ê i s s o D A L O G N A
Dados Gerais GEOGRAFIA Área: 1 246 700 km2 Costa: 1 600 km Terra Irrigável: 800 km2 Recursos Naturais: Petróleo, diamantes e minérios
POPULAÇÃO Habitantes: 12 127 000 Grupos Étnicos: Ovimbundu (37%), Kimbundu (25%) e Bakongo (13%) Índice de Desenvolvimento Humano: 161.º lugar (0,439)
POLÍTICA Capital: Luanda Divisões Administrativas: 18 províncias Poder Executivo: Chefe de Estado e Governo (Eduardo dos Santos) e Primeiro-Ministro (Paulo Kassoma) Poder Legislativo: Assembleia Nacional (220 lugares)
ECONOMIA Moeda: Kwanza (AOA) PIB per capita: 4 300 dólares PIB Taxa de Crescimento: 14% População Abaixo da Linha de Pobreza: 70%
SAÚDE Taxa de Mortalidade Infantil: 185,36/1 000 nascimentos Esperança de Vida à Nascença: 38,62 anos Acesso a Água Potável – Saneamento Adequado: 50% – 30% Médicos: 8/100 000 habitantes
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TRANSPORTES E COMUNICAÇÕES Estradas Pavimentadas – Caminhos-de-Ferro: 5 349 km – 2 761 km Telefones Móveis: 1 094 100 Estações de Rádio – Estações de Televisão: 27 – 6 Utilizadores de Internet: 172 000
EDUCAÇÃO Taxa de Alfabetização Adultos: 66,8% Línguas: Português (oficial) e bantu
RELIGIÃO Católicos: 8 080 000 (66,63%) Outras Confissões: Religiões tradicionais (47%) e protestantes (15%)
SOBRE ANGOLA O nome Angola é uma derivação portuguesa do termo bantu N’gola, título dos reis do Reino do Ndongo existente na altura em que os portugueses se estabeleceram em Luanda, no século XVI. Angola está situada na parte ocidental da África, concretamente na zona Austral. O seu território corresponde a uma costa marítima de 1.650 km de norte a sul, banhada pelo Oceano Atlantico e a 4.837km de território fronteiriço, na sua plataforma continental. Tem 1.246.700 km2 de superficie. A Província de Cabinda é uma área administrativa que fica mais a Norte e forma um pequeno território ainda separado do resto do país, confinando com a República Democrática do Congo a Norte e Nordeste e com a República do Congo (Brazaville). Angola tem uma fronteira extensa a Norte e Nordeste, com a República Democratica do Congo, com a Zâmbia a Sudeste e com a Namíbia a Sul. O território de Angola pode ser dividido em 6 áreas geomorfológicas: área costeira, cadeia de montanhas marginal, o velho planalto, a bacia do Zaire, a bacia do Zambeze e do Cubango. As bacias ocupam 60% do território que se caracteriza por planaltos, nas terras interiores e pelo relevo do Talude Atlântico que desce em degraus até ao oceano. Cerca de 65% do território está situado a uma altitude entre os 1000 e 1600 m. Na região central encontra-se os pontos mais altos: Monte Moco (2620 m.) e o Monte Meco (2538 m.). No planalto central, encontram-se as origens dos mais importantes rios que correm em três direções: (Atlântico) E > W, Sudeste > Sul e Norte. Estas são as cinco bacias hidrográficas: Zaire, Kwanza, Cunene, Cubango e Queve. Em Angola existem actualmente cerca de 1000 religiões organizadas em igrejas ou formas análogas. Dados fiáveis quanto aos números dos fiéis não existem, mas a grande maioria
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dos angolanos adere a uma religião cristã ou inspirada pelo cristianismo. Cerca da metade da população está ligada à Igreja Católica, cerca da quarta parte a uma das igrejas protestantes introduzidas durante o período colonial: as baptistas, enraizadas principalmente entre os bakongo, as metodistas, concentradas na área dos ambundu, e as episcopais/ congregacionais, implantadas entre os ovimbundu, para além de comunidades mais reduzidas de protestantes reformados e luteranos. A estes há de acrescentar os adventistas, os neo-apostólicos e um grande número de igrejas pentecostais, algumas das quais com forte influência brasileira. Há, finalmente, duas igrejas do tipo sincrético, os kimbanguistas com origem no Congo-Kinshasa, e os tocoistas que se constituíram em Angola, ambas com comunidades de dimensão bastante limitada. É significativa, mas não passível de quantificação, a proporção de pessoas sem religião. Os praticantes de religiões tradicionais africanas constituem uma pequena minoria, de carácter residual. Há apenas 1 a 2% de muçulmanos, quase todos imigrados de outros países (p.ex. da África Ocidental), cuja diversidade não permite que constituam uma comunidade, apesar de serem todos sunitas. Arábia Saudita anunciou recentemente que irá construir em Luanda uma universidade, o que está a ser visto como um esforço para promover o islã em Angola. Uma parte crescente da população urbana não tem ou não pratica qualquer religião, o que se deve menos à influência do Marxismo-Leninismo oficialmente professado nas primeira fase pós-colonial, e mais à tendência internacional no sentido de uma secularização. Em contrapartida, a experiência com a Guerra Civil Angolana e com a pobreza acentuada levaram muitas pessoas a uma maior intensidade da sua fé e prática religiosa, ou então a uma adesão a igrejas novas onde o fervor religioso é maior.
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Crianças Consideradas Bruxas são Torturadas na Angola Por Paul Salopek Correspondente Internacional do Tribune 28 de Março de 2004 Uíge, Angola
Helena Kufumana seria uma bruxa patética. longe de exalar maldade, a estudante de 13 anos de idade é nervosa e tímida. Sua camiseta com estampa do desenho animado "101 Dálmatas" é suja e nao é de seu tamanho. Ela balança os pés descalços sob sua cadeira de um jeito que todas as crianças costumam fazer. E ela chora muito. Especialmente quando se refere a tortura que sofreu. No mês passado, Helena foi acusada pelos pais de ter causado o adoecimento de duas de suas sobrinhas atraves de feitiços malignos. Em retaliação, conta a garota perplexa, uma de suas pequeninas mãos foi queimada no fogo em brasa. Seus poucos pertences, inclusive roupas, foram incendiados. Ela foi asfixiada. E finalmente, para destruir sua reputação perante a comunidade, ela foi espancada na frente de uma grande multidão. Sua mãe e irmãs mais velhas administravam as punições. "Elas me disseram que se eu tentar voltar para casa elas vão me matar", solucou Helena derramando suas lagrimas sobre o chão do abrigo da igreja onde foi levado para sua segurança. "Elas dizem que eu sou amaldiçoada". Muitas crianças parecem ser consideradas amaldiçoadas nesses dias no interior pobre da Angola e acusadas de feitiçaria por suas famílias, sendo em seguida, sistematicamente, abusadas, abandonadas e até assassinadas por causa de seus imaginarios atos de bruxaria. A escala e a crueldade dos atentados contra essas crianças chamadas de feiticeiras, ou crianças bruxas, impressiona ate mesmo os mais insensiveis defensores dos direitos humanos nesse país-assombrado pela guerra, e alguns declararam que esse tipo de abuso é uma das manifestações mais preocupantes da violência doméstica vista na África nos últimos anos. No Uíge, uma pacata cidade montanhosa perto da fronteira do Congo, os defensores das crianças contam que um adolescente acusado de feitiçaria foi incendiado por uma multidão, que incluía seus próprios parentes. Outro menino foi enterrado vivo, sob o cadáver de um homem que ele supostamente havia enfeitiçado, afirmam os defensores. As crianças mais sortudas são meramente expulsas de suas casas. Eles percorrem as ruas como cães sem dono, sobrevivendo dos restos
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de comida que catam dos mercados. "Muitos dos milhares de meninos de rua da Angola são ,provavelmente, vítimas desta tendência", disse Matondo Alexandre, um especialista em proteção à criança junto ao Fundo das Nações Unidas para a Infância na Angola. "Isso é algo novo para nós", acrescentou Alexandre. "Na cultura Africana, geralmente, as pessoas mais velhas é que são acusadas de praticar bruxaria. Agora estamos vendo aparecer casos envolvendo bebês. "Por que os angolanos estão se voltando com essa ferocidade terrível contra os seus jovens, especialmente neste momento relativamente benigno de sua dolorosa história, é uma questão que poucos especialistas podem responder com certeza.
