estruturais nas esferas física, social e institucional. O PUI propõe ações articuladas de gestão pública através de diferentes órgãos do governo e a execução e coordenação fica a cargo da EDU - Empresa de Desenvolvimento Urbano. Esses planos tem como meta:
• A participação da comunidade; • Recuperação da identidade local e do sentido de pertencimento dos habitantes das áreas de intervenção; • A identificação das potencialidades e deficiencias de novas áreas; • A presença articulada da administração municipal; • Promoção de espaços públicos para o encontro e convivência dos habitantes; • Fortalecimento do compromisso cidadão com o desenvolvimento da sua comunidade. A escolha pela comuna nordeste como primeira área a receber o PUI se deu principalmente pela vulnerabilidade social identificada na região, uma vez que esta possuia os mais baixos índices de desenvolvimento humano e qualidade de vida da cidade, além dos mais altos números de homicídios. Outro fator determinante para a definição desta área como objeto de intervenção foi a previsão de extensão do Metrocable para esse território. O desenvolvimento do PUI e a construção da linha K aconteceram de forma simultânea. Se viu, portanto, a possibilidade de articular projetos urbanos e programas estratégicos com o sistema de mobilidade urbana e assim realizar uma intervenção integral. É importante ressaltar que o metrocable não representa apenas um sistema de transporte. Trata-se de uma ferramenta de acesso e comunicação que incorpora a área de intervenção ao resto da cidade. Outro aspecto relevante é que o metrocable conduz o olhar para a periferia, outrora esquecida na paisagem urbana. Essa visão do território desperta nos cidadãos o sentido de pertencimento e identidade. Por esses motivos o metrocable se configura como um eixo estruturador do projeto e as estações da Linha K são tidas como centros estratégicos, a partir dos quais as intervenções são desenhadas. Essas intervenções podem ser definidas por seis componentes específicos: a participação popular, compreendida como um mecanismo de comunicação com a população; gestão interinstitucional, que implica na participação de diferentes secretarias municipais
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[fig. 45] Localização do PUI Nordeste na mancha urbana da Região Metropolitana do Vale do Aburrá, com destaque para os limites administrativos. Fonte: Laboratorio de Arquitectura y Paisage.
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[fig. 46] Vista a partir da Zona Nordeste de Medellín. foto: Empresa de Desarollo Urbano, 2011 52. Optou-se pelo uso do termo escadão para designar escadarias construídas em padrão precário que tem a função de promover o acesso de pedestres em áreas de desnível acentuado.
de governo; corresponsabilidade intersetorial, que prevê a participação da iniciativa privada, ongs e organizações comunitárias como parte importante do desenvolvimento dos bairros; qualificação dos espaços públicos e mobilidade: entendido como um primeiro passo para uma efetiva apropriação desses espaços pela população; implantação de equipamentos públicos educativos, culturais, de segurança, de lazer e de economia; e consolidação habitacional. Esses componentes podem ser resumidos como físicos, sociais e interstitucionais e compõe o que se conhece por projeto integral.
Diagnóstico O território está localizado nas bacias dos córregos la Herrera, Juan Bobo, Granizal, Francia, el Burro, la Seca, la Rosa, Villa del Socorro e Santa Cruz, todos afluentes diretos do Rio Medellín. Estas bacias apresentam baixa qualidade hídrica e altos níveis de poluição por resíduos sólidos e esgoto, assim como grande parte das sub-bacias deste rio. Em relação ao relevo, há declividades moderadas no trecho médio e baixo do território, enquanto a área de nascentes apresenta declividades muito altas, entre 40 e 60%. A morfologia do terreno tem sido um enclave na urbanização e também na conexão entre bairros.
Quanto à questão física, há quatro padrões de ocupação do território. O padrão tipo planejado é formado por ruas ortogonais com lotes retangulares variando entre 100 e 200m². O padrão orgânico se adequa à topografia e as dificuldades locais de maneira espontânea, resultando em lotes irregulares, de forma e tamanho distintos, que estão dispostos em ruas curvilíneas. No padrão misto há o agrupamento de quadras compactas e regulares que vão se adequando à topografia, no entanto de forma mais organizada do que orgânica. Por fim, o parcelamento invasivo implica na ocupação informal, sem ordem no posicionamento de ruas e quadras. Foram identificados também os diferentes tipos de traçado viário que compõe o tecido urbano, no caso: linear, de caráter ortogonal; em rede, que possui ruas irregulares com uma série de conexões, permitindo o acesso ao interior do bairro; e arbóreo, que pressupõe um eixo principal que se bifurca para dar acesso ao bairro. Além disso, as ruas foram classificadas segundo seu fluxo em vias arteriais, coletoras, locais, vias que devido à topografia são de difícil acesso para veiculos e também passarelas, escadões52 e vielas de uso exclusivo para pedestre.
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Quanto à habitação, o diagnóstico apontou que quanto mais a ocupação urbana adentra o territorio, se acomodando em áreas originalmente impróprias, observa-se uma piora das condições físicas das moradias, associdada também à uma precariedade urbana do entorno imediato, principalmente em termos de insalubridade. Resumidamente, a análise do território foi elaborada do ponto de vista físico-ambiental, socioeconômico e político-institucional, segundo a proposta do Plano Integral. O diagnóstico físico consistiu na identificação das potencialidades e problemáticas da área, assim como suas causas e consequências. O diagnóstico social levou em consideração dados de educação, saúde, segurança e renda, de forma geral, enquanto o diagnóstico interinstitucional levantou quais os planos e programas políticos já em andamento e quais setores do [fig. 47] governo teriam possibilidade de atuar no território. Como resultado foram identificadas as seguintes problematicas:
Comparação entre os diferentes tipos de traçao viário. 1. linear; 2. em rede; 3. árbóreo. fonte: EDU, 2011.
Problemática física: o estudo constatou que o território é ocupado de forma extremamente densa, majoritariamente por edificações de baixo padrão construtivo, muitas delas apresentando riscos estruturais ou más condições espaciais. A ocupação de áreas ambientalmente frágeis além de influir no ecossistema pré-existente gera situações de riscos geotécnicos como desabamentos e inundações. Foi detectado um déficit de espaços públicos qualificados e a insuficiência dos serviços públicos, em especial em termos de mobilidade urbana e a pé que resultam em muitas horas de deslocamento da população e em rivalidades entre bairros vizinhos desconexos.
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Problemática social: a população apresenta os piores indicadores sociais de Medellín em termos de desenvolvimento humano, qualidade de vida e, principalmente, segurança. O alto índice de violência está associado à falta de oportunidade e segregração social e espacial à qual essa população está sujeita, somado a um entorno que não promove a convivência entre moradores, nem reforça o sentido de pertencimento da comunidade. A cidade se apresenta de maneira hostil à essa população. Problemática institucional: é evidente que a presença do Estado nessa território é históricamente insuficiente, seja pela ausência de controle e fiscalização da ocupação territorial ou pela descontinuidade e desarticulação das políticas públicas.
Proposta A partir do diagnóstico foram definidas áreas que careciam de melhorias urbanas, como reforma ou criação de equipamentos públicos, recuperação ambiental, adequações de vias, remoção e/ou inserção de moradias e criação de pontes e conexões para veículos e pedestres. Foi elaborado, portanto, um plano diretor com as diretrizes urbanas e arquitetônicas para o projeto em questão. De forma geral, as diretrizes tiveram como objetivo a qualificação do espaço público, mobilidade e construção e a adequação dos serviços comunitários.
Hidrografia Consolidação de novas centralidades Melhoramento de espaços coletivos Áreas de recuperação da mata Construção de parques lineares Adequação de ruas principais Adequação de ruas secundárias Adequação de ruas de continuidade urbana Adequação e construção de caminhos de pedestre Adequação de ruas de conexão entre bairros Construção de pontes para veículos Construção de pontes para pedestres
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Plano de reassentamento e melhoramento de moradias Construção de novos edifícios Moradias de possível relocação e compra de prédios Edifícios de relocação Juan Bobo Estações do Metrocable
[fig. 48] Plano diretor PUI Noroeste Dados: Empresa de Desarollo Urbano, 2014 Elaboração Equipe EDU urbam EAF IT.
De acordo com o plano diretor foram definidas três áreas de intervenção, as quais correspondem ao entorno das estações do metrocable, tidas como centralidades estratégicas. Para cada área de intervenção foram propostas ações de desenho urbano condizentes com as potencialidades e problemáticas específicas daquele território, no entanto, de forma a compor um todo integrado. Essa conexão fica a cargo das estratégias de mobilidade, seja de pedestres, de veículos ou de transporte público. Nesse contexto, entende-se a linha K como eixo estruturador do projeto, ao qual se amarrariam os demais componentes da proposta.
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Hidrografia Área de intervenção Andalucía Área de intervenção Popular Área de intervenção Santo Domingo 1 Estação Acevedo 2 Estação Andalucía 3 Estação Popular 4 Estação Santo Domingo Sávio
[fig. 49] Áreas de Intervenção PUI Noroeste. elaborado por Equipe EDU - urbam EAF IT.
Para todas as áreas, as propostas foram elaboradas a partir da identificação de três tipos de espaço público: consolidados, residuais e sistema viário. Por espaço público consolidado se entende a pré-existencia de áreas cuja finalidade é o lazer e desfrute da população, como parques, praças, mirantes e outros. Por espaço residual, entende-se como espaços que não possuem proprietario nem função determinada. A área 1 - Andalucía corresponde a um território majoritariamente planejado, cujo traçado viário é regular do tipo linear-ortogonal. A rua é um elemento estruturante desse espaço, potencializando a intervenção nesse elemento. As faixas de rolamento apresentam seção super dimensionada, ao passo que as calçadas estão, em sua maioria, em condições precárias de manutenção, sob traçados descontínuos ou com seção reduzida. Além disso, se verifica a ausência generalizada de mobilário urbano e arborização. Os espaços públicos consolidados aparecem esporadicamente no tecido urbano, sendo notoriamente insuficientes. Além disso, os poucos espaços existentes estão em péssimas condições de manutenção, muitas vezes impedindo seu uso. Os espaços residuais, por sua vez, são espaços com grande potencial para a implementação de equipamentos públicos. No caso da área Andalucía, esses espaços são de tamanho reduzido e em sua maioria possuem uma topografia acentuada. Uma das propostas para a área de intervenção foi a implementação do Parque da Imaginação [figura 51] em um terreno identificado como espaço residual. Esse lote era anterior-
mente utilizado como depósito irregular de resíduos e palco de violentos conflitos sociais. A intervenção busca proporcionar um espaço de convivência e recuperar a ideia de espaço público como ponto de encontro. O terreno foi moldado a partir de rampas e taludes, que, no imaginário infantil, convertem-se em brincadeiras. Outro projeto relevante foi a readequação viária da Calle 107 [figura 50], principal eixo de atravessamento deste recorte. O projeto propõe a redefinição das seções viárias, diminuindo o espaço do carro para aumentar o passeio público. O objetivo dessa proposta é reconhecer a importância dessa via para a conexão do bairro, em especial para os pedestres. Indiretamente, essa intervenção influencia também a economia local, uma vez que dinamiza as atividades comerciais nesse eixo. Como complemento ao PUI, que focou em gerar e qualificar os espaços públicos na zona Nordeste, foi proposto o Projeto Piloto de Consolidação Habitacional do córrego Juan Bobo [figura 53], primeiro modelo de intervenção habitacional em assentamentos informais de Medellín. Para o projeto piloto foi desenvolvido uma metodologia própria de diagnóstico e projeto, que, assim como no PUI, considera a participação popular como premissa.
[fig. 50] Rua antes de intervenção na área Andalucía foto: John Octavio Ortíz, 2005
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[fig. 51] Parque da Imaginação: antes e depois. foto: EDU, 2006 e 2007. [fig. 52] Consolidação Habitacional Juan Bobo. foto: EDU, 2007. [fig. 53] Projeto de intervenção Área Andalucía. elaborado por Equipe EDU urbam EAF IT.
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Hidrografia 1 Paseio urbano calle 107 2 Consolidação habitacional Juan Bobo 3 Parque da Imaginação 4 Ponte mirante Andalucía 5 Ponte da paz Villa Niza 6 Centralidade Andalucía 7 Estação Andalucía
Este projeto teve como objetivo melhorar o padrão de habitação e restaurar ambientes urbanos e naturais. Isso se deu através da remoção de habitações em situação de risco geotécnico, assistência para as habitações existentes, construção de conjuntos habitacionais verticalizados, instalação de infraestrutura sanitária e qualificação da urbanização, através de melhorias no sistema viário existente, principalmente para a mobilidade a pé.
