História da Estrada de Ferro Campos do Jordão

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Pedro Paulo Filho

História da Estrada de Ferro Campos do Jordão Uma Escalada para a Vida

Fotos: Coleção Edmundo Ferreira da Rocha


Copyright © 2007 by Pedro Paulo Filho. Editor Responsável Nelson de Aquino Azevedo Coordenador Editorial Jefferson Galdino Autor Pedro Paulo Filho Diagramação e Capa Jefferson Galdino Digitação Gerson Caetano Ferreira Fotos Coleção Edmundo Ferreira da Rocha Revisão de Texto Monalisa Neves

____________________________________________ Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) ____________________________________________

Índices para catálogo sistemático: 1. : São Paulo: Estado: História: Literatura infanto-juvenil 028.5 2. : São Paulo: Estado: História: Literatura juvenil 028.5

1a edição 2007

Noovha América Editora Distribuidora de Livros Ltda. Rua Monte Alegre, 351 – Perdizes São Paulo/SP – CEP 05014-000 Telefax: (0xx11) 3675-5488 www.noovhaamerica.com.br nova.america@cyberspace.com.br


Sumário Apresentação

.................................................................................................................... 5

Capítulo I

– Quando não havia nada..................................................................... 7

Capítulo II

– Climatoterapia .................................................................................... 19

Capítulo III

– Concessão de Privilégio a Emílio Ribas e Victor Godinho ..... 27

Capítulo IV

– Constituição da S. A. Estrada de Ferro Campos do Jordão ..... 33

Capítulo V

– Emílio Ribas e Victor Godinho, os Empreendedores............... 39

Capítulo VI

– Construção da Ferrovia ................................................................... 49

Capítulo VII

– Inauguração e Encampação ............................................................ 59

Capítulo VIII

– Precariedade do Tráfego.................................................................. 73

Capítulo IX

– Viagem do Presidente Washington Luiz ...................................... 79

Capítulo X

– Eletrificação da Ferrovia .................................................................. 83

Capítulo XI

– Viagens dos Presidentes Carlos de Campos e Júlio Prestes ..... 93

Capítulo XII

– Evolução da Ferrovia ....................................................................... 97

Capítulo XIII

– Núcleo de Ensino Ferroviário ......................................................103

Capítulo XIV

– Revolução Constitucionalista de 1932 ........................................107

Capítulo XV

– Principais Estações .........................................................................115

Capítulo XVI

– Crimes e Incidentes nas Estações ................................................123

Capítulo XVII

– Ramais Ferroviários Irrealizados .................................................131

Capítulo XVIII

– Serviços Telefônicos e Telegráficos ............................................135

Capítulo XIX

– A Ferrovia e a Urbanização ..........................................................139

Capítulo XX

– Viagem do Governador Adhemar de Barros............................143

Capítulo XXI

– Viagem do Presidente Getúlio Vargas ........................................145

Capítulo XXII

– Viagem do Presidente Castelo Branco .......................................149

Capítulo XXIII

– Tentativa de Desativação da Ferrovia .........................................151

Capítulo XXIV

– Importância da Ferrovia na Estação de Cura............................155

Capítulo XXV

– Importância da Ferrovia na Estância de Turismo ....................173

Capítulo XXVI

– Depoimentos Pioneiros .................................................................193

Capítulo XXVII – Viagem da Ferrovia pelos Livros .................................................199 Capítulo XXVIII – Diretores da Estrada de Ferro Campos do Jordão...................215 Capítulo XXIX

– Atos Jurídico-administrativos da Ferrovia..................................218

Bibliografia

................................................................................................................219


Pedro Paulo Filho

À memória dos pioneiros Emílio Ribas e Victor Godinho que, com abnegação, coragem e patriotismo, abriram para os brasileiros os caminhos inóspitos da Mantiqueira, na escalada para a preservação da vida.

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Uma Escalada para a Vida: Uma Escalada para a Vida

Apresentação De tudo quanto relatam e divulgam os arquivos oficiais e administrativos, a coleção iconográfica, a história oral e documental resguardadas em livros e conservadas em relatórios e arquivos, conclui-se que a Estrada de Ferro Campos do Jordão constitui precioso patrimônio ferroviário, turístico e histórico do Brasil, pioneiro e sem precedentes, exigindo o seu tombamento pelas autoridades governamentais de São Paulo, para a preservação da sua existência e memória. Foi a primeira via de comunicação civilizada interligando o Brasil à estação de cura e à estância de turismo de Campos do Jordão, iniciada em 1912 e concluída, em tempo recorde de dois anos, em 1914, graças ao espírito público dos médicos Emílio Ribas e Victor Godinho e à tenacidade do empreiteiro Sebastião de Oliveira Damas. Também foi a primeira ferrovia eletrificada do Brasil, em 1924, vencendo rampas de 10,5% em seu percurso, pelo sistema de simples aderência (roda-trilho), sem cremalheiras ou similar no País. Detém o privilégio incomparável de ter o ponto culminante ferroviário do Brasil, com 1.743 metros de altitude, no quilômetro 38,846, Parada Cacique da sua linha férrea. Exerceu função desbravadora, transportando centenas de milhares de brasileiros - enfermos do pulmão, oriundos de todos os Estados - às pensões e sanatórios jordanenses, onde encontraram a cura, retornando sadios às suas famílias e úteis ao trabalho. Os que se recuperaram e permaneceram, heroicamente, ajudaram a montar a infra-estrutura da cidade. Contribuiu fortemente com o desenvolvimento turístico de Campos do Jordão, a partir de sua inauguração, em 1914, até os nossos dias, transportando centenas de milhares de turistas à estância. Foi o único meio de transporte de material de construção, a partir da sua inaugu-

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ração, permitindo a edificação de residências, sanatórios e hotéis, antes destituída de meios de acesso civilizado. Pioneiramente, implantou o primeiro miniférico do Brasil, em 1970, interligando Vila Capivari ao alto do Morro do Elefante, empreendimento que serviu de paradigma para outras cidades brasileiras. Tirante o equipamento original, a Ferrovia, a partir da sua inauguração, nunca repôs o seu material rodante e automotrizes, por via de importação, mas, ao contrário, em suas oficinas e com o próprio pessoal, os reformou, adaptou, remodelou e reconstruiu, fazendo-os operar até o terceiro milênio. A Estrada de Ferro Campos do Jordão foi a pioneira no serviço telefônico intermunicipal, interligando cidades paulistas e mineiras na Serra da Mantiqueira. Em qualquer país civilizado do mundo, a ferrovia estaria a salvo dos predadores da memória e da tradição histórica, preservando-a e aprimorando-a, em vez de desativá-la e destruí-la. Pedro Paulo Filho Do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, das Academias de Letras de Campos do Jordão, Pindamonhangaba, Santos, Valeparaibano de Letras e Artes, da Associação Brasileira de Pesquisadores de História e Genealogia e do I.E.V. Instituto de Estudos Valeparaibanos.

Vovó Hortênsia.

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Uma Escalada para a Vida: Uma Escalada para a Vida

I Quando não havia nada... 1. O acesso a Campos do Jordão, no século XIX, era precaríssimo, para não dizer inexistente. A viagem, por demais penosa, era feita a cavalo, partindo de Pindamonhangaba, subindo a Mantiqueira pelo Pico do Itapeva, pelo caminho da Serra Preta ou Paiol Velho, procedente de Santo Antônio do Pinhal ou, ainda, pela estrada do QuebraPerna, sinuosa e íngreme, vindo-se de Guaratinguetá. O grande médico Clemente Ferreira, em 1881, narrou a subida pelo Pico do Itapeva: Para lá chegar, tem que se galgar a famosa Serra da Mantiqueira, que, majestosa, se eleva, servindo de escabelo glorioso às nuvens do espaço infinito. Após duas léguas de ascensão, franqueia-se o dorso da cordilheira, donde se destacam diferentes picos, mais ou menos graciosos e elevados; o chamado Morro da Boa Vista é ponto culminante e parece achar-se a 1.800 metros acima do nível do mar.

Num planalto que ali se ostenta ameno e aprazível, designado pelo nome indígena e eufônico de Itapeva, vê-se um gracioso riacho, que tem o mesmo nome; desse ponto se descortinam perspectivas fascinantes, divisamse espaços sem fim e o majestoso Rio Paraíba, que, por infindos planos, se espraia, beijando

Tribuna do Norte, de 17 de agosto de 1886.

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as alvas plantas de um sem número de cidades e povoações pitorescas. Uma vez chegado no Itapeva, começa-se a descer suavemente e, em vez de florestas que vestiam a serra, um número infindo de gramíneas e pinheiros. Após duas léguas de branda descida, entremeada de várzeas bastante extensas, aparecem as primeiras habitações dos Campos do Jordão. Parece que se penetra em um paraíso.1 Adiante, o cientista aduz que, mais de uma vez, se cobrou do governo a necessidade de dar aos Campos do Jordão, cujo clima ameníssimo é considerado grande reparador da força dos enfermos, uma estrada que facilite o acesso até lá, o que hoje é difícil. A Presidência da Província já mandou orçar as despesas e dar começo ao trabalho, atendendo, assim, a uma necessidade perfeitamente demonstrada por pessoas competentes. 2 O Governo de São Paulo, na segunda década do século XX, desejando conhecer as possibilidades da construção de uma estrada ligando os afamados Campos do Jordão a um ponto da Estrada de Ferro Central do Brasil, designou, em 1910, os engenheiros Abel Leite de Souza e Carlos Alberto Pereira Leitão para a missão de reconhecimento da região, que deveria servir de base aos primeiros estudos. Dos traçados, o que parecia mais viável era o que partindo de Pindamonhangaba iria às proximidades de Vila Jaguaribe, margeando a estrada de rodagem existente e passando pela garganta do Distrito de Santo Antônio do Pinhal. 3 Anteriormente, em 1880, Álvaro Pestana e Francisco Natividade haviam requerido ao Governo

a concessão de privilégio para a construção de uma estrada de ferro, partindo de Pindamonhangaba em direção a São Bento do Sapucaí, passando por Campos do Jordão.4 A imprensa de Pindamonhangaba não se conformava com a falta de comunicação com Campos do Jordão e, em 1880, publicava: Quase não há hoje quem não tenha conhecimento, ao menos por informação, do que sejam nesta Província os Campos do Jordão ou do Natal. Essa maravilhosa porção do nosso território, situada em platô formado por dois galhos da Serra da Mantiqueira, um que margeia o Vale do Paraíba e outro que se interna pela Província de Minas, estando situada a dois mil metros acima do mar, coberta de extensas matas de pinheiros (araucária brasiliensis) de variada espécie e cortada de inúmeros ribeiros, que formam a nascente do Sapucaí – vertente do Prata, oferece um clima sem rival na América para a convalescença de todas as afecções graves e para o tratamento especial de moléstias pulmonares. De todos os pontos do Brasil, desde o Pará até o Paraná, concorrem doentes em demanda desse clima benéfico. Além disso, oferece esse extenso platô à indústria nacional e estrangeira, vastos e variados elementos para um desenvolvimento considerável, com a exploração de suas riquezas até hoje completamente inaproveitadas por falta absoluta de meios de transporte. É vergonhoso dizer-se, mas é verdade que estando situado esse território no município de Pindamonhangaba, cortado por uma estrada de ferro, até hoje não haja um meio de acesso aos mesmos campos, senão

1

“A Província de São Paulo”, 23 de março de 1881.

2

“A Província de São Paulo”, de 9 de fevereiro de 1882.

3

“A Região”, de Pindamonhangaba, de 29 de dezembro de 1924.

4

“A Tribuna do Norte”, de Pindamonhangaba, de 30 de agosto de 1890.

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Uma Escalada para a Vida: Uma Escalada para a Vida

através de péssimas picadas que galgam a elevada ser- com um ramal para Guaratinguetá, tendo ainda como ra, quase em linha reta pelos quais é impossível passar ponto terminal o porto de Parati, no Estado do Rio sem risco, mesmo nos melhores animais e sempre com de Janeiro.7 A imprensa de Pindamonhangaba, em grande dificuldade.5 1886, registrou a existência de uma empresa 2. Em 14 de fevereiro de 1884, a Assem- de transportes pelos caminhos inóspitos que bléia Provincial de São Paulo manifestara-se demandavam a Campos do Jordão, com o favoravelmente ao pedido da Companhia de seguinte teor: José Ignácio dos Santos Bicudo, resiBondes de Tremembé para o prolongamento dente em Piracuama, na estrada que segue para Mide sua linha férrea até a raiz da serra, pelo nas e os Campos do Jordão, propõe-se a fornecer conprazo de 90 anos, de forma a ligar os Campos do duções, sendo em troles, de Pindamonhangaba até a Jordão à Capela de Tremembé, contribuindo a raiz da serra, e deste ponto até os Campos, em bons Província com a importante garantia de 150 con- animais de sela. Seus preços: por um trole desta cidade até a raiz tos de réis. A Comissão de Deputados baseou-se na da serra – 10$00. Por animal selado da raiz da Lei nº 1.880, que concedia preferência de pro- serra aos Campos do Jordão, por dia – 2$50. Bestas com bagagens desta cidade aos Campos – 6$00. longamento à mencionada empresa. O abaixo-assinado, com casa de negócio de secos O projeto irritou a imprensa pindamonhangabense, que reivindicava o privilégio. 5 e molhados, também oferece cômodo bastante conforEm 1890, o deputado Esteves de Lima apre- tável às famílias que quiserem ali descansar ou persentou projeto de lei à Câmara dos Deputados noitar, tendo percorrido até este ponto, metade do cadispondo sobre a construção de uma estrada de minho até os Campos do Jordão. Pindamonhangaba, 17 de agosto de 1886. 8 ferro, ligando Campos do Jordão ao ponto mais Bicudinho, como era conhecido José Ignácio conveniente da E. F. Central do Brasil, propositura dos Santos Bicudo, iniciara um curioso e pioque foi rejeitada por falta de verbas.6 Mais tarde, porém, em 1892, já se havia neiro sistema de transporte até Vila Jaguaribe, projetado a construção de uma estrada de fer- em Campos do Jordão. ro ligando Pindamonhangaba a Campos do Os cavalos destinavam-se às pessoas sadiJordão, chegando-se até a uma subscrição as; os bangüês aos doentes em bom estado e pública para a constituição de capital. A inici- também aos viajantes sadios. ativa, porém, não obteve êxito. Um ano deEra uma espécie de cadeira de braço, copois, o dr. Benjamim Franklin de Albuquer- berta de lona, armada com uma charola, cujas que Lima dava conhecimento público da cons- quatro pernas bem-compridas se encaixavam tituição de uma empresa que se propõe a construir nas cangalhas de dois cavalos ou burros, que uma ferrovia a partir de Campos do Jordão, passan- a carregavam, colocados um à frente e outro do por Pindamonhangaba e pela cidade de Cunha, atrás. 5

“A Província de São Paulo”, de 24 de fevereiro de 1880.

6

“A Tribuna do Norte”, de Pindamonhangaba, de 21 março e 8 de novembro de 1890.

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“A Tribuna do Norte”, de Pindamonhangaba, de 3 março de 1893.

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“Tribuna do Norte”, de Pindamonhangaba, de 22 de agosto de 1886.

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Liteira com animais.

As liteiras eram reservadas aos doentes, que não se sustentavam em pé ou sentados e, em vez de utilizarem cadeiras, deitavam-se em padiolas, que também eram transportadas por animais, pelo mesmo sistema. O transporte era feito das seis às 13 horas e o trajeto seguia um caminho que serpenteava a serra, mais ou menos parecido com o da antiga estrada de terra que ligava Piracuama a Campos do Jordão. A imprensa de Pindamonhangaba, em 1886, noticiava: Segundo se vê no anúncio que o Sr. José Ignácio dos Santos Bicudo faz publicar na secção competente desta folha, sobre Conduções para os Campos do Jordão torna agora mais favorável a jornada para as pessoas que viajam com destino a este saudável lugar. As conduções de que trata o anúncio é desta cidade à raiz da serra em troles e deste lugar aos Campos, em animais. Além desse melhoramento, o Sr. Bicudo oferece no lugar denominado Piracuama, cômodos suficientes

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“Tribuna do Norte”, de Pindamonhangaba, de 22 de agosto de 1886.

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às famílias que em viagem para os Campos, desejarem descansar ou pernoitar.9 Um dos passageiros dessa prosaica empresa de transportes foi o afamado escritor Paulo Setúbal que, em suas memórias, narrou a sua saga de jovem tuberculoso e descompromissado com a vida, quando buscou o clima de Campos do Jordão, graças à venda que sua mãe fizera de um valioso anel de estimação. Narrou ele: De Pindamonhangaba à raiz da serra, ia-se de trole. Da raiz da serra a Campos do Jordão ia-se à pata de burro. Em um dia de solão bravo, escarranchado num jumento trotador, lá fui Mantiqueira arriba, trepando aquelas escarpas fragosas por caminhos tortos e buraquentos. Dura jornada era, então, aquela viagem a Campos do Jordão. Coisa de arrebentar fundilhos e desconjuntar os ossos. Mas, eu não sentia. Sim, eu não sentia o caminho buraquento nem a besta socadeira nem o sol que tombava escaldante no meu cangote, nada, nada, tão

Liteira com escravos. Jean Baptiste Debret.


Uma Escalada para a Vida: Uma Escalada para a Vida

Vila Abernéssia, em 1919.

enamorados iam os meus olhos na beleza esmagadoramente bela daquelas serranias bravas. Paisagem estupenda de Suíça rústica. Havia no burgo um hotelzinho onde me alojei. Lombadas abauladas, socavas fundas escancelando-se em despenhadeiros, rechãs entrançadas de materiais, pinheiros alevantando ao sol a umbela verdejante, águas espumosas que tombavam, escachoando e lá ao longe, muito longe, num incêndio de ouro, a gigante pedraça do Embaú, alapardada como um cetáceo no alto do espigão. Cheguei. Campos do Jordão era um povoado rudimentar e silvestre. Não passava de feio arranjamento de casotas de madeiras toscas, acocoradas lá em cima, como um bando de cabras selvagens.10 3. Interessante anotar que, no século XIX, esteve na Fazenda da Guarda (atualmente Parque Estadual de Campos do

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Jordão) o Visconde do Rio Branco, figura importantíssima do Brasil-Império. O prof. Baltazar de Godoy Moreira, abordando a visita ilustre, explicou que era desconhecido o motivo dessa viagem. Como soube S. Exa. dos Campos e da benignidade de seu clima? É coisa que não sei. Não sei como lá do Rio de Janeiro se entendeu com papai. Não perguntei em tempo a quem poderia informar-me e agora é tarde. Provavelmente, o Barão Homem de Mello, por exemplo.

Vila Jaguaribe.

“Confiteor”, de Paulo Setúbal, Saraiva, São Paulo, 1968.

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A viagem do Visconde durou dois dias; ele pernoitou em Graminha. A viagem fora feita de carro de Pindamonhangaba até Graminha e a cavalo desta localidade até a Fazenda da Guarda. Explicou Baltazar de Godoy Moreira, que, ao contrário do Conde D’Eu, que também visitou a Fazenda da Guarda, o Visconde buscou aquelas paragens em busca de alívio para a enfermidade que o consumia... Não sei qual era o seu mal... Pelo que papai me contou, tanto poderia ser câncer como tuberculose. Desembarcara em companhia da Viscondessa, sua filha, e do médico Bandeira de Melo, todos muito cansados em razão da rudeza da viagem, permanecendo na Fazenda da Guarda 20 dias. Muita alegria, muita efusão nos brindes, a que não faltou uma garrafa de champanha francesa, a única que no século XIX estourou na Guarda. Mas, notou o anfitrião Antônio Amador, com embaraço, que, terminados os brindes, todos se levantaram da mesa em meio às pressas, ocultando o rosto. O dono da casa e hospedeiro ficou inconformadíssimo. Disse qualquer coisa inconveniente? Que teria havido?

Então, à parte o dr. Bandeira explicou: Não se incomode Capitão Antônio Amador. Não é nada com o senhor. É que este talvez seja o último aniversário do Visconde. Eles sabem, ficam comovidos e não se podem conter. O Visconde do Rio Branco conversava muito com o anfitrião e, entre as muitas conversas, é importante recordar as seguintes palavras trocadas. Foram os dois a cavalo até a lomba do Faxinal, avistando o Vale do Casquilho, tapado de pinheiros, e o Retiro lá em baixo, um imenso jardim, cerros e bosques arrumadinhos, cuidados por Deus. O Visconde não continha a admiração. E dizia: Isto é uma maravilha, capitão. É lindo. Pena que não seja conhecido. Mas tome nota: tempo virá em que todas estas montanhas, como as da Suíça, estarão cheias de herdades e hotéis para a vilegiatura dos ricos. Trilhos de ferro cortarão estes vales e o apito das locomotivas acabará com este gostoso silêncio. Não quero ver esse progresso, disse o anfitrião. No dia em que ouvir apito de trem nos Campos, isto para mim acabou. O gostoso aqui é estar fora do mundo, perto de Deus. Concluiu Baltazar de Godoy Moreira que, contudo, em menos de meio século, iniciou a Estrada de Ferro Campos do Jordão, confirmando-se a profecia do Visconde, fácil de fazer-se, aliás. São Paulo, já naquele tempo, não parava. Dia-a- dia, o clima de Campos do Jordão foi sendo conhecido.11 Hotel Melo, Vila Jaguaribe, em 1925.

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“... E os Campos do Jordão foram Pindamonhangaba”, de Baltazar de Godoy Moreira, Sociedade Amigos de Pindamonhangaba.

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A profecia do Visconde do Rio Branco, décadas depois, veio a realizar-se. Outra impressionante profecia também veio a concretizar-se, esta do historiador, antropólogo, etnólogo e autor de vários livros sobre História e Geografia, Theodoro Sampaio. Fê-la em 1893, quando, a convite do Barão de Bocaina, empreendeu viagem aos famosos campos da Mantiqueira. Alves Mota Sobrinho escreveu que o historiador de O Tupi na Geografia Nacional durante oito dias percorreu os campos do alto da serra, perfazendo 150 quilômetros em várias direções, galgando altitudes superiores a 2.000 metros. Theodoro Sampaio descreveu o acesso por Pindamonhangaba, que se fazia em seis ou sete horas. Ali pernoitava, aproveitando o resto do dia em preparo da condução para a melhor subida da serra. No dia seguinte, bem de manhã, punha-se em marcha à cavalgada, transpondo o Rio Paraíba, logo a deixar a cidade, indo galgar a encosta da serra pelo Vale do Piracuama.

Pela tarde, chegava à Vila Jaguaribe, onde descansava para almoçar, fazendo marcha moderada já pelas dificuldades da subida e necessidade de gozar das belas perspectivas, que, a cada volta da estrada, se divisavam em longínquos e vaporosos horizontes. Previu Theodoro Sampaio a excelência de uma ligação ferroviária, que, muito tempo depois, veio a concretizar-se com a construção da Estrada de Ferro Campos do Jordão. A necessidade palpitante destas paisagens é o caminho de ferro para elas diretamente construído. Só assim os que viajavam por motivo de saúde, como os que procuram, em clima mais ameno, um refrigério contra os calores das cidades de beira-mar, encontrariam as facilidades que hoje, apesar dos grandes esforços empenhados em consegui-los, não se há obtido cabalmente.12 4. Um dos descendentes de Antônio Amador Godoy Moreira, da legendária Fazenda da Guarda, o dr. Oscar Ribeiro de Godoy, médico

Vila Capivari, em 1925. 12

“Viagem a Serra da Mantiqueira, Campos do Jordão e São Francisco dos Campos”, de Theodoro Sampaio, Brasiliense, São Paulo, 1978.

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e lúcido aos 90 anos, descreveu os caminhos de ligação de Campos do Jordão ao Vale do Paraíba na primeira década do século XX. Contou que lá pelos idos de 1914, época em que chegamos a Campos do Jordão, depois de demorado processo de divisão judicial (da Fazenda da Guarda), a região era somente alcançada a cavalo ou no caso de enfermos, por liteiras ou banguês. Os caminhos eram vários e conheci quatro trilhas, todas procedentes de Pindamonhangaba ou Guaratinguetá. A primeira, partindo de Guará, era chamada “Serra do Rabelo”, atingia os pés da serra onde havia um armazém de um senhor Caetano Caltabiano, ponto obrigatório de repouso e abastecimento. Então, começava a subida. Era uma estrada larga quando a conheci, cheia de zigue-zague para atenuar o aclive e atingia o alto da serra nas pro-

ximidades de um lugar chamado Três Pontas ou Pontes. Ali, corria um córrego com água fresca e cristalina onde os animais matavam a sede e os cavaleiros saboreavam o farnel de frango mexido com farofa. A outra estrada era chamada “Serra das Bicas” porque, partindo do Ribeirão Grande, passava por terras do coronel Benjamim Bueno e seguia por um espigão, que as dividia de um bairro chamado Bicas, nos contrafortes da serra. No alto seguia pelos campos do Moreira, nome primitivo do atual São José dos Alpes. A trilha passava onde hoje se encontra a represa da Usina Santa Isabel e, depois da construção desta, veio a transpor o riacho pelo próprio aterro de contenção de água da represa. Por esta via, viajamos algumas vezes e ela era a comunicação com Pindamonhan-

Translado de corpos doentes. Desenho de Sérgio Antonio da Silva.

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gaba, mais freqüentemente usada pelos moradores da Guarda. Todas as provisões da Fazenda eram transportadas por este caminho que hoje é a ligação do atual Parque Estadual a São José dos Alpes. Dentro do mato havia estreita picada que dava passagem a um cavaleiro por vez e, nos campos, o pisoteio dos animais é que fazia o caminho. Nas nossas viagens formava-se extensa fila de cavaleiros de tal ordem, que os da frente mal divisavam os últimos, pelo zigue-zague da subida. Prosseguiu o Dr. Oscar Ribeiro de Godoy: Outra serra era denominada Serra da Borboleta e partia das proximidades de uma fazenda com este nome, pertencente ao major José Benedito, e alcançava o alto da serra nas cercanias do Pico do Itapeva. Não cheguei a conhecer esta estrada, porque ficava fora de nossa região e era de pouco movimento. Meus pais viajaram por ela, pois eram parentes da esposa do major, e por ali passavam a fim de visitá-los. Por último, havia a estrada ligando Pindamonhangaba ao Piracuama e daí a Campos do Jordão. Percorria o Vale do Paraíba, seguia margeando a serra, passava por um armazém no meio da subida e atingia Campos do Jordão, onde hoje se localiza o Hotel Toriba. Era larga já naquele tempo e permitia a passagem de troles até o Piracuama e, depois, somente para as liteiras e bangüês. Viajamos algumas vezes por esta estrada. Das estradas que conheci na mocidade, algumas ainda estão em uso, como a do “Rabelo” 13

que perdeu o nome, mas foi conservada, alargada e melhorada no seu traçado, permitindo, às vezes, a aventura de um passeio de carro. A das “Bicas” foi fechada pelos donos da Usina Santa Isabel e ali, ainda nos morros vizinhos, há trilhas cavadas pelos animais que testemunham o seu abandono. A Serra do Piracuama foi em parte substituída pela rodovia de ligação com São Paulo, Pindamonhangaba e Taubaté. E ainda pode ser usada no trecho da serra. Andei por todas elas de trole, a cavalo e mesmo de automóvel e desses passeios guardo belas recordações.13 5. No começo do século XX, foram importantes os chamados carregadores de cadáveres, que atuavam no itinerário Campos do Jordão-Pindamonhangaba, quando não havia ainda meios de comunicação civilizados. Profissão brava, que exigia abnegação, além de uma saúde de ferro. Naquele tempo, Campos do Jordão possuía um insipiente cemitério, o da Bazin, da francesa Bertha Bazin, que era dona de quase todas as terras de Vila Jaguaribe, chamada naquele tempo de Vila Velha. Situava-se onde, atualmente, se encontra o Recanto Vila Dubieux, bairro de classe média, às margens da Avenida dr. Januário Miraglia. Quando da abertura do loteamento, nos anos 70, nos serviços de terraplenagem, foram ali encontradas, pelos operários, ossadas humanas. Durante uma epidemia de varíola no alvorecer do século XX, utilizou-se o estranho costume de sepultar os corpos, cobrindo-se o leito das covas com garrafas fincadas com o fundo para cima, fazendo uma superfície de vidro antes de depositar o caixão. Dizia-se que, assim, o vírus da moléstia não contaminava a terra.

Jornal “Campos do Jordão”, de 22 de março de 1996.

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Como Campos do Jordão, na época, já despontava como estação de cura de tuberculose, uma moléstia terminal naquela ocasião, o índice de mortes era elevadíssimo, de sorte que o cemitério da Bazin não comportava tantos sepultamentos. Por isto, as famílias de alguma posse transportavam seus mortos para Pindamonhangaba, com posterior embarque para São Paulo e Rio de Janeiro, ora para Piranguçu, em Minas Gerais. O traslado dos corpos para o Vale do Paraíba ou para o território mineiro era uma verdadeira odisséia: o corpo era colocado dentro de uma rede esticada entre dois longos varais, como se fosse uma maca; os varais eram postos sobre os ombros musculosos dos carregadores de cadáveres, que se revezavam na descida das escarpadas e tortuosas veredas da Serra da Mantiqueira. Onde se acha, atualmente, o pátio da E.F.Campos do Jordão, nas proximidades do armazém de abastecimento em Pindamonhangaba, havia a Capela de Santa Cruz, à margem da linha férrea da E.F.Central do Brasil, que abrigava os corpos vindos de Campos do Jordão, os quais, depois, eram transportados, por trem, para São Paulo e Rio de Janeiro. Eram 25 carregadores de cadáveres, que cobravam, cada um, 25 mil réis. Saíam de madrugada de Campos do Jordão, descendo pelo Alto do Toriba e logo, às cinco da tarde, estavam chegando em Pindamonhangaba. Era necessário o revezamento porque toda a viagem era feita a pé. Dentre os carregadores de cadáveres conhecidos, registra-se os nomes dos irmãos Bravo, Benedito Frozino, José da Matta Oliveira e Matheus de Lima. No meio do caminho ocorriam cenas dra14

máticas, pois, os carregadores, descendo a serra, freqüentemente, cruzavam com enfermos, que subiam em liteiras e bangüês as escarpas da Mantiqueira. Alguns sucumbiam no meio do caminho, em razão da tuberculose em adiantado estado e também das asperezas do caminho. Neste caso, era preciso regressar, pois de nada valeria a ação terapêutica do clima de Campos do Jordão. O labor desses homens corajosos e destemidos, que carregavam cadáveres pela força de seus músculos e ombros, pode parecer, à primeira vista, lúgubre e desprezível, mas era uma exigência imposta pelas necessidades e agruras do tempo em que viveram. Se, atualmente, não são admirados, foram indispensáveis na época.14 6. Um belo dia, chegou-nos às mãos um manuscrito de J. F. Ortiz, datado de 1886, redigido na ortografia do seu tempo, onde o cronista começou a escrever um diário, iniciado em 22 de fevereiro de 1896, relatando os preparativos e atropelos da viagem a Campos do Jordão, com sua família (Nhá Moça, Nhá Bé, Babica, Lulu, Delfina e Joaquim). Chegamos a Pindamonhangaba, onde encontramos o Sr. Honório Bicudo, que eu havia prevenido por carta, para arranjar condução, tendo assim, à nossa disposição dois troles, dizendo ter tratado um carro de boi para levar a bagagem à Raiz da Serra (Piracuama). No dia aprazado, com dois troles e seus familiares, o cronista iniciou viagem. Um imprevisto, porém, surpreendeu-o, pois a estrada de rodagem, com as chuvas, estava em mau estado. Os troles, em determinados trechos, foram puxados por juntas de bois e não por cavalos. Deu tempo para visitar a importante

“Campos do Jordão, O Presente Passado a Limpo”, de Pedro Paulo Filho, Vertente, São José dos Campos, 1997.

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ponte do Rio Paraíba, obra de arte do tempo do Império, sóbria e elegante. No meio do caminho até a Raiz da Serra, uma parada para o lanche: latas de sardinhas, pão e café. Finalmente, depois de quatro horas de viagem, chegamos ao hotel do Bicudinho, às dez e tanto da manhã. Novo imprevisto: a condução já havia subido a serra e somente no dia seguinte o excursionista e seus familiares poderiam empreender a jornada de subida da Mantiqueira. Enfim, deu-se a partida para Campos do Jordão: A nossa comitiva compõe-se de uma liteira aonde vão Nhá Bé, Delfina, Joaquim e Ana; eu e

Babica a cavalo; as malas de mão vão em cargueiro dirigido pelo Sr. Luiz, filho do Bicudo. A estrada continua acompanhando o vale apertado e profundíssimo do Piracuama, que se despenha do alto da serra em ruidosas cachoeiras (...) “No meio do caminho da íngreme subida, encontramos numeroso grupo de pedestres que descem a passos largos e acelerados, acompanhando dois deles, que transportavam em uma rede um cadáver. Sabemos que o indivíduo morto subira para Campos do Jordão oito dias antes, mais ou menos, e estivera instalado na casa do Sr.

Da direita para esquerda Victor Godinho, Emílio Ribas, Robert John Reid e desconhecido.

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João Maquinista, próxima à Capela de Jaguaribe. Este encontro fúnebre nos impressionou desagradavelmente, concorrendo para entristecer-nos a viagem. Assim, chegamos ao alto da garganta, onde se bifurca a estrada, seguindo o ramo da esquerda para Santo Antônio do Pinhal e o da direita para os Campos. Todos pararam ali para aliviar os animais das cargas e das selas. É aberta a nossa cesta de virado, que ingerimos à força de vontade de comer, pois que, por si só, era ele pouco convidativo, não obstante terem-me cobrado pelo seu feitio os hoteleiros da Raiz da Serra, nada mais de dez mil réis!”

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J. F. Ortiz ficou sabendo que o local era chamado Alto da Serra. A viagem prosseguiu, quando os viajantes puderam avistar a Pedra do Baú, além de grandes maciços de pinheirais e abundantes flores silvestres. “Em uma curva do caminho passamos por uma linda cascata, de efeito extremamente pitoresco. Saímos, finalmente, da mata para entramos em Campos do Jordão. Começamos agora a descer e já avistamos em baixo algumas casas isoladas. Caminhos cheios de curvas, seguindo as ondulações das lombas. Deixamos agora a estrada que segue para Capela para tomarmos o Retiro do Major José Inácio, aonde vamos nos instalar.”15

“Notas e Informações Colhidas em Minhas Viagens a Campos do Jordão”, manuscrito de J. F. Ortiz, 1886.

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Uma Escalada para a Vida: Uma Escalada para a Vida

II Climatoterapia 1. Coube ao cientista Clemente Ferreira curassem, chegando até a indicar o seu trajeto. (1857-1947) os estudos pioneiros sobre as “É simples o traçado itinerário. O ginete a qualidades terapêuticas do clima de Campos vapor vos conduzirá a Pindamonhangaba. do Jordão, em 1883. Lá dois caminhos atualmente se vos ofeAo iniciar sua carreira, demonstrou gran- recem: “ou seguireis a estrada de Santo Ande pendor para o tema da tuberculose. Na sua tônio do Pinhal, percorrendo, assim, sete e tese de graduação Tísica Pulmonar, em 1880, meia léguas ou tomareis o caminho da Servaticinou a meta da sua vida médica. ra Negra, que vos levará aos Campos do Doutorando-se, retornou a Rezende, sua Jordão, após o trajeto de 6 léguas, quando terra natal, iniciando sua vida profissional e, muito. embora exercendo clínica geral, a tuberculose O trajeto até a base da cordilheira poderá ser atraía-o intensamente. feito a cavalo ou de trole com certa facilidade. O dr. Clemente Ferreira fez um levantaA estrada, porém, que do sopé da serrania mento in loco, em Campos do Jordão, durante se estende aos Campos, só podereis percorrer o período de 26 de janeiro a 15 de fevereiro de a cavalo, enquanto os melhoramentos já inici1882, e daí a dissertação, em ados não a tiverem modifica1883, sob o título Contribuição do radicalmente, tornando-a para o Estudo do Valor por demais cômoda e amena. Profilático e Terapêutico do CliUma vez lá chegados, 16 ma de Campos do Jordão. encontrareis à vossa disposição Em outra publicação da dois hotéis – o do Salto e o de sua autoria, em 1909, consideSão Mateus. rou que a estância possuía o Este, retirado em um magmelhor clima de altitude do nífico ponto, donde se domina País, recomendando que todos uma vasta extensão, perfeitaos enfermos do pulmão a promente franco à circulação do Clemente Ferreira. 16

“1o Centenário de Nascimento do Professor Clemente Ferreira”, Liga Paulista Contra a Tuberculose, São Paulo, 1957.

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ar e sem umidade, não oferece por hora o conforto e as comodidades que se encontra naquele. O do Salto, porém, se acha colocado em vale circunscrito, bastante próximo a uma mata mais ou menos densa que lhe fica fronteiriça, de modo que a atmosfera ali sobre ser mais úmida, apresenta um pouco mais elevada a cifra termométrica. Além disso, para as famílias que quiserem remover-se para os Campos, há recurso das poucas casas que lá existem, as quais, apesar de pecarem gravemente contra a higiene, são por ora as únicas instalações destinadas aos doentes.”17 Os estudos de Clemente Ferreira levaram o dr. Victor Godinho a escrever na Revista Médica de São Paulo, em 1901, que as devastações da tísica preocupam atualmente todo o mundo civilizado.Associações filantrópicas e Ligas formam-se constantemente por toda a parte e é com satisfação que vemos no Brasil o patriótico movimento de opinião. O grito de alarme começou em São Paulo por meio de relatórios da Diretoria do Serviço Sanitário, e desde 1898, pela propaganda individual do dr. Clemente Ferreira.18 Prefaciando Estações Climatéricas de São Paulo, o dr. Francisco Laraya, em 1926, de Paris, depois de dissertar sobre as condições do meio existentes em Davos, na Suíça, observou: No Brasil possuímos também um clima ótimo, admirável, que é Campos do Jordão, faltando, entretanto, a essa região para prosperar, além da intervenção profilática de higiene administrativa, a ação conjunta, propulsora, da iniciativa particular, combinada com o apoio do Governo, de modo a ampará-la con-

venientemente para ser a estância-modelo a que tem direito pelas suas maravilhosas condições naturais. “Realmente, a natureza pródiga e generosa dotou ostensivamente Campos do Jordão de atributos particulares, dando-lhe uma feição climatérica característica, de elevada expressão terapêutica e valor curativo excepcional. Dá-nos direito ao asserto à nossa permanência durante muitos anos em Davos, cujas variantes tér micas e mais expressões meteorológicas tomadas no correr do inverno – período mais apropriado a essas observações – revelaram, num confronto com a síntese climática de Campos do Jordão, uma superioridade manifesta da região brasileira, máxime quanto à insolação e luminosidade atmosférica. Assim, em síntese, além da cultura e notável proporção de ozona ou oxigênio eletrizado, uma farta luminosidade e grande transparência atmosférica, combinadas à constante e prolongada insolação, personificam em Campos do Jordão um clima primoroso, exuberante de luz e criador de energias, ideal para reabilitar a saúde e restaurar forças depauperadas.19 Seis anos antes, o médico Clemente Ferreira, prefaciando a obra do dr. Belfort de Mattos Filho, dissertou: Entre as nossas estâncias de maior realce e de maior reputação popular e médica, sobressai a de Campos do Jordão, que, já de longa data, vem recomendando e se impondo como localidade inexcedível pelos seus predicados climáticos gerais, especialmente ativos e eficientes no tratamento de moléstias pulmonares, e ainda como incomparável região adaptada à cura de repouso e sítio de convalescentes.

17 “Campos do Jordão – Breves Apontamentos sobre a Climatologia Brasileira”, de Clemente Ferreira, Revista Médica de São Paulo no 16, de 31 de agosto de 1909. 18

“O Trabalho de Clemente Ferreira pela Formação de uma Consciência Sanitária em face da Tuberculose”, Revista Médica de São Paulo, de 1901.

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“Estações Climatéricas de São Paulo”, de Belfort de Mattos Filho, São Paulo, 1928.

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O dr. Belfort de Mattos Filho, em seus estudos, evidenciou a alta percentagem de ozona no ar de Campos do Jordão, que vai até 7,1 miligramas por 100 metros cúbicos de ar, quando nesta Capital (São Paulo) não vai além de três. A presença é significativa de pureza atmosférica, de sua assepsia e ausência de germes e, por isto, no oceano e nas altas montanhas, onde o ar é puro, é elevado o coeficiente de ozona. Como clima de altitude elevada, de grande transparência atmosférica, de fraca nebulosidade e, pois, de farta insolação, os Campos do Jordão desfrutam da enorme vantagem de abundância de oxigênio eletrizado. Ainda lhe sobra outra fonte de ozona, que vem a ser as florestas de pinheiros, onde, puseram em relevo os estudos de Duphil, a percentagem de ozona pode atingir nove milímetros, ocorrendo mesmo uma sobrecarga de ozona, como fez ver Maurice de Thierry na região das Grands-Mulets a 3.000 metros de altitude, coberta de florestas de pinheiros. A pouca nebulosidade da atmosfera de Campos do Jordão explica também pela mais direta e prolongada ação dos raios ultravioleta do espectro solar, a produção avantajada de tão útil elemento. Como sucede em Arcachon, em que é nos meses de primavera, quando se opera a oxidação das essências e resinas das florestas de pinheiros, que ali abundam e criam nessa estância dois climas – o marítimo e o florestal – , que mais se eleva à percentagem de ozona; assim nos Campos do Jordão a quantidade desse valoroso elemento do ar sobe, segundo ressalta as observações do dr. Belfort de Ma20

tos Filho, nos meses de agosto, setembro e outubro. Essa particularidade que possui Campos do Jordão pela sua riqueza em florestas de pinheiros, os demais sítios de grandes altitudes não partilham, como Caldas, Maria da Fé, Teresópolis, Itatiaia, etc. O ozona em tais proporções não pode deixar de contribuir para uma mais perfeita pureza, assepsia e esterilidade dos Campos, pois são notórias as suas virtudes microbicidas, já há muitos anos aproveitadas para depuração das águas de alimentação por vários Estados.” 20 2. Campos do Jordão nasceu sob o signo da moléstia pulmonar, pois o próprio fundador do município socorreu-se da ação benéfica do clima jordanense. João Romeiro, em 1912, contou histórias de Manoelzinho, que subiu a serra para morrer, tão lastimável era o seu estado de saúde. Decorridos doze meses, ele se declarava completamente curado, o que foi confirmado por inspeções médicas. 21

João Romeiro.

“Estações Climatéricas de São Paulo (Campos do Jordão, Prata, Lindóia)” de

Belfort de Matos Filho, Secretaria da Agricultura, Indústria e Comércio do Estado de São Paulo, São Paulo, 1928. 21

“Campos do Jordão na História e na Legenda”, de João Romeiro, 1912, Pindamonhangaba.

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Pedro Paulo Filho

Francisco Marcondes Romeiro e Gustavo de Godoy, mandaram para lá os seus doentes tuberculosos e verificaram que muitos deles sararam e todos melhoraram. E tão convencidos estavam das virtudes especiais do clima, que adquiriram terras nos Campos do Jordão e lá fundaram uma Casa de Saúde. Foi a primeira do gênero no Brasil. Nessa ocasião, o barão Torres Homem era a figura mais saliente da mediDr. Francisco Marcondes cina brasileira e mandava inúmeros doDr. Claro Cezar, 1913. Romeiro, 1913. entes para a Casa de Saúde dos srs. RoRelatou Condelac Chaves de Andrade que meiro e Godoy. o fazendeiro Ignácio Francisco Romeiro, de Nada mais era preciso para que os CamPindamonhangaba, costumava comprar escra- pos do Jordão fossem procurados como últivos a preços insignificantes por estarem ma esperança dos tuberculosos. tuberculosos. Mandando-os para a sua fazenA Casa de Saúde teve sua época de prospeda nos Campos do Jordão, ao fim de algum ridade e a população começou a acudir ao local. tempo, ficavam curados graças à ação do cliFundou-se a Vila Imbiri, mais tarde, de22 ma. Aí podia vendê-los, a bom preço. nominada Vila Jaguaribe. A fama do clima terapêutico de Campos Durante o Governo Provisório, a Casa de do Jordão começou a alastrar-se e, logo, fo- Saúde foi transformada em sociedade anôniram erguidos 12 sítios isolados aqui e acolá, ma e teve a sorte de muitas sociedades anônimuito distantes uns dos outros. mas daquela época. O médico Clemente Ferreira, quando esContribuiu para essa queda a difícil e má teve, em 1881, em Campos do Jordão, encon- conservação da estrada de rodagem de Pindatrou em tratamento no Hotel de São Matheus monhangaba aos Campos do Jordão. E tais do Imbiri três moços, que, em breve tempo, eram essas dificuldades que os doentes passaapresentaram melhoras evidentes da doença ram a procurar os sanatórios alemães e suíços pulmonar. para os quais era mais cômodo o acesso. O dr. Luiz Pereira Barreto, de Jacareí, cosO desconforto da viagem inutilizou os tumava mandar doentes do pulmão para os belos intuitos dos humanitários clínicos.23 O médico Luiz Pereira Barreto, a pedido altiplanos jordanenses, os quais logo apresende Matheus da Costa Pinto, considerado o tavam melhoras. Foi na segunda década do século XIX, em fundador de Campos do Jordão, testemunhou 1878, que os médicos pindamonhangabenses, sua experiência positiva com a climatoterapia 22

“Almanaque Histórico de Campos do Jordão”, de Condelac Chaves de Andrade, edição do autor, 1948.

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“A Província de São Paulo”, de 21 de janeiro de 1879.

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Uma Escalada para a Vida: Uma Escalada para a Vida

Os pinheirais de Campos do Jordão.

jordanense, ao depor que outra era a evolução da doença, quando, desde cedo, impomos resolutamente a remoção do doente para uma atmosfera oxigenada e refocilante do alto de uma serra como a de Campos do Jordão. Ao desespero, sucede então a esperança e, dentro de poucas semanas ou poucos meses, assistimos um verdadeiro milagre: a cura certa de um incurável. A experiência que tenho hoje da ação terapêutica de Campos do Jordão sobre a tuberculose, não me permite outra linha de conduta senão esta: prescrever sem perda de tempo a ida para os Campos a todos os doentes cujos pulmões não estejam ainda comprometidos. 24 Contou o Dr. Clemente Ferreira, em 1881, que é gerente atualmente da Casa de Saúde dos drs. Romeiro e Godoy um moço de nome Theodoro Moreira César, que para lá foi mandado pelo Dr. França, de Pindamonhangaba, a fim de procurar um alívio ao seu estado de tuberculose. No fim de certo tempo, ele se achava gozando de um estado lisonjeiro de saúde e, con-

tente com tão milagroso clima, o Sr. Theodoro resolveu fixar residência lá. O eminente clínico, Sr. Dr. Luiz Pereira Barreto conta numerosos fatos em sua prática e alguns pertencentes à sua própria família, que põem em relevo de modo indiscutível as propriedades altamente profiláticas e terapêuticas do clima dos Campos do Jordão.25 E narra Clemente Ferreira: É, sobretudo, em relação aos escravos que se tem mostrado de uma maneira mais imponente e maravilhosa os resultados desse refúgio, pois, referem-se a casos de tuberculose já adiantados, de cavernosos em péssimo estado, haverem obtido a completa cura ou, pelo menos, a paralisação indefinida do mal. E o fato explica-se facilmente, atendendo-se que tais indivíduos são obrigados a permanecer por bastante tempo, por numerosos meses e mesmo anos na localidade; por isto que, à vontade de seus respectivos senhores, os força a assim proceder e, desse modo, eles podem confirmar as melhoras que logo se manifestam.26

24

“Almanaque Histórico de Campos do Jordão”, de Condelac Chaves de Andrade, 1948.

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“A Província de São Paulo”, de 25 de março de 1881.

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“A Província de São Paulo”, de 27 de março de 1881.

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Corria, assim, intensamente a fama do cli- tir dessa data e, ininterruptamente, todos os ma terapêutico de Campos do Jordão, por todo dados, que se faziam mister para bem caracteo Brasil. rizar a feição climática de Campos do Jordão. A coleta das notas, tomadas às 7, 14 e 21 3. Em 1921, o dr. J. R. Belfort de Mattos horas e o exame dos diagramas traçados pelos Filho, diretor do Observatório de Campos do aparelhos registradores, após largos anos de Jordão e do Gabinete de Análise do Ar de observação, permitem, em regra, conhecer as São Paulo, integrou comissão nomeada pelo condições ambientais da região em estudo. Governo de São Paulo para estudar o clima da Campos do Jordão, porém, estância cliestância. mática de altitude, requeria maior rigor na Contou que há vários anos se fez premente o análise de seus fatores de cura. estudo dessas localidades privilegiadas, que se recoUrgia o estudo da composição atmosférimendam por um clima excepcional ou pela riqueza de ca local, no sentido de tornar conhecido o suas fontes hidrominerais. quantum de ozona livre, a possível existência Campos do Jordão – a Davos Paulista – foi de redutores orgânicos, o teor de anidrido a primeira a reclamar a observação sistemática carbônico, etc. de suas invejáveis condições de clima. LembraDaí a razão de ser de uma comissão, que nos foi mos, porém, que, desde 1906, o Serviço dada pelo Governo Estadual, em 1921, quando nos Metereológico procedeu a instalação de um transportamos a Campos do Jordão, lá permanecendo posto no local, conhecido pelo nome de Vila durante um ano, ocupados com os trabalhos do ObVelha ou Vila Jaguaribe, sendo colhidos, a par- servatório de Altitude, instalado em Vila Capivari.

Visão da Pedra do Baú vista de Campos do Jordão.

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O clima de Campos do Jordão comparado à região alpina de Davos Platz, na Suíça, acusou supremacia e superioridade nos graus de nebulosidade, taxas de insolação, oscilações tér micas e índices de precipitação pluviométrica.27 O teor de oxigenação e ozona de Campos do Jordão também foi considerado superior ao de Chamonix, famosa estância francesa pela pureza do ar, a 2.800 metros de altitude. Fundado nos estudos de Clemente Ferreira, Ovídio Pires de Campos, Emílio Ribas e Victor Godinho, o dr. J.R.Belfort concluiu que sobre a montanha, a opinião dos tisioterapeutas é que a cura de altitude constitui no momento atual, não somente a melhor aplicação da cura e de repouso, como também que, por si só, é capaz de proporcionar efeitos curativos de importância inconteste. Jacquerod, um dos mais reputados tisiologistas da Suíça, certa feita, dirigiu esta frase a um brasileiro (Arthur Ramozzi): Não compreendo a razão de o senhor vir aqui, tendo em seu País um clima igual ou melhor que o da Suíça, como é o de Campos do Jordão, onde encontrará recursos iguais aos nossos. Em agosto de 1937, o professor Emile Sergent, então no Brasil para um curso de tuberculose, aceitou o convite do professor Clemente Ferreira, para visitar Campos do Jordão. A climatoterapia – primeiro estágio na luta contra a tuberculose -, segundo o prof. Rafhael de Paula Souza, alcançou expressão nacional e até internacional, pois, o dr. Luiz Garcez, em entrevista dada ao Diário Popular, de 23 de junho de 1933, afirmou que na Europa o clima jordanense era exaltado por tisiólogos

de fama universal, como Jacquerod, diretor do grande sanatório de Leysin (Suíça) Voigt e Mayer, de DavosPlatz, Felício Cova, de Milão e Ruttgers, de Montana, tendo este último declarado que não compreendia como se poderia preferir a Suíça a Campos do Jordão. 28 Paula Souza, em 1936, explicou que, no Brasil, a indicação de clima de altitude para o tratamento de tuberculose é antiga. Campos do Jordão, antes mesmo de 1880, era conhecido como o local de cura de tuberculose, tendo sido levantada uma Casa de Saúde para “respirantes”, como lá se denominavam os enfermos, pelos doutores Francisco Romeiro e Gustavo de Godoy, antes, portanto, do primeiro sanatório de altitude que foi em 1890. A primeira publicação que encontramos sobre o clima de altitude e a tuberculose entre nós é de Clemente Ferreira, em 1883, sobre Campos do Jordão, em que ele estuda elementos meteorológicos até então considerados úteis à cura (...) Em Campos do Jordão, os resultados obtidos depois da introdução dos Dispensários e Sanatórios são muito animadores e definitivos que antes dessa era terapêutica. Prosseguiu o dr. Raphael de Paula Souza, aduzindo que, até hoje, as localidades de clima têm sido escolhidas sobre as bases mais diversas e errôneas imagináveis: Não podemos submeter-nos a que só essas localidades sejam consideradas climas para tuberculosos. “Se der a todos os locais saudáveis existentes, onde a aeroterapia ampla é exeqüível durante grande parte do ano, o cognome de clima, somos inteiramente favoráveis a climatoterapia. Resumindo, achamos que o clima hoje não guarda mais aquele caráter rígido que exigia o

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“Campos do Jordão, Clima de Altitude”, de J. R. Belfort de Mattos Filho, São Paulo Editora, 1937.

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“O Fator Clima na Cura da Tuberculose”, de Raphael de Paula Souza, Revista de Tuberculose nº 31, junho de 1936.

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empirismo dos anos; no estado atual dos nossos conhecimentos médicos e metereológicos para o tratamento higiênico-dietético da tuberculose, procura-se locais que apresentem condições metereológicas e telúricas que permitam a aeração contínua dos doentes em atmosfera pura e de boa radiação, para obter-se o máximo de equilíbrio e rendimentos de seus organismos.” Isso não é privilégio de duas ou três localidades, encontrando-se com facilidade em toda parte. 29 É incrível que, decorridas tantas décadas, mais precisamente em 1989, a jorna-

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Revista Brasileira de Tuberculose nº 31, de junho de 1936.

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“O Estado de São Paulo”, de 19 de novembro de 1989.

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lista Helle Alves escreveu na imprensa paulista, no final do século XX o seguinte texto: De acordo com uma placa exibida orgulhosamente na sua praça principal, a cidadezinha de Davos Platz, nos Alpes suíços, possui o terceiro clima do mundo. Essa honrosa classificação foi-lhe conferida pelo Congresso Climatológico Mundial, reunido em Paris, em 1957. Pois bem, esse mesmo Congresso Mundial colocou em primeiro lugar o clima de Campos do Jordão. 30


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III Concessão de Privilégio a Emílio Ribas e Victor Godinho 1. Em 1908, os médicos Emílio Marcondes Ribas e Victor Godinho haviam requerido ao Congresso do Estado uma concessão para a construção de uma estrada de ferro, ligando a cidade de Pindamonhangaba a Campos do Jordão e um empréstimo de 2.000$000 para a fundação de sanatórios de tuberculosos e de uma Vila Sanitária ou Estação Climática, esta destinada aos convalescentes, anêmicos, raquíticos, neurastênicos, esgotados e veranistas. Eles haviam adquirido terras no sítio de Capivari, em Campos do Jordão, para essa finalidade, recusando propostas de várias Câmaras Municipais que lhes ofereciam terrenos gratuitos e vantagens fiscais para que aqueles estabelecimentos fossem fundados nas respectivas circunscrições.31 A cidade de Pindamonhangaba incorporou-se de corpo e alma ao empreendimento, pois, em 12 de setembro de 1909, a Tribuna da Norte publicou a Lei Municipal nº 5, de 16 de agosto daquele ano, sancionada pelo prefeito municipal, dr. Benjamin Pinheiro, que reproduzimos na íntegra: Art. 1º – Fica concedido aos Drs. Emílio Marcondes Ribas e Victor Godinho privilégio para a construção de uma linha transway, com 31

a bitola de sessenta centímetros ou um metro, de tração a vapor ou elétrica, partindo da estação desta cidade e indo terminar no alto da Serra da Mantiqueira, nas imediações do lugar denominado Venda.

Rua José Bonifácio – Matriz,1913.

Escola de Pharmacia, 1913.

“Tribuna do Norte”, de Pindamonhangaba, de 30 novembro de 1902.

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Art. 2º – Os concessionários terão privilégio por trinta anos para o uso e gozo da linha de transway que construírem por si ou empresa que organizarem, assim como o privilégio de zona, compreendendo dez quilômetros para cada lado da linha, desde que a comportem as divisas do Município. Art. 3º – Terão direito à desapropriação por utilidade pública dos terrenos necessários à construção da linha de transway e sua proteção, e bem assim das quedas d’água que forem precisar para fornecimento de força e luz para as necessidades da empresa. Art. 4º – Terão direito à isenção de impostos para as obras, construções, edifícios e ben-

feitorias da linha de trainway durante o tempo da concessão. Art. 5º – Os concessionários apresentarão dentro de um ano, a contar da data da promulgação desta lei, os estudos definitivos, planta e orçamento, e ficam obrigados a dar começo aos trabalhos nos seis meses seguintes, sob pena de caducidade, prazo que poderá ser prorrogado desde que a Câmara julgue conveniente. Art. 6º – Revogam-se as disposições em contrário.32 O presidente do Estado, Manoel Joaquim de Albuquerque Lins, editou a Lei nº 1.221, de 28 de novembro de 1910, autorizando a concessão e o empréstimo de 3.000 contos de réis, cujo texto reproduzimos, em ortografia antiga.

Lei nº 1.221 – de 28 de novembro de 1910 Autorizando o Governo a contractar com os doutores Emílio Marcondes Ribas e Victor Godinho, ou empresa que organizarem, a construcção de uma estrada de ferro entre Pindamonhangaba e immediações da Villa Jaguaribe, em S. Bento do Sapucahy. O Presidente do Estado de São Paulo, Faço saber que o Congresso Legislativo decretou e eu promulgo a seguinte lei: Artigo 1º – Fica o Governo do Estado auctorizado a contractar com os doutores Emílio Marcondes Ribas e Victor Godinho, empresa que organizarem ou quem maiores vantagens offerecer, a construcção de uma estrada de ferro de bitola de sessenta centímetros (0,m60) de systema mixto, ligando a estação de Pindamonhangaba às immediações da Villa Jaguaribe, município de S. Bento do Sapucahy. Artigo 2º – A converter em garantia de juros de cinco por cento ao anno, durante o prazo de vinte annos, os favores da lei nº 1.163, de 28 de dezembro de 1908, completando pelo mesmo prazo, a garantia de juros até ao capital de três mil contos de réis (3.000:000$000). Artigo 3º – A conceder privilégio de zona de extensão de quinze quilômetros de cada lado da via férrea, respeitados os direitos de terceiros. Artigo 4º – A conceder o direito de desapropriar, na forma da lei, os terrenos de domínio particular, prédios e benfeitorias que forem precisos para o leito da estrada, estações, armazéns e mais dependências. Artigo 5º – A empregar a quantia de sessenta contos de réis (60:000$000), consignada no orçamento actual, na realização dos estudos definitivos da projectada linha férrea. Artigo 6º – Os contractantes ficarão obrigados a construir a projectada estrada de ferro e a promover o estabelecimento de núcleos coloniaes nas zonas por ellas atravessadas. Artigo 7º – A restituir ao Thesouro do Estado, no fim de cinco annos, a quantia despendida com os estudos definitivos. Artigo 8º – A construir sanatórios para tratamento de tuberculosos e uma villa sanitária ou estação climatérica. 32

“Biografias”, de Francisco Piorino Filho, Mystic Editora, Campinas, 2001.

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Artigo 9º - A reverter à propriedade do Estado, no fim de sessenta annos, a estrada de ferro, suas benfeitorias e material fixo e rodante. Artigo 10º - O Governo estabelecerá, no contracto que for lavrado, as cláusulas e condições convenientes para salvaguardar os interesses do Estado. Artigo 11º - Revogam-se as disposições em contrário. O Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Commercio e Obras Públicas assim a faça executar. Palácio do Governo do Estado de São Paulo, 28 de novembro de 1910. M. J. de Albuquerque Lins A. de Pádua Salles

de concessão governamental que os autorizassem a construir uma estrada de ferro. A Lei Estadual nº 1.265-A, de 28 de outubro de 1911, assinada pelo mesmo presidente do Estado, concedeu aos médicos ou à empresa que organizassem o direito de construírem uma estrada de ferro, ligando Pindamonhangaba a Campos do Jordão. O texto da lei vai reproduzido adiante, em 2. Ribas e Godinho, contudo, não desanimaram e continuaram a luta para a obtenção ortografia antiga. A empreitada, contudo, não foi levada adiante, posto que a lei autorizadora obrigava os concessionários a promoverem a implantação de núcleos coloniais nas zonas atravessadas pela ferrovia (art. 6º) e a construção de sanatórios para tratamento de tuberculosos (art. 8º).

Lei nº 1.265 – de 28 de outubro de 1911 Concede aos Drs. Emílio Ribas e Victor Godinho, ou à empresa que organizarem, o direito de construírem uma estrada de ferro, ligando Pindamonhangaba aos Campos do Jordão. O Dr. Manoel Joaquim de Albuquerque Lins, Presidente do Estado de São Paulo, faço saber que o Congresso Legislativo do Estado decretou e eu promulgo a lei seguinte: Artigo 1º - É concedido aos drs Emílio Marcondes Ribas e Victor Godinho o direito de construírem, por si, ou empresa que organizarem, uma estrada de ferro de bitola de um metro, por tração electrica ou a vapor, ligando a cidade de Pindamonhangaba aos Campos do Jordão, nas imediações da Villa Jaguaribe, e um ramal férreo que, partindo do ponto mais conveniente dessa linha vá terminar nos limites do Estado de São Paulo com o de Minas Gerais, passando pelo município e cidade de São Bento do Sapucahy. Artigo 2º - Os concessionários, drs. Emílio Marcondes Ribas e Victor Godinho, ou empresa que organizarem gozarão dos seguintes favores: a) Garantia de juros de 6% ao anno, pelo espaço de trinta annos, até o máximo de quatro mil contos de réis (4.000:000$000), sobre o capital que for realmente empregado na construcção da estrada de ferro de Pindamonhangaba aos Campos do Jordão. b) Privilégio de zona de quinze kilometros para cada lado do eixo da linha e ramal de que trata o artigo 1º, pelo espaço de sessenta annos. c) Direito de desapropriação dos terrenos, prédios e benfeitorias de domínio particular, conforme for necessário para a construção das linhas férreas, estações e officinas, como também das quedas de água que possam ser aproveitadas para o fornecimento de força, no caso de ser preferida a tracção electrica.

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Artigo 3º - Os concessionários ou empreza que organizarem restituirão as quantias despendidas pelo Governo com os estudos definitivos da projectada estrada de Pindamonhangaba aos Campos do Jordão, no fim de cinco annos, contados da inauguração do respectivo trafego. Artigo 4º - A estrada de Pindamonhangaba aos Campos do Jordão, com todo seu material fixo e rodante, passará a ser propriedade do Estado, independentemente de indenização, no fim de sessenta annos, contados da data da sua abertura ao tráfego. Artigo 5º - No contracto a celebrar-se entre o Governo e os concessionários, ficará expressamente estabelecido que estes, ou a empreza que organizarem, sujeitar-se-ão a todas as disposições da lei nº 30, de 13 de junho de 1892, no que lhes for applicável e não for contrário ao disposto na presente lei. Artigo 6º - Aos concessionários é marcado o prazo de seis meses, contados da assignatura do respectivo contracto para começo das obras, e o de dois annos para a conclusão das mesmas e abertura do trafego, podendo esses prazos ser prorrogados, a juízo do Governo. Artigo 7º - Os concessionários ou empreza que organizarem ficarão isentos do ônus de reversão, de que trata o artigo 4º , e continuarão proprietários da estrada de ferro dos Campos do Jordão, si no fim de dez annos, contados da inauguração do trafego, renunciarem a garantia de juros que lhes é concedida, e reembolsarem o Thesouro do Estado de todas as garantias despendidas a título de garantia de juros, e mais os juros de 6% ao anno, sobre essas mesmas quantias. Artigo 8º - Revogam-se as disposições em contrario. O Secretario de Estado dos Negócios da Agricultura, Commercio e Obras Públicas assim a faça executar. Palácio do Governo do Estado de São Paulo, aos 28 de outubro de 1911. M. J. de Albuquerque Lins A. de Pádua Salles

Publicada na Secretaria de Estado dos ou a vapor, o governo concedeu o direito de Negócios da Agricultura, Commercio e Obras construir um ramal férreo, que, partindo do ponto Públicas, aos 9 de novembro de 1991. – O mais conveniente da linha, alcançasse os limites director geral, Eugênio do Estado de São Paulo com Lefèvre. o de Minas Gerais, passando O novo diploma legal pelo município de São Benretirou as obrigações dos to do Sapucaí. concessionários referidas nos A luta dos médicos artigos 6º e 8º, da Lei Estapaulistas foi árdua e dedual 1.221, de 28/11/1910, nodada, mas, enfim, vitoe garantiu juros de 6% ao ano riosa. pelo prazo de 30 anos, até o O sonho de Ribas e máximo de 4 mil contos de Godinho era bem mais amréis sobre o capital que, realplo, pois almejavam a funmente, fosse despendido na dação de uma Vila Sanitáconstrução da ferrovia. ria em Campos do Jordão. Além de fixar a bitola de 3. A imprensa pindaum metro por tração elétrica monhangabense noticiou, Emílio Ribas.