Possíveis causas do abuso alguns culparam a recente proliferação de igrejas evangélicas pentecostais na Angola, cuja visão apocalíptica do universo - e lucros com exorcismos – combinam perfeitamente com uma epidemia de feitiçaria. Outros citaram a propagação de crenças em magia particularmente nocivas, vindas do vizinho Congo, onde o fenomeno das crianças bruxas também está criando raízes em um clima de anarquia política e econômica. Mas a maioria dos especialistas concordaram que as verdadeiras respostas estão enterradas nos destroços socias de uma guerra civil extremamente degradante na Angola, um fratricídio que durou 27 anos e terminou há apenas dois anos deixando a Angola com um caso surpreendente de transtorno de estresse pós-traumático. "O medo de bruxaria tem eclodido em muitas sociedades em tempos de angustia”, disse Francisco da Mata Mourisca, bispo católico de Uíge, cujo extenso complexo no topo da colina tem se tornado recentemente um ímã para as crianças tímidas, com fome e às vezes maltratadas que aparecem em busca de um refugio da caça às bruxas . "Mas você tem que se perguntar, por que nossos filhos?" de Mata Mourisca, disse. "A resposta em Angola é simples. Porque a guerra brutalizou nossas famílias na mesma intensidade que destruiu nossas casas e ruas." Isso certamente se faz verdade em Uíge, uma antiga cidade produtora de café localizada em meio as belissimas colinas cobertas de verde do planalto angolano, onde um aumento de casos fatais de abuso infantil vem alarmando os assistentes sociais. De acordo com os defensores dos direitos humanos da cidade, crianças com idades a partir de 5 anos veem sendo enforcadas, apedrejadas até a morte, violadas, queimadas e afogadas em rios depois de serem acusadas de feitiçaria. Os temas comuns em todas as suas histórias - além de partirem o coracao - são os vinculos familiares que foram rompidos sob a tensão causada pelos ataques rebeldes, contra-ataques do governo, violência gratuita, doença, fome em massa, famílias dispersas, casamentos desfeitos e introducao de crianças em várias facções armadas. Esperanca frustada é um novo fator: Dois anos após o homicida e líder rebelde Jonas Savimbi ter sido assassinado por tropas do governo, encerrando assim uma das mais longevas guerras civis do mundo, a vida para a maioria das famílias angolanas ainda não melhorou. Quase metade das crianças do país estão desnutridas. "Ninguém pode mais cuidar desse monte de crianças dispersas", reclamou Carolina Jorge, uma avó de 45 anos que, pelos padrões ocidentais, mais parece uma velha enrugada de 85 anos. "Elas sao estragadas pela bruxaria." Seus netos José, 10, e Carolina, 7, aparentemente foram enquadrados nessa infeliz categoria. Os dois irmãos foram morar com a avó recen-
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temente depois que seus pais morreram de causa indeterminada - possivelmente AIDS. Como de costume, as crianças foram acusadas de terem enfeitiçado os próprios pais. No mês passado, a polícia os encontrou gemendo, amarrados, espancados e presos dentro de um curral na parte de atrás do sombrio casebre de barro da avó. Acusada de agressao e presa numa rara reação do governo a tais abusos, a mulher foi jogada na prisão por cinco dias. "Aquelas crianças não eram normais", disse a avo, sem se arrepender. "Eles tinham uma mala, que fazia um barulho como um canto. E o menino baguncava sua cama todas as noites. Ele estava possuído." O menino traumatizado, a menina e a tal mala foram enviados para um orfanato na distante capital de Luanda. Os ingredientes finais dessa triste e desconcertante epidemia de perseguição as crianças na Angola, são os homens que lucram com isso, homens como Papa Matumona. Vestido com uma calça imaculadamente branca e uma camisa colorida repetidamente estampada com o rosto de Marilyn Monroe, o “curandeiro” mais poderoso em Uíge dirige um centro de tratamento evangélico para crianças bruxas. Outros, no entanto , o chamam de “câmara de tortura”. "Ele obriga essas criancas a pular e dançar por horas durante a parte mais quente do dia", a fim de purificá-los de poderes mágicos, disse Leopoldina Neto, uma oficial de protecção a criança da Unicef na cidade. "Ele bate nelas. Ele coloca pimenta em pó em seus olhos e escorre óleo de palmeira fervendo em seus ouvidos." Matumona, 51, negou a acusacao. "Eu curo com amor, eu curo com amor”, disse ele, segurando uma Bíblia em seu Centro Provincial de Psiquiatria Tradicional, localizado em uma antiga pastelaria abandonada durante a guerra. Matumona disse que seus serviços eram gratuitos, mas mais tarde ele admitiu que colocava seus jovens pacientes para trabalhar em suas plantacoes de vegetais para pagar pelo tratamento - uma comercialização de sofrimento que faz da bruxaria um dos poucos empreendimentos rentáveis na Angola pós-guerra, junto com o óleo . Outros curandeiros exigem uma cabra ou uma panela de alumínio dos pais, a fim de identificar qual filho ou filha é uma bruxa. Assim, o círculo de oferta e demanda está completo. Funcionarios da ONU estão esperam quebrar este ciclo de exploração através do lançamento de campanhas para educação dos pais. Será uma batalha difícil. Um estudo consolidado internacionalmente sobre o problema foi arquivado. O pesquisador-chefe, um Angolano, como a maioria dos policiais locais responsáveis pela protecção dos direitos das crianças, chegou a conclusao que a bruxaria era real. Entao as unicas vozes levantadas em defesa das “crianças bruxas”, são na maioria das vezes, as delas mesmas. "É tudo mentira", disse Sebastião Nzuzi, 12, um pequeno e sorridente menino careca que foi apedrejado na sua aldeia por ter sido considerado um bruxo. "Eu não preciso ser curado. Eu sou tão normal quanto qualquer um." Sebastião absorveu algumas lições de auto-estima no orfanato católico local. Vinte “crianças bruxas” estavam ali, naquela pequena casa limpa e resistente, localizada debaixo de algumas árvores de eucalipto. Ser resistente foi muito bom, pois na tarde do dia seguinte, moradores de favelas vizinhas reuniram-se para apedrejar a casa. Eles gritavam que aqueles meninos estavam voando sobre seus barracos à noite, tentando enfeiticarr seus filhos. Sebastião e os outros amaldiçoados se desesperaram dentro da casa. Copyright © 2011, Chicago Tribune Publicado por CHICAGO TRIBUNE: http://www.chicagotribune.com/services/newspaper/eedition/chi-0403280349mar28,0,3134371,full.story
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Crianças Acusadas de Feitiçaria em Angola Por Ingrid Schrijnemaekers, de Angola 28 de Março de 2004 No ano de 2007 assistindo a um documentário na TV, ouvi um relato de crianças serem acusadas de feitiçarias. Devido a este fato, elas são expulsas de sua comunidade. Aparentemente há muitas razões para isto acontecer, mas do que a pesquisa in loco. Estas crianças são normalmente meninos porque as meninas podem ajudar em casa cozinhando e limpando. E, os meninos, sempre tem um mal comportamento ou algum problema familiar (falta de dinheiro ou outros problemas). Pela tocante informação me sensibilizei, e estabeleci como meta pessoal ajudar estas crianças. Em Agosto 2009, quando estive em Angola, tive a oportunidade de realizar um programa de treinamento internacional para uma empresa estatal, chamado “Spirit and Values” (Espírito e Valores) pela Souza Queiroz Academy. Lá, mencionei meu interesse a Isilda Silva, Diretora da Angola Telecom, de visitar as crianças feiticeiras, e ela comentou que precisava fazer uma visita para estas crianças, e assim saímos a este passeio. Há muitos desses Lares em Angola para crianças acusadas de feitiçaria, formalmente chamadas de Crianças Feiticeiras. A viagem durou 6 horas, foram ao todo 317 quilômetros de Luanda até o destino ‘Uige’. A paisagem é muito linda. Mas, as comunidades são muito pobres, sem água, esgoto ou luz. Não tem sequer um posto de gasolina no caminho!!! Tivemos a oportunidade de ficar hospedadas em uma ONG chamada: Leigos para o Desenvolvimento, com sede em Portugal. A irmã de Isilda passou um ano de sua vida neste local. E este é o sétimo ano desta missão, que é baseada na tradição católica. A ONG Leigos para o Desenvolvimento – Missão Uige, realiza atividade com mães jovens, crianças e adolescentes em geral. Ali, há aulas de artes, costura, computação, junto com o que chamam de “lições para vida”. Os alunos pagam um valor simbólico, de duzentas Kwanzas que é o nome da unidade monetária local. Equivalente a US$ 2 por mês. Nesta ONG as crianças acusadas de feitiçaria, recebem aulas de reforço das classes regulares, chamadas de ‘revisadas’. Há uma biblioteca local, o que é muito útil já que um livro custa dez dólares em qualquer lugar. E em Angola cada livro custa US$ 100. O que ocorre é que eles não têm muito entendimento de como utilizar a biblioteca. No sábado, 17 de agosto, passamos a tarde com estas crianças e criamos uma atmosfera de respeito, e investimos um longo tempo falando com elas, ouvindo-as. Foi interessante observar que elas gostavam de contar estórias, mas, as estórias nunca terminavam, não tinha sentido nenhum. As crianças só queriam atenção, nada mais.
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Depois de estabelecer um ambiente harmonioso, trabalhamos com dois valores do ‘Projeto Vivendo Valores’: amor e perdão. Elas puderam falar livremente, sobre perdoar a si mesmas e as suas famílias. Um deles comentou que, quando era mais jovem ele era terrível, mas que sua família o magoou muito. Um outro jovem disse que sua mãe ia visitá-lo; então eu perguntei se ele gostaria de voltar a viver com sua família, e ele disse: não. Agora ele tinha uma nova família – este lar. Pudemos sentir o quão machucado estavam seus corações e almas. Mais tarde, sentamos ao redor de uma mesa e começamos a falar de seus sonhos. Nós perguntamos: “Com o que vocês gostariam de trabalhar?” Eles mencionaram algumas profissões: professor, engenheiro... E naquele momento, sentimos que era importante encontrar uma pessoa como modelo... Para fortalecer este sonho. Nós exploramos algumas estórias e eles falaram sobre um jovem de 20 anos que costumava morar neste lar... Ele havia ido para o exército, estava indo trabalhar como policial, e vai ganhar dinheiro, assim poderá pagar sua Universidade. Naquele momento, esta estória parecia algo possível e serviria de exemplo. Naquela tarde, tudo foi especialmente maravilhoso, e ajudou-me a entender o sentimento do que é ser acusado e expulso de uma comunidade. A história ainda não estava totalmente clara, alguma essência deveria ser acrescentada ao trabalho, alguma coisa a mais deveria ser feita. Mas o quê? Havia ali uma chama de amor... A chama estava lá! Só tínhamos que nos permitir a passar para frente, com muita humildade, pois ainda temos que aprender muito!
