MULHERES E SUAS GUERRILHAS URBANAS (processos de análise urbana segundo a perspectiva de gênero)
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Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Arquitetura e Urbanismo FAU / UFRJ
Mulheres e suas guerrilhas urbanas: processos de análise urbana segundo a perspectiva de gênero
Cândida Zigoni de Oliveira Landeiro Orientadora: Adriana Sansão Fontes
Trabalho Final de Graduação apresentado ao Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro - RJ 2019 02
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Agradecimentos: Agradeço aos meus pais, vocês foram o meu suporte para eu estar aqui. Obrigada pelo incentivo em todos os momentos durante a minha graduação, que apesar da distância continuamos construíndo muito afeto e respeito entre nós. Agradeço à minha orientadora Adriana Sansão, pela oportunidade e abertura para me aprofundar em um tema tão invisibilizado no nosso campo, tenho certeza de que a minha trajetória na faculdade a partir do 4º período seguiu outro caminho devido às experiências compartilhadas como sua aluna em projeto e também como bolsista no LabIT / PROURB (Laboratório de Intervenções Temporárias e Urbanismo Tático). Agradeço às amizades que estruturei durante a faculdade, principalmente àquelas que não soltaram a minha mão nem por um segundo. Agradeço muito a todas as #mulherescolaboradoras que se interessaram pelo trabalho e tanto contribuíram no desenvolvimento desse caminho na pesquisa sobre gênero na arquitetura e urbanismo. Acredito que tivemos muitas experiências compartilhadas e que essas serão reverberadas tanto no âmbito profissional quanto no pessoal de vocês. Seguimos lutando! Agradeço a todas as mulheres que resistem e seguem pesquisando sobre a temática de gênero na sociedade, elas foram fundamentais na construção desse trabalho. Agradeço também à Universidade Pública, por ainda permitir a diversidade entre nós e o incentivo a pesquisas acadêmicas e as suas experimentações; esse trabalho é fruto disso. 04
SUMÁRIO
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Foto: Keila Ă urea
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INTRODUÇÃO: .......................................................................................................................................................................9-12
MULHERES: Contextos.......................................................................................................................................................................13-16 Conceitos ......................................................................................................................................................................17-22
CAMINHO: Processo.............................................................................................................................................................23-26 Referências .................................................................................................................................................................27-30 Urbanismo tático .....................................................................................................................................................31-32
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Metodologia ............................................................................................................................................................33-66
OPORTUNIDADE: Ação efêmera ..............................................................................................................................................................67-80 Ação projetual .........................................................................................................................................................81-88
BIBLIOGRAFIA: ......................................................................................................................................................................................89-92 08
INTRODUÇÃO
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Foto: Keila Ă urea
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INTRODUÇÃO
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Como um antecedente à pesquisa, o desejo inicial era procurar maneiras de difundir processos e contribuir para a construção dos estudos sobre gênero na arquitetura e urbanismo. Em um primeiro momento, as inquietações permearam o campo da mobilidade urbana, assim como as dinâmicas dos deslocamentos das mulheres na cidade, e por essa razão, o exercício cotidiano pessoal passou a seguir um caminhar mais preocupado e atento às demandas, percepções e ambiências. Durante o próprio trajeto de formação acadêmica, foi possível experienciar caminhos diversos dentro da grande área de arquitetura e urbanismo, sendo que a densidade dos interesses, no momento, apontou para as pesquisas que se relacionam com a temática da vivência dos corpos nos espaços públicos e as suas conexões. Dessa maneira, o diálogo sobre a relação das mulheres na cidade se deu como o objeto central dessa pesquisa. Após uma análise de dados quantitativos sobre o contexto sócio-político-econômico do Brasil e os seus recortes de classe, raça e gênero, foi possível entender que a visão homogênea de homens e mulheres permite com que nuances e especificidades fiquem implícitas, e como consequência tem-se a elaboração superficial de políticas públicas. (RIBEIRO, 2019, p.40) Sendo assim, o objetivo desse trabalho é elucidar as questões das mulheres na cidade e dar voz para que elas se reconheçam como agentes que constroem cidade, mesmo em um fundo cultural de opressão e exclusão existente. A provocação é de subverter a invisibilidade estrutural naturalizada das mulheres na vida pública e pensar em maneiras colaborativas de ir a campo e contribuir para o desenvolvimento de uma análise urbana segundo a
perspectiva de gênero. Na arquitetura e urbanismo também se enfrenta a invisibilidade das mulheres tanto como profissionais como nos processos de projeto e análise urbana, desse modo, define-se aqui um compromisso em combinar teoria, análises e proposições projetuais que se preocupam em elucidar as questões de gênero. Afim de entender as dinâmicas das mulheres em seus deslocamentos, é possível afirmar que a mulher se encontra dentro de um espectro observador, mas também de sujeito que sofre as consequências das decisões do poder público na construção de cidade, esse, majoritariamente composto por homens. Portanto, a posição desse espectro sugere a percepção das mulheres como uma ferramenta de análise urbana. De acordo com Merleau-Ponty (1945/1994), a experiência perceptiva é uma experiência corporal, onde o movimento e o sentir são elementos chaves da percepção. A partir desse ponto, vê-se que os atravessamentos feitos durante a pesquisa construíram uma base para a elaboração de ferramentas que se comprometam a entender as diferentes vivências das mulheres na cidade e que contribuam para o campo da análise urbana e ações propositivas. Aqui se busca um caminho que possibilite experimentações e que compreenda as potências das dinâmicas das mulheres, e por essa razão, esse trabalho assume o compromisso organizacional de apresentar o processo do desenvolvimento da metodologia proposta.
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MULHERES
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Foto: Keila Ă urea
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CONTEXTOS
Disponível em: < https://veja.abril.com.br/brasil/77-das-mortes-violentas-de-mulheres-envolveram-agressao-fisica/>. Acesso em: 14 set. 2019.
Disponível em: <https://exame.abril.com.br/brasil/mulheres-sao-minoria-nos-homicidios-mas-estao-mais-vulneraveis-em-casa/ >. Acesso em: 05 ago. 2019.
Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/06/morte-de-mulheres-dentro-decasa-cresce-17-em-cinco-anos.shtml >. Acesso em: 05 ago. 2019.
Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/19/atlas-da-violencia-2019 >. Acesso em: 21 out. 2019.
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Disponível em: < https://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/cidade-alerta-rj/videos/apesar-da-lei-de-importunacao-sexual-mulheres-ainda-sofrem-assedio-em-transporte-publico-12102018 >. Acesso em: 14 set. 2019.
Disponível em: < https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/06/18/97percent-das-mulheresdizem-ja-ter-sido-vitima-de-assedio-no-transporte-publico-e-privado-no-brasil-diz-pesquisa.ghtml >. Acesso em: 14 set. 2019.
Disponível em: <https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2019/03/iminencia-do-assedio-marca-rotina-das-mulheres-no-transporte-publico/>. Acesso em: 14 set. 2019.
Disponível em: < https://agenciapatriciagalvao.org.br/violencia/mulher-sofre-importunacao-sexual-a-cada-22-horas-no-transporte-publico/ >. Acesso em: 01 mai. 2019.
Disponível em: < https://oglobo.globo.com/rio/saiba-onde-mulheres-vitimas-de-violencia-podem-buscar-ajuda-no-rio-21519676 >. Acesso em: 01 mai. 2019.
