Boletim Informativo - Setembro 2014

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Boletim Informativo do Câmpus Florianópolis | Ano 4 | Nº 32

105 anos de transformações para uma sociedade melhor Não há mérito em festejar o simples passar dos anos. Não há necessidade de parabéns quando se deixa apenas o tempo correr. A comemoração surge quando sentimos que há mudança, quando há obstáculos vencidos, quando houve lutas e, embora não tenhamos vencido todas, elas nos fortaleceram e nos mostraram aonde queremos chegar. É por isso que, neste dia 23 de setembro de 2014, o Câmpus Florianópolis do IFSC tem muito a comemorar.

Parabéns a todos os que nos modificam para melhor a cada dia e nos deixam orgulhosos em celebrar estes 105 anos! Instituto Federal de Santa Catarina | Câmpus Florianópolis florianopolis.ifsc.edu.br


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Ano 4 | Nº 32 | setembro de 2014

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Projeto de Formação Docente capacita professores no Câmpus Florianópolis

Um projeto criado pela Diretoria de Ensino e pela Coordenadoria Pedagógica está ajudando os professores da instituição a desenvolverem a docência. Sob a coordenação das pedagogas Thais Guedes e Vera Lúcia de Souza, o projeto tem dois objetivos principais: a formação sistemática e o atendimento ao docente ingressante no IFSC. “Temos muitos professores que vêm do bacharelado, onde não se toca na questão da docência. E a docência é um saber específico, que requer saberes específicos. Acredito que um diferencial no nosso curso é termos um espaço em que os professores são formandos e formadores”, conta Thais. São encontros quinzenais, de duas horas cada, até dezembro. Nos intervalos, há ‘tarefas’ que devem ser feitas. Segundo Thais, a principal dúvida que os professores trazem é o desafio de trabalhar com públicos tão diversos. “O importante é não perder de vista questões práticas no fazer, não queremos apenas apresentar teorias. Queremos vincular essa formação com o fazer, trabalhar com estudos de caso e também a base teórica”,

explica Vera. Para elas, é fundamental o educador saber quais as teorias pedagógicas que permeiam a docência, entender a responsabilidade social dele, saber que tipo de profissional ele está formando. “Não há prática pela prática, não há neutralidade. Queremos que o professor pense quais pressupostos estão por trás do fazer dele e a quem servem esses pressupostos”, detalha a pedagoga Thais. Os encontros têm formatos dinâmicos, e o planejamento muda aula a aula, conforme a participação dos docentes. “De certa forma, queremos ser um exemplo, que o próprio curso mostre que é possível ensinar bem flexibilizando o plano de ensino, a metodologia, conforme a participação da turma e de cada estudante”, diz Thais. “O professor tem que perceber que é preciso focar no fim pedagógico e que ele deve estar em sintonia com as necessidades dos seus alunos”, complementa Vera. Para 2014, a Diretoria de Ensino está se mobilizando, junto com os chefes de departamentos, para tornar o curso uma atividade imprescindível aos professores, especialmente os iniciantes.

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Boletim Informativo do Câmpus Florianópolis Ano 4 | nº 32 | setembro 2014 | Distribuição Gratuita Produção: Assessoria de Comunicação, Marketing e Ouvidoria Diretor: Maurício Gariba Júnior