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Fico pensando, Como que alguém pode acusar uma criança inocente de estar “possuída”? E se isto fosse verdade, porque não ajudá-las com amor e carinho? Feitiçaria em Angola é chamada de ‘macumba’, e isso é coisa séria, é cultural. Só para se ter uma idéia, um funcionário de uma grande empresa tirou 40 dias de licença médica, concedida por um médico porque tinha sintomas de ‘macumba’ e voltou a trabalhar normalmente depois da licença sem nenhuma punição. Neste cenário imagine ser acusado de feitiçaria? Parece pior do que ser uma vitima de guerra. Onde você perde a sua família, ou se torna uma criança de rua. Onde você pode ter tido a decisão de sair de casa porque, foi expulso pelos seus pais, mas não por sua comunidade como um todo. O ‘Programa Vivendo Valores na Educação’ pode vir a ajudar estes jovens com um programa estruturado, sendo um programa abrangente de educação em valores. Como este programa educacional tem caráter global, o mesmo oferece uma ampla variedade de atividades experimentais de valores e metodologias práticas para educadores; facilitadores; pais e cuidadores; permitindo assim que crianças e jovens explorem e desenvolvam doze valores universais. E nós deixamos com a ONG Leigos para o Desenvolvimento; um kit do ‘Programa Vivendo Valores na Educação’: que acompanha um CD, jogo das cartas das virtudes, livro do Educador, livros dos Jovens, e livro para os Pais. Como o tempo era muito curto e talvez não tivesse uma outra oportunidade, concordamos que este grupo viesse a se preparar e organizar as aplicações do ‘Programa Vivendo Valores na Educação’ em Outubro/Novembro 2009. Este grupo deverá voltar a Portugal e um novo pessoal deve assumir no final do ano e esperamos que implantem o ‘Programa Vivendo Valores na Educação’. Eu pessoalmente tenho aprendido muito trabalhando em Angola, pois apesar da língua ser a mesma, a cultura é muito diferente em alguns aspectos e ao mesmo tempo parecida com a realidade do Nordeste Brasileiro. Apesar de ter nascido no Brasil, tenho dupla nacionalidade: holandesa e brasileira. Meu pai, que era holandês, me colocou para estudar num colégio americano, e mais tarde vim a trabalhar por mais de 15 anos em empresas americanas. Morei 3 anos a trabalho na Argentina, e participei de um grupo filosófico chinês durante 5 anos e pouco. E há 7 anos participo de um grupo de meditação de origem indiana. Considero-me uma cidadã do mundo e trabalho com gestão de mudança empresarial com foco no aspecto cultural. Angola é um mistério. Tão antiga, e ao mesmo tempo tão nova, com apenas oito anos de vida independente desde o término da guerra. Copyright © 2011, NOVAe Publicado por NOVAe: http://www.novae.inf.br/site/modules. php?name=Conteudo&pid=1417
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Menina Torturada Por Ser Bruxa De acordo com o que ouviu o Tribunal Central Criminal inglês, Old Bailey, uma menina de oito anos havia sido torturada e estava prestes a ser morta depois de ter sido acusada de bruxaria. O tribunal foi informado que a menina angolana havia sido colocada em um saco e estava para ser jogada em um rio quando o ataque foi interrompido. A tia da criança, de 38 anos, e Sita Kisanga, de 35, ambas de Londres, negam a tentativa de assassinato e várias outras acusações de crueldade infantil, datadas desde novembro de 2003. Sebastian Pinto, de 33 anos, e Kiwonde Kiese, de 21, ambos de Stoke Newington, negam cumplicidade e participação nos atos de crueldade contra a menina.
Espancada e cortada com faca Nas acusações contra os quatro réus consta que esfregaram pimenta nos olhos da menina e que ela foi espancada com um cinto, estapeada, ferida com uma faca e que passou fome. A procuradora Patricia May, disse que a vítima, que não pode ser identificada por razões legais, foi levada de Angola para a Grã-Bretanha em 2002 por uma das rés, alegando ser ela sua filha. O pai da menina tinha morrido em combate na guerra civil do país africano e receavam que sua mãe tinha tido o mesmo destino. A sra. May disse que a vítima e sua tia foram morar com a sra. Kisanga no início de 2003, quando começaram os maus-tratos, depois de uma outra criança ter afirmado que a vitima havia praticado bruxaria. "Esta criança foi tratada como bode expiatório por membros da família, atormentada, submetida a toda sorte de agressões", disse a procuradora Patricia May. E acrescentou: "Os maus-tratos chegaram ao ponto de que, se não tivessem sido interrompidos, teriam gerado consequências fatais." Ela disse ao tribunal que a tia da menina e a sra. Kisanga a colocaram em um saco de lavanderia, fecharam-no e, quando estavam prestes a jogá-la no rio New River, em Hackney, leste de Londres, o sr. Pinto as impediu. A sra. May contou que o sr. Pinto explicou a elas que: "Se fizessem aquilo e fossem descobertas, de acordo com a lei e os direitos da criança do país, iriam presas." A casa da sra. Kisanga foi revistada e uma série de documentos mencionando pecado, diabo e feitiçaria foram encontrados.
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Provas no diário A sra. May disse que o seu diário, escrito na língua africana de Lingala, também foi examinado. Ela disse ao tribunal: "Um texto escrito em 16 de novembro de 2003 afirmava: Houve de fato uma profecia que ela tem ndoki [a palavra Lingala que significa bruxaria]." A sra. May disse que uma análise de caligrafia apresentou fortes indícios de que as palavras haviam sido escritas pela sra. Kisanga. E acrescentou: "Esta criança foi tratada como bode expiatório por membros da família, atormentada e submetida a toda sorte de agressões, o que deve lhe ter causado considerável dor, medo e angústia. Todos os réus, em maior ou menor grau, participaram dessa conduta." Artigo da BBC NEWS: http://news.bbc.co.uk/go/pr/fr/-/2/hi/uk_news/england/london/4530197.stm Publicado em: 2005/05/09 BBC © 2011 Tradução e revisão: Carise Manga
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Angola - Crianças Vítimas de Acusações De Bruxaria A denúncia, na Grã-Bretanha, de três angolanos, pelo abuso de uma menina que eles acusavam de ser uma bruxa chamou a atenção sobre alguns costumes na Angola. Angus Stickler, do programa Today, da BBC Radio 4, foi a Angola para investigar a relação entre a feitiçaria, a pobreza e o rápido crescimento de igrejas que pregam uma poderosa mistura de crenças tradicionais africanas com cristianismo evangélico. Eu visitei o complexo da igreja CUM de Avo Kitoko, um famoso e tradicional curandeiro registrado pelo governo. Ele diz que tem o poder de identificar e libertar as pessoas de espíritos maus. "Bem, posso dizer que podemos encontrar diferentes tipos de doenças dentro de um paciente. Às vezes eles têm sonhos ruins; muitas vezes o paciente pensa que uma bruxa está colocando uma maldição sobre ele, ou que alguém está lhe desejando coisas ruins", disse ele. Entrar na "clínica" do Sr. Kitoko foi como entrar em Bedlam*. Muitos dos considerados pacientes estavam acorrentados às paredes e ao chão. Um garoto de 15 anos havia sido preso com grilhões aqui, desde janeiro. Havia mães ainda amamentando, mulheres e crianças. Foi-nos dito que muitos tinham problemas mentais – “doença” causada por espíritos malignos. Em uma sala escura, seis homens estavam acorrentados às paredes e ao chão. Irrompeu entre eles uma briga por causa de comida. Um homem tentou golpear outro com um caco de vidro.
Apenas vivo O Sr. Kitoko ficou claramente ofendido quando expressei a minha preocupação. "Isso aqui não é uma prisão! É um hospital" – disse ele, indignado. O que vimos em seguida foi mais terrível ainda. Deitado no chão do salão principal estava o corpo mole e inchado de um menino de oito anos de idade. Domingo José estava praticamente inconsciente; seu rosto, barriga, braços, pernas, até mesmo os dedos, inchados e inflamados. O menino estava praticamente morto. O Sr. Kitoko tomou um grande gole de uma garrafa de vidro e cuspiu a água no rosto de Jose. A criança estremeceu, fraca demais para gritar. Foi espalhada lama na sua barriga. O religioso agarrou e torceu a virilha de Jose.
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Ficou claro que este menino desesperadamente doente deveria estar no hospital; mas o Sr. Kitoko insistiu que a criança iria reagir à sua medicina tradicional. E explicou seus métodos: "Primeiro você começa com água benta e lama, duas coisas que estão bem preparadas. Isto porque você sabe que nossos corpos são feitos de terra – e quando morremos e nos decompomos, os ossos e os cabelos permanecem, mas todas as partes do nosso corpo voltam à terra“, disse ele. Havia 65 pacientes nessa clínica ou igreja. Quando saímos, o Sr. Kitoko perguntou, com seriedade, se porventura sabíamos de alguém que pudesse patrocinar a abertura, por ele, de uma clínica na Grã-Bretanha. “Se percebemos que uma criança está em situação ruim, tentamos ajudá-la” Dra. Manuela Coelho - Instituto Nacional de Crianças na Angola
Entramos em contato com as autoridades, desesperadamente preocupados com o bemestar do menino de oito anos de idade, em particular. A Dra. Manuela Coelho, do Instituto Nacional da Criança – o departamento governamental angolano de proteção às crianças – nos garantiu que iria agir rapidamente. "O que sabemos é que às vezes as famílias pensam que a melhor maneira de tratar alguns tipos de doença é ir aos curadores tradicionais", disse ela. "Se percebemos que uma criança está em má situação, tentamos ajudá-la, e o fazemos imediatamente". O menino está morto, agora. Apesar de repetidos telefonemas aos funcionários do governo angolano, e também dos esforços do Fundo das Nações Unidas para a Infância, a Unicef, levou pelo menos quatro dias para que alguém fosse visitar o menino. As autoridades dizem ter dado inicio a uma investigação sobre sua morte.
“Maus espíritos" Mesmo nas igrejas mais convencionais, a crença em possessão infantil é evidente. Na igreja Kimbanguista, mulheres usando vestidos verdes com golas de renda branca ensaiam para o culto de domingo. Essa é uma das maiores igrejas em Angola, mas mesmo aqui eles acreditam no poder dos espíritos malignos – de Kindoki e fetichismo. José Gomes, Secretário Nacional, disse: "Bem, podemos detectar crianças enfeitiçadas. Os pais as trazem aqui e explicam ao pastor que eles têm filhos com problemas, que às vezes a criança diz que voa durante a noite – coisas assim”. Eu lhe perguntei o que acontecia se uma criança era suspeita de estar possessa. "Se é uma criança que sabe falar, o pastor vai pedir a ela para confessar, confessar, confessar. Um pastor sabe discernir se as crianças estão enfeitiçadas ou não", disse ele.
Cabeça raspada Nos últimos anos houve um crescimento explosivo no número de igrejas alternativas. O governo diz que, somente em Luanda, há mais de 100 denominações diferentes. Nas ruas empoeiradas do Distrito Palanca, me deparei com uma pequena igreja pentecostal. Entrando em uma pequena casa de concreto me deparei com uma cena chocante.