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CONCEITOS PENSAMENTO FEMINISTA: Durante esse capítulo, há de se expor as pesquisas sobre conceitos fundamentais do pensamento feminista e como eles se articulam no desenvolvimento desse trabalho. Em um primeiro momento, seguindo um raciocínio sobre a perspectiva de gênero, foi possível compreender, por meio dos estudos de Judith Butler em “Atos performáticos e a formação dos gêneros: um ensaio sobre a fenomenologia e teoria feminista”, que os corpos, numa dinâmica performática, são acionados por situações coletivas, embora tais atos estejam inerentes a um repertório próprio. A subjetividade na questão da perspectiva de gênero provoca uma discussão na pesquisa, que aponta para os atos como uma pista para a subversão conceitual naturalizada do “se tornar mulher”. Simone de Beauvoir em “O segundo sexo, 1949” diz: “não se nasce mulher, torna-se”. A epistemologia feminista sugere uma linguagem inovadora, onde é possível promover atravessamentos entre teoria e prática. Dessa maneira, o objetivo de desenvolver uma análise urbana segundo a perspectiva de gênero é devido a um desejo de apresentar uma virada pragmática do lugar da mulher na cidade, ou melhor, dos lugares das mulheres nas cidades. A busca pelo direito à cidade das mulheres conecta-se, então, com o conceito de identidade instável, instituída por meio de uma repetição estilizada de certos atos. (BUTLER, 1998). Sendo assim, propõe-se aliar práticas que valorizem uma identidade não institucionalizada, normativa, mas a uma identidade que reconheça a resiliência de ser mulher na cidade. Os atos aqui podem ser traduzidos em ações na cidade,
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onde o corpo se reconecta com o espaço, sendo possível elucidar as questões de gênero na arquitetura e urbanismo. Judith Butler reconhece que Merleau-Ponty ao dizer que o corpo é histórico, afirma que “o corpo ganha significado nas suas experiências com o mundo, mediadas por certa concretude e historicidade. O corpo é um conjunto de possibilidades.” A afirmação de Butler assume que o corpo é uma materialidade que carrega, onde as pessoas não apenas os são, mas fazem os seus corpos. De acordo com esses pensamentos, a ideia desse trabalho de incentivar intervenções na cidade feitas por corpos de mulheres traz consigo uma estratégia de reconhecimento do espaço segundo gênero, assim como também permite ampliar o espectro do observador e apreender as diferentes “cidades” vividas por mulheres. Permeia-se, portanto, a discussão da violência contra a mulher nas cidades, e para isso é inserido aqui os estudos de Heleieth Saffioti durante o artigo “Violência de gênero: o lugar da práxis na construção da subjetividade”. A autora afirma que: “sujeito e objeto não são dados a priori, mas se constroem pela relação social”, e assim é possível esclarecer que as práticas sociais, as atividades, o viver a vida estão relacionados à (in)capacidade de apropriação dos frutos das práticas humanas, sendo esses atravessados pelas contradições de gênero, raça e classe, o que a autora define como nó. (SAFFIOTI em Pensamento Feminista Brasileiro: formação e contexto, p.140) Dessa forma, a construção de identidade está ligada à subjetivação do sujeito, sendo essa última uma fresta, segundo Saffioti, para potencializar o nó constituído pe-
-las contradições fundamentais da sociedade brasileira. O reconhecimento dos recortes no contexto do Brasil e os seus encontros contribui para uma pesquisa feminista que pretende enfrentar o desafio da apreensão da diversidade sem perder-se na fragmentação ou num discurso universalista. De acordo com a autora e com a contribuição das pesquisas de Elizabeth Souza-Lobo e Mary Garcia Castro, o genérico, que não se confunde com o universal, representa uma possibilidade de o ser singular incorporar, na práxis, a defesa dos interesses de sua categoria, no caso desse estudo, a categoria das mulheres na cidade. O conceito de genérico relaciona-se aqui, nesse momento, ao termo “mulher”. Segundo Gayatri Spivak, a categoria mulher ainda pode ser usada de maneira estratégica. Judith Butler acredita que “Kristeva sugira algo similar, quando diz para as feministas usarem a categoria “mulher” como ferramenta política, sem atribuir integridade ontológica ao termo.” Seguindo esse raciocínio, o interesse, embora seja singular, ele está permeado por um fundo cultural que, por fim, pode representar os anseios de um coletivo. Entretanto, para essa dinâmica ocorrer, entende-se necessário incorporar vivências, dialogar com experiências de mulheres em uma prática de análise urbana e proposições projetuais, para enfim articular personagens. Para o desenvolvimento dessa ideia supracitada é preciso falar sobre a construção de identidade - nesse momento Saffioti convoca interlocuções de Ciampa – que é caracterizada pela categoria da prática, das atividades, e por essa razão a identidade é a articulação de igualdades e diferenças. A identidade é a construção de histórias pesso-
ais, sendo essas histórias constituídas por personagens. Dessa maneira, a história que se pretende desenvolver durante essa pesquisa é uma história composta por personagens mulheres que trocam experiências, articulam soluções e constroem cidades. Ainda sobre o âmbito das mulheres na cidade, a violência de gênero é uma problemática ascendente tanto na vida pública, quanto na vida privada, sendo, dessa maneira, necessário afirmar que embora as mulheres assumam um lugar de vítima, elas são podem ser consideradas passivas. (SAFIOTTI, p 151) O desenvolvimento dessa pesquisa compromete-se, assim, a investigar estratégias que subvertam a práxis normativa e hegemônica da construção da identidade de vítima da mulher na violência de gênero no contexto urbano. Propõe-se explorar práxis de amparo, colaborativas e mais representativas em propostas de intervenção na cidade.
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CONCEITOS MULHER E CIDADE: A relação das mulheres na esfera pública ainda apresenta índices pouco representativos, o que acaba por reforçar uma estrutura patriarcal da sociedade, a qual consolida a desigualdade de interesses no planejamento urbano e nas políticas públicas. Segundo o IBGE em “Estatística de Gênero: Indicadores Sociais das mulheres no Brasil, 2018”, apenas 10,5% dos assentos da câmara dos deputados são ocupados por mulheres, e sobre os cargos gerenciais, somente 37,8% de mulheres, e vale destacar que dentre esses índices, não está incluído o recorte de raça. Por assim dizer, é necessário discutir o papel da mulher na construção da cidade de uma maneira que visibilize as suas demandas, afinal elas compõem mais de 50% da população. Com o objetivo de elucidar as demandas das mulheres na cidade, é possível afirmar que durante uma revisão dos moldes hegemônicos do planejamento urbano, possa se trazer à luz questões que compreendam a diversidade de diferentes grupos minoritários na cidade. “O olhar da experiência da mulher sobre a cidade construída tende a uma adequação do entorno construído a fim de melhorar a igualdade de oportunidades no uso e no aproveitamento. [...] isso implica tornar visível as necessidades de todos aqueles que não são levados em consideração pelo pensamento dominante. (MONTANER; MUXI, 2014, p.207)
A inclusão de uma ótica atualmente invisibilizada aponta para caminhos que valorizem processos de sensibilização e que potencializem a experiência da cidade como uma ferramenta de análise urbana. A aproximação da escala corpo nos processos do fazer cidade podem sugerir uma metodologia participativa e colaborativa no desenvolvi-
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mento desse trabalho. A transversalidade da perspectiva de gênero nas análises urbanas, tanto para detectar o funcionamento e eficiência do espaço como para a sua aplicação estratégica na gestão urbana e definição de políticas públicas, possibilita sistematizar demandas reais e pensar em uma aplicação nessa caminhada para revisão de conceitos do planejamento urbano e político.