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em 1916, sob o título Vila dos Campos do Jordão, o seguinte: Os drs. Emílio Ribas e Victor Godinho que há nove anos trabalham para a construção da E. F. Campos do Jordão e tiveram a fortuna de verem realizado o seu plano, pretendem edificar no bom clima serrano uma nova Vila, a que denominaram dos Campos do Jordão. O projeto da nova vila que será edificada no sítio denominado Capivari compreende 28 ruas, 4 praças ajardinadas, uma avenida com 900 metros de comprimento, em cujo centro passa retificado o Ribeirão das Perdizes, campos de futebol e outros divertimentos esportivos, casas de câmera, grupo escolar, igreja e outros estabelecimentos públicos. A planta da nova Vila Campos do Jordão foi planejada pelo Dr. Henrique Rufin de acordo com as instruções dos dois médicos, aten-

dendo-se a topografia do terreno, questões de insolação das ruas e casas etc. O Dr. H. Rufin está atualmente em Campos do Jordão, fazendo a locação do terreno na nova vila. 33 De fato, o 7º Tabelião de São Paulo (livro 58, fl. 81), em 12 de janeiro de 1918, lavrou escritura pública de retificação e ratificação entre a Câmara Municipal de São Bento do Sapucaí, então Comarca de Campos do Jordão, de um lado, e os drs. Emílio Marcondes Ribas e Victor Godinho, de outro. Ficou estabelecida a isenção de impostos para as primeiras 100 casas que fossem edificadas na Vila Sanitária de Campos do Jordão por terceiros ou pelos dois médicos, devendo, porém, cada casa ter o valor mínimo de oito contos de réis.

Neve em Campos do Jordão, 1928. 33

“A Tribuna do Norte”, de Pindamonhangaba, de 29 de outubro de 1916.

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O privilégio para os serviços de luz, força, água e esgotos dado a Ribas e Godinho seria de 60 anos, após o que se reverteriam à Câmara Municipal de São Bento do Sapucaí. Ficou ajustado que o prazo para iniciar as 100 casas seria o da data da inauguração da Estrada de Ferro Campos do Jordão e a conclusão da Vila Sanitária, dez anos a contar dessa data. As despesas com a conservação e limpeza da Vila Sanitária correriam por conta dos dois médicos, os quais abririam mão dos privilégios que possuíam para todo o Vale do Sapucaí, para serem beneficiários tão somente dos da Vila Sanitária. Todo o planejamento resultara da aquisição que Ribas e Godinho haviam feito de 720

mil metros quadrados da Societé Commercial Franco-Brasiliense, destinada a fundar uma Vila Sanitária. Por isso, haviam firmado contrato com a Câmara Municipal de São Bento do Sapucaí, em 4 de junho de 1911, depois retificado e ratificado pela escritura antes mencionada. O acesso precaríssimo à Vila Sanitária, entre outros motivos, levou ambos os médicos a construírem a ferrovia. Os planos para a construção da Vila Sanitária, contudo, não deram certo e os médicos alienaram as terras que possuíam, promovendo uma divisão amigável por três escrituras lavradas em 28 de maio de 1918, nas Notas do 7º Tabelião de São Paulo.

Ponto culminante ferroviário do Brasil, 1,740 metros, 1920. Ao fundo um bonde a gasolina.

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IV Constituição da S. A. Estrada de Ferro Campos do Jordão 1. Para dar cumprimento à autorização legislativa, os médicos Emílio Marcondes Ribas e Victor Godinho constituíram a Sociedade Anônima Estrada de Ferro Campos do Jordão, por escritura pública lavrada nas Notas do 7º Tabelião da Capital de São Paulo, no dia 25 de maio de 1912 (livro 20, fls. 42 verso e livro 18, fl. 97). A escritura pública de constituição da sociedade anônima, lavrada pelo tabelião Antônio Gouveia Giudice, dispunha que faziam parte da entidade os sócios Emílio Marcondes Ribas e Victor Godinho, com 999 contos de réis cada um, Honório de Castilhos, Antônio Prudente de Moraes, Teófilo da Silva Bayma, Abelardo Alves, Sylvio Maia, Eduardo Rodrigues Alves, Lincoln de Azevedo, Francisco de Castro Pereira, Manoel Ribeiro Marcondes Machado e José Vilela Cardoso, com 200 mil réis cada um. A primeira diretoria da empresa recém-fundada foi constituída por Victor Godinho (presidente), Honório de Castilhos (tesoureiro) e Antônio Prudente de Moraes (diretor-técnico). Fizeram parte do Conselho Fiscal, Márcio Munhoz, Pedro Pontual e Horácio Berlinck, como membros efetivos, e Theodoro da Silva Bayma, Abelardo Alves e Sylvio Maia, como suplentes.

A sede da sociedade fixara-se em São Paulo e o seu capital realizado foi de 2.000 contos de réis, divididos em 10 mil ações integralizadas, no valor de 200$00 cada uma. Os estatutos da S. A. Estrada de Ferro Campos do Jordão foram publicados no Diário Oficial do Estado nº 118, de 4 de junho de 1912, registrados e arquivados sob o nº 1.667, na Junta Comercial da Capital, e sob o nº 554, no Registro Geral e de Hipotecas de São Paulo. 2. Pelo seu valor histórico, publicamos o manifesto para a emissão de empréstimo de 4 mil contos de réis, datado de 14 de outubro de 1912, assinado por Victor Godinho (presidente), Honório de Castilhos (tesoureiro) e Leônidas Moreira (corretor oficial), na ortografia da época. É curioso notar que, na constituição da S.A. Estrada de Ferro Campos do Jordão, haja expressa referência à Lei Estadual nº 1.265-A, de 28 de outubro de 1911, e ao Decreto Estadual nº 2.156, de 21 de novembro de 1911, mas, no seu texto foram incluidas atribuições e encargos fixados na Lei Estadual nº 1.221, de 28 de novembro de 1910, não mais incorporados na Lei nº 1.265-A, de 28.10.1911.

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V Emílio Ribas e Victor Godinho, os Empreendedores 1. Emílio Marcondes Ribas Em 1893, empresta os seus nasceu em Pindamonhangaba, serviços profissionais às forças em 11 de abril de 1862, filho de expedicionárias destacadas no Cândido Marcondes Ribas e de sul do Estado, por ocasião da dona Andradina M. Machado Revolta da Armada. Ribas. Foi nomeado inspetor saniEra o tempo dos barões do tário, em comissão, pelo GoverImpério, senhores de ricas prono de São Paulo, em 1893, serpriedades cafeeiras. São Paulo vindo na capital e atuando no era ainda Província. combate às endemias, principalSeu pai era neto de pequemente a febre amarela, nas cidano proprietário de uma fazenda des de Araraquara, Jaú, Rio ClaEmílio Ribas. de criação e de chá em Pindaro, Pirassununga e São Caetano. monhangaba, o fazendeiro Cândido Ribas, Em 18 de setembro de 1896, Emílio Ribas estando sempre à testa da propriedade. é efetivado no cargo, sendo designado para a Ainda jovem, Emílio, seguiu, em 1882, Comissão Sanitária encarregada de combater viagem para a Corte, a fim de estudar Medi- a febre amarela na cidade de Campinas. cina, depois de cursar a escola pública na cidaNomeado diretor do Serviço Sanitário do de natal e, em 1887, recebeu o diploma de Estado, em 15 de abril de 1898, constata que a médico, fazendo um curso brilhante. cidade de Campinas estava saneada. Três meses depois de formado, defende Mal assume as suas novéis responsabilidades, tese sob o tema Morte Aparente dos Recém-nasci- surge uma epidemia de peste bubônica em Santos dos. Em 1889, casa-se com uma moça bonita e e Emílio Ribas começa a cogitar da implantação prendada – Maria Carolina Bulcão – e vai re- de um Instituto Soroterápico em São Paulo. sidir em Santa Rita do Passa Quatro, onde coEm 1899, começa funcionar o Instituto meça a clinicar e, em seguida, muda residên- Butantã, sua criação, instalado na fazenda do cia para Tatuí. mesmo nome.

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Em relação à febre amarela, Ribas constata, em 1900, que a cidade de Santos estava saneada, mas pede demissão do cargo de diretor do Serviço Sanitário do Estado, pedido esse que é recusado por Fernando Prestes, Presidente do Estado. Contudo, chegou às suas mãos nota preliminar de uma comissão norte-americana sobre as experiências realizadas em Havana (Cuba) sobre a profilaxia da febre amarela, levando-o a publicar a primeira monografia sobre o tema no Brasil, de acordo com a nova doutrina até então pouco conhecida. De acordo com os novos princípios elencados pelo cientista brasileiro, as Comissões Sanitárias começam a agir em Ribeirão Preto e São Simão. Em janeiro e fevereiro de 1903, Emílio Ribas repete em São Paulo as experiências realizadas em Cuba, deixando-se picar, juntamente com Adolfo Lutz e voluntários, por mosquitos infectados pelo sangue de um amarelento, na tentativa de provar que a febre amarela era transmitida pelo stegomyia fasciata; em abril, Ribas fez experiências de contato com detritos de doentes e verifica a ausência de contágio. Durante o 5º Congresso Brasileiro de Medicina e Higiene, proclamou que a tese defendida pelos contagionistas não tinha valor científico. Graças aos seus esforços, estudos e experiências, a febre amarela é declarada extinta no Estado de São Paulo, levando-o a apresentar ao dr. José Cardoso de Almeida, Secretário do Interior de São Paulo, um relatório completo sobre as atividades do Serviço Sanitário do Estado. Em 1908/1909, Emílio Ribas foi designado pelo Governo de São Paulo para viajar aos

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Estados Unidos e Europa, onde participou de congressos científicos e visitas a organizações sanitárias, tendo pronunciado em Londres, na Society of Tropical Medicine, uma conferência sob o tema The Extinction of Yellow Fever in the State São Paulo (Brazil) and in the City of Rio de Janeiro. O cientista brasileiro é convidado pelo governo francês para fazer parte de uma comissão de combate à febre amarela na Martinica, o que foi recusado por excesso de compromissos assumidos por Emílio Ribas. Em 1910, Ribas estabelece diferenças entre os estados da varíola e intensifica as vacinações e, no ano seguinte, publica em Transactions of the Medicine and Hygiene Society of Tropical, um trabalho sobre a varíola, ao mesmo tempo em que organiza a Divisão de Higiene Escolar. Afastando-se do Serviço Sanitário de São Paulo, em 1913, foi convidado pelo Governo do Estado a chefiar no País e, no Exterior, a comissão de estudos sobre métodos modernos no tratamento da hanseníase. No ano seguinte, apresentou no 2º Congresso Científico Panamericano, realizado em Washington, o trabalho Eradication of Yellow Fever from the State of São Paulo, aposentando-se, no dia 11 de abril de 1917, no cargo de diretor do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo. Um episódio bem-ilustra a sua integral dedicação ao serviço público, quando, ao completar 36 anos de casamento, disse à dona Carolina (Mariquinha): – Sabe que data é esta Mariquinha? Ante o silêncio da esposa, Ribas completou: – Faz trinta e seis anos que nos casamos! Depois de um longo silêncio, ela respondeu ao marido:


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– Trinta e seis anos não, só dezesseis. Porque os outros vinte você gastou no Serviço Sanitário! 34 No tempo de Ribas, a tuberculose era uma doença terminal, uma verdadeira peste branca, que tirava a vida de centenas de milhares de brasileiros. Anotou José Luiz Brandão que também nesse campo Emílio Ribas procurou soluções propondo medidas semelhantes às que, mais tarde, veio adotar, quando foi designado pelo governo para fazer parte da Comissão de Estudos Clínicos e Métodos Terapêuticos Modernos sobre o tratamento da lepra (...) Trabalhando lado a lado, com especialistas no assunto, Ribas acompanhou com bastante dedicação e por vários anos, o problema da tuberculose em São Paulo (...) Com a tuberculose se desenvolvendo assustadoramente, numa de suas muitas viagens pelo Interior, Ribas achou excepcional o clima de Campos do Jordão para o tratamento da doença. E verificou que um dos problemas mais graves para o aproveitamento da localidade era exatamente o do transporte. Analisou sozinho a viabilidade do aproveitamento de Campos do Jordão, estudando os trabalhos feitos nesse sentido por Clemente Ferreira, e concluiu que valia a pena tentar desarquivar os velhos projetos da ligação de Pindamonhangaba a Campos do Jordão. Seria a oportunidade, através da estrada de ferro, de oferecer aos brasileiros um local de clima perfeito (considerado inclusive por Belfort de Matos como superior à estância suíça de Davos Platz). Para os doentes do pulmão, Campos do Jordão era a certeza de uma recuperação mais rápida; para as pessoas sadias, o local ideal para um bom repouso temporário. A imprensa de Pindamonhangaba, no início do século XX, registrava: Quando, em toda a 34

“Emílio Ribas”, de José Luiz Brandão, Editora Três, São Paulo, 1973.

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“Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, de 24 de maio de 1908.

parte, levanta-se o grito de guerra contra a tuberculose, ninguém ainda falou nos Campos do Jordão, o lugar destinado para o restabelecimento dos afetados do terrível mal. De onde vem essa indiferença? De onde vem esse abandono por um lugar que seria considerado como um tesouro precioso, em qualquer outro país em que se achasse situado? Felizmente, aí aparece lembrada por dois distintos médicos uma idéia que, realizada, poderá trazer inúmeros benefícios para a humanidade e seguros lucros materiais aos seus ilustres autores. Chamamos a atenção do público para a seguinte animadora noticia que encontramos no “O Estado de São Paulo”, da segunda-feira última: sabemos que os doutores Emílio Ribas e Victor Godinho pretendem apresentar ao Congresso Legislativo, na sua sessão ordinária, um pedido de garantia de juros de 6% sobre o capital de 800:000$000 de réis, durante 26 anos, com o intuito de fundarem um sanatório para tratamento de tuberculosos e predispostos.35 Com tudo isso na cabeça e tendo Victor Godinho como aliado, saiu para a luta junto ao governo. Contou Mario Ferraz Sampaio, que uma tarde de 1915, quando me preparava para deixar a repartição, surgiu-me ali, carregando um pesado pacote de livros e revistas, um dos maiores beneméritos da terra paulista – Emílio Marcondes Ribas. Vinha felicitar-me pela publicação de um ligeiro artigo que eu escrevera, dias antes, sobre Campos do Jordão. Sem maiores preâmbulos, com aquela sua proverbial naturalidade, logo me foi dizendo: – Sampaio Ferraz, você agora tenha paciência. Você vai dar de vez em quando umas

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penadas como estas, em prol de Campos do Jordão, que muito necessita de propaganda. Trago-lhe aqui alguns folhetos e revistas de onde você poderá tirar dados interessantes. Eram artigos de João Romeiro, Theodoro Sampaio, Victor Godinho, Olympio Portugal e outros. Partindo de quem era o pedido muito me comovera, tratando logo de atender ao honroso apelo. Grande cidadão, despido de todas as vaidades, Emílio Ribas era um desses homens raros, cujo feitio - puritano e nobre – empolgava à queima roupa no primeiro encontro. Tive a aventura de conhecê-lo de perto e hoje dentro de um mundo tão diferente, o grande humanitário, com seu fenomenal desprendimento, com bravura do homem que afrontava todos os perigos para salvar a vida do próximo, Emílio Ribas aparece-nos por entre as brumas do passado, como uma figura lendária de abnegado heróico, quase romântico...36 O jornalista Paulo Duarte, que militou por décadas no jornal “O Estado de S. Paulo”, em suas memórias, escreveu que Emílio Ribas foi um dos maiores cientistas do Brasil. Antes do norteamericano, teria ele revelado o agente transmissor da febre amarela, pois se achava no caminho, examinando em Campinas todos os insetos com acesso direto às casas e aos homens. A sua certeza era tal que, destruindo todos esses insetos, conseguiu dominar a epidemia em Campinas. Daí para chegar às stegomyias era para logo. Foi Ribas quem abriu o futuro para Oswaldo Cr uz e Manguinhos. Está esquecido, como tantas notáveis vítimas da alergia que tem o nosso país pelos homens de cultura. 37

Tendo em vista os seus relevantes serviços, o Governo de São Paulo ofereceu-lhe, em sessão pública e solene, uma medalha de ouro e um diploma com a seguinte inscrição: Salus Pública. O Governo do Estado São Paulo, tendo em consideração o ato humanitário do Sr. Dr. Emílio Marcondes Ribas, que se sujeitou espontaneamente às experiências realizadas no Hospital do Isolamento desta Capital, no intuito de demonstrar a transmissão da febre amarela pelo Stegomyia fasciata, confere-lhe uma medalha de ouro em testemunho de apreço e reconhecimento. São Paulo, 12 de outubro de 1903. O Presidente do Estado, Bernardino de Campos. Nas primeiras décadas do século XX, o deputado Cezário Travassos escreveu ao seu bom amigo e caro colega Dr. Victor Godinho, uma carta onde conta a grandeza de caráter de Emílio Ribas: “No bem elaborado artigo está exposto com exatidão o que se passou entre mim e o Ribas relativamente à idéia que tive de, a exemplo do que fora proposto no Congresso Federal em favor do inolvidável Dr. Oswaldo Cruz, apresentar ao Congresso do Estado um projeto de lei concedendo ao Ribas um prêmio – de 200:000$000 (duzentos mil contos) e aposentadoria imediata com vencimentos totais pelo imenso serviço prestado por ele ao Estado e quiçá ao Brasil, com a solução dada ao problema da febre amarela, que era nacional. Efetivamente, o Ribas compeliu-me a renunciar à deliberação de apresentar o projeto....”38 Emílio Ribas somente aceitou a Medalha de Ouro e o Diploma de Honra ao Mérito. Depois de concluída a Estrada de Ferro Campos do Jordão, o construtor Floriano Rodrigues

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“Campos do Jordão”, de Mario Sampaio Ferraz, Secretaria da Agricultura, São Paulo, 1941.

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“Memórias”, de Paulo Duarte, vol. 8, Hucitec, São Paulo, 1978.

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Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia.

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Pinheiro, um dos que trabalharam na implantação da Ferrovia, recebeu de Emílio Ribas um pedido de orçamento para a construção de uma casa em Vila Capivari. Floriano apresentou-lhe o orçamento, ao que Ribas afirmou: – Não será possível construí-la. Não tenho esse dinheiro. O construtor reduziu o valor do orçamento, tendo Ribas reiterado que, mesmo assim, não dispunha de recursos financeiros. Floriano Pinheiro pensou com seus botões: vou terraplenar o terreno e deixá-lo nivelado. Quem sabe ele vai mudar de idéia e mandar iniciar a construção! Qual o quê! Ribas olhou, agradeceu e desculpou-se. Era uma legenda de glória para São Paulo e o Brasil, mas não dispunha de capital para iniciar uma pequena casa em Campos do Jordão. Quão diferentes são os costumes dos brasileiros neste inicio de milênio em relação aos homens do passado...39 Emílio Ribas acabou por vender o terreno que possuía em Campos do Jordão. O autor deste livro tem a cópia de uma procuração lavrada no 7º Tabelião de São Paulo, em 23 de julho de 1923 (livro 53, pág.116), em que Emílio Ribas e sua mulher, Maria Carolina Bulcão Ribas, constituíram seu bastante procurador o sr. Simão Cirineu Saraiva, residente em Campos do Jordão, para o fim especial de vender a quem convier pelo preço que convencionar o lote número dez da quadra 21, da planta oficial da Cia. Campos do Jordão, situado na Vila Capivari, com a área de 780 metros quadrados. 39

Considerado patrono da Higiene e Saúde do Estado de São Paulo, exerceu relevante participação no combate à peste bubônica, varíola, malaria, febre tifóide e ao tracoma; o cientista, além da reorganização do Serviço Sanitário, remodelou o Desinfetório Central, ampliou o Hospital de Isolamento, criou a Seção de Proteção à Primeira Infância, a Inspetoria Sanitária Escolar, o Ser viço de Profilaxia e Tratamento do Tracoma. Foi o fundador do Instituto Butantã. Ribas venceu a obstinação dos cientistas da sua época e o pavor que inspirava a lepra, defendendo a instalação de colônias para o tratamento da hanseníase, de forma científica e humana. Assim, o Asilo-Colônia de Santo Ângelo surgiu da sua iluminada idéia, revelando os traços candentes da sua bondade. Disse a instigante frase: Há um universo de mistérios à nossa volta e me anima a possibilidade da surpresa. Faleceu em São Paulo, no dia 19 de dezembro de 1925. 2. Em 30 e 31 de janeiro de 1903, iniciouse grave e acendrada polêmica entre os médicos Arnaldo Vieira de Carvalho e Victor Godinho sobre a transmissibilidade da tuberculose, por meio do leite extraído de vacas doentes. Em 1902, Clemente Ferreira já havia sugerido a aplicação obrigatória do teste de tuberculose em vacas leiteiras e o abate dos animais com diagnóstico positivo. Na condição de inspetor sanitário e médico ligado ao serviço público, Victor Godinho assumiu posição de destaque na polêmica, admitindo a transmissão da tuberculose, via leite

“Estórias e Lendas do Povo de Campos do Jordão”, de Pedro Paulo Filho, O Recado, São Paulo, 1988.

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de vaca, em oposição a Arnaldo vacas tuberculosas, em geral, eram Vieira de Carvalho. gordas e de aparência sadia. Godinho era importante Com o tempo, o conceito de que médico paulista, tendo particia tuberculose bovina é, de fato, pado da fundação da Escola de transmissível ao homem e a outros Farmácia de São Paulo, em animais prevaleceu no pensamento 1898. Exerceu também a médico.40 A memória do dr. Victor docência da disciplina de HigiGodinho tem sido relegada ao ene e Microbiologia até a sua silêncio do esquecimento, de formorte, em 1923. Escreveu um ma estranha, não só por parte da livro de Bacteriologia, que foi Victor Godinho. E.F.Campos do Jordão, mas tamimportante referência didática no período. Com Arthur Vieira de Mendonça, bém nas cidades de Pindamonhangaba e Camfundou a Revista Médica de São Paulo, em pos do Jordão. As publicações dão justificado relevo ao 1898, e dirigiu-a ao longo de 20 anos. Atuou também como médico interno do Hospital de dr. Emílio Ribas, com menções demasiadaIsolamento de São Paulo (atual Instituto de mente sucintas a Victor Godinho. Contudo, para resgatar sua memória, o Infectologia Emílio Ribas), desde 1901, e dirigiu o estabelecimento de 1915 até 1919, quan- historiador José Eduardo de Oliveira Bruno, membro do I.E.V. – Instituto de Estudos do se aposentou. Sócio-fundador da Liga Paulista contra a Valeparaibanos, realizou extenuante pesquisa Tuberculose, Godinho foi seu presidente por no sentido de resgatar a memória do co-fundador da Estrada de Ferro Campos do Jordão. um ano. Segundo Américo Brasiliense, Victor Desde o final do século XIX, havia publicado várias monografias sobre a prevenção e Godinho formou-se pela Faculdade de Meditratamento da doença, nas quais reunira evi- cina do Rio de Janeiro, em 1887, tendo como dências da literatura médica internacional so- companheiros de tur ma Emílio Ribas, bre o contágio por ingestão de leite e carne Theodoro Bayma e Carlos Brandão, entre outros colegas ilustres nas áreas médicas. contaminados. Nos primeiros anos de sua vida profissioDesse modo, ele expunha sua crença na transmissibilidade do bacilo, por intermédio nal, clinicou no Rio de Janeiro, na Sociedade dos alimentos, principalmente, o leite e a car- Portuguesa de Beneficência, além de ter sido ne em conserva ou embutidos sem o devido delegado de Higiene. Ofereceu os seus serviços ao Governo, por cozimento. Segundo seu estudo, o cuidado com o lei- ocasião da Revolta de 1893, servindo como te deveria ser redobrado, pois era o alimento por médico do Exército em fortalezas e hospitais, excelência das crianças, das pessoas debilitadas, em recebendo o posto de capitão honorário do condições perfeitas para a aquisição da moléstia, e as Exército. 40

“Tuberculose e Leite: Elementos para a História de uma Polêmica”, de J. L. F. Antunes et alii, in “História, Ciência e Saúde – Manguinhos”, vol. 9, set/dez de 2002.

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Porém, foi em São Paulo que Victor Godinho passou a maior parte da sua existência, como funcionário e clínico. Inspetor Sanitário do Estado desempenhou várias comissões de importância, principalmente, em épocas de epidemia, em Jaú, Dois Córregos, Brotas, Rio Claro, Mogi-Mirim, Piraju, Pindamonhangaba e Guaratinguetá, sendo nomeado chefe da Comissão Sanitária, que debelou a grande epidemia de febre amarela que assolou a cidade de Sorocaba, em 1900. Dirigiu o Hospital de Isolamento de Santos, quando, pela primeira vez, irrompeu a peste bubônica no Estado de São Paulo, em 1898, e, logo depois, trabalhou no Rio de Janeiro, no Hospital de Jurujuba, onde eram recebidos doentes daquela moléstia. Em 1902, Victor Godinho, em comissão do Governo do Estado, viajou à Europa para visitar os sanatórios para tratamento de tuberculose e, de volta, apresentou o relatório Sanatórios e Tuberculose, nos quais descreveu o que viu nos estabelecimentos que visitou. Reassumindo seu cargo na Repartição Sanitária de São Paulo, foi designado médico interno do Hospital de Isolamento em 1901 e, em 1915, diretor, cargo que exerceu até 1919, época em que aposentou. Quando, em 1904, o Estado do Maranhão pediu a São Paulo uma comissão sanitária para combater a peste bubônica, que ali grassava com grande intensidade, foi o dr.Victor Godinho o encarregado de organizar essa comissão, para lá seguindo com seus auxiliares, Adolpho Lindenberg, Militão Pacheco e outros colegas, enfermeiros e desinfectadores, todos sob sua direção.

Terminada a epidemia, apresentou ao governo do Maranhão o seu relatório, sob o título A Peste no Maranhão. Em 1898, quando se cogitou da criação da Faculdade da Farmácia de São Paulo, Godinho exerceu papel relevante na sua fundação e compôs a comissão que elaborou os seus primeiros estatutos. Convidado para ser professor de Matéria Médica e Terapêutica, mais tarde, pediu transferência para a Cadeira de Obstetrícia e, com a reforma do ensino elaborada pela União em 1911, passou para a de Higiene e Microbiologia, que exerceu até o seu falecimento. Por diversas vezes, em caráter de substituição, lecionou na cadeira de Bacteriologia, publicando o livro Bacteriologia, que alcançou grande sucesso, atingindo a três edições. Na organização do 6º Congresso Médico Brasileiro, que se realizou em São Paulo, em 1907, foi secretário da comissão organizadora, onde exerceu papel relevante, sendo homenageado ao seu final com um banquete pelos congressistas em reconhecimento aos serviços prestados. Membro da Liga Paulista Contra a Tuberculose desde a sua fundação, exerceu a presidência durante um ano. Com Emílio Ribas e Clemente Ferreira, foi um dos orientadores da construção do Sanatório São Luiz, de Piracicaba, para tuberculosos.41 Victor Godinho faleceu no Rio de Janeiro, em 22 de setembro de 1922. No momento de fechar-se o caixão cercado de flores e coroas, usou da palavra o dr. Cristóvão Malta, que proferiu as seguintes palavras: “Meus senhores! Devo proferir algumas palavras de despedida, não sei o que vos dizer.

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“Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia” nº 14, de janeiro /abril de 1923, publicado pelo Instituto Anátomo – Patológico da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo.

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Pedro Paulo Filho

Não pensei, não refleti, não raciocinei, porque não se pensa, não se reflete, não se raciocina quando se sofre um choque inibidor das funções cerebrais e quando o coração sangra, chorando a perda de um grande amigo que nele vivia. Não se pensa, não se raciocina quando uma grande dor paralisa a ideação para deixar livre as faculdades afetivas, que só se manifestam pelas lágrimas, pelo soluço ou pelo silêncio. E eu devia respeitar esse silêncio triste, essa compulsão dolorosa, que religiosamente manifestais na vossa atitude reverente, compungida e eloqüente na própria mudez. Mas, como neste momento não sou livre para refletir, obedeço a um movimento impulsivo que me obriga a quebrar o vosso recolhimento. Sou quase um irmão de Victor Godinho; fomos amigos, ligados por uma amizade sincera, que mais se estreitava e crescia à medida que os anos passavam e que mais nos aproximávamos do momento fatal da separação definitiva. Este que vai restituir à terra o que era terra, foi um grande espírito ou uma grande inteligência, um patriota extremado e um batalhador que brilhou nas diversas esferas da atividade humana que percorreu; foi estudante aplicado e distinto; foi médico inteligente e preparado; foi jornalista e colaborou nos melhores jornais de São Paulo, onde fundou e manteve por longos anos uma das melhores revistas médicas brasileiras; foi um dos fundadores da Escola de Farmácia de São Paulo, onde perlustrou diversas cadeiras de ensino; fez parte, com Vital Brasil e Emílio Ribas, da comissão executiva do 6º Congresso de Medicina e Cirurgia, reunido em São Paulo, em 1907, e levado a feito com todo brilhantismo; foi um dos diretores da Estrada de Ferro Campos do Jordão, quando ele e

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o nosso excelente amigo Emílio Ribas eram os concessionários daquela importante empresa, ora sob a administração do Estado que a encampou; foi um grande clínico, tendo realizado diversas viagens à Europa para melhor poder corresponder à confiança dos que lhe pediam os socorros da sua profissão e, numa dessas viagens, quando regressava ao Brasil, ocorreu o falecimento súbito do grande reformador e embelezador do Rio de Janeiro, o engenheiro Pereira Passos, passageiro do mesmo transatlântico; antes que o comandante do barco estrangeiro tentasse lançar ao mar o corpo inanimado do gentil engenheiro, o Dr. Victor Godinho preparou uma solução de formol e com uma aparelhagem improvisada, injetou o poderoso antiséptico nas veias do cadáver, que assim embalsamado chegou à pátria e repousará perenemente no monumento já em construção, consagrado ao embelezador do Rio de Janeiro; foi, por longo tempo, diretor do Hospital de Isolamento de São Paulo, onde prestou, abnegadamente, os melhores serviços aos acometidos das doenças que a todos infundem temor e que a ele atraíam para os leitos dos doentes, dos seus doentes, como os chamava; foi, finalmente, autor de várias memórias e de apreciados livros, um dos quais está sempre nas mãos de todos os estudantes de medicina: o seu compêndio de bacteriologia. Era, pois, um intelectual e um batalhador tendo sido também um apreciado poeta, como atestam inúmeras produções suas, entre as quais, merece singular referência a tradução, em belos alexandrinos, do drama “D. Quixote”, de Rechepin. Continuará, pois, o nosso dileto amigo a viver nos seus feitos, na sua memória e nas suas obras, que sobreviverão a todos nós e


Uma Escalada para a Vida: Uma Escalada para a Vida

continuarão a viver os seus livros que os estudantes de bacteriologia muito estimam. Deixou também o querido lutador e grande amigo um filho médico, meu amigo e meu colega, digno herdeiro do nome e esperançoso continuador das glórias de seu ilustre progenitor. Meus senhores! Para uma homenagem digna de tão altos méritos, parece que somos relativamente poucos em volta deste túmulo que vai ocultar para sempre o corpo, onde já não pulsa o grande coração do excelente amigo, mas a explicação do fato é fácil; foi em São Paulo, na grande Capital do portentoso Estado que o Dr. Victor Godinho exerceu por mais tempo a sua infatigável e inteligente atividade, pois lá seriam, com certeza, muitíssimos mais numerosos os assistentes desta cena

de luto e dor; mas, o nosso bom amigo ao sentir que se aproximava o momento da partida para a viagem eterna, veio morrer no seio de sua excelentíssima família, que lhe atenuou, com as melhores carícias, os sofrimentos do aniquilamento irrevogável. Para a nossa grande mágoa, eu poderia, talvez, consolar-me e consolar-vos, acendendo aqui o facho da fé numa vida de recompensas que ele merecia e que não foram proporcionais aos seus grandes méritos, repetindo-vos a frase do patrício: “misérrimos! O sol de além dos túmulos não é do morto, a lâmpada sombria... Em verdade, na transformação não há aniquilamento e o nosso amigo viverá na nossa memória e na nossa saudade. – Descansa, batalhador, que bem cumpriste a tua missão!” 42

Antiga Estação Emílio Ribas. 42

“Gazeta Clínica”, nº 2, de novembro de 1992, São Paulo.

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Pedro Paulo Filho

O pinheiro – árvore-símbolo de Campos do Jordão.

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VI Construção da Ferrovia 1. Para implantar o empreendimento, a Em 18 de julho de 1912, a sociedade diretoria da S. A. Estrada de Ferro Campos do celebrou contrato de empreitada com o porJordão convidou o engenheiro Antônio Pru- tuguês Sebastião de Oliveira Damas e, logo dente de Moraes, filho do presidente Pruden- no dia 1º de outubro do mesmo ano, conte de Moraes, que, por sua vez, contratou os cluídos os estudos de locação do traçado, engenheiros João Lindberg e Teófilo Monteiro foram iniciados os serviços de construção de Carvalho para executarem os trabalhos de da ferrovia. exploração e locação do traçado. O empreiteiro já havia construído o treUm projeto antigo do engenheiro Má- cho da Companhia Paulista de Estrada de Ferrio Roxo, que previa a bitola de sessenta ro, de Agudos a Piratininga, e na Estrada de centímetros, foi alterado para um metro nos Ferro Sorocabana, o trecho de Faxina, hoje, estudos desenvolvidos pelo Governo de Itapeva a Itararé, além de outros serviços na São Paulo. Serra do Mar, prestados na São Paulo Railway Em 27 de abril de 1912, em cerimônia Co. Ltda., depois denominada Estrada de Ferpública, procedeu-se o cravamento da primei- ro Santos-Jundiaí. ra estaca, à qual compareceram o presidente Com Sebastião de Oliveira Damas vieram do Estado, dr. Manoel Joaquim de Albuquer- famílias portuguesas para auxiliá-lo na consque Lins, o secretário da Agritrução da Ferrovia, como seu cultura, dr. Antônio Pádua Sales, sobrinho Antônio de Oliveira o secretário da Justiça, dr. WaDamas, que, em 1913, veio do shington Luiz Pereira de Souza, Paraná com o propósito de o secretário do Interior, dr. Altino colaborar na empreitada, espeArantes, o deputado estadual, dr. cialmente na construção da Antônio Martins Fontes Jr., que ponte do Rio Paraíba. se empenhara muito pela aproAlém dele, outros como vação do pedido dos concessioJoão de Oliveira Santos, casanários, o prefeito de Pindamodo com a irmã do empreiteiro, nhangaba, dr. Claro César, denAna Damas dos Santos, o já tre outras personalidades. Sebastião de Oliveira Damas. citado Antônio de Oliveira

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Damas e José de Oliveira Damas, casados, pois o único meio de transporte à época era a respectivamente, com Maria de Freitas Damas padiola (para os doentes) e o lombo de burro (filha do empreiteiro) e Eugênia Damas. para os que teimavam em galgar o dorso agresTambém vieram Antônio Damas Sobri- te da Mantiqueira, porque Sebastião de Olinho, casado com Álida, e José Ignácio Caldei- veira Damas foi a Portugal empenhar todos ra, casado com Isabel Damas Caldeira, sobri- os seus bens, a fim de que os serviços não nha do empreiteiro. fossem paralisados. A irmã de Isabel, Olinda, casou-se com Assim, com essa dedicação de pioneiro foi conduoutro português Antônio Francisco Noguei- zindo o empreendimento.43 ra; outra filha de Sebastião Oliveira Damas, 2. A imprensa pindamonhangabense, em Anita, casou-se com o engenheiro da obra, dr. 25 de agosto de 1912, noticiou o início dos José Antônio Salgado. Com a avançada idade de 87 anos, o bravo serviços, em 1º de outubro de 1912, da construção empreiteiro faleceu em 11 de janeiro de 1954. da Estrada de Ferro Campos do Jordão, com a A imprensa jordanense registrou o óbito participação de uma turma de trabalhadores, lodo empreiteiro de obras da ferrovia, aduzindo cando a linha férrea no trecho compreendido entre que poderia mesmo esse detalhe não ter a menor sig- a Estação da E.F. Central do Brasil e a Fazenda nificação, não fossem as condições econômicas Mombaça. 44 Efetivamente, os trabalhos iniciaram-se em precaríssimas em que se encontravam de um momento para outro, as finanças da empresa concessionária, 1º de outubro de 1912, às 13 horas. Nesse tempo, o Governo de São Paulo, determinando a paralisação das obras, eis que a previsão do seu custo foi bem menor do que determinou a reconhecendo o inestimável valor da iniciatirealidade do desbravamento, do lançamento de pontes, va, sancionou projeto de garantia de juros de como por exemplo, a do Rio Paraíba (160 metros) e 6% ao ano para o empréstimo de 6.624 conoutras obras de arte necessárias, ocasionando pesados tos de réis à sociedade, que deveria ser levantado para a construção e eletrificação da liencargos financeiros para os seus idealizadores. Mas, Sebastião de Oliveira Damas, como nha férrea. os velhos portugueses das conquistas que tanto dignificaram a Pátria-Mãe, não era dos que esmoreciam diante dos obstáculos. A empresa foi salva às vésperas de um “debacle” financeiro irremediável, com prejuízo para todos, e o que é pior, com a ameaça de paralisação de um melhoramento de há muito sonhado pelos que Acampamento de obras em Pindamonhangaba, 1912. demandavam a Campos do Jordão, 43

“A Cidade de Campos do Jordão”, de 17 de janeiro de 1954.

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“Tribuna da Norte”, de Pindamonhangaba, de 25 de agosto de 1912.

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Era a Lei Estadual nº 1.353, de 10 de dezembro de 1912, assinada pelo Presidente do Estado, dr. Francisco Paula Rodrigues Alves. Posteriormente, um termo adicional concedeu o prazo de um ano para o término da construção. Pelo Decreto nº 2.337, de 15 de janeiro de 1913, foram aprovados os estudos definitivos do traçado pelo presidente Rodrigues Alves e, em 19 de janeiro de 1914, foi celebrado o contrato entre a Ferrovia e o Governo de São Paulo, nos termos da Lei nº 1.388, de 26 de novembro de 1913. Os trabalhos técnicos de construção ficaram a cargo do engenheiro Antônio Prudente de Moraes, assistido pelos engenheiros José Antônio Salgado e Guilherme Winter.

Dr. Antonio Prudente de Morais.

Dr. Guilherme Winter.

Engo José Antonio Salgado. 45

Ao contrato originário foram firmados vários termos de aditamento, em 27 de agosto de 1912, 13 de fevereiro de 1913 e 19 de janeiro de 1914, entre o Governo de São Paulo e a S.A. Estrada de Ferro Campos do Jordão. No dia 13 de maio de 1915, o engenheiro Benedito de Azevedo Marques assumiu, por ordem do Secretário da Agricultura, a direção da Ferrovia, que ficou subordinada à diretoria de Viação, tendo como auxiliar Savanel do Amaral Gama. Pouco tempo, porém, o engenheiro Azevedo Marques permaneceu na direção, pois tendo sido removido, a pedido, para a diretoria de Viação, passou o cargo ao engenheiro José Mascarenhas Neves, que, nesse tempo, trabalhava na construção do ramal de Tibaji, na E.F. Sorocabana, em novembro de 1916. Providenciou, imediatamente, o reforço do material rodante, a adaptação de alguns carros e, para a maior presteza, esses trabalhos foram entregues às oficinas da Companhia Mogiana da Cantareira, sob a supervisão do engenheiro João Lindberg Jr., auxiliar do dr. Theófilo de Souza, diretor de Viação. Em princípios de 1915, com a chegada dos primeiros carros, especialmente adaptados, foram incontinente iniciados os serviços regulares de transportes de passageiros às quartas e sábados, para os subúrbios, e às quintas e domingos, para as descidas. 45 Contou-nos Floriano Rodrigues Pinheiro, em 29 de abril de 1974, português que trabalhou na construção da ferrovia, episódios interessantes:

“A Região”, de Pindamonhangaba, de 21 de dezembro de 1924.

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“Chegamos a Pindamotos e dias amargos, pois, os aninhangaba no dia 12 de setemmais se assustavam, chegando a bro de 1912, contratados que causar até acidentes. fomos pela empresa Damas para Viajamos juntamente com o iniciar a construção da Estrada empreiteiro Sebastião de Oliveide Ferro Campos do Jordão. ra Damas e familiares, de PortuÍamos executar a mão de gal até Pindamonhangaba; ali obra especializada que a referichegando, tratou-se da instalada estrada precisava. A cidade ção de casas de madeira para de Pindamonhangaba já era faescritórios, depósitos, armazéns Floriano Rodrigues Pinheiro. mosa pela sua beleza, sendo e despensas para fornecimento chamada “A Princesa do Norte”, e realmente de gêneros alimentícios aos operários, bem foi essa a minha impressão primeira, principal- como instalações de serviços, aquisição de mente, pelas lindas e simpáticas moças que logo ferramentas e outros materiais necessários. me prenderam àquela terra. No dia 20 do mesmo mês, já foram dadas Estava apenas com 17 anos e o meu prestígio as primeiras picaretadas para início da estraentre as jovens foi tão grande que me dava à im- da, operários vinham chegando de todos os pressão de que havia falta de moços na cidade. lados, formando turmas que iam sendo distriFoi ali que vi chegar o primeiro automóvel, buídas ao longo de todo o trajeto. fato que chamou a atenção de todo o povo; quanO estudo já estava pronto, havia sido feito do ele passava pelas ruas, todos corriam às janelas, por uma turma de engenheiros, chefiada pelo especialmente as jovens, admirando a novidade. doutor Rebouças, que, segundo ali se dizia, O automóvel era da marca Oldsmobile e, era também chefe da Estrada de Ferro para aquela época, era mesmo de chamar a Mogiana, com escritório em Campinas, no atenção pela sua beleza. Estado de São Paulo. Alguns dias depois, chegava para a emTudo pronto e organizado iniciou-se o presa Damas um grande caminhão Fiat para rompimento da via férrea Pindamonhangaba transporte, e este também causou grande ad- - Campos do Jordão; logo chegamos ao Rio miração pelo barulho que fazia, os cavaleiros Paraíba, onde seria construída uma ponte. e carroceiros ali existentes passaram momen- Naquele local ficou a turma que iria executar

Ponte Rio Paraíba.

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a mão de obra especializada, pois ali, seria seu maior canteiro de trabalho, digo logo porque até lá o trecho foi fácil, havendo cortes de pouca altura e sendo o trabalho bem dividido, o rendimento foi grande. Chegamos facilmente naquele local, já com algumas obras de arte, como bueiros, sarjetas, pontões, etc., prontos e em condições de estender os trilhos até a futura ponte. Ali foram feitos barracões para instalação de operários, um armazém, uma despensa para o fornecimento de gêneros alimentícios aos trabalhadores, mediante cadernetas, cujos totais eram descontados de seus pagamentos no fim de cada mês. Foi bastante difícil nossa adaptação naquele lugar devido as condições alagadiças, atacados que fomos por cobras, mosquitos, jacarés e outros bichos, bichos aos quais não estávamos acostumados.

Tudo preparado, ali chegavam turmas de homens que logo eram encaminhados ao longo da estrada, cada um em seus setores de especialidade de trabalho. A Empresa tinha tudo perfeitamente planejado, inclusive médicos, farmacêuticos, que percorriam trechos de serviços, bem como apontadores, mestres de obra e engenheiros, de acordo com o levantamento já feito pela primeira turma de exploração e localização. Fizemos primeiro uma ponte provisória de madeira para atravessar o Rio Paraíba, bastante reforçada e estudada, para que pudesse suportar o tráfego de máquinas, bondinhos, troles, etc., uma vez feito isso, não houve dúvida alguma em atacarmos o leito da estrada até o bairro de Bom Sucesso. Dali para frente, as coisas começaram a ficar mais difícil, com travessias sobre o Rio Piracuama, com as pontes definitivas, as obras

Início da construção da ponte de madeira sobre o Rio Paraíba, 1912.

Barricas de Cimento Portlanda – Importadas da Inglaterra para aconstrução da Ponte do Rio Paraíba, 1913.

Ponte de Madeira sobre Rio Paraíba, 1913.

Cabeceira da ponte em construção, 1913.

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de arte, iniciadas conjuntamente; além disso, outras turmas organizavam e atacavam cortes, rompiam pedreiras e faziam grandes aterros com carrocinhas puxadas por burros, todos esses serviços acompanhados pelo engenheiro, o mestre de obras, médico e farmacêutico que faziam o percurso a cavalo. Nessa altura, já tínhamos os trilhos estendidos até Bom Sucesso e já trafegando uma máquina a vapor que fora adquirida da Mogiana, com bitola de um metro, igual, portanto, à da nossa estrada. Essa máquina fazia transportes gerais para os serviços da estrada levando na volta, pe-

Vistoria da construção da cabeceira da Ponte Rio Paraíba.

Projeto da Ponte Rio Paracuama.

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dras em grandes blocos, extraídos de uma parede enorme descoberta nas imediações de Bom Sucesso, dos quais fazíamos peças de cantaria para levantamento dos pilares da ponte do Rio Paraíba, bastante artísticos, que iriam suportar a futura ponte metálica até hoje existente. Esses pilares foram erguidos com bastante dificuldade, em virtude de não existir cimento armado àquela época. Falava-se naquele tempo, através dos jornais, que esse sistema estava em experiência em construções na França.” Indagado pelo autor como fora possível a construção da ponte do Rio Paraíba, Floriano Rodrigues Pinheiro explicou: “Foi difícil mesmo. As fundações dos pilares foram feitos da seguinte maneira: foi armada uma caixa de chapas de aço obedecendo mais ou menos ao formato do pilar, foram colocadas aos bordos pedras pesadíssimas facilitando dessa forma o seu entranhamento na areia do leito do rio e, dentro dessas caixas, entravam 20 até 30 operários, que cavavam a areia para facilitar a descida da referida caixa, que ia descendo vagarosamente. A areia era retirada de uma forma bem rudimentar, os operários iam jogando com pás para o andaime superior, de onde outros operários jogavam para outro andaime, e assim, de andaime em andaime, a areia era retirada para fora das caixas de aço.

Início da construção da ponte sobre o Rio Piracuama 1913.


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Ponte sobre o Rio Piracuama.

Esse serviço era feito até que a caixa atingisse um terreno firme, esse trabalho era feito durante o dia e a noite com revezamento de turmas de trabalhadores, pois não tínhamos nem máquinas nem bombas, tudo era feito a braços e com ferramentas precárias. A areia, como já disse, era extraída com pás e a água que se acumulava no fundo das caixas de aço era retirada com latas de andaime em andaime. A iluminação era com carbureto e isso era um verdadeiro desastre porque intoxicava os operários que, muitas vezes, eram retirados desmaiados, pois trabalhavam nos fundos das caixas que já se localizavam a alguns metros abaixo do leito do rio. Digo por experiência própria, pois, também fui intoxicado pelo gás de carbureto. Esse estado de coisas causava sérios problemas no andamento da obra, alguns trabalhadores não queriam prosseguir e ameaçavam pedir as contas. O empreiteiro assistia a tudo, pois permanecia no local dia e noite e se sentia desanimado, quase desesperado.

Finalmente, ele conseguiu uma máquina velha de beneficiar arroz de um amigo seu, e com ela foi possível instalar um dínamo que produzia energia elétrica, necessária para o prosseguimento dos trabalhos no fundo das caixas. Como os serviços haviam sido paralisados, por causa do carbureto, as caixas tinham ficado novamente cheias de água e areia, tudo voltara à estaca zero e foi preciso começar tudo de novo. Muitas vezes, fomos surpreendidos pela invasão de areia, que, em virtude da pressão da água do rio, refluía por baixo da folha de aço, enchendo novamente uma boa parte das fundações. A caixa teria que encontrar terreno bem firme no leito do rio, o que era exigência da engenharia que fiscalizava a obra. A luta foi tenaz, porém, conseguimos alcançar o objetivo, quando alcançamos, a grande profundidade, uma areia grossa. Foram chamados os engenheiros que, depois de examinarem o solo que havíamos atingido, deram-no como suficiente para suportar o peso do pilar e a carga móvel. Recebemos com grande alegria os esclarecimentos da aprovação, quando então os trabalhos foram intensificados dia e noite, começa-

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mos a encher as fundações com concreto ciclópico, betton, na dosagem de 4 por 1, com altura em toda a superfície de 1,50 em cimento que vinha da Dinamarca e Inglaterra, em barris de 180 quilos. Daí nasceu a cantaria em pedra assentada também em argamassa de cimento, que era requadrada de seus leitos, aparelhada para que ficasse bem justaposta, tendo o mesmo cuidado para que as amarrações ficassem perfeitas. Enquanto eram erguidos os pilares, o leito da estrada foi seguindo em ritmo acelerado; nessa altura, os trilhos já chegavam ao Piracuama, adentrando a fazenda que naquele tempo pertencia ao Cembranelli, pai do doutor Cembranelli, médico famoso por suas pesquisas sobre o câncer e que reside em Taubaté.

samente, puxando uma gôndola-prancha no trecho da serra, carregando trilhos e outros materiais necessários no trecho Piracuama ao alto da serra, hoje estação Eugênio Lefèvre. “Foi um trecho muito difícil de vencer, porque tivemos que varar pedreiras em corte-caixão, sem qualquer recurso, pois tudo era feito à mão com marretas e brocas. O mesmo aconteceu entre Eugênio Lefèvre e o Alto do Lageado, onde se encontra atualmente o Hotel Toriba. Nesse trecho, tivemos de romper uma enorme pedreira pelo mesmo processo primi-

3. A empresa concessionária – contou Floriano Pinheiro – adquiriu nessa época uma máquina vinda da Alemanha com sistema de reduzida, calculada para subir rampas de 11% a 12%, operando com grande dificuldade e moro- Catarina subindo a Serra com turma de operários, 1914.

Corte de pedreira na Serra, 1914.

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Corte na Serra.

tivo e dali até o ponto terminal não tivemos maiores dificuldades, mesmo porque já éramos acompanhados por condução própria que corria nos trilhos, os quais iam sendo fixados à medida que ia sendo aberto o leito da estrada, apesar de não termos tratores, máquinas escavadeiras, basculantes, enfim, nenhuma dessas máquinas modernas. Conseguimos terminar a estrada em apenas 2 anos, em tempo recorde, apesar das precárias condições de trabalho. Chegamos a Campos do Jordão em setembro de 1914. Os concessionários da E. F. Campos do Jordão eram os saudosos Dr. Emílio Marcondes Ribas e Dr. Victor Godinho que, segundo diziam na época, em 1908, tinham estado na Suíça para melhor estudar o clima de Campos do Jordão, tendo constatado que o nosso clima era bem melhor do que o daquele país, evitando com isso que muitos pacientes fossem procurar no estrangeiro o que tínhamos bem melhor aqui. Foi depois desse estudo que revolveram constituir uma sociedade para a construção e

exploração da ferrovia. Dizia-se naquela época que fazia parte da sociedade a Casa Almeida, ou seja, M. Almeida e Cia., grande atacadista e importadora de máquinas de estradas de ferro, bem como ferramentas, materiais, trilhos, etc. Essa empresa, apesar de ter o nome bem português, tinha sido comprada por alemães que conservaram a denominação da empresa. Essa firma era a que fornecia todos os materiais necessários à construção da ferrovia. Quando o leito da ferrovia chegou até a cidade – contou Floriano Rodrigues Pinheiro – Campos do Jordão apresentava um aspecto verda-

Corte de pedreira na Serra, 1914.

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deiramente encantador, existiam vastíssimos pinheirais, apesar de, já naquele tempo, existirem algumas serrarias, que, criminosamente, cortavam as espécies melhores e faziam isto desordenadamente, chegando a derrubar grandes quantidades de madeira, que ficavam apodrecendo em seus pátios por falta de transporte. A madeira era transportada para Pindamonhangaba e Itajubá em carros de boi e tropas de burros. Em Vila Capivari, ponto terminal da estrada de ferro, só existia uma casa tipo fazenda, que Corte na Serra. Homens, picaretas e carroças, 1914. pertencia ao inglês James Maclean. Ele tinha gado, cavalos de montaria. Logo abaixo existiam vestígios do que tinha sido uma serraria no local, onde está a Igreja de São Benedito.46 Em Vila Abernéssia – contou –, havia duas casas e alguns barracos e, em Vila Velha (Vila Jaguaribe), um sobrado que era um hotel, onde se lia em uma porta, escrita em baixo relevo, a frase: “resta uma esperança a vós que entrastes, talvez, feita por algum doente do pulmão.” Ponto Culminante Ferroviário. Alto do Lageado, 1915.

Corte na Serra, 1914. 46

Entrevista de Floriano Rodrigues Pinheiro, gravada pelo autor, em 1974.

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VII Inauguração e Encampação 1. Em 1939, Caio Jardim editor da “Revista Sanatorinhos” escreveu: A princípio, era uma aventura digna de se relatar a vinda aos Campos do Jordão. Os caminhos não passavam ainda de simples trilhas, inçadas de perigos. As íngremes ladeiras cortavam-se, não raro, de transparentes fios d’água, que cumpria atravessar. Se era noite, ouvia-se bem perto, nas imensas matas, o miado apavorante dos grandes felinos. Se chovia, transformava-se tudo num lamaçal quase intransponível e a umidade da

serra, muitas vezes, o nevoeiro, atingiam a medula dos ossos. Desse modo, as maiores dificuldades faziam de tal viagem um ato de heroísmo, só explicável pela excelência não igualada em todo o País do clima que, aqui no alto da serra, esperava o viandante. Antes que, há mais de vinte anos, se estendessem em caracol os trilhos da estrada de ferro, tinha-se que subir os mil metros que distanciavam, verticalmente, a estância

Operários em Barracão de Obras, 1913.

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Automóvel de Carga sobre Trilhos,1913.

jordanense da cidade de Pindamonhangaba, a poder de pacientes burrinhos, em cujo lombo se punha o herói em vários percursos, interrompidos para descanso como quem se atirasse ao desconhecido. Não raro, era dentro de uma rede que toda essa penosa viagem se fazia, pela impossibilidade física de arrostá-la em posição mais cavalheiresca. Mas nem bem aqui chegados, de rede ou a cavalo, que renascimento de vida, em meio aos agrestes pinheirais, que ressurreição ao contacto do ar, inteiramente puro! Depois, foram os primeiros bondinhos a gasolina, os grandes beneméritos da estância. Algumas vezes por semana, mais tarde, diariamente, traziam eles levas de imigrados, tantos quantos permitia a exígua dimensão. Uns, sequiosos de repouso e revigoramento; outros, apenas visitantes, atraídos já pela nascente fama do local; todos maldiziam o percurso, sem comodidade, que lhes proporcionava o pequeno e duro bonde, não se lembrando ninguém mais da recente era do lombo de burro... E que azáfama provocada pela aproximação de um daqueles veículos, a sacolejar sobre os tri47

Revista “Sanatorinhos”, edição nov/dez de 1939.

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lhos, fumacento, aos estouros, pouco gentil, mas heróico, fiel cumpridor de seu dever de alpinista. O “Gasolina”, como o chamavam em Campos do Jordão, teve a sua época, e não faz muito, pouco mais de dez anos, prestava ainda ótimos serviços nos horários de subúrbio, enquanto já trafegava, garboso, altivo e elegante o atual elétrico. Àquela distante época do “Gasolina”, como meio único de transporte, a vida aqui em cima, como relatam antigos moradores, era bem outra. Em tudo, um ar caseiro de uma família só, em férias, conhecendo-se e estimando-se, todos em deliciosa simplicidade... Casas, poucas ainda. Pensões, duas ou três. Como não houvesse padarias, a chegada de pão fresco, poucas vezes por semana, trazido pelo “Gasolina”, vinha acrescer a importância deste. O mesmo quanto à carne de vaca. Ainda há uns dez anos ou pouco mais, apresentavam esses Campos qualquer coisa daquele aspecto amável, mais de fazenda que estância climática.47 Contudo, a primeira máquina a chegar em Campos do Jordão foi a “Catarina”, a vapor, e somente mais tarde, vieram os bondes movidos a gasolina. A primeira máquina chamava-


Uma Escalada para a Vida: Uma Escalada para a Vida

Máquina Prudente de Moraes, A “Catarina”.

se: Prudente de Moraes, que o povo apelidou de “Catarina”. Em 15 de novembro de 1914, foi, oficialmente, inaugurada a S.A. Estrada de Ferro Campos do Jordão, após 24 meses, para o que 300 pessoas trabalharam arduamente. O povo carregou nos braços Emílio Ribas e Victor Godinho. Antes da inauguração, a S.A. Estrada de Ferro Campos do Jordão possuía em sua frota duas locomotivas movidas a vapor e pequenas litorinas a gasolina, com motor de caminhão, além de outro caminhão Buggatti adaptado para rodar sobre trilhos, assim como um pequeno automóvel Berliet. Enquanto, no trecho de serra, funcionava a máquina a vapor Prudente de Moraes, que o povo denominou de “Catarina”, no nível operava a máquina a vapor “Piracuama”. Após a inauguração, a frota passou a ser constituída de dois locos a vapor, oito automóveis adaptados, três carros para bagagem (sendo um fechado), um vagão coberto para car-

Bondinho à gasolina na Estação de Vila Abernéssia, 1914.

Primeira Estação de Vila Nova. Atual Abernéssia, 1917.

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Pedro Paulo Filho

Bonde a gasolina.

Bonde à gasolina para Carga.

ga, com dois eixos e um vagão aberto (trucado), além de vinte troles de linha. A Ferrovia mantém vivo interesse em resgatar a “Catarina”. Ela foi fotografada em 12 de setembro de 2001 no ferro velho Depósito Barranco, na Rodovia BR 116, em Curitiba, no

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Estado do Paraná, por Martim Murray, completamente deteriorada, mas, mantendo ainda as suas peças essenciais. A máquina foi fabricada por Orenstein & Koppel, em 1913, configuração 0-4-Owt, bitola métrica, outrora pertencente à usina metalúrgica Barão de Cocais (MG). Desnecessário dizer dos obstáculos enfrentados, bastando lembrar que, desprovida de túneis, a via férrea obrigou a enormes cortes e aterros, rompendo pedreiras, com rampas de até 10,5% de inclinação, por simples aderência. A Estrada de Ferro Campos do Jordão foi adentrando à cidade aos poucos, primeiro na Parada Fracalanza, depois em Vila Abernés-


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sia, Vila Jaguaribe, Parada Bazin (atual Grande Hotel), Parada Damas, Parada Gianotti, posteriormente extinta e, finalmente, a estação Emílio Ribas, em Capivari. Os primeiros carros a gasolina utilizados eram da marca Fiat, Berliet, Dietrich e Aires, e a lotação variava de 10 a 14 lugares. Funcionaram no período de 1917 a 1924. Eram seus condutores Benedito Batista dos Santos, Honório Lessa, Pedro de Alcântara, João Batista de Oliveira e Alberto Lindholm. No período de 1914 a 1920, à beira da linha férrea da então E. F. Central do Brasil, em Pindamonhangaba, havia a Capela de Santa Cruz, que recebia ataúdes e corpos vindos de Campos do Jordão e que ali aguardavam o seu transporte para São Paulo e Rio de Janeiro, via E. F. Central do Brasil. Esses corpos eram removidos de Campos do Jordão a Pindamonhangaba pelos famosos transportadores de cadáveres. O ponto terminal da Ferrovia em 1921 achava-se na Estação da E. F. Central do Bra-

sil, em Pindamonhangaba, e o de Campos do Jordão, na estação Emílio Ribas. Em março de 1916, uma grande enchente destruiu a ponte provisória, de madeira, do Rio Paraíba, e, por isto, os passageiros tinham de fazer baldeação e atravessar o rio em balsas de uma margem à outra. A imprensa pindamonhangabense registrou a ocorrência: A ponte provisória da E F. Campos do Jordão está sendo guardada por duas turmas, cujos trabalhadores tem tido, dia e noite, um trabalho insano para não deixarem aglomerar ramagens, galhos e outros objetos que são impelidos pelas ondas e que poderiam causar o seu desabamento se ali ficassem estacionados. As ondas são tão volumosas e o rio corre com tanta velocidade que não se vê um só pescador em sua canoinha, remando mansamente para atravessá-lo. Enchentes iguais a que estamos presenciando só tivemos em 1881, sendo o serviço de transporte de cargas e passageiros feito então por um vaporzinho.48

Bonde à Gasolina na Balsa do Rio Paraíba, 1914. 48

“Tribuna do Norte”, de Pindamonhangaba, de 19 de março de 1916.

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Pedro Paulo Filho

2. A ferrovia tem a bitola de um metro e a sua extensão é de 46,670 quilômetros. O seu traçado segue em duas direções distintas: a primeira parte, de Pindamonhangaba até a garganta da serra, Estação Eugênio Lefèvre (atualmente Estação Santo Antônio do Pinhal), no município do mesmo nome (quilômetro 28,24), ponto obrigatório de parada para atravessar a Serra da Mantiqueira, e a segunda, vai dessa estação até a Emílio Ribas, em Campos do Jordão (quilômetro 46,670), nas direções aproximadas de 48º NW e 36º NE. No quilômetro 38,846, encontra-se o ponto culminante fer roviário do Brasil, na Parada Cacique, com 1.743 metros de altitude. No leito da ferrovia há rampas de até 15,5%, condição não-encontrada em nenhuma estrada de ferro brasileira, sendo operada pelo sistema de simples aderência, sem cremalheiras. Daí, a sua originalidade e pioneirismo.

Suas estações foram inauguradas em épocas distintas: Mombaça (1957), Cerâmica (1957), Agente Hely (1953), São Judas Tadeu (1957), Expedionária (1916), Balneário (1969), Piracuama (1916), Santo Antônio do Pinhal, antiga Eugênio Lefèvre (1916), Renópolis (1960), Gavião Gonzaga (1945), Cacique (1916), Toriba (1965), São Cristóvão (1965), Sanatórios (1944), Fracalanza (1928), Viola (1960), Grande Hotel (1944) e Damas (1939), obedecendo o percurso de Pindamonhangaba a Campos do Jordão. Em 31 de dezembro de 1918, deu-se o nome de Eugênio Lefèvre à Estação, atualmente denominada Santo Antônio do Pinhal. Alguns chamavam-na de Alto da Serra e outros, de Ventania; outros, ainda, de Alto. Quando os trabalhadores, na construção da Ferrovia, ainda se encontravam na Estação Eugênio Lefèvre eclodiu a Primeira Guerra Mundial, desencadeando uma série de dificuldades financeiras e bancárias à Estrada de Ferro

Estação do Alto da Serra – Eugênio Lefèvre, 1915, atualmente Santo Antônio do Pinhal.

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Bonde de Passageiros de duas classes, 1930.

Campos do Jordão S.A., que, a partir daí, não conseguiu mais obter quaisquer empréstimos e financiamentos. A ponta dos trilhos, contudo, já se achava no quilômetro 42. Em 28 de maio de 1914, reuniu-se a sociedade concessionária em assembléia geral, presidida pelo doutor Emílio Ribas, ocasião em que o doutor Victor Godinho expôs as dificuldades que atravessava a empresa, explicando que até hoje não foi possível conseguir o empréstimo externo que estava negociando em Londres, operação que quase foi concluída, aprovada pelo governo, quando, surgiram em Londres boatos alarmantes sobre a situação financeira do nosso País, boatos que seguiram às desastrosas falências das Estradas de Ferro Araraquara, Dourados e São Paulo-Goiás. Em virtude dessas circunstâncias inesperadas, os banqueiros, tomadores de empréstimos, suspenderam as negociações, isto de49

pois de terem aprovado a minuta do contrato do mesmo empréstimo e mandado imprimir os respectivos prospectos. Dessa época até hoje, as notícias e informações recebidas pelo procurador da sociedade em Londres, Dr. William London Strain, deixam poucas esperanças de se concluírem as negociações, pelo menos no prazo curto em que a sociedade necessita de recursos. O empreiteiro da sociedade, Sr. Sebastião de Oliveira Damas, tem tido as mais sérias dificuldades para encontrar os capitais de que necessita para a conclusão de sua empreitada.”49 Autorizava, assim, a assembléia que a sociedade solicitasse ao Governo do Estado de São Paulo a encampação da Ferrovia, abrindo mão de todos os privilégios e favores, caso em que o Estado pagaria aos portadores de debêntures emitidas e aos credores das obras, enquanto os acionistas abririam mão de seus

Arquivos da Estrada de Ferro Campos do Jordão.

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Pedro Paulo Filho

Bonde à gasolina fechado com reboque.

bens. O passivo, na época, era de 4 mil e 600 contos de réis. Logo, em 8 de dezembro de 1914, o pedido de encampação era formalizado ao dr. Paulo de Moraes Barros, Secretário da Agricultura. Nessa ocasião, em meados de 1914, o engenheiro Benedito Roberto de Azevedo Marques informava o estado em que se encontrava a ferrovia: o leito da linha, cuja extensão era de 46.700 metros, estava inteiramente concluído, com exceção das pontes do Rio Paraíba e do Rio Piracuama. A primeira, que seria metálica, foi construída, provisoriamente de madeira, como as demais. Estavam assentados 41 quilômetros de trilhos e a Estação Eugênio Lefèvre já tinha sido concluída. A ponta dos trilhos já estava no quilômetro 42. A ponte metálica de 160 metros sobre o Rio Paraíba, nas imediações da Fazenda Mombaça, foi fabricada na França antes da 1ª

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“O Ferroviário”, no 4, de dez / jan de 1991.