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Sentada no chão estava uma menina de oito anos, quase nua, apavorada e com a cabeça raspada. Ela se encolheu, quando sua mãe e um pastor gritaram com ela. Isso foi um exorcismo, disse-nos o pastor. O casamento da mãe acabou; a culpa foi da criança, que estava possuída com Kindoki. Alguma coisa havia sido esfregada nos olhos da menina, como parte desse ritual. Seu tormento já durava três dias, e ainda havia mais 24 horas pela frente. O pastor desconsiderou o risco de a criança vir a morrer por causa de tal tratamento. Ele disse: "Por que a criança morreria? Se ela morrer, isso significa que é maligna”. Novamente entramos em contato com as autoridades, na esperança de que alguém iria intervir. Perto do aeroporto deste país rico em petróleo, aproximadamente meia hora dos luxuosos hotéis no centro da cidade, está um duro lembrete da vida da maioria neste país. Em um mercado provisório, barracas frágeis vendiam de tudo e qualquer coisa. As crianças vagavam sob os bancos, em absoluta miséria. Meninos pequenos catavam no meio do lixo próximo a um esgoto aberto. E isso é parte do problema – a pobreza. A Angola tem sido reprimida por quase 30 anos de guerra civil. Muitas crianças ficaram órfãs e estão sob cuidados de tias, de tios, da família extensiva. Mas eles de fato não têm condições de as manter. É socialmente inaceitável abandonar uma criança por causa da pobreza. Mas se ela está possessa, a questão é diferente.
Vidas destroçadas Um orfanato em Luanda, administrado por padres católicos da Argentina, abriga mais de 100 crianças, das quais até 40% foram abusadas, espancadas, expulsas de suas casas à medida que se acreditava que eram bruxas. O Padre Pablo José Galvan explicou: "O que descobrimos com crianças como estas é que as muito espertas, muito sabidas, ou especiais em algum outro sentido, são acusadas de bruxaria. Normalmente são muito maltratadas. Os que estão aqui e foram acusados de bruxaria... sofreram muita violência, foram agredidos com facões." As crianças ainda carregam as cicatrizes. Elas têm sido aleijadas, amarradas, queimadas, abandonadas à morte – descartadas como lixo. Um menino foi mantido em um galinheiro, e parasitas comeram seus olhos. Outro foi encontrado vivendo em uma cova de esgoto. Um deles foi acusado de ser uma bruxa, depois que seus pais morreram de Aids – e ele também é soropositivo. Baseado na palavra de um pastor ou de um feiticeiro, as crianças são espancadas, assassinadas, e os pais presos. Vidas e famílias são destroçadas. *Um asilo que existiu em Londres, para pessoas com sérios distúrbios mentais Story from BBC NEWS: http://news.bbc.co.uk/go/pr/fr/-/2/hi/africa/4677969.stm Published: 2005/07/13 13:13:44 GMT © BBC 2011 Tradução: Marinah Flor de Maio Revisão: Néjea Madruga
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Provação Africana: Estigmatizadas Como Bruxas, Então Expulsas do Lar Por SHARON LaFRANIERE De Uíge, Angola Domingos Pedro tinha apenas 12 anos quando seu pai morreu. A morte foi repentina, a causa foi um mistério para os médicos, mas não para os parentes de Domingos. Eles reuniram-se numa tarde na humilde casa de barro dos pais de Domingos, agarraram-no e amarraram suas pernas com uma corda, relatou ele. Jogaram a corda sobre as vigas da casa e ergueram-no até ser suspenso de cabeça para baixo sobre o chão de terra batida. Então, lhe disseram que cortariam a corda se ele não confessasse ter assassinado seu pai. Eles gritavam: "Bruxo! Bruxo!" – lembrou Domingos, com lágrimas escorrendo pelo rosto. "Havia tantas pessoas gritando comigo ao mesmo tempo...", exclamou ele. Assustado, lhes disse o que queriam ouvir, mas seus parentes não se deram por satisfeitos. Ferraz Bulio, líder tradicional do bairro, disse que sete ou oito pessoas estavam arrastando Domingos por uma trilha de terra até o rio, aparentemente para afogá-lo, quando ele interveio. "Eles estavam dando tapas e socos nele", disse Bulio. "Esta é a maneira como as pessoas reagem com uma pessoa acusada de bruxaria. Há muitos casos assim." Bulio tem razão. Em partes de Angola, Congo e República do Congo, um número surpreendente de crianças são acusadas de bruxaria. Em seguida são espancadas, maltratadas ou abandonadas. Defensores das crianças estimam que milhares das que vivem nas ruas de Kinshasa, capital do Congo, têm sido acusadas de bruxaria e expulsas por suas famílias; muitas vezes como justificativa para não se ter que alimentar ou cuidar delas. Funcionários do governo identificaram 432 crianças de rua que foram abandonadas ou sofreram abusos depois de serem acusadas de bruxaria em uma cidade ao norte de Angola. Um relatório apresentado no ano de 2006 pelo “Instituto Nacional para a Criança” – órgão do governo angolano – em parceria com a UNICEF, descreve o número de crianças acusadas de bruxaria como "imenso".
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A noção de crianças bruxas não é nova por aqui. É uma crença comum na Angola. A origem está na cultura dominante Bantu, que acreditam que os bruxos se comunicam com o mundo dos mortos e usurpam ou “comem” a força da vida dos outros; trazendo às suas vítimas infortúnios, doença e morte. Bruxos adultos supostamente enfeitiçam crianças dando-lhes comida, depois as forçam a retribuir com o sacrifício de um membro da família. Entretanto, as autoridades atribuem o aumento da perseguição as crianças aos 27 anos de guerra civil em Angola, que terminou em 2002, e aos constantes conflitos no Congo. Tais conflitos deixaram muitas crianças órfãs; enquanto outras famílias ficaram intactas, mas pobres demais para se alimentarem. "Os casos de bruxaria começaram quando os pais se tornaram incapazes de cuidar das crianças", disse Ana Silva, que é responsável pela proteção dos pequeninos no Instituto Nacional para a Criança. "Então começaram a buscar qualquer justificativa para expulsálos da família." Desde então, segundo ela, o fenômeno tem acompanhado os migrantes pobres das províncias do norte angolano do Uíge e do Zaire, até chegar nas favelas da capital Luanda. Dois casos horrorizaram as autoridades locais. Em junho de 2007, uma mãe de Luanda cegou sua filha de 14 anos com água sanitária para tentar livrá-la das visões malignas. Em agosto do mesmo ano, um pai injetou ácido de bateria no estômago do seu filho de 12 anos de idade porque ele temia que o menino fosse um bruxo, contou Ana Silva. O governo angolano tem feito campanha desde 2000 para dissipar noções sobre crianças bruxas, disse Silva, mas o progresso é lento. “Não podemos mudar a crença de que bruxas existem”, disse ela. "Mesmo profissionais capacitados e com instrução acreditam que bruxas existam." Em vez disso, o seu instituto está tentando ensinar figuras de autoridade – policiais, professores, líderes religiosos – que a violência contra as crianças nunca é justificada. A cidade angolana de Mbanza Congo, a apenas 80 quilômetros da fronteira com o Congo, abriu um novo caminho. Após uma criança acusada de bruxaria ser esfaqueada até a morte em 2000, as autoridades provinciais e a “Save the Children” – uma organização global de caridade – recolheram 432 crianças da rua e conseguiram que 380 delas voltassem a morar com parentes, declarou o relatório sobre bruxaria. Onze igrejas fundamentalistas foram fechadas depois de relatos de exploração e abuso de menores. Oito pastores congoleses foram deportados. As vilas formaram comitês para monitorar e defender os direitos das crianças. Após estas medidas, as autoridades dizem que o número de crianças que são abusadas ou que vivem nas ruas caiu drasticamente. Já em Uíge, cerca de 160 quilômetros ao sul de Mbanza Congo, é outra história. A cidade é um aglomerado de barro e lama em meio a colinas verdes, que possui lojas marcadas por buracos de balas em toda sua extensão. Nesta região a perseguição às crianças está aumentando, conforme declarou o bispo Emilio Sumbelelo, da Igreja Católica de São José. "É muito, muito comum nas aldeias (a perseguição)", disse ele. "Nós sabemos que algumas crianças foram mortas." Em sua igreja, está o único santuário para crianças vítimas de bruxaria. É um abrigo pouco maior que uma garagem para três carros. Trinta e dois meninos, incluindo Domingos, ocupam beliches colocados a um pé de distância um do outro. As poucas roupas são guardadas em caixas embaixo das camas. Não existe abrigo para meninas.
