Povoado Cabeço - Primeiro Sitio Arqueológico Subaquático em Sergipe

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ANTIGO POVOADO CABEÇO: O PRIMEIRO SÍTIO ARQUEOLÓGICO SUBAQUÁTICO CADASTRADO EM SERGIPE Ademir Ribeiro Junior (ademir.junior@iphan.gov.br) Superintendência do Iphan em Sergipe Gilson Rambelli (rambelli@arqueologiasubaquatica.org.br) Laboratório de Arqueologia de Ambientes Aquáticos (LAAA) da Universidade Federal de Sergipe Luis Felipe Freire D. Santos (luisfelipe_freire@yahoo.com.br ) Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia (PROARQ) da Universidade Federal de Sergipe Resumen Este trabajo tiene el objetivo de puntuar las dificultades para el registro de los sitios arqueológicos subacuáticos y difundir datos de un estudio que incluyó la inspección técnica de la desembocadura del Río São Francisco, entrevistas con la población local y la investigación documental sobre el antiguo pueblo Cabeço, que hoy está sumergido, haciendole a ser un sitio arqueológico registrado. Introdução O cadastramento de sítios arqueológicos é uma atividade fundamental para o desenvolvimento de ações visando o acautelamento do patrimônio arqueológico. Além disso, ele se configura como um instrumento jurídico de proteção, pois toda área cadastrada como sítio arqueológico passa a ser um bem da União, como define o inciso X do artigo 20 da Constituição Federal. Apesar do cadastro de sítios arqueológicos ter sido estabelecido em 1961 pelo artigo 27 da Lei 3.924 como uma das responsabilidades do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ele só foi implementado de forma integrada e acessível ao público em 1997, com a criação do Sistema de Gerenciamento do Patrimônio Arqueológico (SGPA). E uma das principais diretrizes desse sistema foi à manutenção de um banco de dados, denominado Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA). O CNSA se constitui como uma importante ferramenta de gestão do patrimônio arqueológico, pois além de tornar acessível às principais informações científicas sobre sítios já descobertos, permite mensurar a quantidade de sítios de uma região, verificar o estado de conservação e o grau de integridade, entre outras informações, o que permite subsidiar o estabelecimento de medidas de preservação do patrimônio arqueológico. O presente trabalho se originou de uma vistoria técnica realizada em agosto de 2011, a qual visava responder ao questionamento dirigido à Superintendência do Iphan em Sergipe acerca da existência de valor cultural no Farol São Francisco do Norte. Esse farol encontra-se hoje

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parcialmente submerso, sendo o único ponto visível do antigo povoado Cabeço, situado na Ilha de Arampibe, município de Brejo Grande, Sergipe. O objetivo deste trabalho é divulgar os dados pesquisados sobre esse povoado e pontuar as dificuldades para o cadastramento de sítios arqueológicos subaquáticos, que fizeram com que esse sítio fosse o primeiro do estado de Sergipe a ser cadastrado. A realização de pesquisas arqueológicas na região do baixo São Francisco justifica-se pela importância histórica, atestada pela farta documentação produzida a partir do século XVI, e pelo potencial arqueológico já atestado pelos estudos de arqueologia terrestre (Santos, 2011a). Material e método A vistoria técnica ao Farol do antigo povoado Cabeço foi realizada pelos autores deste trabalho em agosto de 2011, tendo a companhia Sr. Carlos Eduardo Ribeiro, presidente da Canoa de Tolda - Sociedade Socioambiental do Baixo São Francisco. Além da vistoria técnica, foram feitas entrevistas semiestruturadas com alguns moradores da região que residiram no povoado Cabeço ou que possuíam vínculos familiares com os antigos habitantes. Ainda foi feita pesquisa documental em fontes primárias e secundárias, incluindo-se os documentos que fazem parte do processo Iphan nº 10586.002037/1986-45 e os documentos e fotografias presentes nos arquivos da Capitania dos Portos de Sergipe. Resultados e discussões A análise dos dados obtidos permite inferir que o Cabeço era um povoado centenário, cuja principal atividade econômica era a pesca artesanal. A leitura dos mapas que foram produzidos em diferentes épocas constantes dos arquivos da Capitania dos Portos de Sergipe (Pasta nº 1 do Tombo: 15.005-0), assim como os dados de um recenseamento dos moradores feito pela Marinha na década de 1980, permite avaliar que essa comunidade era relativamente populosa para um local de difícil acesso, pois abrigou cerca de 150 famílias, totalizando mais de 400 pessoas. Além do farol, havia outros logradouros públicos, como a igreja, a escola, o cemitério e o porto. Ainda há indicação de ruínas em um mapa produzido em 1974, o que sugere a presença de resquícios materiais de datas mais recuadas, possivelmente do período colonial. A partir de meados da década de 1990 o povoado começou a sofrer intensos processos erosivos pela água do mar. Pouco a pouco, as casas foram sendo atingidas e destruídas, o que obrigou a saída dos moradores. Muitos deles passaram a habitar o povoado mais próximo “Saramém”, localizado a cerca de 4 Km rio acima. Em setembro de 1997 foi publicada uma reportagem (Souza, 1997), na qual constava a informação de que “segundo um relatório técnico apresentado por uma comissão formada para estudar o caso, [o povoado] está Página 2 de 5


