
DINAMITE – UMA TRAGÉDIA EM CURITIBA


DINAMITE UMA TRAGÉDIA EM CURITIBA 2ª AnnaediçãoCarolina Azevedo



“Vendo esta terra não compensa Rezando na presença De um gigante cogumelo” Paulo leminski / Pedro leminski

DINAMITE – UMA TRAGÉDIA EM CURITIBA PREFÁCIO UMA MUITASEXPLOSÃO,PESSOAS GISELE EBERSPÄCHER


Durante a infância, Anna Carolina Azevedo ouviu várias vezes a família contando a história de quando Curitiba foi palco do “dia do di namite” – um cogumelo de luz e poeira apareceu, o chão tremeu, janelas quebraram e jornais foram vendidos aos montes. Em uma cidade com cerca de 800 mil habitantes que se modernizava com planos urbanísticos, o aci dente foi um marco na vida de várias famílias: qualquer barulho mais forte vindo da rua era motivo para a mãe de Anna se lembrar daquele dia. Mas foi somente quando buscava um tema para seu trabalho de conclusão do curso de jornalismo, em 2007, que seu faro de jornalista percebeu uma história bem maior e mais interessante do que apenas uma recordação da família. E, dito e feito, era mesmo. Quarenta e seis anos depois do acidente com um caminhão que carregava dinamite e materiais inflamáveis ter explodido na cidade, Anna traz uma nova edição do livrorreportagem “Dinamite: uma tragédia em Curitiba”. Escrito entre 2007 e 2008 e publi cado pela primeira vez ainda em 2010, em uma edição de mil exemplares incentivada pela Secretaria de Estado da Cultura, o livro chega à sua versão digital com um texto ampliado e revisado.
PREFÁCIO


“Dinamite” conta a história de várias pessoas que viveram, de formas diferentes, o evento do dia 2 de setembro de 1976 – principalmente na região norte da capital paranaense, nos bairros Ahú, Cabral e Juvevê. Do motorista do caminhão que carregava a carga explosiva até algumas vítimas do acidente e os vizinhos imediatos que tiveram suas casas destruídas, a jornalista apresenta o passo a passo de cada pessoa até a hora da explosão como se fosse uma partida de xadrez.
Assim como John Hersey em Hiroshima (trad. Hildegard Feist, Companhia das Letras), Anna constrói a narrativa do seu livro com uma téc nica chamada pela teoria literária de visão estereoscópica: temos acesso ao ponto de vista de diversos personagens, que se movimentam e convergem para um único evento, narrado de maneira diferente por cada um deles. Do motorista do caminhão, Donato Taborda (tecnicamente contratado para ser
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Para isso, Anna começou sua pesquisa pelos materiais midiáti cos da época – principalmente os jornais do acervo da Biblioteca Pública. A partir disso, encontrou seus cerca de 40 entrevistados, tanto fontes diretas que se tornam personagens do seu livro como fontes secundárias que lhe ajudaram a criar o clima e encontrar os detalhes dos acontecimentos do dia.
um motoboy), ao agente penitenciário João Mateus dos Santos, que saiu do seu trabalho no presídio do Ahú para se encontrar no lugar errado na hora errada, vários dos presentes têm sua história contada pela jornalista.
A cidade, em pleno Regime Militar (o presidente Geisel não se esqueceu de lamentar publicamente o infortúnio no sul do país), via uma leve mudança de costumes, como no caso da personagem Neide, uma moça que consegue postergar um casamento mesmo depois de ter uma filha com o rapaz até a menina chegar aos dois anos de idade. A transformação também era urba nística: as fábricas da cidade começavam a se afastar cada vez mais do centro em direção à região metropolitana, deixando um espaço para a população que dobraria de tamanho nas próximas décadas.
Entre essas histórias pessoais, Anna também dá conta de criar o cenário da cidade que acabava de ganhar suas vias expressas com uma faixa exclusiva para ônibus e as rápidas que prometiam aliviar o trânsito urbano.
A pesquisa extensa fica evidente na escrita de Anna, cheia de detalhes e des crições que fazem seu trabalho ser não apenas uma reportagem primorosa, mas também um livro gostosíssimo de se ler.