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Guerra Mundial e, após o final do conflito, foi transportada ao Brasil, em 1918, completamente desmontada, sendo montada em 1920 sobre o Rio Paraíba, nos pilares de pedras trabalhadas pelos portugueses. Em 1950, a ponte sofreu sua primeira pintura e, em 1990, passou por uma restauração total, cujos trabalhos foram feitos pela Ameron do Brasil e GHT Tratamento de Superfícies.50 O empreiteiro Sebastião de Oliveira Damas, como o maior credor da S.A., sendo parte em numerário e parte em debêntures, propôs ao governo de São Paulo algumas modificações no pedido de encampação formulado pelos diretores da sociedade. Pleiteava a encampação desde logo, pagando o Estado em apólices o capital empregado até 30 de setembro de 1914, devendo o passivo da empresa ser pago pelo Tesouro do Estado em dois anos, sem juros.


Uma Escalada para a Vida: Uma Escalada para a Vida

O governo resgataria todas as apólices emitidas com sua autorização, facilitando ao empreiteiro o pagamento de todas as suas dívidas, pagando-se ao fornecedor de trilhos, que nada recebeu até esta data. O empreiteiro assumia a responsabilidade de concluir todas as obras nos termos do contrato. O tráfego provisório já vinha sendo feito pelo próprio Sebastião de Oliveira Damas, mesmo sem autorização do governo ou da sociedade, atendendo a reiterados pedidos de moradores de Campos do Jordão, São Paulo e Rio de Janeiro. Ele utilizava duas locomotivas, sendo uma de construção especial para vencer rampas de até 10,5% e dois carros a gasolina, 12 carros de carga, servindo alguns de passageiros e dez troles de conserva. Este material seria entregue ao Estado, assim como os estudos já concluídos do ramal ferroviário, ligando a ferrovia a São Bento do Sapucaí. 3. O empreiteiro apelava dramaticamente ao governo, alegando a existência de dívidas altíssimas na praça e a amigos particulares, sendo o restante o produto do trabalho de vinte e três anos de empreitada, construindo estradas de ferro neste Estado e no Rio de Janeiro. Mercê da sua tenacidade lusitana, porém, os trabalhos não foram interrompidos, pois decidira o valoroso português prosseguir na execução da obra até Campos do Jordão, emprestando, ele próprio, numerário para a sociedade, enquanto se processavam as demarches administrativas para a encampação da ferrovia pelo governo, como forma de evitar o prejuízo total. 51

Tendo em vista a suspensão do tráfego, ocorrida em 1915, Damas escreveu ao jornalista Athayde Marcondes: Em resposta à sua carta, devo dizer que é verdade que vai parar o movimento dos carros para a Raiz da Serra e Campos do Jordão, porque não tenho mais recursos para a compra de gasolina, carvão, óleo e pessoal de conserva. Quando comecei a facilitar o transporte de passageiros nas máquinas de serviço, foi para satisfazer pedidos que todos os dias recebia, mas não contava com tamanho número de passageiros, porque hoje os carros que tenho já não chegam para servir os passageiros que pedem transporte para Campos do Jordão: tudo ficará de novo organizado, porque logo que o governo tome conta, tudo ficará em boa ordem.51 Em 11 de junho de 1914, quatro meses antes da inauguração da ferrovia, membros da Comissão de Finanças da Câmara dos Deputados visitaram Pindamonhangaba, com o fim de avaliar a proposta de encampação, fazendo parte da comitiva o dr. Washington Luiz Pereira de Souza, líder da maioria na Câmara. Acompanhados dos diretores da ferrovia, personalidades de Pindamonhangaba e de São Bento do Sapucaí, além de jornalistas do Correio Paulistano e do Correio Popular, de Guaratinguetá, rumaram às alturas de Campos do Jordão pela ferrovia, chegando até Vila Velha, atual Vila Jaguaribe, tendo sido feito a cavalo o percurso final de seis quilômetros. Segundo a versão de Floriano Rodrigues Pinheiro, a Casa Almeida, de M. Almeida e Cia. era a grande fornecedora de materiais para a construção da ferrovia. De propriedade de alemães, com a eclosão da 1ª Guerra Mundial, em 1914, a referida empresa foi boicotada e acabou sendo levada à falência.

Tribuna do Norte, 6 de janeiro de 1916.

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Pedro Paulo Filho

A própria Light viera a Campos do Jordão estudar a possibilidade de comprar os trilhos de excelente qualidade, porquanto o produto dessa venda permitiria pagar os empreiteiros e operários. Mas, um anjo da guarda apareceu e salvou a estrada, resolvendo a situação. Foi o saudoso Comendador Antônio Rodrigues Alves, que fora proprietário em Campos do Jordão, em 1916, de uma grande área de terras, adquirida do Dr. Robert John Reid, de dezoito alqueires. Ela começava à beira da via férrea e terminava no Salto, que é hoje o manancial de águas da cidade. O comendador, que era um homem conceituado e poderoso, através da influência de seu irmão Francisco de Paula Rodrigues Alves, que fora presidente da República, conseguiu que o Governo do Estado encampasse a estrada.52 A Junta de Contas do Estado de São Paulo opinara favoravelmente à encampação e, em 30 de novembro de 1915, o Congresso Estadual autorizava o governo a encampá-la, o que foi oficializado pela Lei nº 1.486, de 15 de dezembro de 1915, promulgada pelo presidente do Estado, dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves. O dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves, no ano seguinte, adquirira do dr. Domingos José Nogueira Jaguaribe e sua mulher, Maria Martins Jaguaribe, em 26 de abril de 1916, uma área de dois alqueires e 1.170 metros quadrados de terras, em Vila Abernéssia, em Campos do Jordão. Segundo anotou Baltazar de Godoy Moreira, Rodrigues Alves – duas vezes governador de São Paulo e também guindado à presidência da República por duas vezes – não só foi proprietá52

rio em Campos do Jordão, como também era freqüentador da Fazenda da Guarda. E quando Rodrigues Alves faleceu, Anah, neta do grande brasileiro, desejou subir estas montanhas para rever os lugares que visitou em menina, aos dez anos. Foi quando da morte do avô, a família veio instalar-se numa espécie de chácara que possuía nos Campos do Jordão. Ela se lembrava da casa baixa, do pomar de pereiras e pessegueiros, junto à linha do trenzinho elétrico. 53 A ferrovia passou a denominar-se, simplesmente, Estrada de Ferro Campos do Jordão e, afetivamente, Estradinha, a partir da encampação. Foi reavaliada, em 1919, durante o mesmo governo Rodrigues Alves, em 3 mil e 500 contos de réis pelo secretário da Agricultura, dr. Cardoso de Almeida, o que provocou grande prejuízo ao empreiteiro Sebastião de Oliveira Damas. A empresa foi salva à véspera de uma quebra financeira irremediável, com a ameaça da paralisação de um melhoramento há tanto tempo sonhado, pois o único meio de transporte, na época, era a padiola para doentes e o lombo de burro para os que teimavam galgar o dorso da Serra da Mantiqueira. Em 8 de maio de 1916, Sebastião de Oliveira Damas foi a Portugal empenhar todos os seus bens, a fim de que os serviços ferroviários não fossem interrompidos, deixando como seu preposto o engenheiro José Antônio Salgado, seu genro. 54 “Pelo seu valor histórico, reproduzimos o texto da Lei nº 1.486, de 15 de dezembro 1915, que autorizou a encampação da E. F. Campos do Jordão, pelo Governo do Estado, a saber: O Presidente do Estado de São Paulo,

“História de Campos do Jordão”, de Pedro Paulo Filho, Santuário, Aparecida, 1986.

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“A Alma do Tempo”, de Afonso Arinos de Melo Franco, J. Olimpio Editora, Rio, 1961.

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“A Cidade de Campos do Jordão”, de 29 de abril de 1966.

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Uma Escalada para a Vida: Uma Escalada para a Vida

Faço saber que o Congresso Legislativo decretou, e eu promulgo a seguinte lei: Artigo 1º – Fica o Governo do Estado autorizado a realizar a encampação da estrada de ferro de Pindamonhangaba aos Campos do Jordão, com todo o seu material fixo e rodante, pertencente à Sociedade Anônima Estrada de Ferro Campos do Jordão, podendo despender para esse fim até a importância de quatro mil e quinhentos contos de réis, que será paga em apólices da dívida pública do Estado de São Paulo, pelo seu valor nominal. Artigo 2º – A escritura de encampação ao Estado somente será lavrada si derem o seu assentimento expresso na mesma escritura, ao que nela for estipulado, na parte que lhes disser respeito todos os credores preferenciais e quirografários da Sociedade Anônima Estrada de Ferro Campos do Jordão de modo que o Estado adquira o seu patrimônio inteiramente livre de quaisquer ônus ou responsabilidades. Artigo 3º – O Governo fará consignar na escritura de encampação todas as cláusulas assecutórias dos interesses do Estado e, especialmente, a renúncia expressa de todos os concessionários dos direitos provenientes das Leis nºs. 1.103, de 30 de dezembro de 1903; 1.221, de 28 de novembro de 1910; 1.265-A, de 28 de setembro de 1911; 1.353, de 19 de dezembro de 1912; 1.388, de 26 de novembro de 1913, e dos contratos firmados pelo Governo do Estado em virtude das autorizações concedidas pelas citadas leis. Artigo 4º – Fica o Governo autorizado a emitir apólices de juros de 6%, amortizáveis no prazo de 40 anos, até a importância de réis 4.500.000$000, para o pagamento de que trata o artigo 1o da presente lei. 55

Artigo 5º – Revogam-se as disposições em contrário. O Dr. Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas assim a faça executar. Palácio do Governo do Estado de São Paulo, aos 15 de dezembro de 1915. Francisco de Paula Rodrigues Alves José Cardoso de Almeida Publicada na Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, aos 15 de dezembro de 1915 – Diretor Geral - Eugênio Lefèvre.” 4. Pelo Estado, receberam o patrimônio ferroviário, em 13 de maio de 1916, o engenheiro Benedito Roberto Azevedo Marques e seu imediato Savanel do Amaral Gama. A Lei nº 1.508, de 24 de outubro de 1916, promulgada pelo presidente do Estado, Altino Arantes, autorizou o serviço de tráfego por conta do Estado. A situação da ferrovia, nesse tempo, exigia a adoção de medidas inadiáveis, tais como a substituição das pontes de madeira sobre o Rio Paraíba e o Rio Piracuama, a aquisição de material rodante e a construção das estações de Pindamonhangaba e Campos do Jordão. Logo, em abril de 1916, o Governo de São Paulo autorizava a abertura de crédito de 4.500 contos para o pagamento da encampação e outras despesas necessárias para a continuidade do tráfego.55 Em outubro desse ano, o engenheiro Azevedo Marques foi transferido para a Secretaria da Agricultura e, em seu posto, assumiu o engenheiro José Mascarenhas Neves, que exercia o cargo de fiscal do governo na constru-

“A Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, 27 de janeiro de 1916.

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Pedro Paulo Filho

ção do ramal de presidente Epitácio, da E. F. Sorocabana. Suas atividades foram numerosas: obteve o material rodante e o de tração, agenciou pessoal especializado para as oficinas e operação das automotrizes, conseguindo construir um carro de passageiros, bem como troles e vagões de carga. No ano seguinte, com a queda da ponte provisória sobre o Rio Paraíba, determinou a construção de uma balsa que fazia a baldeação de passageiros que rumavam a Campos do Jordão, vindos de Pindamonhangaba e viceversa. J. Mascarenhas Neves mandou construir casas para funcionários e instituiu o tráfego mútuo telefônico entre a ferrovia e a Cia. Rede Telefônica Bragantina. Durante sua gestão, foram construídos o Armazém de Abastecimento da estrada e o Escritório da Administração em Pindamonhangaba, cuidando também da construção da ponte metálica sobre o Rio Paraíba, por meio de contrato firmado com a Cia. Brasileira Fichet e Schwarts Hautmond. O dr. Domingos Jaguaribe, em publicação de 1915, defendeu a encampação, reproduzindo o texto de Adolfo Pinto nos seguintes termos: Apesar da difícil situação financeira que o Estado atravessa, parece-me que o negócio, em princípio pelo menos, não pode deixar de merecer do Governo a mais carinhosa e simpática acolhida (...) Encampada a Estrada e ultimada a sua construção, o respectivo custeio não deverá ser oneroso para o Estado, não só porque naturalmente se fará a mais severa economia, bastando que os trens corram em dias alternados, o que permitiria trafegar com pouco material rodante e pesso57

“Tribuna do Norte”, de Pindamonhangaba, de 27 de abril de 1916.

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“Tribuna do Norte”, de Pindamonhangaba, de 27 de janeiro de 1916.

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al reduzido, como porque as condições especialíssimas da nova zona a ser fecundada pelo benéfico influxo do caminho de ferro, garantem o seu rápido desenvolvimento de modo que, dentro de poucos anos, a empresa poderá entrar em pleno regime de saldos.56 Também a imprensa pindamonhangabense regozijou-se com a encampação, publicando, em 1916, a nota: O exmo. sr. dr. Rodrigues Alves, benemérito Presidente do Estado assinou anteontem o decreto que abre um crédito de 4.500 contos de réis para pagamento da encampação da Estrada de Ferro Campos do Jordão e mais despesas necessárias à conclusão do tráfego dessa Estrada. O ato do ilustre estadista foi aqui recebido com regozijo pelo povo desta cidade e de toda a zona por onde percorre esta futurosa ferrovia. 57 Contudo, a mesma imprensa interiorana dava notícia da possibilidade de arrendamento da ferrovia: É provável que a via férrea de Campos do Jordão, cuja encampação foi autorizada pelo Congresso do Estado, seja arrendada pelo Governo à Light and Power. Ao que parece, este arrendamento depende ainda da Light melhor se assegurar da concessão do Porto de São Sebastião, pois o fim da grande empresa canadense é estender a linha férrea até aquele porto, ligando este a Minas. É esse velho plano que a Light procura levar a cabo e, incontestavelmente, de magno alcance para a São Paulo, que se vê alforriado do Porto de Santos e respectivas docas. 58 Em compensação, uma boa notícia era dada ao público, em 1916: Projetada pelo distinto engenheiro Mário Whately e executada pelo engenheiro José Antônio Salgado, está terminada a construção no que diz respeito ao madeiramento, da ponte


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sobre o Rio Piracuama no km 16, da Estrada de Ferro Campos do Jordão. É uma bela obra de arte que muito recomenda aqueles distintos engenheiros. Por essa ponte que mede 30 metros de vão por 13 de altura, começarão de amanhã em diante a trafegar os trens daquela importante e futurosa via férrea. 59 Em conseqüência da absorção da ferrovia pelo Estado, foi lavrada a escritura pública de compra e venda e encampação no valor de 3.000.000$000, em 18 de abril de 1916, no 9º Tabelião de São Paulo, sendo transmitente a S.A. Estrada de Ferro Campos do Jordão, constituída em 25 de maio de 1912, no ato representada por seus diretores Victor Godinho, Antônio Prudente de Moraes e Theodoro Bayma. Figurou como outorgado o Estado de São Paulo, representado pelo presidente do Estado, o dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves. Ao longo do tempo, muitas outras escrituras foram lavradas de doação das faixas da

linha férrea e de terras, como a doação feita por James Maclean à Fazenda do Estado de São Paulo, no Tabelião Joaquim da Silveira Mello, em 14 de julho de 1916 (faixa e terreno da estação Emílio Ribas); a escritura de doação da faixa de linha feita pelo Banco do Brasil S. A. ao Governo do Estado de São Paulo, em 1º de julho de 1920, no 7º Tabelião de São Paulo; a escritura de doação da faixa de linha e terreno da estação de Vila Abernéssia, feita pela Societé Financière et Commerciale FrancoBrasilienne, por seu procurador em causa própria Robert John Reid, lavrada no 7º Tabelião de São Paulo, em 3 de março de 1923; a doação de terreno para a estação de Vila Jaguaribe feita por Leon Casemire Felix Marie Bazin à Fazenda do Estado, lavrada no Tabelião Paschoal Olivetti, em 20 de novembro de 1926; a escritura de doação de faixa da linha efetuada por Júlio Fracalanza, no 11º Tabelião de São Paulo, em 4 de março de 1926; e a doação

Acampamento de obras na Serra. 59

“Tribuna do Norte”, de Pindamonhangaba, de 19 de março de 1916.

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Pedro Paulo Filho

de Joaquim Gavião Gonzaga feita à Fazenda do Estado, no 11º Tabelião de São Paulo, em 4 de junho de 1938. Um relatório da Superintendência das Vias Férreas de Administração Estadual, de 1919, registrou alguns dados da época sobre a ferrovia, com a extensão total da linha em tráfego em 45.820 metros, na época. Quanto aos edifícios: havia um galpão de madeira, coberto com zinco, para oficinas e dependências em Pindamonhangaba; uma casa de madeira, coberta de zinco, em Campos do Jordão para pernoite de pessoal; um abrigo, coberto com zinco, em Campos do Jordão para pernoite de automóveis. Quanto às estações: em Pindamonhangaba, havia uma construção provisória de madeira, coberta de zinco; em Bom Sucesso, uma estação definitiva, assim como em Piracuama e Eugênio Lefèvre. A de Abernéssia estava em construção. A linha telefônica interligava as estações e outras dependências da estrada, não-existindo linha telegráfica.

Esse relatório de 1919 relacionou as obras de arte então existentes: ponte de madeira de 160 metros de vão sobre o Rio Paraíba sobre pegões e encontros de alvenaria de pedra e cavaletes de madeira; ponte de madeira com 31 metros de vão sobre o Rio Piracuama sobre encontros de alvenaria de pedra e cavaletes de madeira; duas pontes de madeira de 16 metros de vão sobre o mesmo rio. Nas oficinas provisórias registrou-se a existência de uma locomotiva a vapor de 8 HP, além de plainas, forjas, bombas hidráulicas, tornos, serras e polias.60 Em 1918, a ferrovia transportava para Campos do Jordão uma visita importante. Era o presidente do Estado, Altino Arantes, que subia a serra acompanhado do secretário da Agricultura, Cândido Mota, sendo ambos recepcionados pelo deputado Claro César, pelo diretor da fer rovia, José Mascarenhas Neves, e pelo engenheiro José Antônio Salgado.61

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“Transway da Cantareira, E. F. Funilense e E. F. Campos do Jordão”, Superintendência das Vias Férreas da Administração Estadual, São Paulo, 1919.

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“Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, 27 de janeiro de 1916.

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Uma Escalada para a Vida: Uma Escalada para a Vida

VIII Precariedade do Tráfego 1. Em 1918, a ferrovia operava com vários problemas relativos ao tráfego, provocando reiteradas reclamações e reivindicações, pois levava 12 horas para completar o percurso de 47 quilômetros de trilhos. Apesar da precariedade do tráfego, viajaram para Campos do Jordão, em 1915, o dr. Gama Rodrigues, o secretário da Fazenda, Sampaio Vidal, o dr. Luiz Pereira Barreto e o dr. Assis Brasil.62 Um passageiro, nesse ano, escreveu para o jornal O Estado de São Paulo: Ninguém ignora que a administração da Estrada de Ferro Campos do Jordão deixa muito a desejar. Acúmulo de passageiros, falta de higiene, etc., é o que se nota nos carros (pouquíssimos) da estrada. Quem pretende ir a Campos do Jordão, precisa solicitar de véspera a passagem. Do contrário, arrisca-se a não seguir ou partir daí a muitas horas, Deus sabe como! É um verdadeiro martírio viajar naquela Estrada, senhor redator. Ontem, porém, o sofrimento foi superior ao notório estoicismo dos passageiros. Pelo horário da Estrada, deveríamos chegar em Pindamonhangaba antes das 13 horas, isto é, com tempo de almoçar e tomar o comboio da Central do Brasil que passa pela mencionada cidade às 15,30 horas. 62

Assim devia ser, mas não foi, porque só avistamos Pindamonhangaba às 16,18 horas, de modo que ficamos sem almoço, não alcançamos o Rápido e fomos obrigados a permanecer em Pindamonhangaba com perda de tempo e dinheiro até a vinda do Noturno pela madrugada de hoje. E tudo por quê? Por causa do desleixo que impera na administração da E. F. Campos do Jordão. Um simples desarranjo no motor do bondinho que nos conduzia, apinhados, foi o bastante para que tivéssemos de suportar tamanhos aborrecimentos. Entretanto, disto estaríamos livres se a Estrada se houvesse com um pouquinho, ao menos, de atenção para com os seus pacientíssimos passageiros. Bastaria que existisse mais um – um só – daqueles carros em Campos do Jordão e nós perderíamos somente alguns minutos de espera. Em vez disso, vimo-nos arrastados depois de uma hora por uma velhíssima locomotiva, destinada exclusivamente ao transporte de carga. Viemos, pois, aos trambolhões, parando aqui e ali, ora porque a maquina não tinha pressão, ora porque se atendia ao serviço de embarque de mercadorias.

“Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, 1o de abril, 13 de maio, 2 de setembro e 28 de outubro de 1915.

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Pedro Paulo Filho

Os infelizes viajantes da Estrada de Ferro Campos do Jordão já não reclamam contra a falta de comodidade, porque já se encontram mais ou menos acostumados a andar quais sardinhas em lata... O que eles apenas almejam é que ao menos não mais se repitam as censurabilíssimas irregularidades de ontem. O diretor engenheiro José Mascarenhas Neves desmentiu os fatos ao secretário da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, em 3 de janeiro de 1919, informando que esta é a primeira vez que passageiros com destino a São Paulo deixam de alcançar o Rápido da Central, desde que estão funcionando os automóveis (...) Esta Estrada foi encampada pelo Governo na vigência da guerra européia e quase desprovida de material rodante, avaliando-se assim a dificuldade que houve em dotá-la com o necessário material para o tráfego atual, dada a sua escassez no mercado. Mascarenhas Neves chamou a atenção para os esforços enormes que um automóvel precisa despender para galgar a Serra da Mantiqueira, vencendo em 16 km de extensão uma diferença de nível de 1.139 metros que é entre o Alto do Lageado, km 37 e a Raiz da Serra.” Comunicou o citado diretor que, durante o segundo semestre de 1918, o tráfego sofrera apenas 25 atrasos. Em dezembro de 1918, o deputado Plínio de Godoy reclamou da administração da ferrovia, que seu filho perdera o trem da Central do Brasil para São Paulo, porque o agente da estação de Eugênio Lefrèvre ou de Piracuama adotou providências relativas ao transporte de pedras, em prejuízo do carro de passageiros. Não obstante às dificuldades da novel ferrovia, a imprensa pindamonhangabense, em 1920, noticiava: Chegará amanhã a esta cidade e daqui para 63

“Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, 11 de julho de 1920.

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“Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, 10 de março de 1921.

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os Campos do Jordão, onde passará uma temporada a grande pianista patrícia Guiomar Novaes... Nos Campos, essa distinta pianista será hospedada na Pensão Azul.63 No ano seguinte, vinha outra notícia: Viajou a Campos do Jordão uma comissão do exército encarregada da escolha de local para construção de um sanatório. Integram-na os generais médicos Antônio Ferreira do Amaral e Aragão Bulcão, os majores médicos Carlos Eugênio Guimarães e Manuel Marsilac Motta, o 1º tenente Ângelo Notari, engenheiro militar, e o 1º tenente Paulino Barcelos.64 Outra nota vinha com destaque: era a viagem realizada em abril de 1921, pelo diretor do Serviço Sanitário, dr. Arruda Sampaio, acompanhado do dr. Clemente Ferreira, dr. J. Maciel, diretor do Instituto Bacteriológico, dr. Alberto Seabra, do cel. Ernesto Duprat e do dr. Plínio Barbosa Lima, todos anfitrionados pelo dr. José de Carlos Macedo Soares. 2. Em 15 de janeiro de 1921, o senador Alfredo Ellis telegrafava ao presidente do Estado, Washington Luiz, revelando vivo interesse meu e de doentes de Campos do Jordão e solicitando tornar diário o serviço de trem na Estância Climática de Campos do Jordão, para facilitar a ação do diretor dos Correios, disposto a melhorar o serviço postal, ficando Campos do Jordão uma estação climática salvadora, superior a todas da Suíça. De fato, em 16 de janeiro daquele ano, o diretor geral dos Correios, Clodomiro Pereira da Silva, já havia telegrafado à diretoria da Estrada de Ferro Campos do Jordão, manifestando que os Correios desejavam fazer o serviço diário de condução de malas postais para a Vila de Campos do Jordão, sugerindo


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a adoção de automóveis de linha, quando não corressem os trens. A ferrovia informou, em 15 de janeiro de 1921, que o tráfego provisório de automóveis era feito de Pindamonhangaba a Campos do Jordão, às segundas, quartas e sextas-feiras, e de Campos do Jordão para Pindamonhangaba, às terças, quintas e sábados. Em 18 de janeiro de 1921, complementou os esclarecimentos, informando que instalara um dispositivo na parte posterior dos automóveis para o transporte de malas postais, por falta de espaço no interior dos veículos, e que os carros de carga não poderiam transportar malas postais, por não terem horário regular. Esclareceu o dr. J. Mascarenhas Neves que os automóveis estavam sujeitos a constantes desarranjos, mormente quando trabalhavam em rampas fortíssimas e longas, como as da ferrovia, exigindo inspeção constante, com elevada despesa. Argumentou que os automóveis deveriam ser adotados provisoriamente, pois os riscos eram grandes, sobretudo nas descidas. Para o tráfego diário, seriam necessários quatro carros, dois para subir e dois para descer, sendo um de passageiros e um de encomendas e, por isto, necessitava a ferrovia de mais quatro carros, dois carros pequenos e dois de passageiros, de reserva. O automóvel, depois de uma viagem a Campos do Jordão, necessitava de uma revisão geral, não podendo viajar no dia imediato. A ferrovia – explicava – também necessita de mais dois carros especiais e que são freqüentemente solicitados para o transporte de doentes e de pessoas abastadas. Ao todo, seriam dez autocarros, sendo quatro caminhões pequenos e mais seis carros para vinte passageiros. 65

Não se poderia levar em conta os quatro carros pequenos de 14 lugares que estavam em uso, pois seus motores eram velhos e com muito uso, estando em serviço há mais de três anos. Além disso, seriam necessários mais dois choferes, dois ajudantes, dois ajustadores, um ferreiro, um limpador e um malhador. Na época, a estrada possuía quatro automóveis de linha para uma lotação de 14 passageiros cada um e um outro adaptado para 30 passageiros. Submetido o problema ao secretário da Agricultura, Heitor Penteado, em 4 de fevereiro de 1921, despachou: visto. A imprensa pindamonhangabense, em 1921, também reclamava da precariedade do tráfego: A despeito dos nobres intuitos do Governo quando encampou a Estrada de Ferro Campos do Jordão, de visarem o aproveitamento do salubérrimo clima dos Campos, quiçá o desenvolvimento daquelas paragens e conseqüentemente da zona percorrida, até hoje se ressentem da deficiência dos meios para atingirem o escopo daqueles intuitos. A deficiência dos transportes, sobretudo de passageiros, cuja grita se levanta de todos os recantos, data do princípio da abertura da Estrada ao tráfego público, e essa grita não cessa nem cessará, porquanto o transporte existente em qualquer época, está sempre aquém do progresso e da procura de Campos do Jordão.65 Nesse mesmo ano, o prefeito de São Bento do Sapucaí, Augusto Marcondes Azeredo dirigia-se à Secretaria da Agricultura argumentando que, até a presente data, contra os interesses dos habitantes deste Município e de todos quantos transitam pela Estrada de Ferro Campos do Jordão e contra o próprio interesse do Estado, a administração dessa via férrea mantém o tráfego de 3 trens por semana. Constantes têm

“Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, de 6 fevereiro de 1921.

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sido os pedidos de modificação dessa tabela de viagem no Bom Sucesso e depois Piracuama. A partir sentido de serem diários os bondes, de modo a facilitar o desta, começa a ascensão. trânsito de viajantes, transporte de mercadorias, como As rodas rangendo, riscam-nos os tímpa66 leite, pão, etc. e bem assim a correspondência postal. nos. O bonde, como monstruosa lâmia, que se esforça, coleia e grita, seguindo o seu tortu3. Embora precário o tráfego, houve quem oso itinerário das montanhas íngremes rodecelebrasse a viagem a Campos do Jordão. ando os cumes. Um deles foi o pindamonhangabense Ei-lo galgado a Lefèvre, ao Alto. Joviano Homem de Mello, que, em 5 de seÉ alto, não resta dúvida, mas muito se tembro de 1921, relatou à imprensa suas emo- tem a subir. Subamos. Os ruídos infestam ções, escrevendo: “Março. Meio-dia. O Sol faís- novamente a paz dos ermos. E o bonde sobe, ca. Remexe-se na estação precipitada massa de vera- sobe e sobe mais... Agora, eu volvo o olhar nistas que se baralham na azáfama de tomar assento deslumbrado, descansando-o na plana imenno bonde. Este, despedidos os sinais de partida, deita sidade que ficou lá em baixo como saudosa para trás uma nuvem de fumo e avança pela planura, visão do passado e tenho medo que ele não barulhento e pesado. volte mais ou que eu torne a ele... lá ao lonÉ monótona a paisagem: tudo o que a ge na amplidão plana, cismando, o olhar vista pode alcançar são arrozais. Anuncia-se vago vai contemplar a brancura do casario

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Arquivos da Estrada de Ferro Campos do Jordão.

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que se derrama daqui e dali ... Olho para frente. O bonde sobe, sobe mordendo rochas, transpondo abismos. Os agressivos obeliscos, nublados e úmidos, gotejam. Dirse-ia que choram, maldizendo a civilizadora invasão. A planura enorme já ficou longe. Multiplicam agora desiguais e verdejantes cômoros. Todos esses multiformes montículos tendem a formar grande montanha que vai assumindo proporções gigantescas. Eu fico, às vezes, a pensar n’alguma criança divina que brincasse com a areia nas épocas embrionárias a despejá-la aqui e ali, e que Deus, num rasgo miraculoso, se divertisse em ampliar o térreo elemento. O bonde sobe, sobe, assoberbando as latitudes. O viajante, distraidamente, levanta a gola do vestuário. Faz frio. O bonde sobe... parece que vamos ao céu. O azul é tão manso! As nuvens rondam em torno de nós, tão flácidas e brancas numa camaradagem cândida... A planície ficou lá embaixo. É a visão do passado... Tenho saudades dela. Ei-nos dobrando o cume, caminhando já do outro lado pela crista do monte-rei, larga e plana, verdejante e fresca. Estamos em Campos do Jordão. Amena e suave brisa esfrola o arvoredo pelas grotas. O bonde caminha agora menos barulhento e mais leve, como que animado pelo termo do percurso. Mais um pouco e está ali a Abernéssia. Esperam-nos a ela rostinhos rosados de gárrulas veranistas. Riem. É a vida que saú-

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“Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, 19 de maio de 1921.

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“Correio de Campos”, de 27 de agosto de 1926.

da aos recém-vindos o macerado aspecto, na suave e consoladora promessa da restauração...” Assinou Joviano Homem de Mello.67 4. Em 1926, escrevia na imprensa jordanense, com vistas ao diretor da Ferrovia, eng. J. L. Lindenberg, o leitor Rubens de Leo o seguinte: Segundo estamos informados o horário com que os bondes a gasolina fazem atualmente o nosso serviço de subúrbio, é de caráter experimental, o que denuncia os bons desejos da diretoria da E. F. C. J. em bem servir o interesse público, e, por isso, nos sentimos à vontade para fazermos aqui algumas considerações e indicações sobre o horário aos bons desejos da mesma diretoria. É público e notório que das três estações existentes dentro do Distrito de Campos do Jordão, a de Abernéssia desempenha a de centro comercial e de vida distrital, por estarem ali situados os consultórios médicos, odontológicos, os mais importantes estabelecimentos comerciais, as leiterias, padarias, açougues, os salões de barbeiro, a tipografia, o mercado, o cinema, o Cartório de Paz, etc., de que se utilizavam os habitantes das outras estações, que primam e devem continuar saudáveis e pitorescos arrabaldes, que são de residências. Daí se conclui facilmente que os moradores destas últimas estações têm uma multidão de afazeres e comodidades em Abernéssia e que a pequena estadia de um bonde nesta estação e as horas impróprias de chegada e partida de outro bonde, não lhes permitem desempenhar-se daqueles afazeres ou de gozarem daquelas comodidades, aproveitando do serviço de subúrbios sujeitos aos presentes horários.68 Não se tem notícia do atendimento ou não da reclamação.

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Homenagem aos pracinhas jordanenses que retornaram da 2a Guerra Mundial.

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IX Viagem do Presidente Washington Luiz do de S. Paulo, que mandasse “1. Registrou Athayde Marum bom repórter a Campos condes a viagem de Washingdo Jordão para fazer a coberton Luiz a Campos do Jordão, tura da viagem oficial de Waem meados do século XX. shington Luis. “No dia 11 de junho de José Carlos possuía uma 1921, a nossa cidade (Pindamogrande gleba de terra ali e ia nhangaba) foi honrada com a loteá-lá para casa de campo visita do Exmo. Sr. Dr. Wade luxo. shington Luiz Pereira de SouWashington Luiz iria com za, ilustre e digníssimo Presiseus secretários e mais pessodente do Estado de São Paulo. as para observar pessoalmenSua Exa. chegou na madrugate a possibilidade de desenda do dia 11, e nesse mesmo dia Presidente Washington Luiz. volver a estação de cura ao partiu, em trem especial, para Campos do Jordão, regressando às 18 horas, acompanhado lado de um refúgio de repouso, como na Europa. de sua comitiva.”69 Antes da Revolução de 1930, os governadoPara isso era preciso pensar também numa res de Estado eram chamados de presidentes. estrada de rodagem, já em estudos, que atingiRelatou Paulo Duarte, que foi arqueólo- ria Campos do Jordão, ligado somente por uma go, professor, político, pesquisador e, durante estrada de ferro funicular a Pindamonhangamuitos anos, redator do jornal O Estado de S. ba, ou que saísse de São José dos Campos. Paulo, a viagem presidencial.70 “Como se via, era importante a visita e o Conta que o dr. José Carlos de Macedo “Estado” deveria comparecer. Eu tinha que Soares solicitou a Nestor Pestana, de O Esta- ir, pois, a Campos do Jordão, ainda durante 69

“Pindamonhangaba através de Dois e Meio Séculos (1672 – 1922)”, Athayde Marcondes, Tipografia Paulista, São Paulo, 1922.

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“Memórias – Miséria Nacional e a Minha Própria Miséria”, de Paulo Duarte, vol. 7, Hucitec, São Paulo, 1978.

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esse mês de maio com a comitiva do Presidente do Estado. De fato, partimos em carro especial ligado ao noturno de luxo, para descer, de madrugada ainda, em Pindamonhangaba, onde nos esperavam o diretor da estrada para Campos, José Mascarenhas e mais pessoas que subiram a Mantiqueira conosco até Campos do Jordão numa manhã frigidíssima. A comitiva era escolhida. Acompanhavam o Presidente Washington Luiz, Heitor Penteado, Secretário da Agricultura; deputados Roberto Moreira, João Martins de Mello Jr. e Bias Bueno; Belfort de Matos, diretor do Observatório Astronômico; José Carlos de Macedo Soares, que promoveu a viagem; Edmundo Jordão, do gabinete de Heitor Penteado e descendente do fundador de Campos do Jordão; Timóteo Penteado, diretor de Estradas de Rodagem; da imprensa, Tristão Fonseca, João Aires de Camargo, do “Jornal do Comércio” e eu. Havia ainda outras pessoas que se incorporaram à comitiva em Pindamonhangaba. O autor de O Espírito das Catedrais prossegue seu relato: “Para ser um centro de turismo faltavam ainda a Campos do Jordão duas coisas primordiais, uma boa estrada de rodagem e hotéis. Havia o projeto de construção de, pelo menos dois, um já em obras. Realmente, o local era esplêndido, mas prejudicava-o o fato de ser uma estação de cura de tuberculose, o que espantava os sãos. Os dois pequenos hotéis existentes, precários e inadequados, que não recebiam doentes, exigiam atestados passados pelo posto de saúde existente. O futuro, entretanto, poderia fazer de Vila Jaguaribe, Abernéssia e Capivari duas povoações constitutivas de Campos do Jordão e um sitio esplendido para férias e esportes.

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As três pequenas povoações em que havia parada de trens tendiam a unir-se numa só cidade. Havia, entretanto, bairros lindíssimos, povoados de pinheiros e berrugados de montanhas, como o Homem Morto (atual Jardim do Embaixador), onde se achavam as terras de Macedo Soares e Correntinos (atual Rancho Alegre), que era uma fazenda do deputado João Martins de Melo Jr., que tinha o plano de ali construir um hotel para turismo, pois era mais distante do centro de enfermos. De qualquer maneira, é uma das mais belas regiões de São Paulo, senão a mais bela. Montanhas, pinheiros e inverno rigoroso com geada e, esporadicamente, até queda de neve. O que trouxe aqui o Governo foram interesses pessoais de proprietários ricos e deputados, mas, se o Governo levar a sério e acreditar menos nos discursos de lisonja, que não faltam nessas excursões, poderá, a meu ver, levar a cabo aqui uma obra séria. Achava-se presente em Abernéssia, juntando-se a nós, Emílio Ribas, médico sanitarista de renome, que deu boas informações das condições climáticas, sanitárias e outras. De seu lado, Timóteo Penteado vai intensificar imediatamente os estudos para a estrada de rodagem e sua localização definitiva, que será, ao que parece, por São José dos Campos, sem prejuízo da comunicação ferroviária atual. Correntinos é a fazenda do deputado João Martins de Melo Jr., que não tem nada, uma pequena casa de moradia, algumas outras três ou quatro menores, o resto é montanhas, pinheiros, ribeiros cristalinos e beleza. Quer dizer, não tem nada, mas tem tudo, só faltando conforto para a gente rica. Dos discursos pronunciados, com exceção do de Washington Luiz que, não sendo


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um homem brilhante, é um bom orador, capaz de por em suas orações sempre algum conteúdo útil que falta quase sempre nos discursos políticos ou politiqueiros. Ainda descemos a serra com tempo de tomar o noturno, que recolocou nosso carro especial, chegando muito tarde a São Paulo. Na ida e volta, conversei longamente com Emílio Ribas sobre a possibilidade de transformar Campos do Jordão numa estação de cura, de repouso e de turismo... Este sim, não era homem subdesenvolvido. Foi por isso que em São Paulo, tomei contato com Macedo Soares, expondo a minha idéia que ele poderia aproveitar para valorizar os seus terrenos. Mas, José Carlos, tal qual Nestor Pestana que, por sinal, tem um irmão residente em Campos do Jordão, sem ser doente, tal qual Eduardo Cotching, também não me compreendeu. Será que aquela gente toda era uns errados ou eu e Emílio Ribas é que éramos errados? Se a maioria é quem deve ter razão, o resultado será contra nós. Três a dois... Paciência.” A imprensa pindamonhangabense registrou que acompanhado de sua comitiva, regressou dos Campos do Jordão o Sr. Washington Luiz, que havia seguido no dia 11, em viagem de recreio, com o fim especial de visitar aquelas encantadoras regiões (...) A estação da Estrada de Ferro Campos do Jordão achava-se vistosamente ornamentada com palmeiras, folhagens e flores. Atravessando a linha destacavam-se os nomes do Dr. Washington Luiz e do Dr. Heitor Penteado em tela branca com letras vermelhas. Às 18 horas em ponto, entrava o comboio na estação, sendo aclamado delirantemente o nome do ilustre Presidente do Estado, ao som do Hino Nacional.71 71

“Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, de 18 de junho de 1921.

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Depoimento de Oscar Ribeiro de Godoy prestado ao autor.

O ilustre visitante foi saudado pela senhorita Maria Regina M. Machado e às 20 horas, acompanhado do prefeito Claro César dirigiu-se à Câmara Municipal, onde foi lhe oferecido um banquete pelas autoridades pindamonhangabenses. A história demonstrou, mais tarde, que certos estavam Paulo Duarte e Emílio Ribas. 2. Contou-nos Oscar Ribeiro de Godoy que Washington Luiz, quando presidente do Estado, foi trazido a Campos do Jordão pelas mãos do senador João Martins de Mello Jr., proprietário da Fazenda Correntinos, que lhe ofereceu lauto almoço. Veio de Pindamonhangaba um táxi para transportar o presidente em Campos do Jordão, da estação ferroviária a Correntinos, veículo que pertencia a um senhor chamado Constantino. O carro causou um reboliço na cidade. O propósito do senador era o de demonstrar a Washington Luiz a necessidade da eletrificação da ferrovia. Relembrou que a primeira locomotiva que subiu a serra foi a Catarina, movida a carvão e puxava um pequeno vagão. A que trabalhava no nível, de Pindamonhangaba a Piracuama, chamava-se Fortuna. O condutor da Catarina foi Alberto Lindolhm, apelidado de Sueco. Os primeiros operadores dos bondes foram Honório Lessa e José Alves da Silva (Zuza). O primeiro foi admitido em 1917 e o segundo em 1919, ambos choferes no tempo dos carros movidos à gasolina que corriam sobre os trilhos. O quarto bonde transportava 32 pessoas e era movido a óleo cru, operando até 1924.72

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Automotrizes a gasolina na Estrada de Ferro Campos do JordĂŁo, de passageiros e de cargas, que funcionaram atĂŠ 1924.

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X Eletrificação da Ferrovia 1. Em 6 de fevereiro de 1921, a Tribuna do Norte, de Pindamonhangaba, reclamava do tráfego de apenas dois trens e pedia trens diários para Campos do Jordão.73 O projeto originário da ferrovia já previa sua eletrificação, dadas as características severas da topografia da região. Entretanto, em razão da carência de recursos, ela foi construída sob condições técnicas bastante precárias: bitola métrica, simples aderência em trechos com rampa máxima de 10,5% e boa parte da linha sem empedramento e não-eletrificada. Não se cogitou da implantação de recursos técnicos mais sofisticados, como, por exemplo, o sistema de tração por cremalheira, uma vez que já se sabia que a ferrovia iria ter um movimento quase que exclusivo de passageiros e pequenas cargas. Com 46,67 quilômetros de extensão, a partir de 1.743 metros de altitude no Alto do Lageado – ponto culminante ferroviário do Brasil –, a estrada de ferro sofre leve descida, alcançando Campos do Jordão, a 1.585 metros de altitude. É forçoso destacar outro recorde mundial: a declividade na ferrovia de simples aderência: 10,5%. 73

Apesar da importância de uma estrada de ferro ligando duas cidades, reclamada há tantos anos, a região não possuía a vocação turística que hoje tem e não havia como sobreviver apenas transportando frutas, verduras e legumes produzidos no Vale do Lageado pela laboriosa colônia japonesa, resultando constantes e graves déficits de caixa da ferrovia. O material rodante no tempo da sua inauguração era constituído por duas locomotivas a vapor, oito automóveis adaptados para rodar sobre trilhos, carros para bagagem e vagões de carga. A precariedade das instalações e equipamentos tornaram sua operação inconstante e deficitária, sendo realizadas apenas três viagens semanais. A estes problemas juntaram-se as dificuldades financeiras decorrentes da 1ª Guerra Mundial, afetando o fluxo de caixa da ferrovia. Essas complicações começaram a ameaçar a sobrevivência da empresa, forçando o Governo do Estado de São Paulo a assumir verdadeiramente o seu controle em maio de 1916. A partir daí, a ferrovia passou a ter respaldo financeiro para aperfeiçoar seus equipamentos e instalações, incluindo melhorias nas condições do traçado.

“História de Campos do Jordão”, de Pedro Paulo Filho, Santuário, Aparecida, 1986.

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Coube ao Governo do Exmo. Sr. Dr. Washington Luiz deixar, ao lado de outros elevados empreendimentos, definitivamente resolvida a eletrificação da Estrada, tendo sido, em julho de 1923, celebrado para esse fim o respectivo contrato entre o Governo do Estado e a The English Eletric Co., prevendo que as obras ficariam concluídas em março de 1924. 74 Em 20 de junho de 1923, a empresa The English Eletric Co. Limited, com matriz em Londres, oficiou ao secretário da Agricultura, Viação e Obras Públicas de São Paulo, manifestando concordância com as condições contidas no edital de concorrência e apresentando proposta para a eletrificação da Estrada de Ferro Campos do Jordão, incluindo o fornecimento de materiais e execução dos serviços. O principal melhoramento planejado foi a sua eletrificação, sobretudo em razão do relevo acidentado da região que atravessava. Os estudos preliminares para a sua implantação começaram logo após o fim do conflito mundial. O empreendimento era oportuno, uma vez que, em 1918, foi concedida a Alfredo Jordão Jr. a concessão para o fornecimento de eletricidade ao então distrito de Campos do Jordão. Associou-se a Robert John Reid, proprietário de terras onde se localizava um salto de 46 metros do Ribeirão Abernéssia, constituindo,

assim, a empresa Jordão Jr. e Cia., que tinha por objetivo construir uma hidroelétrica no local. De fato, foi construída uma barragem entre dois morros no local, com 80 metros de comprimento e 12 de altura. A partir desse empreendimento, saía uma adutora com um comprimento de 1.000 metros, que alimentava a usina, dotada da potencia total de 260 HP. Essa empresa dispôs-se a eletrificar a Estrada de Ferro Campos do Jordão e o seu projeto propunha dividir 47 quilômetros da estrada em cinco setores iguais, cada um dotado de uma subestação retificadora rotativa. Elas seriam alimentadas a partir de uma linha com seis KV e gerariam corrente de 550 ou 600 volts para alimentar os bondes e automotrizes da ferrovia.

Represa da Usina Abernéssia, 1909.

Outro aspecto do gerador de Energia da subestação de Abernéssia década de 1920.

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“A Região”, de Pindamonhangaba, 21 de agosto de 1924.

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Gerador de Energia Subestação de Abernéssia década de 1920.


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Subestação de Eugênio Lefèvre – Santo Antônio do Pinhal.

A energia para a ferrovia viria da hidrelétrica recém-construída em Campos do Jordão e também de um reforço de 450 HP, que seria fornecido por uma empresa de Paraisópolis (MG). Contudo, a concorrência pública aberta na época foi vencida pela The English Eletric Co., que, em meados da década de 1940, também ganharia outro contrato para a eletrificação da Estrada de Ferro Santos a Jundiaí. O contrato entre a ferrovia e a empresa inglesa foi assinado em 20 de julho de 1923, tendo sido definido para essa eletrificação o padrão de 1.500 volts em corrente contínua, com as automotrizes sendo alimentadas por rede de contato. Essa foi uma das eletrificações pioneiras no Brasil, embora se tratasse de uma linha de automotrizes interurbanas do que propriamente de uma ferrovia. A energia necessária para a ferrovia era fornecida pela Empresa de Eletricidade São

Paulo e Rio, filiada à Companhia Carris, Luz e Força do Rio de Janeiro, a famosa Light. O ponto de entrada de energia ficava no quilômetro cinco, sendo fornecida a 30 KV, trifásica, 60 ciclos, com potencia reservada de 500 KV. A partir daí, era transportada por meio de uma linha de transmissão, de propriedade da ferrovia, até a sua única subestação retificadora, instalada no meio do caminho, entre Pinda-

Subestação e Estação de Eugênio Lefèvre – Santo Antônio do Pinhal.

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monhangaba e Campos do Jordão, em Eugênio Lefèvre, na Serra da Mantiqueira (atual pátio da Estação de Santo Antônio do Pinhal). Nesse ponto, a voltagem da energia fornecida era abaixada para 2.000 volts, sendo, então, alimentada por dois grupos de motogeradores de 250 KV cada um. Cada grupo era constituído de um transformador de 700 KVA, que reduzia a corrente de 3.000 para 2.000 volts, um motor síncrono de 580 KVA e dois geradores de corrente contínua de 250 KV e 750 volts ligados em série. O equipamento era capaz de suportar uma sobrecarga de 50% por duas horas. A corrente elétrica retificada de 1,5 KV era distribuída em dois circuitos diferentes, denominados de Pindamonhangaba e de Campos do Jordão. A rede elétrica era suportada por postes de ferro, constituídos de dois trilhos gêmeos com nove metros de altura, apoiados nas curvas por cabos de aço de 50 metros quadrados de secção. Esses postes também sustentavam a linha de transmissão com a corrente de 30 KV fornecida pela concessionária pública. O circuito negativo era formado pelos trilhos, ligados por bonds constituídos de cabos de cobre. A rede era seccionada de seis em seis quilômetros por meio de chave de faca. O material rodante era composto de quatro automotrizes elétricas de 240 HP cada, sendo duas para passageiros e duas do tipo fechado para cargas e bagagens. As automotrizes para passageiros dispunham de cabine dupla de comando, dois compartimentos para passageiros, separados por um central de cinco metros quadrados para o transporte das bagagens, além de dois sanitários. Seu compartimento total era de, aproxima-

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damente, 17,350 metros e peso de 23 toneladas. Elas tinham capacidade para transportar 40 passageiros sentados em bancos de palhinha. Foram construídas pela Midland Railway Carriage and Wagon Company, em Birminghan, Inglaterra, usando equipamento elétrico da English Eletric Co., incluindo quatro motores DK 30 de 60 HP e 750 volts. Em razão dos pesados gradientes no trecho de serra, foi dada particular atenção aos dispositivos para a frenagem dos carros. As automotrizes eram capazes de executar frenagem regenerativa, usando seus motores para gerar eletricidade, quando estavam nos trechos de descida. Contudo, uma vez que a subestação não dispunha de equipamentos para lidar com a energia regenerativa proveniente das composições, a energia gerada por elas era dissipada em resistências elétricas montadas abaixo do carro. Além desse freio reostático, essas automotrizes também dispunham de freio Westinghouse a ar comprimido para uso durante sua movimentação, um freio de mão para estacionamento e um de emergência magnético atuando sobre os trilhos. A energia para os compressores de ar e o freio magnético era proporcionada pela corrente de 1,5 KV coletada na catenária. As automotrizes de carga tinham capacidade para carregar dez toneladas de carga e seu equipamento elétrico era idêntico ao das automotrizes de passageiros. 2. Em 1943, foi montada uma pequena Cooperativa de Consumo dos Ferroviários da Estrada de Ferro Campos do Jordão e, em 1º de março de 1945, o diretor, eng. Agenor Ferreira, solicitou ao secretário da Viação autorização para montar um pequeno armazém de abastecimento.


Uma Escalada para a Vida: Uma Escalada para a Vida

O interventor Fede São José dos Camderal, em 2 de abril de pos, atualmente a Ro1945, autorizou a reidovia SP-50. vindicação. No final dessa déNo pleito, o direcada, a inauguração da tor reivindicava isenção Rodovia Presidente total de impostos, Dutra, entre São Paulo como as congêneres e Rio, facilitou o aces(Estrada de Ferro so rodoviário à cidade. Bondinho do Guarujá – Camarão. Araraquarense e EstraA partir da década da de Ferro Sorocabana). de 60, os automóveis tornaram-se mais acesA extinção da Trainway do Guarujá, ocor- síveis à classe média, que passou a depender rida em julho de 1956, beneficiou a Estrada menos do transporte público para alcançar de Ferro Campos do Jordão, que recebeu da- Campos do Jordão. quela ferrovia três bondes elétricos e uma O tráfego de passageiros nos bondes urpequena locomotiva elétrica do tipo steeple- banos em Campos do Jordão e mesmo nas cab, todos também fabricados pela Siemens rotas entre esta cidade e Santo Antônio do Schuckert alemã, além de vários carros de Pinhal passaram a adquirir um caráter emipassageiros. nentemente turístico. Esses bondes elétricos substituíram os O primeiro teste do sistema de eletrificaantigos à gasolina, que ainda trabalhavam na ção da Estrada de Ferro Campos do Jordão seção plana, entre as Estações Abernéssia e ocorreu em fins de novembro de 1924, quanEmílio Ribas. do uma automotriz de carga, levando algumas Curioso notar que esse material rodante pessoas, percorreu o trecho de Pindamonhanproveniente da Trainway, do Guarujá, era ali- gaba até a localidade conhecida como Botementado por tensão de 750 volts, corrente quim, no quilômetro 26 de ferrovia, um poucontínua. co além da metade do percurso total. A expeIgnora-se como ele foi adaptado para ro- riência foi coroada de êxito. dar na Estrada de Ferro Campos do Jordão, 3. A inauguração oficial da eletrificação onde a catenária era de 1.500 volts. da Estrada de Ferro Campos do Jordão ocorPresume-se que os sistemas de controle reu em 21 de dezembro de 1924, com a predos bondes foram adaptados para operar com sença do presidente do Estado, Carlos de os motores elétricos de tração, exclusivamente Campos, e do secretário da Agricultura, Viem série. ação e Obras Públicas, Gabriel Ribeiro dos Desde então, a ferrovia não adquiriu mais Santos. material rodante, afetada como foi pela exA ferrovia passou a operar no sistema de pansão do rodoviarismo, podendo-se menci- simples aderência roda-trilho nos trechos de onar que, já na década de 40, havia um serviço serra, mantendo uma velocidade média de comercial de ônibus, interligando Campos do 32 quilômetros/hora, em nível, e cerca de 16 Jordão à cidade de São Paulo, por intermédio quilômetros/hora, nos trechos de serra, sen-

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do eletrificada nos seus quarenta e sete quilômetros. A rampa máxima é de 10,5%, considerada muito elevada, haja vista as ferrovias comerciais possuírem rampas de, no máximo, 3,5 a 4,0% para simples aderência. Para avaliar-se o ineditismo da iniciativa, basta mencionar que, entre a estação de Piracuama e a Parada Cacique (ponto culminante ferroviário do Brasil), a distância é de 16 quilômetros e a diferença de nível entre os dois pontos é de 1.339 metros, vencida por simples aderência. Nenhuma outra estrada de ferro do mundo possui tão longo percurso em rampas tão acentuadas de simples aderência. Em 1924, o dr. J. R. Belfort de Matos Filho narrou sua viagem a Campos do Jordão, já dotada a ferrovia de eletrificação. “O excursionista que sobe a Serra da Mantiqueira, em demanda a Campos do Jordão, buscando paisagens novas e alguns dias de vida ao ar livre ou o doente que para ali segue como para uma Canaan, onde se restabelece de suas enfermidades, sente-se arrebatado desde que parte da Estação de Pindamonhangaba (ponto inicial da Estrada de Ferro Campos do Jordão) e começa a atravessar as planícies marginais ao Rio Paraíba, antigos pântanos e pastagens, hoje inteligentemente convertidos em imensos arrozais. O carro elétrico, com lotação para 40 passageiros desliza com rapidez sobre os trilhos. À margem da linha, as casas de turma surgem e desaparecem, deixando no espírito do viajante a lembrança de seus pequenos e rústicos jardins de plantas silvestres. A natureza, como que desejando coadjuvar o homem, aqui e além, semeou canteiros imen-

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sos de flores muito alvas a se destacarem sobre o fundo verde carregado da vegetação viçosa dos terrenos quente-úmidos. O carro diminui a velocidade. Ouve-se o som velado de um apito. Chega-se a Piracuama, pequena estação na base da serra. Cinco minutos de demora, um café reconfortante tomado às pressas com alguns bolinhos ou biscoitos em um bar improvisado e, ao toque da sineta, parte o carro para a ascensão dos morros que diante do Piracuama se erguem, como um desafio àqueles que anseiam pelo ar vivificante das alturas. O vagão elétrico arremete serra acima e, então, aos olhos dos viajores vai-se, aos poucos, desenrolando um panorama imenso e incessantemente variado. Os contrafortes da Mantiqueira, cobertos de enormes mantos verdes, de todas as nuances deixam ver num e noutro ponto, largas manchas vermelhas de barro. Galgando 1.162 metros, atinge-se Eugênio Lefèvre, a antiga estação do Alto. Está vencida a primeira serra, como dizem vulgarmente os moradores do local. Pequeno descanso, 50 passos na plataforma da estação para desentorpecer os membros fatigados pela imobilidade forçada da viagem, novo toque de sineta e a partida para a segunda escalada. As paisagens se sucedem, deixando ver, uma vez ou outra, o Paraíba no horizonte longínquo, semelhante a uma faixa de prata sobre o fundo esmeralda dos arrozais intermináveis, emoldurando as cidades ribeirinhas. As exclamações de entusiasmo fazem-se ouvir e o viajante não perde o espetáculo que se desenvolve aos seus olhos, porque já lhe disseram que, ao regressar dos Campos, a cena ter-se-á mudado.


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E, às 10 horas, quando descer a Pindamonhangaba, os picos dos morros serão vistos, destacando-se nítidos sobre o fundo do céu desanuviado, com suas bases envoltas no “mar de nuvens” que se estenderá pelas baixadas e grotas e que se desfará lentamente, sob a ação do Sol. Vencida a última etapa, chega-se a altitude de 1.740 metros acima do nível do mar, o local denominado Alto do Lageado. A Pedra do Baú, mole imensa, equilibrada sobre um dos pontos mais altos, apresenta aos turistas uma face diversa daquela que mostrara há pouco. A coloração anterior foi alterada e, do verde gaio matutino, ela passará por toda a gama de cores até atingir o azul violáceo, quando o sol se deitar no ocaso, para ser vislumbrada à noite em silhueta negra sobre o estrelado, sentinela ciclópica, impassível a desafiar a escalada dos alpinistas, jamais levada a êxito. Começa a descida suave para os Campos. Dentro de alguns minutos, as lombas cobertas de pastagens surgem coalhadas, aqui e ali, de maciços de pinheiros. Contrastando com a vegetação rasteira e sáfara dos campos, as araucárias brasilienses erguem-se, quais balizas imensas a demarcar o solo, onde as forças se retemperam e os organismos depauperados vão buscar nova provisão de saúde. O carro elétrico desliza célere e a Vila Dom Bosco aparece à margem esquerda da linha. É a entrada de Abernéssia. O casario tornase mais denso, os transeuntes mais freqüentes. Entra-se na plataforma da antiga Vila Nova. A viagem está a terminar: findos 5 minutos, parte o carro para Vila Jaguaribe (também chamada Vila Velha), demora-se aí 1 minuto e segue para a ponta 75

dos trilhos, conduzindo os passageiros que se destinam à Vila Campos do Jordão ou Capivari e à Vila Inglesa.”75 Infelizmente, três dias após a inauguração da eletrificação, na véspera do Natal, ocorreria o primeiro acidente com uma automotriz elétrica, vindo a falecer um empregado da estrada e outro da The English Eletric Co. O contrato relativo ao fornecimento da energia elétrica para a ferrovia foi celebrado com a Empresa de Eletricidade São Paulo e Rio, subsidiária da Light, em 5 de julho de 1923, entrando em vigor em 5 de março de 1924. A eletrificação da ferrovia prejudicou enormemente o funcionamento das ligações telefônicas entre Pindamonhangaba e Campos do Jordão, devido à indução provocada pela alta tensão, obrigando a reforma dos troncos telefônicos então existentes. Apesar de tudo, a eletrificação revelou-se um sucesso. Em 1927, a Estrada de Ferro Campos do Jordão adquiriu também da English Eletric Co., mais uma automotriz de passageiros e cinco do tipo gôndola para o transporte de automóveis e cargas. Estas últimas unidades foram responsáveis pelo transporte de carros de turistas, um serviço de autotrem, que alcançou grande sucesso, sobretudo porque, naqueles tempos longínquos, as condições das estradas de rodagem eram péssimas. Uma quarta automotriz para passageiros foi montada, em 1932, nas oficinas da estrada, em Pindamonhangaba, com material sobressalente fornecido pela English Eletric Co. Na mesma época, foram recebidas mais duas automotrizes de carga, também com 240

“Campos do Jordão, Clima de Altitude”, de J. R. Belfort de Mattos Filho, São Paulo Editora, 1937.

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HP de potência, dessa vez fabricadas pela Siemens – Schuckert alemã. Em 12 de fevereiro de 1968, foi criada a União dos Ferroviários da E. F. Campos do Jordão, que absorveu a Caixa de Auxílios Mútuos da Ferrovia, a Sociedade Cinematográfica dos Operários da E. F. C. J. e a Associação dos Aposentados e Pensionistas da Estrada, sendo eleitos Félix de Carvalho Giudice (presidente) e José Benedito Cabral (vice-presidente).76 A E. F. C. J. não foi integrada à FEPASA – Ferrovias Paulistas S. A. -, que absorveu todas as estradas de ferro do Estado, ficando vinculada à Secretaria de Turismo do Governo de São Paulo, uma correta decisão governamental dada à sua natureza específica e seu isolamento em relação à malha das ferrovias estaduais paulistas. Essa decisão oficial contribuiu para que a ferrovia, em 1970, imobilizasse a locomotiva elétrica T-1 para tracionar o teleférico instalado pela ferrovia, na estação terminal de Vila Capivari, interligando-a ao Morro do Elefante. A inauguração da Rodovia Floriano Rodrigues Pinheiro, em 1978, interligando Campos do Jordão à Rodovia Presidente Dutra, obrigou o término do antigo serviço de autotrem, afetando seriamente o tráfego entre

Pindamonhangaba e Santo Antônio do Pinhal. Em 1982, a ocorrência de chuvas torrenciais provocaram a queda de barreiras e levaram à supressão do tráfego, que somente retornou em 1986. Nessa época, a ferrovia recebeu uma série de equipamentos, incluindo uma subestação móvel Siemens, provenientes da supressão da eletrificação nas linhas da antiga Rede Mineira de Viação. O inventário do material rodante da E. F. Campos do Jordão foi elaborado por Kelso Médici, em 1994. 4 automotrizes, numeradas como A-1, A2, A-3 e A-4, de 1924; 3 automotrizes (bondes) numeradas como A-5, A-6 e A-7, recebidas em 1956; 1 automotriz de luxo, numerada com AL1 de 1924; 3 gôndolas, numeradas como G-1, G-2 e G-3, de 1928; 2 vagões, numerados como V-1 e V-2, de 1927. Um racionamento de energia elétrica, verificado entre maio de 2001 e fevereiro de 2002, determinou o corte de circulação de varias automotrizes, obrigando seus usuários a procurarem outros meios de transporte.

Bonde de passageiros.

Bonde de passageiros – elétrico, 1944.

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“A Cidade de Campos do Jordão”, 17 de março de 1968.

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O material rodante da ferrovia, embora antigo, sofre constantes revisões e permanente manutenção, encontrando-se bemdescaracterizado em relação ao seu projeto original, em razão da falta de peças de reposição. As automotrizes fornecidas pela English Eletric tiveram suas caixas reconstruídas em alumínio, sendo atualmente dotadas de ar-condicionado e sistema de som. Além disto, perderam a cabine de comando numa das extremidades, obrigando o uso de viradores para sua reversão.

Bonde Elétrico da Estação Emílio Ribas.

Gôndola puxando a Classinha.

Bonde Elétrico – Vila Abernéssia, 1944.

Vagão de passageiros “Classinha”.

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Desvio a ferrovia para a empresa Incos, em Vila Jaguaribe.

Gôndola fechada.

Gôndola transportando automóvel.

Gôndola com ônibus – desvio da Incos , Jaguaribe, 1959.

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XI Viagem dos Presidentes Carlos de Campos e Júlio Prestes 1. Foi no dia de 21 de dezembro de 1924 que se realizou a viagem inaugural das obras de eletrificação da estrada. Na estação Emílio Ribas, na época denominada estação de Campos do Jordão, foi lavrada uma ata, do seguinte teor: Aos vinte e um dias do mês de dezembro de 1924, chegaram à estação de Campos do Jordão, ponto terminal da Estrada de Ferro desse nome, em viagem inaugural das obras de eletrificação da referida Estrada, os Exmos. Srs. Dr. Carlos de Campos, Presidente do Estado, Dr. Gabriel Ribeiro dos Santos, Secretário da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Dr. José Lobo, Secretário do Interior, Dr. Mário Tavares, Secretario da Fazenda, Dr. Baptista Bueno, Presidente do Senado, General Florindo Ramos, deputado do Distrito, Dr. Teófilo de Souza, diretor de Viação da Secretaria da Agricultura, Dr. José Mascarenhas Neves, engenheiro-chefe da Estrada, Dr. Luiz Marinho de Azevedo, autor do projeto de eletrificação e engenheiro final da obra, Sr. Thomas K. Willianson, representante da The English Eletric Co. Ltd., contratante das obras de eletrificação, diversas pessoas gradas da comitiva presidencial, autoridades civis e militares de São Bento do Sapucaí, à cuja Comarca pertence a Vila de 77

Campos do Jordão e representantes da imprensa. Recebidos na Estação pelas autoridades dessa Vila, e ali reunidos, o Sr. Presidente do Estado declarou inauguradas as obras de eletrificação da Estrada de Ferro Campos do Jordão e aberto ao tráfego o serviço de tração elétrica.77 No documento, foi possível identificar as seguintes assinaturas, dentre outras: João Martins de Melo Júnior, Augusto Marcondes de Azeredo, Eurico Branco Ribeiro, pela Folha da Tarde, Jonas de Moraes Monteiro, o poeta Ribeiro Couto, Pachoal Olivetti, pela subprefeitura, deputado Casemiro da Rocha, eng. Herman Lott Jr., José Antônio Rosa, pela E. F. Central do Brasil, Miguel Teixeira Pinto, J. P. Pimentel, pela Revista Menina e Moça, J. M. Vieira Ferraz, Alexandre Renganeschi, Bernardo Gavião Martins, José da Fonseca Ribeiro, Savanel Amaral Gama, Benedito Marcondes, Benedito Geraldo Oliveira, Santiago Corrêa de Miranda, Cecília de Sampaio, Lili Ribeiro, Carlos Braga, Higino Sabatino, Nicolau Granato, Olimpio Jardim, Antônio Fonseca Mondim, Alfredo Paladino, pelo jornal O Combate, Bernardo Guimarães Romeiro, Alfredo Granato, seguindo-se outras não-identificadas.