MARGENS, LIMITES E FRONTEIRAS: Qual é o lugar da mulher na cidade? Esse questionamento abre espaço para a pesquisa sobre os deslocamentos das mulheres na cidade e como uma cartografia poderia explorar espacialmente uma dinâmica que é feita, também, por aproximadamente 18 horas semanais dedicadas a atividades de cuidados, segundo o IBGE em 2018. Como já sinalizado nas leituras anteriores, a percepção das mulheres durante o seu caminhar indica decisões sobre qual caminho escolher ou como se comportar durante algum trajeto na cidade. Dessa maneira, os conceitos explorados nessa fase da pesquisa: margens, limites e fronteiras, contribuem para a investigação do deslocamento das mulheres na cidade do Rio de Janeiro. A cartografia se faz presente nesse processo, mas também se alia às percepções das mulheres, decisão essa que estruturou as fases da metodologia proposta. Estar à margem é, como uma de suas interpretações, estar afastado do centro, o que sugere que o sujeito ocupa um espaço de desvantagem àquele que se encontra em uma centralidade. Sendo assim, é possível observar que as mulheres, pela falta de representatividade na vida pública e devido à violência de gênero, elas andam, num sentido abstrato, à margem na cidade. “(...) a noção de margem tende a caracterizar um conjunto de grupos sociais que se encontram numa posição liminar relativamente a factores de hegemonia social e cultura. Desta forma, a margem representa um conjunto de sistemas significado, modos de expressão ou estilos de vida considerados alternativos e particulares, relativamente aos modos de vida que derivam da cultura massificada e homogeneizada.” (CARMO, 2002)
Os caminhos das mulheres podem ser compreendidos aqui como marginalizados e como causa, a cidade pensada de uma maneira hegemônica reforça o vínculo das mulheres no espaço privado. Portanto, é importante relembrar que os altos índices de violência de gênero no Rio de Janeiro apontam para um contexto inseguro, mas ainda assim as mulheres resistem em um espaço que não lhes é dado, mas que lhes é de direito. O desafio, portanto, é pensar em soluções factíveis que possam: abrir caminhos e romper limites que reforçam o modo de se deslocar pela cidade, à margem. Acredita-se, nesse trabalho, que a maneira com que os arquitetos, urbanistas, planejadores e gestores pensam a cidade e apresentam propostas, precisa estar comprometida em apreender as experiências na escala corpo, do caminhar, para assim desenvolver sistemas e métodos que atravessam todas as reais demandas da cidade.
Até esse momento, entende-se o conceito de margem como uma condição do caminhar das mulheres na cidade, porém, durante a metodologia proposta e o seu processo colaborativo, foi possível perceber que os limites são constantemente rompidos, quando uma mulher, apesar de ser afetada negativamente pela ambiência de algum caminho ou passagem, ela se coloca em movimento. Por vezes acontece um desvio durante o percurso, mas elas sempre encontram brechas, o que aqui se entende como oportunidades de caminhos. Os limites observados não são apenas físicos, como barreiras construídas na cidade, mas são imaginários e relacionam-se entre si. Um exemplo disso (...) 20
CONCEITOS MARGENS, LIMITES E FRONTEIRAS: (...) são os muros, gradis, cercas que estão presentes nos caminhares pela cidade. Durante a experimentação da metodologia, foi possível observar que esses limites construídos reverberam e constituem uma fronteira carregada de sensações para as mulheres que estão prestes a passarem por. Sendo assim, a expressão: passar do limite indica um movimento de rompimento de barreiras, obstáculos, e Armando Silva em Imaginários Urbanos (2006) diz que quando fala de limites, quer manifestar um aspecto tanto indicativo como cultural, e dessa maneira faz uma relação do uso social de um espaço e as suas bordas. Partindo desta reflexão, os componentes físicos que limitam, bem como os usos de determinados espaços na cidade, podem representar ambiências inseguras, que fazem parte do imaginário urbano das mulheres. A violência de gênero, por exemplo, é um fator intrínseco e condicionante ao caminhar delas. Com isso, o trabalho preocupa-se em procurar maneiras de abrir as brechas e apresentar possibilidades para as mulheres não apenas passarem por, mas se reconhecerem como parte do espaço, da cidade. O conceito de fronteira, por sua vez, estabelece uma relação com o imaginário urbano das mulheres, o que sugere uma reverberação dos limites supracitados, além de invocar sensações, essas, no caso da análise, percebidas por mulheres. Durante as experiências na pesquisa, percebeu-se que as fronteiras estão relacionadas às sensações das ambiências, essas inerentes aos corpos, uma vez que se encontram no repertório subjetivo de cada mulher.
As ambiências afetam a ação estabelecendo os termos da percepção, ou seja, não percebemos a ambiência, mas percebemos de acordo com a ambiência. (THIBAUD, 2004)
MULHER BRECHAS DESTINOS FRONTEIRAS
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LIMITES
MULHERES E SUAS GUERRILHAS URBANAS: Durante o capítulo sobre conceitos apresenta-se o raciocínio de que, embora as cidades vividas por mulheres sejam singulares, subjetivas, as problemáticas estão permeadas por um contexto cultural que, por fim, podem representar uma visão do coletivo. Nessa fase da pesquisa define-se o coletivo como guerrilhas urbanas, uma vez que, estrategicamente encontra o comum entre o singular e propõe um atravessamento de vivências segundo diferentes recortes de raça e classe. Portanto, é possível associar as mulheres na cidade como guerrilheiras urbanas, já que são resilientes ao atravessar, de fato, os obstáculos durante os seus trajetos diários e cumprir com as atividades que lhes são, de certa maneira, culturalmente impostas. A relação de mulheres e suas guerrilhas urbanas surge no sentido do habitar a cidade, mas também como luta e subversão dos conceitos de margem, limite e fronteira. A premissa desse trabalho sempre foi pensar em maneiras de elucidar as questões das mulheres na cidade e trazer o reconhecimento para elas de potenciais agentes que constroem cidade. Sendo assim, a pesquisa sobre intervenções nos espaços públicos também aponta para estratégias de rompimentos e atravessamentos dessas barreiras causadas pelas assimetrias do direito à cidade.
Vagão feminino no metrô de Brasília. Disponível em: <http://agenciabrasil. ebc.com.br/geral/noticia/2014-04/vagao-feminino-do-metro-da-seguranca-mas-e-resolve-o-machismo> Acesso em: 10 mai 2019.
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CAMINHO
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Foto: Keila Ă urea
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PROCESSO
A pesquisa se inicia devido as inquietações sobre os deslocamentos das mulheres na cidade e como a percepção de segurança durante o caminhar faz parte de um imaginário subjetivo às mulheres. Dessa maneira, procura-se relacionar como a arquitetura e urbanismo pode contribuir para a construção de ambiências sensíveis às demandas das mulheres na cidade. O planejamento e a mobilidade urbanos precisam estar atentos às dinâmicas das mulheres, como elas se comportam em um espaço que não é pensado para acolhê-las e apreender, também, as potências de um caminhar resiliente e baseado no improviso, o que significa se adaptar e tomar decisões de acordo com o cenário percebido. O objetivo é unir estratégias que possam repensar modos de habitar a cidade segundo uma perspectiva de gênero para assim caminhar em direção à um método que garanta o direito à cidade para as mulheres.
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REFERÊNCIAS ATIVISMO: A proposta de trazer referências do ativismo de mulheres pretende buscar debates sobre a invisibilização delas em diferentes contextos. O slam das minas traz a poesia como um instrumento de batalha no espaço público, bem como apresenta um debate sobre corpo e espaço, e o último vem carregado de vivências, de cidades. Já o feminicidade, por meio de conversas, entrevistas e a materialização das histórias de mulheres em lambes, expõe diferentes narrativas e afirmam que todas as vivências importam. A intervenção não só modifica a percepção sobre o espaço, mas promove encontros de mulheres pela cidade que durante os seus caminhares possam se identificar com as narrativas ali expostas. As Guerrillas Girls, por sua vez, também estão preocupadas em promover a visibilização das mulheres. O coletivo feminista nasceu na década de 80 nos EUA e desde então elas promovem intervenções artísticas por meio de posters que elucidam a discriminação no mundo artístico. As integrantes se autonomearam como guerrilheiras devido aos métodos de guerrilha que adotavam, como sair pelas ruas de Nova York e colar cartazes em locais proibidos, por exemplo. Além disso, utilizavam táticas para chamarem atenção e aproximarem as pessoas, como uma linguagem já utilizada na publicidade, humor, ideias transgressoras, e releituras de obras conhecidas, sempre com o objetivo de provocar um debate e subverter um contexto artístico que não dava espaço para as minorias. Durante a pesquisa sobre referências, o ativismo se mostrou como uma potência para a aproximar as mulheres, conectar histórias e construir redes pela cidade.