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[fig. 54] Rua de alta declividade em Popular. foto: EDU, 2005
A área 2 - Popular é formada pelos bairros Popular 1 e 2, Novo Horizonte e parcialmente pelo bairro Granizal. Os primeiros apresentam um parcelamento do tipo orgânico, enquanto o último apresenta um parcelamento misto. Nessa localidade, o crescimento desordenado do tecido urbano gerou situações onde as edificações parecem estrangular o sistema viário, dificultando o tráfego de veículos e também a mobilidade do pedestre. Dadas as condições topográficas — a região é marcada por desníveis acentuados, com declividades de até 40% — as ruas locais impedem ou limitam o acesso do carro, pois são muito inclinadas, estreitas, sinuosas e, às vezes, possuem degraus [figura 54]. De forma geral, as ruas se caracterizam pela ausência de calçadas, mobiliário e arborização. Como alternativa, o que se percebe é uma rede de escadões, vielas e pontes que adentram o bairro a partir das ruas principais. Na ausência do Estado, essa rede de mobilidade a pé foi construída predominantemente pelos próprios moradores, gerando irregularidades nessas instalações, em especial nos escadões, que apresentam degraus de altura diferente. Além disso, o processo de ocupação desse território preencheu quase que completamente as margens dos dois córregos que cortam a região: la Herrera e Santa Ana. A escassez de espaços livres condiciona a um projeto de requalificação dos poucos espaços residuais existentes, geralmente onde o sistema de mobilidade a pé se encontra com as adversidades naturais. Dessa forma, as intervenções no território foram propostas a fim de melhorar a mobilidade do pedestre. Foram refeitos alguns escadões e a calçada das principais vias da região. Foram propostos também uma série de praças e mini-parques para estimular o lazer da população.
A principal proposta para essa porção do território foi a implantação do Parque Linear do Córrego La Herrera [figura 5]. Esse projeto teve como objetivo a recuperação do corpo d’água que atravessa transversalmente a área de intervenção. Esse córrego apresentava um alto nível de contaminação das águas e a presença de construções em toda a sua margem. Para a implementação do parque, foram removidas e realocadas 125 famílias em situação de risco. O projeto buscou, portanto, a reapropriação dos espaços invadidos para articular ao longo do trajeto do córrego áreas de recuperação ambiental e também áreas de lazer ativo para a população. O parque ocupa uma área de cerca de 2.500 m², possuí 3 quadras esportivas, um terraço de jogos, piscinas comunitárias e espaços de jardim. É estruturado através de escadarias e mirantes, tornando-se um importante eixo para os pedestres. Este projeto especificamente tem um papel importante na recuperação da relação da população com a água. Ainda que não seja possível a apropriação direta do curso d’água, devido as condições de contaminação do mesmo, a intervenção estabele uma relação entre o traçado do rio, hoje canalizado, e as piscinas comunitárias, tornando-se também um ponto de encontro, lazer e descontração na periferia.
[fig. 55] Balcón del Ajedrez antes e depois da intervenção. foto: EDU, 2005
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[fig. 56] Parque linear córrego La Herrera. foto: EDU, 2011 [fig. 57] Balcón del Ajedrez. foto: EDU, 2011. [fig. 58] Projeto de intervenção Área Popular elaborado por Equipe EDU urbam EAF IT.
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Hidrografia 1 Parque linear cรณrrego La Herrera 2 Parque do Ajedrez 3 Paseio urbano carrera 42B 4 Parque lavaderos comunitรกrios 5 Parque local Pablo VI 6 Parque los Pozos 7 Estacรฃo Popular
A área 3 - Santo Domingo compreende o bairro Santo Domingo Savio I e parcialmente os bairros Novo Horizonte, Santo Domingo Savio II, Carpinelo e Granizal. Nesse recorte, a ocupação do território foi limitada a leste pela presença do Morro Santo Domingo. Esta barreira topográfica dificulta, ainda hoje, a relação do bairro com as áreas 1 e 2, por isso, o principal meio de acesso à essa área é a Carrera 31A que vem do centro da cidade de Medellín, à direita dos morros e montanhas do território. O traçado viário é do tipo misto, apresentando-se mais regular do que os da área 2, no entanto, não tão regulares quanto na área 1. Um ponto interessante é a existencia de um espaço intermediário entre calçada e rua, seja na forma de jardins ou mini-taludes, conforme a topografia da seção. Além disso, as seções são mais generosas do que no território 2, portanto, há uma possibilidade de intervir no desenho urbano dessas vias. [figura 59]
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[fig. 59] Calle 106 antes da intervenção. foto: EDU, 2004.
Assim como na área 2, esse território apresenta uma série de escadões e vielas que possibilitam o acesso do pedestre ao interior do bairro, mas limitam o fluxo de veículos. No morro Santo Domingo há de se destacar a presença de trilhas criadas pelos moradores para facilitar o acesso aos pontos de interesse. Em relação aos espaços consolidados, verifica-se a existência de alguns poucos parquinhos infantis, todos em péssimo estado de conservação, e um campo de futebol. que se configura como uma centralidade. O projeto em questão compreende a addequação viária das conexões principais e secundárias, além da construção de parques e praças. Entre os projetos urbanos implantados se destaca a construção do Parque-Biblioteca Espanha [figura 60], parte de um plano municipal cujo objetivo foi promover a educação e lazer na periferia através de edifícios de estudo, formação e integração comunitária. No caso do Parque-Biblioteca Espanha, o projeto foi desenhado com a finalidade de se tornar um marco arquitetônico que se destacasse na paisagem da cidade. Outro projeto interessante foi a construção de um Centro de Desenvolvimento Empresarial Regional— o CEDEZO, que funciona como uma incubadora de empresas da periferia. Esse edifício foi implantado no Parque da Candelária, nas proximidades da Estação Santo
Domingo. O parque tornou-se uma centralidade local, pois concentra o transporte público de massa, promove um espaço de encontro da população e oferece ainda cursos e oficinas administradas pelo CEDEZO. Tendo visto a pré-existencia do campo de futebol, o projeto promoveu uma qualificação desse espaço e a criação de uma infraestrutura para atender esse uso, como a construção de arquibancada, vestiários, banheiros e salas. Trata-se da consolidação desse setor como um centro recreativo regional. Por fim, foi proposto a readequação viária da Calle 106, que conecta importantes pontos do projeto, como a estação Santo Domingo, o Parque da Candelária, o Parque Infantil e Mirante, a Biblioteca e o CEDEZO. Essa readequação prioriza a mobilidade a pé e considera a necessidade de incluir mobiliário urbano e arborização no sistema viário. Assim como na intervenção Calle 107, da área 1- Andalucía, essa intervenção teve influência direta na economia local, pois dinamizou as relações de comércio.
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[fig. 60] Parque Biblioteca España na paisagem urbana. foto: Mike Leus, 2015. [fig. 61] Estação Santo Domingo, Parque da Candelária e CEDEZO. foto: EDU, 2006.
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[fig. 62] Intervenção Centro esportivo Granizal. foto: EDU, 2008 [fig. 63] Intervenção Parque Infantil e Mirante.foto: EDU, 2008 [fig. 64] Projeto de Intervenção área Santo Domingo elaborado por Equipe EDU urbam EAF IT..
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Hidrografia 1 Parque Biblioteca España 2 Parque infantil e mirante 3 Passeio urbano calle 106 4 Restaurante Santo Domingo 5 Parque da Candelaria 6 Centro esportivo Granizal 7 Estação Santo Domingo
Análise crítica: O que mais chama a atenção desse plano é o fato dele ter sido executado em sua totalidade. Hoje, cerca de uma década depois, ainda é possível verificar os impactos dessas propostas na qualidade de vida dos moradores.
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Algumas circunstâncias possibilitaram essa execução: a primeira delas foi o estabelecimento de uma administração municipal comprometida com a integração socioeconômica da periferia e a continuidade desse pensamento na gestão subsequente, assim como a renovação da equipe técnica e sua articulação com a academia. A segunda diz respeito à situação econômica favorável em que se encontrava a Colômbia naquele momento, devido, principalmente, à prosperidade da economia internacional e ao enfraquecimento dos grupos guerrilheiros. Por último, se destaca a existência de um fundo municipal sólido, que possibilitou a efetivação das propostas em um período relativamente curto para o planejamento urbano. Um dos pontos chave para o sucesso do plano foi a participação ativa da população, tanto na elaboração do diagnóstico como no desenvolvimento do projeto. A participação popular fortalece o sentimento de pertencimento e a criação de uma identidade local, além de garantir maiores índices de satisfação para com as intervenções. Esse método intensifica ainda as relações entre a comunidade. Do ponto de vista físico, foram adotadas estratégias com diferentes escalas de impacto, mas que são igualmente importantes para o sucesso do plano como um todo. Dessa forma, tanto a implantação da linha K do metrocable, que criou novas relações de deslocamento em toda a área; quanto os parques infantis, salpicados pelo território, e o Parque-Biblioteca, marco arquitetônico de cárater único, têm seu papel na transformação urbana e social. O conceito de intervenção integral, no qual se insere o PUI Nordeste, está relacionado à complexidade da cidade informal, que requer intervenções que articulem o físico, o social e o político, a partir de ações que atuem em âmbitos diversos, como espaço público, equi-
pamentos comunitários, mobilidade e meio ambiente com o mesmo vigor. A integralidade proposta representou uma importante mudança no jeito de atuar da gestão municipal, tendo visto que até então as ações eram encomendadas à diferentes órgaos de gestão que trabalham de maneira desarticulada. Há de se ponderar que apesar de o diagnóstico levantar a questão do meio ambiente e poluição da água, isso pouco aparece nas propostas. Não foram exploradas, por exemplo, soluções para a coleta e tratamento do esgoto na escala adotada. No entanto, é preciso considerar que o PUI é formado por diferentes escalas de projeto e a questão do saneamento básico aparece em outros estudos, como o da reurbanização do vale do córrego Juan Bobo, pertencente à área 2, que foi analisado superficialmente para esse estudo de caso.
Considerações finais: É evidente que Medellín é um exemplo de transformação urbana e social, não apenas pela execução do PUI Nordeste, mas também por outras estratégias adotadas na cidade como um todo. Há duas décadas Medellín apresentava um quadro comum às metrópoles latino-americanas, mas a partir do comprometimento político e da implantação de propostas
[fig. 65] Ponte Mirante Andalucía foto: EDU, 2008
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criativas a situação social e urbana tem evoluído de maneira impressionante. A adoção do sistema de teleféricos e de escadas rolantes para a mobilidade urbana são medidas inovadoras e inesperadas para questões que há muito tempo prejudicam as relações na cidade. Considerando que as medidas aplicadas na cidade formal nem sempre têm o mesmo resultado na cidade informal, esse tipo de proposta é interessante pois pressupõe a necessidade de se pensar estratégias específicas para os problemas da periferia.
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Outra solução interessante é a adoção de piscinas públicas e comunitárias para retomar a relação da população com a água onde antes corria um rio limpo. Essa medida, aplicada no Parque Linear do córrego La Herrera, é uma alternativa às grandes propostas de renaturalização dos cursos d’água em território urbano, e, além disso considera os conflitos existentes entre meio ambiente, lazer e habitação. Essas soluções se configuram como um modelo de intervenção a ser seguido no Plano da bacia do Pirajuçara, pois consideram alternativas criativas para lidar com a realidade periférica e as problemáticas envolvidas. Por fim, a descentralização dos equipamentos públicos — de educação, lazer, esportes e de desenvolvimento econômico — proporcionada pelo projeto é um avanço importante na consolidação das centralidades periféricas. Historicamente a população mais pobre esteve sujeita a uma série de exclusões, entre elas a territorial, pois se perpetuou uma situação de um centro que acumula a infraestrutura, versus uma periferia que concentra a força-de-trabalho mais barata. O fato de se adotar o sistema de mobilidade e conectividade urbana como eixo estruturador do projeto deixa ímplicito que o maior motor das transformações sociais é o acesso, não apenas à cidade, mas à saúde, educação, informação e cultura.
[fig. 66] Escadas rolantes da Comuna 13. foto: EDU, 2015
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Diagnóstico e objetivos 122
O estudo deste recorte a partir de seu histórico de ocupação e da caracterização é essencial para a elaboração de um diagnóstico coerente, pois é a síntese das informações levantadas nessas etapas que nos permite estabelecer quais são as questões, conflitos e potencialidades mais relevantes de um território Entre os conflitos observados na bacia do Pirajuçara, destacam-se os de cárater ambiental, em especial os relacionados à ineficiência do sistema de saneamento básico e à degradação hídrica. Entre eles, o despejo de esgoto no sistema de águas pluviais e fluviais, que se dá tanto a partir de ligações clandestinas quando por meio da própria SABESP, uma vez que a rede de coletores tronco é insuficiente e apresenta falhas de conexão. Outra situação de conflito é a existência de favelas nas beiras dos córregos, o que configura uma situação de risco ambiental e social, já que aumenta chances de erosão do solo, inundações e de transmissão de doenças — através de água contaminada, insetos e roedores. A insalubridade característica dessas áreas se repete nas proximidades dos piscinões, que se apresentam como espaços mal-cheirosos, sub-utilizados do ponto de vista urbano e de escala incompatível com o entorno.