sofrendo as conseqüências da diminuição da vazão do rio”, apontando para os impactos trazidos pela implantação das usinas hidrelétricas ao longo do Rio São Francisco. Naquele momento, relata a reportagem, 60 casas já haviam sido destruídas e cerca de 90 famílias ainda resistiam no local, mas viviam angustiadas com o gradativo avanço das águas. Em 1998, quase todo o povoado já havia sido destruído, e a água do mar chegou até o farol, que teve que ser desativado. Para substituí-lo, foi construído o Farol do Peba, que está em funcionamento até hoje no lado alagoano do São Francisco, no município de Piaçabuçu. Atualmente, há poucas casas em uma área que ainda não foi assolada pelo mar. A quase totalidade do antigo povoado está em baixo d’água, sendo que o farol é o único testemunho visível a partir da superfície que documenta que aquela área existiu um dia uma comunidade, hoje submersa entre as águas do Rio São Francisco e do Oceano Atlântico. Segundo as fontes consultadas, desde 1856 a foz do São Francisco foi sinalizada para os navegadores. Primeiramente por um candeeiro que era suspenso durante a noite por um mastro onde hoje é o lado alagoano. Depois, em 1873, esse aparato precário foi substituído pelo atual farol pré-fabricado de 16 metros, construído em chapas de ferro por uma fábrica escocesa. Ele foi importado em um lote de nove faróis que vieram incrementar o sistema de iluminação costeira do nosso país, que naquela época contava com apenas 13 ao longo de todo o imenso litoral. Poucos faróis desse lote ainda existem, como o Farol de Itapuã, que foi tombado em 1973 pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC), no centenário de sua inauguração. Desde que foi inaugurado, o farol de São Francisco do Norte foi assolado pelas marés. Em 1884 ele teve que ser transferido da margem esquerda para o local que atualmente está, pois as dependências de apoio haviam sido invadidas pela água e abandonadas. Desse modo, o farol permanece naquele local há 128 anos e atualmente está com cerca de 20 graus de inclinação, correndo o risco de tombar e ser inundado completamente. O estado atual do farol é preocupante. Quando foi desativado em janeiro de 1998, os equipamentos de iluminação foram retirados pela Marinha e a placa comemorativa de sua inauguração foi enviada para o Museu Naval do Rio de Janeiro. Os documentos da Marinha mostram que esse farol sofreu intervenções reparadoras em 1932, 1957 e 1985. Atualmente ele está bastante oxidado. A parte externa, que sofre contato direto com a água e maresia, está com vários pontos de ferrugem, os quais comprometeram a balaustrada, fazendo-a cair. A parte interna, segundo informações orais da equipe da Marinha que vistoriou o farol naquele mesmo mês, ainda está íntegra e permitiu o acesso até a torre do farol. Desse modo, apesar do estado de conservação desse bem ser bastante ruim, ainda há tempo de restaurá-lo. Página 3 de 5