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Muito interessa nesse trabalho explorar estratégias de intervenção na cidade que permitam a construção de espaço com o próprio corpo das mulheres, o que significa dizer que o material de trabalho é também o corpo, onde esse é carregado de um repertório que pode produzir análises e ideias para a cidade segundo a sua historicidade.
https://ihateflash.net/zine/primeiro-slam-das-minas-rio-de-janeiro
https://catracalivre.com.br/cidadania/dia-da-mulher-coletivos-espalham-cartazes-com-historias-inspiradoras-pelas-ruas-das-cidades/
http://www.smilepolitely.com/splog/artist_talk_ not_ready_to_make_nice_28_years_of_the_guerrilla_girls/
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REFERÊNCIAS ANÁLISE URBANA SEGUNDO A PERSPECTIVA DE GÊNERO: Durante a busca de referências no campo da arquitetura e urbanismo, o trabalho desenvolvido pela arquiteta Zaida Muxi foi melhor explorado e principalmente a sua contribuição com Col·lectiu Punt 6. O manual desenvolvido possui o objetivo de realizar um acompanhamento de qualidade urbana segundo a perspectiva de gênero e para isso a metodologia se organizou em três eixos principais, sendo o primeiro chamado de Diagnóstico Urbano Participativo, onde se desenvolveu ferramentas qualitativas sensíveis ao gênero, com o objetivo de obter dados necessários para a análise do espaço, e isso incluiu as experiências das pessoas, observações participativas e compartilhadas em dinâmicas e entrevistas. O segundo eixo chama-se Avaliação do Espaço Urbano e um sistema de indicadores de tipos de espaços, sendo esses avaliados segundo qualidades urbanas. Por fim, o terceiro trata-se da Avaliação da Gestão Urbana e o desenvolvimento de indicadores que servirão para uma construção de análise transversal de camadas de gênero em determinado contexto socioespacial.
Diagnóstico Urbano Participativo
Avaliação do Espaço Urbano
Avaliação da Gestão Urbana
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Informação
Descrição e Análise
Compartilhamento de experiências
Por sua vez, o guia de análise urbana com a perspectiva de gênero, também desenvolvido pelo Col·lectiu Punt 6, tem como objetivo principal visibilizar as mulheres em sua diversidade e também como agentes na construção de cidade. O coletivo possui um desejo de disponibilizar o guia para que, de maneira acessível, as mulheres possam exercer uma autonomia, transformar e fazer melhorias em seus bairros e cidades onde vivem. A metodologia de construção desse material é participativa, uma vez que a construção do mesmo é realizada por meio dos dados, experiências e visões das mulheres, afinal elas estão trabalhando, como explicita o título. O guia é uma valiosa ferramenta de empoderamento da cidade segundo o gênero, onde a partir das análises, geração de percepções e ideias compartilhadas, as mulheres são incentivadas a possuir uma autonomia incomum ao seu cotidiano, mas que resultará em expressivas transformações na qualidade de vida na cidade. Há também uma divisão de atividades no guia, como indicado na representação ao lado.
Continuação do trabalho realizado (memória e análise)
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URBANISMO TÁTICO
Seguindo o raciocínio da busca por estratégias, o urbanismo tático se apresentou como um caminho para um método de análise e intervenção na cidade, onde ocorre a aproximação da escala corpo na produção de espaço, bem como possibilita encontros eventuais. Sendo assim, um estudo sobre a aplicabilidade do conceito de urbanismo tático, que consiste em ações rápidas, de baixo custo e que demonstram a possibilidade de mudanças, definiu algumas diretrizes organizacionais sobre o método a ser desenvolvido e as experiências que se propõe nesse trabalho. Ao relacionar o lugar de guerrilheira urbana das mulheres na cidade e a linguagem do urbanismo tático, foi possível conectar conceitos como o das ações de guerrilha. Portanto, define-se aqui um atravessamento de ideias para a proposição de uma ação de guerrilha feita por mulheres. A estratégia tem com objetivo integrar saberes da cidade próprios dos usuários, de modo que a aproximação da escala corpo possa instigar mudanças e oferecer ideias locais para os desafios do planejamento urbano. (LYDON & GARCIA, 2015) Dessa maneira, a ação de guerrilha pode ser compreendida segundo uma escala tempo do urbanismo tático, como uma etapa efêmera (horas ou dias), onde há a realização de uma intervenção manifesto, um exercício do direito à cidade. Já na etapa temporária (meses), com um engajamento do poder público, organizações sem fins lucrativos e a participação social, é possível desenvolver um projeto protótipo, teste, com o objetivo de estudar as soluções in loco, para, enfim, na fase permanente, haver a concretização das camadas anteriores. Com isso, compromete-se aliar teoria e prática, experi-
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mentar a fase efêmera, a ação de guerrilha, e analisar as manifestações in loco para desenvolver um projeto de intervenção temporária, o que também pode ser considerado como uma experimentação da metodologia como um todo.
http://intervencoestemporarias.com.br/intervencao/soupedestre/
https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/projetos-urbanos/centro-aberto/rua-galvao-bueno/
https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/ prefeito-inaugura-segunda-etapa-de-requalificacao-do-rio-vermelho-nesta-sexta/
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METODOLOGIA
Desde o início a inquietação permeia sobre a invisibilização da temática de gênero na comunidade acadêmica ou, quando visibilizada, muitas vezes é compreendida como um tema tão específico que não desperta o interesse de todos. Sendo assim, a decisão de sistematizar e pensar no processo dessa pesquisa como a criação de um método fez-se necessária dado o cenário atual. Com isso, compreende-se que é preciso criar um caminho pragmático que atravesse diferentes camadas e processos de projeto para, enfim, a temática de gênero ser vista como um requisito nos desenhos, teorias e análises. A proposta aqui é criar esse caminho e, por essa razão, a apresentação de um caderno de processos dá conta de difundir um material que contribua para os estudos de gênero no campo da arquitetura e urbanismo. O caráter experimental da metodologia também tem como objetivo a difusão da temática. Dessa maneira, a criação de diferentes etapas e suas experimentações propõe uma construção de pesquisa que alia teoria e prática. Durante o processo foi utilizada a rede social Instagram para compartilhar algumas experimentações da metodologia, planejando também a visibilização e o rompimento de algumas barreiras acadêmicas. O perfil @sororidadeurbana, embora não tenha tido um grande crescimento em números, obteve interações com alguns coletivos ativistas e pessoas que se interessaram pela iniciativa, além de estabelecer um contato mais próximo com as #mulherescolaboradoras, as quais foram essenciais no processo colaborativo e participativo da metodologia proposta. Para apresentar as fases a seguir, cria-se um diagrama do método. Com isso, é possível perceber a não lineari-
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dade do processo metodológico e reconhece-lo como um sistema fluido e que, de certa maneira, se retroalimenta, onde há de se revisitar as experiências e conceitos definidos em etapas anteriores. Um exemplo disso é a ação de guerrilha, que utiliza das categorias para pensar as ferramentas de intervenção e fazer a análise pós-ação para desenvolver ações projetuais.