Arquivos da Estrada de Ferro Campos do Jordão.

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A estação terminal da ferrovia foi construída por Fonseca Mondim, construtor radicado em Campos do Jordão. A empresa denominava-se Fonseca Mondim e Nascimento. A construção iniciou-se em 3 de abril de 1923, sendo concluída em 7 de julho de 1924. No seu interior foram pintadas gravuras, que, infelizmente, não foram conservadas no correr dos anos. Aplicaram tinta sobre elas. Somente em 20 de dezembro de 1932, o secretario da Viação do Governo de São Paulo veio autorizar a ferrovia a dar a denominação de estação Emílio Ribas, em homenagem ao saudoso médico que tanto trabalhou em prol dessa região.

Passeou por toda a Vila Nova, a Abernéssia como lhe chamavam, em homenagem ao seu primitivo proprietário – o Dr. Robert Reid – e apreciou o largo surto da iniciativa particular, que já a cobriu quase de pequenas vilas, chalés garridos, pensões e hotéis, onde, no momento presente, se abrigam as centenas de doentes que foram a Campos do Jordão beber a saúde nos seus ares puríssimos. Levou a sua minuciosa visita até os estabelecimentos públicos, em construção, como a igreja, o mercado, o clube; penetrou em uma das pensões, alcançou a usina geradora de energia elétrica que ilumina essa parte de Campos do Jordão, e o manancial de água que a abastece e repousou serenamente na casa do 2. A imprensa carioca registrou a visita do próprio Dr. Reid, um velho e grande amigo presidente Carlos de Campos à terra jordanense: de Campos do Jordão. Viu e deteve as insuficiências das acanhadas construções Chegou por fim à Vila Sanitária, em de madeira de Vila Velha (depois denominada Vila Capivari, onde a velha casa da fazenda da faJaguaribe), com a sua modesta ermida, suas ruas soli- mília Pestana se ostenta ainda com o lançatárias, seus frondosos eucaliptos, seus chorões dolentes, mento severo de sua larga fachada, dominanevocando os nomes dos seus quase únicos proprietários – do todo um moderno e impecável arruamento, Dr. Jaguaribe e Sr. Bazin, e na qual, apesar de toda a já grandemente construído de belas vivendas, sua primitiva instalação, milhares de brasileiros encon- entre as quais sobressaí, com suas elegantes traram a saúde e o vigor perdidos. linhas, a residência de Plínio Barbosa Lima. E da estação de Capivari, belíssimo edifício que o carinho do Dr. Mascarenhas Neves soube erguer no ponto terminal dos trilhos, S. Excelência dilatando a vista por todo o largo panorama, teve integral conhecimento do que necessário se tornaria fazer em Campos, para que aquela pérola natural se não viesse a estragar e corromper pela acanhada atuação de certos homens. Tênis Clube, 1934. Pintura de Aldo Astolfi.

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Mas, uma outra e final surpresa estava reservada nesse dia para o seu fino temperamento de artista e administrador. Esperava-o para o almoço na residência do Sr. Roberto Simonsen e, diante dos seus olhos extasiados, iam-se desdobrando novos panoramas em que a natureza soberba se apresentava rejubilante, sob os inteligentes cuidados de uma verdadeira mão de mestre. Foi sob essa tão favorável atmosfera que o atilado espírito do nosso grande Presidente, alçando-se por sobre o geral enfeitiçamento que a todos vinha prendendo, entendeu justo e oportuno declarar aos presentes e em resposta às palmas, com que, em nome dos moradores de Campos do Jordão, o saudava o Sr. Thadeu Rangel Pestana, que à sua ação administrativa de forma alguma escaparia a solução dos problemas dessa admirável estação climatérica, tão procurada pelos paulistas e mais brasileiros, como até já vantajosamente conhecida no estrangeiro. E adiantou, então, sob o júbilo incontido de todos que daria um especial carinho e prestaria um melhor cuidado ao caso de Campos do Jordão, para cujo progresso, acompanhando nisso os esforços de anteriores governos, acabava de trazer o indispensável elemento do transporte, na sua forma definitiva e estável, e do qual prometia, havia de fazer o assunto máximo de seu governo. A hora célere e premente desfez, em breve, com a sua dura exigência, aquela felicíssima tarde de encanto. Mas, todo o resto desse já memorável dia, S. Excia. se preocupou do assunto, enquanto deixava saudoso toda aquela radiante natureza e descia a serra nos confortáveis carros elétricos que vinha de inaugurar em demanda do Vale do Paraíba, onde festivamente o aguar78

dava também a cidade de Pindamonhangaba, ultimamente ligada aos Campos do Jordão pela história, lenda e tradição.”78 Carlos de Campos era filho de Bernardino de Campos, ex-presidente do Estado de São Paulo, foi deputado federal e jornalista do Correio Paulistano. Nasceu em Campinas em 1886, recebendo o grau de bacharel em Direito em 1887, na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Como seu pai, foi ardoroso propagandista da Abolição e da República, advogou de 1887 a 1891, em Amparo, São Paulo. Carlos de Campos dirigiu, várias vezes, o jornal Correio Paulistano e como musicista deixou duas peças líricas: A Bela Adormecida e Um Caso Singular, além de várias composições avulsas, muitas das quais compostas nos versos de Pedras Preciosas, do poeta Luiz Guimarães Filho. 3. Em 8 de outubro de 1927, chegava a Campos do Jordão o presidente do Estado, Julio Prestes. O chefe do executivo paulista fazia-se acompanhar dos doutores Fernando Costa, secretário da Agricultura, Viação e Obras e José de Oliveira Barros, diretor do Serviço Sanitário do Estado. Foram recebidos na estação ferroviária de Campos do Jordão por Manoel Ignácio Romeiro, Cristiano Machado, diretor da ferrovia, Savanel Gama e Nelson Prata. A imprensa pindamonhangabense noticiou: “A viagem correu magnífica, tendo os excursionistas ficado encantados com os lindos panoramas que, em vários trechos da estrada de ferro, tiveram oportunidade de observar.

Jornal do Comércio, de 25 de dezembro de 1924.

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Ao chegar a Abernéssia, a comitiva foi cumprimentá-la. Ali, tomando vários automórecebida pelas autoridades locais, e a popula- veis, os ilustres visitantes percorreram os lução da referida Vila, tendo notícia da chegada gares mais aprazíveis de Campos do Jordão. da comitiva presidencial, acorreu à estação para Às três horas, regressaram a Pindamonhangaba.”79

Inauguração da eletrificação da ferrovia. De chapéu nas mãos o Presidente do Estado, dr. Carlos de Campos. À sua direita o senador Roberto Simonsen. Atrás de bigodes brancos, Thadeu Rangel Pestana.

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“Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, 9 de outubro de 1927.

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XII Evolução da Ferrovia 1. Em 21 de setembro de 1923, o dr. José Carlos de Macedo Soares subiu a serra, anfitreonando d. Duarte Leopoldo e Silva, arcebispo de São Paulo, que vai se restabelecer da moléstia que o reteve no leito alguns dias.80 O eng. José Mascarenhas Neves foi transferido em 1925 para São Paulo, sendo sucedido pelo eng. João Lindenberg Jr., que exerceu o cargo por pouco tempo. Contudo, apresentou ao Governo de São Paulo um estudo para o prolongamento da ferrovia até Paraisópolis, via São Bento do Sapucaí, a fim de permitir a ligação ferroviária com a rede Sul Mineira. Substituiu-o o eng. Cristiano Machado por curto período e, em seguida, assumiu a direção o eng. Orlando Murgel (1926-1937). Em 12 de abril de 1930, em Pindamonhangaba, foi constituída a Associação Atlética Ferroviária, integrada pelos seguintes sócios fundadores: Gabriel A. Passos Pereira, Moacir Lopes Coelho, Lídio Cândido Amorim, Antônio Martins, Tobias Salgado, Benedito Catarino, José Pereira dos Santos, Jacinto Gomes, Benedito de Almeida César, José Prolungatti Filho, Benedito Pires, João Alves dos Santos, Nelson de Oliveira Prata, Benedi80

to Giorgio, João Vieira Eyherabide, Olímpio Jardim e Antônio de Pádua Costa. A A.A. Ferroviária montou uma excelente equipe de futebol, que chegou a alcançar a terceira divisão de futebol no Estado. Muitos atletas, bons de bola, acabaram sendo admitidos como servidores da ferrovia, passando a ser também bons funcionários. A fundação ocorreu no edifício do Clube Literário, presentes vinte e um funcionários das estradas de ferro Central do Brasil e Campos do Jordão, sob a presidência do sr. Moacyr Lopes Coelho, secretariada pelo sr. Gabriel Passos Pereira. Foi aprovada a denominação da entidade por propostas de Lydio Cândido Amorim. A primeira diretoria foi constituída pelo dr. Orlando Murgel (presidente); Nelson Oliveira Prata (vice-presidente); Carlos Ferreira (1º secretário); Moacyr Lopes Coelho (2º secretário); Antônio Pádua Costa (tesoureiro); Lydio Cândido Amorim (diretor esportivo). Por aclamação, foi eleito Savanel Amaral Gama como presidente honorário. Nos anos de 1930, os moradores e doentes de Campos do Jordão tinham à sua disposição para recreio o Chinematógrafo Jandyra,

“Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, 14 de outubro de 1923.

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situado em Vila Abernéssia, nas imediações da estação Abernéssia. Ali exibiam-se filmes, realizavam-se bailes de carnaval e reuniões de entidades da nascente estância, constituindo um dos poucos divertimentos da população doente e sadia. Era um casarão de alvenaria, cujo terreno fora doado por Robert John Reid, fundador de Vila Abernéssia, que condicionou a doação a que se desse à casa de espetáculos o nome de sua filha Jandyra. Em 1931, para atender os usuários do Chynema Jandyra, os bondes da E. F. Campos do Jordão partiam da Estação Emílio Ribas, em Vila Capivari, às 8h30 com destino à Vila Abernéssia, retornando às 23h15, quando terminavam as sessões. Em 11 de dezembro, Waldemar J. Deus requeria à diretoria, como arrendatário do cinema, que os bondes circulassem as quintasfeiras e domingos. Em 11 de maio do ano seguinte, o novo arrendatário, Nestor B. Brito, solicitava o restabelecimento dos horários às quintas-feiras e aos domingos, com partida de Vila Abernéssia às 23 horas e a tolerância de 15 minutos. Reclamava, contudo, que ao término das sessões, os bondes já haviam partido, sem aguardar o final. Por algum tempo, os horários foram interrompidos, em 31 de dezembro de 1932, às quintas-feiras, em virtude do baixo movimento de passageiros; mas, em 1º de junho de 1932, o novo arrendatário Souza, Carvalho e Cia. solicitava o restabelecimento dos horários, o mesmo ocorrendo com a empresa Pedro Paulo e Cia. que, em 3 de abril de 1935, pleiteava o tráfego de bondes à noite para atender os moradores das Vilas Jaguaribe e Capivari e, para

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evitar possível prejuízo à estrada, o empresário garantia à estrada pelo menos a metade da lotação do bonde. O diretor Orlando Murgel atendeu ao pedido, mas, em 5 de junho de 1935, determinou a suspensão do tráfego às quintas-feiras durante o inverno e o seu restabelecimento apenas em 6 de agosto de 1935. Em 22 de março de 1934, a diretoria havia comunicado ao secretário da Viação Francisco Machado de Campos a criação, a título experimental, de um trem em correspondência com o expresso da E. F. Central do Brasil, que partia de Pindamonhangaba às 6h43, chegando na Estação Norte, em São Paulo, às 11h50. Sugeria também a criação de outro trem aos sábados, vésperas de feriados, segundasfeiras e dias seguintes aos feriados com passagem de ida e volta, em regime de excursão, com abatimento de 25% no preço do bilhete. Se aprovada a sugestão, dever-se-ia dar conhecimento à imprensa e ao Touring Club de São Paulo. No período compreendido entre 1938 e 1941, foi possível localizar numerosas solicitações do Grêmio Recreativo Artístico Jordanense, pedindo o estabelecimento de horários noturnos de bondes, em virtude de apresentações teatrais no Chynema Jandyra.

Cine Jandyra,1933 – Vila Abernéssia.


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A partir de 1941, esses subúrbios para as Vilas Jaguaribe e Capivari passaram a ser feitos para servir Campos do Jordão Cine Clube Ltda., porque o Chynema Jandyra fora desativado e inaugurado o Cine Glória, em 1º de janeiro de 1943. Por força do Decreto nº 4.595, de 17 de maio de 1929, a estrada passou a integrar a Secretaria de Viação e Obras. Na gestão do engenheiro Orlando Drumond Murgel foi dinamizado o tráfego, por meio da criação dos serviços de subúrbios, quando se obteve o primeiro resultado financeiro satisfatório. Criou a Caixa de Aposentadoria e Pensões e foi o responsável pelo início da construção da estrada que liga a estação Eugênio Levrève a Santo Antônio do Pinhal, Pinhal, Rio Preto, Ponte Nova, Sapucaí-Mirim e São Bento do Sapucaí. Essa estrada seria construída pela ferrovia, visando promover o tráfego mútuo rodo-ferroviário com as cidades mineiras da região, ricas de produção agropastoril. Ainda nessa época foi instituído o tráfego mútuo com a E. F. Central do Brasil, em 1931, que, posteriormente, se estendeu a todas as ferrovias ligadas à Contadoria Geral dos Transportes. Construiu casas para funcionários em Pindamonhangaba e em Campos do Jordão e foi sua a idéia de transportar automóveis em gôndolas, o que começou a operar em 1934. Planejou a construção do Núcleo de Ensino Ferroviário, em Pindamonhangaba, definitivamente instalado em 1936, onde a ferrovia edificou instalações próprias para o curso de formação profissional, mantido até a década de 1960. Em 20 de julho de 1936, o dr. Roberto Mange, diretor do Centro Ferroviário de São

Paulo inaugurou a Oficina de Aprendizado do Curso Ferroviário, mais tarde, substituído pelo Núcleo de Ensino Ferroviário, em 1945, que recebeu a denominação de Bicudo Leme. Em 1937, o diretor Orlando Murgel foi substituído pelo eng. Altair Branco, que deu prosseguimento à construção de casas de funcionários ao longo da linha férrea em Pindamonhangaba e, em 5 de fevereiro de 1942, foi nomeado o eng. Hugo Sterman, que permaneceu no cargo por breve tempo, dando continuidade às obras de seu antecessor. Em 20 de janeiro de 1944, o eng. Agenor Ferreira assumiu a diretoria da E. F. Campos do Jordão, permanecendo no cargo até 24 de janeiro de 1947. Em fase de pós-guerra, a sua gestão foi marcada por grande contenção de despesas, período durante o qual a ferrovia passou a fabricar enrolamentos de bobina de induzido dos motores e bobinas auxiliares de campo. Em razão da pequena expressão demográfica de Campos do Jordão, em 1944, foi relevante a contribuição da cidade à FEB – Força Expedicionária Brasileira, durante a Segunda Guerra Mundial. A estância contribuiu com Antônio Bento de Abreu (morto em Montese, na Itália), José Garcia de Melo (Zé Giló) e Vicente Francisco de Paula, que retornaram ao Brasil. Em maio de 1945, havia terminado o grande conflito mundial. Houve festas em Campos do Jordão, as pessoas confraternizaram-se nas vias públicas e a sessão do Cine Glória foi interrompida, aparecendo na tela a fantástica notícia: A Guerra Acabou! As luzes acenderam, os espectadores levantaram-se e gritos e lágrimas de alegria eclodiram entre o público, começando intenso foguetório.

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As autoridades municipais começaram a preparar uma festiva recepção ao expedicionário Vicente Francisco de Paula, que chegou a Vila Abernéssia, transportado por automotriz da E. F. Campos do Jordão, em setembro de 1945. Um grande painel foi construído por Carlos Barreto e montado no centro de Vila Abernéssia. As escolas foram convocadas para o grande desfile e no pátio da estação Abernéssia erigiuse um palanque para receber o pracinha Vicente Francisco de Paula. Infelizmente, José Garcia de Melo, hospitalizado em São Paulo, não pôde viajar naquele dia e Antônio Bento de Abreu falecera no campo de operações em Montese, na Itália. Quando a automotriz da ferrovia foi ingressando na estação ferroviária, uma grande

emoção tomou conta do povo jordanense. Todo o comércio cerrou as portas e alunos e atletas ficaram perfilados quando Vicente Francisco de Paula desembarcou na estação de Abernéssia, subindo ao palanque armado no pátio, onde foi homenageado por todas as autoridades municipais. Em 23 de maio de 1947, assumiu a direção da E.F. Campos do Jordão o eng. Francisco de Assis Pacheco Borba, permanecendo no cargo apenas nove meses, sendo substituído pelo eng. Eynaldo Ramos, que dirigiu a ferrovia ao longo de oito anos, de 1947 a 1955. Em sua gestão foram contratados os serviços da Erickson do Brasil Comércio e Indústria para o fornecimento de materiais e mãode-obra de serviços telefônicos de São Bento do Sapucaí, Santo Antônio do Pinhal, SapucaíMirim e Monteiro Lobato.

Inauguração do serviço telefônico em Vila Abernéssia.

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Iniciou-se os estudos para o prolongamento da via férrea até Barreira, distante quatro quilômetros de São Bento do Sapucaí, na divisa de Minas Gerais, onde pretendia fazer o entroncamento com a Rede Mineira de Viação. Foi no governo de Adhemar de Barros que os estudos se iniciaram, pretendendo interligar a estação Eugênio Lefèvre a Paraisópolis, em Minas Gerais, passando pelas cidades de Santo Antônio do Pinhal, Sapucaí-Mirim, São Bento do Sapucaí até atingir Paraisópolis. O projeto previa posterior ligação com Ubatuba, no litoral Norte. Os trabalhos de locação do traçado chegaram até a localidade de Rio Preto, com a construção de um quilômetro do traçado, mas os serviços paralisaram por falta de verbas. Nessa gestão, contudo, substituíram-se os postes de madeira por outros de ferro.

Em 8 de março de 1955, assumiu a diretoria o eng. Cristóvam de Monfort Ivancko, que permaneceu no cargo apenas sete meses, sendo substituído pelo eng. Henrique Otajano (1955 – 1962), cujo nome ficou ligado à inauguração do serviço telefônico automático de Campos do Jordão. Em outubro de 1957, foi inaugurado um novo tipo de viagem rodo-ferroviária – quando a ferrovia começou a transportar ônibus em gôndola, como forma de incremento ao turismo. Em 30 de março de 1962, assumiu a diretoria o eng. Jocelyn de Souza Melo (1962 – 1965), que permaneceu no cargo até 28 de janeiro de 1965, desenvolvendo excelente trabalho na recuperação da ferrovia. O eng. Lannes Laio Moor Oliveira assumiu a direção da estrada em 1º de fevereiro de 1965, em cuja gestão foi inaugurada a linha de transmissão

Transmissor de energia elétrica – Usina Santa Isabel, Telefônica, Pico Itapeva, 1960.

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do Pico do Itapeva, de dez quilômetros, com 13.220 volts, ligando a Usina de Santa Isabel, da Light, ao Pico do Itapeva, destinada a fornecer energia elétrica às estações de comunicação e retransmissores de televisão, quando contou com a inestimável cooperação de Marcos Damas Caldeira, dedicado servidor da ferrovia. Iniciou a construção de automotriz de luxo nas oficinas da ferrovia, além de trens de carga, e empreendeu esforços para a substituição na estação conversora de Eugênio Lefèvre de moderno equipamento. Deu início também à implantação de um sistema Carrier com quatro canais, aumentando para seis circuitos telefônicos os existentes entre Campos do Jordão e São Paulo.

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Propôs novamente ao Governo do Estado a extensão da linha férrea do quilômetro 28 da ferrovia, em Eugênio Lefèvre, por meio do Vale do Sapucaí, passando por São Bento do Sapucaí e penetrando em Minas Gerais, de modo a alcançar a ponta dos trilhos da Rede Mineira de Viação, em Paraisópolis. O eng. Lannes Laio Moor Oliveira projetou a instalação de duas subestações elétricas, com capacidade para 1.000 kws, com 1.500 volts na estação Expedicionária e na Parada São Cristóvão, em Campos do Jordão, investindo, intensamente, na melhoria da via permanente, com o empedramento e troca de dormentes.


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XIII Núcleo de Ensino Ferroviário Anotamos alhures que, em 26 de julho de 1936, o dr. Roberto Mange, diretor do Centro Ferroviário de São Paulo, inaugurou, em Pindamonhangaba, a Oficina de Aprendizado do Curso Ferroviário, mais tarde, substituída pelo Núcleo de Ensino Profissional, por força do Decreto Estadual nº 14.550, de 21 de fevereiro de 1950, que extinguira a denominação anterior. O Núcleo, desde 1948, operava sob a manutenção exclusiva da Estrada de Ferro Sorocabana e, a partir de 1963, em regime de cooperação, pelo Departamento de Ensino Profissional da Secretaria da Educação do Governo de São Paulo. Com o advento da Lei Estadual nº 1.742, de 9 de setembro de 1952, de autoria do deputado André Broca Filho, a unidade passou a denominar-se Núcleo de Ensino Ferroviário Dr. Bicudo Leme. Ocorre que, em 21 de novembro de 1967, em virtude dos entendimentos havidos pela diretoria da ferrovia com o Departamento de Ensino Profissional, da Secretaria da Educação, a Secretaria dos Transportes, à qual a ferrovia estava na época vinculada administrativamente, e em vista da existência da Lei Estadual nº 8.937, de 27 de agosto de 1965, o eng. Adolpho Fernandes Araújo, diretor da Estra-

da de Ferro Campos do Jordão, baixou a Circular nº 38-R/67, transformando o Núcleo de Ensino Ferroviário Bicudo Leme em Ginásio Industrial, a partir do ano letivo de 1969, quando se formou a derradeira turma dos alunos do Núcleo. A instituição modelar, ao longo de trinta e três anos de inestimáveis serviços, prestou relevante contribuição na área da educação à juventude de Pindamonhangaba. Posteriormente, o Decreto Estadual nº 51.968, de 30 de maio de 1969, criou o Ginásio Industrial Estadual de Pindamonhangaba, para funcionar subordinado ao Departamento de Ensino Técnico da Secretaria da Educação. Devido à carência de recursos orçamentários e humanos para garantir a continuidade do funcionamento do Núcleo de Ensino Fer-

Sede da E. F. Campos do Jordão em Pindamonhangaba.

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roviário, o novo Ginásio Industrial criaria uma nova estrutura de ensino, de maior abrangência educacional. Em decorrência da evolução dos fatos, em 19 de novembro de 1969, o diretor Durival de Carvalho solicitou ao secretário dos Transportes, eng. Firmino Rocha de Freitas, a extinção do Núcleo de Ensino Ferroviário Bicudo Leme, em decorrência mesmo da edição do Decreto nº 51.968, de 30 de maio de 1969, que criaria o Ginásio Industrial Estadual de Pindamonhangaba, operando suas atividades no prédio e instalações do núcleo desativado. Em 28 de junho de 1979, o diretor Hélio Marcondes Consolino, pleiteou junto ao secretário de Esportes e Turismo Otávio Celso de Oliveira a imediata devolução do prédio, onde funcionava o Ginásio Industrial, administrado pela Secretaria da Educação de São Paulo, manifestando o propósito de reativar as atividades do Núcleo de Ensino Ferroviário no aludido prédio, naquele tempo sem qualquer utilização. O eng. Arthur Ferreira dos Santos, que então administrava a Estrada de Ferro Campos do Jordão, em 30 de janeiro de 1992, solicitou ao secretário da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, Luiz Carlos Delben Leite, a recriação do Núcleo, aproveitando para as aulas teóricas as instalações e o prédio já existentes, e as oficinas da ferrovia para as aulas práticas. Em 10 de março de 1993, o referido diretor reiterou ao secretário de Esportes e Turismo, Valdemar Coraucci Sobrinho, a reativação do Núcleo. Simultaneamente, solicitou a transferência da Inspetoria de Esportes e Recreação, que funcionava no prédio, para outro próprio da ferrovia, de modo a harmonizar a con-

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tinuidade da inspetoria e a reativação do Núcleo de Ensino Ferroviário. Em 1995, passou a funcionar no prédio do Núcleo desativado a E.E.P.G. São Judas Tadeu, por algum tempo, até a sua transferência para outro prédio da Secretaria da Educação, voltando o imóvel a permanecer novamente sem qualquer utilização. O diretor Jarmuth de Oliveira Andrade, em 2005, com o apoio e cooperação do prefeito João Antônio Salgado Ribeiro, de Pindamonhangaba, autorizou o funcionamento da FATEC – Faculdade de Tecnologia na Área da Metalurgia – criada pelo governador Geraldo Alckmin Filho, a funcionar nas instalações do Núcleo, até que fossem construídas as novas instalações da FATEC. Portanto, a partir de 2006, em parceria com o Governo do Estado e a prefeitura municipal de Pindamonhangaba, a E.F.C.J. cedeu as dependências do antigo Núcleo de Ensino Ferroviário Bicudo Leme para a implantação da Faculdade de Tecnologia na área da metalurgia, visando atender a grande demanda nessa especialização, área de interesse para o mercado de trabalho das indústrias instaladas em Pindamonhangaba. Entretanto, dado o elevado investimento a ser realizado no prédio do Núcleo, a FATEC preferiu instalar-se no Instituto João Gomes de Araújo, cujas instalações se revelaram mais apropriadas para abrigar a referida Faculdade de Tecnologia. Mencionou Luiz Carlos Loberto em seu livro Homenagem a Pindamonhangaba, de 2006, alguns dos diretores do Núcleo de Ensino Ferroviário Bicudo Leme, a saber: Francisco Galvão Freire, Paschoal de Muzio, Agenor Ferreira, Rubens de Faria e Souza, Rubens Zamith, Péricles Homem de Melo, Licínio Derrico


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Moreira, Déa Aparecida D’Alessandro, Jarbas Homem de Melo e tantos outros. Dezenas de profissionais formaram-se na modelar instituição de ensino, ao longo de sua existência, os quais, depois de aposentados, continuaram a prestar serviços à comunidade pindamonhangabense nas áreas de sua especialidade. Em 1956, o Núcleo, contando com 20 anos de existência, já havia formado 130 profissionais, sendo trinta deles admitidos pela ferrovia. O próprio diretor da ferrovia, Waldir Rodrigues é oriundo daquela modelar escola de ensino. Intentou o ex-aluno e agora diretor da ferrovia, obter junto ao Governo de São Paulo o aproveitamento do prédio desativado do Núcleo em um Centro de Treinamento e Capacitação Profissional de serviços da Secretaria de Esportes e Turismo na formação de mão-de-obra especializada.

A tentativa foi infrutífera, pois, pelo Decreto Estadual nº 51.090, de 4 de setembro de 2006, o governador Cláudio Lembo destinou à Secretaria de Segurança Pública a administração do prédio do antigo Núcleo de Ensino Ferroviário Bicudo Leme, para ali ser instalada uma unidade de Polícia Militar do Estado de São Paulo, da Secretaria de Segurança Pública. Infelizmente, sequer a ferrovia foi ouvida... Em 5 de setembro de 2006, dia imediato à publicação do Decreto nº 51.090/06, o diretor Waldir Rodrigues oficiou ao secretário de Turismo, Fernando Longo, manifestando a contrariedade da ferrovia, que viu fr ustrada a instalação do Centro de Capacitação e Formação Profissional, unidade que traria incomensuráveis benefícios às empresas sediadas em Pindamonhangaba, com apreciável retorno financeiro aos cofres da ferrovia.

Oficinas da ferrovia em Pindamonhangaba.

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Estação da ferrovia em Vila Abernessia.

Auto de linha da ferrovia.

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XIV Revolução Constitucionalista de 1932 1. Situando-se próximo à trainway elétrico de montanha divisa de Minas Gerais, Camligando Pindamonhangaba ao pos do Jordão assistiu em seu alto da serra, de reduzida capaterritório a ação dos soldados cidade de transporte. constitucionalistas, durante a Viviam, então, os habitantes Revolução de 1932. em preocupações constantes de como Francisco de Paula Machaagir em caso de eventual evacuação do de Campos, filho do dr. Franda área, dependendo, exclusivamencisco Machado de Campos, que te, do transporte da Estrada de foi delegado técnico em CamFerro Campos do Jordão (...) Quanpos do Jordão, durante a guerra do a Revolução Constitucionalista paulista escreveu: “Com a eclosão terminou em fins de setembro e as da Revolução Constitucionalista, toda tropas começaram a retornar ao Cartaz convocando os a região da Mantiqueira, nas viziVale do Paraíba, os batalhões estapaulistas para a luta. nhanças de Minas Gerais, transforcionados em Campos do Jordão fomou-se em verdadeira frente de guerra, e, portanto, em ram subitamente atacados por contingentes vindos de estado permanente de sobressalto. Minas e a via de saída para o Vale então utilizada Ao passar dos dias, em que as tropas avan- foi uma trilha utilizada na montanha, uma vez que çavam pelo Vale do Paraíba e outras direções não funcionava a ferrovia.” 81 Em 13 de junho de 1932, o diretor Orlando das divisas do Estado, o acesso das várias regiões fronteiriças do Estado, como Campos Drumond Murgel recebia determinação da Sedo Jordão, tornaram-se motivo de sérias preo- cretaria de Viação e Obras Públicas, em face de cupações militares e nesta última cidade, um eclosão da Revolução Constitucionalista, para que conjunto de vilas que, na época, abrigavam todos os funcionários da ferrovia licenciados parcela importante de doentes em tratamento retornassem aos seus postos e que os servidores, e se mostrava apreensiva pelo fato de estar na que já haviam sido inscritos nos batalhões patridependência de um único meio de acesso: o otas, não tivessem prejudicados os seus direitos. 81

“História de Campos do Jordão”, de Pedro Paulo Filho, Santuário, Aparecida, 1986.

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Solicitava também a relação dos que se incorporaram e dos que partiram para a zona de operações militares como voluntários. Em 27 de julho, os funcionários da Administração, Contabilidade, Tráfego, Locomoção, Tração, Linhas Aéreas, Elétricas e Telefônicas oficiaram ao diretor, emprestando sua solidariedade. Em 23 de agosto, o diretor Orlando D. Murgel pedia autorização para que os funcionários Carlos Ferreira, Antônio de Pádua Costa, Hamilton Athaide Marcondes, João Vieira Eyherabide, Mario Mendes de Freitas, Antônio Martins de Almeida, Saturnino César de Almeida, Gilberto César, Manoel José Baía, Adriano de Oliveira e José Luiz Bicudo incorporassem ao batalhão da cidade de Pindamonhangaba, lembrando, porém, que o afastamento de qualquer deles prejudicaria os serviços ferroviários. O diretor esclareceu que apenas haviam se afastado dos serviços os servidores Herculano de Aquino, Alceu Lopes Ribeiro, Tobias Salgado e José Borges. Antônio Augusto de Barros Penteado era o delegado técnico de Pindamonhangaba. Em 19 de agosto de 1932, o diretor oficiou à Secretaria de Viação que todos os funcionários da ferrovia, sem exceção, contribuíram com um dia de vencimentos para a aquisição de capacetes de aço destinados a proteger os soldados constitucionalistas. Atendendo às sugestões do dr. Ayres Neto, chefe dos serviços médicos das tropas em operação, a ferrovia adaptou um dos carros elétricos de carga para o transporte de feridos, com oito leitos, sendo dois a dois sobrepostos e duas padiolas e uma mesa. Era comandante do setor São Bento do Sapucaí-Campos do Jordão o capitão Osvaldo Borba.

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As requisições foram muitas: em 21 de outubro de 1932, o cel. Mario Abreu, comandante das forças em operação do Vale do Paraíba, requisitou uma composição, com toda urgência, para transportar uma companhia de 120 homens para Campos do Jordão; em 16 de junho, foi requisitado um canhão, em bom estado, por ordem do dr. Domício Pacheco e Silva, chefe dos transportes das forças em operação em Lorena; em 7 de julho de 1932, um bate-estacas para a cidade de Guaratinguetá; telefones, em Campos do Jordão, Santo Antônio do Pinhal e São Bento do Sapucaí; material de construção, em São Bento do Sapucaí, em 7 de agosto de 1932; material telefônico ao dr. Machado de Campos, em Campos do Jordão, e picaretas, cabos e pás ao Batalhão Piratininga na mesma cidade, em 28 de julho de 1932; telefones aos drs. Matias Costa e Machado Campos, em 22 de julho de 1932, em Campos do Jordão. O dr. Machado Campos era o Delegado Técnico de Campos do Jordão e F. Nogueira Lima, o delegado militar. Na ausência de seus proprietários, foram retirados os aparelhos telefônicos, em 2 de agosto de 1932, dos doutores Alexandre Machado, Amador Lino do Prado e Antônio da Silveira Correia. O auxiliar da diretoria técnica de Campos do Jordão era o dr. Aristides de Souza Mello. Foram encaminhados a São Bento do Sapucaí, em 10 de agosto de 1932, dez metros de estopim, seis bananas de dinamite, seis espoletas e 100 metros de fio flexível. A ferrovia contribuía com a Revolução Constitucionalista. O armazém da estrada guardava os gêneros destinados aos soldados, sendo fiel o funcionário Antônio Martins, em agosto de 1932.


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Em 31 de agosto, a estrada fez os serviços de reparação e adaptação de uma metralhadora em autocanhão destinado à Lorena. Em 6 de setembro, o delegado de Polícia oficiava ao agente da estação, Emílio Ribas, para não fornecer passes a pessoa alguma destituída de salvo-conduto e que, aqueles fornecidos por autoridades de outros municípios, deveriam ter o visto da Delegacia de Polícia de Campos do Jordão. Em 14 de setembro, a estrada oficiou ao capitão Rômulo Resende, comunicando que concedera gratuidade para as ligações telefônicas solicitadas pelas Forças Constitucionalistas até cinco minutos. Em 20 de setembro de 1932, foi requisitado e retirado o telefone de Gastão Vidigal em Campos do Jordão, para ser instalado no Centro Telefônico de Campos do Jordão.

Inauguração do Serviço Telefônico da EFCJ pelo secretário Márcio Porto do governo de São Paulo.

Inauguração da Telefônica da EFCJ, 1955.

2. Contou Orígenes Lessa, consagrado escritor brasileiro, suas memórias como integrante do Batalhão Piratininga, em suas andanças por Campos do Jordão. O livro foi escrito quando se achava preso na Ilha Grande. Contou que os soldados dos 7º e 9º pelotões dormiam na plataforma da Estação de Pindamonhangaba, com ordens para marchar para Itajubá, onde se juntariam com a coluna Pietscher, que caminhava no mesmo sentido. Logo saíram de Pindamonhangaba, desembarcando em Eugênio Lefèvre, estação intermediária, em viagem entrecortada de passagens deslumbrantes. O autor cita que seus companheiros, entre outros, eram Henrique Bayma, Marcelino de Carvalho, Paulo Camargo e Diedericsen. Contava que 1.500 homens já cercavam Itajubá e a impressão era a de que o combate seria violento. Houve uma contra-ordem: voltar para Pindamonhangaba, pois Itajubá já fora tomada. Chegaram de retorno a Taubaté. De repente, o tenente Bond, informou: – Vamos voltar para Campos do Jordão, pois Itajubá não foi tomada! Pela meia-noite, novamente, em Pindamonhangaba, amontoamo-nos, cento e tantos ho-

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mens num bondinho de Campos do Jordão. Há gente por baixo e por cima dos bancos... às 4 horas da manhã estamos em Vila Fracalanza. – Queríamos uma linha de fogo, mandaram-nos para a linha de frio! – protesta uma voz no escuro, no caminho do Instituto Dom Bosco.” 82 Visitaram Abernéssia. As refeições, à hora certa. Receberam os soldados algumas visitas do pessoal da cidade. À noite, um rebate falso: – Mineiros à vista! Formaram-se os pelotões, saem patrulhas de reconhecimento. Nada! Na manhã seguinte, na linguagem pitoresca dos companheiros, vamos ocupar Vila Jaguaribe. Abernéssia não deu nada. Lá chegando, o Capitão Rômulo, capitão do setor, distribuiu forças para a ocupação dos morros que dominam as estradas de Minas.

Depois de informações recebidas, verificouse que por ali não haveria qualquer perigo. O perigo é em Capivari, a mais próspera da região, para onde deveremos seguir no outro dia. “Descemos os morros. Voltamos à vila. Conseguimos alojamentos. Uma velha casa de madeira, sem luz para o 4º pelotão. Um quase bangalô para o 7º. Só pela dezesseis horas do dia 25, tomamos Vila Capivari. Sempre à espera de ordens (...) Sentimos a inutilidade da nossa permanência em Campos do Jordão. Era uma humilhação, uma vergonha que sentimos. Enquanto os outros lutam, dois pelotões do Piratininga ficavam ali, novos quixotes, enfrentando horizontes, afrontando a ameaça do inimigo, justificando, afinal, a fama antecipada de tropas para manifestações cívicas.

Constitucionalistas de 32 no Sopé do Morro do Elefante, em Campos do Jordão.

82

“Não há de ser nada”, de Orígenes Lessa, Cia Editora Nacional, São Paulo.

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Os 7º e 9º pelotões do Batalhão Piratininga deixavam Campos do Jordão, em agosto de 1932, no rumo de Cachoeira Paulista, e no Vale do Paraíba enfrentaram graves e sangrentos conflitos, que revelaram o ânimo forte e a coragem de seus combatentes.” Contou o dr. Paulo de Almeida Salles, do Batalhão Piratininga, constituído de estudantes da Faculdade de Direito e da Escola Politécnica, que chegou a Campos do Jordão, pela ferrovia, onde permaneceu 20 dias. Na estância, acamparam sob os pinheirais, sofrendo intenso frio. Lembrou de alguns companheiros como Paulo Duarte, Henrique Bayma, os irmãos João e Ademar Almeida Prado, Wilson Almeida Prado, os irmãos Sotello, Orígenes Lessa e Mario Donato. Também Alfredo Mesquita relatou que se incorporou ao Batalhão de Voluntários Piratininga, que foi logo apelidado de Batalhão “Pó de Arroz”, por ser constituído de rapazes das famílias tradicionais de São Paulo. Relatou: “Ainda em Quitaúna, tomamos um trem para Campos do Jordão. Viagem gloriosa! Em cada estação, o nosso trem parava, eram todas, creio, do Vale do Paraíba, e éramos recebidos festivamente.

Todos nós já nos considerávamos verdadeiros heróis aos 20 anos. Assim, após a baldeação em Pindamonhangaba, chegamos a Campos do Jordão. Exaustos, o entusiasmo um tanto esmorecido, a cantoria também. Parando o trem em Abernéssia, alguém pergunta: – Que é que a gente veio fazer aqui? Um rapaz já meio maduro, metido a besta, respondeu em tom solene: – Vamos guarnecer uma estrada que será margeada por cruzes de madeira ou por uma cruz de glória. – Vá à ... Isto não é hora de fazer literatura barata, seu ... Não aconteceu nem uma coisa nem outra, é claro. Em todo o caso, ali desceu e permaneceu parte do batalhão, enquanto o resto, sem ter sequer autorização para baixar ao cais da estação para esticar as pernas, voltava a descer a serra.” 83 Outro soldado constitucionalista, José Benedito Bicudo Jr., contou que, em 14 de julho de 1932, estava na estação de Pindamonhangaba e tinha missão em Campos do Jordão. Vamos uns 12. Não há tempo a perder. Às 3 horas da tarde, embarcamos numa gôndola da Estradinha e partimos.

Vila Capivari, 1935.

Vila Abernéssia, 1937.

83

“Memórias de Guerra”, em “O Estado de São Paulo”, de 9 de julho de 1982.

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Levamos fuzis com armamento. Aos solavancos, o bondinho vai subindo a serra. Faz frio e não temos agasalhos (...) No Lageado, o frio aumenta. Há gente batendo o queixo e esfregando as mãos, chegamos em Abernéssia no entardecer. Frio de doer... o mês de julho em Campos do Jordão é de amargar... Na estação, muita curiosidade. Alguns olham para a gente com ar de pouco caso, como quem diz em pensamento: “No primeiro tiro, correm todos...” Há moças querendo namorar soldados. A gente vai se ajeitando, chegando até a combinar encontros para depois do jantar. A guerra começou assim gostosa, até que o tenente João Baptista Prado mandou que a turma se reunisse e subisse num caminhão.” Continua Bicudo Jr. seu relato: “Prosseguimos na patrulha sem maior novidade até o dia raiar.

O tenente foi à Abernéssia para falar com o Q. G. e trouxe novidade: vinha de Pindamonhangaba uma Companhia do Batalhão Acadêmico para nos substituir. Assim, quase mortos de frio, sem disparar um tiro, deixamos Campos do Jordão. Na estação, pouca gente. Moça nenhuma. Há muito já havia aprendido que mulher bonita não se levanta cedo... A nossa gôndola cruzou no Piracuama com dois carros que levavam a Companhia do Batalhão Acadêmico. Os mocinhos bonitos do Batalhão – apelidado de pó de arroz – riram da gente. Eles tão bem fardados, tão arrumadinhos, tão barbeados e perfumados, tão bonitinhos, cheios de cobertores e suéteres dados pelas fãs, enquanto nós éramos naquele momento um bando mal fardados, sujos e sonolentos. E continuavam a rir da gente, enquanto partiam com os fuzis enfeitados de rosa e lenços brancos do pescoço, coloridos de batons pelas moças de Pindamonhangaba.

Mercado Municipal, 1924.

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Guerra é assim meiro exala bacilo mesmo...” de Kock e o segunEduardo Moreira do não. da Cruz contou-nos, O tenente asem 1974, episódio cusustou-se e, querioso sobre a Revolurendo tomar café, ção Constitucionalista pediu a Eduardo de 1932... que o orientasse, Dizia que após a tendo o militar enMercado Municipal, 1924. retirada das tropas de caminhado ao bar São Paulo, aquarteladas em Campos do do Manoel Pereira Alves, no Mercado MuniciJordão, um belo dia, a cidade amanheceu pal. abalada com notícias alarmantes de que as Mas, advertiu: tropas mineiras estavam prestes a invadir a – O senhor não tome nada em copo ou cidade. xícara. Peça copo higiênico. A população deixou as vilas, apavoradas, – E os armamentos? rumando para os lados de Vila Inglesa e, à – Não temos. noite, o local apresentava o aspecto de gigan– E alimentos? tesco acampamento. – Não temos. O pouco de que dispomos, Tudo não passava de boato e logo todos vamos distribuir aos pobres. retornaram às suas casas. Desvencilhou-se do tenente, e mais do que Ante a onda de boatos de invasão de tro- depressa, chamou os oficiais da Prefeitura, depas mineiras, Eduardo procurou guardar no terminando-lhes que trouxessem, rapidamente, Sanatório São Paulo uma grande quantidade para o pátio da Estação Abernéssia, todos os de alimentos e bem assim no Preventório Santa pobres da favela para distribuição de alimentos. Clara, locais onde seria pouco provável que Pouco mais de uma hora, reunia-se uma fossem procurados. enorme legião de pessoas paupérrimas e mal Os federais chegaram pela estrada dos vestidas no pátio, quando Eduardo lhes disse: Barrados a Campos do Jordão, quando os – Olha, minha gente, quando o tenente paulistas já haviam sido derrotados, eram um chegar daqui a pouco, vocês comecem a tossir tenente e dezesseis praças, com farda da União. e a gemer. Se vocês não fizerem assim, o teO tenente logo perguntou onde era o Pos- nente vai levar todos os alimentos embora. to Policial, já com arma em punho, ao que Não vai sobrar nada para vocês! Eduardo pediu que a guardasse, alegando ser Quando o tenente legalista chegou e viu pacífico. aquele quadro dantesco, empalideceu, coloIndagado a responder sobre as condições cou o lenço no rosto e manifestou o propósito da cidade, Eduardo respondeu que, quem não de partir imediatamente, pois todo mundo era tuberculoso, era tísico. tossia e escarrava no chão. Qual a diferença? – perguntou o tenente. Aí, Eduardo, sentindo-se vitorioso, apro– Eu mesmo já fui doente, tenente. O pri- veitou:

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– Mas, tenente, o senhor não pode partir, sem assinar um documento de que está tudo em ordem em Campos do Jordão. O tenente vacilou e Eduardo pediu ao secretário da Prefeitura, Antônio Augusto Conceição, que redigisse o termo. À assinatura, o tenente da União demonstrou receio de contágio da tuberculose, mas

assinou com a própria caneta. Com seus soldados, deixou, rapidamente, Campos do Jordão. Eduardo Moreira da Cruz contava o episódio com grande humor e terminava com uma gostosa gargalhada: – Também pudera! Todo mundo naquela terra era tuberculoso! 84

Grupo de turistas na Estação Emílio Ribas, foto da década de 1930.

84

“História de Campos do Jordão”, de Pedro Paulo Filho, Santuário, Aparecida, 1986.

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Uma Escalada para a Vida: Uma Escalada para a Vida

XV Principais Estações 1. As principais estações da Estrada de Ferro Campos do Jordão são as de Pindamonhangaba, Abernéssia e Campos do Jordão, depois denominada Emílio Ribas. Pela ordem cronológica, a estação Abernéssia foi inaugurada em 1919. Há uma ata registrando o evento na ortografia da época. “Aos 12 dias do mês de novembro de mil, novecentos e dezenove foi inaugurada esta Estação de Abernéssia, situada no quilômetro 42,844,35 da Estrada de Ferro Campos do Jordão, de propriedade do Estado de São Paulo, sendo presidente do Estado o Exmo. sr. dr. Altino Arantes Marques, Secretário da Agricultura, Viação e Obras Públicas, Exmo. Sr. Dr. Cândido Nazianzeno Nogueira da Motta, Superintendente, em comissão, de Vias Férreas da Administração Estadual, o Sr. Engº. Teófilo Osvald

Pereira e Souza e engº. chefe da estrada, o Sr. José Mascarenhas Neves. A construção da estação foi determinada no presente período presidencial pelo Exmo. Sr. Dr. Secretário da Agricultura, tendo a execução das obras iniciada a 22 de outubro de 1918 e concluída em 18 de setembro de 1919. Os serviços foram executados, por empreitada, pelo engº. José Antônio Salgado, preposto do empreiteiro Sebastião de Oliveira Damas, sob fiscalização da administração da Estrada de Ferro Campos do Jordão. A presente inauguração feita pelo automóvel a gasolina nº4, série A, que partiu de Pindamonhangaba às 12 horas e aqui chegou às 14 horas e 30 minutos, tem caráter provisório por ser provisório o tráfego da estrada, que ainda se acha em fase de construção, pois não lhe foi até agora instalado o definitivo sistema de

Gôndola transportando automóveis, 1963.

Estação Abernéssia.

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Pedro Paulo Filho

tração. E para constar, eu, Virgilio Varella, datilógrafo da estrada, a mandado do Engº. chefe da mesma, lavrei esta acta que, após a chegada o referido trem, é assinada por mim e por outras pessoas presentes ao acto. Campos do Jordão, 12 de novembro de 1919.”85 Conseguimos identificar as seguintes assinaturas, além da de Virgilio Varella: José Mascarenhas Neves, Savanel do Amaral Gama, Robert John Reid (1º Juiz de Paz), Tenente Ernesto Brito Chaves (Subprefeito), Dr. Miguel Covello, Renato Jardim, Francisco Mario Moreira, Sylvia de Mello, Helena César Ribeiro, Sinhá Ribeiro, Anita Cabral Moreira, Stella Aparecida Badaró, João Luiz Consolino e Joaquim Ribeiro Jr. Em resposta à solicitação do eng. José Mascarenhas Neves, que indagou da origem do nome Abernéssia, Robert John Reid escreveu-lhe, em 16 de janeiro de 1919, uma carta vazada nos seguintes termos: “Sobre a origem do nome Abernéssia, tenho a informar que o mesmo foi derivado, arbitrariamente, dos nomes das cidades e condado de Aberdeen e Inverness, na Escócia, e foi por mim adotado para o nome de minha chácara aqui, como recordação da minha terra natal e sem referência à significação das partes componentes dos nomes referidos. O afixo aber significa a confluência ou foz de dois rios ou de um rio com o mar, e vem da antiga língua céltica, por intermédio do dialeto amrico da mesma, dialeto este que é a língua atualmente falada no País de Gales. A mesma raiz etimológica se vê, provavelmente, na palavra portuguesa barra que vem da mesma origem céltica, por intermédio do baixo latim e ainda conserva em linguagem 85

Arquivo da Estrada de Ferro Campos do Jordão.

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popular a significação de confluência de águas correntes. Este afixo é bastante comum em nomes de lugares nas Ilhas Britânicas, em regiões onde dominava o ramo britânico da raça céltica. Exemplos: Aberdeen, Aberdom, Aberfoyle (Escócia), Aberford (Inglaterra), Aberdare, Abergavenay, Aberistwith, etc (Pais de Gales). O sufixo ness é de origem escandinava e significava um cabo ou promontório de terra (antigo anglo-saxônio) naess, inglês naze, francês nez. Encontra-se em nomes de lugares nas costas e ilhas onde penetravam os arrojados vikings da antiga Noruega. Exemplos: Tarbet Ness, Bucham Ness (Escócia), The Naze (Inglaterra), Griz Nez, Blanc Nez (França). É-nos desnecessário dizer que o sufixo ia vem do latim, sendo muito comum em todas as línguas neolatinas. O emprego de Aber e Ness nos nomes acima citados relacionava-se com características topográficas das respectivas localidades, o que não acontece, entretanto, com o nome Aber-ness-ia cuja origem foi inteiramente arbitrária. A Estação de Pindamonhangaba foi oficialmente inaugurada em 4 de maio de 1922. A ata registrou o acontecimento na ortografia da época. “Aos quatro dias do mês de maio de mil novecentos e vinte e dois, foi inaugurada a Estação de Pindamonhangaba situada no quilometro Zero – ponto inicial – da Estrada de Ferro Campos do Jordão, de propriedade do Governo de São Paulo, sendo Presidente do Estado o Exmo. Sr. Dr. Washington Luiz, Secretário da Agricultura, Comércio e Obras Públicas o Exmo. Sr. Dr. Heitor Teixeira Pen-


Uma Escalada para a Vida: Uma Escalada para a Vida

teado e o Engenheiro Chefe da Estrada, o Sr. José Mascarenhas Neves. O edifício da Estação foi construído em comum com o da Estrada de Ferro Central do Brasil, de acordo com o contracto celebrado entre os Governos do Estado e da União e assinado em 21 de dezembro de 1921 pelo Engenheiro Chefe da Estrada de Ferro Campos do Jordão, no Escriptório da Directoria da Estrada de Ferro Central do Brasil. A administração e fiscalização das obras de construção do referido edifício estiveram a cargo da Estrada de Ferro Central do Brasil. A presente inauguração – feita pelo automóvel a gasolina nº 11, série A, que partiu de Campos do Jordão (Estação de Abernéssia) às 10 horas de hoje e aqui chegou às 12 horas e 5 minutos, conduzido pelo ‘chaffeur’ Honório Lessa – tem caráter provisório, por ser provisório o tráfego da Estrada, que ainda se acha em phase de construção, pois não lhe foi até agora installado o definitivo systema de tracção. E para constar, eu, José Bartholomeu Barra, escripturario da Contadoria, a

mandado do Engenheiro Chefe da mesma Estrada, lavrei esta acta, que após a chegada do referido trem, é assignado por mim e por outras pessoas presentes ao acto. Pindamonhangaba, 4 de maio de 1922.” Foi possível identificar, além das assinaturas de José Bartholomeu Barra, as de José Mascarenhas Neves, Plínio Gonçalves Gomes, Antônio Costa, Álvaro Nogueira de Sá, Jorge Guaycurus Oliveira, Aída Marcondes Bicudo, Glorinha Bicudo, Hilda M. Costa, Zélia Marcondes, Antônio Mendes Castilho, Adelino de Oliveira, José Caetano dos Santos, Mascarenhas A. Porto, Jorge Guaycurus Filho, Olavo Camargo, Alfredo Ferreira Coutinho e Antônio Granato. Segundo anotou Luiz Carlos Loberto, o prédio da estação da Estrada de Ferro Central do Brasil, em Pindamonhangaba, que, por muitas décadas serviu a E. F. C. J., também foi inaugurado em 4 de maio de 1921. Registrou o fato a imprensa pindamonhangabense: “Com destino a São Paulo, passou no dia

Ônibus na gôndola na Estação Pindamonhangaba,1960.

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18 nesta cidade o Exmo. Sr. Dr. Epitácio Pessoa, presidente da República. Nessa viagem S. Exa. veio inaugurar novos melhoramentos na Estrada de Ferro Central do Brasil, entre os quais foi inaugurada a nova estação, que vai servir conjuntamente com a E.F.C.J. nesta cidade. Oficialmente, porém, a referida estação foi inaugurada em 4 de maio 1922. A Estação Campos do Jordão, depois denominada Emílio Ribas, foi inaugurada em 17 de setembro de 1924. A ata registrou o evento: “Aos dezessete dias do mês de setembro de mil novecentos e vinte e quatro, foi inaugurada a Estação Campos do Jordão, localizada no kilometro 46 + 670 metros, ponto terminal da Estrada de Ferro Campos do Jordão, de propriedade do Governo de São Paulo, sendo Presidente do Estado o Exmo. Sr. Dr. Carlos de Campos, Secretário da Agricultura, Comércio e Obras Públicas o Exmo. Sr. Dr. Gabriel Ribeiro dos Santos e o Engenheiro Chefe da Estrada, o Sr. Dr. José Mascarenhas Neves.” O prédio da Estação foi construído pelos empreiteiros Irmãos Mondim e Nascimento, de conformidade com o projecto fornecido pela Estrada, sendo seu andar superior destinado à hospedagem dos funcionários da Estrada, quando em serviço em Campos do Jordão.

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“Realizou-se a inauguração com a chegada do trem P-1, feito pelo carro motor nº 12, série A, a gasolina, com capacidade para trinta passageiros, em caráter provisório por provisório ser o tráfego da Estrada, visto não se ter ainda instalado o definitivo systema de tracção. E para constar, eu, José Bartholomeu Barra, lavrei a presente acta que vai assignada por mim, pelo Sr. Contador da Estrada, Nelson de Oliveira Prata, representando o Dr. José Mascarenhas Neves, Engenheiro Chefe da Estrada, pelo Sr. Wantuyl Guaycuru de Oliveira, Encarregado do Tráfego e mais pessoas presentes ao acto. Campos do Jordão, 17 de setembro de 1924.” Além das pessoas mencionadas na ata, assinaram-na Wladimir Francisco Guimarães, Eduardo Levy, Heitor Sampaio, Antônio Fonseca Mondim, Casemiro Fonseca Mondim, J. Ribeiro Jr., Antônio Damas e Neves Godinho. Constituíam a empresa Antônio Fonseca Mondim, Francisco Fonseca Mondim e Amadeu Fonseca Mondim, sendo o construtor Casemiro Fonseca Mondim. No interior dessa estação, foram pintadas nas paredes imagens artísticas belíssimas, que mãos pecaminosas mandaram passar tinta por cima, destruindo-as. Coisas do Brasil... 2. Reproduzimos, abaixo, todas as esta-

Gare da EFCJ – Vila Capivari, 1960.


Uma Escalada para a Vida: Uma Escalada para a Vida

ções da Estrada de Ferro Campos do Jordão, de, data da inauguração e localização.86 Em 20 de dezembro de 1932, o secretário com as suas distâncias do ponto inicial, altitu-

86

Sistema Ferroviário do Brasil / SFB 82 R. F. F. S. A, 1983, Rio de Janeiro.

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MAPA DO TRAJETO DA ESTRADA

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de Viação e Obras Públicas comunicava ao prefeito interino de Campos do Jordão, dr. Aristides de Souza Melo, que, em atenção ao seu ofício de 28 de novembro findo, tenho a honra de levar ao seu conhecimento que já autorizei a Estrada de Ferro Campos do Jordão a mudar o nome da atual Estação Capivari para Emílio Ribas, em homenagem ao saudoso médico, que tanto trabalhou em prol dessa região. Posteriormente, a estação de Pindamonhangaba foi transferida, em 1971, para a Rua Martim Cabral nº 87, a de Abernéssia, reformada em 1976, e a estação Emílio Ribas, transferida para um novo prédio ao lado do antigo, em 1981. Anotou J. Macarenhas Neves, diretor da ferrovia, em fevereiro de 1919, que em Eugênio Lefèvre não houve inauguração, porquanto, na época em que o Governo do Estado encampou a ferrovia, o edifício da estação já se achava quase concluído e os trens já chegavam à plataforma. Pelo Decreto nº 52.575, de 26 de novembro de 1970, o governador Abreu Sodré, atendendo a reivindicação dos pinhalenses, mudou o nome da estação Eugênio Lefèvre para Estação Santo Antônio do Pinhal, havendo descerramento de placa comemorativa, em 25 de janeiro de 1971. Em 7 de junho de 1917, o diretor da ferrovia, José Mascarenhas, recebeu ofício de James Maclean autorizando-o a construir em terreno de minha propriedade na Fazenda Capivari uma casa de madeira destinada à moradia dos funcionários dessa Estrada, quando em serviço em Campos do Jordão. “A presente cessão de 900 m² de terreno é feita por um prazo de 5 anos a contar de 1º de junho de 1917. Findo esse prazo, se for da conveniência da estrada, essa Administração poderá continuar a utilizar-se da referida casa,

pagando-me o aluguel do terreno de 100$000 anuais. Além do terreno para a construção, cederei a água necessária para o abastecimento da casa mediante o pagamento de 5$000 anuais, correndo, entretanto, as despesas de canalização por conta do governo.” Em 4 de maio de 1917, Leon Casemir Felix Marie Bazin deu conta ao referido diretor que foi cercada uma área de terreno na Vila Jaguaribe, destinada à estação ferroviária da Estrada de Ferro Campos do Jordão. “Essa posse que o Governo acaba de tomar, muito me exultou porque é um indício patente de que foi aceita a doação que tive a honra de fazer. Aproveitando o ensejo, peçovos, o que faço também em nome do povo de Vila Jaguaribe, que se digne Vossa Excelência de envidar esforços a fim de ser, o mais breve possível, instalado um ponto de parada nesta Vila, colocando-se um barracão provisório, a exemplo do que existe na Vila Nova, que possa servir para embarque de passageiros e desembarque de mercadorias. Esta medida que acabo de vos representar, traduz o mais legítimo direito do povo de Vila Jaguaribe e será um edificante ato de justiça que praticará Vossa Excelência, abreviando assim as grandes dificuldades que sofre esta Vila, decorrentes da falta de uma estação. Uma representação dos moradores de Vila Jaguaribe, de 23 de abril de 1928, pleiteou da diretoria da estrada a construção de uma estação, à vista da área de terras doada por Leon Bazin e sua mulher. A esse pedido, juntou-se o de Orivaldo Lima Cardoso, em 16 de junho de 1928, proprietário da empresa O. L. Cardoso S/A, que comercializava material de construção em Vila Jaguaribe, e também o apelo de Tadeu Rangel

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Pestana, de 3 de setembro daquele ano. Instalada a parada de Vila Jaguaribe, em 1931, a Secretaria de Viação e Obras Públicas, considerou desnecessária a construção de uma estação. A estação Expedicionária fica a 12 quilômetros de Pindamonhangaba, fazendo parte do bairro Bom Sucesso, inaugurada em 1916. Passou a chamar-se Expedicionária, em 1932, como homenagem à Revolução Constitucionalista. Antigamente, Bom Sucesso foi o maior bairro pindamonhangabense, concentrando na década de 30 muitas pessoas em busca de terra, dotado de armazéns e lojas, igreja, ginásio, campo de futebol e inúmeras chácaras. 87 Ainda em 1917, o diretor José Mascarenhas Neves pleiteava da diretoria de Viação da Secretaria da Agricultura a construção de duas para-

das ou plataformas cobertas, além de uma no ponto terminal da ferrovia, para o embarque e desembarque de passageiros e mercadorias. Uma das localidades referidas era Vila Nova, desde que lá existem numerosas habitações, além do movimento comercial que justificam o estabelecimento de uma parada. A outra parada também justificável era Vila Jaguaribe, lugar bastante populoso e sede dos serviços públicos desta região, estando ali localizadas as escolas, cadeia, etc. A Estação Santo Antônio do Pinhal, antigamente denominada Eugênio Lefèvre (que fora o diretor-geral da Secretaria da Agricultura e Obras Públicas do Governo de São Paulo) foi concluída em 1916, durante a construção da ferrovia e, por isso, não houve ata que registrasse a sua inauguração. 1. Em 14 de junho de 1918, o agente da

Estação Abernéssia, no quilômetro 43 da Estrada de Ferro Campos do Jordão.

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“O Ferroviário”, no 5 de fev/março de 1991.

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XVI Crimes e Incidentes nas Estações estação Abernéssia, Arthur Eyherabide, fez a seguinte comunicação ao eng. José Mascarenhas Neves, diretor da ferrovia: “Cumpro o dever de levar ao conhecimento de V. Exa. uma triste cena de sangue desenrolada no recinto desta Estação na manhã de 11 do corrente mês pelas 7 horas e 30 minutos. No referido dia e hora, achava-me nesta Estação ocupado com meus afazeres, quando aqui apareceu o Dr. Plínio Barbosa Lima, médico aqui residente e pediu-me que chamasse o senhor Agente da Estação de Pindamonhangaba, desta Estrada, pois que desejava passar um telegrama ou recado telefônico ao Dr. Delegado Regional de Guaratinguetá. Atendi-o imediatamente e na ocasião em que o Dr. Plínio Barbosa Lima transmitia o referido recado, apareceu o senhor Carlos Chaves, Subdelegado de Polícia desta localidade e dirigindo-se ao Dr. Plínio Barbosa Lima teve com este uma troca de palavras, tendo, ato contínuo, o Dr. Plínio Barbosa Lima sacado de uma arma de fogo e desfechado um tiro no senhor Carlos Chaves, o qual caiu fulminado pela bala, morrendo instantaneamente na agencia desta Estação. Isto se deu com tanta rapidez que não foi possível evitar, conforme viram diversas pessoas presentes na ocasião. Levo o fato ao conhecimento de V. Exa.

para que não se reproduza tais incidentes nesta Estação. Acho que é de grande conveniência a remoção do aparelho telefônico para local mais reservado.” Segundo relato do morador pioneiro de Campos do Jordão, Luiz da Matta, o dr. Plínio Barbosa Lima era conceituado médico em Campos do Jordão na década de 1920 e influente político do P.R.P. – Partido Republicano Paulista. O subdelegado Carlos Fernandes Chaves era um homem decidido e de pouca conversa. Era ruim e batia no pessoal. Ambos tinham desagradável afinidade: gostavam da mesma mulher. Como não podia ser de outra forma, ambos se desentenderam. Santery Guimarães, dono da Pensão SansSouci, que antes fora residência do dr. José de Magalhães (assassinado por João Maquinista), na Vila Fracalanza, também se desentendera com o dr. Plínio Barbosa Lima e ofereceu cinco contos de réis ao subdelegado Chaves para matar o médico. É que o Santery também gostava da moça... Antigamente, a estação Abernéssia era o ponto terminal da ferrovia constituída de uma tosca estaçãozinha de madeira.