Apesar do grande número de piscinões existentes, os alagamentos ainda são recorrentes em pontos estratégicos da bacia e causam grandes transtornos na mobilidade urbana, dado que a maior parte das viagens acontecem por veículo motorizado individual ou coletivo. O sistema viário apresenta ainda conflitos hierárquicos entre carro e pedestre, em especial na rodovia Régis Bittencourt, que corta a cidade de Taboão em um trecho nitidamente urbano. Seu encontro com as demais estruturas viárias (Av. Francisco Morato e Estr. do Campo Limpo) coincide com uma das praças mais importantes da cidade, historicamente palco de manifestações e que tem, por si só, caráter centralizador. Com a construção do piscinão Eliseu de Almeida e as remodelações viárias decorrentes, essa praça perdeu este caráter, passando a ser apenas um espaço de passagem, tanto para carros quanto para pedestres. No geral, este território é marcado por uma carência de emprego formal e pela baixa diversificação das atividades locais, o que impõe aos habitantes deslocamentos pendulares em direção ao centro expandido de São Paulo. Esses deslocamentos são motivados também pela falta de opções de lazer, cultura e educação. No entanto, a mobilidade urbana entre periferia-centro ainda é deficiente, demorada, desconfortável e cara. Portanto, pode-se dizer que grande parte desse território, assim como outros tantos na metrópole, se caracteriza pela exclusão territorial, em uma situação de confinamento urbano. Outro ponto a destacar é a quase inexistência de espaços livres na porção sudoeste da bacia, que coincide com as áreas mais demográfica e urbanamente densas. Nessa porção há uma demanda por equipamentos de lazer e espaços verdes, já que é uma área que não possui parques ou praças relevantes. A APA Roque Valente é uma potencialidade nesse sentido, contudo é também uma área a ser preservada, devido sua importância ecológica. As demais potencialidades são decorrentes da concentração de equipamentos relevantes, eixos comerciais emergentes e estações ou terminais de transporte público. São potencialidades na medida em que possibilitam a consolidação de centralidades locais, estruturadas através de um sistema de mobilidade urbana que permita um deslocamento seguro e confortável a partir de diferentes modais, inclusive a pé.
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O que se pode inferir até aqui é que a situação da bacia do Pirajuçara reflete problemáticas de ordem urbana, social, habitacional, econômica e ambiental de maneira associada, de tal forma que um mesmo conflito pode ser analisado sob diferentes perspectivas, pois interfere em mais de uma esfera. É um reflexo das relações que ocorrem na cidade. Apesar de existir uma separação funcional em termos de gestão, bem como para defender os interesses específicos de cada domínio, o ideal é que toda intervenção seja pensada de maneira articulada, intersetorial. O que se busca nesse plano, portanto, é estabelecer uma harmonia entre as demandas de cada setor para que se atinja uma cidade, ou metrópole, sustentável.
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Entre os objetivos específicos, está o de promover o direito à cidade através do acesso à cultura, lazer e educação e reestruturar a paisagem, o tecido urbano e os espaços públicos. Como observado no estudo de caso de Medellín, estas são ferramentas eficazes para melhorar as relações de uma comunidade entre si e com a própria metrópole, resultando em intensas transformações sociais. Além disso, é necessário pensar alternativas para estimular a econômia local, evitando deslocamentos desnecessários. No entanto, deve-se também considerar as relações o território estabelece com o centro, e, entendendo essa relação como inerente, buscar soluções que facilitem a transposição do Rio Pinheiros a partir de diferentes modais. Apesar da maior parte dos deslocamentos na bacia se dar por transporte motorizado, seja individual ou coletivo, é importante lembrar que todas as viagens começam e terminam a pé. Isso reforça a necessidade de adequação dos espaços de circulação, especialmente das calçadas, que apresentam péssimas condições nas vias de maior declividade. Se espera conseguir facilitar a conexão entre equipamentos próximos, de forma a fortalecer as centralidades existentes e/ou emergentes. Sobretudo, esforços devem ser feitos no sentido de recuperar áreas ambientalmente degradadas, retomando sua importância ecológica e cultural. No caso dos rios, portanto, se prevê a retomada do espaço das várzeas, a fim de servirem de uso coletivo e lazer. É também necessário reduzir as fontes geradoras de poluição — principalmente através da univer-
[legenda] Parques municipais Área de Proteção Ambiental Área vegetada Bairros jardim Mancha de Inundação Piscinões existentes Curso d'água natural Curso d'água canalizado a céu aberto Via macrometropolitana Via metropolitana Estação de metrô/ linha 4-amarela Estação de metrô em obras/ linha 4-amarela Estação de metrô planejada/ linha 4-amarela Estação de metrô/ linha 5-lilás Estação de metrô/ linha 1-azul Estação de metrô/ linha 2-verde Estação de metrô/ linha 3-vermelha Estação de trem/ linha 9-esmeralda Estação de trem planejada/ linha 17-ouro Terminal de ônibus SPtrans Terminal de ônibus EMTU Rota de ônibus limite da bacia do Pirajuçara limites municipais
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salização do sistema de coleta e descentralização do sistema de tratamento de esgotos — e o estudo de soluções alternativas de despoluição das águas. De forma geral se busca ações de melhoria das condições de vida da população, em especial as que apresentam maior vulnerabilidade social, através da harmonia da relação emprego/moradia e do acesso universal à educação, saúde, cultura, saneamento e habitação. Assim, se define os seguintes objetivos gerais:
[mapa 14]
MAPA SÍNTESE [base cartográfica] BASE DE LOGRADOUROS DA RMSP, CEM, 2018. REDE DE DRENAGEM DA RMSP, CEM, 2017. LIMITES MUNICIPAIS, IBGE, 2015. [fonte] CENÁRIO DE MOBILIDADE URBANA SOB TRILHOS 2030, CPTM, 2018. SISTEMA VIÁRIO PRINCIPAL, EMPLASA, 2018. TERMINAIS URBANOS, SPTRANS, 2018. CORREDORES DE ÔNIBUS, SPTRANS, 2018.
126
FAIXAS EXCLUSIVAS DE ÔNIBUS, SPTRANS, 2018. AGLOMERADOS SUBNORMAIS, EMBU, IBGE, 2010. (Atualizado para 2018.) ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS, TABOÃO DA SERRA, SEHAB, 2018. FAVELAS, SÃO PAULO, SEHAB, 2016.
[fig. 67] Localização das áreas de intervenção (página ao lado). elaborado pela autora
QUALIFICAR O ESPAÇO URBANO E A PAISAGEM
MELHORAR AS CONDIÇÕES HABITACIONAIS
RETOMAR A RELAÇÃO DA POPULAÇÃO COM A ÁGUA.
Recuperar e preservar áreas ambientalmente frágeis; promover conexões ecológicas; priorizar modais não-motorizados de transporte; promover espaços públicos de qualidade.
Reduzir situações de risco ambiental e/ou social; ampliar o acesso à infraestrutura urbana nas áreas carentes de urbanidade; reduzir o défict habitacional e qualificar as habitações existentes.
Promover a apropriação das várzeas como espaço público; propor soluções alternativas de drenagem e o uso múltiplo dos reservatórios existentes; reduzir fontes poluidoras e estudar soluções de despoluição.
PROMOVER O DIREITO À CIDADE
MELHORAR A CONECTIVIDADE URBANA
ESTIMULAR A ECONOMIA LOCAL
Criar e estimular centralidades culturais, educacionais e de lazer na periferia, articuladas com o sistema de mobilidade urbana; reforçar a identidade periférica e o sentido de pertencimento da comunidade;
Promover um sistema de mobilidade urbana inclusivo e abrangente; facilitar deslocamento internos e externos; priorizar a mobilidade do pedestre, em especial no trajeto entre equipamentos públicos.
Estimular as centralidades comerciais existentes, conectando-as ao sistema de mobilidade urbana e relacionando-as às centralidades culturais. Ampliar a oferta de emprego.
PISCINÕES EXISTENTES E PROPOSTOS, DAEE, 2018. MANCHA DE INUNDAÇÃO NA BACIA DO PIRAJUÇARA, DAEE, 2013. ÁREAS VERDES DA RMSP, CEM, 2018. USO E OCUPAÇÃO DO SOLO, EMPLASA, 2013 (Atualizado para 2018). REDE DE DRENAGEM DE SÃO PAULO, FCTH, 2015. REDE DE DRENAGEM DE TABOÃO DA SERRA, TABOÃO DA SERRA, SEHAB, 2018. REDE DE DRENAGEM DE EMBU, EMBU, SECRETARIA DE PLANEJAMENTO E MEIO AMBIENTE, 2016. [organização própria]
Km
De acordo com as potencialidades percebidas no território, foram estabelecidas três áreas de intervenção estratégica, onde se entende que ações pontuais teriam impacto radial. A primeira delas, Nascentes, compõe a porção mais periférica da bacia. Como já foi visto, é uma área de alta vulnerabilidade urbana e pouca infraestrutura. Contém a APA Roque Valente, gleba com relevante importância ecológica, que encontra-se sob domínio público municipal, no entanto sem uso. É também onde está o Terminal Metropolitano Casa Branca, ponto final de linhas com destino à Pinheiros e ao Capão Redondo.
A segunda, Largo do Campo Limpo, é uma centralidade cultural emergente, por conter em si o CEU Campo Limpo, a Praça do Campo Limpo, a sede da ONG Projeto Arrastão e estar articulada ao sistema de transporte público através do Terminal Campo Limpo, um dos mais movimentados da capital. Trata-se de um território onde o leito do rio está aberto, portanto há possibilidade de intervenções que permitam a aproximação da população para com o curso d'água.
Por fim, o Largo do Taboão apresenta as maiores possibilidades de intervenção de ordem econômica, tanto por sua localização, na confluência dos principais eixos viários, quanto pela sua ocupação comercial em terrenos de grande porte. É também uma área que concentra dois parques: Eucaliptos e Chácara do Jockey.
127
SÃO PAULO
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BAIXO PIRAJUÇARA VULNERABILIDADE BAIXA E BAIXÍSSIMA
[fig. 68] Localização das áreas de intervenção. elaborado pela autora
TABOÃO DA SERRA MÉDIO PIRAJUÇARA VULNERABILIDADE MÉDIA E ALTA EMBU DAS ARTES ALTO PIRAJUÇARA VULNERABILIDADE ALTA E ALTÍSSIMA
[legenda] Parques municipais Área de Proteção Ambiental Área Institucional Centralidades comerciais Mancha de Inundação TR 25 anos Mancha de inundação TR 50 anos Mancha de inundação TR 100 anos Curso d'água natural Curso d'água canalizado a céu aberto Via macrometropolitana Via metropolitana Estação de metrô/ linha 4-amarela Estação de metrô em obras/ linha 4-amarela
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Estação de metrô planejada/ linha 4-amarela
terminal casa branca
Terminal de ônibus SPtrans Terminal de ônibus EMTU Rota de ônibus
apa roque valente piscinão
[mapa 15]
ÁREA 1 NASCENTES [base cartográfica] BASE DE LOGRADOUROS DA RMSP, CEM, 2018. IMAGEM DE SATÉLITE, ESRY GEOEYE, 2018. [organização própria]
Km
[legenda] Parques municipais Área de Proteção Ambiental Área Institucional Centralidades comerciais Mancha de Inundação TR 25 anos Mancha de inundação TR 50 anos Mancha de inundação TR 100 anos Curso d'água natural Curso d'água canalizado a céu aberto Via macrometropolitana Via metropolitana Estação de metrô/ linha 4-amarela
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Estação de metrô em obras/ linha 4-amarela Estação de metrô planejada/ linha 4-amarela Terminal de ônibus SPtrans Terminal de ônibus EMTU Rota de ônibus
terminal campo limpo
piscinão [mapa 16]
largo do campo limpo
ÁREA 2 LARGO DO CAMPO LIMPO [base cartográfica] BASE DE LOGRADOUROS DA RMSP, CEM, 2018.
ceu campo limpo
IMAGEM DE SATÉLITE, ESRY GEOEYE, 2018. [organização própria]
Km
[legenda] Parques municipais Área de Proteção Ambiental Área Institucional Centralidades comerciais Mancha de Inundação TR 25 anos Mancha de inundação TR 50 anos
pq. chácara do jockey
Mancha de inundação TR 100 anos Curso d'água natural
Curso d'água canalizado a céu aberto Via macrometropolitana Via metropolitana Estação de metrô/ linha 4-amarela Estação de metrô em obras/ linha 4-amarela
piscinão largo do taboão
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Estação de metrô planejada/ linha 4-amarela Terminal de ônibus SPtrans Terminal de ônibus EMTU Rota de ônibus
estação projetada
estação ÁREAprojetada 3 [mapa 17]
piscinão
LARGO DO TABOÃO [base cartográfica] BASE DE LOGRADOUROS DA RMSP, CEM, 2018. IMAGEM DE SATÉLITE, ESRY GEOEYE, 2018.
pq. dos eucaliptos
[organização própria]
Km
SÉRIE FOTOGRÁFICA identidade local Um dos desdobramentos desse trabalho foi a realização de uma série fotográfica cujo objetivo era retratar quem são e como vivem os moradores da bacia do Pirajuçara nos diferentes trechos geográficos. Como resultado, esperava-se evidenciar as diferenças estéticas entre os trechos, embora o trecho médio apresente características mais próximas do trecho alto do que do trecho baixo.