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METODOLOGIA IDENTIFICAÇÃO: Identificar para compreender e alargar o espectro do observador, essa fase teve como referência a atividade desenvolvida na bibliografia Atlas Ambulante, uma pesquisa sobre cartografia itinerante dos vendedores ambulantes em Belo Horizonte, que devido ao desejo de analisar os caminhos desses corpos, apresentou, também, uma experiência fotográfica como uma alternativa para ampliar os olhares da cidade que transita. Como a primeira fase da metodologia, entende-se que a proposta de incluir mulheres no processo de pesquisa é uma decisão projetual que compreende a importância de outros saberes, experiências e recortes, onde a subjetivação dos corpos também se mostra fundamental na construção de diagnósticos qualitativos em relação à cidade, garantindo assim, uma metodologia segundo a perspectiva de gênero. Primeiramente, foi feito um ato de convocatória nas redes sociais e a criação de um perfil no Instagram. As inscrições, realizadas por meio de uma ficha de inscrição online, constituiu um banco de dados das #mulherescolaboradoras, sendo essas informadas e instruídas sobre a atividade experimental #01: Registros Cotidianos. Os Registros Cotidianos, assim chamados por serem fotos registradas durante os trajetos diários das #mulherescolaboradoras, foram resultados de uma proposta que buscou sensibilizar as mulheres sobre os seus percursos, onde apenas com um aparelho fotográfico fosse possível denunciar situações, antes já naturalizadas pelo cotidiano. A ideia inicial foi registrar pontos positivos e negativos, entretanto, os olhares foram majoritariamente para os pontos problemáticos da cidade. A atividade dos registros permeia uma construção parti-
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cipativa, onde a coleta dos diferentes olhares gerou insumos para uma análise urbana. Dessa maneira, foi possível identificar as problemáticas das mulheres na cidade, essas, a serem melhor compreendidas durante a pesquisa. Seguindo o processo de análise, após duas semanas de registros, as #mulherescolaboradoras compartilharam os seus olhares e assim foi possível, em um primeiro momento, analisar as fotos em conjunto, por meio de conversas, para melhor entender as denúncias registradas. Em um segundo momento, após tomar nota sobre cada denúncia, percebeu-se que seria necessário sistematizar os registros, de modo que agrupar algumas percepções, com atenção nos percursos cartografados, foi essencial para o levantamento de uma hipótese: A experiência das mulheres na cidade, embora em diferentes contextos e vivências, faz com que o caráter das denúncias seja de uma constante problemática em trânsito. A percepção de um entendimento hipotético sobre as denúncias das mulheres em trânsito se deu, apesar da pluralidade de caminhos, devido a repetição dos registros de maneira categórica. A partir desse momento a fase da identificação apontou para uma próxima etapa, uma investigação e enfim uma definição de categorias de análise pragmáticas ao ponto de serem aplicadas nos processos de projeto e análise urbana. É importante relembrar que durante o processo da identificação e a criação de categorias utiliza-se estrategicamente o singular, as percepções das #mulherescolaboradoras como uma representação de anseios que fazem parte de um coletivo. Segundo Saffioti (2004), o reconhecimento dos recortes
no contexto do Brasil e os seus encontros contribui para uma pesquisa feminista que pretende enfrentar o desafio da apreensão da diversidade sem perder-se na fragmentação ou num discurso universalista. Sendo assim, vale identificar e localizar as #mulherescolaboradas, essas foram majoritariamente jovens da área de arquitetura e urbanismo, entre 23 a 27 anos e que residem, num sentido de grupo, de maneira espraiada na cidade do Rio de Janeiro. Para organizar as inscrições e apresentar a espacialização de cada uma, foi necessário representar graficamente um mapa tanto dos seus deslocamentos rotineiros, como das suas denúncias durante a atividade dos #registroscotidianos.
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METODOLOGIA IDENTIFICAÇÃO:
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1) Inscrição 2) Registros 3) Mapeamento dos trajetos 4) Compartilhamento de experiências 5) Anotações sobre cada registro 6) Sistematização de padrões 7) Categorização das denúncias
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METODOLOGIA CATEGORIAS: A intenção desse trabalho sempre foi buscar uma interseccionalidade em detrimento de uma visão universalista e simplista, e para tal análise e espessura de dados, adota-se atividades colaborativas para o desenvolvimento da pesquisa e a construção de um pensamento a partir de camadas sobrepostas. As pesquisas científicas e quantitativas fornecem a base e definem problemáticas pontuais na cidade do Rio de Janeiro, enquanto a proposta de participação das #mulherescolaboradoras durante a atividade #registroscotidianos, agrega na sobreposição de uma análise qualitativa segundo as vivências dessas mulheres. Com isso, a metodologia compreende a categorização como uma etapa chave ao entender que, apesar das denúncias das mulheres apresentarem diferentes graus nos seus deslocamentos pela cidade, há uma sugestão de um caráter de recorrência. Portanto, define-se que as denúncias das mulheres possuem uma característica de constante problemática em trânsito, uma vez que a cidade reage aos corpos das mulheres de maneira análoga, embora haja graus de urgências. Como já apontado anteriormente, a necessidade de desenvolver uma linguagem pragmática está conectada com a urgência de visibilizar a temática de gênero nos estudos de arquitetura e urbanismo. Desse modo, durante essa etapa as categorias surgem como uma ferramenta de leitura da cidade segundo à perspectiva de gênero e contribui para a construção de um método. Sendo assim, a intenção é oferecer, também, uma base cartográfica para mapear oportunidades de intervenção na cidade, e com o objetivo de conectar teoria e prática, mais uma vez, propõe-se experienciar a aplicabilidade das categorias na
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cidade. São as categorias: PERMEABILIDADE A categoria analisa os limites visíveis e invisíveis (construídos ou não construídos) durante o caminhar da mulher, o grau de desconforto durante o percurso e o nível de insegurança por meio de um estreitamento de passagens entre barreiras. Quanto mais permeável o espaço/percurso for, mais agradável e seguro será para as mulheres. PREVISIBILIDADE A categoria analisa o campo de visão do pedestre, os obstáculos durante o caminhar e a morfologia das esquinas. Quanto maior previsibilidade durante a caminhada, mais agradável será esse espaço/percurso. VITALIDADE A categoria analisa a diversidade em equilíbrio de atividades em um espaço/percurso. Entende que a vitalidade de um ambiente funciona como catalisador de pessoas e referência de sensação de segurança. Analisa também a relação de térreo dos edifícios com as calçadas. Mas vale ressaltar que foi constatado que o tumulto não exprime segurança às mulheres. Quanto maior a vitalidade, mais seguro e confiável será esse espaço/percurso. AUTONOMIA: A categoria analisa a infraestrutura dos suportes públicos e equipamentos urbanos como influenciador nas tomadas de decisões das mulheres durante o caminhar.
Quanto mais estruturada a cidade, mais autônoma a mulher se sente. REPRESENTATIVIDADE A categoria analisa a identificação e associação da mulher em relação aos espaços/percursos e as atividades presentes. A diversidade de pessoas e a maior representatividade de semelhantes exprime segurança e conforto ao caminhar e vivenciar o espaço. RELACIONALIDADE A categoria analisa a interação das mulheres com o espaço e suas atividades. Quanto maior for a diversidade de possibilidades de relações, tem-se uma maior potência do espaço como ponto de encontro de referência e permanência.
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METODOLOGIA CARTOGRAFIAS: A decisão de investigar os deslocamentos das mulheres, bem como a sua espacialização na cidade do Rio de Janeiro e por vezes na região metropolitana, guiou o trabalho para compreensão da cartografia como um caminho para a investigação. O caráter investigativo se viu em um contexto de apreensão de camadas, não apenas quantitativas, mas também qualitativas, e para isso a pesquisa “Pistas do Método da Cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade”, relacionada ao campo da psicologia, se inseriu nesse trabalho, para fundamentar o papel da cartografia. Durante a leitura foi possível entender que a cartografia possui um papel de caminho para o método, sendo assim uma reversão metodológica, onde o caminho aponta para o método, e por essa razão, acredita-se que a construção de uma cartografia aliada às percepções das mulheres na cidade, assim como os índices quantitativos, constrói uma investigação processual e contínua. Dessa maneira, o caráter em devir desse trabalho, contribuiu para um caminho que abre possibilidades sobre a perspectiva de gênero na análise urbana e processos de projeto. Segundo Deleuze e Guattari em 1995, o sentido da cartografia baseia-se no acompanhamento de percursos, implicação em processos de produção, conexão de redes ou rizomas”. “A cartografia surge como um princípio do rizoma que atesta, no pensamento, sua força performática, sua pragmática: princípio “inteiramente voltado para uma experimentação ancorada no real” (Deleuze e Guattari, 1995, p. 21)
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Nesse sentido, a experimentação de um processo tem como proposta um certo desejo em prototipar, testar, colocar em prática um desenvolvimento teórico sobre análise urbana segundo a perspectiva de gênero. Sendo assim, a cartografia não somente possui o papel de acompanhar processos, mas também investigativo, para que seja possível mapear oportunidades de experimentação de um método, ou melhor, um desenvolvimento de um método. Seguindo o raciocínio sobre experiências, é importante conectar pesquisas, o que significa dizer que quando Heleieth Saffioti, durante o artigo “Violência de gênero: o lugar da práxis na construção da subjetividade”, fala sobre como o singular representa os anseios do coletivo, é possível entender que, como sugere Gilbert Simondon (1989) sobre os processos de individuação, há um diálogo com a ideia de que “O indivíduo é, então, uma fase do ser que supõe uma realidade pré-individual que o acompanha. Portanto, o trabalho “Mulheres e suas guerrilhas urbanas” se compromete a construir de maneira sensível as individualidades, ao subjetivo, ao singular, mas estrategicamente procura compreender o coletivo, o fundo cultural opressor que permeia a vida das mulheres, bem como a realidade pré-individual. Sendo assim, durante a fase das cartografias, determina-se algumas camadas para formular a investigação, com o objetivo de compreender a dinâmica da vida das mulheres, os seus deslocamentos em um contexto de violência urbana e violência de gênero e que seja possível aplicar, também, experiências propostas durante o desenvolvimento do método.