Caso você tenha vivido o dia ou, como Anna, tenha ouvido his tórias sobre o acidente, “Dinamite: uma tragédia em Curitiba” lhe convida a retomar suas memórias e dialogar com outras. Ou, caso você seja como eu, curitibana recente que não conhecia a história até se deparar com este livro, tenho certeza que não verá a avenida Anita Garibaldi do mesmo jeito. Boa Giseleleitura,Eberspächer.

PREFÁCIO


DINAMITE – UMA TRAGÉDIA EM CURITIBA LISTA DE PERSONAGENS


FAMÍLIA DOS SANTOS João Mateus, agente penitenciário. Aurélio, irmão gêmeo de João Mateus. Amélia, esposa de João Mateus. Evaldo, irmão de Amélia. Neide do Rocio, Neilor Adão e Noeli Aparecida, filhos do casal João Mateus e Amélia. Eliseu Wiegand, noivo de Neide do Rocio. Patrícia, filha do casal Neide do Rocio e Eliseu.
DE PERSONAGENS
LISTA

FAMÍLIA TABORDA Donato, motociclista da Expresso Catarinense. Rogério, irmão gêmeo de Donato. Roseli, noiva de Donato. Angelita, filha do casal Donato e Roseli. EXPRESSO CATARINENSE Ademar dos Santos, carregador. Donato Taborda, motociclista. Edson Galvão, carregador. Jair Duarte, gerente.

Mussa José de Assis, redator-chefe. Vicente Ulandovski, repórter. Dante Mendonça, cartunista. Aramis Millarch, crítico cultural.
12 DINAMITE – UMA TRAGÉDIA EM CURITIBA O ESTADO DO PARANÁ Célio Barbosa, fotógrafo. João Elias Adaime, o Juca, repórter. Orlando Kissner, motorista.
FAMÍLIA SCHLICHTA Ludovico, o patriarca. Roselina, esposa de Ludovico e concu nhada de Doroti Gonçalves. Lucas, filho caçula do casal Ludovico e Roselina. Henrique, irmão de Ludovico. FAMÍLIA GONÇALVES José Armando, pintor de automóveis. Doroti, atual esposa de José Armando e viúva de Henrique Schlichta. Anelise e Maurício, filhos mais novos do casal José Armando e Doroti. Roselina Schlichta, tia de Anelise e Maurício.
FAMÍLIA ULANDOVSKI Vicente, jornalista. Maria de Lourdes, esposa de Vicente. Lídia, mãe de Vicente. Zara, irmã de Maria de Lourdes. Sueli Regina, Cesar Augusto e Denise Regina, filhos do casal Vicente e Maria de Lourdes.
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ESTACIONAMENTO JUVEVÊ Noemi, Carmemproprietária.eIsabel,filhas de Noeli. Iracê, Dircinéia e Sueli Regina, clientes. PINCÉIS PAVÃO
Eduardo Piegel, fundador da Panificadora Ahú. Augusto, o Augustinho, neto de Eduardo e proprietário da Panificadora Ahú. Jandira, neta de Eduardo e amiga de infância de Amélia dos Santos.
LISTA DE PERSONAGENS
FAMÍLIA PIEGEL
Xavier Jacob, proprietário, viúvo de Iracema. Iracema, esposa de Xavier. Marly Ivone, Cláudio Xavier e Sergio Fernando, filhos do casal Xavier e Iracema. Walkyria, esposa de Cláudio Xavier, funcionária da fábrica.
Ernesto Beckmann Geisel, presidente do Brasil.
OUTROS NÚCLEOS Romildo Antônio Ball, funcionário do Santa Mônica Clube de Campo.
Irani Oliveira Silva, motorista do Hospital Veterinário São Bernardo. Nereu Gaio, jornaleiro.
Gilda, uma das figuras mais marcantes da década de 1970 em Curitiba, travesti em situação de rua que se lambuzava de batom e arrancava beijos dos transeuntes da Boca Maldita, trecho do calçadão da Rua XV de Novembro. Foliã nos desfiles do Momo pelo centro da cidade, Gilda teve uma vida de opressão e violência.
Paulo Roberto Rabello, leitor da Tribuna do Paraná. Camilo de Andrade Nepomuceno, juiz do Tribunal de Alçada do Paraná.