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Palavra da Direção Neste Boletim Informativo, destacam-se as comemorações dos 105 anos de uma Instituição Educacional que, nesses anos de existência, tem procurado promover a inclusão. E podemos citar dois eventos desenvolvidos por intermédio da extensão do Câmpus: Ação Cidadania e Didascálico. Primeiro, vamos falar sobre a terceira edição do IFSC Ação Cidadania, dia 12 de setembro. Este ano, o evento contou com 24 parceiros ofertando serviços gratuitos à população, ou a formalização de convênios com organizações, como é o caso do Instituto Nexxera, que prevê 300 vagas para a comunidade em cursos de informática, dança e esportes. E nestes 105 anos - mesmo com as várias transformações, pois já fomos Unidade Sede, Unidade Florianópolis e agora Câmpus Florianópolis - , além da responsabilidade com a formação técnica dos nossos estudantes, não se pode perder o foco na sua formação cidadã. Isso é possível por meio da educação profissional, científica e tecnológica, gerando, difundindo e aplicando conhecimento e inovação. Tudo isso, visando o desenvolvimento científico, tecnológico, socioeconômico da região em que a Instituição está localizada, e também cultural, como é, por exemplo, a realização anual do Didáscalico – Mostra de Arte e Cultura. Nesse sentido, esta Direção tem investido na formação de nossos servidores em educação profissional e tecnológica, como é o projeto realizado pela Diretoria de Ensino e pela Coordenadoria Pedagógica do Câmpus ou a oferta de um Curso de Especialização em EPT para o próximo ano. E todos esses ingredientes que fazem parte da missão institucional não teriam sentido sem a dedicação e o comprometimento dos nossos valiosos servidores. Parabéns a todos nós que fazemos parte dessa Rede! Boa leitura a todos!

CONTATO: E-mail: comunicacaofpolis@ifsc.edu.br | Telefone: (48) 3221-0506 Endereço: Avenida Mauro Ramos, 950. Florianópolis / SC. CEP 88020-300 Envie sugestões, elogios ou críticas para informativofpolis@ifsc.edu.br

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Memória|

Memorial abre as portas durante a Primavera dos Museus No dia 22 de setembro, o Memorial do Instituto Federal de Santa Catarina – Câmpus Florianópolis, abriu para o público mostrando um pouco do que vem por aí com a implantação efetiva do espaço. A abertura por um dia integrou a “Primavera dos Museus”, juntamente com o seminário “Museus Possíveis: diferentes experiências na área da Museologia”. A “Primavera dos Museus” é um evento nacional promovido pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). Em 2014, entre os dias 22 e 28 de setembro, 761 instituições culturais brasileiras, espalhadas em 389 cidades, desenvolveram 2.436 atividades das mais diversas tipologias – exposições, debates, exibição de filmes, oficinas, visitas monitoradas, dentre outras, com o tema Museus Criativos. A criação de um memorial é desejo antigo da administração do Câmpus, mas somente há cerca de dois anos ele realmente começou a tomar forma. “Antes nós tínhamos uma sala que não dizia nada, apenas um depósito de objetos, lembra o museólogo Jonei Bauer, bolsista do projeto. Depois de muito trabalho, organização e limpeza, sobraram 437 objetos, todos devidamente catalogados e identificados. A coordenação do projeto de requalificação é da professora doutora Rosana Andrade Dias do Nascimento, da UFSC. “Quando me chamaram, já existia o projeto do memorial, mas a instituição percebeu que havia questões em que eles precisavam dessa profissionalização. E o grande desafio foi descobrir como implementar um memorial que só existia no papel”, lembra Rosana. Sobre as cobranças para a abertura definitiva para o público, Rosana conta que é um ponto positivo, mas que o desenvolvimento das ativida-

des está de acordo com o cronograma previsto na criação de qualquer museu. “Em três anos de trabalho, cresceu muito o entendimento da comunidade acadêmica sobre o espaço, e é bom que eles façam essa cobrança. Porque quem olha de fora, nessa fase inicial, não vê muita diferença, mas há todo um trabalho minucioso sendo feito. No primeiro ano, foi feito o levantamento do acervo, depois, discutimos o tipo de espaço, em seguida, tivemos de decidir que tipo de museu nós queríamos. Não é só o espaço de exposição, tem que ser educativo e pedagógico”, explicou a professora. A exposição temporária do dia 22 serviu para o público ter acesso e noção do acervo, e também para que os professores pudessem articular estas informações dentro do seu conteúdo, segundo Rosana.

diferença entre museu e memorial: todo memorial é (ou deveria ser um museu), mas nem todo museu é um memorial. “O memorial valoriza de forma específica a memória de uma instituição, ou cidade”, explica o museólogo.