Foram seis camadas analisadas: 1- letalidade urbana 2- transporte público ferroviário de massa 3- violência contra a mulher 4- suportes de amparo à mulher 5- deslocamentos das mulheres colaboradoras 6- denúncias durante a atividade dos registros cotidianos.
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METODOLOGIA CARTOGRAFIAS: De acordo com o levantamento geográfico fornecido pela Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, o índice de letalidade urbana é compreendido por delitos que são: homi-cídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e morte por intervenção de agente do Estado. Entretanto, cada delito possui uma categoria detalhada, dentre elas encontra-se o feminicídio. Dessa maneira, a intenção de investigar os delitos em sua totalidade e a sua espacialização, tem como objetivo compor um estudo sobre os espaços violentos na cidade do Rio de Janeiro.
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METODOLOGIA CARTOGRAFIAS: A questão dos deslocamentos das mulheres foi, desde o início, uma dinâmica a ser observada, sendo assim, o mapeamento do transporte ferroviário de massa (trem e metrô), bem como a espacialização das suas estações se apresentam como um dado que dialoga com um movimento pendular que muitas mulheres possuem em sua rotina. Ainda sobre os trajetos cotidianos das mulheres, é importante observar os pontos nodais desses transportes, uma vez que esses representam um palco de importunações sexuais. Portanto, essa camada da cartografia se propõe a observar transversalmente a violência contra a mulher e a relação com o transporte público.
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METODOLOGIA CARTOGRAFIAS: A violência contra a mulher permeia algumas categorias: estupro, violência doméstica, feminicídio, violência online e importunação sexual. Esses dados foram sistematizados pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher para o a realização do Mapa da Violência Contra a Mulher (2018). Durante a pesquisa foi necessário revisar como a temática da violência contra a mulher aparece em números e o que cada categoria representa. Segundo o mapa supracitado, a cada 17 minutos uma mulher é agredida fisicamente no Brasil. De meia em meia hora sofre violência psicológica ou moral. A cada 3 horas, alguém relata um caso de cárcere privado. Toda a semana 33 mulheres são assassinadas por parceiros antigos ou atuais. O ataque online é semanal para 75% das vítimas, situação que se repete por até cinco anos. Para um melhor entendimento da gravidade dessas categorias, apresenta-se aqui uma breve explicação sobre o que elas representam. O crime de estupro é definido como qualquer conduta, com emprego de violência ou grave ameaça, que atente contra a dignidade e a liberdade sexual de alguém e principalmente sem o consentimento da vítima. A violência doméstica é todo tipo de agressão praticada entre os membros que habitam um ambiente familiar em comum. O feminicídio é o homicídio de mulheres, onde a mulher é morta por violência doméstica ou familiar, ou por discriminação pela condição de ser mulher. Já a violência online configura os crimes contra a honra, episódios de cyberbullying e revenge porn são muito frequentes com mulheres, levando-as até ao suicídio. E por fim, a importunação sexual que é tão notada nos transportes públicos é configurada pela práti-
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ca de ato libidinoso contra alguém sem o consentimento dessa pessoa. A questão quantitativa evoca a necessidade de entender também os índices segundo uma espacialização. O mapeamento representado compreende os registros de violência doméstica e feminicídio na cidade do Rio de Janeiro. O objetivo é espessar o diagnóstico e atentar o olhar para os espaços de violência de gênero.
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METODOLOGIA CARTOGRAFIAS: A principal referência para esse mapeamento proposto foi o Mapa do Acolhimento, desenvolvido também com o apoio da revista AzMinas e por meio de um crowdfunding e apoiadores. É um mapa que fornece informações sobre os suportes de amparo às mulheres a nível nacional. A intenção de aproximar a escala do mapa na cidade do Rio de Janeiro sugere um caminho que consiga unir transversalmente onde esses suportes se localizam, se eles dão conta da demanda que lhes é sujeitada e qual seria a relação deles com a dinâmica das mulheres na cidade. Durante a pesquisa algumas perguntas foram feitas: Os suportes são de fácil acesso? Eles possuem alguma sinalização informativa pela cidade? As mulheres se sentem acolhidas sabendo que existe algum suporte de amparo durante os seus trajetos pela cidade? Qual é o papel de cada suporte de amparo? Para além dos suportes públicos, a pesquisa direcionou um olhar para o potencial existente na reunião de mulheres para criar uma rede de amparo. Dessa maneira, foi uma decisão natural a procura por um mapeamento de coletivos feministas, os quais desempenham um papel de conexão mais profundo com as mulheres, para que elas possam compartilhar histórias e pensarem ativamente em caminhos para subverter uma lógica hegemônica que estrutura a sociedade e reforça a violência de gênero. O levantamento dos coletivos feministas utilizou como referência o trabalho desenvolvido pelo Coletivo Mamu (Mapa de coletivo de mulheres) que envolve coletivos, organizações, movimentos, grupos e projetos brasileiros que tem como foco as mulheres, o feminino, o feminismo, ciclos, ritmos, reivindicações e lugares na sociedade.
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METODOLOGIA CARTOGRAFIAS: A atividade proposta na Identificação, primeira fase da metodologia, deu conta de mapear os deslocamentos das #mulherescolaboradoras, de maneira a apreender a espacialização desses corpos pela cidade. Nesse momento, a cartografia permite não apenas visualizar os possíveis caminhos que essas mulheres fizeram durante a atividade, mas compõe uma camada na análise cartográfica que possibilita uma diversidade de experiências na cidade.
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METODOLOGIA CARTOGRAFIAS: Assim como a camada dos deslocamentos das #mulherescolaboradoras, os registros cotidianos foram mapeados durante a configuração dos caminhos percorridos na atividade proposta. A partir da investigação dos registros, como já foi apontado na primeira fase da metodologia, levanta-se uma hipótese sobre as denúncias das mulheres serem uma constante problemática em trânsito, uma vez que as queixas se deram, apesar da pluralidade de caminhos, por meio de uma padronagem frequente, como se as problemáticas das mulheres na cidade estivessem encarnadas nelas próprias, como uma condição do “ser mulher na cidade”.