132
[fig. 69] Série fotográfica retratando as casas e os moradores da bacia do Pirajuçara nos trechos alto, médio e baixo (páginas 131,132 e 133). fotos da autora, 2018.
As fotografias são retratos das pessoas e de suas casas. É interessante ressaltar que quase todos os moradores dos trechos alto e médio participaram ativamente na construção de suas próprias residências e posam orgulhosos. Nesses territórios, todas as famílias convidadas responderam positivamente, e o comentário geral era que apesar de terem muitas fotos ao longo da vida, não tinham uma na frente da casa, um elemento tão importante. Nessa ocasião, os moradores mais antigos da residência (avós e avôs, pais e mães) contavam como foi a construção da casa, as reformas e de como o entorno mudou ao longo do tempo. Assim, a experiência foi também uma forma de fortalecer o vínculo da população com seu bairro. A dificuldade de contato com os moradores do trecho baixo, claramente a porção mais nobre do território, resultou no retrato apenas de casas. Algumas das famílias contatadas relataram ter medo de se expor dessa forma. O mosaico dessas fotos aparece nas páginas seguintes A disposição e frequência com que preenchem o espaço da página é uma alusão à densidade demográfica de cada um dos trechos. Cabe destacar que as áreas de intervenção representam recortes menores do território, enquanto a série buscou retratar bairros diferentes dentro do mesmo trecho sócioeconômico. Mais informações sobre as divisões de renda, densidade e vulnerabilidade social, consultar páginas 69 a 73, no capítulo Caracterização do território.
JD. YOLANDA | MAGDA, EXPEDITO E CELINA
PQ. LAGUNA | ROBSON E CAYLA
JD. DOS MORAES | ERICK, LÚCIA E MIRELLA
JD. LAILA | LUCIANA E MELISSA
JD. LAILA | ZÉ, MANU, MARIA E LÚCIA
JD. SANTA TEREZA | CAMILLA, CARLOS, VINÍCIUS E DADMA
JD. SANTA TEREZA | ANDREA E VANDEIR
JD. LAILA | GLAUCIARA
JD. LAILA | SILVIA
JD. SANTA TEREZA| GENILDA
JD. SANTA TEREZA | DANIEL
JD. SANTA CECÍLIA| ANTÔNIO, MÁRCIA E GUILHERME
CAMPO LIMPO| YOSHIMI, ERICK E CARMEM
PARQUE PINHEIROS| LARISSA, MIGUEL E LUCIENE
JARDIM UMARIZAL | LUCIANA, MARIA E EMANUEL
PARQUE MONTE ALEGRE| PENHA, GIOVANNA, GILMAR E XANDE
JARDIM HENRIQUETA| MEIRE, GABRIELLE E CARLOS
JARDIM UMARIZAL| KARINA, NICK, LILIA, JAILDE, DRIELY E GIOVANNA
PARQUE REGINA | DANI, RUFUS, ANDRÉ, NANÁ, MENINA, CRISTINA , JUCA E LUKE
JARDIM MARIA ROSA| REINALDO, NÁDIA E GIOVANA
JARDIM OLYMPIA| ADRIANA E CARLOS
VILA INAH
VILA INAH
VILA SÔNIA
JARDIM LEONOR| CLÁUDIA
VILA INAH
VILA SÔNIA
OFICINA LUGAR DE CRIANÇA metodologia participativa no projeto urbano Tendo em vista os conceitos apresentados até aqui, em especial a importância da participação popular no projeto urbano e da identificação da comunidade para com o território, se optou, na área 1-Nascentes, pelo desenvolvimento de uma metodologia participativa, o que apontaria as reais carências desse território. Essa foi uma medida adotada com o objetivo de empoderar a população, de forma a dar voz aos moradores e à seus problemas, entendendo que o projeto urbano pode ser construído de baixo para cima.
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A escolha de ser essa a área de intervenção a ser submetida à essa metodologia se deu pelo fato de ser a área de maior vulnerabilidade social e de menor visibilidade entre as possibilidades apresentadas; além de ser a única que encontra-se totalmente fora do limite administrativo da cidade São Paulo, portanto, sujeita à um outro fator de exclusão, que é a ineficiência de sua cartografia. Apesar de a cidade de São Paulo ser hoje uma referência em termos de disponibilização das bases cartográficas, os municípios adjacentes, apesar de compartilharem a mesma mancha urbana conurbada, evidentemente não apresentam os mesmos recursos técnicos. A partir de questionamentos como qual o papel da criança na construção da cidade? e que espaços ela ocupa, como enxerga esses espaços? se optou por trabalhar com crianças, a partir de uma oficina de caráter investigativo e educativo que se propôs a estimular a reflexão delas a respeito de seu bairro e de seu percurso diário. A atividade foi realizada com alunos do 4º ano do ensino fundamental da Escola Estadual Profª Edila Coutinho Porfírio, na periferia de Embu das Artes. Na oficina estiveram presentes 25 crianças com média de idade de 9 anos. Como parte do exercício, iniciei um debate a respeito dos elementos próximos à escola e do caminho que as crianças fazem desde suas casas. Como esperado, a maioria delas vai à escola a pé e mora em um raio de até 500m. [figura 72]
Perguntei a elas como é este caminho e que sensações experimentam nele (cheiros, sons, sentimentos). Quase todas as crianças ressaltaram a topografia do bairro, citaram as ladeiras e escadões. Algumas relataram sentir medo ao passar por lugares com pouco fluxo de pessoas, como vielas e, novamente, os escadões, pois frequentemente há usuários de drogas nesses espaços. Em relação ao cheiro, muitas crianças disseram sentir cheiro de pão no seu caminho, pois há bastante padarias de pequeno porte no bairro. Fiquei surpresa pois imaginei que elas reclamariam de cheiro de lixo ou esgoto. Quanto aos sons, um aluno comentou do barulho de água, mas disse que não sabia de onde vinha. As crianças ressaltaram que as calçadas são estreitas e inadequadas e que quando a rua é inclinada preferem andar na via, em razão dos desníveis causados pelos acessos de veículos. Uma criança percebeu que esse problema atinge diretamente os cadeirantes. [figura 71]
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Quanto aos espaços públicos, comentaram das quadras e campos que tem no bairro, disseram que são espaços que elas gostam de brincar, mas que precisam de manutenção, assim como a praça próxima à escola, cujos brinquedos estão quebrados. A partir daí a conversa tomou um rumo não esperado, mas muito produtivo. As crianças começaram a citar percepções de outros pontos da cidade, não necessariamente do entorno imediato da escola. Conversamos sobre a poluição das águas nos rios e praias e também sobre problemas de drenagem. Questionadas a respeito das enchentes da região, uma das alunas relatou um episódio em que sua casa foi inundada. Há um piscinão em um raio de 1km da escola, que é o que elas conhecem melhor. Suas impressões sobre esse lugar é que é um espaço “fedido, sujo, vazio (que não é aproveitado) e perigoso”. Elas chegaram a comentar que poderia ser feito um parque ali, ou um clube. Acompanhando esta ideia, perguntei a respeito dos parques, mesmo sabendo que não há estrutura desse tipo na região. Muitas comentaram do parque Francisco Rizzo (distante 10 km da escola, localizado no centro de Embu das Artes) e algumas do Parque Villa Lobos, (distante 24 km da escola, localizado na zona oeste de São Paulo). Para elas, os equipamentos mais interessantes dos parques são: ciclovia, brinquedos, pista de corrida e árvores.
[fig. 70] Lixo e entulho em terreno baldio. Foto da autora. [fig. 71] Calçadas inadequadas e lixo na rua. Foto da autora.
A pé Todos os itens
De carro/perua Todos os itens
hidrografia_embu_pirajuçara 2.5.19 2.5.16 2.5.15 2.5.9 2.5.1 2.5.9 2.5.9
APA ROQUE VALENTE PISCINÃO
2.5.7 2.5.1 2.5.3 2.5.5
200m
500m
2.5.1 2.5.2 2.5.16 2.5.12 2.5.14 2.5.6 2.5.3 2.5.15 2.5.1 2.5.16
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2.5.14
[fig. 72] Moradia das crianças2.5.10 em função 2.5.16 do raio de influência 2.5.19 da escola. Em preto, crianças que 2.5.20vão a pé. Em laranja, crianças 2.5.17 que vão de 2.5.1 carro. Elaboração própria. 2.5.6 2.5.3 2.4.4
Aproveitei esse momento para falar que poderíamos ter um parque nas proximidades da escola, expliquei o que é uma Área de Proteção Ambiental e comentei sobre a APA Roque Valente. Depois dessa conversa, As crianças puderam expressar essas percepções a partir do desenho, onde surgiram diversos padrões de representação, como cortes, plantas, vistas, perspectivas e representações mistas. Todos os desenhos foram scaneados e estão disponíveis no site lugardecrianca.pb.design, onde podem ser vistos em tamanho maior do que o aqui apresentado [ver páginas 138 a 146]. Esses desenhos foram expostos e as crianças convidadas a observarem os trabalhos dos colegas, prestando atenção nas interpretações retratadas para que pudéssemos concluir um diagnóstico dos principais problemas e potencialidades do bairro. Em roda, esses problemas foram apontados e registrados em forma de painel [página 147]. Após a elaboração do diagnóstico coletivo, foi proposto às crianças que encontrássemos soluções para os problemas apresentados. Para tal, disponibilizei uma base cartográfica projetada, com a qual as crianças ficaram muito animadas, pois puderam reconhecer suas ruas e os equipamentos que identificaram no caminho de casa até a escola.
Iniciamos a construção do biomapa a partir da observação das características do território e da lista de problemas diagnosticados. Um mural de soluções foi sendo criado simultaneamente à identificação de aspectos relevantes no mapa, como as escolas existentes, sistema viário de alto e baixo fluxo, praças, terrenos vazios ou subutilizados. Essa etapa foi bem interessante pois pudemos discutir juntos qual seria a posição ideal dos equipamentos no bairro. Por exemplo, quando uma criança sugeriu um cinema e um teatro, pois não há cinema na cidade e os mais próximos estão em um raio de 10 km, chegamos a conclusão de que o ideal seria colocar em um lugar próximo do transporte público, uma vez que pessoas de outros bairros viriam para assistir as peças/filmes, então as crianças sugeriram uma praça que fica em frente ao terminal de ônibus e cujo formato permitiria a construção de uma arquibancada. A oficina, no geral, se mostrou uma experiência encantadora tanto para mim quanto para as crianças. Este projeto nada mais é do que uma tentativa de dar visibilidade aos territórios esquecidos da metrópole. E, ao longo do desenvolvimento deste trabalho, senti diversas vezes a necessidade de dar um retorno para a cidade em que cresci. Após tentativas frustradas de contato com a prefeitura do Embu, acreditei que não seria capaz de concluir esse propósito. O projeto participativo contribuiu para a identificação das reais necessidades e sonhos da comunidade, mas também se tornou uma possibilidade de devolver à cidade e à escola que me formou um pouco dos conhecimentos que adquiri fora delas. Para as crianças, pude identificar que o maior ganho obtido foi sentir-se parte importante da cidade, um agente transformador. Esta foi, provavelmente, a primeira vez que entraram em contato com uma cartografia do seu bairro. Identificar no mapa a sua casa, a praça em que brinca e as ruas em que passa, estimula o sentido de pertencimento ao bairro e à comunidade. Por isso, sinto que essa oficina cumpriu um dos meus objetivos da realização desse trabalho, que era de reforçar a identidade periférica, de tal forma que a comunidade outrora invisibilizada sinta que é parte da metrópole e que está, de alguma forma, colocada no mapa.