Museu ou memorial? Jonei Bauer aproveita para explicar a

Nas fotos, detalhes da exposição preparada para a Primavera dos Museus

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Data especial|

Aos 105 anos, Câmpus Florianópolis do IFSC segue com a vocação d

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ão há mérito em comemorar o simples passar dos anos. Não há necessidade de parabéns quando se deixa apenas o tempo passar. A comemoração surge quando sentimos que há mudança, há obstáculos vencidos, que houve lutas e, embora não tenhamos vencido todas, elas nos fortaleceram e nos mostraram aonde queremos chegar. É por isso que, neste dia 23 de setembro de 2014, o Câmpus Florianópolis do IFSC tem muito a comemorar. O que hoje chamamos IFSC nasceu há 105 anos, via decreto presidencial. O então presidente Nilo Peçanha criou as Escolas de Aprendizes Artífices para o ensino primário e profissional. Uma necessidade de um país cujo desenvolvimento industrial estava apenas começando e onde faltava mão de obra qualificada. Os alunos deveriam ter entre 10 e 13 anos e serem “desvalidos da sorte”. Há quem diga que a criação de tal tipo de escola seria para perpetuar a relação de classes, afinal, nela entravam os que eram pobres para aprenderem trabalhos “menores”. Da mesma forma, pessoas com deficiência eram proibidas de frequentá-las. Hoje, tais colocações podem parecer absurdas, mas eram condizentes com a mentalidade daquela época. E essa é uma das grandes mudanças ao longo do tempo a serem comemoradas neste ano de 2014. “Pode ter havido um tempo em que a função da educação profissional era apenas formar o que chamamos de ‘apertadores de botões’ – pessoas que fazem seu trabalho técnico e apenas isso. Mas hoje, aqui no IFSC, e já há algum tempo, o que procuramos formar são cidadãos conscientes dos seus direitos e deveres e conscientes de que a profissão que aprendem aqui não é apenas para ganhar dinheiro. É para trazer prosperidade e conhecimento a um país que precisa muito disso. E tentamos incentivar ao máximo que nossos alunos continuem se aperfeiçoando após os cursos técnicos, tanto que atualmente já temos cursos de graduação, especialização e mestrado”, relata o diretor-geral do Câmpus Florianópolis, Maurício Gariba Júnior.

Por outro lado, há aspectos que não mudaram – e ainda bem que não mudaram! O IFSC continua sendo uma instituição voltada a pessoas de baixa renda, a minorias étnicas e raciais e à educação de jovens e adultos. A diferença, como disse o diretor, é que essa educação profissional é voltada exatamente para que a pessoa mude a sua realidade. Tanto que o lema dos 105 anos é: 105 anos de inclusão social. “Temos aqui no instituto milhares de histórias de pessoas que tiveram suas vidas transformadas pela educação profissional e tecnológica. Pessoas que trabalhavam, por exemplo, na construção civil, com pouca ou nenhuma qualificação. Muitos desses vieram se qualificar no IFSC e viram as oportunidades que possuímos em todos os níveis e cresceram dentro desse mercado”, conta a reitora do IFSC, Maria

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Clara Kaschny Schneider. Para garantir o acesso e, principalmente a pe série de programas e auxílios. “Ofertamos bolsas material didático, auxílio-transporte, auxílio-lanc pelo Proeja. Sabemos que está aquém do necessá mais e o resultado é um crescimento contínuo no 2012 para cá”, explica a diretora de Ensino do C dia Regina Silveira. Uma prova disso é o núme Página

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de transformar vidas para melhor

ermanência, o IFSC tem uma s – de trabalho, de estágio, de che, auxílio-saúde, benefícios ário, mas temos batalhado por no número de beneficiados de Câmpus Florianópolis, Cláuero de alunos atendidos pelo