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Desde julho, todos os recém-chegados foram mandados embora. "As crianças vêm aqui para pedir proteção, mas não temos espaço", disse o bispo. "Até o momento, não encontrei nenhuma forma especial de luta contra este fenômeno." Muitos meninos descrevem um passado de rejeição, abuso e medo. David Gomes Saldanha, 18 anos, morava com sua tia até os 12 anos. O rapaz contou que ela se voltou contra ele depois que sua filha de 3 anos adoeceu e morreu. Depois, sua tia se recusou a alimentálo e amarrava suas mãos e pés a cada noite, temendo que ele pudesse fazer outra vítima. Um vizinho finalmente o alertou a fugir. "Eu não sou um bruxo e eu não era um bruxo", disse Saldanha. "Mas eu tive que fugir porque estavam ameaçando me matar. " Afonso Garcia, 6, pegou o último berço vazio do abrigo em julho último. "Eu vim aqui por minha conta porque meu pai não gosta de mim e eu não estava comendo todos os dias ", falou ele com impressionante naturalidade. Há três anos, após a mãe de Afonso falecer, ele foi morar com seu pai. Sua madrasta, Antoinette Eduardo, começou a suspeitar que ele era um bruxo depois que as crianças da vizinhança informaram que ele tinha comido uma gilete. Além disso, conta ela, "ele estava ficando cada vez mais magro, mesmo comendo muito bem." Sob interrogatório, ela disse que Afonso afirmou que um parente teria o visitado em seus sonhos, exigindo que matasse um membro da família. Afonso nega ter confessado a “bruxaria”. O que se desenrolou depois é típico de muitos casos aqui. Os parentes de Afonso procuraram um curandeiro tradicional para “curá-lo”. O curandeiro, João Ginga, 30, trabalha num lugar que ele chama de um “hospital” - uma sala apertada de paredes de barro. "Se alguém tem um espírito ruim, eu posso discernir", disse ele em uma manhã em que seus clientes esperavam em um banco. "Nós tratamos mais de mil casos por ano." Com um empreendimento tão movimentado, o Sr. Ginga observou que não conseguia se lembrar do caso de Afonso. A tia de Afonso, Isabella Armando, relatou que sua família deu o Sr. Ginga 270 dólares em dinheiro, velas, perfume e talco para tratar Alfonso. O Sr. Ginga realizou alguns rituais, colocou uma substância nos olhos de Afonso – “que o fez chorar de dor” – e pronunciou tê-lo curado, conta Isabella. Porém, seu pai e a madrasta, os únicos parentes que poderiam ter recursos para cuidar dele, não concordaram e o expulsaram de casa. "Eu tinha pena dele, e eu continuo a ter pena dele, porque ele estava vivendo nas ruas", explicou a madrasta. "Mas estávamos com medo." Sr. Ginga não é o único curandeiro por aqui que alega curar crianças bruxas. Sivi Munzemba é uma mulher que diz ter exorcizado crianças possuídas
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inserindo um cataplasma de plantas em seus ânus, raspando suas cabeças e trancando-os durante duas semanas em sua casa. Moisés Samuel, diretor do escritório provincial do instituto das crianças, disse estar preocupado não apenas com os curandeiros tradicionais, mas também com um bando de igrejas e seus “adivinhos” que alegam exorcizar os maus espíritos. Estas igrejas atraem multidões mesmo em dias de semana. Uma vez marcadas como bruxas por um adivinho ou curandeiro, especialistas em bemestar infantil dizem que até mesmo a polícia muitas vezes recua diante delas. Oficiais mantiveram Domingos, o menino que foi suspenso numa viga, por uma noite na delegacia e então o mandaram para casa. Eles nunca investigaram o tio de Domingos que liderou o ataque, declarou Bulio, o líder da comunidade. "Claro que foi um crime", afirmou Bulio. "Mas porque é bruxaria, a polícia não vai assumir qualquer responsabilidade". Domingos, agora com 15 anos, insistiu que “confessou” ser um bruxo apenas para salvar sua vida. Entretanto, mesmo sua mãe de 32 anos de idade, Maria Pedro, não acredita nele. A senhora Pedro, obviamente gosta de Domingos, seu filho mais velho. Ela exalta o progresso do menino nos estudos e se preocupa com novos ataques de seus parentes, diz que ele deve deixar o abrigo. Ainda assim, ela suspeita que seu filho foi enfeitiçado para matar. "Deve ser verdade porque ele confessou", disse ela, olhando Domingos cuidadosamente atrvés de uma mesa em sua casa de dois quartos. Ouvindo isso, Domingos se levantou e caminhou rapidamente para fora da casa. Dez minutos depois, ele reapareceu na porta com a face rubra: "Mãe, a partir deste dia, eu não sou mais seu filho", declarou ele ferozmente. A Sra. Pedro, emudecida, assistiu-o ir. “Eu simplesmente não sei porque Domingos ficou tão furioso”, disse ela mais tarde. História do New York Times: http://www.nytimes.com/2007/11/15/world/africa/15witches.html Publicado em: 15 de novembro de 2007 Tradução e revisão: Thalita A. Sztoltz
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Crianças Africanas "Bruxas" Abusadas, Abandonadas A superstição e a pobreza cobram seu preço aos jovens angolanos e congoleses Por Sam Gale Rosen Milhares de crianças em Angola, Congo e República Democrática do Congo estão sendo maltratadas, abandonadas e até mesmo mortas depois de serem acusadas de bruxaria, segundo relatórios de New York Times. Tais acusações — originadas de superstições tribais e da pobreza que deixa algumas famílias incapazes de cuidar de crianças — são um enorme problema, deixando centenas de crianças sozinhas nas ruas de cidades como Luanda e Kinshasa. Um funcionário do governo atribuiu o aumento de tais incidentes em razão dos conflitos que devastaram Angola e o Congo, por décadas, deixando a pobreza como rastro. Os casos de bruxaria começaram quando os pais se tornaram incapazes de cuidar das crianças, disse o funcionário. Então começaram a buscar qualquer justificativa para expulsá-los da família. História do Newser: http://www.newser.com/story/11745/africas-child-witches-abused-abandoned.html Publicado em: 15 de novembro de 2007 Tradução e revisão: Thalita A. Sztoltz
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Papa Manda Clero Angolano Trabalhar Contra a Crença em Bruxaria Por: Barry Bearak
LUANDA, Angola - Papa Bento XVI, concluindo no sábado sua primeira viagem à África, falou a padres e freiras do seu dever de desviar seus colegas angolanos das crenças malignas em bruxaria e feitiçaria. "Quem pode ir até eles para anunciar que Cristo venceu a morte e todos aqueles poderes ocultos?", perguntou aos presentes em uma missa fechada para convidados, sob a linda cúpula azul da Igreja de São Paulo, na capital. A luz da manhã através dos vitrais inundava o ambiente - uma imagem de Cristo na cruz no centro - enquanto o pontífice alemão de 81 anos falou de angolanos que, por terem tanto medo de espíritos malignos condenam indevidamente crianças inocentes e idosos de possessão demoníaca. Foi um momento sombrio no final da homilia de Bento XVI, palavras de desafio para os devotos vestidos de hábitos brancos que lotavam os bancos da igreja. A atmosfera mudaria totalmente mais tarde, quando o papa falou a milhares de jovens em um estádio de esportes, ao ar livre. Bandas de samba e reggae prepararam o público para Bento XVI que citou o Apocalipse, assegurando os jovens, vestidos de jeans e camiseta, de que Deus é o futuro, e que está pronto para enxugar suas lágrimas e acabar com a sua dor. Esta foi a primeira viagem do papa à África, onde a Igreja Católica Romana vem tendo um crescimento notável, um continente com problemas extraordinários, incluindo a região abaixo do Saara, onde ocorrem três quartos do total mundial das mortes por AIDS e onde 610 milhões de pessoas vivem em média com menos de 2,50 dólares por dia. Na terça-feira, a visita de Bento começou em Camarões, onde, entre outras questões, ele falou da concorrência por almas entre a Igreja Católica e o Islã. Na sexta-feira, Angola, rica em petróleo, foi a sua segunda e última parada, onde ele imediatamente falou contra a corrupção e o descaso dos pobres pelos ricos. No sábado, na Catedral de São Paulo, falou de alguns africanos que misturam Cristianismo com animismo, vivendo "com medo de espíritos, de poderes malignos e ameaçadores." O papa perguntou retoricamente: "Por que não deixá-los em paz? Eles tem a sua verdade, e nós, a nossa. "Então disse não haver injustiça nenhuma em apresentar os caminhos de Cristo aos outros, dando-lhes a oportunidade de encontrar seu mais verdadeiro e mais autêntico eu", oferecendo-lhes "essa possibilidade de ter vida eterna."
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Grupos de direitos humanos irão provavelmente apreciar a decisão de Bento XVI de levantar a questão da feitiçaria. Em partes de Angola, Congo e República do Congo, milhares de crianças são acusadas de bruxaria sendo expulsas de suas casas, cegas ou assassinadas, de acordo com a organização Advocates for the Youngsters (red.: Defensores para os Jovens). O relatório sobre Direitos Humanos mais recente do Departamento de Estado dos EUA, afirma que crianças acusadas de feitiçaria sofrem abusos como "privação de alimentos e água, cortes ritualísticos e aplicação de vários produtos cáusticos ou pimenta em seus olhos ou ouvidos." O relatório cita um caso de 2007, onde um professor foi condenado a oito anos de trabalhos forçados por ter sequestrado e espancado duas crianças por suspeitar que praticavam feitiçaria, uma delas morreu em decorrência dos ferimentos. Há outras ameaças para os jovens, é claro, e Bento XVI mencionou-as no estádio. "A cultura social predominante não vos ajuda a viver pela palavra de Jesus", disse para cerca de 20 mil devotos adolescentes e jovens adultos, descrevendo tal cultura como "individualista e hedonista." Um dos jovens do público, Quimimo de Almeida Jamba, de 17 anos, disse saber muito sobre esse hedonismo, explicando gastou a maior parte de seu dinheiro em cerveja e maconha. "Mas o Santo Padre pode me endireitar", disse confiante. "É por isso que eu vim aqui, para ser religioso. Eu quero ser piloto um dia." Florêncio Lucas, um professor de 30 anos de idade, vestindo uma camiseta do Papa Bento XVI, disse ter seguido rigidamente as ordens da Igreja: sem drogas, sem álcool, sem sexo antes do casamento. Mas, sorriu timidamente. "Talvez não a parte do sexo", disse ele, além de admitir que desobedeceu ensinamentos do papa sobre controle de natalidade. "Os preservativos nos protegem de doenças sexualmente transmissíveis", disse Lucas. "Preservativos são muito bons."
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No voo de Roma para a África, Bento XVI havia renovado a oposição da Igreja ao uso de preservativos como prevenção contra a AIDS, ao ponto de dizer que a precaução "acaba, na verdade, aumentando o problema" da infecção por HIV. Fernanda Gabriela Abel, de 16 anos, disse discordar do papa sobre esse assunto, mas, que ele é, no entanto, um ótimo ser humano. "É como se pudéssemos falar com ele sobre qualquer assunto," disse ela sobre o homem cujo rosto estava estampado em sua camiseta enorme. "O papa nos ouve, não é como algumas pessoas - não como os meus pais, por exemplo. Meus pais não querem discutir nada que diz respeito a gravidez ou aborto. Eles não querem lidar com isso." 2 mortos em debandada LUANDA, Angola (AP) - A agência de notícias portuguesa, LUSA afirmou que duas pessoas foram pisoteadas até a morte em um tumulto em um estádio de esportes no sábado, antes do Papa Bento XVI dirigir a palavra aos jovens. LUSA citou uma fonte não identificada de um hospital local, dizendo que um homem e uma mulher já chegaram lá mortos. De acordo com a agência, outras oito pessoas foram hospitalizadas com ferimentos leves. Artigo do New York Times: http://www.nytimes.com/2009/03/22/world/africa/22pope.html?_r=1 # Publicado em: 22 de março de 2009 Tradução e revisão: Gisa Muniz
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Feitiçaria: Crenças Sacrificam Crianças Por: CARLOS REIS, Jornalista Acusações de feitiçaria a crianças estão a surgir com frequência em África. O fenômeno irrompeu na RD Congo e alastrou-se a Angola. Às crianças são atribuídos poderes causadores de desgraças. São crenças que trazem consequências desastrosas. Em regiões da RD Congo e Angola, numerosas crianças são agora acusadas de bruxaria e sofrem abusos e abandono. Defensores dos direitos das crianças estimam que milhares de crianças tenham sido acusadas de feitiçaria e vivam nas ruas de Kinshasa, depois de terem sido expulsas das suas casas e abandonadas pelas famílias, uma decisão muitas vezes motivada pelo facto de assim se tornar desnecessário continuar a alimentá-las ou cuidar delas. Em Angola, o fenômeno das crianças feiticeiras verifica-se entre o grupo étnico Bakongo, havendo centenas de casos reportados, principalmente nas províncias no Norte do país, Uíge e Zaire, bem como nos bairros da capital, Luanda. Comparando o fenômeno, observa-se a mesma configuração de crise social, emergência de igrejas pentecostais e rearticulação de parentesco. A acusação de feitiçaria a crianças é mais uma das novas formas de exclusão e violência sobre a infância, como a pedofilia, abusos sexuais, tráfico de órgãos e crianças-soldados. Para a antropóloga social brasileira Luena Pereira, da Unicamp, universidade estadual de Campinas, as acusações de feitiçaria a crianças aparecem como resultado da desestruturação familiar ocasionada pela guerra, no caso de Angola, e pela alta instabilidade política e crise económica e social na RD Congo. “As crianças são acusadas pelos seus próprios parentes ou vizinhos de manipularem forças advindas do mundo nocturno, ocasionando infortúnios como doenças, mortes, abortos e fracasso económico dos membros da família.” Por sua vez, o antropólogo belga Filip De Boeck, da Kuleuven, universidade católica de Lovaina, destaca a “alteração da balança de poder entre gerações a partir da participação de crianças na economia informal e na exploração de diamantes” como factores importantes para a emergência das acusações.