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Ali também funcionava o posto de serviço dos telefones a magneto e, certo dia, talvez pressentindo um mal futuro, o dr. Plínio ingressou no centro e pediu ao telefonista (era Péricles Homem de Melo) que lhe obtivesse com urgência uma ligação com o delegado regional de polícia, de Guaratinguetá, pois estava jurado de morte pelo subdelegado Chaves. Feita a ligação, o dr. Plínio começou a falar, contando que estava sendo ameaçado de morte pelo subdelegado, pedindo proteção policial. Por ironia do destino, nesse instante preciso, ingressa no posto telefônico o subdelegado Chaves, a ponto de ouvir a queixa de seu desafeto. E gritou: deixa de bobagem, doutor Plínio, isto não é verdade! Rápido, dr. Plínio sacou de uma pistola e desfechou certeiro tiro na testa do subdelegado que tombou morto na hora. Transtornado, o médico deixou o local e partiu em direção à Pensão Sans-Souci para matar Santery Guimarães, o que só não ocorreu porque avisaram logo Joaquim Ferreira da Rocha, cuja residência se situava onde atualmente se acha a ASSISO e, esse, na qualidade de delegado de polícia, prendeu o dr. Plínio Barbosa Lima. Aí começaram a correr boatos de que familiares do subdelegado viriam, em represália, matar o dr. Barbosa Lima. Os desafetos do médico preso juntaramse à porta do posto policial para vingar a morte do subdelegado. Joaquim Ferreira da Rocha, acompanhado do único policial, o soldado Neco, enfrentou-os, dizendo: tenho apenas uma carabina de um 88

Depoimento de Luiz da Matta ao autor.

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tiro. Quem tentar cruzar a porta, vai morrer na hora! O bando, amedrontado, afastou-se. Cerca de 600 pessoas uniram-se em torno da cadeia pública de Vila Nova (Vila Abernéssia atualmente), munidas de garruchas, facas e facões para proteger a vida do dr. Plínio, dia e noite, pois o médico era pioneiro na cidade e muito querido. No final, o dr. Barbosa Lima foi absolvido em São Bento do Sapucaí, que era a comarca de Campos do Jordão.”88 2. Na mesma estação de Vila Abernéssia, já construída de alvenaria, nos anos 1940, o médico Gualter de Almeida foi assassinado pelo fiscal de higiene Moacyr Moraes. Havia um desentendimento entre ambos, de ordem administrativa, que provocou uma forte inimizade. Quando o médico saía da estação, surgiu o fiscal de arma em punho. O dr. Gualter corria em torno de um automóvel ali estacionado e o fiscal ia ao seu encalço, também dando voltas ao redor do veículo sempre atirando. Atingido no rosto, o dr. Gualter de Almeida caiu agonizante, enquanto o fiscal desfechou um tiro na cabeça, suicidando-se. O médico, socorrido, faleceu. 3. Em 25 de junho de 1950, uma tragédia na estação Abernéssia abalou a população jordanense. O Sr. Abílio da Matta, armado de revólver, procurou assassinar o Sr. José Julião Machado, seu cunhado que, prevendo a intenção do primeiro, se ocultara na bilheteria da referida agencia.


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No local se encontrava o agente Sr. Hely Soares Saar no cumprimento de suas funções, sentado à mesa. Segundo o depoimento de diversas pessoas que testemunharam a tragédia, o primeiro disparo atingiu o infeliz funcionário na altura do abdômen. Nessa altura, o agressor já desvairado, detonou a arma 4 vezes, procurando atingir o Sr. José Julião Machado, porém, a carga foi recebida inteiramente pelo desventurado Hely, que tombou mortalmente ferido, expirando poucos minutos depois. O último projétil que estava destinado a tirar a vida do Sr. José Julião Machado, não detonou, investindo então o Sr. Abílio da Matta contra o mesmo, desferindo-lhe coronhadas na cabeça até que puderam se aproximar as primeiras pessoas que os separaram. Após a consumação do ato, o Sr. Abílio sensivelmente abatido, solicitou a um amigo presente que o conduzisse preso, lamentando ter tirado a vida a um inocente funcionário que nada tinha a ver com o caso. O móvel do crime prende-se a questões de família que não nos compete analisar. O Sr. Hely Soares Saar deixou viúva, a senhora Lídia Soares Saar e 3 filhos menores. O seu sepultamento deu-se no cemitério de Pindamonhangaba, com grande acompanhamento.89 Em homenagem ao servidor assassinado em serviço, a Estrada de Ferro Campos do Jordão deu-lhe o nome a uma Parada - Parada Agente Hely, em Bonsucesso, município de Pindamonhangaba.90

Eugênio Lefèvre, Luiz Damas, comunicava o diretor da ferrovia, dr. José Mascarenhas Neves, o seguinte: “Levo ao conhecimento de V. Exa. que, no dia 19 do corrente, fui ameaçado e insultado nesta Estação por um substituto do sr. Júlio Carlos Ribeiro, estafeta do correio de Santo Antônio do Pinhal. Como estivesse enfermo o sr. Julio Carlos Ribeiro, foi designado para substituir o sr. Augusto Figueira, estando exercendo o cargo desde o dia 4 ou 5 do mês corrente. Chegando ontem nesta estação, horas depois da partida do trem, me perguntou se havia mais alguma condução para a cidade, informando-o que havia ainda um trem de carga. Nessa ocasião, deixou as malas da correspondência na plataforma, dirigindo-se para uma venda que aqui existe próxima, demorando-se pelo espaço de bastante tempo, e voltando às 16:30 horas embriagado, chegando a cair na plataforma, vindo sem paletó, com um revolver na cintura. Dirigiu-se a mim, pedindo a entrega de uma garrafa de leite, que ele tinha deixado na agência. Em resposta, disse-lhe que nada ele me tinha entregado; desde logo começou a exaltar-se, insultando-me e dizendo que era homem para dois ou três e não se incomodava nada de mandar qualquer um para o inferno, levando constantemente a mão à arma (...) Na hora em que estava falando com o Senhor no aparelho telefônico, entrou ele na agência da Estação e, imediatamente, levou a mão ao revólver com o propósito talvez de me alvejar, por achar-me distraído. 4. Em 20 de dezembro de 1918, o agente Como estivesse o mestre-de-linha próxida estação Raiz da Serra, depois denominada mo, este não lhe deu tempo de pegar a arma, 89

“A Cidade de Campos do Jordão”, de 2 de julho de 1950.

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“História de Campos do Jordão”, Pedro Paulo Filho, Santuário, Aparecida, 1986.

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segurou-o, sendo desarmado e, em seguida, deu-se-lhe voz de prisão. Estavam presentes os seguintes senhores: Alberto Lindholm, João Ignacio, José de Paula, João Rodrigues, Antônio Guimarães, Benedito Batista dos Santos e Antônio Damas.” 5. Em 13 de junho de 1918, o ajudante do engenheiro-chefe, Savanel Gama, comunicava o diretor da ferrovia que “chegando ao meu conhecimento de que no dia oito na estação de Campos do Jordão um particular havia afixado um telegrama que se relacionava a intrigar vários moradores daquela Vila, fato que não podia ser consentido pela administração da estrada, procurei indagar qual o autor do abuso, interrogando para isso o agente da estação. Momentos depois, era chamado ao telefone pelo Sr. Pedro Santery Guimarães que me declarou assumir inteira responsabilidade do fato, pois fora ele que havia mandado afixar o telegrama na estação, a despeito da vontade do agente; que a pessoa que levou essa incumbência era um seu empregado, tendo-se averiguado depois tratar-se de um capanga do referido Santery Guimarães.” Em 28 de maio de 1939, o agente da estação Emílio Ribas noticiou à chefia da estrada “que para as providencias que V. Senhoria julgar mais acertadas, comunico-vos que o sr. dr. Raul Barbosa Lima, hoje, por volta das 9 horas, rasgou deliberadamente e na presença de testemunhas, um cartaz com a efígie do presidente Vargas, que, pela prefeitura foi colocada próxima a esta agência.” O diretor da estrada, Altair Branco comunicou o fato ao delegado de Polícia de Campos do Jordão, dr. Gumercindo Soares Meireles. Em 30 de maio, Benedito Vaz Dias, correspondente do Serviço de Informação, co-

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municou ao prefeito José Arthur Motta Bicudo que de Vila Capivari (estação Emílio Ribas) e da estação de Abernéssia, foram arrancados, maldosamente, os retratos do dr. Getúlio Vargas, presidente da República, havendo suspeita de ter sido o autor desse arrancamento o dr. Raul Barbosa Lima. “Solicito de V. Exa. permissão para a colocação de novas fotos nos referidos locais e bem assim para comunicar o ocorrido ao sr. capitão Filinto Muller, chefe do Serviço de Divulgação do Distrito Federal.” O prefeito despachou: ciente. Comunique-se. 6. Corria o ano de 1948 e Campos do Jordão era administrado pelo prefeito Orestes de Almeida Guimarães, um advogado que prestou bons serviços à estância. Preocupou-se com a urbanização do centro da cidade, cujo aspecto era lamentável, introduzindo o plantio de plátanos nas vias, cujas primeiras mudas tinham vindo da Argentina. Havia muitas restrições por parte da edilidade ao referido plantio, pois entendiam alguns que não se tratava de árvore nacional, típica e peculiar à região serrana. O prefeito foi obrigado a iniciar campanha de esclarecimento público, exibindo fotografias de plátanos plantados nas principais estações de inverno do mundo. Atualmente, elas embelezam as vias públicas da Avenida Emílio Ribas, mas, na época ficaram as suas mudas, durante muito tempo, depositadas no pátio da estação ferroviária de Vila Abernéssia. Uma outra batalha, porém, estava reservada ao prefeito, que pretendia cortar os cedrinhos de Abernéssia, que acompanhavam a via férrea da E. F. Campos do Jordão, sepa-


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rando-a da atual Avenida Frei Orestes Girardi, desde o prédio da antiga prefeitura até a Vila Fracalanza. Pediu autorização ao eng. Eynaldo Ramos, diretor da ferrovia, que respondeu negativamente, alegando que os cedrinhos serviam de proteção à linha férrea, impedindo a travessia de crianças, pedestres e animais, garantindo a segurança de automotrizes. Um sonoro não ouviu o prefeito Orestes de Almeida Guimarães, que, irresignado, no entanto, prosseguiu na sua luta. O diretor da estrada confirmou a proibição: – Enquanto eu for diretor ferroviário, ninguém corta os cedrinhos! O saudoso Joaquim dos Santos Machado, conhecido como Joaquim Fogueteiro, era o chefe da estação de Vila Abernéssia. Sabendo das ordens do chefe, colocou logo um trabuco na cintura, procurando demonstrar, ostensivamente, que a ordem era para ser cumprida. O apelido de Joaquim Machado adveio do fato de ser o responsável pelo formidável foguetório, que desencadeava quando o dr. Adhemar de Barros desembarcava em Campos do Jordão, de automotriz da ferrovia. O prefeito Orestes Guimarães solicitou a intercessão do governador do Estado, de secretários e até de deputados e nada! Por outro lado, Eynaldo Ramos estava irredutível: a manutenção dos cedrinhos era um imperativo de ordem pública. O prefeito, por sua vez, contra-argumentava que pretendia urbanizar o centro de Vila Abernéssia, como exigiam o povo jordanense e os turistas, pois o seu aspecto físico atentava contra as mínimas normas de urbanismo. O impasse estava criado e as posições radicalizadas.

O prefeito era um homem voluntarioso e, às vezes, até arbitrário, quando entendia estar em jogo o interesse público. – Vou cortar os cedrinhos de Vila Abernéssia, custe o que custar! Preparou tudo nos seus mínimos detalhes: um punhado de operários, munidos de machadões, serras e caminhões, sob o mais rigoroso sigilo. O corte começaria de madrugada, lá pelas três horas, quando não havia tráfego de automotrizes e o agente Joaquim Fogueteiro dormia o sono solto. Na madrugada e na hora aprazada, foi dada a ordem: mãos à obra! Dezenas de operários começaram a cortar e transportar os cedrinhos, sob o mais absoluto silêncio, em todo o percurso, desde a antiga sede da prefeitura até a atual Parada Viola. Quando os relógios marcavam seis horas da manhã, já haviam sido cortados todos os cedrinhos, metade dos quais transportados para o almoxarifado da prefeitura. Naquela clara e fria manhã, quando o agente Joaquim Machado apareceu na plataforma da estação para iniciar a sua faina diária e não viu mais a longa cortina de cedrinhos que separavam a via férrea da então Avenida Januário Miraglia, ficou lívido e quase apoplético. Começou a gritar: – Polícia! Polícia! Sacou do revolver e aos berros vociferava: – Quem fez isso? Eu mato! Eu mato! Chamem depressa o diretor. Qual o quê! Levou duas horas para o diretor da ferrovia chegar, vindo de Pindamonhangaba.

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Tudo inútil. Nada mais restava da cortina A enferma do Sanatório Divina Providênde cedrinhos que enfeiavam o centro de Vila cia começou a ficar aflita. Abernéssia. 91 Nas sextas-feiras seguintes, quando chegava o bonde das três horas, ela ouvia a cam7. O episódio ocorreu na década de 40, painha do bonde ser acionada e logo chamava quando a cidade vivia, intensamente, o ciclo a enfermeira: Meu marido chegou? da cura, e o Sanatório Divina Providência abrigaA enfermeira respondia: não senhora, e já va doentes do pulmão do sexo feminino, onde estava cansada de dar a mesma resposta: não trabalhava o médico Carlos Ryoma Inoue, chegou, não senhora. naqueles tempos dramáticos da luta contra a A ausência reiterada do marido fez agratuberculose. var o seu estado de saúde e a enferma nissei Procedente de Bauru, internara-se naquele foi definhando, definhando cada vez mais, vinhospital uma jovem senhora nissei, acometida do a falecer. de doença pulmonar, que subira a serra em bonA direção do Sanatório Divina Providende da ferrovia, acompanhada de seu marido. cia ficou sabendo que o esposo falecera e, por O marido vinha visitá-la todas as sextas- isto, a cessação das visitas. feiras. Um fato estranho, contudo, começou a Invariavelmente, chegava no bonde das 15 ocorrer naquele hospital, no quarto onde fahoras, desembarcando na parada Sanatórios, até lecera a tuberculosa nissei, todas as sextashoje existente, que se situa mais ou menos feiras, às três horas, a campainha daquele defronte ao hospital. quarto disparava, chamando a enfermeira, a Quando o ajudante do bonde acionava a mesma campainha que a nissei acionava para campainha, dando o sinal ao motorneiro para indagar da enfermeira se o marido havia cheprosseguir viagem (eram dois toques), depois gado. do desembarque de todos os passageiros na Era um corre-corre, a enfermeira, assusparada Sanatorinhos, a jovem paciente em seu tada, corria ao quarto desligar a campainha. O leito ouvia os sinais da campainha e já sabia quarto estava vazio e ninguém sabia quem a que seu marido estava chegando. havia acionado. A parada fica bem próxima ao Sanatório Se aquele quarto estivesse ocupado por Divina Providência. alguma paciente, nas sextas-feiras, às três hoA rotina repetiu-se por meses a fio en- ras, a campainha também disparava. quanto a jovem nissei ali esteve internada: pelos A enfermeira corria ao quarto e indagava: dois toques de campainha do bonde, a enfer- a senhora chamou?A paciente respondia: não sema sabia que, às sextas-feiras, o seu marido nhora, não chamei ninguém! Enfermeira e pacienestava chegando para visitá-la. te entreolhavam-se arrepiadas. Ocorre que em determinada sexta-feira o Resultado: ninguém mais queria internaresposo não chegou. Também não veio na se- se naquele quarto. Em qualquer lugar, menos mana seguinte nem nas outras que se seguiram. naquele quarto! 91

“Estórias e Lendas do Povo de Campos do Jordão”, de Pedro Paulo Filho, O Recado, São Paulo, 1988.

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O quarto ficou vazio meses a fio e ninguém foi capaz de explicar o fenômeno. Como a história espalhou-se, o sanatório começou a sofrer grandes prejuízos. A direção decidiu chamar pessoas para benzê-lo. Depois de muitas orações e benzimentos, a campainha do quarto parou de tocar nos dias e horas fatídicos. Só aí então se desprendeu daquele quarto o espírito da morte. 92 8. No ano de 1949, o acesso a Campos do Jordão somente se fazia subindo a serra pela SP-50 (São José dos Campos-Campos do Jordão), em estrada sinuosa com mais de 900 cur vas, ou se subia pelas automotrizes da E.F.C.J., que também oferecia a alternativa de transportar automóveis em gôndolas especiais, serviço atualmente desativado, mas que foi de grande utilidade para o turismo jordanense no passado. O turista carioca preferia o transporte de automóveis através de gôndolas, pois, vindo do Rio de Janeiro pela Rodovia Presidente Dutra, ingressava em Pindamonhangaba e subia rapidamente a Campos do Jordão. Um belo dia, subiu a Mantiqueira, em gôndola da E.F.C.J., um vistoso Buick, largo e comprido, de cores vivas, que quase não coube no interior da automotriz. Assim que desembarcou na estância, desceu um carioca simpático e bem-falante, que precisava de uma oficina mecânica, pois, em virtude da altitude, o motor do Buick necessitava de regulagem. 92

Logo, foi encaminhado ao Posto Fracalanza, de Horácio Padovan, com o qual fez amizade. Apresentou-se: era o Raul, com um largo sorriso nos lábios. Horácio Padovan, percebendo que Raul se encantara com a estância, procurou anfitreonar o visitante, acompanhando-o aos logradouros turísticos, a toda hora. Depois de visitarem a Pedra do Baú, o Pico do Itapeva e o Morro do Elefante, Horácio começou a criticar o Governo Federal, dizendo: – Raul, desculpe-me falar, mas o Brasil está precisando de um governo forte, firme, decidido. Não esse do governo Dutra. Os passeios prosseguiram, Véu da Noiva, Parque Estadual, Palácio do Governo e Horácio Padovan sempre criticando duramente o Governo Federal presidido pelo general Eurico Gaspar Dutra. Depois de percorrerem quase toda a cidade, Raul comunicou a Horácio que retornaria no dia seguinte ao Rio de Janeiro. Queria a presença de Horácio no embarcadouro da Estação Emílio Ribas, em Vila Capivari, a fim de ajudar a colocar o enorme Buick no interior da gôndola. No dia seguinte, depois de muitas manobras Raul, com a ajuda de Horácio, ingressou com o seu possante automóvel no interior da gôndola, com muitas dificuldades. Antes do motorneiro anunciar a partida, Raul disse ao anfitrião: – Horácio, gostei muito de você, da sua sinceridade, da sua franqueza, das suas criticas ao Presidente Dutra, embora não concorde com muitas coisas que você disse. Agradeço sua generosa atenção e

“Contos Bem Contados”, de Pedro Paulo Filho, Editora Vertente, Campos do Jordão, 1999.

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grande amizade demonstrada. No Rio de Janeiro, estou às suas ordens. Tome o meu cartão, aí você tem o meu endereço. Horácio pegou o cartão e leu estarrecido: Comandante Raul Reis. Subchefe da Casa Militar da Presidência da República. Palácio do Catete. Rio de Janeiro.

Quando Horácio começou a lembrar-se das criticas que fizera ao presidente Dutra, a automotriz começou a apitar, saindo da plataforma, vagarosamente... Raul agitava as mãos, dizendo adeus a Horácio que, com o cartão nas mãos, se quedou paralisado e atônito.93

Palácio Boa Vista, 1958.

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“Histórias e Lendas do Povo de Campos do Jordão”, de Pedro Paulo Filho, O Recado Editora, São Paulo, 1988.

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XVII Ramais Ferroviários Irrealizados 1. A imprensa de Pindamonhangaba, em 1893, noticiou que o eng. Benjamin Franklin de Albuquerque Lima pretendia construir uma ferrovia a partir de Campos do Jordão, passando por Pindamonhangaba e pela cidade de Cunha, com um ramal para Guaratinguetá, tendo como ponto terminal o Porto de Parati, no Estado do Rio de Janeiro. A Lei Estadual nº 1.221, de 28 de novembro de 1910, que autorizou o Governo de São Paulo a contratar, com os doutores Emílio Ribas e Victor Godinho ou a empresa que organizarem, a construção de uma estrada de ferro entre Pindamonhangaba e as imediações de Vila Jaguaribe, município de São Bento do Sapucaí, nada dispôs sobre ramais ferroviários; contudo, a Lei Estadual nº 1265-A, de 28 de outubro de 1911, que concedeu aos referidos médicos essa concessão, estabeleceu em seu art. 1º que, além daquela concessão, instituía o direito de construção de um ramal férreo que, partindo do ponto mais conveniente dessa linha, vá terminar nos limites do Estado de São Paulo com o de Minas Gerais, passando pelo município e cidade de São Bento do Sapucaí. Mais tarde, o Decreto Estadual nº 2.156, de 21 de novembro de 1911, que aprovou as cláusulas da construção, a que se referiu a Lei nº 1.265-A, de 1911, reproduziu a concessão

para a construção de um ramal ferroviário até São Bento do Sapucaí (art. 1º), estabelecendo em sua cláusula XXXVII que a escrituração, quer das despesas do estabelecimento e do tráfego, quer da receita da linha tronco de Pindamonhangaba a Campos do Jordão, será completamente discriminada da do ramal a São Bento do Sapucaí. Mais tarde, a Lei Estadual nº 1.353, de 19 de dezembro de 1912, que concedeu garantia de juros sobre o aumento de capital da S. A. Estrada de Ferro Campos do Jordão estabeleceu em seu art. 2º que fica prorrogado o prazo para a construção do ramal de São Bento do Sapucaí, cujas obras serão iniciadas dentro de seis meses, a contar da data da inauguração do tráfego da linha férrea de que trata o artigo 2º, ou seja, da estrada de ferro ligando Pindamonhangaba a Campos do Jordão. A Lei Estadual nº 1.486, de 15 dezembro de 1915, que autorizou a encampação da Estrada de Ferro de Pindamonhangaba a Campos do Jordão, pelo Governo de São Paulo, em seu artigo 3º, mandou fazer constar da escritura de encampação a renúncia expressa dos direitos de todos os concessionários, provenientes das Leis nºs. 1.163, de 30 de dezembro de 1908, 1.221, de 28 de novembro de 1910, 1.265-A, de 28 de outubro de 1911, 1.353, de 19 de dezembro de 1912 e 1.388, de 26 de novembro de 1913, além dos contratos firmados pelo Go-

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verno do Estado, em virtude das autorizações concedidas pelas citadas leis. Como a Lei nº 1.486/1915 autorizou a encampação da Estrada de Ferro Campos do Jordão pelo Governo do Estado, não fez qualquer referência ao ramal férreo a São Bento do Sapucaí, revogando todas as leis que concediam direitos e privilégios a Emílio Ribas, Victor Godinho e à S. A. Estrada de Ferro Campos do Jordão, parecenos que o Governo de São Paulo se desobrigou legalmente da implantação do aludido ramal férreo e bem assim aos concessionários. Contudo, em 15 de abril de 1918, o secretário da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Cândido Nazianzeno Nogueira da Motta, foi comunicado que o Estado encampou a via férrea com o ramal apenas projetado e não se lhe deu andamento, também dele não desistiu. Ocorre que o Decreto Federal nº 12.362, de 10 janeiro de 1917, autorizou o Governo Federal a celebrar contrato com a Companhia do Porto e a E. F. Nordeste de São Paulo, referente à linha entre Ubatuba a Paraisópolis passando por Taubaté e, dessa forma, a faixa privilegiada cobriria o ramal da ferrovia de Campos do Jordão. Levada a questão ao Ministério da Viação e Obras Públicas, este esclareceu que, oportunamente, submeteria ao Estado de São Paulo os estudos da linha federal em questão, o que não foi levado adiante. No entanto, o prefeito de São Bento do Sapucaí, Augusto Marcondes de Azeredo, em 11 de junho de 1918, pleiteou do Governo de São Paulo a construção de um ramal ferroviário, alegando que os agricultores sambentistas estavam isolados por oito léguas de serras e caminhos íngremes, sem outro meio de co-

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municação, que não os cargueiros e os pesados carros de boi e, por isto, toda a economia do município vai se desviando para Minas, onde encontra a estrada de ferro a duas léguas de distância e meia da estrada de rodagem. O diretor da ferrovia, eng. José Mascarenhas Neves, apoiou a reivindicação, mas o secretário de Agricultura, em 19 de agosto de 1918, despachou: aguarde-se a oportunidade. O prefeito de São Bento do Sapucaí renovou o pedido ao presidente do Estado Washington Luiz, em 20 de maio de 1921, infrutiferamente. A imprensa jordanense, em 21 de abril de 1925, cuidou da ligação ferroviária São Bento do Sapucaí, pois o isolamento de São Bento do Sapucaí deve cessar o mais rapidamente possível (...) Há dois projetos de estrada para São Bento do Sapucaí; um ligando aquela cidade a São José dos Campos e outro a Pindamonhangaba, por um ramal da Estação de Eugênio Lefèvre, da Estrada de Ferro Campos do Jordão. O traçado, já estudado, de S. José dos Campos a São Bento do Sapucaí passando por Buquira tem o desenvolvimento de 73 quilômetros que, juntos aos 109 de São Paulo a S. José dos Campos, dá o percurso total de 182 quilômetros e a viagem, em 4 horas e meia. O segundo, da Estação Eugênio Lefèvre a São Bento do Sapucaí pelo traçado atual da E. F. Campos do Jordão, oferece todas as dificuldades para uma estrada de tráfego comercial pelo grande número de rampas que chegam ao máximo de 10,5% e curvas bem apertadas na serra, o que constitui um sério obstáculo, mesmo com tração elétrica, a um tráfego intenso e pesado (...) Por este simples apanhado, verifica-se que há toda vantagem em preferir o traçado via São José dos Campos, com o qual terá São Bento do Sapucaí uma estrada de ferro comercial, podendo dar escoa-


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mento à produção de seu fertilíssimo município à Rede rece dificuldades apreciáveis e se recomenda Sul Mineira pela Estação de Paraisópolis, próxima como empreendimento econômico e políticodaquela cidade.94 comercial para o Estado de São Paulo. Esse prolongamento, porém, somente se 2. Em 1926, a imprensa pindamonhanga- recomenda se levado até Paraisópolis. Somenbense anunciava a existência de projeto de um te tendo esse desenvolvimento, a E. F. Camramal ligando São Paulo ao Sul de Minas, em pos do Jordão poderá ter um regime financeireunião havida em São Bento do Sapucaí, onde ro de saldos.79 compareceu o dr. João Lindenberg, diretor da O diretor da ferrovia, em 1947, iniciou os ferrovia. estudos para a extensão da linha férrea até a Sua Senhoria viera a este município (São Barreira, distante quatro quilômetros de São Bento do Sapucaí) em estudos de um traçado Bento do Sapucaí, na divisa com o Estado de ferroviário que ligue esta cidade à Estação de Minas Gerais, onde pretendia promover o enEugênio Lefèvre, da Estrada de Ferro Cam- troncamento com a Rede Mineira de Viação. pos do Jordão. Foi no governo de Adhemar de Barros Essa estrada que terá o seu ponto termi- que esses estudos se iniciaram, intentando a nal nas divisas do Estado de Minas Gerais, ligação da estação de Eugênio Lefèvre (hoje Sanligará o nosso Estado com as principais cida- to Antônio do Pinhal) com a cidade mineira des sul-mineiras de Itajubá, Santa Rita do de Paraisópolis, seguindo o curso do Ribeirão Sapucaí, Pouso Alegre, Cambuí e outras, de dos Barreiros e do Rio Sapucaí, numa extenuma região riquíssima, convergindo o seu co- são de 50 quilômetros, passando pelas seguinmércio à capital paulista pela facilidade de tes cidades: Santo Antônio do Pinhal, Sapucaítransporte de cargas e passageiros que, com Mirim, São Bento do Sapucaí, Paraisópolis e um percurso de poucas horas, encontrarão a daí à Rede Mineira. linha da Central do Brasil (...) O ilustre engeO projeto também previa posterior liganheiro hospedou-se em casa do dr. Otávio ção ferroviária a Ubatuba, no litoral norte. Campelo, com quem percorreu de automóvel Apesar de ter sido lançada a pedra fundao nosso município e o Sul de Minas até Santa mental em Eugênio Lefèvre, em 29 de julho de Rita do Sapucaí. 1949, as obras foram paralisadas no governo Em 26 de julho de 1926, o diretor da Fer- seguinte. rovia, J. Lindenberg Júnior, ofereceu parecer Houve, porém, uma cerimônia pública na favorável à construção de um ramal ferroviá- estação Eugênio Lefèvre para marcar o lançario, saindo de Eugênio Lefèvre em direção a mento da pedra fundamental, à qual compaSanto Antônio do Pinhal, Rio Preto, São Ben- receram delegações paulistas e mineiras, conto do Sapucaí até alcançar Paraisópolis. tando com a presença do governador Adhemar Do exposto, pode-se concluir que a cons- de Barros. trução do prolongamento da Estrada de FerFalou no ato o prof. Miguel Reale, em ro Campos do Jordão a Paraisópolis não ofe- nome de São Bento do Sapucaí; o dr. João de 94

“Campos do Jordão”, de 21 de abril de 1925.

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Azevedo, representando Itajubá; o dr. Theotônio Palmeira, em nome de Paraisópolis; e Joaquim Corrêa Cintra, representando Campos do Jordão. Na ocasião, Adhemar de Barros disse: Com o lançamento desses trilhos, dou-vos a certeza de que eles são os braços de aço com que os bandeirantes paulistas adentram o grande Estado de Minas Gerais para enlaçá-lo num abraço amigo, numa demonstração de solidariedade, amor e justiça, sentimentos que devem dominar a todos os brasileiros para o engrandecimento de nossa terra.79 Os trabalhos de locação do traçado chegaram até a localidade de Rio Preto, com a construção de um quilômetro de ferrovia, que, porém, se paralisaram por falta de verbas. Em 19 de maio de 1950, o deputado José Arthur Motta Bicudo apresentou indicação ao governador do Estado na Assembléia Legislativa de São Paulo, solicitando que a Secretaria da Viação e Obras Públicas iniciasse a construção da ligação ferroviária entre Eugênio Lefèvre a São Bento do Sapucaí, passando por Santo Antônio do Pinhal. Na justificativa, o parlamentar alegava que a ligação viria drenar para dentro de São Paulo, com escoadouro obrigatório pelo Vale do Paraíba e Rio, os produtos oriundos do Sul de Minas, o que nos faz crer que o ramal em construção terá um movimento cada vez maior. 95 No Relatório das Vias Férreas da Administração Estadual de 1917-1918, pode-se ler:

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“A Cidade de Campos do Jordão”, de 4 de junho de 1950.

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“Deve-se levar avante o exame da conveniência de se construir o ramal de São Bento do Sapucaí, do qual existem estudos definitivos e orçamento para trinta e três quilômetros (1916) e donde se espera ao que consta considerável contribuição financeira.” O dr. Cândido Rodrigues, em 1882, no Relatório da diretoria geral de Obras Públicas, já alertava: “Será, incontestavelmente, uma estrada de difícil exploração e dispendiosa construção, porém, oferecerá, além de outras vantagens de ordem econômica, as comodidades requeridas por uma via de comunicação, principalmente, destinada aos enfermos.” Infelizmente, o ramal ferroviário interligando a estação de Santo Antônio do Pinhal à cidade paulista de São Bento do Sapucaí, não foi levado avante. Houve, também, a tentativa de outro ramal ferroviário, em 1963, quando o diretor da ferrovia, Jocelyn de Souza Mello, solicitou o inicio de estudos de foto-interpretação para o traçado parcial de uma estrada de ferro ligando Campos do Jordão a Itajubá, em Minas Gerais, preferivelmente pelo Vale do SapucaíGuaçu. O estudo foi efetuado pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica, em novembro de 1963, elaborado pelo engenheiro Rubens Jorge Roston. Submetido o estudo ao Governo do Estado, o projeto não foi levado avante, perdendo-se nos desvãos da burocracia.79


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XVIII Serviços Telefônicos e Telegráficos 1. O serviço telefônico mantido pela ferrovia iniciou-se com as necessidades do seu tráfego, em 1917. Concomitantemente à demanda do serviço ferroviário, começou a atender os moradores das Vilas Abernéssia, Jaguaribe e Capivari. Quase ao mesmo tempo, a estrada começou a atender ao serviço telefônico de Eugênio Lefèvre, Piracuama, Expedicionária, Santo Antônio do Pinhal e Sapucaí-Mirim. Compilamos os primeiros assinantes de telefone a magneto em 1922, em Campos do Jordão: Guilher me Lebarrow, Edgard Nazareth, Carlos Monteiro Barros e Cia., Nagib José, J. Dolores e Cia., Irmãos Santos Moreira, Roberto Baker (Pensão Inglesa), José Augusto Siqueira, Miguel Covello Jr., Antônio Pinto e Cia., Carlos Pinto, João da Graça Mello, Perrone e Cerqueira, Paschoal Olivetti, Alexandre Sirin (Pensão Báltica), Antônio Ferraz Sampaio, Adele Zirmerman, Robert Reid (Empresa Elétrica de Campos do Jordão), Cel. José Bento de Carvalho, Ferraz e Cia., Cel. Ludgero de Castro, Fonseca Mondim, Orivaldo Lima Cardoso, Luiz Damas, J. Thomaz Jr., Alfredo Bejan, Astolfo Resende, Cia. Campos do Jordão, João Mosaco, Pedro Santos Carneiro, Augusto Guerra, José Carlos de Macedo Soares, Roberto Simonsen, Carlos Schortes, Ma-

rio Pontual, Julio Fracalanza, Mercedes Marcondes, Durval Rocha, J. Vicente Sgrillo, Octorino Visconti, Rhoda Smith, Honório Lessa, Antônio Paiva (Hotel Mello), Vieira Ferraz, Alberto Wathely, Purezinha Marcondes (Pensão Azul), Colégio Salesiano (Vila D. Bosco), Arthur Hauttone, Irmãos Moreira (Pensão Sans-Souci), Jorge Street e Simão Cirineu Saraiva. Na primavera de 1924, Péricles Homem de Mello, um dos primeiros telefonistas da ferrovia, contou que era um homem feliz. Aos 21 anos de idade, matriculado no segundo ano da Escola de Farmácia, de Pindamonhangaba, tivera de suspender os estudos, em virtude de dificuldades financeiras, vindo a aceitar, por essa razão, o cargo acima citado. Esse Centro Telefônico ocupava dois cômodos da estação, uma sala onde ficava a mesa de assinantes e um quarto pegado, onde o moço dormia. Havia um auxiliar, um rapaz de São Bento do Sapucaí, chamado Sebastião, tocador de violão, com qual ele se revezava no serviço. Nas manhãs de folga, ele costumava fazer extensas caminhadas ao longo da via férrea até as proximidades da atual Parada Fracalanza ou por sobre os montes que vão desde a Abernéssia até Vila Capivari, quer

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dizer, desde o Alto da Boa Vista até o Morro do Elefante. De fato, ele aspirava a largos haustos aquele ar puríssimo, impregnado de olores dos bosques vizinhos, observava as florinhas silvestres, e detendo-se diante de um exemplar mais raro, sentia a caricia dos raios solares que o confortavam naquela manhã fria de setembro. Regressava, finalmente, à estação, de coração contente, sentindo-se em paz com os homens e consigo mesmo. À noite, quando não estava de plantão, ia, algumas vezes, ao cinema, que fora improvisado na serraria de propriedade dos Mirandas, situada na Avenida Januário Miraglia, um pouco além da atual Praça do Fórum. Para esse fim, fora colocada uma tela num dos extremos do grande barracão que abrigava a dita serraria, e os espectadores, à medida que entravam, acomodavam-se como podiam sobre pilhas de vigas de pérola, toras de madeiras diversas e até sobre máquinas operatrizes. Assistiam-se os velhos filmes de faroeste ou de Carlitos e, após o espetáculo, ia-se dormir com consciência tranqüila.96 Entre 1924 e 1927, houve deficiência das linhas telefônicas como conseqüência da eletrificação da ferrovia, em virtude da intensa indução nelas geradas, o que impedia a sua utilização para longas distâncias. Em 1927, foram construídas novas linhas telefônicas entre Pindamonhangaba e Vila Capivari, em Campos do Jordão, essas já em condições de não poderem ser afetadas pelas linhas de transmissão que eletrificavam a estrada. A transmissão entre Santo Antônio do Pinhal, Santana do Sapucaí-Mirim (Sapucaí96

Depoimento de Péricles Homem de Mello ao autor.

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Mirim) e São Bento do Sapucaí eram feitas por intermédio de três linhas de cobre entre as estações de Pindamonhangaba e Emílio Ribas e de uma linha de cobre entre a estação Eugênio Lefèvre e a cidade de São Bento do Sapucaí, passando por Santo Antônio do Pinhal e Sapucaí-Mirim. Apoiavam-se em postes de madeira e, em alguns trechos, em postes de ferro ou de grade, mantendo permanente ligação com as linhas da CTB - Companhia Telefônica Brasileira, que mantinha com a ferrovia um serviço de tráfego mútuo. Em 1935, foi instalado um centro telefônico em São Bento do Sapucaí. Posteriormente, o serviço telefônico da ferrovia, urbano e interurbano, foi mantido em tráfego mútuo com a Estrada de Ferro Bragantina, em 1938. Em 1941, o número de assinantes em Campos do Jordão era de 241 e o número de telefonemas, quer em tráfego próprio, quer em tráfego mútuo atingiu a 39.416 ligações, sendo 15.454 expedidos e 18.520 recebidos. Com o grande crescimento dos serviços, em 1942, iniciou-se a construção de um novo circuito entre Pindamonhangaba e Campos do Jordão. Os assinantes eram de Capivari, Abernéssia, Jaguaribe, São Bento do Sapucaí, Sapucaí-Mirim, Eugênio Lefèvre, Piracuama e Santo Antônio do Pinhal. Em 1950, o serviço telefônico passou a atender São Benedito e Monteiro Lobato; em 1951, foi efetuado um estudo de remodelação do sistema já decadente, considerando-se três soluções: a) reforma e ampliação do conjunto de magnetos e pilhas secas em uso;


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b) instalação de sistemas de bateria central, continuando a operação manual e conservada a linha existente; c) instalação de automático e nova rede de cabos. A última alternativa foi aprovada e adotada. A imprensa jordanense anunciava que prosseguiam ativamente os trabalhos da Ericsson do Brasil para a instalação da rede de telefones automáticos na estância, constituída de 1.500 aparelhos. Esse importante sistema telefônico operado pela E. F. Campos do Jordão somente foi introduzido em 1959, quando o diretor da ferrovia, o eng. Henrique Ottajano, inaugurou as Centrais de Telefones Automáticos. As Centrais, inauguradas em 27 de abril de 1959, foram montadas pela Ericsson do Brasil, dotando a estância, de imediato, de 120 aparelhos, com capacidade para 15.000 unidades, durante o governo Carvalho Pinto. O gerente do Serviço Telefônico, na época, era Alfredo Martins Figueiredo. A ferrovia operou o serviço público até a edição dos decretos, de 16 de setembro e 4 de novembro de 1971, ocasião em que assumiu a administração a COTESP – Companhia de Telecomunicações do Estado de São Paulo, por contrato firmado em 30 de novembro de 1971, no governo Laudo Natel. Nesse mesmo ano, em 29 de maio de 1974, Campos do Jordão foi integrada à rede nacional de DDD – Discagem Direta a Distância, entrando em funcionamento 48 novos canais interurbanos, que ligaram a estância aos troncos de microondas da Embratel. De dezembro de 1971 a maio de 1974, a COTESP dobrou o número de terminais telefônicos instalados de 1.500 para 3.000.

No segundo semestre de 1974, foi inaugurado um moderno prédio no centro da Vila Abernéssia, para abrigar os serviços terminais e administração. Desde a implantação dos serviços pela E. F. Campos do Jordão, em 1917, até a sua transferência para a COTESP, foram chefes do Serviço Telefônico Victor Braga, José Luiz Bicudo, Alfredo Martins Figueiredo, Afonso dos Santos, Felix Giudice e Marcos Damas Caldeira. Ainda depois de transmitida a administração, o dedicado servidor Marcos Damas Caldeira continuou a prestar os seus excelentes serviços à COTESP, até a sua morte prematura. Por isso, deu-se o seu nome à praça existente defronte ao prédio do Serviço Telefônico, no centro de Vila Abernéssia, como homenagem póstuma dos jordanenses. Em 31 de março de 1976, a TELESP – Telecomunicações do Estado de São Paulo incorporou os serviços da COTESP, sucedendo-a em todos os seus direitos e obrigações e, em 10 de março de 1978, por escritura pública lavrada no 8º Tabelião de São Paulo, todos os bens do Serviço Telefônico da Estrada de Ferro Campos do Jordão foram transferidos à TELESP, que passou a acionar esse serviço público em Campos do Jordão, a partir de 31 de março de 1976. 2. Em 12 de outubro de 1923, foram inaugurados os serviços do telégrafo nacional em Campos do Jordão. O ato de instalação dessa estação é um incontestável melhoramento àquele local – noticiou a imprensa de Pindamonhangaba. Estando em Campos do Jordão o Sr. Dr. Sampaio Vidal, ilustre Ministro da Fazenda, S. Exa. passou telegramas de congratulações pela inauguração da estação aos exmos. srs. Arthur

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Bernardes, Presidente da República e Francisco Sá, Ministro da Viação. Pelo mesmo motivo, congratularam-se com o Dr. Washington Luiz, Presidente do Estado, o Sub-prefeito de Campos do Jordão, tendo também passado telegramas de congratulações ao Dr. Ferreira dos Santos, Chefe do Distrito Telegráfico. 97 O encarregado do telégrafo em Campos do Jordão era Octávio Spilborgs. Esse serviço, contudo, foi desativado. Em 8 de junho de 1934, a ferrovia solicitou ao secretário de Viação e Obras Públicas a realização de um contrato com a Repartição Geral dos Telégrafos para efeito de serem os serviços executados pela estrada em todas as suas estações, exceto na de Pindamonhangaba. A estrada em 1923 receberia e transmitiria telegramas em suas linhas, entregando-os aos seus destinatários. As estações emissoras e receptoras seriam instaladas nas estações Bom Sucesso (Expedicionária), Piracuama, Eugênio Lefèvre, Abernéssia e Emílio Ribas. Em 1923, após a supressão da agência telegráfica de Abernéssia, a estrada atendeu o público recebendo pedidos em Campos do Jordão e fazendo despachar em Pindamonhangaba os telegramas mediante o paga-

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“Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, de 14 de outubro de 1923.

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mento das taxas devidas à Repartição dos Telégrafos e da taxa normal correspondente aos telegramas. A imprensa pindamonhagabense anunciou: “Procurando facilitar a distribuição da correspondência em Campos do Jordão, temos posto à disposição da Repartição dos Telégrafos um local no armazém de cargas da Estação Emílio Ribas. Posteriormente, com um pequeno trabalho de adaptação, poderemos deixar reservado àquela Repartição um cômodo na própria Estação Emílio Ribas, onde poderá ser instalado convenientemente e, ao que parece, em local mais apropriado e central, uma agência de correio para a venda de selos, recebimento, registro e entrega da correspondência.79 Entretanto, a repartição dos Correios assumiu os serviços públicos, tendo Simão Cirineu Saraiva exercido o cargo de agente desde a década dos anos trinta. Em 12 de fevereiro de 1959, foi inaugurada a agência dos Correios e Telégrafos, em Vila Abernéssia, em prédio próprio, quando Antônio Reis exercia as funções de agente, funcionando até hoje sob a administração da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Desde os anos 30, deixou a ferrovia de operar os serviços telegráficos.


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XIX A Ferrovia e a Urbanização 1. O governador do Estado, Armando de Salles Oliveira, por ato de 5 de setembro de 1938, nomeou uma comissão de urbanização de Campos do Jordão, que apresentou um anteprojeto depois de prolongados estudos. A comissão foi presidida pelo eng. Prestes Maia e constituída pelo prefeito municipal, dr. Antônio Gavião Gonzaga, o médico Marco Antônio Nogueira Cardoso, o engenheiro Aristides Souza Mello e por Gastão Mesquita Filho. No que tange à ferrovia, a comissão concluiu que a Estrada de Ferro Campos do Jordão devia participar da urbanização e remodelação das vilas jordanenses, mediante três séries de medidas:

pessoas possam transitar rapidamente e sem risco de se embaraçar nos trilhos. As paradas devem ter plataformas de nível com o estrado dos carros, de modo ou tornar mais rápido o movimento de passageiros (...) Prevemos para a fase definitiva espaçamentos de trezentos metros apenas. Naturalmente, os trens expressos saltarão essas paradas intermediárias. Em Campos do Jordão, a estrada elétrica nos trechos das vilas e, futuramente, até mais adiante, de um e outro lado, deve transformar-se francamente em linha semi-rápida de tráfego contínuo. Isto pode ser obtido imediatamente pela aquisição de um novo vagão automotor. A importância desse melhoramento é enorme, porque eliminará um dos maiores males nestes locais, que é a dificuldade de comunicações longitudinais, condição indispensável ao desenvolvimento urbanístico e a comodidade de muitos serviços (...) Fregueses, contribuintes, funcionários, escolares, etc., poderão transportar-se sem longas pernadas, e as residências garantidas sob este ponto de vista, encherão mais rapidamente os tratos vazios de hoje.

Organização do Serviço Local Intensivo A implementação de bondes rápidos no trecho que servia as Vilas Abernéssia, Jaguaribe e Capivari. Uma das medidas essenciais era o tratamento da via principal como rápida. Seus cruzamentos devem ser em desnível, mas como a topografia ou o custo não o permite sempre, faz-se assim onde é praticável e os restantes espaçam-se o mais possível. Prolongamento da Estrada Eles devem ser descobertos à vista, bem A sua diretoria tem sugerido o prolongacalçados e amplos, de modo que veículos e mento até Itajubá, com o duplo objetivo de

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melhorar a região e equilibrar a receita pelo incremento do tráfego, naturalmente fraco pela pobreza da zona e agravado pela concorrência rodoviária. Esse prolongamento não parece desarrazoado, visto ser pequena a distância a vencer e haver um traçado indicado pela natureza: a descida do rio (...) Não é, porém, nosso intuito estudar neste momento tal obra, mas apenas observar que o primeiro trecho, entre o Homem Morto e a Fazenda Itaquerê é de interesse urbanístico menos remoto (...) Em qualquer caso, é necessário prever esse desenvolvimento e uma das medidas mais necessárias nesse sentido é assentar desde logo o traçado futuro da eletrovia. Melhoramento da Eletrovia O estudo sugeriu o arranjo da via, sebes laterais floridas, gramados, construção de abrigos, plataformas e sinalização. As sebes laterais são indispensáveis para a segregação do leito, mas devem evitar o aspecto de cercas banais. Toda sinalização cara é prematura, mas futuramente qualquer aperfeiçoamento nesse sentido (por exemplo, campainhas, quiçá sinais fotoelétricos) torna-se desejável, visto ser impossível mais que 2 ou 3 passagens em desnível e, entretanto, tratar-se de verdadeira artéria urbana com travessia freqüente de transeuntes, forasteiros e crianças. Um abuso a coibir é a abertura de portões particulares sobre a faixa da eletrovia (onde não há rua contígua) e trânsito de pedestres ao longo da mesma. Quando os melhoramentos estiverem concluídos, não haverá mais pretexto para tal. 98

“O Funcionário”, de 23 de março de 1938.

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Em 1938, a imprensa noticiou que a Comissão nomeada pelo Governo do Estado para estudar a urbanização de Campos do Jordão, chefiada pelo Engº. Prestes Maia já concluíra os seus serviços, dependendo exclusivamente da autorização do Governo para ser iniciada a urbanização. “Estão orçados em cerca de 15.000 contos de réis os melhoramentos constantes do relatório apresentado ao governo do Estado pelo Dr. Prestes Maia (...) Uma medida importante é a transformação em bonde do último trecho da ferrovia para permitir serviço local, indispensável em vista das condições especiais das 3 Vilas, pouco distantes entre si, constituindo uma verdadeira cidade linear. Tudo sem prejuízo do serviço de longa distância e mediante apenas a aquisição de um novo veículo automotor.” A publicação prosseguiu: “há pouco se construiu para lá uma rodovia nova, que parte de São José dos Campos. A nosso ver, foi um erro. Teria sido muito preferível contentar-se provisoriamente com a eletrovia e com um melhoramento ligeiro da rodovia existente, a de Pinda, e aplicar a importância no inicio de um programa urbanístico como foi logo após delineado (...) Todo anteprojeto foi aprovado na extinta Câmara Estadual com uma única discordância, muito lamentável ... para o discordante.”98 O relatório do Plano Diretor de Campos do Jordão, nos anos 60, do Centro de Pesquisas e Estudos Urbanísticos da Faculdade de Arquitetura da USP, coordenado pelo arquiteto Zenon Lotufo, registrou que “com a estrada de ferro a conduzir novos forasteiros e grande quantidade de material de construção, acelerou-se o ritmo do progresso jordanense, sempre ligado ao ciclo sanatorial.


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A maior parte das construções destina-se a pensões para doentes.” 99 Campos do Jordão cresceu e desenvolveuse ao redor e ao longo da via férrea que corta o fundo do vale, interligando as Vilas Abernéssia, Jaguaribe e Capivari. Em setembro de 1979, a prefeitura municipal de Campos do Jordão, na gestão do prefeito Fausi Paulo, elaborou um amplo projeto, coordenado pelo Escritório Rosa Grená Kliass – Paisagismo, Planejamento e Projeto Ltda., objetivando dotar a estância de infra-estrutura indispensável para suportar o crescente fluxo de turistas, contendo três propostas: Construção de parqueamento de ônibus de turismo, estação rodoviária, implantação de corredor de circulação e remanejamento do centro de Vila Capivari. O crescente fluxo de turistas à região de Campos do Jordão, pelas características de área de lazer e pelas condições físicas naturais do Município, ressalta os problemas da cidade que se tornam mais complexos, dada à inexistência de infra-estrutura adequada à demanda, cujo crescimento futuro poderia comprometer a conhecida Estância. Essa perspectiva levou a Prefeitura local a preocupar-se com a questão e encomendar projeto para solucionar o problema, objetivando não só o bem-estar da população fixa como também o dos turistas e visitantes que chegam a Estância paulista. Toda uma equipe, envolvendo grupos de profissionais especializados, foi mobilizada para elaborar as modificações necessárias à consecução de tal meta. No que concerne à Ferrovia, o projeto destacou que, para tornar mais eficiente o ser99

viço de bondes, os aspectos básicos a serem considerados são os de melhorar a via permanente, com a substituição dos trilhos já bastantes gastos; reforçar a rede aérea com a possível instalação de uma nova subestação; adquirir novos carros, provavelmente por meio da construção de mais dois bondes nas oficinas de Pindamonhangaba, com base nos carros-gôndolas já existentes (aliás, solução viável em curto prazo) ou pela compra de unidades inteiramente novas, com a utilização até mesmo de trolebus adaptados sobre trilhos e criar mais dois pontos de cruzamento, o que permitiria a operação de bondes mais potentes com freqüência de quinze minutos em cada sentido. Mais além, o estudo menciona que Vila Capivari é o centro terciário de Campos do Jordão, para onde aflui grande número de pessoas, notadamente em épocas de temporada, quando o movimento é muito maior, originando-se grandes congestionamentos. Situa-se também em Vila Capivari o pátio da Estação Emílio Ribas, da Estrada de Ferro de Campos do Jordão, que engloba o pátio de manobras, a antiga estação e o antigo abrigo de automotrizes, que serão desativados em virtude da construção da nova estação, oficina e abrigo. O projeto elaborado tem a intenção de acentuar o caráter de área de lazer dessa região, utilizando o espaço livre disponível, de grande potencial de aproveitamento (cobertura vegetal, lago, miniférico). Para alcançar tal objetivo, todavia, faz-se necessário descongestionar a Rua Engenheiro Diogo José de Carvalho e a Avenida Macedo Soares. 100

“Plano Diretor de Campos do Jordão”, CPEU-FAUUSP, 1960.

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“Dirigente Municipal”, de setembro/outubro de 1979.

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Manh達 de inverno.

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XX Viagem do Governador Adhemar de Barros 1. Em 12 de novembro de 1950, uma gôndola aberta da ferrovia desembarcou na estação de Vila Abernéssia, transportando o governador Adhemar de Barros, que vinha acompanhado de importantes figuras das Forças Armadas. Eram convidados do governador o general Henrique Teixeira Lott, comandante da 2ª Região Militar; major brigadeiro Armando de Mello e Souza Ararigbóia, comandante da 4ª Zona Aérea; general Zeno Estilac Leal, comandante

da A. D. 2; general J. Segadas Viana, sub-comandante da 2ª D. I.; major brigadeiro Guedes Muniz, diretor de ensino da Aeronáutica; coronel Milton Cezimbra, chefe do Estado Maior da 2ª Região Militar; coronel Anísio Botelho, chefe do Estado Maior da 4ª Zona Aérea; coronel João Kahl Filho, comandante da Base Aérea de São Paulo; dr. Edgard Pereira Barreto, secretário da Agricultura e dr. Arlindo Maia Lelo, presidente do Banco do Estado de São Paulo. O sr. Paulo Bockman ofereceu um lauto almoço aos visitantes em sua belíssima propriedade.

Almoço na Fazenda Belfruta – Sr. Paulo Bockmann, Governador Lucas Garcez e o Presidente Getúlio Vargas.

Degustando a Cavila – Destilado de Maçã produzido pela Fazenda Belfruta, Paulo Bockman, Getúlio Vargas, Ademar de Barros e Danton Coelho.

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A intenção do governador Adhemar de Barros foi a de mostrar Campos do Jordão às altas autoridades militares, notadamente, o Parque Estadual de Campos do Jordão, as obras do campo de aviação e do Palácio Boa Vista, a Fazenda Belfruta, fabricante da Calvila, famosa aguardente de maçã e de geléias de frutas selecionadas, que, na época, faziam um grande sucesso. Naquele tempo, Paulo Bockman era um dos proprietários da Fazenda Belfruta e exercia as funções de chefe de gabinete do secretário da Agricultura. Entretanto, a principal razão do convite foi o de sensibilizar as autoridades militares a aprovar a implantação do campo de aviação, que, situado no Alto do Capivari, já havia sofrido serviços de terraplenagem. Infelizmente, o DAC – Departamento de Aviação Civil – não aprovou a construção de um campo de aviação em Campos do Jordão, por motivos técnicos.

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Essa foi apenas umas das numerosas viagens que Adhemar de Bar ros, na Interventoria, no Governo do Estado e nas campanhas eleitorais, aportando ou partindo de Campos do Jordão, utilizou-se das automotrizes da ferrovia.

Visita à Fabrica da Calvila – Prefeito Paulo Cury, Sr. Paulo Bockmann, Sra. Martha Bochman e o presidente Getúlio Vargas.


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XXI Viagem do Presidente Getúlio Vargas 1. O jornal A Cidade, de Campos do Paraná que iniciavam conversações polítiJordão, de 21 de janeiro de 1951, sob a man- cas. chete A Presença de Getúlio Vargas, anunciava: Adhemar de Barros foi o grande coorde“ Campos do Jordão está vivendo os dias mais agita- nador da visita e o presidente Vargas reveloudos da sua história. se impressionado com a Fazenda Belfruta, perAgitação construtiva é claro, pois ela de- correndo suas plantações de 20 mil macieiras, corre da presença do Sr. Getúlio Vargas, Pre- 5 mil pessegueiros e um frambroesal de 21 sidente eleito da República, o qual, a convite alqueires. do Governador Adhemar de Barros, aqui se Visitou o viveiro da fazenda que possuía encontra, juntamente com elementos repre- 300 mil enxertos das espécies referidas e os sentativos das maiores forças políticas nacio- campos experimentais, organizados cientifinais, mantendo conversações para a formação de seu futuro ministério. Chegou à cidade, viajando em automotriz da Estrada de Ferro Campos do Jordão, ficando hospedado com o governador, o viceg over nador Erlindo Salzano, Danton Coelho e outras personalidades políticas na residência de Paulo Bockman, na Fazenda Belfruta. A cada dia, chegavam visitantes mais ilustres do cenário político nacional, como o vice-presidente Café Filho, também eleito, e Visita à Fabrica da Calvila – Sr. Paulo Bockmann, Presidente Munhoz da Rocha, governador do Getúlio Vargas e Dr. Adhemar de Barros.

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camente, onde se destacavam árvores frutíferas de diversos países (EUA, França, Espanha e Itália). O presidente conheceu a vigorosa produção industrial da Belfruta, bebeu a deliciosa pinga de maçã, chamada Calvila que, pela sua qualidade superava a similar francesa, denominada Calvados, além de sucos e geléias de framboesa, pêssegos e damascos. Revelou o seu produto predileto: o doce de cidra. Ouvido pelo jornal A Cidade, de 28 de janeiro de 1951, disse Vargas: “estou magnificamente impressionado com Campos do Jordão.” Exaltou a obra que Paulo Bockman empreendera no setor, aliás, foi nessa época informado que, em sua especialidade na cultura de macieiras, pessegueiros, pereiras e oliveiras, a Fazenda Belfruta podia ser considerada a maior do País. Ao saber que o viveiro possuía cerca de 300 mil enxertos daquelas espécies, houve vivas exclamações de admiração de sua parte. Recebeu a visita de todos os integrantes do diretório municipal do Partido Social Progressista da cidade. O jornal O Estado de São Paulo, de 21 de janeiro de 1951, destacava: “O Sr. Getúlio Vargas recebeu hoje, pela manhã, em conferência, alguns cineastas, dentre os quais se destacava o conhecido produtor Carlos Calvacanti. Logo depois, palestrou longamente com os governadores do Paraná e Santa Catarina, Bento Munhós da Rocha e Irineu Bornhausen. Às 11:45 horas recebeu-os o Sr. Adhemar de Barros, que se achava em companhia do Sr. Café Filho, com eles conversando até a hora do almoço. Em seguida, recolheu-se aos seus aposentos até às 17 horas.

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Revelou o Sr. Café Filho vivo interesse pelo turismo de Campos do Jordão, prometendo apoiar a construção da estrada de rodagem Pindamonhangaba – Campos do Jordão, ligando-a depois ao Sul de Minas, através de rodovia de acesso fácil e rápido. Depois do descanso habitual da tarde, Getúlio Vargas se dispôs a receber os jornalistas para uma entrevista coletiva. Foi crivado de perguntas. Um dos presentes arriscou uma pergunta embaraçosa: – O General Góes Monteiro não poderia vir a ser o presidente do novo partido a ser constituído? Vargas, sorrindo, respondeu: – O General tem capacidade para exercer muitas funções. Após a entrevista coletiva, o Presidente eleito ocupou o resto da tarde passeando pelos jardins da casa que o hospedava, palestrando com o Governador eleito de São Paulo Lucas Nogueira Garcez, que havia chegado pouco antes de helicóptero.” O jornal O Estado de S. Paulo, de 19 de janeiro, noticiava: “A estada de Getúlio Vargas em Campos do Jordão, na Fazenda Belfruta, do Sr. Paulo Bockman continua sendo desde a chegada, objeto de curiosidade pública, tornando-se ponto de concentração política de diversos Estados. A todo o momento, chegam novas personalidades com o fito de avistarem-se com o Presidente eleito. Ontem, após o jantar, os Srs. Getúlio Vargas e Erlindo Salzano recolheram-se a um aposento reservado, mantendo longas conversações. A conferência foi extremamente sigilosa, nada de positivo transpirando. Informou-se,


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entretanto, segundo informações colhidas, em fontes dignas de crédito, que se cogitou dos nomes do Sr. Danton Coelho para a Pasta do Trabalho, Oscar Silveira para Justiça, Estilac Leal para a Guerra e João Neves da Fontoura para o Ministério das Relações Exteriores.

2. No dia 18 de janeiro de 1951, o futuro presidente limitou-se pela manhã a palestrar com diversas pessoas, entretendo-se depois a admirar a paisagem da Fazenda Belfruta. Após o almoço, repousou até às 16 horas, e, em companhia de Danton Coelho e Erlindo

Trecho de linha próximo à Eugênio Lefèvre.

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Salzano, do seu anfitrião e do prefeito Paulo Cury, visitou alguns recantos da cidade. Em suas conversas, Vargas não regateou elogios ao clima e às belezas panorâmicas de Campos do Jordão, elogiando também a administração do prefeito. Anuncia-se que o Sr. Getúlio Vargas não se ausentará daqui antes do dia 25 de janeiro Duas

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presenças chamaram a atenção dos jordanenses: a de João Goulart, anos mais tarde, presidente da República e de Gregório Fortunato, guarda-costas de Getúlio.” 101 Getúlio Vargas deixou a estância, sendo transportado em automotriz da Estrada de Ferro Campos do Jordão para Pindamonhangaba.

“História de Campos do Jordão”, de Pedro Paulo Filho, Santuário, Aparecida, 1986.

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XXII Viagem do Presidente Castelo Branco 1. Em 21 de julho de 1964, o presidente da República, marechal Castelo Branco, inaugurou o Palácio Boa Vista do Governo de São Paulo, obra iniciada em 21 de julho de 1937, pelo interventor federal Adhemar de Barros. Procedente do Rio de Janeiro, o presidente e sua comitiva desembarcaram do Avro presidencial no campo do Centro Técnico da Aeronáutica, em São José dos Campos, às 9h30. Prestaram-lhe as continências de estilo uma companhia de polícia da Aeronáutica, alunos do CPOR e a Banda da Base Aérea de São Paulo. Estavam presentes no aeroporto o brigadeiro Casemiro Montenegro Filho, diretorgeral do CTA, Marco Antônio Cecchini, reitor do ITA, José Marcondes Pereira, prefeito de São José dos Campos, Mario Audrá, chefe da Casa Civil do governador, representando Adhemar de Barros, coronel Souza Lobo, comandante da I. D. 2, de Caçapava, entre outras autoridades. Servindo-se de helicóptero do governo de São Paulo, o presidente da República partiu, acompanhado por outros dois helicópteros da FAB, rumo a Piracuama, onde desceu em um campo improvisado na Fazenda de João Jorge Saad, genro do governador.

De Piracuama, o chefe de governo seguiu para Campos do Jordão, em bonde especial da Estrada de Ferro Campos do Jordão. Às 11h45 horas, ao chegar na estação Abernéssia, em Campos do Jordão, Castelo Branco foi grandemente aplaudido. Ainda na estação ferroviária, o presidente Castelo Branco cumprimentou dona Leonor Mendes de Barros, primeira dama de São Paulo, e, em seguida, em companhia do casal, dirigiu-se à residência particular do governador. No pátio do Palácio Boa Vista, acordes do Hino Nacional executados pela banda de música da Força Pública do Estado anunciavam a chegada do presidente, que passou em revista um batalhão da milícia e os cavalarianos do Regimento Nove de Julho, que se apresentaram com novo uniforme, ao estilo Polícia Montada do Canadá. Descerradas as fitas com as cores brasileiras e paulistas seguiu-se o descerramento da placa comemorativa do início e do término das obras do Palácio Boa Vista. Após as bênçãos das instalações do Palácio pelo cardeal arcebispo de Aparecida, dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, o governador fez breve discurso, convidando o presidente a servir-se daquele palácio para descansar e meditar.

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Castelo Branco agradeceu ao governador a oportunidade que lhe dava de rever Campos do Jordão – local onde passara doze dias em 1962. Depois de visitar as dependências do Palácio Boa Vista, por volta das 13 horas, no pátio interno, serviu-se um banquete de trezentos e vinte talheres. Ao iniciar-se o banquete, a Orquestra Sinfônica Estadual executou a protofonia do Guarani e o primeiro movimento da 5ª Sinfonia de Beethoven. No meio do banquete, o vereador Joaquim Corrêa Cintra entregou ao presidente Castelo Branco o título de Cidadão Jordanense, que lhe fora conferido pela edilidade de Campos do Jordão. No banquete de 320 talheres serviu-se peixe à brasileira, peru com batata palha e vagem, bolo de chocolate, uísque, vinho do Porto.

Consumiram-se 200 quilos de dourado, 250 quilos de peru, três sacos de batata, quatro caixas de vagem, uma caixa de uísque nacional, duas caixas de vinho do Porto, dezenas de litros de suco de tomate. Oito cozinheiros e 28 garçons encarregaram-se de preparar e servir o banquete. Às 15 horas, o presidente, acompanhado de Adhemar de Barros, fez uma rápida visita ao seu primo Fernando de Alencar Pinto, na residência deste, a um quilometro do Palácio Boa Vista. Cercado de pinheiros e dominando uma colina no bairro Boa Vista, o palácio foi decorado com mobília colonial. Durante três horas e 45 minutos em que Castelo Branco esteve em Campos do Jordão, ele foi alvo de calorosas manifestações populares. Às 15 horas e 30 minutos, o presidente deixou Campos do Jordão em helicóptero, com destino a São José dos Campos.102

Visita do presidente Castelo Branco em 1964, tendo à sua direita o gal. Ernesto Geisel e à direita o governador Adhemir de Barros – inauguração do Palácio Boavista. 102

“O Estado de São Paulo”, de 22 de julho de 1964.