[fig. 73] Crianças observando mapa da bacia do Pirajuçara. Foto da autora. 53. O biomapa é uma representação cartográfica construída de forma coletiva por membros de uma comunidade. Trata-se de um importante instrumento de análise em um diagnóstico participativo.
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GUILHERME
140
Rua Itaquera, 20
JORGE Rua Bonfiglioli, 265
ENDREW
141
Rua José Mendes Ferreira, 561
WESLEY
THAÍS
Rua Jaguaré, 65
Rua Rainha Catarina, 62
142 EDSON Sem endereço
DAVI Rua da Benção, 300
ANA JULIA Rua Perdizes, 267
ANAYLSON Rua Água Branca, 101
ANAYLA Rua Bonfiglioli, 53A
SAMYRA Rua Bom Retiro, 164
143
144
LUÍS FERNANDO
NICOLE
Rua Americanópolis, 414
Rua da Benção, 691
RUTY Sem endereço
KAYCK
145
Rua Barra Funda, 257
PAULA EDUARDA
PEDRO
Rua Bonfiglioli, 51
Rua Apรก, 94
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JULIA Rua Trapézio, 38
MELISSA Rua Jaguaré, 120
HEVELLYN HILLARY
147
Rua Água Branca, 646
MARIA EDUARDA
ARIEL HENRIQUE
Rua Água Branca, 620
Rua Água Branca, 451
GIOVANNA Rua Miguel Martins Mendes, 119.
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LARA
JEISE
Rua Salvador Branco de Andrade, sem número. (Taboão da Serra)
Rua Barra Funda, 245
[fig. 74] Painel de problemas e de soluçþes. Foto da autora.
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Propostas 150
54. Para visualização do Macrozoneamento, consultar página 150.
A partir do diagnóstico da bacia do Pirajuçara, fica claro que este é um território complexo, cujos diferentes padrões socioespaciais apresentam demandas e características específicas. Portanto, como forma de satisfazer essas demandas, foi elaborado um macrozoneamento54 para este território que resultou em 6 macrozonas e uma ZEE - Zona Eixo Estruturador. Macrozonas são áreas homogêneas para as quais são estabelecidas diretrizes que conduzirão o desenvolvimento urbano e a aplicação dos instrumentos urbanísticos e ambientais. A Zona Eixo Estruturador - ZEE compreende a faixa de influência dos eixos de mobilidade, onde se pretende promover usos residenciais e não residenciais com densidades altas e promover uma qualificação da paisagem e do espaço público. Para determinar as macrozonas foram considerados os aspectos urbanos e sociais existentes, bem como o potencial de mudança de cada uma delas. O sistema viário principal, definido pela EMPLASA, delimitou as perimetrais. Quanto à ZEE, se aproveitou os eixos de estruturação existentes e previstos pelo Plano Diretor de São Paulo, revisão de 2016, com incorporação de áreas semelhantes situadas nas cidades de Taboão e Embu.
De forma geral, o que se pretende com o ordenamento territorial da bacia do Pirajuçara é garantr o direito à cidades sustentáveis, considerando a sustentabilidade sob diferentes perspectivas: sustentabilidade ambiental, entendida como a manutenção e preservação dos ecossistemas e da biodiversidade; sustentabilidade econômica, que prevê o uso consciente dos recursos naturais e humanos e uma distribuição mais homogênea da oferta de emprego e da captação de renda; sustentabilidade social, através da qual se pretende diminuir as desigualdades sociais, ampliar os direitos e garantir acesso aos serviços (educação e cultura, principalmente) que visam o pleno acesso à cidadania; e sustentabilidade urbana, representada pelo ideal de uma cidade menos desigual e mais justa; Para atingir esse objetivo, as diretrizes foram estabelecidas de acordo com o inciso I do artigo 2º do Estatuto da Cidade, que define o direito à cidades sustentáveis como: Direito à terra urbana e à moradia digna, Direito ao saneamento ambiental; Direito à infraestrutura urbana; Direito à mobilidade, em todos os seus modais; Direito de acesso aos serviços públicos, e Direito ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações. Como o recorte em questão é composto por mais de um município, se vê necessário a promoção da governança interfederativa, definida, no inciso IX do artigo 2º do Estatuto da Metrópole, como o compartilhamento de responsabilidades e ações entre entes da Federação em termos de organização, planejamento e execução de funções públicas de interesse comum, mediante a execução de um sistema integrado e articulado de planejamento, de projetos, de estruturação financeira, de implantação, de operação e de gestão.
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MACROZONEAMENTO PROTEÇÃO AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL REDUÇÃO DA VULNERABILIDADE URBANA E CONTENÇÃO DA OCUPAÇÃO REDUÇÃO DA VULNERABILIDADE URBANA E PROMOÇÃO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO QUALIFICAÇÃO DA URBANIZAÇÃO ADENSAMENTO POPULACIONAL PERMEABILIDADE
COM
CONSERVAÇÃO
URBANIZAÇÃO CONSOLIDADA EM TRANSFORMAÇÃO ZEE | ZONA EIXO DE ESTRUTURAÇÃO
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DA
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Situação
A1 Densidade de ocupação Cobertura vegetal Oferta de emprego Adensamento e verticalização
Prioridades/Diretrizes
Controle da expansão urbana Preservação das características ecológicas Promoção de desenvolvimento econômico sustentável. Regularização e urbanização de assentamentos precários (ZEIS 1) Promoção de HIS e HMP em terrenos vazios (ZEIS 2) Promoção de equipamentos públicos de cultura e lazer Incentivo ao uso econômico de porte médio e grande Promoção de praças, parques e áreas verdes públicas Implantanção de infraestrutura urbana Elaboração de plano de redução de riscos
A2
A3
A4
A5
A6
A7
••• ••• ••• ••• ••• ••• ••• ••• ••• ••• ••• ••• ••• ••• ••• ••• ••• ••• ••• ••• •••
sentamentos existentes, melhorando a qualidade de vida da população que já reside nesses espaços. São diretrizes: Regularização, urbanização e contenção de assentamentos precários; Elaboração de um Plano de Redução de Riscos para determinar ações para minimizar ou extinguir riscos geotécnicos ou graves impactos ambientais, evitando, mas não excluindo, a possibilidade de remoção de assentamentos. Promoção de assistência técnica habitacional; Melhoria das condições de mobilidade urbana, em especial do transporte público metropolitano e dos transportes não motorizados;
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Melhoria das condições ambientais, aumentando as superfícies drenantes e promovendo a arborização urbana; Implantação de infraestrutura urbana; Contenção da expansão nas bordas urbanas; Incentivo à consolidação das centralidades de bairro existentes, melhorando a oferta de emprego e dando prioridade à implantação de serviços, comércios e equipamentos comunitários, em especial de cultura e lazer; Universalização do saneamento ambiental através de propostas descentralizadas de tratamento de esgoto; MACROZONA DE REDUÇÃO DA VULNERABILIDADE URBANA E PROMOÇÃO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Compreeende o trecho médio da bacia, composto, basicamente pelo distrito de Campo Limpo (cidade de São Paulo) e a maior parte de Taboão da Serra. Devido aos eixos de estruturação é uma área com potencial para expansão do mercado imobiliário residencial e comercial. É, no entanto, uma área com notável vulnerabilidade urbana e social, cuja infraestrutura urbana é precária. Se almeja, portanto:
MACROZONA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Esta macrozona compreende a porção noroeste do território, onde há fragmentos preservados de mata atlântica. É um território ambientalmente frágil, com significativa biodiversidade, portanto, demanda atenção para sua conservação. Entretanto, há presença de habitação de baixa densidade e de um núcleo com urbanização precária. Se pretende preservar a importância ecológica dessa área, restringindo sua ocupação. Logo, as diretrizes para essa zona são: Contenção da expansão urbana; Preservação das características naturais do terreno e da biodiversidade existente; Recuperação ambiental de áreas degradadas pela ocupação humana; Implantação de áreas de lazer passivo e contemplação; Provisão de áreas para desenvolvimento sustentável, com usos compatíveis com a preservação ambiental, como viveiros, ecoturismo, agricultura familiar e outros; Consolidação e qualificação do bairro Vista Alegre, restringindo sua expansão; Proteção da biodiversidade, dos recursos hídricos e das áreas geotecnicamente frágeis; Promoção de atividades ligadas à pesquisa, ao ecoturismo e à educação ambiental. MACROZONA DE REDUÇÃO DA VULNERABILIDADE URBANA E CONTENÇÃO DA OCUPAÇÃO. Compreende a porção oeste e sudoeste do território, no limite da mancha urbana conurbada da RMSP. Trata-se de um território de baixa qualidade urbana e habitacional e cuja densidade populacional é muito alta. Nesta área é quase inexistente a oferta do mercado imobiliário formal. Em razão da alta densidade habitacional e carência de infra-estrutura urbana, inclusive de saneamento, não se pretende promover ou incentivar a oferta de habitação nessas áreas, entendendo que o défict habitacional deve ser resolvido em áreas com melhor infraestrutura. Portanto, a intenção nesse território é garantir a urbanidade nos as-
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Regularização e urbanização de assentamentos precários; Remoção da população em situação de risco geotécnico ou grave impacto ambiental a partir da elaboração de um Plano de Redução de Riscos; Promoção de assistência técnica habitacional; Melhoria das condições ambientais, aumentando as superfícies drenantes; Implantação de infraestrutura urbana, em especial a complementação dos coletores tronco e arborização urbana. Melhoria das condições de mobilidade urbana, em especial do transporte público metropolitano e dos transportes não motorizados;
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Incentivo ao uso econômico de médio e grande porte, criando pólos de atração que ampliem as oportunidades de trabalho e emprego. Promoção de equipamentos de cultura, lazer e educação; Estímulo à provisão habitacional de interesse social e do mercado popular para a população de baixa renda; MACROZONA DE QUALIFICAÇÃO DA URBANIZAÇÃO Esta área, servida de média infraestrutura, é ocupada por construções de padrão construtivo médio, majoritariamente residenciais, compreende o distrito de Vila Sônia, na cidade de São Paulo, e a parte noroeste de Taboão. Apesar de significativa arborização urbana e cobertura vegetal, inclusive com boa oferta de praças e áreas verdes públicas, faltam equipamentos de cultura. Implantação de infraestrutura urbana; Promoção de equipamentos de cultura, lazer e educação; com atenção especial à implantação do Pólo Cultural Municipal Chácara do Jockey. Estímulo à provisão habitacional de interesse social e do mercado popular para a população de baixa renda;
Estímulo à atividades de comércio e serviços em zonas corredor; Indução à ocupação de terrenos não utilizados, subutilizados ou não edificados; Melhoria das condições de mobilidade urbana, em especial dos transportes não motorizados; MACROZONA DE ADENSAMENTO POPULACIONAL COM CONSERVAÇÃO DA PERMEABILIDADE Trata-se de bairros urbanizados em loteamentos do tipo cidade-jardim, predominando densidade baixa e construções horizontais com grandes áreas. Por ser uma região dotada de infraestrutura e próxima ao centro expandido da cidade de São Paulo, se prevê o adensamento a partir da verticalização dessa área, no entanto, seria importante manter suas características ecológicas, prezando pela permeabilidade do solo e cobertura vegetal expressiva. A combinação entre adensamento e permeabilidade é possível, mas demanda bons projetos arquitetônicos e uma legislação que incentive isso. Logo, as diretrizes para essa área são: Indução à ocupação de terrenos não utilizados, subutilizados ou não edificados; Incentivo ao adensamento populacional e à verticalização; Estímulo à atividades de comércio e serviços em zonas corredor; Regularização e urbanização de assentamentos precários, em especial a favela de Paraisópolis; Estímulo à provisão habitacional de interesse social e do mercado popular para a população de baixa renda; Manutenção da permeabilidade do solo e da cobertura vegetal; MACROZONA DE URBANIZAÇÃO CONSOLIDADA EM TRANSFORMAÇÃO. Compreende a área mais próxima à foz com o rio Pinheiros. Em razão da presença da Cidade Universitária e da rede de mobilidade urbana consolidada é o território com maior oferta de emprego e mais facil acesso ao centro expandido de São Paulo. O Butantã, distrito que representa essa macrozona, é uma centralidade emergente, que tem sofrido pressão do
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mercado imobiliário nos últimos anos, em especial a partir da inauguração da linha 4-amarela do metrô. Se pretente, portanto, permitir e incentivar o adensamento e verticalização, desde que seja garantida a oferta de habitação de interesse social. Indução à ocupação de terrenos não utilizados, subutilizados ou não edificados; Incentivo ao adensamento populacional e à verticalização; Estímulo à atividades de comércio e serviços em zonas corredor; Estímulo à provisão habitacional de interesse social e do mercado popular para a população de baixa renda; Incentivo ao uso econômico de médio e grande porte;
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ZEE | ZONA EIXO DE ESTRUTURAÇÃO A Zona Eixo de Estruturação é uma forma de promover centralidades lineares nas áreas servidas de rede de transporte coletivo de média e alta capacidade. Se prevê, nesses eixos, a qualificação da infraestrutura urbana, em especial o sistema viário, para que haja uma harmonia entre o espaço destinado aos diferentes modais. A principal característica dessa zona é o incentivo ao adensamento habitacional e construtivo, de modo a aproximar a moradia e o emprego dos eixos de transporte. Sobretudo, essa área deve receber também ampla oferta de serviços e equipamentos comunitários, de forma a ampliar os espaços públicos existentes, entendendo o impacto regional que têm essas áreas. No ordenamento territorial da Bacia do Pirajuçara, os eixos cuja atratividade é regional são a Av. Francisco Morato e sua bifurcação em Rodovia Régis Bittencourt e Estrada do Campo Limpo, portanto, nas áreas de influência desses eixos viários se propõe: Estímulo à provisão habitacional de interesse social e do mercado popular para a população de baixa renda; Incentivo ao uso econômico de médio e grande porte; com fachadas ativas que dêem vida à rua.