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METODOLOGIA CARTOGRAFIAS: O próximo passo dessa fase de cartografias e registros se compromete em unir as espessuras das informações coletadas até o momento para encontrar oportunidades. As oportunidades são aqui compreendidas como possíveis recortes potenciais para intervenção na cidade do Rio de Janeiro, onde foram aplicados os seguintes critérios para a sua definição: alto índice de letalidade urbana e de violência contra a mulher, proximidade com transportes coletivos de massa, presença de suportes de amparo a mulher e participação das mulheres colaboradoras. No desenvolvimento do diagnóstico foram mapeadas 4 (quatro) oportunidades, seguido de uma leitura de altos e baixos, os quais foram definidos nesse trabalho como uma possível arritmia urbana, que metaforicamente define-se como um desequilíbrio no que concerne o direito à cidade para as mulheres. Por meio desse diagnóstico, o espectro observador permitiu visualizar, em uma escala macro, o descompasso entre os espaços de amparo à mulher e os vazios existenciais das mulheres na cidade, sendo os vazios compreendidos como os locais mais inseguros e violentos na cidade do Rio de Janeiro. Ainda nessa fase de diagnóstico é necessário entender, agora em outra escala, que oportunidades são essas, por exemplo: quais são as suas dinâmicas ao tato do caminhar. Dessa maneira, a cartografia desempenha um papel de ferramenta de leitura na cidade que, a priori, pode ser vista como distante do corpo, entretanto, abre um caminho para a percepção de uma escala flexível, onde a apreensão das camadas consegue se expressar e se espessar, seja nos índices quantitativos ou seja na espacialização das denúncias das #mulherescolaboradoras
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Foi a partir da compilação de tais camadas que a leitura de um diagnóstico espesso visibiliza oportunidades e, por consequência, alguns recortes em potencial. Portanto, após “encontrar” tais oportunidades, o espectro tem a necessidade de flexibilizar a escala e se aproximar do caminhar, com o objetivo de compreender esse espaço e quais são as suas urgências. Nesse momento, a metodologia é colocada no campo da experiência novamente, de modo a ser possível utilizar as categorias de análise urbana segundo a perspectiva de gênero já definidas anteriormente; mas agora não apenas com o olhar de pesquisadora mulher, que também é constituída de imaginários singulares, mas sim por meio de um espectro do coletivo.
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METODOLOGIA CARTOGRAFIAS:
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METODOLOGIA CARTOGRAFIAS: Durante a compilação das camadas foi possível mapear zonas de oportunidades a serem investigadas, e aqui define-se a oportunidade #4, a opção vista como a mais viável no contexto da pesquisa. A escolha da oportunidade #4 se deu por meio dos seguintes critérios: presença de algum suporte de amparo, alto índice de letalidade urbana, alto índice de violência contra a mulher, proximidade com infraestrutura de transporte ferroviário e por fim, a presença das #mulherescolaboradoras durante a atividade dos registros. Os critérios se definiram ao passo que o diagnóstico apontou para os espaços potenciais, como “picos positivos”, esses representados metaforicamente a uma ideia de arritmia urbana, no que diz respeito a oportunidade de subverter a naturalização de um contexto violento estruturado na cidade do Rio de Janeiro. A ideia de oportunidade também permeou uma percepção sobre como os suportes de amparo poderiam simbolizar, e de fato, serem um apoio necessário para a construção de uma consciência coletiva sobre o direito à cidade para as mulheres. Considerando a aplicabilidade da ação de guerrilha, próxima fase da metodologia, a partir desse momento a pesquisa entende a necessidade de investigar em outra escala, mais próxima do caminhar, a aplicabilidade das categorias antes definidas; se estabelece, assim, uma experimentação do método em desenvolvimento. A partir de uma deriva pessoal representada no mapeamento ao lado, as apreensões durante o trajeto consideram as percepções e análises fotográficas, não apenas com o olhar de pesquisadora mulher, que é dotado de subjetividade e experiências singulares, mas que reconheçam a constituição de um cenário pré-indentitário, o qual acompanha as mulheres na cidade.
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METODOLOGIA AÇÃO DE GUERRILHA: O caminho para o método proposto é desenvolvido por meio de experiências e por isso, neste momento, se faz necessário revisitar a cronologia desse processo. Primeiramente, houve o interesse em investigar as diferentes narrativas urbanas das mulheres, sendo assim, a primeira atividade desenvolvida foi chamada de “Registros cotidianos”, onde foi proposto às #mulherescolaboradoras, por meio de registros fotográficos, que elas apresentassem denúncias e aspectos positivos durante os seus trajetos diários. A partir da investigação dos registros, levanta-se uma hipótese sobre as denúncias das mulheres serem uma constante problemática em trânsito e assim cria-se categorias das denúncias, com o objetivo de sistematizar uma análise urbana segundo a perspectiva de gênero. A categorização aponta para soluções no campo da arquitetura e urbanismo, uma vez que é possível, agora, organizar um material que possa ser aplicado em análises urbanas e proposições projetuais. Nesse momento, há um desejo de experimentar as categorias em análises e buscar estratégias que possam convertê-las em ações projetuais. Ainda sobre experienciar a metodologia, as referências sobre as vivências das mulheres no espaço público e o ativismo nas ruas indicam ações práticas para garantir o direito à cidade. Desse modo, o urbanismo tático surge como uma estratégia de intervenção na cidade. As ações táticas, próximas ao corpo, e agora segundo a perspectiva de gênero, referenciam o processo de relação entre indivíduo e espaço de Merleau Ponty, 1999. Portanto, ao compreender que apesar do fundo cultural de opressão, exclusão e de violência contra a mulher, é
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possível revelar o lugar de guerrilheira urbana a todas as mulheres na cidade. O conceito de guerrilha está presente também no urbanismo tático, e com isso inicia-se uma investigação sobre de que maneira o estudo desenvolvido poderia ser transformado em uma ação de guerrilha feita por mulheres. Ação essa como uma intervenção prática, que fosse possível construir narrativas, reafirmar o lugar de guerrilheira urbana das mulheres, elucidar as demandas das mulheres no campo e convergir as vivências de diferentes repertórios em um mesmo espaço e tempo. Com o objetivo de colocar em prática mais uma vez a metodologia, propõe-se traduzir as categorias em ferramentas de intervenção na cidade, e para isso cria-se um dispositivo de intervenção, uma bolsa, objeto esse tão comum aos corpos das mulheres. Para concretizar a experiência de uma ação de guerrilha, a investigação se dedica também às cartografias, um processo de análise e compreensão da cidade do Rio de Janeiro, com o objetivo de encontrar um trajeto para o evento/intervenção. Dessa maneira, chega-se a fase de organização da ação de guerrilha para enfim realizar uma ação prática. A estratégia de encontrar ferramentas que sugerem soluções na cidade segundo as categorias levantadas, teve como referência uma ideia de projeto realizado pelo LabIT (Laboratório de Intervenções Temporárias e Urbanismo Tático/PROURB) em 2016 para a exposição RESPECT is Changing Perceptions. A “Rua Fulana de Tal” se propõe como uma intervenção itinerante entre ativistas e população com o objetivo de saber como as mulheres percebem o espaço público.
A ação aconteceria como uma tática a ser performada coletivamente, onde os registros após a intervenção seriam sistematizados para orientar o poder público sobre as reais demandas das mulheres na cidade.
Referência: Rua Fulana de Tal
RESPECT is Changing Perceptions. Disponível em:<http://designingpolitics.org/designing-respect/galeria/rua-fulana-
de-tal/> Acesso em: 04 mai. 2019
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METODOLOGIA AÇÃO DE GUERRILHA: A partir dessa ideia sobre uma autonomia das mulheres na cidade, onde elas poderiam, de fato, acessarem a cidade com as próprias mãos, surge a iniciativa de construir a bolsa com ferramentas de intervenção, de modo que a metodologia encontre as percepções/desejos das mulheres, agora materializadas, num espaço público. Há também o desejo de trazer uma conscientização tanto para as mulheres que estão intervindo ativamente no espaço, mas também para as pessoas que transitam no local da intervenção. Sendo assim, acredita-se que os registros durante a ação possam indicar uma reverberação do efêmero entre as #mulheresguerrilheiras, a população e o espaço modificado. Portanto, como já havia sido sinalizado anteriormente, o urbanismo tático indica uma escala tempo das intervenções na cidade. Dessa maneira, a ação de guerrilha foi considerada como efêmera, e ao caminhar para uma escala temporária de projeto, acredita-se que o manifesto da ação possa gerar insumos para o desenvolvimento de um projeto de intervenção temporária para o trajeto escolhido na oportunidade #4. As ferramentas escolhidas e associadas às categorias de análise foram: tinta spray lavável, stencil, lanterna, fios de led, barbante, post-it, pregadores, adesivos com frases e sem frases, caneta permanente, fita adesiva vermelha, colorida e refletora, balão amarelo, suporte para balão, giz p/ quadro e guarda chuva. É possível perceber a seguir a pluralidade de usos e associações das ferramentas para com as categorias.
