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PROJECTO PERMITE ANONIMATO EM CONVERSAS COM PSICÓLOGOS

CÁTIA BARBOSA*

Uma conversa às cegas com psicólogos, onde o anonimato jamais será encarado como uma fraqueza. Esta acção já é possível graças ao “BlindTalk”, um projecto que pretende facilitar o acesso a consultas de psicologia e terapia. A plataforma de saúde mental permite, assim, que sejam realizadas sessões iniciais completamente anónimas para os pacientes.

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A ideia nasce pelas mãos dos psicólogos Gonçalo Neves e Filipa Canelo Neves, depois de se aperceberem de que muitas das pessoas que os contactavam para marcar consultas, acabavam por não aparecer. “Percebemos que não era simplesmente uma mudança de planos, porque também não voltavam a falar connosco. No fundo, era uma dificuldade que estava em causa”, explica o fundador da “BlindTalk”, Gonçalo Neves, em declarações ao “Campeão das Províncias”.

O mesmo responsável acredita que, na base desta falta de comparência, estão estigmas relacionados com a saúde mental.

“A ideia de ser necessário cuidar da saúde mental é sentida como uma fraqueza pela maioria das pessoas. Isto leva a que não se sintam à vontade nem disponíveis para procurar ajuda”, revela. Porém, de acordo com o psicólogo, este pensamento está completamente errado. “O normal é não estarmos sempre a 100% e haver momentos em que precisamos de alguma ajuda, porque somos seres sociais e vivemos do apoio que encontramos nos outros”, esclarece.

Nesse sentido, - e como forma de facilitar o caminho do pedido de ajuda -, a “BlindTalk” oferece a possibilidade do anonimato aos pacientes, de forma a que estes não se sintam inibidos na sua abordagem para com os profissionais de psicologia. “Decidimos usar a tecnologia disponível para construir esta plataforma. A sessão anónima cria a possibilidade das pessoas falarem connosco durante 30 minutos. Esta não é uma sessão normal, é uma sessão de esclarecimento que ajuda as pessoas a dar o primeiro passo e, posteriormente, a seguir para um acompanhamento psicológico normal”, adianta Gonçalo Neves.

Ao aceder à plataforma, cada pessoa tem acesso ao perfil de cerca de duas dezenas de profissionais de saúde mental devidamente selecionados e inscritos na Ordem dos Psicólogos

Ao aceder à plataforma, cada pessoa tem acesso ao perfil de cerca de duas dezenas de profissionais de saúde mental devidamente selecionados e inscritos na Ordem dos Psicólogos. De seguida, basta marcar uma consulta anónima com o profissional escolhido e conversar livremente. As áreas abrangidas são diversas e o profissionalismo é garantido. “Até hoje, devemos ter recebido cerca de 1300 currículos, mas só entrevistámos cerca de 50/60 psicólogos e temos cerca de 20 na plataforma. Não queremos adicionar, para já, especialistas que não vão acrescentar”, afirma o fundador da “BlindTalk”. Desde o seu lançamento oficial, em 2020, a plataforma tem chegado a todas as faixas etárias, embora haja uma maior incidência em mulheres entre os 25 e os 35 anos. De fora, ficam os menores de idade, já que a “BlindTalk” apenas pode receber pacientes a partir dos 18 anos. Segundo Gonçalo Neves, o facto do projecto ter chegado ao público em plena fase de pandemia tornou mais eficaz a aceitação da psicologia online. “Foi uma época em que o contacto social diminuiu bastante. Ao diminuir drasticamente, obrigou as pessoas a confrontarem-se com as dificuldades delas sem grande escapatória. Isso levou a que muitas se apercebessem que havia questões a pensar e que era tempo de o fazer”, sublinha.

A importância da autoconsciência

Questionado acerca da nossa função, enquanto sociedade, no ultrapassar de barreiras em relação à saúde mental, Gonçalo Neves é perentório: “A única coisa que podemos fazer é a tomada de autoconsciência. Eu só posso compreender o outro a partir do momento em que me compreendo a mim próprio”. Nesse sentido, o psicólogo alerta para o facto de a palavra “narcisismo” ser, muitas vezes, mal utilizada. “Nunca pode ser visto como uma coisa errada. Se for um narcisismo psicológico, ou seja, alguém que não é capaz de pensar no outro, significa que essa pessoa foi suficientemente maltratada, mal acolhida e mal amada para estar à procura desse amor”, salienta. Acrescenta ainda que “se isso não acontece, vai tentar criar um cenário fantasiado de que é uma pessoa muito boa e a maior. O narcisismo deve ser visto como um pedido de ajuda e não como um ataque”.

A BlindTalk propõe-se, assim, a auxiliar os que a ela recorrem através de um acompanhamento online e personalizado. A plataforma tem vindo a crescer exponencialmente, quer em Portugal, quer na diáspora. “Queremos ser uma marca de referência no nosso país. Além disso, como já temos tantas solicitações em outras línguas, gostaríamos também de chegar mais longe internacionalmente. Isto é, estamos a crescer em português, mas com o olho no internacional”, conclui Gonçalo Neves.

* (Jornalista do “Campeão” no Porto)

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