Melhoria das condições de mobilidade urbana, em especial do pedestre. Indução à ocupação de terrenos não utilizados, subutilizados ou não edificados; Promoção de equipamentos de cultura, lazer e educação; Incentivo ao adensamento populacional e à verticalização;
PLANO DE AÇÕES 55 De acordo com as diretrizes traçadas no macrozoneamento e entendendo a necessidade de se propor projetos estratégicos de impacto regional foram pensadas as seguintes sugestões para a política governamental na área: MOBILIDADE URBANA Construção de uma estação de transferência metropolitana no largo do Taboão. Essa estrutura garantiria uma transferência confortável e segura para as pessoas que utilizam os ônibus municipais de São Paulo no corredor Francisco Morato e os ônibus intermunicipais na Rodovia Régis Bittencourt. Implantação do bilhete único metropolitano. Trata-se de uma estratégia a nível regional que vem sendo discutida pela população e pelo setor público municipal e estadual, e que inclusive consta como proposta do PDUI - Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado da RMSP56. É por compreender que os limites administrativos não coincidem com a mancha urbana e que as demandas por transporte devem ser consideradas de modo integrado, que se reivindica que haja um sistema único de cobrança para os transportes coletivos da RMSP. Apesar dos inúmeros benefícios do avanço da rede de metrô, sobretudo na redução do tempo de deslocamento, a cada estação inagurada, as linhas metropolitanas são reduzidas em seu trajeto. Isso tem impactos no custo de vida da população das distantes periferias, pois se antes uma pessoa pagaria apenas uma passagem, hoje tem de pagar duas. Por essa razão, o bilhete único metropolitano, com integração entre modais, é um instrumento urgente para promover o acesso à cidade.
55. Para visualizar o Plano de Ações, consultar página 158 e 159. 56. O Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado é um instrumento legal instituíto pelo Estatuto das Metrópoles, que estabelece, com base em processos permanentes de planejamento, as diretrizes, estratégias e ações para orientar o desenvolvimento urbano da Região Metropolitana, buscando reduzir as desigualdades e melhorar as condições de vida da população.
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MOBILIDADE URBANA ESTAÇÕES DE METRÔ TERMINAIS DE ÔNIBUS ESTAÇÃO DE TRANSFERÊNCIA DUPLICAÇÃO DO EIXO VIÁRIO
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MEIO AMBIENTE E RECURSOS HÍDRICOS CONEXÕES DOS COLETORES TRONCO ESTAÇÃO DE TRATAMENTO COMPACTA APA ROQUE VALENTE
HABITAÇÃO ZEIS 1 ZEIS 2
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DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO ESPAÇOS PÚBLICOS ZEE CENTRALIDADE TABOÃO
Duplicação da Estrada do Campo Limpo, para que funcione em sistema binário. É mais do que urgente a extensão do corredor de ônibus Rebouças/Franscisco Morato até o Terminal Campo Limpo, dada a importância desse equipamento. Como hoje a Estrada do Campo Limpo apresenta uma estrutura saturada em seu trecho comercial, cuja seção comporta uma faixa de ônibus e uma faixa de rolamento, se optou pela duplicação dessa importante via, de forma a garantir espaços confortáveis para a circulação.
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57. Essa previsão foi disponibilizada por agentes da CPTM como base cartográfica para a elaboração desse trabalho.
Enterramento de parte da Rodovia Regis Bittencourt. Por entender que uma rodovia em trecho urbano não dialoga com uma centralidade comercial emergente, se propõe um redesenho que melhore as relações entre os diferentes modais de transporte, redistribuindo fluxos e espaços. Sugere-se que o fluxo da rodovia seja dividido entre principal e secundário, entendendo o primeiro como o fluxo de carros cujo destino é São Paulo e o segundo cujo destino está nas imediações do centro do Taboão. A partir dessa divisão, se propõe o enterramento do fluxo principal desde a última passarela da rodovia até pouco antes do acesso à Av. Guilherme Dumond Vilares. Ramificação do sistema de ônibus na periferia. Nos territórios com menor infraestrutura urbana, inclusive quanto à hierarquia viária, os ônibus intermunicipais e municipais encontram dificuldades para circular, devido às seções viárias reduzidas. O que se propõe é o fortalecimento da rede de transporte coletivo a partir da sua ramificação e da criação de uma infraestrutura viária que facilite essa circulação.tabela que ree tipo de seção. Implantação das estações de metrô previstas, com prioridade para a extensão da linha 4-amarela. As estações previstas no cenário do transporte metropolitano57, Parque Chácara do Jockey, Taboão, Vida Nova e São Francisco são condizentes com as demandas, mas precisam tornar-se realidade, inclusive há a necessidade de incluí-las no próximo Plano Integrado de Transportes Urbanos - PITU. Além disso, seria interessante promover uma ligação entre as linhas 4-amarela e 5-lilás do metrô. Em razão de existir um desnível considerável entre os terminais dessas linhas, se sugere a implantação de um sistema leve e suspenso, porém com larga capacidade. Clara-
mente, o Metrocable é uma inspiração para esse modelo, mas existem outras maneiras pelas quais o sistema de teleférico tem sido aplicado no mundo. Outra referência interessante nesse sentido é o teleférico de Mérida, na Venezuela, cuja capacidade é de até 60 pessoas por vagão. Para o caso das periferias urbanas sugere-se capacidade semelhante, por ser compatível com a carga de passageiros de um ônibus. MEIO AMBIENTE E RECURSOS HÍDRICOS Implantação do parque ecológico da APA Roque Valente. Sobretudo, o parque ecológico tem um papel didático através da educação ambiental e também uma responsabilidade para com a proteção de áreas ambientalmente frágeis e da biodiversidade existente. Corredores ecológicos entre parques e áreas verdes públicas e privadas. Se prevê a recuperação da mata ciliar dos rios e córregos e o plantio de espécies para arborização urbana através de corredores verdes, principalmente em trechos com possibilidade de conexão entre as áreas verdes existentes. Quando for possível, implantar parques lineares que combinem a conexão ecológica com a oferta de espaços públicos de lazer. Essa estratégia visa a manutenção da biodiversidade e interação da flora e fauna em meio urbano. Adequação dos piscinões para uso múltiplo. Em sua essência, o piscinão foi concebido sob a premissa de que seria um espaço destinado à retenção das águas pluviais, mas que poderia, em períodos de seca, acomodar usos de lazer, como playgrounds, praças esportivas, jardins, quadras, campos e pistas de cooper. Não foi o que aconteceu. Os piscinões abertos representam uma ruptura no tecido urbano do bairro, logo, as propostas para o uso de cada um dos reservatórios deve considerar as dinâmicas do entorno de forma que se proponha equipamentos condizentes com as características do reservatório (extensão e profundidade) e as demandas da população. Assim sendo, em alguns casos, a opção pelo tamponamento se configura como a melhor alternativa, em outros, é possível compatibilizar a retenção periódica com usos de lazer. Entende-se, no entanto, que o uso desses espaços, embora já aconteça de maneira informal, só é saudável a partir da atenuação dos impactos negativos que apresentam. Isso porque, inegavelmente, essas bacias tornaram-se reservató-
[fig. 75] Teleférico de Mérida, Venezuela. Foto: El Impuso
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[fig. 76] Estratégias gerais de redução de sólidos suspensos. Elaboração própria.
rios de decantação e após seu esvaziamento ficam cheias de lixo, o que representa um risco em termos de saúde pública. Por isso, essa medida funciona de maneira articulada com as estratégias voltadas para o sistema de saneamento básico, despoluição das águas superficiais e redução de sólidos suspensos. Descentralização do sistema de saneamento básico. Talvez a questão mais urgente desse território seja a política de coleta e tratamento de esgotos. Por entender que a estratégia que tem sido praticada até aqui não tem se mostrado eficiente e que o ritmo de obras de infraestrutura não acompanha as demandas, se propõe a implantação de uma política descentralizada de saneamento básico. O que se pretende é corrigir as falhas e completar os trechos dos coletores tronco existentes, e propor, para áreas mais periféricas, onde os coletores não tem ao menos previsão de serem instalados, a criação de estações de tratamento compactas e/ou estações de tratamento simplificadas que tenham como capacidade o tratamento dos efluentes de um conjunto de bairros. Implantação de mecanismos alternativos de despoluição hídrica e drenagem das águas. Para a redução de sólidos suspensos, se propõe a instalação de ecobarreiras nos cursos d'água, grades ou caixas de proteção nos bueiros e redes de nylon nas saídas de galerias58. Para a despoluição da água, o uso de wetlands e filtros biológicos. E, como soluções alternativas de drenagem, retardar o escoamento das águas pluviais através do incen-
tivo à aplicação de dispostivos LID, como jardins de chuva, canteiros pluviais, e biovaletas. Instalação de containers para coleta de lixo. A finalidade desses containers é armazenar o lixo que seria depositado em pontos viciados de descarte. O lixo nas ruas, além de atrapalhar e dificultar a circulação de pedestres, oferece um risco de proliferação de doenças, uma vez que atrai insetos e roedores. Também é um potencial poluidor das águas superficiais, uma vez que a água da chuva carrega parte desses resíduos até o corpo receptor. HABITAÇÃO Assistência técnica, jurídica e econômica para melhoria habitacional das autoconstruções. Essa medida prevê iniciativas de acesso ao crédito imobiliário, produção e difusão de soluções e técnicas alternativas para a reforma de moradias autoconstruídas, bem como assessoria técnica nas etapas de projeto e de execução. Melhorias urbanas na escala do bairro. É uma estratégia que visa a implementação de infraestrutura urbana em áreas que carecem da mesma. Se dará através da adequação de vias, municipalização das calçadas, manutenção de praças e plantio para arborização urbana. Promoção de Habitação de Interesse Social e Habitação do Mercado Popular nas áreas com maior infraestrutura, segundo diretrizes do macrozoneamento. Sugere-se que esses empreendimentos sejam dotados de qualidade urbana, proporcionando usos mistos e sendo adequadamente inseridos na malha viária existente; e qualidade arquitetônica, a partir de projetos únicos, que considerem as dinâmicas do entorno e características físicas do terreno, bem como que considerem diferentes tipologias internas e tamanho das unidades . Urbanização ou remoção dos assentamentos precários conforme a análise dos riscos sociais e ambientais que a ocupação apresenta.
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DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: Consolidação da centralidades comerciais locais existentes. Tendo em vista a demanda por emprego, a proposta geral de desenvolvimento econômico é consolidar as centralidades existentes, principalmente a partir de remodelações viárias que estimulem o comércio local. Estímulo fiscal à consolidação de uma centralidade econômica regional no Largo do Taboão, de forma a ampliar a quantidade de empregos. Como foi visto, a centralidade Largo do Taboão é a que apresenta maior potencial para esse fim. Para isso, além do comércio de médio e grande porte existente ali, se vê necessário o avanço do mercado imobilário corporativo, a fim de aumentar a oferta de emprego.