Manipulação adulta As crianças situam-se, na maior parte das vezes, na faixa etária entre 8 e os 13 anos, não sendo incomum a acusação a crianças muito pequenas, inclusive bebés. Comportamentos considerados desviantes de crianças e adolescentes, como agressividade, indolência, inquietude e dispersão podem justificar a acusação. Sintomas como fome excessiva, enurese nocturna (chichi na cama), sono agitado ou excessivo e doenças como epilepsia e sonambulismo também são associados a crianças feiticeiras.
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A grande maioria das crianças acusadas é órfã de um dos pais ou ambos, ou filhos de pais separados, sendo acolhidas por parentes como tios ou avós, ou vivem com padrastos ou madrastas que muito frequentemente são os responsáveis pelas acusações. Relatórios de ONG de protecção às crianças sugerem que as acusações de feitiçaria se relacionam com a tensão que sobrecarrega famílias extensas obrigadas a acolher crianças que, pela guerra, deslocamentos, migrações ou pela emergência do HIV-sida, perderam os seus parentes directos. No passado, não se supunha que crianças pudessem ter o poder de manipular tais forças, faltando-lhes real intenção ou discernimento para voluntariamente fazer mal a outrem. Entretanto, os jovens passaram a ser utilizados por pessoas mais velhas como intermediários para fazer o mal. A presumida inocência ou irresponsabilidade dos menores permite esta manipulação. Muitas crianças acreditam que são mesmo feiticeiras, uma crendice que é reforçada pela acção das igrejas pentecostais que se têm multiplicado na África Subsariana e que apresentam e denunciam crianças e as submetem a exorcismos. Filip De Boeck ressalva que as igrejas pentecostais na RD Congo “não fazem elas próprias as acusações de feitiçaria, mas apenas sancionam e legitimam as acusações saídas do espaço doméstico”. Segundo a investigação de Luena Pereira, publicada na revista “Religião & Sociedade” do ISER, instituto de estudos da religião, o feitiço é transmitido através da oferta de comida por um adulto à criança durante o dia. À noite, este adulto voltaria em sonhos a fim de cobrar a dádiva. A criança vê-se assim envolvida num circuito de reciprocidade maldita, tendo de pagar o que recebeu do feiticeiro oferecendo a vida de um parente seu. Assim, a criança torna-se também feiticeira e, sob o comando de um adulto, adquire poderes apenas acessíveis no mundo nocturno.
Milhares em Kinshasa Na capital da RD Congo, o décimo país do mundo com menor índice de desenvolvimento humano, segundo dados da UNDP, programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, concentram-se entre 10 mil e 40 mil “shegue”, crianças vagabundas e feiticeiras. Para acolhê-las e tentar reinseri-las nos núcleos familiares originais, os padres da Congregação os Servos da Caridade construíram vários centros de hospitalidade e recuperação. O padre Santiago Antón coordena o trabalho de quatro institutos em Kinshasa, onde cerca de 250 crianças recebem alojamento, alimentação, vestuário, aulas e acompanhamento médico. Em declarações à revista “30Giorni”, Santiago Antón revela que “depois de algum tempo, consegue-se levar de volta para casa mais ou menos metade das crianças que encontramos”, para referir que “na tradição rural congolesa, a criança é respeitada e, em condições normais, nunca seria abandonada à própria sorte. Na realidade, é uma maneira de se verem livres de mais uma boca a alimentar”, aponta. O sacerdote denuncia ainda a prática da oração colectiva por seitas religiosas que oferecem efeitos anestésicos, em troca de dinheiro e poder. “É uma oração desligada da realidade com o objectivo de fazer esquecer a realidade. Quando se apresenta um problema, as pessoas não o enfrentam, procuram apagá-lo do horizonte inventando uma origem negativa, a criança feiticeira, e tentando eliminá-la. Quem administra esse sistema ganha dinheiro e poder praticando o exorcismo”, denuncia.
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Em 2003, centenas de jovens foram expulsos de casa em Mbuji-Mayi, uma cidade mineira, acusados de rogar uma praga que fez cair o preço dos diamantes. Actualmente, a maior parte dessas crianças vive em Matete, um dos bairros mais populosos de Kinshasa. De noite dormem nas bancas dos mercados, parques públicos e estação ferroviária. Para eles, a vida nas ruas é liberdade, depois das experiências traumáticas que tiveram com as suas famílias. A vida é dura, caracterizada por insegurança, relações sexuais forçadas, abusos, prostituição, drogas, maus tratos e injúrias. Um exército de rua que não fazia parte da realidade cultural do ex-Zaire, e que se desenvolveu com o início da desintegração do regime de Mobutu Sese Seko.
Rede de proteção As autoridades do Norte de Angola identificaram quatro centenas de crianças de rua que foram abandonadas ou sofreram abusos depois de serem acusadas de bruxaria. Um relatório do INAC, Instituto Angolano da Criança, descreve o número de crianças acusadas de feitiçaria no país como “imenso”. A noção de crianças feiticeiras não é novidade na região, uma vez que se trata de uma crença comum na etnia bantu, dominante em Angola. Os funcionários do Governo atribuem o aumento no número de crianças perseguidas às três décadas de guerra e aos problemas na RD Congo. Os conflitos na região deixaram muitos órfãos, e fizeram que muitas famílias enfrentem dificuldades para se sustentar. “A situação das crianças feiticeiras surgiu quando os pais se tornaram incapazes de cuidar das suas famílias”, justifica ao diário norte-americano “The New York Times” a responsável pelo INAC. “Por isso, eles começaram a procurar qualquer justificação para expulsar as crianças da família”, esclarece Ana Silva. Desde 2000, o Governo angolano vem desenvolvendo uma campanha para negar as lendas das crianças feiticeiras, mas a eficácia tem sido mínima. “Não conseguimos mudar a crença de que as bruxas existem”, lamenta Ana Silva, para adiantar que “até mesmo os trabalhadores de organizações assistenciais acreditam que as bruxas existem”. Por isso, o INAC tenta ensinar às pessoas que ocupam cargos oficiais que a violência contra as crianças é indefensável. No início da década, na cidade angolana de Mbanza Congo, junto à fronteira com a RD Congo, depois de uma criança ter sido acusada de bruxaria e morta a facadas, funcionários da província e da Save the Children recolheram 432 crianças de rua e promoveram a reunião de 380 delas com os seus familiares. Em consequência, igrejas fundamentalistas foram fechadas devido a denúncias de abusos contra crianças. Oito pastores congoleses foram deportados de Angola e várias aldeias formaram comissões para fiscalizar o respeito pelos direitos das crianças. As igrejas “proféticas” e “africanas” são acusadas de tratamento indigno, submetendo os menores a reclusão, jejuns e medicamentação.
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Acolhimento de bruxas Em 2003, uma parceria do INAC com a Save the Children e Christian Children Fund implantou uma rede de protecção da criança, na qual participaram agentes comunitários responsáveis por prevenir, detectar e resolver localmente casos de crianças acusadas de feitiçaria ou submetidas à violência, através de aconselhamentos às famílias e comunidades locais. Já no Uíge, a perseguição às crianças está em ascensão. Na região, trata-se de “uma ocorrência muito comum nas aldeias. Sabemos que algumas crianças foram mortas”, revela o bispo Emilio Sumbelelo, da Igreja Católica de São José. A Igreja gere o único abrigo da aldeia para as crianças que são vítimas de perseguições como supostas bruxas. Num reduzido espaço, três dezenas de rapazes foram acolhidos. “Chegam muitas crianças em busca de protecção, mas infelizmente não dispomos de mais espaço”, diz Emilio Sumbelelo. “Até agora, ainda não descobrimos maneira de combater este problema”, lamenta o bispo. Próximo da capital Luanda, cerca de 40 crianças angolanas, acusadas de serem feiticeiras, foram retiradas pela Polícia Nacional de duas igrejas ilegais em Sambizanga, onde se encontravam para serem curadas do mal. Os líderes religiosos das igrejas foram detidos na operação de resgate dos menores. Segundo o administrador municipal de Sambizanga, Tavares Ferreira, as crianças, com idades entre um e 15 anos, encontravam-se presas em duas casas que serviam de igrejas. “As crianças sofreram maus-tratos e foram castigadas”, disse Tavares Ferreira. “O mais chocante é que foram os próprios pais que levaram os filhos para estas igrejas. Há crianças que estão nesses locais há mais de um ano e temos a informação de que aos fins-de-semana chegam a aparecer nessas igrejas cerca de 500 crianças”, frisa. Tanto o Governo angolano como as organizações da sociedade civil e as Igrejas, com destaque para Católica, têm apostado no combate a estas práticas por meio de campanhas de sensibilização, criação de centros de acolhimento e ainda na perseguição aos autores desses crimes.