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XXIII Tentativa de Desativação da Ferrovia 1. Na década de 1980, a Ferrovia atravessou momentos difíceis, até com ameaça de extinção, por falta de manutenção de suas instalações da Via Permanente, Material Rodante e Linhas Aéreas, demonstrando até uma certa ociosidade, considerando que Campos do Jordão dispunha de duas rodovias partindo da Via Dutra, a velha estrada de São José dos Campos (SP -50) e a nova, que se iniciava em Quiririm (Taubaté), com a denominação de Rodovia Floriano Rodrigues Pinheiro, as quais punham a estância a uma menor distância para os turistas do Vale do Paraíba, Rio e São Paulo. O jornal O Estado de S. Paulo, de 13 de fevereiro de 1980, publicava: “A Estrada de Ferro Campos do Jordão precisa de promoção para ser utilizada pelo turismo, também em benefício da economia de combustível. Todos sabem, contudo, que ela não tem mais condições para isso e seu funcionamento é precário, vencida pelas facilidades do acesso rodoviário, ainda imbatíveis.”103 O jornal Folha de S. Paulo, de 19 de fevereiro de 1980, noticiava: “Reivindicações de funcionários à parte (reajuste de salário), a noticia que chega 103

de Pindamonhangaba de que há ameaça de fechamento da Estrada de Ferro Campos do Jordão, segundo rumores que correm na região, é daquelas que estranhamente vimos acostumados, e somente quando o fato acontece, há um protesto geral – mas, então, dizem os seus atores: - agora é tarde.”104 O jornal O Estado de São Paulo, em 25 de março de 1980, publicou as palavras de Celso Marcondes Ferreira, presidente da Associação dos Ferroviários, segundo às quais os operários estavam abandonando a ferrovia em busca de melhores salários, em vista da baixíssima remuneração paga pela Ferrovia. “Pelo menos é assim que raciocinam os moradores da própria Campos do Jordão, de Pindamonhangaba e de outras cidades ao longo da Ferrovia. Na realidade, parece ser exatamente esta a intenção do Governo do Estado: fechar a Estradinha por “meios indiretos”, sem maiores preocupações com o futuro dos servidores mais idosos.”105 O Folhetim da Serra, de abril de 1980, sob o título Tem Uma Pedra no Trilho do Bonde, publicava: “A cada dia que passa a Estrada de Ferro Campos do Jordão morre mais um pouco. Enfren-

“O Estado de São Paulo”, de 13 de fevereiro de 1980.

104

“Folha de São Paulo”, de 19 de fevereiro de 1980.

105

“O Estado de São Paulo”, de 25 de março de 1980.

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tando um quadro crítico, com um volume cada vez maior de problemas técnicos, financeiros e administrativos, a empresa poderá ser desativada a qualquer momento por um ato administrativo da Secretaria de Turismo, à qual a Estrada de Ferro Campos do Jordão está funcionalmente ligada desde 1972.” Em 9 de maio de 1980, o jornal O Estado de S. Paulo noticiava que houvera uma redução dos horários de automotrizes, a retirada do trem de luxo AL-1 e a falta de funcionários, sobretudo, na Via Permanente, ocasionando o péssimo estado de conservação de 47 quilômetros da linha férrea. O diretor Hélio Marcondes não negou, extra-oficialmente, que a contabilidade não se encontrava em dia por falta de funcionários. A situação levou o engenheiro Hélio Marcondes a pedir audiência ao FUMEST – Fundo de Melhoria das Estâncias, visando a um plano rápido para a recuperação do potencial turístico da Ferrovia, de forma a melhorar a baixa rentabilidade da Estrada de Ferro Campos do Jordão. Novamente, em 15 de maio de 1980, o jornal publicava artigo sob o tema O Futuro da Estrada de Ferro Campos do Jordão, alertando para a possibilidade de sua desativação e, em 27 do mesmo mês, nova manchete: A Estradinha pede Socorro.106 Noticiava que até dos Estados Unidos e da Argentina vinham manifestações de indignação e espanto diante da informação: a belíssima estrada de ferro entre Pindamonhangaba e Campos do Jordão podia ser fechada. Será mesmo possível que São Paulo perca esse importante pedaço do seu patrimônio? 106

“Folhetim da Serra”, de abril de 1980.

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“O Estado de São Paulo”, de 6 junho de 1980.

108

“O Estado de São Paulo”, de 27 de maio de 1980.

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“Jornal da Tarde”, de 19 de junho de 1980.

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Os prefeitos Fausi Paulo, de Campos do Jordão e Geraldo Alckmin Filho, de Pindamonhangaba, manifestaram o seu inconformismo, pedindo ao governador Paulo Maluf para que salvasse a Ferrovia. No mesmo sentido escreveram ao governador A. Gonzalez Podesta, presidente da Associação Amigos Del Travia, da Argentina e Sérgio Martire, presidente da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (dói ver o que está acontecendo com a Estrada de Ferro Campos do Jordão). O deputado Ricardo Izar levou ao governador Paulo Maluf as publicações da imprensa, que, assustado, determinou a contratação urgente de 121 funcionários para a Ferrovia, ao secretário de Turismo Octavio Celso da Silveira.107 Allen Morrison, produtor de filmes para TV americana, escreveu de Washington às autoridades estaduais: Eu não posso imaginar que em 1980 no Brasil, permita-se que um patrimônio desse desapareça!.108 2. O Jornal da Tarde, de 19 de junho de 1980, trazia a manchete: A Ferrovia de Campos do Jordão Quase Salva, publicando que o Diário Oficial do Estado dava noticia de que fora autorizada a contratação de 121 funcionários para as áreas técnicas e burocráticas da Ferrovia. O diretor Hélio Marcondes Consolino, mais aliviado, anunciou que a estrada, além dos funcionários, receberia verbas para a compra de mais trens e gôndolas.109 As noticias da possibilidade de desativação levaram os prefeitos do CODIVAP – Con-


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sórcio Integrado do Vale do Paraíba a reunirem-se em São José do Barreiro para o fim de, em audiência com o governador Paulo Maluf, impedir a extinção do serviço ferroviário da Estrada de Ferro Campos do Jordão.110 Políticos pindamonhangabenses e jordanenses uniram-se à grande frente constituída

pela continuidade da Ferrovia, causa que foi abraçada pelos deputados Armando Pinheiro e Ricardo Izar e pelos prefeitos Geraldo Alckmin Filho, de Pindamonhangaba e Fausi Paulo, de Campos do Jordão, além de Celso Marcondes Ferreira, presidente da Associação dos Ferroviários da E.F.C.J.

Mirante de Santo Antonio do Pinhal de onde se avista várias cidades do Vale do Paraíba.

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Jornal “Evolução”, de 9 de junho de 1980.

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Já em meados de 1980, o Estado de São Paulo noticiava Vão Salvar a Estradinha.111 Enfim, veio à tona a notícia do secretário de Turismo, quando visitou Campos do Jordão: A Estrada de Ferro Campos do Jordão não será desativada.112 Em setembro de 1980, o deputado Robson Marinho levou a questão à Assembléia Legislativa, solicitando informações ao Governo do Estado. A desativação da Estrada de Ferro Campos do Jordão constituiria um grave erro histórico, em face de sua importante contribui-

ção na recuperação de milhares de brasileiros que sobreviveram à ameaça da tuberculose no passado e que, graças à ferrovia, puderam escalar a Serra da Mantiqueira em busca de tratamento hospitalar, que os devolveu à família, ao trabalho e à vida. Mais do que isso, seria uma iniciativa antipatriótica e ofensiva à memória do transporte ferroviário brasileiro, pela liquidação criminosa de um patrimônio do Estado, pioneiro e único pelas suas características técnicas de operação, sem similar no País, além de ter sido a primeira ferrovia eletrificada do Brasil.

111

“O Estado de São Paulo”, de 6 de junho de 1980.

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Jornal “Evolução”, de 19 de agosto de 1980 e “Valeparaibano”, de 5 de agosto de 1980.

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XXIV Importância da Ferrovia na Estação de Cura 1. A Estrada de Ferro Campos do Jordão foi o primeiro caminho civilizado interligando Campos do Jordão ao Brasil. Substituiu as liteiras, os bangüês e os lombos de burros. A sua função social, durante a Estação de Cura da Tuberculose, foi de tal ordem que não encontra paralelo na história das ferrovias brasileiras, via de acesso mais importante. Evocou o médico Ovídio Pires de Campos: Tal foi, porém, dentro em pouco a notoriedade de que se viram cercados os “Campos do Jordão, que dois distintos médicos residentes em Pindamonhangaba, os drs. Francisco Romeiro e Gustavo de Godoy, testemunhas que eram das curas ali obtidas, resolveram instalar uma Casa de Saúde naquele lugar, destinado a receber os chamados respirantes; casa de saúde cuja duração foi bastante efêmera. A instalação dessa Casa de Saúde data dos idos de 1888-1889. A descontinuidade da empresa, porém, não arrefeceu a fama e o entusiasmo de quantos conheciam Campos do Jordão como clima ideal, indicado pelos estudiosos como estação

climática adequada ao tratamento de moléstias que requeriam clima de altitude. Os clínicos – escrevia Ovídio Pires de Campos – já agora imbuídos e convencidos dessa idéia, não trepidavam em aconselhar aos seus doentes a buscar uma cura nos Campos do Jordão, que passaram a constituir também assuntos de artigos de jornais e temas de memórias e dissertações, como o fizeram, entre outros, Luiz Pereira Barreto, Carlos Botelho e Clemente Ferreira, eminentes médicos; Theodoro Sampaio e Cristovam Caramuru, conceituados engenheiros; Joaquim Lacerda e Emanoel Carneiro, autorizados publicistas.113 No final do século XIX, a imprensa pindamonhangabense publicava: Ultimamente, tem havido afluência de visitantes e doentes aos Campos do Jordão. Sabemos que por estes dias, seguem também em procura daquele bom clima o exmo. Sr. Conde de Moreira Lima e Exmª. Família, obrigado pelo estado de saúde da Exmª. Condessa de Moreira Lima. 114 O sociólogo Oracy Nogueira escreveu que, por volta de 1913, a população era constituída quase exclusivamente por pessoas que procuravam a locali-

113

Separata do Boletim Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, de setembro de 1919.

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“Tribuna do Norte”, de 4 janeiro de 1890.

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dade para tratamento de tuberculose pulmonar e pelos parentes e agregados que as acompanhavam. Havia apenas um hotel e uma pensão onde doentes e sãos (não tuberculosos) indiscriminadamente se alojavam. “Os poucos habitantes não tuberculosos eram, em quase a sua totalidade, caboclos originários do local ou das regiões contíguas dos Estados de São Paulo e Minas Gerais, os quais viviam do trabalho doméstico em casas de doentes (principalmente as mulheres) ou da venda aos mesmos de poucos produtos de sua escassa lavoura e criação: raras frutas e legumes, aves, ovos e outros pequenos animais de corte.115 Na década de 30, a cidade era um festival de pensões de tuberculosos, que se localizavam, em sua maioria, na Vila Abernéssia, mas se estendiam para a Vila Jaguaribe e algumas em Vila Capivari, embora nesta última morassem os doentes de melhor nível econômico, alugando ou comprando casas particulares. O quadro sanitário jordanense era extremamente doloroso, repleto de misérias e sofrimentos, pois a estância exercia atração magnética sobre os enfermos do pulmão, que continuadamente aportavam à cidade, trazendo a esperança nos corações, por piores que fossem os seus estados de saúde, imaginando ser o clima de Campos do Jordão o lenitivo de todos os males. Muitos chegaram para morrer e imaginavam que bastava respirar o clima puro da montanha para retornarem sadios aos seus lares. O quadro era o de pobreza misturada à doença. O médico Francisco de Moura Coutinho contou-nos que palhoças, quase primitivas ou inseguras, casebres de madeira, eram aluga115

dos por várias centenas de mil réis e mesmo contos de réis. O quadro era dantesco. Pensões em quantidade, sem higiene, aeração e iluminação. Muitos enterros. Morria-se dramaticamente com hemoptise (ruptura de um vaso pulmonar, provocando hemorragia e levando o doente a expelir sangue pela boca). Narrou-nos o médico Fausto Bueno de Arruda Camargo, que, na própria estação ferroviária da Vila Abernéssia, se via doentes debruçados em bancos ou deitados, tossindo, escarrando sangue, à espera de um bonde da E. F. C. J. ou de uma possível internação. A cidade tinha aspecto de urbe doentia, dado o elevado número de tuberculosos e o viandante sadio que passeava, assustava-se naturalmente com medo de contágio, seja pelo contato com aqueles seres cadavéricos, brancos e arcados, seja pela possibilidade de transmissão do bacilo no uso de copos e talheres usados em bares e botequins. Essa dramática situação somente amenizou-se quando o Interventor Adhemar de Barros, pelo Decreto nº 11.781, de 30 de dezembro de 1940, seccionou a cidade em duas zonas: a sanatorial e a turística, e o prefeito Orestes de Almeida Guimarães determinou o fechamento das pensões, seguido da inauguração de alguns sanatórios. Durante a inauguração do retrato do dr. Raphael de Paula Souza, em 30 de julho de 1939, em Sanatorinhos, Arthur Ramozzi descreveu a situação caótica dos doentes que afluíam à estância, antes de se edificarem os sanatórios. “Há alguns anos, quem saísse às ruas numa manhã de sol e percorresse a arterial principal de Vila Abernéssia, extasiado com a

“Vozes de Campos do Jordão”, de Oracy Nogueira, Revista de Sociologia, São Paulo, 1950.

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esplendorosa magnificência desta natureza prodigiosa, depararia, subitamente, com um quadro que oferecia um contraste desolador. À margem da estrada, em frente a um barracão quase em ruínas, encontraria uma dezena de indivíduos em trajes miseráveis, com os rostos macilentos, onde estava estampada toda uma história de dor. E se o viandante curioso entrasse naquele casarão, que era o fundo do quadro, encontraria grande desolação. Alguns cômodos sujos, cheios de mil trastes velhos, sem ar, sem sol, e atirados ao chão alguns colchões onde repousavam aqueles infelizes tuberculosos, sem a menor higiene, hospedados ali pela caridade de alguém que ainda fazia muito, porque fazia o que lhe era possível.” Arthur Ramozzi referia-se ao proprietário do barracão, um português rico, mas mal-educado que fazia caridade – o João Rodrigues da Silva, que todos chamavam de João Maquinista. Emílio Ribas e Victor Godinho, já no primeiro quartel do século XX, muito contribuíram para a divulgação e popularização das virtudes climáticas e terapêuticas de Campos do Jordão, tornando-as acessíveis a um número sempre crescente de pessoas, não só as doentes, mas também a muitas outras que buscavam aventuras inusitadas nos paradisíacos recantos da Serra da Mantiqueira, cujas belezas eram tão entusiasticamente decantadas. A esses dois ilustres médicos deve-se a iniciativa da construção da Estrada de Ferro Campos do Jordão, por cuja implantação afanosamente lutaram, vencendo os percalços da burocracia, até que, vitoriosos em sua empresa, assistiram à cerimônia do batimento da primeira estaca, em 27 de abril de 1912.

Oito meses após o seu início, o povo viu chegar a primeira locomotiva a vapor à Vila Nova, hoje chamada Vila Abernéssia. A inauguração oficial da Ferrovia ocorreu algum tempo mais tarde, em 15 de novembro de 1914. Estava, finalmente, aberto o caminho para a implantação do sistema hospitalar, permitindo o acesso dos brasileiros aos efeitos terapêuticos do clima jordanense. Com o advento da Estrada de Ferro Campos do Jordão, que passou para propriedade do Governo de São Paulo, em 1915, e com sua eletrificação, realizada em 1924, começou a delinear-se, por iniciativa particular, a construção dos primeiros sanatórios. Todo material necessário à edificação dos sanatórios tinha de ser transportado de São Paulo e do Vale do Paraíba. Mas de que forma fazê-lo? Transportando material de construção, mediante tarifas reduzidas ou, mesmo, com total isenção, foi a Ferrovia um fator preponderante para a implantação da então tímida cadeia hospitalar de Campos do Jordão no combate à tuberculose. No governo Armando de Salles Oliveira, o eng. Prestes Maia presidiu a comissão que elaborou o anteprojeto de urbanização de Campos do Jordão, datado de 5 de setembro de 1935. O estudo revelou que, salvo os anos de 1928/1929, quando a ferrovia obteve pequenos saldos, a sua operação sempre produziu resultados deficitários. O tráfego de mercadorias em 1933, em tonelagem anual, transportadas pela Estrada de Ferro Campos do Jordão era preponderantemente de tijolos, telhas, madeira, cimento, cal, gasolina e querosene, revelando notar que

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a sua maior receita advinha do transporte de telhas e tijolos. A Estação Abernéssia era a que mais recebia mercadorias de Pindamonhangaba (1.500 toneladas), seguida da Estação “Emílio Ribas” (508 toneladas). A vida econômica da cidade revelava-se por esse dado característico: descia a madeira pela Ferrovia e subia pelas automotrizes material de construção (telhas, tijolos, cimento e cal), além de material estrangeiro. Não fosse a ferrovia, a indústria da construção civil estaria completamente estrangulada. 2. Na famosa “Revista do Brasil”, em 1916, o dr. Olimpio Portugal escreveu trabalho, contando o seu embarque em Pindamonhangaba, numa manhã brumosa de maio. Depois de descrever os campos de extensos arrozais a perder de vista e das antigas moradas da Fazenda Mombaça, mortalha de ruínas guardadas por humildes choças, raras e tristes, o médico contou: “Transposto o Paraíba, em uma ponte que o Dr. Assis Brasil considera obra de arte sem igual no continente, capaz de fazer figura ao Sena, ao Tâmisa ou ao Sprèe, chega-se à raiz da serra, quando a Mantiqueira ali ondeia os primeiros contrafortes, oculta na bruma – é o Vale do Piracuama. Logo, alteia-se a serra, imponente e azulada, com espertos regatos, tufos de verdura, alcantis em riste e grotões em que crepitam cascatas. E a estrada de ferro vai se enroscando na serra, corpo a corpo, arremetendo com fúria, mordendo rochas, grimpando escarpas, saltando gargantas, subindo, subindo sempre. A 1.100 metros de altura, alcança-se o Alto da Serra, onde se bifurca a entrada de rodagem para Santo Antônio do Pinhal, caminho de Minas.

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Não está vencida a Mantiqueira, mas é o divortium aquarum entre o Vale do Piracuama, vertente do Paraíba e do Sapucaí-Mirim, tributário do Rio Grande. Inicia-se a parte mais bela da viagem, onde se divisa nos longes do horizonte, azul e vasto como o mar ou na policromia do verde, a cumiada da Mantiqueira com seu dorso fantástico, aureolado por um colar de pinheiros, tal qual atalaia das alturas. De repente, tudo serena, ameiga-se o ambiente e na doçura da paisagem, o mistério irrompe – os Campos do Jordão. Campos e bosques em que dominam os pinheiros e a caminho pelo fundo do vale, o horizonte é estreito e manso, quase triste. A terra, atufada pelos húmus escorrido dos pendores, é escura, inculta e, a princípio, virgem de obra humana (...) O primeiro pensamento é um daqueles que seduziram nossos passos – é para a estância sanitária. Por mais que a obsessão do planalto nos envolva e convide, o pensamento é, irresistivelmente, voltado aos dramas de saúde que por ali palpitavam. Por este mesmo chão, quanta miragem não floreou a olhos murchos de outras esperanças, alçadas depois de haverem batido, em vão, outras portas impenetráveis à saúde? Quanta vida em ruínas não respirou este mesmo hausto, trepando cambaleante pelo caminho, então ríspido e cru, envergando na parca assistência em perspectiva, o único e sonhado fanal? E assim mesmo, por inóspitas veredas, o amor da vida deu asas a ombros curvados e fracos – aqui os trouxe ao peso de densos sacrifícios que mal se podem comparar com os recursos de hoje. Era a liteira, era o trole, quando raro possíveis, a regra, porém, era a montaria, a passo,


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por dias compridos, pedra por pedra, pelo ínvio e áspero caminho. Depois, que recurso de agasalho e conforto poderia ter a estância de outrora? Mas a natureza, munificente e dadivosa, supria a obra humana, e o sangue reaquecia as veias, as cores voltavam, as tíbias forças multiplicavam-se e na saúde reflorida e satisfeita, gorgeava em todos os tons a alegria. Se estes campos ouviram muitos desenganos e guardam no silêncio de sua terra ossadas frias, não tem conto os que ganharam por eles a vida, que já não era quase sua...” Passadas estas elocubrações, o dr. Olimpio Portugal, transpondo Vila Abernéssia e a antiga Capela de São Mateus do Imbiri (Vila Jaguaribe), parte a cavalo, em demanda às margens do Ribeirão das Perdizes, onde se alteia a Pensão Baker (Pensão Inglesa), que fora edificada pelo Conde Moreira Lima, que nunca chegou a habitá-la.116 3. Em passado recente, um dos diretores da Ferrovia, o eng. Adolpho Fernandes de Araújo, proclamou: Nascida sob o signo do déficit, jamais a Estrada deu qualquer resultado econômico positivo, mas produziu altos dividendos sociais, pois, com enormes descontos de fretes, transportou o material necessário à construção de todos os sanatórios existentes em Campos do Jordão, bem como transportou, na grande maioria dos casos, gratuitamente, a quase totalidade dos infelizes ocupantes dos leitos. Por dever de justiça, impõe-se relevar as generosas doações de terras sobre as quais as entidades beneméritas propuseram construir sanatórios para as enfermidades pulmonares, feitas pelo benemérito José Carlos de Macedo Soares e sua esposa, dona Mathilde. 116

Dotado de elevado espírito público que o elevou à presidência do Estado e ao Ministério das Relações Exteriores, por duas vezes, o embaixador Macedo Soares pôs-se a efetuar doações de terras em zonas pre-delimitadas, consoante rigoroso planejamento sanitário, a mais de uma dezena de entidades, que edificaram instalações hospitalares em Campos do Jordão. Todas instituições particulares. Nenhuma oficial. O primeiro sanatório construído foi o Divina Providência, em 1929, seguido do Sanatório São Paulo, em 1930, que se sobressaía pelas suas linhas arquitetônicas, considerado luxuoso para os padrões da época. Depois, inaugurou-se o Sanatorinho S1, com 24 leitos, em 1931, construído pela Associação dos Sanatórios Populares, depois denominada Sanatorinhos – Ação Comunitária de Saúde. Em 1934, essa entidade ergueu outro hospital, o S-2, com capacidade para 75 enfermos e, em 1935, surgiu o Sanatório São Vicente de Paulo, para crianças, mercê da luta extraordinária do Padre José Vita. Uma década depois, o sacerdote ergueu um novo e moderno edifício, para abrigar crianças tuberculosas. Nas décadas de 30 e 40, surgiram o Sanatório Santa Cruz, o São Cristóvão, o São Francisco Xavier e o Ebenezer. O primeiro era administrado pelas Irmãs Mercedárias; o segundo pertencia à Sociedade Beneficente dos Chauferes. O Sanatório São Francisco Xavier, inicialmente denominado Dojinkai, era mantido pela colônia japonesa e o Ebenezer, pela Associação Evangélica Beneficente.

“Montanha Magnífica”, de Pedro Paulo Filho, vol. 2, O Recado, São Paulo, 1977.

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Ainda, em 1931, foram inaugurados o Preventório Santa Clara e o Dispensário Emílio Ribas. De 1940 a 1950, surgiram o Sanatório de Santos, o Sanatório S-3, o Sanatório Sírio e o Nossa Senhora das Mercês, além dos pavilhões sanatoriais da Bandeira Paulista Contra a Tuberculose. A última empreitada na formação do parque sanatorial jordanense foi o Sanatório 3 de Outubro. Integravam essa cadeia de solidariedade humana, a Santa Casa – Hospital Adhemar de Barros, a Casa da Criança e o Dispensário de Tuberculose. Escreveu Joaquim Corrêa Cintra que as estatísticas dessas unidades hospitalares revelaram os mais alentadores índices de recuperação (...) Verdadeiros missionários, desde os primórdios da formação da comunidade jordanense, estão os profissionais da medicina presentes na cronologia dos fastos, que, paulatina, mas, seguramente, com uma constância admirável, escreveram, ao lado de dedicados enfermeiros e enfermeiras, de religiosas e zelosos funcionários, os episódios mais dignificantes da parcela de humanidade, que por estes Campos do Jordão têm passado. “E, sem destaques, para escapar às possibilidades de involuntária injustiça, citaremos alguns nomes que representam uma classe sem a qual não teria sido possível a implantação e o desenvolvimento da vida hospitalar em Campos do Jordão: doutores Plínio Barbosa Lima, Miguel Covello Jr., Paulo Ribas, Januário Pardomeo, Ulisses de Souza e Silva, Rafael de Paula Souza, Aluisio de Paula, Marco Antônio Nogueira Cardoso, Clóvis Corrêa, Lincoln Ferreira Faria, Januário Miraglia, Hélio Fraga, 117

“A Cidade de Campos do Jordão”, de 29 de abril de 1967.

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Francisco de Moura Coutinho Filho, Hilson Vieira de Souza, Paulo de Campos Toledo, Décio Queiroz Teles, José Rosemberg, Alderico Monteiro Soares, Mozart Tavares de Lima, Gualter de Almeida, Guilherme Schultz, Vicente Marcílio, Hildebrando Macedo Araújo, Américo Padula, Manoel Caetano Filho, Radir de Queiroz, José de Azeredo Passos, Otávio Del Nero, Carlos Ryoma Inoue, Antônio Gavião Gonzaga, José Carlos da Silveira, Fausto Bueno de Arruda Camargo, Antônio Nicola Padula, Gilberto Maia de Almeida Rego, Heda Faria, Pedro Augusto Martins, Maria das Dores Rego, João Pedro Além, José Antônio Padovan, Sylvio da Costa Rios, Nathanael Silva, Samuel Barbosa da Costa, Osório Pinto de Oliveira, Silvestre Ribeiro, José Walter Sprovieri, Walter Pellegatti, Fumio Tiba, Pedro Taufic Camasmie, Horácio de Lima Pereira, Alberto Chap Chap, Cid Bittencourt e ainda muitos outros cujos nomes não nos ocorre à lembrança nesta crônica.”117 4. A função social da ferrovia, a partir de 1914, não se cingiu tão somente ao transporte de material de construção de sanatórios, mas, como é lógico, ao transporte de pessoas enfermas, que buscavam o clima terapêutico de Campos do Jordão, utilizando-se de um veículo civilizado de acesso, não mais por via de liteiras e lombos de animais. A relevância da ferrovia para o traçado urbano de Campos do Jordão pode ser constatado imediatamente, quando se observa o sentido longitudinal do desenvolvimento da cidade, que nasceu às margens e ao longo da ferrovia: Vila Abernéssia, Vila Jaguaribe e Vila Capivari. À medida que a Estrada de Ferro Campos do Jordão foi chegando até alcançar o seu


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ponto terminal, a estância foi crescendo às margens dos trilhos. Acresce notar que, a partir da inauguração, em 1914, as pessoas que desejavam construir na estância já podiam utilizar-se das automotrizes a vapor, à gasolina e, finalmente, as movidas por energia elétrica. Em 30 de julho de 1921, a Companhia Campos do Jordão, responsável pela criação de Vila Capivari, pediu autorização para trafegar na linha da Estrada com um caminhão a motor, empregado exclusivamente no serviço de transporte de materiais de construção da Companhia, em virtude das dificuldades da ferrovia de transportar os materiais depositados em Pindamonhangaba. O serviço de telefonia, que se iniciou, simultaneamente, com o tráfego ferroviário constituiu-se outro beneficio importante, não só aos moradores de Campos do Jordão, como também aos que subiam a Mantiqueira em busca de alívio para seus males. Contou o dr. Oscar Ribeiro de Godoy, em 1996, que, certa vez, estava na Fazenda da Guarda, quando por lá apareceram alguns cavaleiros, nas primeiras décadas do século XX. “Eram Emílio Ribas, que seguia para Itajubá e que na guarda fora cumprimentar o avô, dr. Manoel Ribeiro Marcondes Machado, e o dr. Victor Godinho, que era sócio de Ribas e médico sanitarista de grande renome. Além deles, faziam parte do grupo o dr. Vital Brasil, fundador do Instituto Butantã, e seu irmão, Assis Brasil, próspero estancieiro no Rio Grande do Sul. Na época, só se conheciam os trens movidos a vapor, puxando vagões de carga ou de passageiros. Dado o parentesco entre nossas famílias, certa vez em que estávamos preparados para

vir Campos do Jordão, como sempre acontecia, o Dr. Emílio Ribas ofereceu ao meu avô uma autorização para viajar de “lastro”, trem que já funcionava, conduzindo o material da própria Estrada para a ultimação dos trabalhos de construção. Aceita a oferta, nos dirigimos para Pinda e acertamos a hora da partida do “lastro”. Na planície, no Vale da Paraíba, a locomotiva fumegava e nos aturdia com a barulhada. Na Raiz a Serra, iniciamos a escalada da Mantiqueira. A máquina dava tudo de si para vencer o aclive, mas, nos trechos da serra, onde há sempre ruço, os trilhos ficavam molhados e, com o peso da carga, era então só brecar e esperar. Gastavam-se caixas de areia para restabelecer o atrito dos trilhos com a roda do trem. Parados, o maquinista Alberto convidava-nos para beber água fresca numa grota ao lado, usando de boa política para que não nos exasperássemos com os transtornos. Mal sabia ele que nos deleitávamos com o inusitado do passeio, apesar da demora e dos contratempos. Devagar, se vai ao longe, após 4 horas de viagem de Pinda a Campos, começamos a descida do Lageado, parando aqui e ali para carga e descarga do “lastro”. Não havia plataforma de parada em Jaguaribe. Era um amontoado de trilhos e dormentes. A estação era um pequeno barraco, atarracado, coberto com chapas onduladas de zinco. Após essa inesquecível viagem, cheia das mais diversas sensações e maravilhados com o panorama divisados nos vales, atingimos a ponta dos trilhos.

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Ali nos esperava a tropa vinda da Fazenda. Montados a cavalo, chegamos à Guarda. Foi minha primeira viagem de trem.” 118 Lá por volta de 1930, residia em Campos do Jordão um português malcriado, mas benemérito. Seu nome era João Rodrigues da Silva, mas todos os conheciam por João Maquinista. Arrecadara muito dinheiro e foi o primeiro Banco da cidade, emprestando-o a juros. Não trocava sua capa nem a lavava. Usava-a o ano inteiro, toda ensebada. Era conhecido pela capa que usava. Doou terreno para a construção da Santa Casa, ajudava os doentes pobres e fornecia água para Vila Nova (Abernéssia). Certa vez, por questões de terra, assassinou o engenheiro José Magalhães, mas, três vezes processado, foi três vezes absolvido. Em 12 de abril de 1930, quando o delegado de Polícia Luiz Juruema Barroso Franco embarcava em bonde da E. F. C. J. na estação de Vila Abernéssia, antes de partir, resolveu dar voz de prisão a João Maquinista. É que o delegado de Polícia verificou que João Maquinista soltou e mandou soltar vários rojões de assovio em represália e como manifestação de desagrado ao referido delegado. Maquinista não sabia que a viagem era de férias, pensou que o delegado partia definitivamente... Na cidade de Campos do Jordão, os trilhos da ferrovia acompanharam o fundo do Vale do Ribeirão Abernéssia e do Rio Capivari e, paralelamente ao seu eixo, ela se desenvolveu, formando atualmente as suas principais Vilas: Abernéssia, Jaguaribe e Capivari. 118

Jornal “Campos do Jordão, de 31 de maio de 1996.

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Também o transporte urbano da estância iniciou-se com as próprias automotrizes de passageiros, realizando o percurso entre a Vila Capivari e a Parada Toriba. Somente na década de 50, especialmente no ano de 1957, foi que começaram a funcionar na estância, nos serviços urbanos, os bondinhos camarões, cedidos pelo Governo do Estado à ferrovia, oriundos da Estrada de Ferro Guarujá, desativada durante o governo de Jânio Quadros. Eram os bondes A-5, A-6 e A-7, que até hoje interligam a estação terminal Emílio Ribas, em Vila Capivari, à Parada São Cristóvão, numa extensão de oito quilômetros. Eles transportam, diariamente, uma média de 2.200 usuários, circulando em intervalos de 40 minutos, de segunda-feira a sábado. Cerca de 70% da população jordanense encontrou nos bondinhos o seu meio fácil de locomoção, com tarifas reduzidas, desenvolvendo uma velocidade média de 16 quilômetros por hora, com paradas para embarque e desembarque de passageiros em três estações e 22 paradas simples. Esses bondes possuem um controler com seis pontos, motores em série e freios a ar comprimido manual. A ferrovia, em 1931, fornecia passes aos funcionários do Dispensário Emílio Ribas, assim como aparelhos telefônicos solicitados pelos diversos prefeitos de Campos do Jordão. Em 1936, a pedido do Juiz de Paz do Distrito de Campos do Jordão, Heitor Sanches, foi solicitado à estrada o fornecimento de passes livres para as testemunhas pobres que necessitavam transportar-se para o Juízo de Pindamonhangaba, então Comarca de Campos do Jordão.


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Nessa época, moravam na Rua do Sapo, em Campos do Jordão, atualmente Rua João Rodrigues da Silva, numa casa de madeira o poeta Manuel Bandeira, também o poeta Ribeiro do Couto e o escritor Paulo Dantas, todos em busca da cura da tuberculose. Manuel Bandeira buscou o clima da Suíça, mais tarde, e diante da falta de recursos terapêuticos naquela fase triste e heróica da tisiologia, retratou com ironia a sua doença: “Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos. A vida inteira que podia ter sido e que não foi. Tosse, tosse, tosse. Mandou chamar o médico: – Diga trinta e três. – Trinta e três ... trinta e três ... trinta e três... – Respire. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . – O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direto infiltrado. – Então, doutor, não é possível tentar o pneumatorax? – Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.”119 5. O sociólogo Oracy Nogueira escreveu, em 1944, que, à época, Vila Capivari possuía 250 prédios, em geral, luxuosas residências de recreio e descanso, em sua maior parte, propriedades de milionários paulistas e cariocas, com tendências a tornar-se um núcleo exclusivamente destinado a pessoas sãs. Uma regulamentação (Decreto no 11.850, de 26.2.41) proibiu a instalação de estabelecimentos para doentes, fixando a zona sanatorial em área que se iniciava na Vila

Abernéssia e se estendia em direção oposta à Vila Jaguaribe. Contudo, ainda existem algumas pensões de doentes e aí estão montados vários consultórios de tisiologia. Vila Abernéssia – acentuou o sociólogo – é o centro comercial e administrativo de Campos do Jordão, possuindo cerca de 400 prédios, inclusive uns 15 edifícios sanatoriais, a maior parte dos quais se espalha pelas circunvizinhanças da Vila, constituída em grande parte por pensões e residências de doentes, além de prédios comerciais e públicos. A função de cidade de cura, espontaneamente surgida, foi-lhe oficialmente reconhecida pelo Estado, em 1º de outubro de 1926, quando foi criada a Prefeitura Sanitária de Campos do Jordão. Em 1944, Vila Jaguaribe possuía cerca de 150 casas, entre as quais predominavam as residências e pensões de doentes. A população da estância, na época, era de 11.963 pessoas e o número de doentes ascendia a 2.000, dos quais, mais ou menos, a metade vivia em sanatórios, distribuindo-se a outra parte em pensões e casas particulares.120 Em 5 de julho de 1939, o prefeito J. A. Motta Bicudo solicitava ao secretario da Viação permissão para instalar um Posto de Meteorologia, em Vila Capivari, em terreno da ferrovia, alegando que a medida fora preconizada pelo Instituto Geológico de São Paulo. O engenheiro Altair Branco, diretor da estrada deferiu o pedido e um posto de observação foi construído às margens da Rua Diogo de Carvalho, que ali funcionou por mais de duas décadas. Foi Benedito Moreira César o primeiro observador meteorológico.

119 “Aspectos Atuais da Luta Contra a Tuberculose e Clemente Ferreira como Pioneiro”, de José Rosemberg, Liga Paulista Contra a Tuberculose, São Paulo, 1957. 120

“Vozes de Campos do Jordão”, de Oracy Nogueira, Revista de Sociologia, São Paulo, 1950.

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O escritor Edison Ruivo de Souza, em 1947, publicou o romance Enquanto as Nuvens Passam, contando a saga do jovem Walter, em uma automotriz da Ferrovia, ao chegar, tuberculoso, em Campos do Jordão, na década dos anos 40. Reproduzimo-la, porque o escritor retratou com absoluta fidelidade a tragédia de milhares de pessoas, de várias regiões brasileiras, que aportaram à Estação de Cura, em busca de salvação para o mal da peste branca, como, então, se denominava a tuberculose. “No bonde da Estrada de Ferro Campos do Jordão, Walter encontrou Afonso, que procurou tranqüilizá-lo. – Tuberculose é “café pequeno”. Eu, quando vim para cá, estava em pior estado que você. “Cuspi fogo” a viagem toda. No entanto, não vê como estou bom? Ante a admiração de Walter, o seu interlocutor completou: – Olhe, rapaz! Você é calouro e eu vou ser o seu iniciador aqui em Campos do Jordão. Neste vagão, tirando aqueles granfinos ali, de Capivari, acho que só sua madrinha que o acompanha e o marido daquela “agonizantezinha”, não são tuberculosos, o resto... – Aquele padre também – perguntou Walter. – Sim, o padre também... e por que não? Fez “pneu” no meu médico. Aquela moça com chapéu cor-de-rosa fez “toraco” em São Paulo, há um mês, mais ou menos, vem de volta para consolidar. – O que é “toraco”, hein? – É uma operação da costela. Toracoplastia. O cirurgião tira uma meia dúzia de costelas para fechar as “medalhas”. Dá uma boa feijoada, não?

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Riu alto, quase gargalhou com a própria piada. – Só entendi metade do que você disse. O que é “medalha”? – “Medalhas” são buraquinhos, as escavações, as cavernas que o “cupim” faz no pulmão da gente. – Eu não sabia que os cupins atacavam também o corpo das pessoas... – Bem ... cupim é modo de dizer. Nós chamamos o bacilo de Kock de cupins, justamente pelos buracos que ele fazem. Depois, Walter explicou ao seu novel amigo que chegava de Santos. – Santos! Ah! Ah! Ah! – riu, gostosamente, Afonso. – Santos é o maior fornecedor de Campos do Jordão. Depois do Carnaval, a safra de doentes é grande e farta. – Lá em cima há muita gente de Santos? – Não só de Santos, como de São Paulo, Rio de Janeiro, etc. Quer saber de uma coisa? Lá temos patrícios de todos os Estados, Territórios e Municípios. À certa altura, o companheiro de viagem indagou: – Veja se consegue descobrir e contar quantos tons verdes existem na paisagem. É notável, não? De fato, nas grotas, vales, montes que iam, paulatinamente, aparecendo, era quase impossível dizer e mesmo perceber as tonalidades inúmeras da cor verde. Dificilmente, um pintor por melhor que fosse, poderia com fidelidade reproduzir numa tela um pouco sequer de tanta beleza (...) Até o céu era meio esverdinhado, como que refletindo as matas serranas. Tudo verde, tão verde, fez também entrar jorros de esperança na alma desesperadamente amarela de Walter.


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Agora, as hortas bem arrumadinhas, carreiras e mais carreiras de couve-flor, repolho, etc... subindo e descendo as encostas. De quando em quando, viam-se os hortelões, quase todos japoneses, na subida da serra. Sorridentes, saudavam o bondinho, também verde. De repente, o bonde parou novamente e uma placa anunciava: Fracalanza. Onde vira tal nome, Fracalanza? Ah! Nos talheres da casa de Dulce, uma granfinazinha com quem tivera um flirt. Walter, pela janela do bonde, olhou a via pública e não viu ninguém. – Que é do pessoal daqui? Perguntou. – Ah! Estou gostando de você. Exclamou Afonso. Você é observador! Notou bem a falta do povo. Sabe por quê? – Não. – É hora do repouso. Depois do almoço, todos descansam. Do meio-dia até as duas e meia da tarde, três horas, são poucas as pessoas que andam passeando. A cidade – estação de cura – o recebeu como sempre o fez a todos e indiferente ao sofrimento de mais um candidato ao jardim florido do alto do morro.” Em Vila Abernéssia observou: As rubicundas faces do povo porejavam saúde e, no entanto, os consultórios médicos estavam repletos! São varandas, alpendres e até mesmo jardins, apinhados de doentes à espera da vez de serem atendidos.” Em Vila Capivari anotou: “São os pacientes ricos que podem tratar sua tuberculose em Campos do Jordão, em residência particular, com lareiras, estufas, aparelhos de ar condicionado, água quente e fria, chuveiros elétricos, cozinheiros e demais criados, vindos de fora, alimentação forte e substanciosa, agasalhos, autos para conduzi-los ao consultório médico.”121 121

A influência da Ferrovia foi preponderante no desenvolvimento social, econômico e agrícola de Campos do Jordão. Significativa foi a cultura de batata, milho, feijão e, em 1934, a plantação de fumo na estância. Na década de 50, a região do Vale do Baú foi o grande celeiro de mudas frutíferas, época de fastígio da fábrica Belfruta. No município ocorreu, pioneiramente, a implantação da primeira fábrica artesanal de azeite de oliva no Brasil, em 1950, por Antônio de Oliveira Pires. A partir da década de 60, iniciaram-se as plantações de castanheiras e, importante economicamente, foi o cultivo de pereiras, macieiras, pessegueiros, ameixeiras, framboeseiras e amoreiras européias. Sendo o pinheiro a árvore-símbolo de Campos do Jordão, desnecessário anotar a grande produção de pinhão, da vasta área da araucária angustifólia existente no município, além da exploração legal da madeira. Já no final da década de 20, o engenheiro Orlando Murgel, então diretor da E. F. C. J., adquiriu e loteou grande área de terras na subida da serra, a dez quilômetros de Campos do Jordão, a que deu o nome de Renópolis. Ali instalaram-se os primeiros colonos japoneses, a partir de 1929, constituindo uma das primeiras regiões frutícolas do Estado, de clima temperado. Na década de 30, mais japoneses chegaram fixando-se no Lageado, onde iniciaram a cultura de batata e cenoura e, na década seguinte, Campos do Jordão ostentou o título de maior centro produtor do Estado.

“Enquanto as Nuvens Passam”, de Edison Ruivo de Souza, Editorial Paulista, São Paulo, 1947.

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A atividade agrícola dos imigrantes nipônicos e seus descendentes preponderou até 1950 e a zona rural chegou a ter 200 famílias japoneses, de sorte que os produtos hortifruti-granjeiros de Renópolis, as cenouras do Lageado, as batatas do Vale do Baú, os ovos e hortaliças do bairro dos Melos e do Paiol Velho somente chegavam ao mercado consumidor por meio das automotrizes da Estrada de Ferro Campos do Jordão. Os filhos desses agricultores freqüentavam as escolas de 1º e 2º graus do município, transportados pelos bondes de passageiros e de carga, e a subida da serra, além da visão panorâmica deslumbrante, impressionava os passageiros, que demandavam a Campos do Jordão, encantados com as plantações de produtos agrícolas feitas nas encostas íngremes da serra pela laboriosa colônia japonesa, as quais, vistas do alto, descreviam desenhos estranhos e geométricos. Essa visão que surpreendia os passageiros da ferrovia, na subida da serra, inspirou o grande escritor e poeta Menotti Del Picchia, no final dos anos 50, levando-o a escrever para o jornal A Gazeta a sua empolgante impressão: “Cada pico vencido é a posse de paradisíacas paisagens. Vales profundos, apinhados de pinheiros. Lombas redondas, desenhando uma estranha sucessão de zimborios verdes. Matas inda virgens, entremeadas com lavouras de japoneses que parecem ter realizado no cabeço dos montes um estranho penteado simétrico, que fica entre as madeixas acarneiradas das damas romanas e o pixaim dos hotentotes.” Ainda sob o aspecto social, é forçoso assinalar que somente a partir da inauguração da Estrada de Ferro Campos do Jordão , a estância pôde ser representada em competições esportivas de atletismo, futebol, vôlei e basquete, transportando atletas e estudantes para São

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Paulo e às mais diversas cidades do Interior. No 1º Campeonato de Atletismo, realizado em 7 de setembro de 1947, a cidade pôde receber, na Praça de Esportes Gessy Loeb, atletas de Pindamonhangaba e Taubaté, e, nesse mesmo ano, dez esportistas jordanenses participaram do Circuito de Taubaté. Foi por via férrea, que, em 1952, Campos do Jordão participou dos Jogos Abertos do Interior, em Ribeirão Preto, onde o jordanense Olívio Pereira venceu a prova de 300 metros, entre 53 outros atletas. Em 1949, sob o comando do ex-tuberculoso e depois atleta, Emídio José dos Santos, a estância participou de inúmeras provas de atletismo em São Paulo, no Clube Esportivo da Penha e, nesse mesmo ano, Campos do Jordão esteve presente nos Jogos Abertos Interior, realizados em São Paulo. Não fosse o transporte ferroviário, a então Estação de Cura ficaria isolada do mundo, também na área esportiva. A ferrovia também permitiu que seus jovens pudessem prestar o Serviço Militar e as pessoas religiosas cumprissem suas promessas na cidade de Aparecida, rezando aos pés da Virgem Cabocla, incentivando viagens dos mais diversos cultos religiosos. Quantos namoros, noivados e casamentos nasceram no interior das automotrizes da ferrovia ou então em razão dela! Quantos namoros iniciaram-se no banco dos seus bondes a vapor, à gasolina e elétricos! E quantos desses romances transformaram-se em união conjugal! Até hoje, senhoras idosas lembram-se com saudade de seus áureos tempos da juventude, quando, na estação ferroviária de Vila Abernéssia, aguardavam, ansiosas, a chegada do bonde que trazia os seus namorados ou as suas cartas.


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E, com tristeza, deles se despediam na mesma estação, quando os namorados partiam para Pindamonhangaba, deixando farrapos do coração, à beira dos trilhos. Uma das poucas distrações existentes no Ciclo da Cura consistia em aguardarem os doentes a chegada dos bondes na estação da Vila Abernéssia. Eles traziam não somente novos doentes, mas também namorados, noivos, maridos e a correspondência. A partida de um enfermo que se curara era uma festa por parte dos que ficavam. Eles se confraternizavam com o bota-fora do curado. A escritora Dinah Silveira de Queiroz no livro Floradas na Serra retratou com fidelidade a despedida e a partida na Estação Abernéssia, dos que curados retornavam aos lares. Era uma demonstração de alegria, sem inveja e despeito. Pura solidariedade humana. Os que ficavam, pensavam certamente: O meu dia chegará! Graças aos trilhos que sobem e descem a Serra da Mantiqueira, quantas crianças doentes puderam ser transportadas para centros médicos especializados, retornando sadias aos seus lares! Depois de Campos do Jordão ter sido criada por Deus, certamente, a E. F. C. J. foi a melhor obra edificada pelos homens aos brasileiros. 6. A fama do clima miraculoso da Estação de Cura retardou deveras o seu processo de conversão em Estância de Turismo, pelo acendrado preconceito disseminado em todo o País, pelos males terríveis causados pela tuberculose, a peste branca, então considerada uma doença incurável e contagiosa. As pessoas que visitavam a cidade, algumas mais temerosas, chegavam e permaneci-

am com os vidros erguidos de seus automóveis, recusando-se a utilizarem copos, pratos e talheres em restaurantes. Alguns pais, moradores jordanenses, levavam suas esposas grávidas para darem à luz em outras cidade, receosos de que na certidão de nascimento aparecesse a naturalidade: Campos do Jordão. Comerciantes, quando viajavam para São Paulo para fazer compras, quando indagados de seus endereços, invariavelmente, respondiam que moravam em São Bento do Sapucaí, Santo Antônio do Pinhal, Pindamonhangaba e outras que tais. Julgavam-se que todos os que procediam de Campos do Jordão eram tuberculosos. Por ocasião da inauguração do Estádio Municipal do Pacaembu, em São Paulo, quando se reuniram várias delegações de atletismo do Interior do Estado, a delegação de Campos do Jordão foi a única a não ser hospedada com as demais, abrigando-se em outra concentração. A inconformidade do jordanense ante esse tratamento preconceituoso tinha uma razão lógica: é que Campos do Jordão adquirira fama de cidade enferma, graças à demanda de cidadãos que acorriam a ela de todos os rincões do País. Entretanto, difícil mesmo era encontrarse um jordanense nato, enfermo do pulmão. Pesquisa realizada em 1979, tendo como base o Sanatório S-3, demonstrou que os pacientes tuberculosos originários de Campos do Jordão eram de apenas 0,8%. Quando Jesus de Carvalho internou-se no Sanatório S-3 para tratamento da tuberculose, muitos anos antes de tornar-se presidente da Câmara Municipal, ouviu dois relatos impressionantes de dois doentes também ali internados.

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Um deles foi de Áulio Alves. Contou-lhe que, antes de adoecer, fizera uma viagem pela Estrada de Ferro Central do Brasil no itinerário São Paulo – Rio. Quando o trem parou na estação ferroviária de Pindamonhangaba, por alguns minutos, para embarque e desembarque de passageiros, Áulio, pela janela, viu a placa: Estrada de Ferro Campos do Jordão. Ele contou: Olha Jesus, eu prendi a respiração até o trem da E. F. Central do Brasil recomeçar a viagem... O outro relato foi de um doente conhecido por João Orelha. Vinha de São Paulo para Pindamonhangaba pela mesma E. F. Central do Brasil. O destino era Campos do Jordão, pois contraíra tuberculose. Muito fraco e pálido, não encontrou poltrona vazia no vagão. Sentou-se no chão. Ao ser advertido pelo funcionário da Ferrovia, explicou-lhe que estava debilitado e cansado e que seguia para Campos do Jordão. Logo, os passageiros, ao ouvi-lo, esvaziaram o vagão e sobraram poltronas. Na época da estação de cura, era comum ouvir-se: Quem não é, foi. E quem não foi nem é, tem alguém na família que é ou foi. O preconceito era inescondível na própria comunidade jordanense. Como o sol era o grande inimigo do pulmão doente, era habitual o uso de guarda-chuva para os homens e sombrinhas para as mulheres, por ocasião das saídas às ruas, às compras, aos consultórios e durante as caminhadas autorizadas pelos médicos, sempre com cronometragens de tempo. Como a cor preta impede a passagem dos raios ultravioleta, era comum o uso de guarda-chuvas e sombrinhas cobertos com pano de cor cinza-claro. Os doentes não se constrangiam com o uso padronizado do estigma da enfermidade,

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mesmo porque era a grande maioria, sendo raros os veranistas. Contudo, certos comportamentos eram típicos e enraizados por todos, como o repouso em quartos com as grandes janelas abertas e o consumo excessivo de sopa de feijão e salada de agrião. Alguns hábitos higiênicos eram generalizados: tomar banho e ir para a cama, não tomar corrente de ar, lavar as mãos sempre e visitar o doente conforme a sua temperatura. O ambiente existente nas pensões criava um liame de solidariedade familiar e daí uma constatação: os doentes que moravam em pensões curavam-se mais depressa do que os que residiam em casas. Em casa, as pessoas eram doentes e, nas pensões, não havia distinção entre doentes e sãos. Segundo a professora Zélia Ramozzi Chiarotino, Campos do Jordão era uma cidade peculiaríssima, pois os grupos doentes reuniam-se não para vencer na vida, como é regra geral, mas para preservar a vida e raríssimos doentes subiam a serra com seus familiares. Eram os companheiros da doença que constituíam a verdadeira família, às vezes, atormentada e cheia de problemas, mas sempre unida e solidária. Havia uma natural rejeição dos familiares aos doentes em tratamento, sobretudo, quando estes desciam a serra pela E. F. C. J. para visitar a família. Havia o pavor do contágio, que o visitante tuberculoso logo percebia no recesso do lar por parte dos pais, irmãos, filhos, noivos, maridos e demais familiares. Por isso, o teatrólogo Nelson Rodrigues na única vez em que se hospedou em uma pensão em Vila Abernéssia, cansado da vida sanatorial, indagou à dona da pensão o moti-


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vo da existência em Campos do Jordão de tantos casais, que viviam sem serem casados, mas que conviviam como se fossem. A proprietária da pensão explicou-lhe que o doente, quando visitava a família, sentia desde logo a rejeição de todos. Pouco a pouco, as visitas se rareavam, preferindo o doente fixar-se em Campos do Jordão, onde namorava, noivava e vivia como se casado fosse, pois o grupo enfermo não o preconceituava e tampouco revelava rejeição. Havia uma forte solidariedade grupal, um gueto da enfermidade. Todos eram iguais. A tal ponto isto ocorreu que Henrique Fracalanza, que jovem chegou a Campos do Jordão, nas primeira década do século XX, dizia-se tuberculoso, sem o ser, a fim de ser absorvido com igualdade com as jovens e os moços, evitando a sua rejeição social.122 Aí atuava o preconceito inverso, o dos doentes em relação aos sãos. As pensões mistas constituíam um grave problema, como explicou o dr. Raphael de Paula Souza, porque amores terríveis, alguns platônicos, outros apaixonados, sempre perturbavam o tratamento clínico. Como nada havia a fazer, o doente e o sexo acabavam se unindo, com prejuízo para a recuperação e, por isso, as pensões de um só sexo, apresentavam ambiente mais propício para a cura. A enorme esperança de cura dos que chegavam ajudava-os à reabilitação e o trabalho dos primeiros médicos foi de verdadeira psiquiatria, pois, nas consultas, com abnegação e paciência, indagavam e ouviam longamente os pacientes sobre suas vidas, transmitindo-lhes apenas as coisas positivas da vida. 122

A partir da década de 50, a Pensão Primavera abrigava doentes pulmonares de ambos os sexos e sua proprietária Irene Orellana, pessoa boníssima, tratava os enfermos ali hospedados com extremo carinho. Se pagavam, permaneciam; se não pagavam, também continuavam hospedados. As pensões mistas revelaram dramas pungentes, histórias de sexo febricitante, relações de ódio, egoísmo e compulsão. Muitos romances se iniciaram e feneceram na Pensão Primavera. Ali hospedava-se uma jovem extremamente bela, de origem espanhola, que, embora doente, ajudava os doentes mais graves. Alguns hóspedes apaixonaram-se perdidamente por Consuelo, graciosa e de beleza exuberante. Dentre eles, o jovem Jonas, estudante de Odontologia, cujo estado de saúde era muito grave, mas que confessou o seu amor a Consuelo. Um dia, Jonas teve agravado seu estado de saúde e foi obrigado a internar-se no Sanatório São Paulo, onde receberia maiores cuidados médicos. Recolhido ao sanatório, Jonas fez-lhe um pedido patético: Se você um dia casar-se e eu estiver aqui, neste balão de oxigênio, sem poder assistir a cerimônia nupcial, você promete visitar-me, ainda vestida de noiva? Consuelo, que lhe dedicava mais amizade que amor, respondeu: Prometo! Jonas insistiu: Você jura? E ela: Juro. Consuelo conheceu um fazendeiro de Goiás na Pensão Primavera. Houve o namoro, o noivado e resolveram casar. Todos os doentes da Pensão Primavera foram à Igreja Matriz assistir a celebração

“Depoimento de Henrique Fracalanza ao autor.

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nupcial da união de Consuelo com Francisco, um jovem forte e esbelto, já curado. Terminada a cerimônia, recebidos os cumprimentos, a noiva, esplendorosamente vestida de branco, chamou um carro de praça e disse ao motorista: Toca para o Sanatório São Paulo! Lá chegando, vestida de noiva, ante os olhos estupefatos dos internados do Sanatório São Paulo, Consuelo foi ao quarto de Jonas, que tinha o corpo ligado ao balão de oxigênio. Ingressou no quarto, abraçou-o, beijou-o e disse: Cumpri a promessa. Deus lhe dê logo a saúde perdida. Deu meia volta, retornou ao carro e dirigiuse à sede do Abernéssia F. C. onde havia a recepção aos nubentes. No leito, Jonas ficou mudo, com os olhos rasos de lágrimas, sem saber se o que vira fora um sonho que tanto acalentara ou se fora a grande tragédia da sua vida.123 A imagem exterior de Campos do Jordão como cidade enferma crescia vertiginosamente, a ponto de substituírem Tosse, rouquite, bronquidão - Xarope Bromil, por Tosse, rouquite, bronquidão – Campos do Jordão. Episódio curioso ocorreu em 1940, quando da inauguração do Estádio Municipal do Pacaembu, pelo interventor Federal em São Paulo, dr. Adhemar de Barros, que nutria grande afeição aos jordanenses. Para a solenidade seguiu meia dúzia de esportistas, chefiados por José Bernardino, apenas para fazer presente a cidade no evento. Quando terminou a solenidade, a delegação dirigiu-se a um ponto ônibus carregando uma faixa enrolada, onde estava escrito: Campos do Jordão saúda o Interventor Adhemar de Barros, que fora aberta quando do desfile da delegação jordanense. 123

Uma multidão de gente queria entrar no ônibus e esses chegavam, uns atrás dos outros, mas os atletas jordanenses não conseguiam ingressar no veículo, tal o volume de pessoas que se acotovelavam no ponto do ônibus. Uma tentativa, duas, três e a delegação jordanense estava começando a ficar irritada, porque os ônibus eram poucos para tanta gente. Aí, José Bernardino teve uma idéia genial. Pediu a dois atletas que desenrolassem a faixa, há pouco utilizada no desfile. Desenrolada, logo apareceu: Campos do Jordão saúda o interventor Federal dr. Adhemar de Barros. Foi como se explodisse um petardo no ponto de ônibus, pois, como que por encanto, apinhado de gente como estava, imediatamente se esvaziou, restando ali somente os seis atletas jordanenses. Chegou um ônibus vazio, todos se acomodaram, depois de horas de espera e luta para entrar no coletivo. Todos subiram no ônibus dando gostosas gargalhadas. Foi a vingança dos jordanenses ao preconceito. Contou-nos o chefe do Grupo Escoteiro Oyaguara Gerson Caetano Ferreira, que, no início da década de 60, quando estudava no Colégio Estadual de Campos do Jordão, o prof. Expedito Camargo Freire organizou uma viagem de estudantes ao Rio de Janeiro para participarem de uma Olimpíada Estudantil. Lá chegados, todos estranharam que a delegação jordanense tivesse sido hospedada em alojamento distante das demais delegações estudantis, ficando estas no prédio principal do ginásio.

“Campos do Jordão, O Presente Passado a Limpo”, de Pedro Paulo Filho, Editora Vertente, São José dos Campos, 1997.

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Estranharam também que o café-da-manhã, almoço e jantar eram servidos em separado, por último, depois que todas as delegações haviam sido servidas no restaurante. Não demorou muito para descobrirem a causa. Era o temor generalizado com a origem dos estudantes: Campos do Jordão, que, por incrível que pareça, no início dos anos 1960, ainda sofria preconceito. Contrariados, os estudantes jordanenses

resolveram dar o troco. Na hora do almoço, quando as delegações estudantis eram servidas em primeiro lugar, combinaram que todos ingressariam no restaurante tossindo e cuspindo saliva. Não deu outra, foi um barulho infernal. Mais que depressa, estudantes, professores e funcionários que almoçavam, levantaram-se das mesas e, imediatamente, abandonaram o recinto. Até os garçons saíram espavoridos!

Balneário Reino das Águas Claras.

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Visita da seleção brasileira em 1962, vendo-se Bellimi beijando a rainha do Dinho, além de Pelé e Zito.

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XXV Importância da Ferrovia na Estância de Turismo 1. No final do século XIX, em 1896, ainda que inexistentes vias de comunicação a Campos do Jordão, pessoas sadias aventuravam-se subir a Mantiqueira, em busca dos Campos para retemperar as energias, encontrar-se com a natureza exuberante e sentir o frio saudável da montanha. A imprensa pindamonhangabense registrou, em fevereiro daquele ano, que estiveram nesta cidade, dia 12 do corrente, seguindo no dia imediato para os Campos do Jordão os srs. drs. Prudente de Moraes Jr. e Antônio Moraes, dignos filhos do Dr. Prudente de Moraes, Presidente da República, que foram passar férias acadêmicas naquela abençoada região. Ao que parece,demorar-se-ão pouco tempo nesse passeio, que tem por único fim revigorar as forças dos dois moços para continuarem com afinco seus trabalhos escolares no corrente ano.124 Os veranistas, com inauditos esforços, galgavam a Mantiqueira, a cavalo, para hospedar-se no Hotel do Salto, a partir das últimas décadas do século XIX (em 1880 já se encontrava fechado) ou acorriam a Campos do Jordão a partir de 1879 para hospedar-se no Hotel de São Matheus do Imbiri ou, ainda, 124

“Tribuna do Norte”, de 16 de fevereiro de 1896.

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“Tribuna do Norte”, de 24 de agosto de 1919.

chegavam ao Retiro de São Matheus para alojar-se no Hotel Melo, a partir de 1881. Todos buscavam o clima jordanense, embora sãos. No entanto, ao voltarmos os olhos para o passado, vamos encontrar, em meados de 1919, o germe do turismo jordanense. A imprensa de Pindamonhangaba, nesse ano, noticiava que o inverno atual trouxe aos Campos do Jordão grande número de famílias. “As pensões Inglesa, Azul e Sans-Souci tem estado sempre repletas de famílias e cavalheiros que aqui vem, em viagem de recreio para repouso ou convalescença da gripe. O Hotel Melo e outros destinados às pessoas que sofrem de tuberculose tem tido também grande freqüência neste inverno. É que o público e os médicos vão se convencendo de que essa é de fato a melhor época para vir aos Campos do Jordão e, ao contrário do que se dizia, o frio é muito suportável desde que naturalmente se venha munido de agasalhos necessários. Na semana passada, tivemos uma geada nos arredores, tendo o termômetro descido a oito graus abaixo de zero.” 125

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Em 21 de outubro de 1922, a ferrovia, já eletrificada, solicitava ao secretário da Agricultura, Comércio e Obras Públicas autorização para o tráfego de um trem de excursão, com 25% de desconto, funcionando somente aos domingos, com ida e volta no mesmo dia, a fim de evitar o pernoite naquela localidade.79 Os trens partiriam de Pindamonhangaba às sete horas e 30 minutos e sairiam de regresso de Campos do Jordão, às 17 horas. Entretanto, antes, em 12 de março de 1920, Baker e Cia,, de Emilia e Robert Baker, manifestava à diretoria da ferrovia o desejo de construir um hotel em Campos do Jordão e, por isso, pleiteavam aos construtores do primeiro hotel daquela localidade a isenção de fretes para os materiais destinados à construção que não existem e nem podem ser ali fabricados, assim como para o mobiliário da nova instalação.

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Vila Simonsen. Vila Capivari.

O diretor ferroviário oficiou ao secretário da Viação opinando no sentido de que os fretes poderiam ser cobrados com 50% de redução, o que foi autorizado pelo engenheiro Eugênio Lefèvre, diretor geral daquela secretaria, em 24 de abril de 1920. Baker e Cia. iniciaram a construção do que chamaram de Grande Hotel, não-podendo concluí-lo por dificuldades financeiras. Mais tarde, o imóvel foi adquirido por Roberto Simonsen, que o transformou em sua casa de veraneio – o famoso Recanto Simonsen. Deve-se à Estrada de Ferro Campos do Jordão um extraordinário papel no ciclo do turismo, seja como transporte de veranistas, seja como veículo que permitiu a construção de seus principais hotéis, a partir do final da década de 30. E também de suas pensões, antes da edificação dos hotéis. O primeiro hotel a ser construído foi o magnífico Hotel Toriba, inaugurado em 1943, por Ernesto Diedericksen e Luiz Dumont Villares, que tornaram realidade o projeto de Severo, Villares e Cia. Ltda. , cabendo a Floriano Rodrigues Pinheiro o encargo da construção. Grande parte dos materiais, senão a totalidade, destinados à sua edificação foram transportados por gôndolas da Estrada de Ferro Campos do Jordão.

Hotel Toriba, 1950.

Hotel Toriba, 1946.


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2. Em 1938, o interventor federal em São Paulo, Adhemar de Barros, lançou a pedra fundamental do Palácio do Governo, no Alto da Boa Vista, em Campos do Jordão e, em 1940, autorizou o início da construção do Grande Hotel Cassino e do serviço de água e esgotos no local denominado Salto. O Grande Hotel foi inaugurado em 2 de setembro de 1944, com 6.700 metros quadrados de área construída em 16 alqueires de terra, onde, em setembro de 1945, começou a funcionar o Cassino do Grande Hotel, cujas atividades foram paralisadas em março de 1946, com a proibição da prática de jogos determinada pelo presidente Eurico Gaspar Dutra. Três meses depois de inaugurado, começou a funcionar o Cassino Grande Hotel, explorado pela Empresa Paulista de Diversões Ltda., que ali começou a explorar os jogos de roleta, campista, bacará e carteado. A partir daí, a estância passou a viver um tempo febricitante com grande mobilização de pessoas de São Paulo, Rio de Janeiro e do Vale do Paraíba, que acorriam à cidade. Ali promovia-se reiterados espetáculos musicais, de dança e magia, reunindo artistas famosos daquela época, como Edu da Gaita, Lili Moreno, Marlene, Garoto e Vicente Celestino, entre os mais conhecidos, além das orquestras oriundas do navio alemão aprisionado em Santos, o Windhuk, cujos tripulantes foram contratados pela família Hillebrecht, concessionária do Grande Hotel. No cassino, alguns ganhavam muito e outros perdiam tudo, às vezes. A temporada de uma semana reduzia-se a um dia, quando o jogador estava azarado.

Grande Hotel, 1960.