Com relação às entrevistas com os antigos moradores, todos se mostraram contrários à retirada ou demolição do farol e foram unânimes em reconhecer a importância como marco de resistência e luta dessa comunidade pela permanência no local, além de sua relevância como atrativo turístico e valor histórico desse bem. O fato de um povoado todo ter sido submerso permite inferir que ainda há naquele local indícios materiais de atividades humanas pretéritas. Pretendíamos mergulhar nos arredores do farol e realizar uma inspeção visual do fundo, mas as condições climáticas não estavam propícias no momento da vistoria. Mesmo assim, a Superintendência do Iphan em Sergipe inscreveu essa área como sítio arqueológico submerso e dentro de pouco tempo constará seu registro no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos – CNSA. Assim, a área já pode ser considerada como estando protegida pelo artigo 20, inciso X, da Constituição Federal e pela Lei Federal 3.924/61. O cadastramento de sítios subaquáticos no Brasil ficou por muito tempo esquecido em virtude do próprio distanciamento dos arqueólogos com relação aos ambientes aquáticos. Apesar da Arqueologia Subaquática ter se estabelecido como uma área da Arqueologia na década de 1970, aqui no Brasil os estudos com orientação científica adequada só prosperaram a partir da década de 1990. Até pouco tempo atrás, os sítios subaquáticos, principalmente os de naufrágios, foram dominados pela atividade aventureira e pela pilhagem promovida por amadores e caçadores de tesouro (Rambelli 2002). Desse modo, o cadastramento e a sistematização das informações através de Cartas Arqueológicas Subaquáticas se mostra como uma ferramenta imprescindível para a gestão e proteção desses bens, pois ela pode: “programar futuras ações arqueológicas, atendendo a critérios de prioridade; contribuir para uma visão global do conjunto patrimonial, proporcionando as bases para uma investigação planejada; e principalmente, permitir, através de sua difusão, uma aproximação da comunidade ao potencial patrimonial regional e/ou nacional” (Rambelli

2008: 74).

No estado de Sergipe, o projeto pioneiro intitulado “Carta Arqueológica Subaquática de Sergipe: inventário sistemático do patrimônio cultural subaquático”, vinculado ao Laboratório de Arqueologia de Ambientes Aquáticos da Universidade Federal de Sergipe, coordenado pelo Prof. Dr. Gilson Rambelli e o projeto de mestrado de Luis Felipe Freire Dantas Santos, “Inventário Sistemático do Patrimônio Arqueológico Subaquático do Baixo Rio São Francisco”, que se integra ao primeiro, aumentarão consideravelmente o número de sítios subaquáticos cadastrados no estado e revelarão o diversificado patrimônio arqueológico do estado de Sergipe e, particularmente, da foz do Rio São Francisco, dando voz, através da

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pesquisa arqueológica, a um passado tão rico, que ainda muito pouco conhecemos (Santos, 2011b). Considerações finais O cadastramento do povoado cabeço como sítio arqueológico foi motivado pela pesquisa, que evidenciou os valores atinentes daquela localidade e do farol, os quais podem ser assim descritos: há valor arqueológico, por se tratar de uma área que registra a ocupação da foz do Rio São Francisco desde pelo menos o final do século XIX; há valor histórico, porque o farol documenta o processo de aparelhamento da iluminação da costa brasileira e da evolução tecnológica da navegação brasileira; há valor como componente de paisagem cultural, pois o farol é um elemento que se destaca naquele cenário, identificando e singularizando a foz do Rio São Francisco; há valor afetivo, por se tratar de um bem cultural que aporta lembranças e memórias dos antigos moradores do povoado; e finalmente há valor simbólico, pois os faróis, de modo geral, são universalmente interpretados como símbolos do conhecimento, sabedoria e civilização. É pertinente ainda registrar que a vistoria que desencadeou no cadastro desse sítio motivou a união da Superintendência do Iphan de Sergipe e de Alagoas, do Laboratório de Arqueologia de Ambientes Aquáticos da UFS, do Laboratório GeoRioeMar da UFS, além de outros profissionais e instituições ligadas à pesquisa e ao patrimônio cultural, como a Sociedade Canoa de Tolda, fundando o grupo de trabalho denominado “São Francisco Submerso” que pretende alavancar as pesquisa de arqueologia subaquática naquela região. Referências bibliográficas RAMBELLI, Gilson. Arqueologia até debaixo d’água. São Paulo: Maranta, 2002. ________________. O programa Carta Arqueológica Subaquática do Baixo Vale do Ribeira: Reflexões. Revista de Arqueologia Americana, 26, pp. 71-95, 2008. ________________. Projeto de pesquisa: Carta Arqueológica Subaquática de Sergipe: inventário sistemático do patrimônio cultural subaquático. 2009. SANTOS, Luis Felipe Freire Dantas. A Arqueologia nos espelhos d’água: o inventário sistemático do patrimônio arqueológico subaquático do Baixo Rio São Francisco Sergipe/Alagoas. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, Suplemento 11, pp. 177-181, 2011a. _____________________________. Arqueologia Subaquática e Compromisso Social: Por uma Arqueologia Pública no Baixo Rio São Francisco. História e-História, 2011b. SOUZA, Gilson. Povoado Cabeço. Jornal Cinform, edição 752, 1997.

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