Programa de Atendimento aos Estudantes em Vulnerabilidade Social (Paevs). Em 2012, foram 211 beneficiados. Atualmente, são 457. “O IFSC, ainda como Escola Técnica, sempre teve uma preocupação social, há 30 anos já oferecia lanche aos alunos”, lembra Luciana Martendal, assistente social do Câmpus. “Não conseguimos atender a todos como gostaríamos, mas estamos sempre ampliando os benefícios, pouco a pouco”, conta. Outra forma de manter o aluno na instituição e garantir que ele tenha um aprendizado adequado são as bolsas de pesquisa e extensão. “Temos trabalhado cada vez mais com os professores a necessidade de desenvolvermos a pesquisa e a extensão como forma de aprendizado, colocando o aluno na realidade social onde ele está inserido e buscando soluções para os problemas da vida real. E, de 2011 para cá, aumentos a oferta de bolsas em cerca de 50%”, conta o diretor de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão do Câmpus Florianópolis, José de Pinho Neto. A importância do IFSC e, em especial, do Câmpus Florianópolis para a região da Grande Florianópolis é indiscutível. “Aqui na Ilha, a ‘Escola Industrial’ e a ‘Escola Técnica’ são referências familiares, todo mundo conhece alguém que trabalhou ou estudou aqui, gente que só conseguiu emprego por ter feito um curso técnico aqui. Estamos fazendo uma série para o boletim informativo do Câmpus, sobre pontos históricos importantes perto da Avenida Mauro Ramos e, de vez em quando, a história desses lugares se cruzam com as do IFSC. Foi assim quando contamos a história do Hospital de Caridade, cujo capelão atual já foi professor de religião da então Escola Técnica. Ou a do Asilo Irmão Joaquim, em que um dos seus moradores mais famosos, o cego Ivo de Jesus, que leu mais de dois mil livros e morreu em 2013, estudou no IFSC. Uma outra moradora conhecida do asilo, cadeirante, também tinha estudado aqui, em tempos em que ninguém falava de inclusão das pessoas com deficiência”, conta a jornalista Sabrina d’Aquino. Mas se o IFSC conta com uma história centenária, há também o desafio constante de modernização, de adequação aos tempos atuais. “Somos uma instituição de mais de cem anos, mas, ao mesmo tempo, somos jovens, pois há apenas pouco mais de cinco anos nos tornamos Instituto Federal. Há pouco mais de 10 anos passamos a oferecer cursos superiores”, lembra a reitora Maria Clara. “Por isso, estamos sempre procurando capacitar professores, servidores e incutir em nossos alunos uma consciência mais global sobre o país e o mundo em que eles vivem. É um orgulho estar à frente da instituição neste momento e ver tudo o que mudamos, mas ao mesmo tempo temos que manter a cabeça erguida, olhando o futuro, pensando em como teremos que nos preparar para ele”, conclui o diretor Gariba.

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Câmpus Florianópolis Uma breve linha do tempo do IFSC 1909 – Em 23 de setembro, são criadas as Escolas de Aprendizes Artífices. Os primeiros cursos ofertados foram: Curso Primário, Desenho, Tipografia, Encadernação e Pautação, Carpintaria da Ribeira, Escultura e Mecânica (Ferraria e Serralheria). 1937 – A Lei 378 transforma as Escolas de Aprendizes Artífices em Liceus Industriais. O Liceu mantinha os cursos de Mecânica de Máquinas, Fundição, Tipografia e Encadernação, Cerâmica, Carpintaria, Marcenaria, Serralheria e Alfaiataria. 1942 – Liceus passam a ser denominados Escolas Industriais. Em Florianópolis, ainda é bastante comum encontrar pessoas de mais idade que se referem ao Câmpus Florianópolis como “Escola Industrial” 1962 – São implantados os Cursos Técnicos na Escola Industrial de Florianópolis, com os cursos de Máquinas e Motores e Desenho Técnico, dando início ao Colégio Industrial. Os alunos concluintes recebiam certificados equivalentes ao dos demais cursos existentes no Brasil à época – Científico, Clássico e outros. 1965 – A instituição passa a se chamar Escola Técnica Federal de Santa Catarina (ETFSC) 2002 – A ETFSC passa a ser Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina (CEFET/SC), o que permitiu à instituição iniciar a oferta de cursos superiores em Tecnologia. Os primeiros foram Automação Industrial, Design de Produto e Sistemas Digitais. 2005 - O Plano de Expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, propicia à Instituição a criação de unidades em outras cidades catarinenses: Chapecó (2006), Joinville (2006), Continente (2006), Araranguá (2008). 2008 – o CEFET/SC passa a se chamar Instituto Federal de Santa Catarina 2009 – É implantado o Câmpus Xanxerê 2010 – São criados os câmpus Caçador, Canoinhas, Criciúma, Gaspar, Geraldo Werninghaus (em Jaraguá do Sul), Itajaí e Palhoça Bilíngue - a primeira escola bilíngue (libras/português) da América Latina. 2011 - Começam as atividades em Garopaba, Lages, São Miguel do Oeste e Urupema. Nesse mesmo ano, é inaugurada a sede própria da Reitoria do IFSC na parte continental de Florianópolis. 2013 - Com a terceira fase da expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, são anunciadas pelo Governo Federal as construções de câmpus em São Carlos e Tubarão. A obra do Câmpus Tubarão já foi entregue e o Câmpus São Carlos ficará pronto ainda em 2014.