Ao contrário, não poucas vezes, a viagem de um dia prolongava-se por uma semana. Dependia da sorte. O transporte urbano era feito às custas da empresa que explorava o cassino e Fued Boueri era o contato no Vale do Paraíba com a missão de agenciar parceiros. A demanda foi de tal ordem que a Empresa Paulista de Diversões Ltda. necessitou contratar automotrizes especiais da Estrada de Ferro Campos do Jordão para transportar parceiros do Vale do Paraíba à estância e devolvêlos, de retorno, tudo gratuitamente. De modo geral, o cassino pôs em circulação grandes somas de dinheiro na estância, beneficiando casas comerciais, Bancos, hotéis, funcionários, a ferrovia e até os sanatórios, distribuindo doações. No cassino havia discriminação racial, pois não era permitida a entrada de negros no recinto. Certa vez, houve um incidente grave com o motorneiro Gradin, da ferrovia, cuja entrada foi proibida, não se conformando o ferroviário com o preconceito de cor. Para atenuar a situação, o porteiro Álvaro Damas levou Gradin para o saguão do hotel,

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servindo-lhe um chá completo, que era uma verdadeira refeição. Pediu desculpas, alegando que era obrigado a cumprir o regulamento. Também era proibida a entrada de pessoas enfermas, sendo necessária a apresentação de atestado médico. Na parada Grande Hotel da ferrovia, o médico Antônio Nicola Padula examinava todos que demandavam ao cassino. Na portaria, se os freqüentadores não apresentassem os atestados médicos, Álvaro Damas impedia o ingresso e não adiantava reclamar. O Hotel Toriba e o Grande Hotel foram marcos do turismo jordanense e, para a sua construção, muito se deve à Estrada de Ferro Campos do Jordão, em cujas gôndolas chegaram de São Paulo e do Vale do Paraíba os materiais destinados às suas edificações. Foi através desses dois grandes hotéis que Campos do Jordão começou a receber turistas de alto nível, pela alta qualificação dos serviços hoteleiros prestados, onde a ferrovia muito contribuiu com apoio logístico. Em 26 de abril de 1940, o diretor, Altair Branco, oficiava ao interventor Adhemar de Barros para dar conta do início dos estudos destinados à construção de uma linha de energia elétrica da estrada, para o abastecimento do Palácio do Governo, Grande Hotel e demais próprios do Estado, em Campos do Jordão. O presidente Getúlio Vargas assinou o Decreto nº 7.113, de 28 de abril de 1941, autorizando o Governo de São Paulo a construir uma linha de transmissão na Prefeitura Sanitária de Campos do Jordão para o suprimento de energia elétrica a dois prédios estaduais. A linha de transmissão seria apoiada nos postes da ferrovia entre a estação Eugênio Lefèvre

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Parada Grande Hotel, 1945.

e uma subestação de Vila Abernéssia, além de postos de transformação no Palácio Boa Vista e no Grande Hotel. Posteriormente, o Decreto Federal nº 12.837, de 9 de julho de 1943, dando nova redação ao anteriormente editado, manteve a participação da ferrovia. Após estudos, o diretor Hugo Sterman manifestou-se contrariamente ao seu antecessor, alegando que a construção de uma linha de transmissão desvirtuaria os encargos ferroviários, além do fato de que a estrada já mantinha o seu serviço telefônico, que prestou relevantes serviços ao desenvolvimento do turismo. A ferrovia introduziu o sistema de transporte de automóveis de passeio em suas gôndolas, que foi muito utilizado até a inauguração da Rodovia de São José dos Campos – Campos do Jordão (SP-50), por onde passaram a transitar os veículos que demandavam à Mantiqueira, rumo a Campos do Jordão. O número de automóveis transportados em 1939, foi de 204, passando a 151, em 1940, e a 111, em 1941. Em 1º de novembro de 1957, o diretor Henrique Otajano inaugurou uma linha turística com a empresa Breda Turismo, cujos ônibus partiam de São Paulo aos sábados, às 6 horas e 30 minutos, na Avenida Ipiranga, de-


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fronte o Hotel Excelsior, seguindo pela via Dutra até Pindamonhangaba. Dessa cidade, os ônibus prosseguiam viagem até Campos do Jordão, transportados por gôndolas da ferrovia. Os passageiros ficavam hospedados até à tarde de domingo, nos melhores hotéis da estância, retornando os ônibus também em gôndolas a Pindamonhangaba. O sistema inaugurado foi considerado extremamente original, isto é, rodo-ferroviário. No interior dos ônibus atendiam os passageiros as rodomoças (uma espécie de aeromoças), que ficavam encarregadas de servir os passageiros, fornecendo informações sobre os locais percorridos, através de equipamentos de som e se comunicando, pelo menos, em três idiomas.126 A estrada estava subordinada à Secretaria dos Transportes do Governo de São Paulo, por força da Lei no 9.318, de 22 de abril de 1966, que a considerou serviço industrial do Estado. Coube ao engenheiro Adolpho Fernandes Araújo, nomeado diretor em 13 de maio de 1966, o encargo de demonstrar às autoridades a inviabilidade da ferrovia, simplesmente funcionando como estrada de ferro, uma vez que os pressupostos que deram origem à sua criação não mais existiam. Demonstrou a necessidade de transformar a unidade ferroviária em empresa turística de atividade polivalente e, nessa diretriz, apresentou no Rio de Janeiro, durante a I Semana de Transportes, realizado no Hotel Glória, sob os auspícios do GEIPOT – Grupo Executivo da Política Nacional de Transportes – uma tese sob o curioso título de Uma Ferrovia Que Não 126

Pode Ser Uma Ferrovia, aprovada unanimemente. De fato, com a criação da FEPASA – Ferrovias Paulistas S. A., a estrada foi excluída daquela sociedade anônima, que reuniu todas as ferrovias paulistas, localizando-se, administrativamente, na Secretaria de Turismo do Governo de São Paulo, o que se operou por força do Decreto Estadual de 20 de janeiro de 1972, no governo Laudo Natel. Em 21 de novembro de 1966, o diretor Adolpho Fernandes Araújo submetia ao secretário dos Transportes José Carlos de Figueiredo Ferraz uma minuta de Mensagem e Projeto de Lei, tendente a transformar a ferrovia em sociedade por ações, criando a SAMETUR – Sociedade Anônima de Melhoramentos e Turismo, com a exclusão da Estrada de Ferro Campos do Jordão da constituição da FEPASA – Ferrovias Paulistas S. A. Justificava a medida, aduzindo que as atividades paralelas iam assumindo relevante importância social e rentabilidade econômica sobre o serviço ferroviário, relacionando o aumento do transporte de passageiros e autoveículos, o desenvolvimento turístico de Campos do Jordão, a manutenção da linha de transmissão do Pico do Itapeva e a constante diminuição do transporte de carga. Justificou que a implantação da ferrovia nascera da necessidade do uso das qualidades climáticas de Campos do Jordão para fins terapêuticos no combate à tuberculose e que a Estrada nasceu de um ideal que dizia mais de perto aos motivos sociais do que às razões econômicas. Observou que nascida sob o signo do déficit, jamais a Estrada deu qualquer resultado econômico positivo, e com enormes descontos de fretes, transpor-

“Correio Paulistano”, de 26 de outubro de 1957.

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tou o material necessário à construção de todos os sanatórios existentes em Campos do Jordão, bem como na grande maioria dos casos, gratuitamente, a quase totalidade dos infelizes ocupantes dos leitos-dias. Paralelamente ao que foi dito, a função social da Estrada também se fez sentir porquanto era o órgão através do qual o Estado fazia benefícios às instituições de caridade, propiciando abatimento de fretes, passes a doentes, amparo nas construções cedendo materiais, etc. Por outro lado, a estrada foi se expandindo em outros setores, como no transporte urbano em Campos do Jordão, no transporte intermunicipal, transporte urbano de Pindamonhangaba – Piracuama, transporte de automóveis em gôndolas, na manutenção de linha de transmissão, exploração do serviço telefônico em 11 cidades e localidades. Decerto que, sob o aspecto econômico, a ferrovia não poderia mesmo sobreviver, daí por que o grave problema social que a sua desativação acarretaria, indicava a sua transformação estrutural, mesmo porque o seu complexo ferroviário estava, administrativamente, ligado a três Secretarias de Estado: Transportes, Turismo e Obras. Isto demonstrava que a atividade ferroviária não era única, como nas demais ferrovias estaduais, mas apenas uma delas, levando-se à conclusão de que a melhor solução para o complexo de serviços seria a sua transformação em sociedade anônima. A proposta de criação de uma sociedade anônima, do diretor Adolpho Fernandes Araújo, perdeu-se nos vãos e desvãos da burocracia oficial. Em 23 de janeiro de 1967, a ferrovia pôs em circulação uma moderna automotriz de 127

“A Cidade de Campos do Jordão”, de 22 de janeiro de 1967.

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turismo, inaugurada pelo governador Laudo Natel. A imprensa jordanense noticiou: Não poderia o Governador Laudo Natel – Cidadão Honorário de Campos do Jordão – deixar a chefia do Governo do Estado, que ocorrerá no próximo dia 31 do corrente, sem antes dar o ar de sua graça nesta Estância. E o fará de maneira mais auspiciosa, pois, além de vir inaugurar o moderno carro da Estrada de Ferro Campos do Jordão, idealizado pelo dinâmico diretor, engenheiro Adolpho Fernandes Araújo, e que servirá aos propósitos turísticos que a sua inteligente administração vem buscando, o Governador, fazendo-se acompanhar de vários Secretários de Estado, confraternizar-se-á com as autoridades locais. O chefe do executivo estadual deverá chegar no dia 23 de janeiro, viajando pelo referido trem turístico da Estrada de Ferro Campos do Jordão que fará parada em Estação “Emílio Ribas”, cerca das 11 horas.” 127 O referido carro foi construído em pouco mais de dois meses nas oficinas e pelo próprio pessoal da ferrovia, sendo inteiramente montado sobre um dos chassis em uso, contendo 27 poltronas reclináveis em cobertura de plástico de cores agradáveis, combinando com o meio ambiente revestido de plástico. Cada poltrona possuía dispositivo para copos, cinzeiro e tinha espaço suficiente entre uma e outra para maior conforto do passageiro. Possuía ainda o carro uma pequena cozinha para a preparação de lanches e bebidas. O funcionamento do carro turístico causou a maior impressão às autoridades estaduais e municipais, de Campos do Jordão e Pindamonhangaba.


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Ainda na gestão do eng. Adolfo Fernandes Araújo, a ferrovia construiu um restaurante no Bosque da Princesa, em Pindamonhangaba, com projeto de aproveitamento turístico daquele logradouro público, em obediência à sua vocação nessa área, também em Pindamonhangaba. O projeto contemplava a implantação de um teleférico interligando as margens do Rio Paraíba com o paisagismo necessário à criação de um logradouro turístico de lazer. Posteriormente, o prédio do restaurante foi cedido à prefeitura municipal de Pindamonhangaba. Em 1969, a ferrovia entregou ao tráfego outra moderna automotriz de luxo, com música, salgadinhos e canapés, com 96% de material nacional, construída no tempo recorde de quatro meses. Era a automotriz elétrica L-1, dotada de 2 trucks e com 4 motores de 80 HP, que, em uma hora e 50 minutos fazia o percurso de Pindamonhangaba a Campos do Jordão e vice-versa. A L-1 tinha 210 quilos de duralumínio aplicados em sua estrutura, com 16 metros de comprimento e 2,60 metros de largura, teto de duratex climatizado e cobertura de corvim. O piso foi fabricado de neolite, o corredor atapetado e os bagageiros acolchoados. A sua viagem inaugural ocorreu em 1º de março de 1969, quando era diretor da ferrovia o engenheiro Durival de Carvalho. 3. A imprensa paulista escreveu, em 1969, sobre o lançamento da automotriz: “Apita como trem, corre sobre trilhos presos a fios elétricos. Leva 40 pessoas na composição de um único vagão. E que vagão!

Poltronas de espuma, amplas, confortabilíssimas. Vermelhas, combinando com a passadeira, em contraste com o teto e paredes pérola. Aliás, pouco espaço porque o resto é vidro. Ar condicionado, barzinho e toalete. Comissário de bordo, mais do que garçom serve uísque, salgadinhos, refrigerantes, colocandoos em dispositivo próprio, à frente de cada assento (cortesia da casa). O passageiro sobe e desce (depende do ponto de origem) completamente embriagado. Não de uísque, mas, da paisagem que invade o carro, eliminando-o como elemento intruso que é. Pára nos lugares em que há mais impacto emotivo, convidando à contemplação por minutos e a fixação do momento em fotos. A música ambiente acompanha em cada etapa a suavidade ou agressividade da natureza caprichosa. Com todas as características de trem, mais parece avião pelo conforto que proporciona aos passageiros, quase acima das nuvens. Onde fica essa maravilha? Quanto custa conhecê-la? Fica no Brasil, Estado de São Paulo, numa Estância Climática chamada Campos do Jordão. Menos de duas horas de viagem, você paga 6 cruzeiros novos, com uísque e tudo. É o trecho Campos do Jordão – Pindamonhangaba (ou vice-versa), em carro de luxo que parte às 15 horas da cidade serrana. Mande seu carro de gôndola pelo mesmo percurso (40 cruzeiros novos, com ou sem gente) e desce como passageiro VIP. Agora, caia duro pela ignorância total que brasileiro tem daquilo que possui: este trenzinho – que você viajaria no estrangeiro para

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Em 11 de junho dizer que conheceu – de 1970, o governainaugurado há 9 meses, dor Abreu Sodré faz as viagens com uma inaugurou o primeimédia de 5 a 6 passa128 ro sistema de geiros em cada.” monocabo aéreo do Em março de 1969, Brasil.131 iniciaram-se os entendiEscreveu o jormentos do diretor da nalista Romeu Estrada de Ferro CamGarcia que “há dois pos do Jordão, engeTeleférico – Morro do Elefante. anos, o prefeito José nheiro Durival de CarVila Capivari – 1970. Antônio Padovan e o valho, com o prefeito de Campos do Jordão, José Antônio Padovan, para diretor da Estrada de Ferro Campos do Jordão, a construção de um miniférico interligando o Durival de Carvalho, tiveram a idéia de ligar o ponto pátio da Estação Emílio Ribas ao Morro do mais famoso da cidade, o Morro do Elefante à EstaElefante, onde se achava em construção um ção “Emílio Ribas”, na concentração populacional mais importante, a Vila Capivari, por meio de cabos belvedere pela municipalidade da estância. O empreendimento tinha o apoio do se- sustentadores de cadeiras volantes, individuais e descocretário de Turismo de São Paulo, Orlando bertas, em iniciativa pioneira como transporte de pessoas em poltronas suspensas por monocabos. Zancaner. Feito o projeto, foi levado ao Instituto de Foram, há esse tempo, iniciados os serviEngenharia de São Paulo e ao Centro Brasileiro ços de locação do miniférico. O sistema era muito difundido na Europa de Estudos e Pesquisas, onde o Prefeito José e nos Estados Unidos e no Brasil a iniciativa Padovan empenhou-se pela sua aprovação. Vencida a fase inicial de planejamento seria pioneira. 129 Em 30 de março, a imprensa jordanense e estudos de viabilidade, o projetista do emanunciava que o teleférico seria uma realidade dentro de pouco tempo, pois o secretário Orlando Zancaner havia confirmado o investimento de 80 mil cruzeiros novos para a construção de uma parte, pois a Estrada de Ferro Campos do Jordão executaria a outra. 130 As primeiras experiências com o miniférico foram realizadas em outubro de 1970, pelo engenheiro Eugênio Vignolli, da empresa Teleférico – Morro do Elefante. Vila Capivari – Governador Abreu Sodré. Carlevi - Sistema de Monocabo Aéreo. 128

“O Estado de São Paulo”, de 28 de novembro de 1969.

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“A Cidade de Campos do Jordão”, de 2 de março de 1969.

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“A Cidade de Campos do Jordão”, de 30 de março de 1969.

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“A Cidade de Campos do Jordão”, de 11 de janeiro de 1970

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preendimento, Eugênio tenção dos cabos são em Vignolli, um piemontês número de 9 no trecho que há 28 anos monta de 500 metros. transportes por cabos, No alto do Morro começou a trabalhar em do Elefante, a baixa das janeiro deste ano com a cadeiras suspensas é mão de obra e equipe coobrigatória, quando os Máquina T.1. Comando do Teleférico – 1970. laboradora dos projetos viajantes podem dar um de Campos do Jordão, sob a responsabili- passeio a pé, olhando o panorama de Vila dade da direção da Estrada de Ferro Cam- Capivari, a 1.700 metros de altitude, ou oranpos do Jordão, que designou para coman- do aos pés de um cruzeiro de concreto armadar o pessoal o subchefe Antônio Luciano do, ou visitando o belvedere.” de Oliveira. E continuou a escrever o jornalista Romeu O ponto inicial desse transporte por ca- Garcia: “Viajando na cadeira a 3 metros do solo, o bos foi a Estação “Emílio Ribas”, em Vila usuário no declive ou no aclive, tem a sensação de Capivari, onde ficaram localizadas a bilheteria soltura no espaço. e o comando dos motores e outras instalaPor ser do regulamento, todos os ções, principalmente, as do sistema elétrico. monocabos aéreos do mundo, em todo o perO comando contaria com pessoa técnica curso de mil metros, na ida e na volta, os altopara o seu comando, que teria como sede um falantes nas 9 torres transmitirão musicas e carro que serviu no passado como locomotiva. avisos dos operadores aos usuários. Desse lugar sairia um anel de cabo, O projetista Eugênio Vignolli escreveu a sustentador de 100 cadeiras individuais des- Roberto Carlos para que componha musicas cobertas, 50 partindo da Estação Emílio Ribas, especiais ao uso do monocabo aéreo, a exeme 50 em retorno do Morro do Elefante, cru- plo do que fazem Sergio Endrigo e outros zando-se a meio caminho. compositores de todo o mundo. O transporte seria para 600 pessoas por A instalação do equipamento resolverá o hora e, futuramente, para 1.000 pessoas por problema fundamental com que se defronta o hora. turista nas montanhas: a subida. A distância de uma cadeira para outra é de Com o monocabo, cada um participará exterior 10 metros, e posteriormente, diminuirá para 7 e interiormente da natureza “com religiosidade e até o metros, com o aumento de usuários. sentido místico: este é o grande segredo do sucesso das A distancia entre a estação de embarque e cadeiras aéreas descobertas, suspensas no espaço” – o Morro do Elefante – assim chamado por- explica Eugênio Vignolli. que tem a forma de um elefante – é de 500 É por isso que não se faz compartimento metros, cada cadeira viaja a 2 metros por se- fechado, como o do Pão de Açúcar: afastaria gundo e pode carregar adultos e crianças (quan- o público, tiraria a emoção, ficaria mais caro, do crianças podem ser carregadas no colo). levaria mais tempo para vencer o percurso. A capacidade de resistência das cadeiras é Como está, o passageiro fica a uma altura de 600 quilos. As torres de sustentação e re- baixinha, pendurado no vazio e a linha compor-

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ta mais gente com uma capacidade de mil pessoas por hora, quando em instalações fechadas, a capacidade é de apenas 200 pessoas por hora, com a vantagem ainda de não haver espera pelo sistema de cabines aéreas descobertas: quem chega, imediatamente tem a cadeira à sua disposição, como numa escada rolante, uma fita transportadora que leva gente no ar e pode diminuir, parar, aumentar a velocidade a simples necessidade do momento, alertada ou percebida pelo controlador da estação de embarque no pátio da Estação “Emílio Ribas”. O uso de monocabos para o transporte de público está muito difundido no mundo inteiro: na América do Sul já existem há bastante tempo na Argentina, na Venezuela e na Europa, só a Itália conta com mais de 180 monocabos. No Brasil, até agora, esse tipo de transporte serviu apenas para carregamento de materiais, como é o caso do monocabo transportador de minério. Todos são regidos pela Organização Internacional de Transportes por Cabos. Com a inauguração do primeiro monocabo para transporte de público no Brasil, será introduzido no País um novo culto: o de Nossa Senhora da Montanha, como existe na Europa, o da Madona da Neve.” 132 O investimento foi tão útil e rentável à estância turística que o jornal O Estado de São Paulo, em 1971, chegou a publicar: “O término da temporada de inverno em Campos do Jordão trouxe uma conseqüência bastante agradável para a cidade: o monocabo aéreo que levaria 2 anos para ser pago teve seu custo final inteiramente coberto pela movimentação turística só no mês de julho.” Uma metade já fora paga com a temporada de janeiro passado. Cerca de 50 mil turistas visitaram Campos do Jordão em julho, che132

“O Estado de São Paulo”, de 2 de julho de 1970.

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gando pelos meios mais diversos de transporte: automóveis, trens, e até helicópteros. Ao final, haviam gasto 2 milhões e quinhentos mil cruzeiros. A Estrada de Ferro Campos do Jordão também participou da construção dos miniféricos de Serra Negra, Guarujá e São Bernardo. Em setembro de 2006, a imprensa jordanense noticiou que João Paulo Ismael, prefeito de Campos do Jordão, foi recebido pelo governador Cláudio Lembo no Palácio Boa Vista. Naquela oportunidade foi discutida a possibilidade do miniférico, que pertence à Secretaria de Turismo do Governo de São Paulo e é administrado pela Estrada de Ferro Campos do Jordão, vir a ser gerido pela prefeitura municipal de Campos do Jordão. Durante duas décadas, vem lutando a municipalidade jordanense para administrar aquele equipamento estadual, de grande interesse turístico para a estância. Surpreendente é que o governador autorizou a elaboração de um documento de permissão de uso para que o município administrasse o miniférico da ferrovia, sem qualquer possibilidade da audiência da diretoria da Estrada de Ferro Campos do Jordão, administradora daquele logradouro turísitico, o primeiro equipamento construído no Brasil. 4. Na primeira gestão do engenheiro Durival de Carvalho (1968/77) foi criado o balneário Reino das Águas Claras, no quilômetro 17 da ferrovia, à margem do Rio Piracuama, constituído de um parque de lazer em área de 35.373 metros quadrados, onde se aproveitou as águas do rio para a construção de três barragens que formaram três piscinas com praia artificial.


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Para a decoração do balneário foram convocados os artistas José Soares Ferreira (Zé Santeiro), Alarico Correa Leite e José Pyles, que começaram a produzir figuras da obra de Monteiro Lobato, em barro cerâmico, queimadas em fornos de olaria. Espalhadas pelo balneário com frases do próprio Monteiro Lobato, lá estão as figuras

da Vaca Mocha, o Saci, Dona Benta, Tia Anastácia, Pedrinho, Narizinho, Emília, Caapora, Jurupari, Mula Sem Cabeça, Marquês de Rabicó, Visconde de Sabugosa, Boitatá, Curupira, Yara, Neguinho do Pastoreio, Quindim, Poço do Visconde, Tio Barnabé e a Gruta da Cuca.

Negrinho do Pastoreio.

Saci Pererê.

Emília no país da gramática.

Mula sem cabeça.

Caapora.

Jeca Tatu.

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A imprensa de Campos do Jordão registrou a inauguração: “Reino das Águas Claras foi a feliz denominação que o diretor da Estrada de Ferro Campos do Jordão deu ao recém construído balneário do km 17 da sua linha férrea. O nome é uma homenagem ao grande escritor patrício Monteiro Lobato. Dotado de 34 cabines para vestiário dos banhistas, restaurante com figuras populares da obra lobatiana, sanitários edificados dentro dos melhores processos de higiene e um aquário onde se pretende desenvolver 40 espécies diferentes da fauna ictiológica. Assim, os turistas que estejam em Campos do Jordão poderão conhecer o logradouro, utilizando-se dos trens da Estrada de Ferro Campos do Jordão numa programação das mais interessantes e que deverá incluir um delicioso almoço no restaurante sui generis: um vagão adaptado para esse fim com todo o conforto e lindamente decorado.” 133 Em 15 de junho de 1972, a ferrovia lançou o Concurso O Folclore na Literatura de Monteiro Lobato, inspirada nos bons resultados obtidos com a criação do Balneário Reino das Águas Claras, no quilômetro 17 da linha férrea, onde o usuário encontra cabines, sanitários, bar e restaurante, água encanada e energia elétrica Considerando que o mês de agosto é dedicado ao folclore, o diretor Durival de Carvalho dirigiu o concurso às escolas de Pindamonhangaba, de todos os níveis. A iniciativa despertou invulgar interesse, tendo sido premiados trezentos e sessenta trabalhos, com certificado de participação, livros e viagens a Campos do Jordão, com acompanhantes. 133

“A Cidade de Campos do Jordão”, de 12 de abril de 1970.

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A apresentação dos trabalhos ficou condicionada obrigatoriamente à visita dos alunos ao balneário Reino das Águas Claras, cuja inauguração oficial ocorreu em 21 de agosto de 1982, presente o secretário de Turismo Abdo Haddad. Em 1975, a Caverna do Diabo, situada no município de Eldorado, no Vale da Ribeira, por algum tempo, teve a sua administração transferida para a ferrovia, que implementou naquele equipamento turístico importantes melhoramentos públicos. 5. O diretor Durval de Carvalho disse ao jornal O Estado de São Paulo, em 1971, que a ferrovia estava construindo os seus próprios carros, em Pindamonhangaba, com 90% de material nacional e com 100% de mão-de-obra. Apenas são aproveitados os motores e os chassis, pois até os trucks para os trens de luxo são montados pelos operários da Estrada de Ferro Campos do Jordão. A construção de um carro consome seis meses de trabalho e oitenta e seis mil cruzeiros (1971), enquanto o estrangeiro custa mais de meio milhão de cruzeiros. A descoberta da vocação turística da ferrovia foi bem-recebida pela imprensa de Campos do Jordão: “A inauguração de um novo carro de luxo que trafegará entre a Estância e Pindamonhangaba pelos Secretários Paulo Maluf, dos Transportes e Pedro de Magalhães Padilha, do Turismo, assinalarão a passagem definitiva do acervo da Estrada de Ferro Campos do Jordão, da primeira para a segunda Secretaria, pondo termo à prolongada demarche iniciada há cerca de três anos, quando o GEIPOT opinara pela extinção de todos os ramais ferroviários, inclusive o de Campos do Jordão.


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A tese defendida naquela ocasião junto àquele órgão, que se reunira no Rio de Janeiro, pelo então diretor da Estrada de Ferro Campos do Jordão, engenheiro Adolpho Fernandes Araújo, colocou o assunto em ponto de diálogo que se prolongaria até os dias presentes, encontrando-se, por fim, os meios legais para a transferência do acervo da originalíssima Ferrovia que, aos poucos será transformada em alto ponto das atrações turísticas da região, combinada com uma série de melhoramentos introduzidos e muitos outros a serem implantados ao longo do trajeto Campos– Pinda, a exemplo do Balneário “Reino das Águas Claras”. A Ferrovia sempre bem cuidada e cada vez melhorada, com pessoal preparado para as importantes funções do turismo, será o elo de ligação da futura Disneylândia brasileira, ou, com mais propriedade, a Lobatolândia, como muito oportuno e patrioticamente vem criando o diretor Durival de Carvalho, motivando sítios como os de Piracuama com as figuras imorredouras dos contos de Monteiro Lobato.134 No Parque de Vila Capivari, instalado ao redor da estação Emílio Ribas foi implantado o sistema de passeios em pedalinhos em lago de pequenas dimensões, mas que encantam as crianças. A ferrovia pretendia com esse trabalho conscientizar os visitantes do Parque Capivari sobre a grande influência da natureza na vida humana. Para isso, contará também com um Centro de Informações, museu, sala de exposição artística, bem como condições de atendimento ao público, lanchonetes, lembranças da estância, playground, sanitários e quiosques, além dos tradicionais brinquedos: pedalinhos, pista 134

de kart e de gelo durante a temporada de inverno. Transformado num Centro Turístico, o Parque Capivari pretendia atender cerca de 8.000 pessoas por hora, quando suas reformas estiverem concluídas e funcionando com sua capacidade máxima.135 Outro equipamento turístico inaugurado pelo diretor Durival de Carvalho foi o Mirante de Santo Antônio do Pinhal, a poucos metros da estação do mesmo nome, situado no alto da Mantiqueira. Com patamares para 40 pessoas e onde está colocada uma grande imagem de Nossa Senhora Auxiliadora, o Mirante, iluminado à noite, é visto tanto da Via Dutra como das cidades de Taubaté, Tremembé, Pindamonhangaba e Aparecida.136 Em dezembro de 1981, foi inaugurada a nova Estação de Emílio Ribas em estilo montanhês, na administração do diretor Alberto Taiar, integrando a composição paisagística de Campos do Jordão. O prédio foi construído na administração do engenheiro Durival de Carvalho Situada em Vila Capivari, ela dispõe de equipamento giratório para possibilitar o retorno de bondes, além de garagens para as composições. O prédio da antiga estação, por cessão do secretário de Turismo de São Paulo, Abdo Haddad, foi cedido à prefeitura municipal na gestão do prefeito Fausi Paulo, para sediar o Museu de História, Imagem e Som da estância, um Salão Permanente de Artes Plásticas e o Conselho Municipal de Cultura. Em 1984, a Secretaria de Turismo de São Paulo, notando a importância dos Albergues

“A Cidade de Campos do Jordão”, de 20 de fevereiro de 1972.

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“O Estado de São Paulo”, de 30 maio de 1971.

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“O Estado de São Paulo”, de 04 de agosto de 1978.

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da Juventude no contexto turístico, achou por bem criar a Associação Paulista dos Albergues da Juventude, cabendo a Campos do Jordão receber o 1º Albergue Oficial, cuja sede se localizou em Vila Capivari, em duas casas de propriedade da Estrada de Ferro Campos do Jordão, na Rua Diogo de Carvalho. Nesse ano, a revista Veja, de circulação nacional, publicava: “Para proveito dos brasileiros maiores de 16 anos começam a aparecer no País os primeiros albergues da juventude, casas de hospedagem barata que hoje se espalham aos milhares pelos quatro cantos do Mundo. O albergue Muxarabi de Cabo Frio, abriu o caminho, com uma diária a 1.500 cruzeiros, atraente em qualquer época do ano e irresistível no verão para jovens que não estão em condições de arcar com as diárias de um hotel. São Paulo segue agora o exemplo fluminense com a abertura de dois novos albergues, um na cidade de Pindamonhangaba e outro na Estância de Campos do Jordão, no alto da Serra da Mantiqueira. Ao contrário do albergue de verão em Cabo Frio, o de Campos do Jordão, com suas lareiras, foi concebido principalmente para os meses frios do ano, quando a cidade recebe seu grande contingente de turistas. E é igualmente acessível à bolsa juvenil, com a sua diária de 3.000 a 6.000 cruzeiros, com direito a cama, chuveiro e café da manhã. A experiência está dando certo, afirma seu idealizador Caio Pompeu de Toledo, Secretário de Esportes e Turismo do Estado de São Paulo. Há três meses, Pompeu de Toledo, criou a Associação Paulista de Albergues da Juventude, com o objetivo de incentivar o turismo entre os jovens, principalmente, os estudantes, e a 137

Revista “Veja”, de 25 de julho de 1.984.

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associação montou os dois albergues no interior do Estado, com vinte vagas cada um. Essas casas aumentam a consciência comunitária – afirma Pompeu de Toledo. E lhes permite uma convivência proveitosa com pessoas de outras regiões.”137 Posteriormente, a sede transferiu-se para uma casa situada na Vila Jaguaribe e, atualmente, no antigo Hotel Brasil, na Vila Abernéssia, onde se encontra o logotipo Hostelling Internacional , já sem a participação da ferrovia. O ferroviário Celso Marcondes Ferreira, já aposentado, assumiu a gerencia do 1º Albergue Oficial do Brasil, por dois anos, dizendo: “pude aprender muito com os alberguistas do mundo todo, local em que se aglomeravam muitos jovens, cada um falando o seu idioma, mas onde todos se entendiam.Trata-se de exemplo que os dirigentes de poder do mundo deveriam seguir para que a paz pudesse reinar. Caio Pompeu de Toledo costumava me chamar de 1º Pai Alberguista do Brasil.” Os Albergues da Juventude surgiram no calor da 2ª Guerra Mundial, quando os jovens, fugindo de constantes ataques, iam de um lado para outro. Sem ter um lugar fixo para pernoitar e alimentar-se, criaram juntamente com as pessoas que os ajudavam, um tipo de albergue nas casas em que eram recebidos, sempre carregando em suas mochilas, cobertores, lençóis e fronhas e eles mesmos preparavam a sua comida, deixando, ao amanhecer, as casas como as encontraram. Com o término da guerra, a idéia espalhouse para o mundo e atualmente se encontra uma rede de albergues, onde se abrigam os jovens que chegam de todas as partes do mundo. No Brasil, também se instalaram alguns


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albergues, dirigidos por particulares, mas o de que ampliar as suas atividades turísticas na área Campos do Jordão foi o primeiro albergue de sua competência, reduzir os custos ferrovioficial de que se tem noticia.138 ários, e implantar uma estrutura funcional compatível com objetivos a serem alcançados.”79 6. Em 1º de março de 1981, assumiu a Posteriormente, foi nomeado o engenheidireção da ferrovia o engenheiro Alberto Taiar, ro Nelson Merched Daher Filho (1983), que vindo dos quadros da FEPASA, que lutou permaneceu pouco tempo à testa da Estrada intensamente contra a desativação da unidade de Ferro Campos do Jordão. ferroviária, empenhando-se na recuperação da Em 1983, ocorreu um acidente ferroviáVia Permanente e na melhoria da prestação de rio na descida da serra, sem vítimas fatais. O serviços turísticos. tráfego intermunicipal foi interrompido por Em relatório, o diretor acentuou que “a questões de segurança, funcionando apenas situação de salários da Estrada de Ferro Campos do os trens de subúrbio entre PindamonhangaJordão é das mais difíceis. Nos últimos anos eles ba e Piracuama e, em Campos do Jordão, foram totalmente marginalizados de todos os estudos entre a Estação Emílio Ribas e a Parada São que reestruturaram o funcionalismo público e os servi- Cristóvão. ços industriais do Estado. Em 16 de janeiro de 1986, foi parcialPara a operação das automotrizes com mente restabelecido o tráfego entre as cidasegurança, em rampa de até 10,5%, temos des de Santo Antônio do Pinhal e Campos necessidade de artífices competentes para o do Jordão e, definitivamente, o tráfego intertrabalho de manutenção, reparação e revisão municipal entre Campos do Jordão e Pindadas automotrizes. monhangaba. Os nossos melhores homens, com menos Em 24 de julho de 1985, o engenheiro José de 20 anos de serviço deixaram a Estrada atra- Salgado Ribeiro tomou posse como diretor da ídos por melhores salários. Os poucos elemen- ferrovia, empenhando-se na reativação do trátos que temos em condições de realizar este fego, que fora interrompido desde 1983, por trabalho, estarão aposentados em curto prazo. motivos de segurança. Infelizmente, veio a Assim sendo, entendemos urgente corrigir falecer, em 1988, em grave acidente automoessa situação, sem o que, fatalmente, a Estrada bilístico na Rodovia Presidente Dutra, quanterá que paralisar os seus trens, tendo em conta do se dirigia para o Rio de Janeiro a serviço da que é possível a ocorrência de desastres muito Estrada de Ferro Campos do Jordão. graves por falta de boa manutenção (...) PropoO jovem engenheiro teve o encargo de mos, pois, seja estudada a criação de um qua- reativar o tráfego ferroviário intermunicipal, dro de pessoal regido, exclusivamente, pela CLT desativado desde 1980, por motivos de segua ser implantado no inicio de 1980". rança. Concluiu o engenheiro Alberto Taiar que a Conseguiu esse intento e em plena ativiFerrovia “é viável para atuar como órgão regi- dade administrativa, faleceu em acidente auonal da Secretaria de Turismo e, para tal, terá tomobilístico na Rodovia Presidente Dutra, 138

Trabalho de Celso Marcondes Ferreira cedido ao autor.

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quando viajava para o Rio de Janeiro, para tratar de assunto de interesse da ferrovia junto à Rede Ferroviária Federal, falecendo também o motorista da estrada, Aurélio Nunes. O trágico acidente ocorreu em 22 de junho de 1988. Lembrou Luiz Carlos Loberto que, em 1987, o eng. José Salgado Ribeiro solicitou ao arquiteto Rogério Campos Magalhães a elaboração de planta arquitetônica de uma nova praça a ser construída junto à plataforma de acesso dos turistas às automotrizes, na Rua Martin Cabral, em Pindamonhangaba. O logradouro público foi inaugurado como Praça dos Ferroviários. Em homenagem ao saudoso diretor, as autoridades pindamonhangabenses deram o seu nome ao espaço público defronte à sede da ferrovia, até então conhecida como Praça da Liberdade e, hoje, oficialmente, denominada Praça eng. José Salgado Ribeiro. Em 1988, assumiu a diretoria o engenheiro Arthur Ferreira dos Santos (1988-2005), que administrou a estrada ao longo de dezessete anos. Nessa época, a ferrovia passou a ser subordinada à Secretaria da Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo, por força do Decreto Estadual no 46.744, de 13 de maio de 2002. Na sua administração implantou a modernização e informatização em vários setores da ferrovia. Em 1990, promoveu-se a montagem do trem de turismo A-2 e a reforma de todas as paradas e estações, ao longo da via férrea e da estação de subúrbio de Pindamonhangaba. Procedeu-se, nesse ano, a reforma da ponte metálica sobre o Rio Paraíba em seus 160 metros de extensão, aplicando pintura

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automotiva antiferrugem. Houve a substituição de todos dormentes da via férrea e a metade deles recebeu trilhos novos, além da restauração dos setores de carpintaria, mecânica, elétrica, tração e linhas aéreas. Inaugurou a CIPA - Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e, em 1996, foi construído um refeitório para os funcionários. Determinou o engenheiro Arthur Ferreira dos Santos a reforma do balneário Reino das Águas Claras e a recuperação das figuras lobatianas. Reformou as automotrizes A-4 e AL-1 e os bondes A-5, A-6 e A-7, além da recuperação de varias classes de madeira. A primeira automotriz à gasolina da ferrovia, que estava no Morro do Elefante, em Campos do Jordão e depois no Parque Estadual, foi recolhida pela ferrovia, que restaurou seu motor Mercedes Benz, com 22 HP, utilizando durante dois anos uma equipe de oito restauradores, para que fossem preservadas suas características originais. O recondicionamento de seu motor na própria Mercedez-Benz teve um custo superior a três vezes ao da aquisição de um motor moderno. Foi criado um novo auto de linha para a manutenção e socorro, movido a óleo diesel e água, com capacidade para cinco pessoas, de 700 quilos e a montagem das automotrizes A-1 e A-2. Reformou-se toda a área ao entorno da estação de Santo Antônio do Pinhal. Em 1992, a subestação retificadora de energia elétrica sofreu modernização ao custo de 1 milhão de dólares, com a substituição do sistema a mercúrio por silício, semelhante ao que é adotado no Metrô de São Paulo.


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Houve a reforma das oficinas da Estação Emílio Ribas e da estação ferroviária antiga, com a modernização dos chalés do Parque Capivari e do Teleférico de Campos do Jordão. Durante a longa gestão do engenheiro Arthur Ferreira dos Santos, foi implantado na ferrovia o PIP – Prêmio de Incentivo à Produtividade, através da Lei nº 9352/66, desfrutando ainda os servidores dos benefícios do plano de saúde. Com o objetivo de abrigar a Agência Regional de Turismo, aprovada pelo Governo do Estado, em 2003, a ferrovia sofreu algumas adaptações administrativas. Retornou aos trilhos a locomotiva Maria Fumaça, em 2004, lançando a diretoria um projeto para a construção do Museu Ferroviário, destinado a resgatar os 90 anos da Estrada de Ferro Campos do Jordão. Foi em seu período que se iniciaram os estudos para que a ferrovia se tornasse uma autogestão. A autogestão é uma fase intermediária entre a privatização e a concessão. É a administração de um órgão público realizada por uma organização social (OS) por um período predeterminado. O órgão continuaria pertencendo ao Estado, porém, administrado pela organização social, que seria composta pelos próprios funcionários, os quais, por sua vez, tomariam decisões gerenciais e se auto-sustentariam. Atualmente, o Estado arca com o pagamento de 232 funcionários. O projeto de autogestão é dividido em duas partes, uma visa o turismo (venda de atividades e criação de outros produtos) e outra a prestação de servi-

ços (trabalho nas oficinas, como se fosse uma mini-indústria).139 Estuda-se a sua implantação. Atualmente as fontes de recursos da Ferrovia são as seguintes: a) Recursos do Tesouro Estadual, através da Secretaria da Fazenda e Planejamento, administrados pelo Governo de São Paulo; b) Receitas próprias do turismo ferroviário e extraferroviário (permissões de uso de próprio da E. F. C. J., receitas provenientes do miniférico, do Balneário “Reino da Águas Claras”, do Parque Capivari, da Vila do mesmo nome), todas elas recolhidas ao Fundo Especial da Despesas da Estrada e por ele administradas. Em 2 de junho de 2005, assumiu a diretoria da Ferrovia o professor Jarmuth de Oliveira Andrade, imbuído de grande entusiasmo e de muitos planos para intensificar a atuação turística auto-sustentada da Estrada. O governador José Geraldo Alckmin editou, em 10 de junho de 2005, o Decreto nº 49.683, dispondo sobre a transferência, que especifica, organiza a Secretaria de Turismo, altera a denominação da Secretaria da Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo. Por via desse diploma legal, a Ferrovia voltou a subordinar-se, administrativamente, à Secretaria de Turismo do Governo de São Paulo. O diretor Jarmuth de Oliveira Andrade elaborou um projeto de ramal ferroviário, interligando a Estação de Santo Antônio do Pinhal, antigamente denominada Eugênio Lefèvre, à cidade de Santo Antônio do Pinhal, reivindicação reclamada por muitas décadas. A estação, situada a 1.162 metros de altitu-

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“Nos trilhos da História – Uma Viagem pela Trajetória da Estrada de Ferro Campos do Jordão”, de Camila F. de Gouvêa, Joaquim M. N. Fernandes e Letícia J. Hamacher. Trabalho Experimental para a Faculda de de Jornalismo da UNITAU, 2003

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de, é a primeira parada do trem turístico, que parte de Pindamonhangaba em direção a Campos do Jordão, e também parada final de trens, que fazem o percurso Campos do Jordão – Santo Antônio do Pinhal – Campos do Jordão, graças ao virador instalado na referida estação. O projeto, que contou com a assessoria do engenheiro Alexandre Gonçalves da Silva, obedeceu a todas as exigências ambientais, técnicas e legais, envolvendo as autoridades municipais de Santo Antônio do Pinhal, que aderiram entusiasticamente à sua execução. Uma equipe de líderes locais visitou os proprietários de terras ao longo do projetado ramal, em busca de autorização de passagem das linhas elétricas e da via férrea, ao longo de quatro quilômetros, de modo a interligar a ferrovia até o centro da cidade de Santo Antônio do Pinhal. A E. F. C. J., para tal empreendimento reivindicado há tantos anos, além da execução técnica, dispõe de todos os trilhos e dormentes oriundos de um ramal desativado em Rifaina (SP). Ainda nesse período, foram intensificadas as gestões para a implantação de um sistema de VLTs – Veículo Leve sobre Trilhos – interligando ao centro de Pindamonhangaba o distrito industrial de Moreira César, ao longo de 12 quilômetros. O anteprojeto deverá ser objeto de audiências públicas com as lideranças políticas, autoridades municipais e entidades comunitárias da região, através dos mecanismos da parceria público-privada. Nesse tipo de parceria, o setor público (Estado e Município) se encarregaria da infra-estrutura necessária para a sua circulação (via permanente, trilhos, terminais, estações, pátio de manobras, estacionamento e oficinas), ca-

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bendo à iniciativa privada os encargos referentes aos veículos, com o conseqüente retorno às empresas da divulgação de sua marca e produtos ao longo do trecho da via férrea, estações e trens por um período preestabelecido. Viável economicamente, o VLT tem capacidade para transportar até 58 passageiros sentados e mais 150 de pé, por viagem, desenvolvendo uma velocidade média de até 70 quilômetros por hora e, com isto, podendo circular entre Pindamonhangaba e Moreira César num tempo de 30 minutos, incluindo paradas estratégicas de até um minuto em algumas estações para embarque e desembarque de passageiros. O diretor Jarmuth de Oliveira Andrade cedeu a residência da diretoria à prefeitura de Pindamonhangaba para ali sediar a sua Secretaria de Turismo. Por motivo de saúde, o professor Jarmuth de Oliveira Andrade foi compelido a deixar o cargo, sendo substituído na direção da ferrovia pelo servidor aposentado Waldir Rodrigues, em 16 de novembro de 2005. Funcionário de carreira, nomeado administrador da Ferrovia, aplicou-se estritamente à área técnica, dedicando-se à manutenção dos equipamentos da unidade para a normal continuidade dos ser viços ferroviários e extraferroviários. Projetou a remodelação e modernização do Parque Capivari, situado no ponto terminal da Estrada, onde pretende construir um teatro, anfiteatro, hotel, posto de atendimento médico, área de estacionamento em três pavimentos, minishop, pista de gelo permanente, área de lazer, melhoria do miniférico, responsável por 50% da receita ferroviária, além da preservação do lago de pedalinhos. A execução do projeto reduzirá acentua-


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damente a sazonalidade da freqüência turística em Campos do Jordão. O novo diretor pretende incluir, ainda, em seu planejamento a introdução do sistema de transporte rodo-ferroviário para passageiros, com a adoção do VLT – Veículos Leves sobre Trilhos – com início no Portal da Estância até o Parque Capivari, de modo a reduzir substancialmente o tráfego de ônibus turísticos e urbanos, que, normalmente, tumultuam o trânsito na Estância, sobretudo, nas temporadas de inverno e feriados prolongados. O sistema VLT operaria sobre os trilhos existentes, transportando passageiros às estações intermediárias, até o terminal de Vila Capivari, e das estações intermediárias partiriam ônibus transportando passageiros para os bairros. Inclui-se entre os projetos do diretor Waldir Rodrigues, a aquisição de duas automotrizes para o serviço de serra (Campos do Jordão – Santo Antônio do Pinhal e vice-versa) A pretensão justifica-se porque Santo Antônio do Pinhal possui atualmente 80 pousadas e a ferrovia não dispõe de automotrizes suficientes para transportar turistas dessa estância climática, que demandam a Campos do Jordão e vice-versa. A introdução desse melhoramento ensejará a majoração da receita ferroviária de 30 a 40%. Empenha-se, ainda, o atual diretor na revitalização do bairro do Piracuama, com a melhoria de sua estação ferroviária e entorno, à introdução de paisagismo, playground e, junto à estação, a instalação do Museu Ferroviário. A medida está sendo estudada, porque o Núcleo Piracuama compõe o Circuito Mantiqueira, criado pela Secretaria de Ciência,

Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, que objetiva a integração das cidades turísticas da Serra da Mantiqueira. No bairro será criado o Pólo Turístico Rural, em vista do rápido e fácil acesso de turistas da Rodovia Floriano Rodrigues Pinheiro, através da derivação existente nas proximidades do Posto da Polícia Rodoviária ao bairro Piracuama. No referido pólo, o diretor pretende reviver a utilização de liteiras e banguês turísticos no Circuito Piracuama (Raiz da Serra) e a Estação Santo Antônio do Pinhal (Alto da Serra), de modo a unir a história da ferrovia à sua vocação turística. Enfim, o turismo – observou a professora Andréia Reis de Oliveira Bitetti, em 1991, sempre fez parte da realidade jordanense, em razão das características físicas e climáticas da região. “Com a chegada da Estrada de Ferro Campos do Jordão e melhoria conseqüente das condições de acessibilidade à Estância, a partir de 1914, começaram a ser dados os primeiros passos para o desenvolvimento do turismo. E hoje, decorridos 82 anos, o que se encontra é uma Campos do Jordão voltada totalmente para o incremento do turismo, neste tendo a sua principal fonte de recursos. Persistem os trilhos que trouxeram o progresso ao município; os bondes continuam a ser utilizados como meio de transporte para a população de baixa renda e também como atrativo turístico.140 A Ferrovia possui, presentemente, automotrizes, bondes e uma locomotiva a vapor, com tração própria, porém, na temporada de inverno, em Campos do Jordão, a estrada tem alugado locomotivas a vapor de terceiros.” Já estiveram em operação em seus trilhos

140 “A Paisagem, O Ritmo, O Rito – Reflexos sobre o Turismo de Campos do Jordão”, de Andréia Reis Oliveira Bitetti, trabalho de Graduação ao Depto. de Geografia da Faculdade de Geografia da USP, julho de 1.991.

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a locomotiva nº 2, da Associação Brasileira de Concomitantemente com a função social, Preservação Ferroviária – Campinas e a nº 4, exerce também a função turística. da mesma associação – Atibaia, todas pintaSem dúvida, os bondes de Campos do das com logotipo da Ferrovia. Jordão são uma atração turística em si mesmos. A Estância, a mais importante do Brasil, 7. A função social da Ferrovia sempre foi é uma atração turística incomparável. importante desde a sua inauguração até os dias O fluxo na temporada de inverno e nas de hoje. férias escolares atingem proporções alarmanUm trabalho apresentado em 1988, no I tes e preocupantes. E lá estão os bondes no Simpósio Nacional de Transporte Ferroviário início de toda essa movimentação. sob o título Bonde Elétrico, Passado e Presente Seu percurso permite o deslocamento acentuou essa característica relevante para a do turista entre as Vilas, em busca de hotéis, população jordanense no transporte urbano, malharias, áreas de lazer, restaurantes e pasinterligando a Estação Emílio Ribas, em Vila seios. Capivari, terminal da Estrada de Ferro Cam“Sendo a marca registrada de Campos do Jordão, pos do Jordão à Parada São Cristóvão, numa em qualquer tipo de publicidade, em qualquer meio de extensão de oito quilômetros. divulgação, os bondes são bastante explorados em jorEsses bondes são utilizados pela popula- nais e revistas, o que lhes assegura uma importância ção de menor renda, permitindo o desloca- social, histórica e turística”, acentuou a Profa Anmento dos bairros operários para o comercial e dréia Reis de Oliveira Bitteti.”141 o turístico e vice-versa, com tarifas reduzidas. Aurora Abrantes

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“A Paisagem, O Ritmo, O Rito – Reflexos sobre o Turismo de Campos do Jordão”, de Andréia Reis de Oliveira Bitetti, trabalho de Graduação ao Depto. de Geografia da Faculdade de Geografia da USP, julho de 1991.

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XXVI Depoimentos Pioneiros Em 1923, Vila Nova (Abernéssia) era um pântano, onde havia uma estaçãozinha tosca, coberta de zinco. Trabalhavam na Estrada de Ferro Campos do Jordão o meu sogro José Gonçalves Abrantes e o cunhado Antônio Abrantes.

Cilene Rangel Pestana Em 1925, quando vim visitar Delio Rangel Pestana, chovia dentro do bonde a gasolina, e a gente viajava com guarda-chuva aberto.

Dino Godoy Foi Belizário Alves que puxou os dormentes de Alcebino Albano de Oliveira Pindamonhangaba a Campos do Jordão para a EsA Ferrovia chegou na Vila Velha trada de Ferro Campos do Jordão, em carros de boi (Jaguaribe), em 1914, mas não trouxe o pro- para o empreiteiro Sebastião de Oliveira Damas. gresso, como aconteceu com Vila Nova (Abernéssia).” Eduardo Moreira da Cruz Cheguei em Campos do Jordão em 1915, Altino Franco quando a Ferrovia já chegava à Parada Em 1930, um lugar que o pessoal se reunia era Fracalanza. Tomava-se uma condução em Pinna chegada e saída dos bondes, em Abernéssia e se damonhangaba, chegando-se até a Raiz da alguém embarcava com alta médica, fazia-se uma Serra (Piracuama), subia-se em uma máquina verdadeira festa. dirigida por um sueco, que chegava em Campos do Jordão, às 3 ou 4 horas da tarde. Em Benedito Olimpio Miranda 1916, a linha férrea já chegava até Abernéssia. Manoel Ferreira Lúcio, meu sogro, ia a Pinda- Depois substituíram aquela máquina pela monhangaba em carro de boi e trazia mercadorias “Catarina”, quando vieram os bondes à gasopara Campos do Jordão, em 1916. Quase sempre lina, com motor Fiat, de 4 bancos, com capatrazia também doentes deitados no carroção que vi- cidade para 16 passageiros. Subiam um dia e nham para o hotel da Vila Velha (Jaguaribe). Mui- desciam a serra em outro. tas vezes, deixava a carga para trazer os enfermos que subiam a serra deitados em colchão. No tempo das Francisco Mulhbauer Comecei a trabalhar na Estrada de Ferro liteiras que eram pagas, Lúcio transportava Campos do Jordão, em 1912, na locação do tuberculosos de graça.

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trecho Pinda-Piracuama, fazendo picadas; depois fui ajudante de carpinteiro, quando o engenheiro José Mascarenhas Neves foi diretor da Ferrovia. Vim a Pindamonhangaba de Santa Catarina. Os primeiros bondes foram a gasolina; os movidos a vapor vieram depois para subir a serra. Os primeiros operadores das máquinas foram Antônio Lopes e Honório Lessa. Na construção da ponte do Rio Paraíba havia um cabo de aço que levava as balsas de um lado a outro do rio, transportando materiais. Uma enchente em 1914 foi tão violenta que levou um pedaço da ponte provisória, que era de madeira. O primeiro acidente na Ferrovia foi com o bonde elétrico, que tombou, matando o motorneiro José Manhoso. A primeira máquina a subir a serra era a vapor, puxando um vagão com materiais; ela foi montada em Pindamonhangaba, porque os bondes a gasolina não agüentavam puxar os vagões cheios de materiais. Henrique Fracalanza Em 1913, subi a serra pela primeira vez, com 6 anos de idade, quando as máquinas da Estrada de Ferro Campos do Jordão eram a vapor. De São Paulo a Pindamonhangaba, viajava-se de automóveis e daí à Raiz da Serra (Piracuama) vinha-se de trolley com 4 rodas, puxadas por 4 burros. Havia uma máquina a vapor para passageiros e outra de carga com 3 ou 4 vagões. Na subida da serra, quando esgotava o vapor, elas paravam, criavam vapor novamente e prosseguiam, depois de jogarem areia sobre os trilhos para provocar o atrito.

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Por isso, a viagem começava de manhã e terminava à tarde; às vezes, as pessoas desciam das máquinas e andavam a pé que era mais rápido. Campos do Jordão era um deserto... Depois das máquinas a vapor, a Estrada de Ferro Campos do Jordão começou a utilizar caminhões com a roda de borracha compacta, movidos a gasolina. Como os caminhões eram velhos e apresentavam defeitos na serra, colocaram rodas de ferro para correr sobre os trilhos. A única distração do pessoal em Campos do Jordão era assistir a saída e a chegada dos bondes na Estação Abernéssia; depois, ia-se ao correio, à esquerda da Padaria Santa Clara, receber cartas, jornais e revistas. Oswaldo Leite de Barros, marido da agente Belmira, ia lendo os nomes dos destinatários das cartas e entregando a correspondência. Maria de Freitas Damas Meu pai, Sebastião de Oliveira Damas, foi o empreiteiro da construção da Estrada de Ferro Campos do Jordão. Em segundas núpcias, casei-me com Antônio de Oliveira Damas, meu primo em segundo grau, em Pindamonhangaba. José de Oliveira Damas e Luiz de Oliveira Damas eram irmãos do meu marido Antônio. Na verdade, José fornecia dormentes para a Estrada, Antônio ficou ajudante de meu pai e Luiz nada quis saber da construção ferroviária. Meu pai Sebastião sempre se dedicou à construção de estradas de ferro, e já na Estrada de Ferro Campos do Jordão subia a serra a cavalo, para administrar a implantação do leito. A terra em Vila Nova (Abernéssia) era um brejo e, por isso, sempre aparecia o Dr. Robert John Reid a desafiar: “Ó, Damas, será que você vence essa esponja?”


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Era preciso socar o chão, pois a máquina afundava. Meu pai estava endividado, nada recebia. Aí o Comendador Rodrigues Alves interveio junto ao Presidente do Estado Francisco de Paula Rodrigues Alves, seu irmão, conseguindo a encampação pelo Governo de São Paulo. Meu pai fabricava vinho em casa e presenteava as pessoas que o ajudavam. Quando terminou a construção da Ferrovia, já havia muitos doentes com tuberculose na cidade. O primeiro carro era dirigido pelo maquinista Alberto. Minha mãe fez as cortinas das janelas porque a Estrada seria inaugurada pelo Presidente do Estado; depois que adaptaram o motor a gasolina é que vieram os motoristas Antônio Martinho Ferreira e Pedro de Alcântara, o primeiro dirigia o carro de cargas, e o segundo o de passageiros. A máquina “Catarina” era movida a lenha para fazer vapor. O Dr. Emílio Ribas sempre almoçava com meu pai em Pindamonhangaba. João e Floriano Pinheiro trabalharam na empresa de papai, eram dois artistas no trabalho em pedra. José Pereira Alves era o cozinheiro de meu pai e seus filhos se chamavam Manoel e José Pereira Alves. Sebastião de Oliveira Damas era um homem muito vaidoso, vestia-se muito bem, estava sempre impecável com os ternos brancos, de linho; chegou a comprar uma prensa para fazer os vincos da calça, enquanto dormia. Toda vez que subia a Campos do Jordão, ficava na antiga casa de Julio Fracalanza, de madeira, situada na entrada da cidade.

Joaquim Ferreira da Rocha também veio com a Ferrovia e foi um dos primeiros que construíram em Vila Nova (Abernéssia). Na Vila Velha (Jaguaribe), madame Bertha Bazin reclamou que era preciso construir uma estaçãozinha para não contrair resfriado e não ficar ao relento e, como ela havia feito várias doações à Ferrovia, construíram uma pequena estação (...) A subida da serra foi muito difícil quando da implantação do leito da estrada, pois havia uma enorme pedra abaixo de Eugênio Lefèvre, no Caracol, e não havia eletricidade para furar as pedras, era só dinamite e martelo. Foi o pior pedaço da empreitada. Os maiores auxiliares de meu pai na construção da ponte do Rio Paraíba foram João e Floriano Rodrigues Pinheiro e meu marido Antônio de Oliveira Damas. Meu pai mantinha até um farmacêutico ao longo da linha, era o Martinho Amorim. Quando estourou a Primeira Guerra Mundial, que atrapalhou muito a construção da Ferrovia, meu pai retornou a Portugal, encarregando meu marido Antônio dos serviços de “engomagem” (acabamento) da Estrada. Nestor Ferreira da Rocha Quando se espalhou em 1930 a noticia de que se construiu sanatórios de tuberculose em Campos do Jordão, levas de doentes começaram a subir a serra. O delegado de Polícia foi obrigado a dar passes de retorno aos doentes, pois não havia leitos. O primeiro sanatório foi a estação ferroviária de Vila Abernéssia, os bancos eram os leitos e o agente da estação Sebastião Gomes Leitão, o médico. Aí, com o funcionamento do Sanatório S1, foi possível socorrer os pobres doentes no

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abrigo de João Maquinista (atual Av. Frei Orestes Girardi, 909), onde existia uma serrania. João Maquinista (João Rodrigues da Silva) que levava vida modesta, cuidava de 22 tuberculosos, mandados por Sebastião Leitão, que ali viviam deitados sobre colchões. Recebiam comida misturada com palavrões... do Maquinista, que era malcriado. Paulo Reis Magalhães Em 1920, meu pai Carlos Leôncio da Magalhães veio a Campos do Jordão, trazido pelo Dr. Emílio Ribas, hospedando-se na Pensão Inglesa de Miss Baker. Em 1921, comprou a Lagoinha com 10 alqueires e mais 600 metros no Parque Ferradura. A aquisição foi feita dos próprios drs. Emílio Ribas e Victor Godinho. O transporte de materiais de construção à época era muito difícil, pois só havia bondes a gasolina ou tropas de burro.

Pensão Inglesa.

Pedro Alves Pereira Em 1916, com a chegada da Estrada de Ferro Campos do Jordão, James Maclean doou um pedaço de terras para serem construídas as casas da Ferrovia, até hoje existentes, em Vila Capivari. No tempo em que Vila Jaguaribe era o ponto terminal da Ferrovia, meu pai trabalhou no lastro da estrada, desde a Vila Fracalanza até lá;

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depois, o ponto terminal passou a ficar quase em frente da “A Toca” (em frente ao atual J.B.), com o nome de Parada Gianotti e, finalmente, mudou-se para a Estação “Emílio Ribas”. Péricles Homem de Melo Em 1928, trabalhava na estação ferroviária de Vila Nova (Abernéssia). Era um prédio de madeira, tosco, com agência, um quarto e uma cozinha. Era telefonista. Vila Nova não passava de um lugarejo, não havia mais que meia dúzia de casas. Moacyr Barbosa Ferraz era um fazendeiro rico no Paraná e veio a Campos do Jordão, onde alugou uma casa para a esposa que estava enferma. Era o prédio onde, posteriormente, se instalou o Hotel Helvetia, hoje demolido, na Avenida Macedo Soares, 893. Foi em 1927. O Dr. Paulo Bulcão Ribas, filho de Emílio Ribas, atendeu-a, acompanhando a evolução da tuberculose. Mas, o povo começou a falar... e chegou aos ouvidos de Moacyr. Sem procurar saber o que de fato estava ocorrendo, providenciou o retorno da esposa para São Paulo, dizendo: “Vou a Campos do Jordão acertar as contas com o Paulo Ribas”. A família ficou apavorada, correu ao Secretário da Segurança, para que se comunicasse com o delegado de Polícia de Pindamonhangaba, a fim de evitar que Moacyr chegasse a Campos do Jordão. O delegado foi à estação ferroviária de Pindamonhangaba impedindo-o de subir a serra, mas, quando a autoridade policial retirou-se, Moacyr dirigiu-se ao agente Wantuil e pediu um carro especial para Campos do Jordão. Providenciada a automotriz, telefonou de Pindamonhangaba ao Dr. Paulo Ribas: “Paulo, che-


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go no especial da Estrada de Ferro Campos do Jordão das 14:30 horas. Espere-me aí Campos...” Cheguei a ver o Dr. Paulo passar de automóvel em direção à Estação “Emílio Ribas”, pois à época, trabalhava na farmácia de Paschoal Olivetti, em Vila Capivari. Também ouvi o bonde chegar e logo passar um automóvel com o Dr. Paulo Ribas, Moacyr e mais três pessoas. Depois de vinte minutos, chegou Moacyr gritando: “Coronel, Coronel, matei o Paulo!” Nas imediações, residia um coronel... Moacyr havia sido baleado na barriga e na Farmácia Olivetti, em Vila Capivari, foi colocado em uma cama. Era um homem muito gordo. Cortei a camisa com tesoura e comecei a fazer um curativo no ferimento. Chamei o Dr. Décio Queiroz Telles, que achou melhor transportar o ferido para São Bento do Sapucaí. O tiro, porém, atingiu o tecido adiposo. Enquanto fazia o curativo, Moacyr tirava uma mauser do bolso e começou a desmonta-lá, dizendo: “Não tenho forças para desmontá-la”. Mais tarde, Eduardo Levy narrou-me os detalhes da cena. Viu o Dr. Paulo Ribas chegar com Moacyr e achava que o médico desconfiava de algo, pois estava armado. Ambos entraram nos aposentos onde a esposa de Moacyr se hospedava. Em certo momento, pegou um papel e disse: “Paulo, assine aqui”. Homem com família bem constituída e de respeito, logo que leu as primeiras linhas, respondeu: “Não assino semelhante infâmia!” Moacyr disse: “Não assina, então morre!” Sacou da arma e atirou. Paulo caiu de bruços sobre a cama, mas, sacou de sua arma, atingindo a barriga de Moacyr; este, ato contínuo, saiu para fora do quarto e no

corredor, recarregou a arma para, em seguida, descarregar toda a carga do revolver contra o Dr. Paulo Ribas, que faleceu no local. Sebastião Gomes Leitão Cheguei em Campos do Jordão em 1921. Os bondes eram movidos a gasolina. Ingressei nos quadros da Estrada de Ferro Campos do Jordão, onde fui ser telefonista na Estação de Vila Abernéssia, ganhando 50 mil réis por mês, em 1922. O agente era João Consolino. Os bondes subiam a serra às segundas, quartas e sextas-feiras e desciam às terças, quintas e sábados. Domingo nem subia nem descia. Fui promovido a chefe da estação. Em 1932, fiquei um mês sem dormir, pois, eram tropas de soldados que chegavam e regressavam, ininterruptamente, durante a Revolução Constitucionalista. No tempo da máquina “Catarina”, a gente ouvia o apito lá no Alto do Lageado e dizia: “Vamos almoçar”. Dava tempo de almoçar de tão devagar que vinha o bonde, de Piracuama a Campos do Jordão. Os carros que subiam a serra eram movidos a gasolina, tinham o formato de bonde com motor de automóvel. Subi a serra naquele bonde que estava em exposição no Morro do Elefante; Honório Lessa era o motorneiro e Zuza, o ajudante. Os motorneiros mais velhos foram Antônio Lopes e Honório Lessa. Os telefones chegaram a Campos do Jordão com a Ferrovia; só tinha 25 aparelhos para uma mesa de 50 números e a primeira telefonista foi Ismênia Alvarenga, eu fui o segundo. Os telegramas eram passados a Pindamonhangaba por telefones e o telégrafo veio bem mais tarde.