Alvos do Diabo Desde sempre, os albinos da África Subsariana enfrentam a discriminação, por serem diferentes, e a superstição, por se acreditar que o consumo de poções com partes do corpo de despigmentados traz sorte. Muitos albinos sofrem dificuldades de adaptação social e emocional. A situação tornou-se mais perigosa nos últimos anos na Tanzânia, onde os “filhos da
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Lua” estão a pedir protecção especial depois de uma série de assassínios ligados a práticas de feitiçaria. Pelo menos 25 pessoas foram mortas só no último ano. Feiticeiros estarão a oferecer órgãos humanos para venda, depois de convencer os seus clientes que poções feitas com pedaços de corpos com ausência de pigmentação podem fazê-los enriquecer. Calcula-se que existam cerca de 170 mil albinos na Tanzânia, o que já levou o presidente, Jakaya Kikwete, a ordenar a realização de um censo para lhes oferecer protecção. No Maputo, albinos moçambicanos criaram recentemente a ADODs, a primeira associação representativa e de apoio na doença aos portadores do albinismo, mas sobretudo para contrariar a discriminação de quem os considera “filhos do Diabo”. Fonte: http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EkVuuZVFyVBLdwjyDJ Publicado: Outubro de 2009
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Crianças Acusadas de Feitiçaria Passam Dificuldades no Soyo Apostolado O centro de acolhimento de crianças acusadas de feiticeiras de no Soyo carece de espaço e medicamentos. A revelação foi feita pelo Director do centro de Kikudo, Padre Eduardo Matumona. “Uma das dificuldades é a falta de um espaço, porque ali onde estão consignados os rapazes, outrora era uma camarata do cemitério dessa paróquia” – disse. O prelado acrescentou que os internos “não têm lençóis e o dormitório não tem condições”. “Mas vamos nos ajeitando. Tem escola, graças a Deus, tudo na conta da paróquia e um pequeno sustento”. “O objetivo é depois entregar essas crianças à sociedade para o futuro dessa nação. Neste momento tenho 10 crianças e três mais velhos que têm aproximadamente a idade de 70 a cinquenta e tal anos”. Localizado no Município do Soyo, o Centro Kikudo é um dos projectos sociais da igreja Católica na Província do Zaire. 05 May 2010 Fonte:Apostolado Story from ANGONOTICIAS: http://www.angonoticias.com/full_headlines_.php?id=27444 Published: 05 May 2010 Ver também: Apostolado: http://www.apostolado-angola.org/index.aspx
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Crianças Bruxas: O Centro de Acolhimento Administrado por Um Missionário em Soyo Luanda (Agência Fides) – No centro de acolhimento para as crianças acusadas de bruxaria na cidade de Soyo falta espaço e remédio, afirma o jornal católico “Apostolado” o diretor do Centro Kikudo da cidade Pe. Eduardo Matumona. “Uma das dificuldades é a falta de espaço, porque por exemplo no local onde são registrados os garotos, surge onde uma vez era uma ala do cemitério paroquial”. Pe. P. Matumona acrescenta que os hóspedes do centro “não possuem lençol e o dormitório não está em boas condições”, mas estamos arrumando as coisas graças a Deus – acrescenta o religioso – graças aos recursos da paróquia e a uma pequena ajuda externa”. “O objetivo é oferecer estas crianças à sociedade para o futuro da nação. Neste momento existem no centro 10 crianças e três idosos que possuem uma idade de 50 a 70 anos”. O centro Kikudo é um dos projetos da Igreja Católica na província angolana do Zaire. Milhares de angolanos “vivem com medo dos espíritos, dos poderes nefastos dos quais se sentem ameaçados; desorientados, chegam a ponto de condenar as crianças a viverem nas ruas e também os idosos, porque dizem – são bruxos” – recordou o Santo Padre Bento XVI em 21 de março de 2009 durante a Sua Viagem em Angola, durante a celebração na igreja de São Paulo em Luanda. (L.M.) Agência Fides Story from ANGOLA 24HORAS: http://www.angola24horas.com/index.php?option=com_content&view=article&id=2324:criancas-bruxas-o-centro-de-acolhimento-administrado-por-um-missionario-em-soyo&catid=1:central&Itemid=35 Published: 08 de Maio de 2010 02:05
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Humanitarian news and analysis Um serviço da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários
Direitos: Alegações de Bruxaria Infantil em Ascensão DAKAR, 16 de julho de 2010 (IRIN) – Acusações de feitiçaria infantil estão aumentando na região africana abaixo do Saara – estimuladas pela urbanização, pobreza, conflitos e fragmentando comunidades, criando uma "crise múltipla" para crianças já vulneráveis - de acordo com a UNICEF. Há um amplo espectro de crianças em risco, entre elas, órfãos, crianças de rua, crianças albinas, crianças com deficiência física ou com anormalidades, como o autismo, crianças com temperamento agressivo ou solitárias, crianças excepcionalmente talentosas, crianças que nasceram em posições incomuns ou prematuramente e gêmeos. Amplamente falando, o conceito feitiçaria pode ser traduzido como a capacidade de prejudicar alguém através do uso de "poder místico". Em sua maioria, os acusados são rapazes entre 8 e 14 anos de idade, diz o relatório Children Accused of Witchcraft (red.: Crianças Acusadas de Feitiçaria); um estudo antropológico das práticas contemporâneas na África Ocidental. Alguns dos países com as maiores taxas de prevalência são Angola, Benin, Camarões, República Central Africana, (RCA), República Democrática do Congo (RDC) e a Nigéria, de acordo com o relatório. Nenhum estudo abrangente foi realizado para indicar a extensão do fenômeno, diz Joachim Theis, conselheiro de proteção da criança da UNICEF na África Ocidental. No entanto, de acordo com estudos distintos, "milhares" de crianças têm sido acusadas de bruxaria sendo, posteriormente, expulsas de suas casas em Kinshasa e Lubumbashi em RDC; em Mbanza Kongo capital da Província do Zaire, Uíge e Luanda, no norte de Angola; e um grande número no estado de Akwa Ibom, no sudeste da Nigéria. Acusadas, as crianças acabam sendo atacadas, queimadas, espancadas, e por vezes assassinadas, segundo os pesquisadores. Entre as práticas de exorcismos estão forçar as crianças a jejuar; derramar gasolina em seus olhos e orelhas, espancá-las e obrigá-las a engolir várias substâncias. Muitas confissões são obtidas sob coação ou violência, diz o relatório.
Fenômeno moderno Ao contrário do que grande parte do mundo Ocidental tende a acreditar que a bruxaria infantil na África não é uma antiga "tradição africana", mas sim um fenômeno relativamente moderno que começou há 10 ou 20 anos, diz o autor do relatório, Aleksandra Cimpric. Antes disso, os idosos e especialmente as mulheres costumavam ser os acusados.
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O aumento das acusações parece, em parte, estar associado ao crescente peso econômico da educação dos filhos, e ligado à urbanização, separação de famílias e o enfraquecimento das estruturas familiares, diz Theis da UNICEF, e isto tudo é reforçado pelo surgimento de igrejas pentecostais e reavivadas em muitos dos países afetados. Pastores-profetas exploradores afirmando serem capazes de identificar bruxas e oferecendo-se para fazer exorcismos, legitimam, com isso, as acusações de feitiçaria. Sua vocação lucrativa complementa o trabalho dos curandeiros tradicionais, que também lutam contra as forças malévolas do "outro mundo", observou o relatório. Em um caso na televisão, na Nigéria, o "Bispo" Sunday Ulup Ay no Estado de Akwa Ibom, no sudeste, fez uma fortuna pessoal através de exorcismos, cobrando 261 dólares por criança. Ele foi preso. Feitiçaria na África não é uma crença uniforme, diz Theis. "Tem motores espirituais, econômicos e sociais... É ofuscada por toda a sorte de outras crenças, mas nem sempre pode ser classificada sob uma só categoria."
Protegendo crianças As agências de proteção da criança não podem tentar moldar as crenças em bruxaria, mas devem ter uma abordagem de proteção rigorosa à criança para combater as acusações, diz Theis:" Nós não estamos tentando erradicar uma crença em bruxaria que não conseguimos necessariamente compreender. Mas estamos dizendo que violência e abuso contra crianças são errados e devem ser erradicados, e devemos usar todos os métodos para que isto aconteça." E continuou: "Podemos usar alguns dos mesmos métodos que já desenvolvemos para lidar com outras formas de violência e maus tratos contra crianças. "Muitas crianças acusadas são menores abandonados e requerem o mesmo tipo de reabilitação e reintegração que as crianças de rua, disse ele. Alguns dos métodos cujo resultado positivo já foi comprovado - como o que se aplicou na província de Katanga, no sul da RDC - incluem a conscientização entre (e por) comunidades; negociação com famílias, crianças e líderes religiosos em casos específicos; encontrar aliados nas igrejas locais que podem ajudar a espalhar a palavra, prestar serviços para crianças vulneráveis, e fazer cumprir a lei, segundo a UNICEF. Prover serviços básicos para melhor atender às necessidades da criança e ajudar a fortalecer a estrutura de proteção da família também pode reduzir os riscos associados às acusações de feitiçaria, diz o relatório.