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OPORTUNIDADE
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Foto: Keila Ă urea
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AÇÃO EFÊMERA 1º DIA DA GUERRILHEIRA URBANA: MULHER CONSTRUINDO CIDADE Este capítulo trata das oportunidades, bem como a aproximação delas, o que significa dizer que estão aqui representadas com uma certa concretude. Sendo assim, a espessura do desenvolvimento da metodologia, a ação de guerrilha proposta, que é efêmera, dá corpo nesse momento ao 1º Dia da Guerrilheira Urbana: mulher construindo cidade, o qual ocorreu no dia 31 de agosto de 2019, um sábado ensolarado e repleto de subversões. O primeiro passo foi realizar um ato de convocatória nas redes sociais, o que gerou 27 inscrições de mulheres entre 21 a 29 anos, estudantes de arquitetura, design, engenharia e medicina, sendo algumas já graduadas. É importante elucidar que o caráter experimental e alguns limites entre logística, alcance nas redes sociais e orçamentário, não se consegue garantir uma amostragem significativa entre a população feminina da cidade do Rio de Janeiro. Entretanto, o trabalho não se propõe a isso, uma vez que provoca uma temática invisibilizada no campo da arquitetura e urbanismo, bem como no ambiente acadêmico presente, sendo a ideia, portanto, de apresentar questões qualitativas na análise urbana para assim construir um caminho que respeite a perspectiva de gênero nos processos de projeto. Com as inscrições oficializadas, o trabalho volta-se para a confecção das bolsas, sendo 15 dispositivos no total, com as mesmas ferramentas e em igual quantidade. A intenção foi de minimizar a perda de material e incentivar o compartilhamento deles no dia da ação. É importante sinalizar que como as mulheres são colaboradoras, elas participaram ativamente também em algumas decisões sobre a montagem das bolsas, de maneira que se propôs uma consulta, via questionário online, so-
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bre as possíveis ferramentas e a sua adequação em relação as usuárias. Por conseguinte, o manifesto foi colocado em prática e as #mulheresguerrilheiras, mesmo que sob uma ação minimamente dirigida, agiram coletivamente e trocaram experiências e ideias durante algumas horas de ação. A caminhada seguiu o trajeto escolhido anteriormente, com início na esquina da Av. Presidente Vargas com a R. General Caldwell e teve fim no Campo de Santana, ao lado da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ. A construção desse trabalho colaborativo foi feita de maneira gradual e com a intenção de criar um vínculo maior entre as mulheres e a atividade. O diálogo se construiu também pela divulgação da ação na rede social do instagram (@sororidadeurbana) e, também, pelo caráter participativo, todas receberam via e-mail um certificado simbólico de Guerrilheira Urbana. Seguindo um sentido de reverberação e vínculo com o trabalho, pôde-se notar alguns resultados entre as #mulheresguerrilheiras que interagiram de diferentes maneiras com a ação; em especial a Ariane Beltrão, estudante de TFG1 da FAU-UFRJ, que utilizou algumas ferramentas da bolsa em sua deriva pela Rocinha, objeto de estudo do seu trabalho (Ser mulher na Rocinha: um estudo do território através da perspectiva de gênero). A atitude descrita acima pode indicar uma potência desse tipo de abordagem para a discussão de gênero na área de arquitetura e urbanismo em diferentes escalas, uma vez que o dispositivo permiti uma configuração em rede pela cidade, onde, mesmo que sejam intervenções singulares, apontam para a possibilidade de compreender coletivamente as demandas das mulheres em uma esca-
-la de cidade. A difusão do trabalho nas redes sociais também obteve respostas animadoras sobre a iniciativa do 1º Dia da Guerrilheira Urbana e trouxe uma proposta de colab entre alguns coletivos de ativação urbana e as #mulheresguerrilheiras. Entretanto, devido às demandas de prazo dessa pesquisa não foi possível prosseguir com essas propostas; mas reserva-se a intenção de difusão da ação de guerrilha para oportunidades futuras. Por fim, como o planejado, foi possível extrair insumos da ação de guerrilha para direcionamentos projetuais no trajeto realizado, como: visualizar esquinas, subverter barreiras, atravessar com segurança, ocupar calçadas, informar caminhos, conectar espaços, limitar vagas de carro, entre outros que serão definidos durante a Ação Projetual: um projeto de intervenção temporária segundo a perspectiva de gênero.
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AÇÃO EFÊMERA 1º DIA DA GUERRILHEIRA URBANA: MULHER CONSTRUINDO CIDADE
17/11/2019
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Foto: Felipe do Ó
http://intervencoestemporarias.com.br/1-dia-da-guerrilha-urbana-mulher-construindo-cidade/
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CERTIFICADO DE GUERRILHEIRA Certificamos que
_______________________ Ariane Beltrão Rocha na condição de #mulhercolaboradora, participou do 1º Dia da Guerrilheira Urbana: mulher construindo cidade, promovido pela aluna da FAU/UFRJ Cândida Zigoni de Oliveira Landeiro, com o apoio do LABIT (Laboratório de Intervenções Temporárias e Urbanismo Tático), realizado no dia 31 de agosto de 2019.
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Foto: Keila Áurea
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Foto: Fellipe do Ó
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Foto: Keila テ「rea
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AÇÃO EFÊMERA PÓS AÇÃO: A estratégia da experimentação da ação de guerrilha é conseguir traduzir as intervenções manifesto em ações projetuais, e para isso a análise acontece também durante o evento, quando a atenção se volta para os movimentos das pessoas que circulam e interagem ou ignoram a intervenção, assim como para as discussões e ideias das #mulherescolaboradoras nas tomadas de decisões sobre qual material usar e como usá-lo. Já no dia posterior a ação, visita-se novamente o trajeto para a retirada de alguns materiais que poderiam ser transformados em lixo, e nesse momento, há um cuidado em observar quais foram as modificações dos materiais durante esse pequeno intervalo de tempo. Foi notado que visualmente os materiais foram majoritariamente perdidos; seja por pessoas que retiraram ou seja pelo fluxo de carros e pedestres. Conclui-se então, que a ação de guerrilha cumpriu com o seu papel efêmero e mostrou-se potente enquanto intervenção que se manifesta eventualmente em caráter físico. A segunda dinâmica de análise depende dos registros fotográficos/vídeos e por meio de um reconhecimento da espacialização das ações, e assim mapeia-se o trajeto planificado. A partir das intervenções posicionadas é possível associá-las às ferramentas utilizadas, bem como as categorias relacionadas às demandas sinalizadas pelas #mulheresguerrilheiras. Entretanto, para assegurar a relação supracitada se estabelece uma conversa com as #mulheresguerrilheiras sobre as atividades de maneira a receber um retorno das suas reais intenções nas intervenções. Portanto, a análise adquire certa espessura de dados entre fotos, vídeos, conversas e interpretações. A partir desse momento
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é possível estabelecer um mapeamento mais assertivo, o qual sugere caminhos possíveis/ações projetuais para um projeto de intervenção temporária.
Foto: da autora
MAPEANDO INTERVENÇÕES:
RELACIONANDO CATEGORIAS:
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AÇÃO PROJETUAL DIRETRIZES: Nesse momento o desenho preocupado com as análises e respostas obtidas após a ação de guerrilha permite estabelecer algumas ações projetuais que apontam para certos caminhos para um projeto temporário no determinado recorte.
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- Alargar calçadas - Visualizar e ampliar esquinas - Subverter barreiras - Atravessar com segurança - Priorizar o caminhar - Informar caminhos - Conectar espaços - Limitar vagas de carro - Integrar recuos
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AÇÃO PROJETUAL
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Foto: Fellipe do Ã&#x201C;
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obrigada!
Cândida Zigoni de Oliveira Landeiro Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU/UFRJ) 2019