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Ampliar a oferta de espaços públicos, fechados e abertos, melhorando o acesso à atividades culturais e de lazer. É inegável que essa região tem uma forte demanda por espaços públicos de qualidade. Sobretudo, faltam espaços adequados para encontros, reuniões, estudo, pesquisa ou trabalho como os do centro expandido de São Paulo, cujos exemplares são vários: Centro Cultural São Paulo, os SESCs, Biblioteca Mário de Andrade e outras bibliotecas públicas. Esses espaços vão além de oportunidades culturais e educativas. A exemplo de Medellín, o Centro de Desenvolvimento Empresarial Regional— o CEDEZO, que funciona como uma incubadora de empresas da periferia, foi uma iniciativa que estimulou projetos dos moradores. Embora essa medida não resulte, necessariamente, em um impacto econômico de grande escala, tem efeitos no desenvolvimento econômico e pessoal dos cidadãos.
ÁREAS DE INTERVENÇÃO ESTRATÉGICA Área 1 - NASCENTES O Alto Pirajuçara foi históricamente ocupado pela população mais pobre e ainda hoje essa porção se caracteriza por uma maior vulnerabilidade social e urbana. Trata-se de um território cuja paisagem é marcada pela topografia acidentada, alta densidade construtiva e demográfica e pela autoconstrução como única forma de acesso à moradia. Nessa área a intenção projetual é de estruturar o território, de forma a suprir as maiores carências de infraestrutura. Assim, se prevê, primeiramente, a implantação de um sistema de mobilidade urbana abrangente, composto pela rede de mobilidade a pé, que inclui escadões, vielas, calçadas e ruas compartilhadas; rede de transporte coletivo, assumindo uma hierarquia viária que permita a circulação desses veículos; e rede de transporte motorizado individual. Todo esse sistema deve estar adequado à realidade topográfica da região e, em razão da limitação da largura de via e situação escalonada das calçadas, se propõe-se que as ruas, em geral, assumam sentido único e que, quando não for possível estabelecer larguras mínimas de calçada, se opte pela tipologia de ruas compartilhadas. Para amenizar problemas
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de drenagem, as vias podem receber jardins de chuva e outros dispositivos de retardamento das águas pluviais, entendendo a calçada como um espaço público, portanto, de responsabilidade do município. Os escadões representam uma importante estrutura de mobilidade nesse território uma vez que reduzem grandemente as distâncias percorridas. No entanto, a maior parte deles é autoconstruída e apresenta deficiências em termos de ergonomia, estética e estrutura, por essa razão, são considerados como a pior parte do trajeto dos moradores e alguns até preferem fazer um caminho mais longo para evitá-los. Essas estruturas precisam ser reconstruídas segundo um padrão que as torne mais confortáveis e seguras, para tal, se prevê a iluminação, regularização e pintura desses espaços. Além da rede de mobilidade, outro elemento central do projeto dessa área é a rede de espaços públicos. Apesar de existirem uma série de equipamentos nessa região, quase todos são de uso restrito e acesso controlado, como escolas, creches e postos de saúde. De acordo com as experiências avaliadas até aqui, a promoção de espaços públicos de qualidade, que assumam um papel de marcos arquitetônicos e/ou urbanos, é uma das medidas mais importantes para causar impacto social em territórios periféricos. Logo, segundo a demanda levantada e por sugestão dos próprios moradores se propõe a implantação dos seguintes equipamentos:
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ESQUEMA | CANTEIROS EM VIA COMPARTILHADA ESQUEMA | TELEFÉRICO
1. Parque ecológico da APA Roque Valente: Trata-se de uma medida urgente, devido à escassez de espaços livres e públicos na parte mais periférica da bacia. Além disso, é uma medida importante para a manutenção da biodiversidade local. Se pretende uma setorização do parque ecológico sob diferentes núcleos, sendo, no mínimo: pesquisa e educação ambiental, habitação de interesse social, zonas de preservação e contemplação e áreas de lazer ativo. Permitir a promoção de HIS nessa APA é, na verdade, um respeito às reivindicações do MTST que após sucessivas manifestações conquistaram o direito a uma parte degradada dessa gleba. 58. FOTO | PAISAGEM Nos demais espaços livres desse recorteURBANA não se pretende estimular o adensamento
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CORTE PADRÃO | VIA DE SENTIDO ÚNICO
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projeto
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situação
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CORTE PADRÃO | VIA COMPARTILHADA
AE
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AV. JOÃO
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PARQUE ECOLÓGICO DA APA ROQUE VALENTE, núcleo de pesquisa e educação ambiental; lazer ativo; habitação de interesse social; e núcleo de contemplação e proteção.
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MIRANTE
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CINEMA E TEATRO AO AR LIVRE
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PRAÇA SOBRE O PISCINÃO
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CENTRO CULTURAL
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PISCINAS PÚBLICAS
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HORTA COMUNITÁRIA SOB O LINHÃO
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AV. JOÃO PAULO II
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CENTRALIDADES COMERCIAIS ZEIS 1 ZEIS 2 INDÚSTRIAS SISTEMA VIÁRIO PRINCIPAL ESCADÕES E VIELAS
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CAMPO DE FUTEBOL
Km
7
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I
ou promover habitação por entender que este é um territorio com baixa infraestrutura, em especial no que tange ao saneamento básico, portanto seria imprudente do ponto de vista ambiental aumentar o número de pessoas que residem ali. O que se propõe, portanto, é a adoção das estrategias alternativas para tratamento dos efluentes apresentadas a e urbanização dos assentamentos precários. 2. Mirante: considerando que este é um território que faz parte da cidade que ninguém quer ver, o mirante é uma forma simbólica de dizer que há olhos voltados para ele. Também, a contemplação da paisagem urbana é uma forma de reforçar a identidade periférica e estimular o sentido de pertencimento da comunidade. 3. Cinema e teatro ao ar livre: se propõe a adequação de uma praça existente, localizada em frente ao Terminal Casa Branca, para instalação de palco e arquibancada onde poderão acontecer shows, apresentações de teatro e também exibições de filmes. A opção pela readequação se deu em razão da localização privilegiada dessa praça, já que, considerando que não existem cinemas ou outros equipamentos desse tipo em um raio de pelo menos 8km, seria interessante facilitar o acesso via transporte coletivo. 4. Praça sobre o piscinão: pela ausência de espaços livres e demanda por equipamentos de estar e lazer, se propõe que o piscinão Nova República seja tamponado e sobre ele seja construída uma grande praça com usos voltados ao lazer, como quadras e playground. Além disso, é interessante que haja algum uso institucional, como um núcleo de assistência social. Como existe um posto do CRAS muito próximo ao piscinão, se propõe a transferência desse equipamento para um edifício com melhor infraestrutura a ser construído nessa praça. 5. Centro Cultural: além de espaços públicos abertos se vê a necessidade de promover espaços construídos para usos diversificados, mas que contenham, sobretudo, opções diferenciadas de lazer e cultura, incliundo oficinas, ateliês, cursos e espaços educativos. 6. Piscinas públicas: embora as águas dessa bacia não sejam apropriada para banho
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na situação que se encontram, a oferta de piscinas públicas e espelhos d'água é uma estratégia para retomar a relação da população com as águas urbanas. A piscina é um tipo de equipamento ao qual a população mais pobre não tem acesso com frequência, mas é inegávelmente apreciado pela maior parte das pessoas. Quanto aos rios e nascentes é preciso preservar os poucos espaços existentes onde ainda é possível ver os cursos d'água, sejam eles naturais ou canalizados e propor, ao menos, projetos paisagísticos que tornem esses espaços agradáveis e que recomponham, dentro das possibilidades, os ecossistemas.
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7. Horta comunitária: as hortas além de oferecerem a oportunidade de cultivar e consumir alimentos orgânicos e saudáveis, estimulam e fortalecem os vínculos sociais da comunidade. Neste território, se pretende implantar hortas desse tipo sob os linhões, uma iniciativa que tem dado bons resultados ao longo da metrópole. Por fim, em termos econômicos se espera consolidar as centralidades comerciais existentes, Casa Branca e Pirajussara (o bairro), através do incentivo à construção de empreendimentos, e facilitar a mobilidade até o Parque Industrial, cuja oferta de emprego é maior.
Área 2 | CAMPO LIMPO O Campo Limpo, embora não apresente as mesmas carências da região de nascentes, está também sujeito a uma infraestrutura urbana deficiente. Este trecho concentra importantes atrativos, entre eles a praça do Campo Limpo, a ONG Projeto Arrastão, o CEU Campo Limpo, o Terminal urbano e uma centralidade comercial influente. Entretanto a conectividade entre esses equipamentos é dificultada por aspectos físicos e também pela desigualdade na distribuição dos espaços do carro e do pedestre. Nesta porção do território o rio Pirajuçara corre aberto e com seção considerável, em razão da confluência com o córrego Joaquim Cachoeira, seu segundo maior afluente. Nesse
contexto, o rio assume um papel de barreira ideológica, desenhando as fronteiras do limite administrativo municipal. Seu leito impede a comunicação entre bairros e ruas importantes, o que dificulta o acesso de pedestres aos equipamentos citados. Por ser uma área que já possuí um apelo cultural se espera reforçar essa característica através, principalmente, da adequação dos espaços para priorizar a conectividade a pé entre esses equipamentos. Portanto, em primeiro lugar, se prevê a criação de pontes para a circulação de pedestres entre as duas margens do rio, em especial para acessar o CEU e o Terminal. Além disso, esta área apresenta um grande fluxo de veículos e, como em muitos pontos da metrópole, o carro domina a maior parte dos espaços. Dado que os resíduos decorrentes da carga de lavagem são tão - ou mais - poluentes para os cursos d'água do que o lançamento de esgoto doméstico e outros resíduos que compõe a carga de base, a existência de leito viário adjacente ao leito do rio, sem que haja nenhuma proteção ou mata ciliar, é uma situação a ser evitada59. Hoje o que se percebe é o uso indiscriminado das vias adjacentes ao rio Pirajuçara como vias coletoras, mesmo que existam rotas alternativas, as vezes até mais vantajosas que estas. Logo, uma das proposta é o redesenho dos fluxos e seções viárias a fim de harmonizar as relações entre recursos naturais, veículos automotores e pedestres. Esse redesenho tem como objetivo priorizar o pedestre e a conexão ecológica a partir da adoção de diferentes tipologias viárias. A primeira delas só é possível a partir da redistribuição do fluxo, de forma a criar ruas compartilhadas com pouca movimentação de veículos nas bordas muito próximas ao rio. Nessas vias, se almeja o uso da rua como o que ela realmente é: um espaço público e de todos. A proposta geral para esse território é portanto a valorização do curso do rio, partir da ampliação do parque linear hoje existente, conectando as áreas verdes lindeiras ao Pirajuçara. Em uma delas, por ser uma gleba de tamanho consideravel, se propõe seu parcelamento com usos habitacionais, institucionais e públicos.
59. O Estudo de Diagnóstico e Proposições de Ações para a Revitalização da Bacia do Córrego Jaguaré, alvo do estudo de caso desse trablho, determinou, segundo testes físico-químicos e projeções matemáticas que os coeficientes de exportação de carga difusa são maiores que os coeficientes de exportação de carga de base na maior parte dos coeficientes e tipologias de uso do solo analisados. Segundo o estudo, essa situação se agrava em tipologias com maior incidência de áreas pavimentadas.
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AMPLIAÇÃO DO PARQUE LINEAR DO PIRAJUÇARA
ES
NÚCLEO CONTEMPLATIVO GLEBA A SER PARCELADA PRAÇA
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SISTEMA BINÁRIO DE CIRCULAÇÃO TRANSFORMAÇÃO DO EM LAGOA COM DECK
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CENTRALIDADES COMERCIAIS ZEIS 1 ZEIS 2 INDÚSTRIAS SISTEMA VIÁRIO PRINCIPAL RUAS COMPARTILHADAS PONTES EXISTENTES PONTES PROPOSTAS
Km
T
A implantação de um sistema binário de circulação, previsto nas propostas gerais, apresenta a possibilidade de favorecer economicamente a margem do rio situada no município de Taboão; de desafogar o trânsito da Estrada do Campo Limpo, hoje saturada em seu trecho comercial e de implantar de um corredor de onibus até o terminal, completando o trecho de corredores que vem desde o centro de Sâo Paulo, passando pela Rebouças e Av. Francisco Morato. O perfil viário proposto para o trecho comercial da Estrada do Campo Limpo visa garantir a segurança e conforto do pedestre, o fluxo contínuo do transporte público, uma opção segura para a circulação de bicicletas e outros modais não motorizados, e espaços adequados para o estacionamento de veículos, entendendo que essa é uma característica que já se consolidou nessa via e que é um dos requisitos para a manutenção do uso comercial. Para a via proposta como complemento à Estrada do Campo Limpo, se propõe uma estrutura viária semelhante, no entanto, diminuindo o espaço do carro para incluir uma faixa de transição, com recomposição de mata ciliar. Acredita-se que a partir da redução das fontes poluidoras na bacia e o consequente melhoramento da qualidade hídrica das águas superficias, se tornaria possível a transformação do piscinão Parque Pinheiros, contido nesse recorte, em uma lagoa de retenção. Para garantir níveis mínimos de qualidade da água, se propõe a implantação do dispositivo filtro biológico no leito do rio em trecho anterior à lagoa. Uma situação recorrente nessa área é o uso das grades do piscinão como estrutura para pendurar varais de roupa. Portanto, sob essa lagoa se propõe um deck que seja um espaço público convidativo, quase uma extensão coletiva do espaço individual, em especial para os moradores da favela em frente à esse piscinão, cuja densidade construtiva não permite espaços livres associados à moradia.