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Quando agente da Estação Abernéssia, vendi Waldemar Ferreira da Rocha muitas passagens para o escritor Monteiro Lobato. Sou filho de Joaquim Ferreira da Rocha, casado com dona Maria Güilter da Rocha. Wladimir Biagioni Meu pai chegou ao Rio de Janeiro, anMeus pais foram Hortência e Urbano Biagioni. tes da Proclamação da República, trabalhanMeu pai veio de Gênova (Itália), em 1919, para do em estradas de ferro e de rodagem e, trabalhar na Estrada de Ferro Campos do Jordão, por isso, cada filho nasceu em cidades dia convite de Sebastião de Oliveira Damas. ferentes. Na construção da Ferrovia, uma máquina Aí, ele veio trabalhar na construção da de carvão conduzida por Alberto de tal subia Estrada de Ferro Campos do Jordão. A pria serra e papai trazia os dormentes para o meira casa em que residiu foi num barracão à empreiteiro das obras. beira da Ferrovia, perto do Instituto Dom De Eugênio Lefèvre, a Estrada de Ferro iria Bosco. para São Bento do Sapucaí, mas depois a polítiConstruiu a primeira casa de alvenaria, em ca virou e a estrada veio para Campos do Jordão. Vila Abernéssia, onde, atualmente, se enconMeu pai arrumou um trole com 4 cavalos tra a Congregação do Sagrado Coração de e fazia o serviço de táxi, levando e trazendo Jesus, em Vila Fracalanza. doentes da Estação “Emílio Ribas” para suas Na década de 50, havia na Avenida pensões e residências, e vice-versa. Januário Miraglia (atual Avenida Frei Orestes Entregava também a correspondência aos Girardi), desde o Pensionato Maria Auxiliadora seus destinatários. (hoje demolido) até a Parada Viola, cedrinhos Ia até o Alto da Serra aonde chegava a separando a via pública do leito da estrada de máquina da Ferrovia e trazia a correspondência ferro. até a Vila Abernéssia e aí se fazia a distribuição: Antes de existir carros a gasolina na EsJulio Ribeiro, estafeta, distribuía em Vila Aber- trada de Ferro Campos do Jordão, havia mánéssia e Urbano Biagioni em Vila Capivari. quinas a vapor, uma no nível e outra que subia Quando a máquina não podia subir, Urbano ia a serra. buscar os doentes que chegavam em banguês no Alto da Alberto, um alemão, as dirigia, e Honório Lessa Serra (Eugênio Lefèvre), mas alguns chegavam mortos. os carros a gasolina.142

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“História de Campos do Jordão”, de Pedro Paulo Filho, Santuário, Aparecida, 1968.

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XXVII Viagem da Ferrovia pelos Livros Não poucos escritores, poetas, jornalistas, artistas plásticos e políticos viajaram nas automotrizes da Estrada de Ferro Campos do Jordão, mas a Ferrovia, de algum modo, também viajou nos livros, que foram tantos a agasalhar as emoções estéticas, as esperanças e inquietações, além do deslumbramento, ora dos personagens ora dos autores, na escalada da Serra da Mantiqueira. Além das obras que figuram na bibliografia deste livro, dezenas de outras relataram momentos de aflição e de encantamento, reproduzidas em inúmeros trabalhos literários e históricos, aqui sintetizados em ordem alfabética. Foi quando a ferrovia viajou por meio dos livros. Uma das mais remotas presenças literárias na Montanha Magnífica foi registrada pela imprensa pindamonhangabense, em 1919, que costumava publicar noticias de pessoas gradas que se dirigiam a Campos do Jordão, pela Estrada de Ferro Campos do Jordão . “Chega a esta localidade o querido poeta e ilustre ministro do Tribunal de Justiça do Estado, dr. Vicente de Carvalho. Sua Excelência veio em companhia do ilustre deputado João Martins de Mello Jr., que era pro143

prietário de terras nos Correntinos e hospedeiro de visitantes afamados.”143 Outro personagem, Joaquim Francisco de Assis Brasil, gaúcho de São Gonçalo, visitou Campos do Jordão na segunda década do século XX, a convite do dr. Domingos Jaguaribe. Assis Brasil foi um dos fundadores do Partido Republicano do Rio Grande do Sul, deputado na Monarquia e na República, ministro plinepotenciário em Buenos Aires (1892) e em Lísboa (1895), além de ministro da Agricultura de Getúlio Vargas. Em carta que escreveu em 1º de novembro de 1915, dirigida a Domingos Jaguaribe, Assis Brasil revelou: “O que mais impedia a concorrência aos Campos do Jordão – e era ao mesmo tempo o tropeço mais difícil de remover – era a falta ou grande deficiência de transporte. Esse óbice está desfeito. A minúscula via férrea que acabamos de percorrer em automóvel de linha está, pode se dizer, feita e acabada. Melhor do que isto está bem feita (...) A ponte sobre o Rio Paraíba chega a ser uma verdadeira obra de arte, como não conheço igual no Continente.

“Tribuna do Norte”, de Pindamonhangaba, de 24 de agosto de 1919.

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Podia estar sobre o Sena, o Tâmisa ou Spree que não faria má figura. Assim, a estrutura metálica que lhe falta, não venha brigar com a obra de granito já realizada. É no comer que se conhece o pudim, dizem os ingleses. A Estradinha dos Campos do Jordão, cujos 48 quilômetros vencemos em duas horas a subir, e pouco mais de hora e meia a descer, apesar das cautelas aconselhadas pelo provisório de algumas obras, provou o que será quando estiver completa e sobre ela correrem máquinas mais poderosas que o nosso automóvel, um tanto primitivo. Havendo transporte regular, a Vila Jaguaribe ficará a meia dúzia de horas das duas grandes urbes do Brasil – Rio e São Paulo. Fluminenses e paulistas poderão viver ali e ir tomar o café matutino, tratar dos negócios em qualquer das duas capitais, simplesmente com este plano: partir dos Campos do Jordão pelas 10 horas da noite e tomar em Pindamonhangaba o noturno das 11 e tanto.”144

A famosa pianista brasileira Guiomar Novaes freqüentava Campos do Jordão desde a década de 20, como se vê da notícia publicada na imprensa pindamonhangabense: “Chegará amanhã a esta cidade e daqui para Campos do Jordão (pela E. F. C. J.), onde passará uma temporada, a grande pianista patrícia Guiomar Novaes. Nos Campos, essa distinta pianista será hospedada na confortável “Pensão Azul.”145 Também o professor Balthazar de Godoy Moreira anotou a sua presença na Fazenda da Guarda no dealbar do século XX no teatrinho lá montado pelos jovens da Companhia Peru, escrevendo: “até Guiomar Novaes, a grande pianista brasileira, comparecia, às vezes, e ria e se divertia.146 Considerada uma das maiores intérpretes de Chopin e Schuman, Guiomar Novaes tocou ao lado dos grandes nomes da regência, como George Szell, Bernstein e Klemperer, recebendo a Legião de Honra do governo da França. Nunca rompeu os vínculos sentimentais com Campos do Jordão. A sua última apresentação pública foi em julho de 1973, durante o Festival de Inverno daquele ano. Segundo seus amigos, entristecida em seus últimos anos, talvez pelo esquecimento de seu País, Guiomar morreu em 1979, aos 83 anos, em São Paulo, de um derrame cerebral.147 Um dos mais ativos participantes dos moviBloco de Turistas da Pensão Azul.

144

“Uma Carta do Dr. J. F. de Assis Brasil”, Casa Duprat, São Paulo, 1915.

145

“Tribuna do Norte”, de Pindamonhangaba, de 11 de julho de 1920.

146

“. . . E os Campos do Jordão foram Pindamonhangaba”, de Balthazar de Godoy Moreira, São Paulo, 1969.

147

“O Estado de São Paulo”, de 21 de fevereiro de 1994.

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mentos revolucionários de 1930, 1932 e 1935, Agildo Barata, abraçou o comunismo, transformando-se no herói da insurreição de 1935. Contou ele que, em 1920, quando ainda cursava o Colégio Militar do Rio de Janeiro, sofreu um grande golpe com a doença de sua sofrida mãe, Maria Gabriela. A tuberculose atacara o seu franzino corpo de mulher valente e lutadora. Escreveu: “Naquela época não havia cura para a tuberculose. Só uma estância climática podia retardar o ritmo inexorável da terrível moléstia, afastando o desenlace. E minha mãe, resolutamente, entregou-se à luta pela sobrevivência, repetindo uma obsessão: “Não posso morrer antes de educar meus filhos...” Uma estância climática poderia dar-lhe um pouco mais de sobrevida. Juntou tudo o que tinha – o seu “tudo” era quase nada e para juntá-lo não teve muito trabalho... Passou o contrato do casarão da Rua Pedro Américo, no Catete, onde residíamos, emalou suas roupas e partiu para a cidade serrana de Campos do Jordão, perto de Pindamonhangaba. De passagem para Campos do Jordão, esteve alguns dias em Pindamonhangaba, onde nascera e onde ainda residia a mãe dela, minha avó, dona Gabriela de Barros Lessa. Num dia chuvoso de junho, embarcou no trenzinho da Estrada de Ferro Campos do Jordão, em 1920, e lá se foi devotamente praticar uma ação que julgava piamente ser eficaz para cumprir o que ela chamava a sua missão: “criar e educar os filhos”. À tarde, quando regressou, ardia em febre. 148

“Vida de um Revolucionário”, de Agildo Ribeiro, Editora Melso, Rio.

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“Fio de Prumo”, de Antonio Olavo Pereira, J. Olympio, Rio, 1965.

Recaída... Hemoptises. Não se levantou mais. A 22 de junho cerrou aqueles olhos profundos de uma doçura imensa. E nunca mais eu senti no carinho de um olhar, uma tão intensa e profunda sensação de bondade.”148 Antônio Olavo Pereira foi parceiro de Monteiro Lobato no tabuleiro de xadrez em Campos do Jordão, onde se tratou de moléstia pulmonar. Era irmão do grande editor brasileiro José Olympio e de suas obras mais importantes destaca-se “Fio de Prumo”, publicada por seu irmão, a J. Olympio Editora. Embora Antônio Olavo Pereira não cite literalmente o nome de Campos do Jordão, todo o romance foi ambientado na Estância e conta a história de um jovem tuberculoso. Sob o guarda-chuva forrado de verde (exigência dos médicos), as imagens iam-lhe ocorrendo a caminho de casa, depois da visita ao tisiologista. Passos lentos, medidos. Vez por outra, parava para regularizar o fôlego prejudicado pela doença. Corria os olhos pela paisagem exígua. Morros, casas sobre os morros. Distanciadas uma das outras. Medo de contágio? Para o lado do ribeirão, além da estaçãozinha de bonde (referia-se à estação de Vila Capivari), a massa escura de pinheiros. Dizia-se do repouso no terraço: dele vem esse ar gostoso e puro. Luiz sabia mais; é o ozona que eles reproduzem. Em outro momento, Antônio Olavo escreve que atravessava-se os trilhos, a ponte sobre o ribeirão na estrada da fonte. (referiase à Fonte Renato na Parada Damas).”149

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A polêmica escritora Adelaide Carraro curou sua tuberculose no Sanatório São Paulo (que ela denominou Sanatório São Pedro). Já com dois livros publicados, retornou a Campos do Jordão, subindo na automotriz da Estrada de Ferro Campos do Jordão, em Pindamonhangaba, quando relatou: “O vento frio passa pelas frestas de madeira e me envolve. Sinto um arrepio sacudir todo o meu ser. As penedias das montanhas se aproximam mais além, já posso divisar os maciços alcantilados, azulescentes que formam com o “stratus” o céu privilegiado de Campos do Jordão. Nas curvas tem-se a impressão de que se pode tocar as montanhas, se os braços fossem esticados pela janelinha do pequeno bonde aéreo. Como adoro tudo isto! Que saudade imensa sentia dessas paisagens inesquecíveis e imorredouras. Vou buscar em Campos do Jordão o repouso que meu corpo reclama. Hoje volto com outro aspecto físico, embora magra. Não irei mais para o porão dos indigentes do Sanatório São Pedro. Será que o livro que escrevi e no qual contei tantas particularidades de minha vida, vai exercer influência na solicitação que fiz à Madre? Os pensamentos foram cortados pela paisagem de Campos do Jordão. Lá se achavam os pinheiros, suas grimpas e rochedos, suas cascatas, suas frondosas pereiras, seus lagos, orgia das cores. Avisto a Pedra do Baú, o Palácio Boa Vista. Passo pelo Hotel Toriba, pelo Sanatório São Cristóvão. E desço na Parada “Sanatórios” da Estrada de Ferro Campos do Jordão.”150

O poeta modernista Mário de Andrade escreveu três poemas sobre Campos do Jordão, provavelmente, na década de 40, que revelam a sua grande intimidade com a antiga Estação de Cura de Tuberculose. Subiu a serra nas automotrizes da Ferrovia. Escreveu “Moda de Quatro Rapazes”, Acalanto da Pensão Azul”, famosa pensão de doentes sediada no flanco esquerdo da Igreja Matriz de Santa Terezinha do Menino Jesus, em Vila Abernéssia. Em “Moda do Brigadeiro”, ele versejou: “O brigadeiro Jordão Possui estes latifúndios Dos quais o metro quadrado Vale hoje uns nove mil réis Puxa! Que homem felizardo O brigadeiro Jordão...” Em 1924, desembarcou na estação ferroviária de Vila Abernéssia, tuberculoso, o poeta Rodrigues de Abreu, hospedando-se na Pensão Azul. Viera de Capivari, sua terra natal, graças a intervenção do amigo e confidente Honório de Sylos. A tuberculose, à época, era uma doença apavorante e terminal. Os seus amigos paulistanos, tendo à frente o escritor Amadeu Amaral, não desejavam que Rodrigues de Abreu deixasse o clima de Campos do Jordão antes da consolidação da cura, mas, inquieto, o poeta, em 22 de agosto de 1925, deixou a “Montanha Magnífica”, em direção a São José dos Campos pela via férrea. “Rodrigues de Abreu iniciou na Estância a sua maior obra: “Casa Destelhada”.151 Dinah Silveira de Queiroz estreou no

150

“Falência das Elites”, de Adelaide Carraro, L. Oren Editora, São Paulo.

151

“Dos Noturnos à Casa Destelhada”, de Pedro Ferraz do Amaral, Revista da Academia Paulista de Letras nº 98, de junho de 1980.

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mundo literário com seu premiado livro Floradas na Serra, que foi levado às telas da televisão, pela TV Cultura e TV Manchete, e às do cinema, pela Cia. Vera Cruz. Muitas tomadas do filme foram locadas nas Estações Abernéssia e Emílio Ribas, na estância. Antes de escrever o livro, a autora visitou as pensões de doentes, sempre orientada pelo médico jordanense Lincoln Ferreira Faria, que lhe deu todo o suporte logístico nos anos 30 do século passado. A obra foi um sucesso editorial. Procurando aqui e acolá, encontramos na obra referencias à Ferrovia: “Estamos no alto da serra, grita alguém do pequeno vagão. Alguns passageiros levantaram-se, procurando entrever nas janelas opostas os vertiginosos despenhadeiros da Mantiqueira, meio encobertos pela névoa. Era Elza que chegava a Campos do Jordão.” Em outro trecho, lê-se: “Dia de feira em Abernéssia. A pequena vila se torna movimentada, cruzam os automóveis, levantando uma poeira branca e fina. Gente de Capivari e cercanias, gente de Vila Jaguaribe vem fazer suas compras. Ao redor do pavilhão do mercado (atual Caixa Econômica Estadual) é grande a animação, pois a feira transborda e inúmeras barracas de feiras são arrumadas ao ar livre. A algazarra é grande. Um pouco adiante, transpondo as linhas do trem, num espaço destinado ao jogo de basquete (atual Pronto Socorro) esperam pacientes, atormentados pelo Sol e pelas moscas, os pobres cavaleiros esfalfados.” Dinah Silveira de Queiroz relatou o costumeiro bota-fora dos que se curavam da tuberculose e partiam aos seus lares, nos bondes

da Estrada de Ferro Campos do Jordão: “Uma garoa fina cobria a vila. A estação... Meu Deus... Seria possível? Elza iria embora mesmo? Viu-se envolvida num aperto. Ali estavam companheiros de Capivari. O chefe da tribo gritava: – Um hurra! Um hurra para Elza! A chuva continua. As janelas (do bonde) estão fechadas, embaçadas. Elza sente um zumbido nos ouvidos. É a descida da serra. Entrevê apenas interrupções de claros e sombras. Vultos imensos... O tempo melhora. Alguém abre a janela. Nas últimas voltas, os últimos instantâneos do mundo que abandona. As araucárias... As montanhas arredondadas como dorso de animais.”152 A professora Esther de Figueiredo Ferraz na conferência Centenário de Alexandre Correia, evocou a vida do grande mestre de Direito Romano da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, lembrando que ele adorava passar temporadas de verão em Campos do Jordão, com a família, e também com o ilustre filho, Alexandre Augusto de Castro Correia, que, como seu pai, honrou a Cadeira de Direito Romano da Universidade de São Paulo.153 Sua filha, Sara Correia, confirmou-nos as férias do pai e do irmão: “Passamos férias de verão em Campos do Jordão, desde os idos de 1936, quando a Avenida Emílio Ribas terminava em frente à nossa casa (Av. Emílio Ribas, 420). À véspera do embarque, nós, as crianças – Alexandre Augusto, Rachel e eu – deitávamos mais cedo que de costume, pois às 5 horas da

152

“Floradas na Serra”, de Dinah Silveira de Queiroz, J. Olympio, Rio, 1974

153

Revista de Direito Civil nº 51, de janeiro/março de 1990.

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manhã da madrugada do dia seguinte, deveríamos estar nos aprontando rumo à Estação do Norte para tomar o trem da Central às 7 horas, via Rio de Janeiro, que nos deixaria em Pindamonhangaba, às 11 horas. Em lá chegando, corríamos para o bondinho das 12 horas e desembarcávamos às 14 horas na gloriosa Parada Damas.”154 O poeta Dantas Mota, autor de Elegias do País das Gerais, vindo do Sul de Minas, aportou em Campos do Jordão e, em três estrofes do poema Paisagem do Pulmão, versejou: “Pensar nos poucos, raros amigos Que deixei numa parada... O trem partia e atrás ficava Campos do Jordão. O vento varria a poesia dos homens E o tempo em nós se fixava. Nem um tuberculoso esfriava a paisagem, Apenas um pulmão feito de algas Puxava o ar e sustinha no sorriso esta febre.

O poeta de Aiuruoca escreveu que a cidade era “poesia, lama, gozo e sofrimento. Nenhuma cidade brasileira acumula tanta alegria e tanto sofrimento. Em Campos do Jordão são belas manhãs de geada que se evaporam ao sol; são catulianas noites de luar, azulando as matas e as serras. Luar claro de montanha, alvo e pálido como um susto da montanha. São luzes iluminando edifícios brancos, uns amáveis e hospitaleiros, os hotéis; outros confusos e trágicos, os sanatórios.”156 Nos anos 40, o poeta Ary Andrade subiu a Mantiqueira pela E. F. C. J. e cantou: “Campos-do-Jordão, de Paulo Setúbal! Campos-do-Jordão, de Ribeiro Couto! Campos-do-Jordão, Campos-do-Jordão, Que sonhou, Onde esperou Onde sofreu Onde chorou Seu “choro triste e consolado”, São Benedito Rodrigues de Abreu

Secos demais para tão curta caminhada, Os lábios aborrecem sombras e orvalhos. Transita, porém, pelo corpo Uma tristeza mecânica do termômetro, Cura os gestos de renúncia, fuga, solidão. Por isso vos digo: – Paisagens humanas de médicos, Portais, catres e enfermeiras Chapéus de linho alvejando a eternidade, A serenar nest’hora em Campos do Jordão.”155

Cidadezinha da angústias, Cidadezinha das minhas agonias Cidadezinha das minhas longas noites, Que custaram tanto a passar. Campos-do-Jordão, Campos-do-Jordão A bater, a bater, a bater com o meu coração: Jordão ... Jordão ... Jordão ...”157

Recordou Tulo Hostílio Montenegro que O pintor José Pancetti esteve em três ocaCampos do Jordão era a grande feira nacional dos siões na estância, em 1943, 1947 e 1957, protísicos contada em prosa e verso. 154

“A Montanha Magnífica”, vol. II, de Pedro Paulo Filho, O Recado Editora, 1997, São Paulo.

155

“Elegias do País das Gerais”, de Dantas Motta, J. Olympio, Rio, 1988.

156

“Tuberculose e Literatura”, de Tulo Hostilio Montenegro, Casa do Livro, Rio, 1959.

157

“Balada de Campos do Jordão”, de Ary Andrade, J. Olympio, 1942.

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duzindo obras de valor inigualável, considerado como foi um dos maiores artistas plásticos brasileiros. Foi o autor de dezenas de telas pintadas em Campos do Jordão. Contou-nos Carmem Sylvia Machado de Souza, que morou na estância de 1938 a 1951, que Pancetti morava numa pequena casa na Rua Victor Godinho, em Vila Capivari, e costumava sair de casa portando cavalete, pincéis e tintas, fixando-os onde atualmente se encontra a estação de embarque do miniférico da Estrada de Ferro Campos do Jordão, pátio da Estação Emílio Ribas, que era o local preferido para produzir a sua festejada obra pictórica.158 O nome de José Carlos de Macedo Soares está medularmente vinculada à história da estância, notadamente ao Ciclo da Cura, onde contribuiu magnificamente na luta contra a tuberculose. Doou inúmeras áreas de terras para a construção de mais de uma dezena de hospitais de tuberculose, situadas na área sanatorial, onde possuía a Fazenda Santa Mathilde. Homem religioso auxiliou intensamente as igrejas católicas, promovendo dezenas de doações de terrenos a operários jordanenses. Estadista de vasta cultura, foi ministro da Justiça e das Relações Exteriores no governo Getúlio Vargas, além de membro da Academia Brasileira de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Contou o jornalista Paulo Duarte, em suas memórias, que Macedo Soares solicitara a Nestor Pestana, diretor de O Estado de S. Paulo, que mandasse um bom repórter a Campos do Jordão para fazer uma cobertura da viagem 158

oficial do presidente Washington Luiz àquela localidade, em 1921. “De fato, partimos em carro especial ligado ao noturno de luxo para descer de madrugada ainda, em Pindamonhangaba, onde nos esperavam o diretor da Estrada de Ferro Campos do Jordão, Mascarenhas Neves e mais pessoas que subiram a Mantiqueira conosco até Campos do Jordão numa manhã frigidíssima. Foi Macedo Soares que promoveu a viagem.”159 O monsenhor José de Castro Nery, da Academia Paulista de Letras, era doutor em Direito Canônico e em Filosofia pela Universidade Gregoriana. Escreveu o conto “O Encontro”, ambientado em Campos do Jordão. A narrativa tem por objeto uma encomenda que o autor fora buscar na Estação Emílio Ribas, vinda de São Paulo. “Começo a ficar mau e vamos chegando a estaçãozinha do bonde. Se a encomenda não tiver chegado, racho-me, arrebento. Faz oito dias que saiu da Capital. Adriano, o encarregado, de cigarro na orelha, diz que a encomenda chegou. Felicidades! Mostra-me o pacote, mas são vinte “cruzas” para entregar. Reclamo docemente contra a extorsão, mas vou puxando a carteira, murmurando o “que remédio”, que é o único desforço de quem se sente roubado. Falo do atraso de oito dias. Adriano, com a majestade de um Interventor Federal no Estado ergue os ombros.”160 Em 17 de fevereiro de 1972, o dr. José Bicudo Jr. escreveu na imprensa jordanense: “Meu avô paterno, José Ignácio dos Santos Bicudo

“Montanha Magnífica – Memória Sentimental de Campos do Jordão”, de Pedro Paulo Filho, O Recado Editora, São Paulo, 1977.

159

“Memórias – Miséria Universal e Minha Própria Miséria”, de Paulo Duarte, Hucitec, São Paulo, 1978.

160

Revista Acadêmica Paulista de Letras nº 42, de 12 de junho de 1948.

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tem o seu nome ligado à história de Campos do Jordão. Foi ele que, em 1886, criou a Companhia de Transportes para Campos do Jordão, sediada em Piracuama, no local conhecido como o “Ponto do Bicudinho”. Assim, funcionava a Companhia de Transportes e serviço de trole, com bons cocheiros e cavalos escolhidos, que transportavam os passageiros de Pindamonhangaba para Piracuama, desembarcados da E. F. Central do Brasil. No Piracuama, os passageiros se hospedavam no “Ponto do Bicudinho” e subiam montados em fogosos cavalos; se doentes, que eram a maioria, acomodavam-se em bangüês e liteiras. Os bangüês eram cadeiras de braços longos, com cobertura de lona e montados em dois varais que, por sua vez, se encaixavam nas cangalhas preparadas para isso, conduzidos por duas bestas mansas e bem ensinadas para caminhar umas atrás das outras. As liteiras se diferenciavam dos bangüês pela substituição das cadeiras por macas, o que permitia que os doentes viajassem deitados. Trabalhava para o Bicudinho uma turma de leais e valentes caboclos da região, que tudo faziam para que a viagem para os Campos fosse a mais segura e agradável possível. Hoje, quando passo pela Raiz da Serra, como eram conhecidas aquelas paragens, sinto a presença de meus avós Francisco Ignácio de Moura Marcondes e José Ignácio dos Santos Bicudo, caboclo destemido, que foi o pioneiro dos transportes para Campos do Jordão. Está explicado o amor que tenho por estas terras.”161

O poeta, escritor e embaixador Alberto da Costa e Silva, que presidiu a Academia Brasileira de Letras, confessou: “Aí conheci minha futura mulher Vera de Campos Queiroz (que também se tratava com dr. Radyr de Queiroz), escrevi a maior parte dos poemas de “O Parque” e concluí a “Antropologia de Lendas do Índio Brasileiro”. Eu tinha, então, 19 anos. Guardo de Campos do Jordão a imagem de sua paisagem serena. Vejo-a luminosa e límpida.”162 Alberto da Costa e Silva, curando-se em Campos do Jordão, foi passageiro da ferrovia. A convite do diretor da E. F. C. J., engenheiro Durival de Carvalho, visitou a estância a notável poetisa Elisa Barreto, que se encantou com a sua natureza da Estância. Em 1971, ela cantou: “Deus, que é todo luz e cores Com sua divina mão, Fez os pássaros, as flores E fez Campos do Jordão!”162 Nos anos 90, o grande mestre Imídeo Giusepe Nérici, com inúmeras obras de Didática, Sexualidade e Filosofia, pediu seu desligamento da direção do Colégio Estadual e Escola Normal de Campos do Jordão. Era muito querido pelos alunos. Contou que, quando o bonde parou na estação ferroviária de Vila Abernéssia, após a parada de costume, o motorneiro deu o sinal de partida, mas o bonde não saía do lugar, isto por diversas vezes e com o motorneiro já muito nervoso. Procurou inteirar-se do que ocorria, ficando sabendo então que os trilhos do trem esta-

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“Histórias e Lendas do Povo de Campos do Jordão, de Pedro Paulo Filho, O Recado, São Paulo, 1988.

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“Montanha Magnífica – Memória Sentimental de Campos do Jordão”, de Pedro Paulo Filho, O Recado, São Paulo, 1997.

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vam tomados de crianças, que se postaram diante da automotriz, impedindo a sua partida. Eram os alunos do Colégio Estadual e Escola Normal. Diante disso, o prof. Imideo Giusepe Nérici deixou a automotriz e os alunos, sabendo que o diretor ia embora, pularam as janelas do Colégio e foram para a estação para impedir que a automotriz prosseguisse viagem.162 “Ante o ocorrido, fomos também para os trilhos e conseguimos retirar, um a um, todos os jovens, contando-lhes estórias de que íamos encontrar com a Fada Morgana para obter brinquedos e mais brinquedos para eles. E assim, o trenzinho pode prosseguir viajem”. Em agosto de 1971, integrando uma caravana de intelectuais, José Augusto Salgado César, cognominado “Promotor da Américas”, subiu a Mantiqueira em automotriz da Estrada de Ferro Campos do Jordão. Já com idade avançada, marcava no semblante de bondade e nos olhos de ternura, uma existência de luta e espiritualidade. Sem perceber o bulício das alegres conversações dos escritores e das festivas exclamações dos passageiros, encantados com deslumbrante paisagem serrana descortinada pela visão das janelas escancaradas da automotriz, César Salgado ia mantendo diálogo com um e outro companheiro de viagem. A caravana literária desembarcou na Estação Emílio Ribas, em Vila Capivari, num dia de sol claro e reluzente, contagiada pela hospitaleira recepção do Eng. Durival de Carvalho, diretor da Ferrovia.163 O historiador valeparaibano José Luiz Pasin evocou que “menino ainda, tomava o trenzinho em Pindamonhangaba, nos anos 40 e com meu avô Alfredo José Tranin, ia olhando a serra, as cur163

vas, os pontilhões, as quaresmeiras e o azul do cenário, confundindo céu e terra, montanha e planície. Mais tarde, nos anos 50, com minha mãe e minha tia Benedita Pasin Carneiro, subíamos a serra para visitar “seo” Américo Alves, ex-prefeito municipal de Aparecida, minha terra, internado em um dos sanatórios de Campos do Jordão.”162 O escritor Lino Garcez, em 11 de dezembro de 1925, escreveu que Piracuama era um subúrbio de Pindamonhangaba e parada obrigatória de trens e tropas que buscavam o Sul de Minas. “No tempo em que a tração se fazia por automóveis, paravam estes na estação por alguns minutos por se apresentarem para a subida, pois que, logo dois quilômetros adiante, entestavam com a serra e começavam a subir. Era, então, preciso que o trenzinho bebesse água e espadanando fétidos odores de gasolina incendiada, expulsava os passageiros masculinos para a plataforma, que se convertia, repleta de passantes, numa sala de passos perdidos. Até Piracuama, o trem conduzia um reboque, este, passava a ser, daí, em diante, o segundo carro. Só quando o primeiro contornava o “Morro do Caramujo”, despontando lá no cimo, é que o segundo tinha ordem de ir-lhe ao encalço. Grande era a disputa dos limitados lugares do primeiro para evitar o estágio compulsório na Raiz da Serra (...) Desde que se sai de Piracuama vislumbram-se os primeiros contrafortes da Mantiqueira e, passando a segunda ponte sobre o rio do mesmo nome, está-se em plena subida da rampa de 10%. A primeira vez que ali passamos, em 1919, era esse trecho pleno de mata virgem: derribada uma após outra, transmudou-se o cenário topográfico em esboço de tolhida flora.

“Montanha Magnífica – Memória Sentimental de Campos do Jordão”, de Pedro Paulo Filho, O Recado, São Paulo, 1997.

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Aspecto esse muito característico: a Mantiqueira vai-se, pouco a pouco, desnudando... É súbita, a ascensão do “Caramujo”. Pouco além, assentou-se a Estação do Alto da Serra, denominação que depois, pelo ato nº 3.794, de 31 de agosto de 1918, do Governo de São Paulo, mudou para “Eugênio Lefèvre”, justa e merecida homenagem ao provecto engenheiro, organizador que tem sido de não poucos departamentos da administração pública (...) Em porcentagem de desnível, a Ferrovia de Campos do Jordão supera as demais congêneres. Galga, de um salto, os 7 quilômetros que separam Piracuama de “Eugênio Lefèvre”; de 605 metros alça-se a 1.162, subindo 80 metros por quilometro, pelo sistema de simples aderência.” Do Lageado, contou Lino Garcez, que é o ponto culminante da linha férrea, inclina-se em suave descida para atingirmos Abernéssia.164 O mais polêmico teatrólogo brasileiro, Nelson Rodrigues, esteve internado três vezes em Sanatorinhos para curar a sua tuberculose. Na primeira vez, tinha 21 anos: A solução estava na popular paródia de um anuncio de xarope: Tosse, bronquite, rouquidão? Quando se pensava que vinha o nome do “Bromil”, o outro fulminava: Campos do Jordão.” Por intermédio do médico Aloisio de Paula, foi possível obter uma vaga gratuita em sanatório jordanense – o S-1 –, da Associação dos Sanatórios Populares de Campos do Jordão, atualmente, Sanatorinhos. E, então, em abril de 1934, Nelson Rodrigues tomou o trem para Pindamonhangaba, no interior de São Paulo.

Lá, fez baldeação no bondinho e foi para onde iam as pessoas em seu estado, Campos do Jordão, a 60 quilômetros de sua casa, na Rua Visconde de Pirajá e a 1.628 metros acima do Oceano Atlântico. Sem saber se voltaria. Tivera de pedir licença no “O Globo”, mas, sua família não poderia abrir mão de seu salário integral. Roberto Marinho foi solidário: “Mas, claro, Nelson, contínua recebendo do mesmo jeito!.”165 O teatrólogo explicou: “Foi em 1935. Eu estava em Campos do Jordão nos “Sanatorinhos Populares”, triste como a casa dos mortos. Era o tempo em que a tuberculose tinha o nome alvo, nupcial, de peste branca. No primeiro momento, conheci tosses de 15, 16 e 17 anos. Foi em “Sanatorinhos” que fiz a minha iniciação teatral. Durante 3 anos, eu fiquei em Campos do Jordão, recebendo, sem trabalhar.” Depondo ao escritor Lourenço Diaféria, em 1979, Nelson Rodrigues disse: “Se me perguntarem por que fiquei doente, direi apenas: fome. Entendo por fome a soma de todas as privações. E mais, eu estava sem auto-estima. Não tinha amor, nem amor por mim mesmo. Certo dia, uma moça se debatia numa hemoptise: nunca imaginei que o sangue pudesse ser tão vermelho.” Nos anos 1940, o escritor Paulo Dantas curou-se da moléstia pulmonar e, recuperado, escreveu o livro Cidade Enferma, premiado pela Academia Brasileira, ambientado na estância, relatando a sua triste saga de tuberculoso. Em 1966, retornou à cidade para matar a saudade, escrevendo: “Estava eu sonhando crepúsculos no Vale do Paraíba, devorando nuvens, mastigando vagabundagens, quando, de repente, na disponibilidade de três dias de feriado, me lembrei saudoso de Campos do Jordão.”

164

“Livro em Branco”, de Lino Garcez, Tipografia de Casa Garroux, São Paulo.

165

“Anjo Pornográfico”, de Ruy Castro, Companhia das Letras, São Paulo.

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Na obra escreveu: “Em Capivari tudo mudava. A vida se transfigurava, assumindo um aspecto ostensivo que insultava a padecida humildade e o irritante desconforto de Vila Abernéssia, com suas pensões de doentes, suas ruas esburacadas,seu comércio poeirento , suas favelas e seus moradores estalando de febre e de queixas, ruminando os desalentados tédios nas portas dos bares, do correio, das barbearias e nos bancos da estação. O contraste entre as duas vilas estourava berrantemente no começo da primavera e ia por todo o verão.166 Deixei o individualismo do Vale e, ali na estação larga de Pindamonhangaba, peguei o bondinho e feliz subi a serra. Campos do Jordão possui um sentido profundo e grandioso em minha vida e, entre as cidades do Brasil onde morei, ocupa lugar especial e isso por diversos e fundamentais motivos. O telurismo da montanha me pegou pelo coração, me atingiu nas raízes. Rompendo nuvens como um cavalo alado, o bondinho furava a serra, subindo comigo na manhã chuvosa – era verão.”167 Certa vez, Edgard Cavalheiro recebeu do escritor Monteiro Lobato uma carta: “Ainda hoje escrevi um conto “O Rapto”. Fui a Campos do Jordão com Macedo Soares e, na Estação de Pindamonhangaba, vi um aleijado num carrinho, enérgico, a ralhar com os filhos que o puxavam. Senti uma coisa: aquele homem, apesar de aleijado, era o importante e rico da família, o que ganhava, mantinha a subsistência de todos com as esmolas recebidas. Um conto formou-se em minha cabeça e de volta, despejei no papel, como quem despeja a bexiga.”168

No período de 1927 a 1952, Mauricio Pereira Machado foi tesoureiro da Prefeitura Municipal de Campos do Jordão. Sua filha, Carmem Sylvia Machado de Souza, contou-nos que, entre a Parada Damas e a Estação “Emílio Ribas, da Estrada de Ferro Campos do Jordão, mais ou menos em frente do atual Hotel J. B., havia uma pequena plataforma de parada de automotrizes da ferrovia. Era a Parada Gianotti. Foi ali – disse ela – que Monteiro Lobato escreveu o livro infanto-juvenil Geografia de Dona Benta. Realmente, o livro foi datado na estância.169 Membro da Academia Brasileira de Letras, embaixador e poeta, Ribeiro Couto andou, em 1923, por São Bento do Sapucaí, onde foi delegado de Polícia e, em Campos do Jordão, onde se curou da enfermidade pulmonar. Em um de seus livros narrou a sua chegada em S. Bento do Sapucaí, para assumir a repartição policial. “O carro chegava a “Eugênio Lefèvre”. Saltei. Uma preta silenciosa servia café com mistura num botequim improvisado na estação. Os outros passageiros que iam para os Campos do Jordão amontoaram-se apressados em torno da mesma. – Rápido, um café. – Faz favor... – De que é esse bolo? O frio cortava. Seriam duas horas da tarde, num dia brusco e ríspido. Cheguei a gola do capote às orelhas. Estava a mais de mil metros de altitude.

167

“Cidade Enferma”, e Paulo Dantas, Global Editora, 3a edição, São Paulo.

168

“Monteiro Lobato – Vida e Obra”, de Edgard Cavalheiro, Cia. Editora Nacional, São Paulo, 1956.

169

“Montanha Magnífica – Memória Sentimental de Campos do Jordão”, de Pedro Paulo Filho, O Recado, São Paulo, 1977.

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O motor do carro, posto de novo em movimento, estabeleceu de novo a correria. Os níqueis foram atirados à preta silenciosa. O carro partia. Apenas eu fiquei: era o único passageiro que ia para São Bento do Sapucaí. Depois de identificar-se para o agente da estação e de indagar sobre os meios de comunicação para chegar a São Bento do Sapucaí, o agente foi logo dizendo: – Não pára delegado lá, hein doutor!”170 O jornal Tribuna do Norte, de 24 de agosto de 1919, noticiou: Chega a esta localidade o querido poeta e ilustre ministro do Tribunal da Justiça do Estado o Dr. Vicente de Carvalho. Sua excelência veio em companhia do ilustre deputado João Martins de Mello Jr., “que era proprietário de terra nos Correntinos, em Campos do Jordão. Subiram a Mantiqueira pela Ferrovia.171 Relatou o prof. Nelson Pesciota, sociólogo, professor universitário e muitas vezes, presidente do Instituto de Estudos Valeparaibanos, que, nos anos 40, Campos do Jordão lutava muito pela obtenção de um ginásio, que o governador Ademar de Barros não podia autorizar, porquanto dependia da aprovação de lei e a Assembléia Legislativa era-lhe hostil. “Veio, então, uma solução política: instalar no Grupo Escolar “Domingos Jaguaribe” classes do Ginásio de Pindamonhangaba, em 1948. E todos os professores começaram a escalar a serra, Nelson Pesciota, respondendo pela diretoria, o filósofo Lauro Silva, como secretário e todos os professores. Somente o prof. Raul Pedroso de Moraes foi recrutado em Campos do Jordão.

O esforço foi estafante durante um ano, pois as aulas terminavam às 11,20h em Pindamonhangaba; todos corriam para almoçar e pegar o bonde da Estrada de Ferro Campos do Jordão às 12 horas, iniciando as aulas, logo que desembarcavam exaustos em Vila Jaguaribe. Até o Dr. Demétrio Badaró, professor de Português, “que era menos moço”, suportou o sacrifício, demonstrando invejável fidelidade à profissão. Depois de um ano letivo de tantas agruras, foi criado o Ginásio Municipal de Campos do Jordão, e dispensada a classe e a turma de Pindamonhangaba, com uma nota de amargura: nem fomos convidados para a inauguração.”172 Em 29 de abril de 1971, na Câmara Municipal de Campos do Jordão, Luiz Arrobas Martins, criador dos “Festivais de Inverno”, o mais importante evento musical da América Latina, recebeu o título de “Cidadão Honorário”, na Edilidade. Ao agradecer, o saudoso homem público proferiu lapidar oração, que se incorporou ao acervo cultural da Estância. Do valioso texto, extraímos excertos: “Ah! Ouvir o silêncio das grandes altitudes, quando Deus fala conosco pela voz da natureza; pelo roçagar da árvores em balanço; pelo assovio dos ventos batendo nas quebradas e voltando com o eco dos penhascos; pela cantilena das águas escorregando serra abaixo; pelo brilho das estrelas faiscando nas noites enluaradas! (...) Quem não andou no trenzinho – ou bondinho? – que liga as três vilas tradicionais, em marcha pachorrenta, quase imperceptível, para não incomodar os que descansam(...) Mas o turista moderno é exigente (...) Não é, pois, sem razão que as estâncias hidrominerais e

170

“Baianinha e outra Mulheres”, de Ribeiro Couto, Anuário Brasil, Rio, 1927.

171

“História de Campos do Jordão”, de Pedro Paulo Filho, Santuário, Aparecida, 1986.

172

“Montanha Magnífica – Memória Sentimental de Campos do Jordão”, de Pedro Paulo Filho, O Recado, São Paulo, 1977.

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climáticas da Europa, já de há muito promovem durante as temporadas atividades culturais, principalmente artísticas, tão importantes, quanto aquelas que se podem apreciar em Berlim, Milão, Paris, Londres e Amsterdam. É vir a Baden-Baden, a Vichy, Willesbaden, à Suíça, para comprovar. Lá se poderão ouvir as mais famosas orquestras do mundo aplaudir os intérpretes consagrados, os grandes compositores (...) Nasceram daí os “Primeiros Concertos de Inverno de Campos do Jordão”, iniciada aplaudida por gregos e troianos e que alcançou êxito invulgar, prestigiando sobremaneira a temporada de julho de 1970.”173 Quando o Frei Leonardo Boff subiu a Mantiqueira nos anos 80, por via ferroviária, hospedou-se no Convento dos Padres Franciscanos, em Vila Britânia, e lá nos jardins verdes e floridos, sob a sombra de pinheirais seculares, escreveu Os Sacramentos da Vida e a Vida dos Sacramentos, editado pela Editora Vozes. Certa feita, indagamos a ele se lá também havia escrito Teologia do Cativeiro e da Libertação, traduzido em muitos paises e que causou grande repercussão na Igreja Católica em todo o mundo.174 Contou-me que parte dessa obra foi escrita em Campos do Jordão, no Convento dos Franciscanos. Em junho de 1992, decidiu abandonar o sacerdócio em razão das penalidades aplicadas pelo Vaticano. O próprio poeta Manuel Bandeira confirmou em Poesia Completa e Prosa a sua breve permanência em Campos do Jordão, em busca de

tratamento pulmonar: “Um dia, em Campos do Jordão, há mais de vinte anos, Ribeiro Couto que me hospedava, teve que viajar para São Bento do Sapucaí, e eu fiquei sozinho na casa da triste Rua do Sapo, onde para matar o tempo, comecei a escrever um conto de sabor regionalista. Escrevi umas três páginas.”175 Confirmou-o o escritor Paulo Dantas: “Quanto ao querido Manuel Bandeira, ele esteve morando na Rua do Sapo. Igualmente o Ribeiro Couto.” Essa rua, hoje com outro nome, abrigou minha lua de mel com Zuíla Maria. “Rua descalça, dava a saída para aquela parada de bonde.” A rua chama-se, atualmente, João Rodrigues da Silva e dá acesso à Parada Viola, em Vila Abernéssia, da Estrada de Ferro Campos do Jordão . Todos eles subiram e desceram a Mantiqueira pela ferrovia. Mais tarde, o poeta Manuel Bandeira preferiu os sanatórios suíços aos jordanenses, infrutiferamente. Lá pelos idos dos anos 40, o capitão Jarbas Passarinho, da Escola Militar das Agulhas Negras , subiu a Mantiqueira, trazendo sua esposa enferma dos pulmões. Parou no Posto Fracalanza, de Horácio Padovan, e pediu auxílio, que, prontamente, conseguiu interná-la no Sanatório São Paulo, onde ela ficou e curou-se. Nas dezenas de vezes que vinha visitála, Jarbas Passarinho emprestava o carro de Horácio para passear com a esposa doente e, em seguida retornava à unidade militar, descendo a serra pela Estrada de Ferro Campos do Jordão. Logo, a esposa Ruth curou-se, regressando ao lar.

173

“Histórias e Lendas do Povo de Campos do Jordão”, de Pedro Paulo Filho, O Recado Editora, 1988, São Paulo.

174

“Teologia do Cativeiro e da Libertação”, Leonardo Boff, Vozes, Rio, 1987.

175

“Introdução Geral – Itinerário de Passárgada”, em “Poesia Completa e Prosa”, de Manuel Bandeira.

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Pedro Paulo Filho

Posteriormente, o autor de Híbrido Fértil e Na Planície tornou-se ministro do Trabalho e Previdência Social, no governo Costa e Silva; da Educação e Cultura, no governo Médici; da Previdência e Assistência Social, no governo João Figueiredo; da Justiça, no governo Fernando Collor; governador do Pará (1964), tendo cumprido três mandatos no Senado Federal.176 O grande escritor Ignácio de Loyola Brandão, em multicolorido livro sobre a estância, descreveu sua emoção estética: “Pitoresco, encantador, mágico. Dentro do bondinho o tempo parece paralisado. E ao longo de seu trajeto nossos olhos desfrutam a paisagem à exaustão, enquanto a memória é percorrida e a história reciclada.

Inaugurada em 1914 e eletrificada em 1924, a Ferrovia faz um trajeto de 47 quilômetros, de Pindamonhangaba a Campos do Jordão, a uma velocidade média de 20 quilômetros por hora. Saindo da Estação de Capivari, centro comercial de Campos moderna, atravessa a mata de São Cristóvão, passa pelo Hotel Toriba. Alguns quilômetros depois se descortinam o Vale do Lageado, a Pedra do Baú e o Palácio Boa Vista. Chega ao Mirante Nossa Senhora Auxiliadora, de onde se sorve o panorama do Vale do Paraíba. Vem depois o Balneário “Reino das Águas Claras” (onde o mundo dos livros infantis de Monteiro Lobato foi recriado), cruza-se a ponte metálica sobre o Rio Paraíba e, por fim, Pindamonhangaba.177

Bondinho, 2005. 176

“A Montanha Magnífica”, de Pedro Paulo Filho, vol. II, O Recado Editora, São Paulo, 1999.

177

“Campos do Jordão – A Natureza que Emociona”. Texto de Ignacio de Loyola Brandão, DBA/Ame Campos, 1999, São Paulo.

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Em 1971, a saudosa poetisa Elisa Barreto dedicou à Estrada de Ferro Campos do Jordão o seguinte poema: “Pelos vales dessas serras, Pela beleza das terras Que Deus pôs em sua mão; Por mil pereira floridas, Macieiras coloridas, Sobe Campos do Jordão. Por sobre as “Duchas de Prata”, No ruído da cascata Que põe espumas no chão; Pelas papoulas vermelhas Na asa de ouro das abelhas Sobe Campos do Jordão. Pelo Morro do Elefante Com seu contorno elegante, Monumento de atração; Pela relva alcantifada, Pela rosa nacarada, Sobe Campos do Jordão. Pelo Alto da Boa Vista De cujo lugar se avista Belezas em profusão; Pelos campos, pedras e lajes, Pelas glicínias lilazes, Sobe Campos do Jordão. Pela Pedra do Baú Pelas pinhas de couro cru, Sempre, sempre em ascensão Pelos pinheiros silvestres,

Pelos outeiros agrestes, Sobe Campos do Jordão. Pelo roxo amor-perfeito, Pelo pinus tão afeito A esta alpina região; Por sua brisa peregrina, Pelos flancos da colina, Sobe Campos do Jordão. Pelos vales alvacentros, Pelos divinos momentos Que nos enchem de emoção; Pelo frio, pelas geadas, Pelas montanhas aladas, Sobe Campos do Jordão Por sobre nuvens de arminho No hino do passarinho Que jamais cantou em vão; Na translucidez do dia, Na noite estrelada e fria, Sobe Campos do Jordão. Pelo trenzinho harmonioso Transpondo a serra, glorioso, Buscando sempre a amplidão, Sobe, Cidade Serrana, Que a primavera engalana, Sobe Campos do Jordão. Das alças do Miniférico Ao Belverder feérico, Em gostosa sensação, Propagando-se na altura, Cheio de encanto e ventura, Sobe Campos do Jordão.”

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Estação Agudos, Ayrosa Galvão.

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XXVIII Diretores da Estrada de Ferro Campos do Jordão Período 1912 – 1916 1916 – 1916 1918 – 1925 1925 – 1925 1925 – 1926 1926 – 1937 1937 – 1942 1942 – 1944 1944 – 1947 1947 – 1947 1947 – 1955 1955 – 1955 1955 – 1962 1962 – 1965 1965 – 1966 1966 – 1968 1968 – 1977 1977 – 1981 1981 – 1983 1983 – 1983 1983 – 1985 1985 – 1988 1988 – 2005 2005 – 2005

Diretores Victor Godinho Benedito Roberto de Azevedo Marques José Mascarenhas Neves João Lindenberg Junior Cristiano Machado Orlando Drumond Murgel Altair Branco Hugo Sterman Agenor Ferreira Frederico Assis Pacheco Borba Eynaldo Ramos Cristovam de Monfort Ivanko Henrique Otajjano Jocelyn M. de Souza Melo Lannes Laio Moor de Oliveira Adolpho Fernandes de Araújo Durival de Carvalho Hélio Marcondes Consolino Alberto Taiar Nelson Merched Daher Filho Durival de Carvalho José Salgado Ribeiro Arthur Ferreira dos Santos Jarmuth de Oliveira Andrade

Desde 17 de novembro de 2005, é diretor da ferrovia Waldir Rodrigues, servidor aposentado da E. F. C. J.

Obs.: Wilson de Oliveira, José Jabor, Luiz Eduardo de Oliveira, Waldir Rodrigues e Fernando P. Rezende foram diretores substitutos.

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Linha férrea em ascensão em busca da vida.

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XXIX Atos Jurídicos-administrativos da Ferrovia 30.12.1908 – Lei nº 1.163/1908 e gozo da estrada e ramal férreo, o que se refere Concede subvenção para a fundação de a Lei nº 1.265-A, de 20 de outubro de 1911. sanatórios destinados ao tratamento de tuberculosos. 03.01.1912 – Decreto no 2.200/1912 Retifica o Decreto nº 2.156, de 21 de no28.11.1910 – Lei nº 1.221/1910 vembro de 1911. Autoriza o governo a contratar, com os doutores Emílio Marcondes Ribas e Victor 08.04.1912 – Contrato Godinho ou empresa que organizarem, a consContrato celebrado conforme as cláusutrução de uma estrada de ferro, entre Pinda- las aprovadas pelo Decreto nº 2.156, de 21 de monhangaba e imediações de Vila Jaguaribe, novembro de 1911. em São Bento do Sapucaí. 19.12.1912 – Lei nº 1.353/1912 18.04.1911 – Decreto nº 2.035/1911 Concede garantia de juros sobre aumento Abre o crédito especial de 60 mil contos de capital da Sociedade Anônima Estrada de de réis (60.000$000) para as despesas com os Ferro Campos do Jordão e de outras proviestudos definitivos da Estrada de Ferro Cam- dências. pos do Jordão. 15.01.1913 – Decreto nº 2.337/1913 Aprova os estudos definitivos de varian28.10.1911 – Lei nº 1.265-A/1911 Concede aos drs. Emílio Ribas e Victor tes do traçado da Estrada de Ferro Campos Godinho ou à empresa que organizarem, o di- do Jordão. reito de construírem uma estrada de ferro, ligando Pindamonhangaba aos Campos do Jordão. 26.11.1913 – Lei nº 1.388/1913 Dispõe sobre o modo de serem alteradas as obrigações assumidas pelo Estado, em vir21.11.1911 – Decreto nº 2.156/1911 Aprova as cláusulas para a construção, uso tude da garantia de juros concedida à Socieda-

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de Anônima Estrada de Ferro Campos do Estado de São Paulo, as tarifas constantes da Jordão. tabela inclusa, a fim de atender a remuneração do investimento. 02.12.1915 – Lei nº 1.486/1915 Autoriza a encampação da Estrada de Fer- 07.03.1969 – Decreto nº 51.502/1969 ro de Pindamonhangaba a Campos do Jordão. Aprova a alteração das bases de tarifas vigentes nas linhas da E. F. Sorocabana, Cia. 19.04.1916 – Decreto nº 2.656/1916 Paulista de Estradas de Ferro, E. F. Araraquara, Abre na Secretaria do Estado dos Negóci- E. F. São Paulo e Minas e E. F. Campos do os da Agricultura um crédito especial de Jordão. 4.500:000$000, para pagamento da encampação da Estrada de Ferro Campos do Jordão, de 30.11.1971 – Contrato acordo com a Lei nº 1.486, de 15 de dezembro Contrato de Administração e Operação de de 1915. Serviços, que, entre si, fazem a Estrada de Ferro Campos do Jordão e a Companhia de Teleco24.10.1916 – Lei nº 1.508/1916 idem municações do Estado de São Paulo Providencia sobre o serviço do tráfego e (COTESP). administração da Estrada de Ferro Campos do Jordão. 20.05.1972 – Decreto/1972 Altera o vínculo de subordinação e trans31.12.1918 – Lei nº 1.644/1918 fere a administração do patrimônio da EstraAutoriza o governo a arrendar a Tramway da de Ferro Campos do Jordão, de propriedada Cantareira e as Estradas de Ferro Funilense de do Estado, para a Secretaria de Cultura, e dos Campos do Jordão. Esportes e Turismo. 17.05.1929 – Decreto 4.595/1929 15.03.1975 – Decreto nº 5.929/1975 Integra a Estrada de Ferro Campos do Altera a estrutura e denominação da SeJordão, na Secretaria de Viação e Obras Pú- cretaria de Cultura, Esportes e Turismo e cria blicas. a Secretaria de Esportes e Turismo. 22.04.66 – Lei nº 9.318/1966 03.05.2002 – Decreto nº 46.744/2002 Transfere a estrutura jurídico-administraTransfere a Estrada de Ferro Campos do tiva da E. F. C. J. para a Secretaria dos Trans- Jordão para a Secretaria da Ciência, Tecnologia, portes, como serviço industrial. Desenvolvimento Econômico e Turismo. 26.08.1969 – Portaria nº 1.311 – DENTEL Resolve: Autorizar a Estrada de Ferro Campos do Jordão a cobrar, a partir dessa data, nos serviços de telefonia urbanos e interurbanos que executa em sua área de concessão, no

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10.06.2005 – Decreto nº 49.683/2005 Transfere o vínculo de subordinação da Estrada de Ferro Campos do Jordão para a Secretaria de Turismo do Governo de São Paulo.


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Uma Escalada para a Vida: Uma Escalada para a Vida

PUBLICAÇÕES “A Cidade de Campos do Jordão”, de 02 de julho de 1950. “A Cidade de Campos do Jordão”, de 02 de março de 1969. “A Cidade de Campos do Jordão”, de 04 de junho de 1950. “A Cidade de Campos do Jordão”, de 11 de janeiro de 1970. “A Cidade de Campos do Jordão”, de 12 de abril de 1970. “A Cidade de Campos do Jordão”, de 17 de janeiro de 1954. “A Cidade de Campos do Jordão”, de 17 de março de 1968. “A Cidade de Campos do Jordão”, de 20 de fevereiro de 1972. “A Cidade de Campos do Jordão”, de 22 de janeiro de 1967. “A Cidade de Campos do Jordão”, de 29 de abril de 1966. “A Cidade de Campos do Jordão”, de 29 de abril de 1967. “A Cidade de Campos do Jordão”, de 30 de março de 1969. “A Província de São Paulo”, de 09 de fevereiro de 1882. “A Província de São Paulo”, de 21 de janeiro de 1879. “A Província de São Paulo”, de 23 de março de 1881. “A Província de São Paulo”, de 24 de fevereiro de 1880. “A Província de São Paulo”, de 25 de março de 1881. “A Província de São Paulo”, de 27 de março de 1881. “A Região”, Pindamonhangaba, de 21 de agosto de 1924. “A Região”, Pindamonhangaba, de 29 de dezembro de 1924. “Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia” nº 14, de janeiro /abril de 1923, publicado pelo Instituto Anátomo – Patológico da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo. “Campos do Jordão”, de 21 de abril de 1925. “Correio Paulistano”, de 26 de outubro de 1957. “Dirigente Municipal”, de set / out de 1979. “Folha de São Paulo”, de 19 de fevereiro de 1980. “Folhetim da Serra”, de abril de 1980. “Gazeta Clínica”, nº 2, de novembro de 1992, São Paulo. “Jornal da Tarde”, de 19 de junho de 1980. “Memórias de Guerra”, em “O Estado de São Paulo”, de 9 de julho de 1982. “O Estado de São Paulo”, de 02 de julho de 1970. “O Estado de São Paulo”, de 04 de agosto de 1978. “O Estado de São Paulo”, de 13 de fevereiro de 1980. “O Estado de São Paulo”, de 19 de novembro de 1989. “O Estado de São Paulo”, de 22 de julho de 1964. “O Estado de São Paulo”, de 25 de março de 1980. “O Estado de São Paulo”, de 27 de maio de 1980. “O Estado de São Paulo”, de 28 de novembro de 1969. “O Estado de São Paulo”, de 30 maio de 1971. “O Estado de São Paulo”, de 6 de junho de 1980. “O Estado de São Paulo”, de 6 junho de 1980. “O Ferroviário”, no 4, de dez / jan de 1991. “O Ferroviário”, no 5 de fev / março de 1991. “O Funcionário”, de 23 de março de 1938. “Plano Diretor de Campos do Jordão”, CPEU-FAUUSP, 1960. “Tramway da Cantareira, E. F. Funilense e E. F. Campos do Jordão”, Superintendência das Vias Férreas da Administração Estadual, São Paulo, 1919.

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Pedro Paulo Filho

“Tribuna do Norte, Pindamonhangaba, de 11 de julho de 1920. “Tribuna do Norte, Pindamonhangaba, de 1o de abril de 1915. “Tribuna do Norte, Pindamonhangaba, de 02 de setembro de 1915. “Tribuna do Norte, Pindamonhangaba, de 13 de maio de 1915. “Tribuna do Norte, Pindamonhangaba, de 28 de outubro de 1915. “Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, 19 de março de 1916. “Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, de 03 março de 1893. “Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, de 04 janeiro de 1890. “Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, de 06 de janeiro de 1916. “Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, de 06 fevereiro de 1921. “Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, de 08 de novembro de 1990. “Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, de 09 de outubro de 1927. “Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, de 10 de março de 1921. “Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, de 14 de outubro de 1923. “Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, de 14 de outubro de 1923. “Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, de 16 de fevereiro de 1896. “Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, de 18 de junho de 1921. “Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, de 19 de maio de 1921. “Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, de 21 março de 1990. “Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, de 22 de agosto de 1886. “Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, de 24 de agosto de 1919. “Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, de 24 de maio de 1908. “Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, de 25 de agosto de 1912. “Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, de 27 de abril de 1916. “Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, de 27 de janeiro de 1916. “Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, de 29 de outubro de 1916. “Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, de 30 de agosto de 1890. “Tribuna do Norte”, Pindamonhangaba, de 30 novembro de 1902. “Tuberculose e Leite: Elementos para a História de uma Polêmica”, de J. L. F. Antunes et alii, in “História, Ciência e Saúde – Manguinhos”, vol. 9, set/dez de 2002. Academia de Letras de Campos do Jordão. Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia. Anteprojeto de Urbanização de Campos do Jordão (1935). Boletim da Sociedade de Medicina e Cirurgia, de São Paulo. Boletim do Instituto de Estudos Valeparaibanos Coletânea de Leis e Decretos de São Paulo, 1869 – 1913 e de 1977. Guia Ferroviário Brasileiro no 3, do D. N. E. F. Jornal “Evolução”, de 09 de junho de 1980. Jornal “Evolução”, de 19 de agosto de 1980. Jornal “Valeparaibano”, de 05 de agosto de 1980. Jornal de “Campos do Jordão”, de 22 de março de 1996. Jornal de “Campos do Jordão”, de 31 de maio de 1996. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, de 25 de dezembro de 1924. Revista “Sanatorinhos”, edição nov / dez de 1939. Revista “Veja”, de 25 de julho de 1984. Revista Acadêmica Paulista de Letras no 42, de 12 de junho de 1948. Revista Brasileira de Tuberculose no 31, de junho de 1936. Revista da Academia Paulista de Letras.

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Uma Escalada para a Vida: Uma Escalada para a Vida

Separata do Boletim Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, no 7, de setembro de 1919. Sistema Ferroviário do Brasil / SFB 82 R. F. F. S. A, 1983, Rio de Janeiro. Liga Paulista Contra a Tuberculose, São Paulo, 1957. Revista Médica de São Paulo. ARQUIVOS Academia de Letras de Campos do Jordão Arquivos da Estrada de Ferro Campos do Jordão Biblioteca “Harry Mauritz Lewin”, de Campos do Jordão. Biblioteca Municipal de Pindamonhangaba Instituto de Estudos Valeparaibanos Museu Histórico e Pedagógico D. Pedro I e Dona Leopoldina, de Pindamonhangaba. Prefeitura Municipal de Campos do Jordão Prefeitura Municipal de Pindamonhangaba Prefeitura Municipal de São Bento do Sapucaí Coleção Fotográfica de Edmundo Ferreira da Rocha Academia Pindamonhangabense de Letras

Alcebino Albano de Oliveira Altino Franco Arthur Ferreira dos Santos Aurora Abrantes Benedito Olímpio Miranda Benedito Marcondes Leite Jr. Celso Marcondes Ferreira Cilene Rangel Pestana Dino Godoy Eduardo Moreira da Cruz Edmundo Ferreira da Rocha Floriano Rodrigues Pinheiro Francisco Mulhbauer Gerson Caetano Ferreira Henrique Fracalanza

DEPOIMENTOS Jarmuth de Oliveira Andrade Jesus de Carvalho Luiz da Matta Maria de Freitas Damas Maria Nazareth Caldeira Tavares Nestor Ferreira da Rocha Oscar Ribeiro de Godoy Pedro Alves Pereira Paulo Reis Magalhães Péricles Homem de Melo Sebastião Gomes Leitão Waldemar Ferreira da Rocha Waldir Rodrigues Wladimir Biagioni

SITES DA INTERNET www.e.f.c.j.com.br www.efbrasil.com.br www.geocities.com/kelso_medici www.portaldecampos.com.br

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Pedro Paulo Filho

LIVROS DO AUTOR A Revolução da Palavra – Uma Visão do Homo Loquens, São Paulo, 1987, 2ª edição. História de Campos do Jordão, Santuário, Aparecida, 1986. Campos do Jordão, Meu Amor (poesias), Santuário, Aparecida, 1986. Estórias e Lendas do Povo de Campos do Jordão, O Recado, São Paulo, 1988. Campos do Jordão, O Presente Passado a Limpo, Vertente, São José dos Campos, 1997. A Montanha Magnífica, Memória Sentimental de Campos do Jordão, O Recado, São Paulo, 1997. Grandes Advogados, Grandes Julgamentos, Editora Millenium, Campinas, 2003, 3ª edição. As Ações na Locação Urbana, Editora de Direito, Leme, 1999, 2ª edição. O Bacharelismo Brasileiro – Da Colônia à República, Bookseller, Campinas, 1997. Contratos no Direito Brasileiro, 4 v., Editora de Direito, Leme, 2000. Absolvição Sumária nos Crimes Dolosos Contra a Vida, Editora de Direito, Leme, 2000. Contos Bem Contados, Vertente, Campos do Jordão, 1999. O Novo Direito de Família c/ Guiomar Ap. de Castro Rangel Paulo, 2 v., Bookseller, Campinas, 2003. Conto, Canto e Encanto com minha História – Campos do Jordão – Onde Sempre é Estação (infantojuvenil) – Noovha América, São Paulo, 2004. Separação e Divórcio, c/ Guiomar Ap. de Castro Rangel Paula, LED – Editora de Direito Ltda, Leme, 2004, 2ª edição. Concubinato, União Estável, Alimentos, Investigação de Paternidade, c/ Guiomar Ap. de Castro Rangel Paulista, J. H. Mizuno Editora, Leme, 2004, 2ª edição. Advogados e Bacharéis, Os Doutores do Povo, Editora Milennium, Leme, 2005. Notáveis Bacharéis na Vida Boêmia, J. H. Mizuno Editora, Leme, 2005. Izabel e Pedro Paulo, Uma História de Amor e Coragem, Editora São Benedito, Pindamonhangaba, 2005. Famosas Fábulas no direito brasileiro. J. H. Mizuno, Leme, 2007.

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