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Espaço do Leitor|*

Sociedade Falida

Edilson João de Paula Jr

“Na esquina, garotos quebravam asas contra a parede” (Manoel de Barros, in: O Abandono)

Prossegue, nesta edição, a publicação dos cinco contos melhor avaliados do I Concurso de Contos do IFSC- Florianópolis, que ocorreu durante a II Gincana Literária, no primeiro semestre de 2014. Como destacou a comissão julgadora, formada pelos professores Amauri Antunes, Cesar Cordeiro e Elisa Tonon, a decisão foi difícil, em razão da qualidade dos contos.

O passarinho corria como o vento. Não: ele era o vento. Veloz e invisível, porém impossível de não sentir. Às vezes era brisa macia que soprava nas campinas. Outras, vendavais furiosos que rebentavam telhados e levantavam as saias das moças bonitas. Era pequenino. Poucas penas, o bico esbranquiçado. A envergadura de suas asas era fraca, mas capaz de sustentá-lo por curtos períodos. A pele despida de seu corpo não o envergonhava. Pelo contrário: sentia-se livre, vazio e cheio simultaneamente, como gelo e fogo. Somente e unicamente seu. Não tinha luxúria, vivia de favores, mas possuía algo que ninguém poderia tirar-lhe. Suas palavras. Todos os dias, quando o sol descia as colinas, incendiando o céu em tom laranja, o passarinho voava até sua cova e riscava com as garras, palavras na areia molhada. Palavras longas, curtas. Palavras maduras e verdes. Também roxas, vermelhas e amarelas, certa vez inventou uma dourada. Faceiro que só, continuava o divertido jogo, estruturando sílabas, formando uma grade impecável. Criava de seu suor, a poesia. Mas todos os dias, quando voltava, as palavras haviam sido desmanchadas pela natureza. Poderia ficar entristecido, porém a destruição de sua obra só lhe dava mais imaginação. Roubava de sua mente as palavras de que se recordava. Embaralhava-as com outras inéditas e novas produções estavam feitas, até mesmo mais belas que as anteriores. Descobrira como tirar proveito de suas lástimas. O passarinho adorava conversar. Falava com todos que estavam em seu caminho. Nutria grande afeição pela pedra, pela árvore e pelo barulhento riacho. Passava tardes papeando aqui