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4,00 projeto
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situação CORTE PADRÃO | ESTRADA DO CAMPO LIMPO TRECHO COMERCIAL
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3,00 projeto situação
CORTE PADRÃO | ESTRADA DO CAMPO LIMPO TRECHO PARKWAY
ÁREA 3 | LARGO DO TABOÃO Esta é a região com maior potencial de centralidade econômica pois se configura naturalmente como um ponto de convergência, tanto do sistema viário quanto da rede hídrica. Seguindo o eixo da estrada do Campo Limpo, é interessante ressaltar a existência de dois parques: o Chácara do Jockey e Parque dos Eucaliptos. Este último é de difícil acesso, em razão de um condominio que privatizou parte de sua área e impediu o acesso pela avenida principal. Se pretende a retomada deste espaço público e a criação de uma conexão ecológica entre essas áreas verdes através de uma avenida do tipo Parkway, que priorize a arborização urbana, mas também permita uma caminhada confortável. A opção por essa tipologia, diferente da adotada no trecho comercial da Estrada do Campo Limpo é viável porque nessa parte o fluxo de carros e a demanda por estacionamento é menor. O Piscinão da Sharp representa um obstáculo na conexão transversal da Estrada do Campo Limpo e Rua José Pestana, em Taboão. No entanto, em razão de seu tamanho — área ocupada de cerca de 94 mil m² e capacidade de reservação de 500 mil m³, seria economicamente inviável o seu tamponamento. Em uma área imediatamente adjacente ao piscinão existe um terreno de grandes dimensões, com densidade arbórea considerável. Trata-se da Chácara Pirajussara, que é um resquício do tipo de ocupação predominante dessa área antes dos processos de expansão da metrópole, que determinaram a estrutura territorial atual. Se sugere portanto, o redesenho do piscinão de forma a conter o seguinte programa: conexão transversal para pedestres e ciclistas, facilitando a mobilidade urbana entre os dois bairros e cidades; incorporação do terreno da chácara, valorizando a história do local; conexão ecológica e visual com a Parkway e Parque dos Eucaliptos; implantação de estação compacta de tratamento de esgotos em parte da área do piscinão e, por fim, a promoção do uso múltiplo para lazer, retomando a essência do projeto desses espaços. Em razão da sua tipologia arquitetônica — mais horizontal do que vertical, pode-se pensar usos de lazer ativo
[fig. 77] Pórtico da Chácara Pirajussara. Foto: Douglas Nascimento
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CORTE PADRÃO | RODOVIA RÉGIS BITTENCOURT TRECHO CENTRO DE TABOÃO
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ENTERRAMENTO DA RODOVIA EM TRECHO URBANO POLO CULTURAL PQ. CHÁCARA DO JOCKEY AMPLIAÇÃO DO PARQUE DOS EUCALIPTOS
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REDESENHO DO PISCINÃO DA SHARP
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LARGO DO TABOÃO
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CENTRALIDADES COMERCIAIS
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ESQUEMA | ENTERRAMENTO DA RODOVIA
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que não demandem construções específicas, como quadras, pistas de cooper e campo de futebol. O eixo da rodovia Régis Bittencourt é marcado pelo conflito entre carros e pedestres. A rodovia corta o território em um trecho urbano, dificultando o caminhar pelo centro comercial existente. Além disso, o largo do Taboão, tradicional praça de manifestação e encontro, aparece no tecido urbano como um resquício do sistema viário, servindo apenas à passagem de pedestres e circulação de veículos, sem que haja espaços de estar. O piscinão Eliseu de Almeida, adjacente à praça, se configura como uma barreira, uma grande cicatriz no bairro, que tem de ser contornada.
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A partir desse cenário, se busca um redesenho que melhore as relações entre os diferentes modais de transporte, redistribuindo fluxos e espaços. Uma estratégia essencial para essa área de intervenção é que o fluxo principal da rodovia, composto por veículos cujo destino é São Paulo, seja rebaixado em trincheira em um trecho de 1,3km, que compreende desde a ultima passarela da rodovia até pouco antes do acesso à Av. Guilherme Dumond Villares. Em parte desse trecho, se prevê o tamponamento da trincheira através de uma laje que facilite sua transposição no nível da rua, tanto para o cruzamento de veículos quanto para a circulação de pedestres. Para o fluxo secundário, formado por veículos que têm como destino as imediações da centralidade de Taboão, se propõe a redução da velocidade, alargamento das calçadas, criação de espaços de estacionamento e arborização urbana. Por conta das dinâmicas da metrópole, em especial a inauguração do Rodoanel Mário Covas e do aumento do trânsito na região central de Taboão, boa parte das fábricas que antes se instalava na beira da rodovia Regis Bittencourt, porém muito próximo ao centro da cidade, migrou para lugares mais adequados ao trânsito de caminhões. Logo, nessa área há uma disponibilidade de terrenos vazios e construções de grande porte para demolição ou retrofit, o que é uma potencialidade para o mercado imobiliário. O que se espera o incentivo aos usos comerciais e corporativos nessa região, através de concessões, incentivos fiscais e flexibilização de parâmetros urbanísticos, de forma a ampliar a oferta de emprego.
Evidentemente este é um ponto central em termos de mobilidade, pois oferece a oportunidade de conexão entre os ônibus intermunicipais no eixo Régis Bittencourt /Eliseu de Almeida com os do munícipio de São Paulo, no eixo Estrada do Campo Limpo/Francisco Morato. No entanto, em razão da configuração viária desse cruzamento, essa conexão é desconfortável e até perigosa. A estratégia de rebaixar o fluxo principal da rodovia permite conectar espaços subutilizados, como o estacionamento do Hipermercado Extra, o próprio Largo do Taboão e o piscinão para a criar uma praça que permitirá uma conexão agradável entre as estruturas de transporte requeridas: estação de metrô e uma estação de transferência. Sugere-se que a estação de transferência assuma um formato de pavilhão e contenha em si pequenos atrativos, como lanchonetes e lojas. Imagina-se que essa praça seria um ponto central e referencial do território, servindo como palco de manifestações e ponto de encontro, aos moldes do que tem se tornado o Largo da Batata, em Pinheiros. Além disso, em razão da confluência do rio Pirajuçara com seu maior afluente, o Poá, o Largo do Taboão é uma área historicamente alagavel, cuja vegetação predominante era a taboa, compondo, portanto, o Taboal. Logo, uma outra intenção projetual, é retomar a memória do local, entendendo sua importância para a formação da cidade. Hoje, nesse espaço, é onde o rio, até então aberto, passa a correr em galerias de concreto, sob a Av. Eliseu de Almeida. Por essa razão se propõe que, além de representar a prevalescência do pedestre e do transporte público sobre o carro, esse espaço público assuma a tipologia de praça molhada, como um reflexo da relação entre água e concreto, e um estímulo à relação água e cidade.
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Considerações finais 188
Ao longo de seu processo de expansão, a metrópole de São Paulo, cujo núcleo urbano teve sua origem na confluência de dois rios, negou, quase que por completo, a relação com as águas. Isso se deu, principalmente, em razão da ascensão de uma ideologia higienista que objetivava uma cidade mais limpa, arejada e saudável, idealizando, no entanto, uma paisagem europeia, muito diferente da realidade tropical. A expansão da cidade foi pautada também sob uma lógica de higienismo social, que determinou claramente quais eram os espaços de ricos e de pobres no tecido urbano. O padrão periférico de urbanização, através do qual a mancha urbana se expandiu, é caracterizado por loteamentos distantes com ausência total ou parcial de infraestutura, onde a autoconstrução da casa e da cidade é o cenário mais comum. São territórios carentes de serviços e equipamentos básicos e não há uma estruturação racional do tecido urbano. Isso limita a mobilidade de seus moradores, dependentes de um transporte público de baixa eficiência. São, portanto, áreas confinadas, onde o acesso à educação, lazer, saúde, cultura, enfim, aos atributos de cidade, encontra uma série de obstáculos. Essa situação é agravada pela baixa oferta de emprego formal, já que as oportunidades concentram-se no centro econômico metropolitano, ou seja, no centro expandido de São
Paulo, o que demanda deslocamentos pendulares da maior parte da população. Cabe reforçar que esse modelo de organização territorial é resultado das forças dos poderes público e privado, cada qual com seus interesses e influência, pois foi por omissão do Estado que o mercado imobiliário regeu a estruturação da metrópole. Pelo fato de existirem áreas até onde o mercado tende a chegar e limites que não serão transpostos de forma alguma, ao menos num horizonte de médio ou curto prazo, é que se pode afirmar que existem periferias dentro da periferia, com mais ou menos acesso à cidade. Nesse sentido, esse trabalho foi uma tentativa de dar voz às áreas invisíveis da metrópole, em especial os territórios fora dos limites administrativos da cidade de São Paulo, por entender que a população que ali reside está sujeita a outros tipos de exclusão. Tende-se a acreditar que este objetivo foi cumprido, pois esse trabalho se configurou como uma denúncia das violências urbanas às quais a população mais periférica está sujeita. Posso dizer que, para mim, o aspecto mais interessante desse trabalho é a cartografia aqui apresentada, que representa, por si só, um avanço em termos da documentação da bacia do Pirajuçara e também da periferia de Embu das Artes. As bases cartográficas com as quais trabalhei, com exceção das disponibilizadas pelo município de São Paulo e pelo CEM, eram muitas vezes desatualizadas ou incompletas. Logo, pude perceber que as prefeituras são extremamente carentes de informações do seu município e isso obviamente reflete na relação das pessoas para com a cidade. Tive uma grande dificuldade para obtenção das bases, embora fossem produtos de domínio público. Este obstáculo, que foi o maior contratempo que enfrentei na elaboração desse trabalho, foi também a maior motivação para a conclusão do mesmo, pois entendi que romper essa barreira seria uma forma de reforçar a identidade periférica. Em relação às propostas, o que se pode concluir é que apesar de o pensamento em escala macro ser importante para direcionar as estratégias e também para identificar potencialidades de cada porção da bacia, é na escala micro que as intervenções são sentidas
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pela população. Iniciativas pequenas, replicadas pelo território, tem um poder muitas vezes maior e mais democrático do que grandes estruturas, seja em termos culturais, ambientais ou econômicos. A descentralização é uma forma de reduzir deslocamentos e estimular a sustentabilidade urbana.
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De qualquer forma, as intervenções na escala micro demandam um olhar atento e sensível ao território, que considere as demandas dos usuários. Por isso a metodologia participativa se mostrou tão eficaz. Embora eu tivesse uma proximidade considerável com todas as áreas de intervenção, foi o contato direto com a população, através não só da oficina, mas também de outras trocas que realizei ao longo da elaboração desse trabalho, que permitiu que o resultado final fosse uma síntese das reivindicações, desejos e sonhos de todos aqueles que tomaram conhecimento do projeto. Nesse sentido, lamento não ter optado pela participação popular em todas as áreas de intervenção. Em todo modo, senti que as propostas aqui apresentadas vão muito além do papel do arquiteto, exigiriam, portanto, um aperfeiçoamento a partir da contribuição de profissionais das mais diversas áreas. Assim, embora o plano urbano fosse o objetivo final desse trabalho, o processo de elaboração se mostrou muito mais rico do que eu imaginava. Para mim, toda a experiência foi de profundidade. Envolveu, sobretudo, o reconhecimento de uma parte da história que não é só minha, é dos meus pais, dos meus avós, dos meus vizinhos e amigos; e também dos outros milhares de habitantes dessa bacia. A escolha por essa área foi arbitrária e pessoal, nada mais do que uma tentativa de compreender porque a metrópole se estrutura dessa forma, porque razão os padrões espaciais são tão diferentes e o que poderia ser feito para melhorar as condições de vida da população marginalizada. Muito além das minhas realizações pessoais, esse trabalho é a história contada por quem vive aqui.
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