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Legislação Ao invés de legislação para proteger as crianças, nos Camarões, RCA, Chade e Gabão praticar bruxaria é ilegal, resultando, no caso da RCA, no fato que um grande número de casos de bruxaria infantil seja levado aos tribunais de família. Muitas crianças acabam na prisão. "Queremos leis contra as acusações de feitiçaria contra crianças", disse Theis a IRIN. "Pode não ser possível mudar as atitudes, mas podemos aumentar a conscientização entre as famílias, os profissionais jurídicos, médicos, mudar a legislação, mobilizar - tudo isso pode ter um impacto... Crenças em bruxaria foram profundamente enraizadas nos países Ocidentais por muitos anos, e levam muito tempo para desaparecer", disse Theis. [Este boletim não reflete necessariamente a opinião das Nações Unidas] Artigo da IRIN - ÁFRICA: http://www.irinnews.org/report.aspx?Reportid=89858 n Publicado em: 16 de julho de 2010 Tradução e revisão: Gisa Muniz
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África/Angola - O Empenho dos Missionários para Desarraigar a Superstição da Bruxaria, Das Quais as Crianças são as Primeiras Vítimas Luanda (Agência Fides)- Cresce a preocupação da Igreja Católica em Angola com o fenômeno da bruxaria. “A bruxaria é a nova guerra que torna muito difícil a atividade pastoral”, declarou à Radio Ecclesia pe. Estêvão Mukinda, missionário espiritano que atua em Andulo. “Há uma certa relutância por parte das pessoas a habituarem-se à convivência e ao espírito de reconciliação, justiça e paz.” Pe. Mukinda trabalha em um contexto difícil também porque a missão de Andulo, fundada 40 anos atrás, foi fechada por 30 anos e reaberta seis anos atrás, confiada aos missionários espiritanos. “Recuperar a consciência das pessoas não é um trabalho que se faz de um dia para outro, teremos que trabalhar por muito tempo”, conclui Pe. Mukinda. A Igreja também está empenhada em oferecer assistência às vítimas principais dessas crendices: as crianças acusadas de serem bruxas. As Irmãs Salesianas de Sanza-Pombo, por exemplo, acolheram 59 dessas crianças. “A nossa missão é cuidar dos menores em dificuldade, sobretudo órfãos e os que são acusados de bruxaria”, afirma Rosalia Escoisato. Milhares de angolanos “vivem no medo dos espíritos, dos poderes nefastos dos quais se crêem ameaçados; desorientados, chegam a ponto de condenar crianças de rua e também os mais idosos, porque – dizem – são bruxos”, recordou o Santo Padre Bento XVI em 21 de março de 2009 durante a sua viagem a Angola, durante a celebração na Igreja São Paulo em Luanda. (L.M.) (Agência Fides 16/9/2010) Artigo da AGENZIA FIDES: http://www.fides.org/aree/news/newsdet.php?idnews=28477 Publicado em : Setembro 16, 2010
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Crianças Acusadas Recebem Proteção João Mavinga | Mbanza Congo - 06 de Março, 2011
As crianças acusadas de feitiçaria estão protegidas em Mbanza Congo com a criação, pelo Instituto Nacional da Criança (INAC), de redes de protecção à criança junto das comunidades. O facto foi anunciado, em entrevista ao Jornal de Angola, por Manuel António, do serviço de apoio à criança da direcção do INAC no Zaire. Agora a preocupação da instituição está virada para os casos de pais que fogem à paternidade e não prestam alimentos aos filhos depois da separação. Manuel José António está satisfeito por ter sido possível travar os casos de acusação de feitiçaria a crianças em Mbanza Congo. O problema que agora mais preocupa as autoridades em Mbanza Congo é o abuso sexual de menores, tendo alguns sido encaminhados para o Tribunal Provincial. A província do Zaire foi a primeira região do país onde surgiram casos de crianças acusadas de feiticeira, nos finais da década de 90. Manuel António disse que para travar esta prática atentatória aos direitos da criança, o INAC em colaboração com a ONG norueguesa Save the Children e o Governo Provincial criaram redes de protecção de menores onde o
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fenómeno tinha contornos preocupantes, a cidade de Mbanza Congo e nos municípios do Kuimba e Nóqui, que partilham fronteira comum com a região do Baixo Congo, na RDC. É neste país que o fenómeno mais se manifesta. “Com o empenho e espírito de missão do INAC e da ONG Save the Children, da Noruega, no combate ao fenómeno, o Zaire vê recompensado o esforço desenvolvido, que culminou com a protecção de todas as crianças da região acusadas de feitiçaria”, afirmou. Manuel José António assegurou que o fenómeno foi travado na região e as crianças abandonadas estão amparadas num centro de acolhimento novo, onde recebem formação profissional. Revelou que as redes de protecção da criança foram lançadas em todas as zonas atingidas pelo fenômeno e têm a incumbência de desenvolver um trabalho articulado com as comunidades, prestando aconselhamento às famílias, no sentido de rejeitarem e denunciarem casos que se possam transformar em violações dos direitos dos menores. “Sem medo de errar, posso dizer que o nosso trabalho produziu frutos palpáveis e podemos concluir que a situação está controlada, porque já não há casos que provocam mortes a crianças acusadas de feitiçaria, expulsões de casa nem violência contra as crianças como era prática”, explicou.
Seitas religiosas Manuel António lembrou que a guerra dilacerou o tecido social do país inteiro, deixou numerosas famílias sem condições sociais para cuidar dos filhos, situação aproveitada por pais sem escrúpulos para acusá-los de feiticeiros e expulsá-los de casa. Manuel António diz que também existe influência de determinadas seitas religiosas provenientes do Congo Democrático, onde essas práticas são muito frequentes. O responsável do INAC acusou as seitas religiosas de estarem na origem das acusações de feitiçaria que eram feitas contra crianças na província. “Aproveitavam a vulnerabilidade dos pais, muitos deles regressados do Congo Democrático, para acusarem as crianças de estarem na origem da sua pobreza e com promessas falsas de riqueza se as expulsassem de casa, tudo para extorquir o pouco dinheiro que essa gente tinha”, disse. Manuel António informou que esses falsos profetas foram na realidade os principais mentores em Angola das acusações de feitiçaria contra crianças improvisando rituais e métodos primitivos, como esfregar jindungo nos olhos da criança acusada, com a alegação de que só assim o feitiço era retirado do corpo e a família livre da maldição. “Para acabar com esses charlatães, estendemos as redes de protecção da criança junto dos órgãos de aconselhamento que existem nos bairros, para permitir melhor acompanhamento e controlo das famílias com comportamentos violentos. Enquadramos nessas redes, depois de sensibilizados, adivinhadores, responsáveis das seitas religiosas e algumas pessoas influentes da comunidade, como chefes de zonas e coordenadores dos bairros”, disse.
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António Manuel disse que isso não impediu o Governo Provincial do Zaire, inconformado com as práticas de determinadas seitas, de encerrar todas as igrejas não reconhecidas, intentando acções judiciais contra os seus tutores por agirem à margem da lei. Segundo Manuel António, das 243 crianças de ambos os sexos que viviam nas ruas da cidade, alguns drogados e alimentando-se de restos de comida dos contentores de lixo, o INAC recolheu 80 e criou condições junto dos missionários católicos para as albergarem no Centro Santa, onde estão a estudar e a fazer formação profissional em construção civil, serralharia, electricidade e como futuros educadores sociais. Outros menores foram integrados em famílias que aceitaram adoptá-las, sobretudo as do sexo feminino, mais vulneráveis aos perigos da rua. “Este fenômeno da criança de rua quase acabou na nossa província, porque a população, aos poucos, vai entendendo a importância da protecção da criança e acata as orientações das redes de protecção”, explicou o responsável do INAC.
Centro de acolhimento O governador provincial, Pedro Sebastião, mandou construir, através do INAC, um centro de acolhimento maior, para receber todas as crianças de rua. Localizado na zona do Nfumu, a três quilómetros da cidade de Mbanza Congo, o Centro de Acolhimento e Formação Profissional Giorgio Zulianello é uma homenagem ao seu fundador, o padre capuchinho Giorgio Zulianello, que morreu em Mbanza Congo no dia 28 de Junho de 2007, vítima de acidente de aviação. O director do centro, frei Danilo Grossele, disse ter concretizado um velho sonho do falecido padre Giorgio Zulianello. Frei Danilo anunciou que no dia 28 de Agosto a congregação dos capuchinhos de Mbanza Congo completa dez anos de actividade de protecção de crianças acusadas de feitiçaria. Em homenagem a todos os meninos de rua, a direcção do centro organiza uma grande festa que junta todas as crianças. Sobre as acusações que pesavam sobre as crianças, frei Danilo disse que “nunca houve crianças feiticeiras apenas existiam pais e familiares desesperados e que eram facilmente ludibriados por charlatães. Reiteramos aqui que de feiticeiros eles não têm nada. São meninos sãos, que vieram de famílias desagregadas por separação dos pais”, disse.
Curso de informática O Centro de Acolhimento e Formação Profissional é composto por cinco dormitórios e as crianças são distribuídas por idades. Também existem duas salas de aulas. Para frei Danilo Grossele, a grande novidade é o arranque este ano do curso de informática com 15 computadores já instalados. Uma acção que se vai estender também às crianças que residem nas imediações do centro. O centro tem capacidade para acolher 80 crianças, mas neste momento, tem apenas 50 com idades compreendidas entre dois e os 17 anos. As aulas são asseguradas por dois educadores do centro em dois turnos. Os resultados têm sido positivos. O centro conta já com crianças a estudarem a nona classe e para Luanda foi encaminhado um aluno do centro para o Instituto de Ciências Religiosas de Angola (ICRA). O jovem, hoje
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com 21 anos, está a fazer a formação de educador social. “Ele tem um aproveitamento brilhante e já está no segundo ano”, disse sorridente frei Danilo. Existem crianças no centro a serem formadas em marcenaria, serralharia, corte e costura. Aos 18 anos termina o ciclo de formação dos alunos, porque estão preparados para viver autonomamente. “Batemos sempre às portas do Ministério da Reinserção Social para que o Executivo nos apoie com chapas de zinco e barrotes, para eles poderem viver sozinhos e já temos muitos nessa condição”, explicou o director do Centro Giorgio Zulianello, assegurando que os jovens contam com formação física, intelectual e espiritual, para afastar os traumas do longo sofrimento por que passaram na rua e mesmo no meio da família sob a acusação de feiticeiros.
Falta energia e água Regina Ventura é a directora adjunta do Centro Frei Giorgio Zulianello. Tem dez anos de experiência como missionária e cuida no centro de uma bebé de dois anos, abandonada na rua pela mãe e recolhida pelo INAC. A mãe da menina sofre de perturbações mentais e vive como pode. Baptizou a bebé com o nome de Isabel Regina, para no futuro ser oficializada com o mesmo nome na Conservatória. A também educadora de infância disse ter recebido, igualmente, um menino oriundo da região do Kimpese, na RDC. Chama-se Lubaki Kina Nvuidi de 14 anos, e conta que foi abandonado na fronteira de Luvo onde devia ser traficado. A intenção foi frustrada pelas autoridades fronteiriças de Angola. Por perder a direcção dos pais, conta, o INAC recolheu o adolescente e levou-o para o Centro Giorgio Zulianello, onde aguarda as formalidades oficiais para ser repatriado para o país de origem. No centro tudo corre bem, apesar das carências e dificuldades de toda a ordem. O grande problema que se coloca aos educadores e outros responsáveis da instituição é a falta de água e energia eléctrica. A madre Regina Ventura disse à nossa reportagem que quando esse problema ficar resolvido, o centro tem ultrapassado um dos problemas mais complicados que enfrenta. Copyright © 2011, Jornal de Angola | Online Publicado por Jornal de Angola: http://jornaldeangola.sapo.ao/25/0/criancas_acusadas_recebem_proteccao
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