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e ali. Suas respostas eram mágicas e via como esses seres eram sábios. Mesmo que, por outros olhares, parecessem vidrados. Estudava todos os dias. Todas as horas. A vida era uma descoberta a cada minuto. Não sabia calcular números compridos, nem o nome de todos os países existentes. Mas sabia quantas formigas havia no quintal da vizinha, pois as contara ontem mesmo, e sabia que não podia regar uma planta no meio da tarde, pois o pai comentara uma vez. Entretanto, não eram essas coisas que usavam para medir seu conhecimento. Confuso, perguntava-se: Minha sabedoria é inútil? A família do passarinho era adorável. O pai era feito de sorrisos e abraços calorosos. A mãe cheirava a bolo saindo do forno e usava retalhos coloridos. Ele também tivera uma irmãzinha, não lembrava sua aparência pela idade que tinha. Perguntou certo dia onde ela estava. Descobriu que ela voara para um lugar distante. Onde não havia frio ou dor, só água límpida e árvores frondosas recheadas de frutas. Fascinado, pediu para ir também. Ora, muitas vezes o riacho era amarelado e as frutas podres! Mas se arrependeu pela pergunta: a mãe lançou-lhe um olhar de sofrimento e sem entender o porquê, uma lágrima deslizou de seus olhos cansados. Ele adorava a noite. Deitava na graminha verde e observava as estrelas. Algumas possuíam formas de animais ou objetos e começou a nomeá -las. O urso. O vaso. A vela. Outros passarinhos também viam as estrelas e ele se sentia roubado. Afinal, ele as contara e tivera o trabalho de empregar palavras próprias para elas. Era tão injusto… Mas nada era capaz de deixá-lo infeliz. Continuava, um dia de cada vez. Página

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Ano 4 | Nº 32 | setembro de 2014 Então tudo se transformou. Foi repentino. Dormiu com a magia ao seu redor e acordou em montes de cinzas. Em prantos gritou por ajuda. Todos os outros não pareciam ver diferença no mundo em que viviam. Era impossível! Voou para longe e descobriu que não era mais capaz de controlar o vento e que suas asas são possuíam tanta graciosidade como antes. Logo, as perdeu, junto com as penas. No lugar, dois membros com cinco dedos cada, sobre uma camada rosada e elástica. Estranho. As pedras e as árvores não respondiam mais seu chamado. Continuavam lá, estáticas e inanimadas. Reparou que muitas delas possuíam o tronco apodrecido. Como não reparara naquilo antes? Sentia-se solitário. Entorpecido. Cambaleou até sua casa, os olhos marejados. Os seres ali não podiam ser seus pais. Não queria acreditar. O pai estava diferente: coberto de tecidos finos e uma maleta de mão. Seu olhar era frio e fixo no trabalho que segurava. A mãe perdera o cheiro de bolo, e trajava um longo vestido escarlate. Quando o viram, murmuraram uma saudação vazia e continuaram no que faziam. A aceitação demorou para vir. O mundo perdera a graça. Não via beleza no que via semanas atrás. E muitas vezes ria maliciosamente de seu passado. Como eu era tolo, pensava, era feito completamente de humildade, pobre garoto inocente. Mas o remorso vinha

depois acompanhando pela nostalgia. Não se sentia pronto para a nova sociedade. Era fraco, e reconhecia tal defeito. Continuava a escrever, mas todas as palavras agora eram negras. Com muito esforço criou uma cinzenta, entretanto todas tinham significados tão tristes que não tinha coragem de formar poesias novamente. Era noite. Olhou o céu. As estrelas agora eram somente pontos brilhantes sem sentido. Tentou formar figuras como fazia, em vão. Não via sentimento naquilo. Era superior demais para prestar atenção em meros corpos celestes. Encarou a pequena encosta. Os pelos recém-nascidos do seu braço eriçaram-se. Lá embaixo, o fundo era escuro e sombrio. Lágrimas escorreram pelo seu rosto, deixando em seus lábios um gosto salgado. Morrera no momento em que perdera as asas. Este não vivia. Existia. Imaginou-se o que aconteceria se descesse do pequeno cume. Eles provavelmente o trancariam junto com outros pássaros mortos. Ensinariam o ciclo do egoís-

mo: aprender uma habilidade fútil, empenhá-la incessantemente em troca de pedaços de papel absurdamente valiosos. Até que seu corpo não aguentasse mais e implorasse descanso. Talvez até sorrisse algumas vezes, mas a risada em sua mente era artificial e servia somente para amenizar a dor. Levantou os braços. As mãos em forma de garras. Naquele momento, sentiu-se de novo um pássaro, pronto para a última aventura. Cores inundaram sua visão e era de novo uma criança, pura e inocente, quando o caos do mundo não destruíra seus sonhos e lhe roubara um futuro decente. Inclinou-se para frente e despencou na escuridão. Enquanto caía, seu corpo tornou-se menor, nada parecendo o adulto mórbido em que se tornara. Sua última lembrança era uma risada infantil, gostosa de se ouvir. No fundo de sua mente, reconheceu a voz melodiosa de sua irmãzinha mais nova. Iria se juntar a ela.

*Este espaço é dedicado a publicar inspirações artísticas de autoria dos servidores e estudantes. Para participar, envie sua contribuição para informativofpolis@ifsc.edu.br. Vale crônica, poema, desenho, fotografia...

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Dias de festa|

Didascálico festeja 105 anos com reflexão sobre quem queremos ser Houve choro no começo, houve choro no final. Choro de emoção, de alegria, de missão cumprida, de frustração com o mundo, de esperança. O 13º Didascálico, encerrado na última sexta (26), cumpriu aquilo a que se propôs: ser uma edição cheia de arte e alegria, mas também com a ideia de nos fazer pensar sobre quem somos e, principalmente, quem queremos ser. O ponto alto dessa reflexão foi o encerramento com a palestra do índio Thini-á Fulni-ô. De forma divertida, ele fez questão de ressaltar que não há culturas melhores ou piores que outras, apenas diferentes. “Não existe verdade absoluta. Mas vim aqui para dizer que existe um jeito de viver menos estressado, isso existe”, contou. Para ele, o homem branco não é feliz porque não é livre. “Vocês não são livres e vocês têm a ilusão de felicidade, porque a felicidade está ligada à liberdade”. Como exemplo, ele lembrou que o homem da sociedade dita civilizada se preocupa muito mais em ser aquilo que se espera que ele seja do que quem realmente ele quer ser. “Na hora de conquistar alguém, o homem

ou a mulher fingem que gostam de coisas que não gostam, usam roupas que não gostam, e aí depois de juntos descobrem que não estão com a pessoa que amavam. Não faz sentido”, analisou Thini-á. “A preocupação com a aparência também pressiona o homem branco. Na minha tribo, uma vez uma índia chegou pra outra e disse ‘Você é muito feia’. A outra respondeu: ‘Se eu sou feia, o problema é seu que me vê, porque eu não me vejo”, exemplificou, arrancando gargalhadas da plateia. Apesar das brincadeiras e risadas, no fim de sua palestra, o índio se emocionou e, quase às lágrimas, pediu que todos realmente pensassem no que ele estava dizendo. “Eu não sou animador de público. Vocês são minha única esperança de ver a minha cultura valorizada, de ver a minha tribo e meus irmãos índios sobreviverem. Porque a língua que vocês falam não é a desse país, é a língua que eu falei (citando palavras que ensinou no seu idioma materno) e que eu gostaria que vocês entendessem. No futuro, a natureza vai cobrar tudo de volta e vocês vão se

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lembrar dessas palavras”. Sobre o uso da tecnologia, Thini-á diz que não tem como impedir que ela chegue até as tribos. “Todo ser humano gosta de conforto. A gente vive sem geladeira, mas depois que o índio tem uma, ele sofre se ficar sem. A tecnologia não é ruim, se eu dissesse isso eu seria hipócrita. O ruim é que afasta as pessoas do calor humano, então, a gente tenta orientar os índios mais jovens, para que não esqueçam de conversar com sua família, seus amigos. Eu sempre digo: o índio deve se integrar, não se entregar”, defendeu Thini-á. “Acho que essa emoção do Thini-á vem da capacidade dele de se conectar ao lugar onde ele está e, ao chegar aqui, ele percebeu essa nossa necessidade de sermos mais afetivos, esse energia represada e que acabou aparecendo nas lágrimas dele. Nós, aqui no Câmpus, precisamos ser mais amorosos mesmo e precisamos saber nos reconectar ao mundo que nos cerca”, disse a professora Gizely Cesconetto, da comissão organizadora do Didascálico deste ano. Página

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