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Saul Raiz, prefeito de Curitiba. Jayme Canet Júnior, governador do Paraná.
BOLACHAS LUCINDA Paulo Groetzner, fundador. Lucinda Groetzner, filha caçula de Paulo. Rubens Albino Groetzner, neto de Paulo, diretor industrial da fábrica.
LISTA DE PERSONAGENS


DINAMITE – UMA TRAGÉDIA EM CURITIBA PARTE I SETEMBRO


PARTE I – SETEMBRO


SETENTA E SEIS Início de setembro. Uma nação em choque. Ainda incrédulos, os brasileiros conformavam-se com a perda de um de seus grandes ícones políticos. Aos 22 dias do mês de agosto, Juscelino Kubitschek de Oliveira, o homem que conduziu o país a uma das mais intensas fases de desenvolvimento social até então, sofria aquele que foi o acidente automobilístico que lhe tirou a vida. De maneira brutal, a autoridade máxima do executivo nacional no período de 1956 a 1961 morreu em uma das curvas da Via Dutra, trecho da BR 116 que liga São Paulo ao Rio de Janeiro. O Opala cinza-metálico no qual o ex-presidente estava colidiu violenta mente com um caminhão. Juscelino não resistiu ao impacto. O país vestiu-se deNoluto.dia seguinte ao desastre, cerca de 80 mil pessoas esti veram no cortejo fúnebre de JK, em Brasília. O caixão com o corpo do ex-presidente se ergueu sobre a multidão e seguiu nos ombros do povo até o cemitério Campo da Esperança. Em tom uníssono e emocionado, a caravana bradava os versos de Peixe Vivo, canção que marcou as traje tórias política e pessoal de Juscelino. Foi uma das maiores homenagens populares prestadas a um político brasileiro. Pelo rádio ou pela televisão, o país acompanhou o fim do legado de um de seus ídolos mais queridos. A presidência decre tou luto oficial por três dias, o primeiro em honra de um adversário do regime militar. Os brasileiros choraram a morte por semanas.
• Também no princípio de setembro, a primavera ainda não havia chegado. O Campeonato Brasileiro de Futebol começara poucos
dias antes. Raul Seixas invadia as paradas musicais com Eu nasci há dez mil anos atrás, superado apenas pelo sucesso Não se vá, de Jane & Herondy. Silvio Santos e Chacrinha eram os grandes animadores da TV brasileira, ao lado de Flávio Cavalcanti.
• Por fim, os preparativos para mais um magistral desfile da Independência, no Brasil do Regime Militar, já eram organizados.
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• No mês de julho daquele 76, o Brasil recebeu a visita de Uri Geller, um israelense autodenominado paranormal que dizia entortar e quebrar colheres valendo-se não mais que da força de sua mente.
• Em 1976, o país era governado por seu quarto gene ral presidente.Ernesto
Beckmann Geisel, gaúcho de Bento Gonçalves, promovia uma administração repleta de ambiguidades. O comando do presidente era marcado pela convivência antagônica entre uma política de tendência liberalista e a ainda repreensora atuação dos órgãos de segurança e de cerceamento implantados a partir do golpe de 64, em
Em rede nacional, o rapaz prometia consertar relógios e torcer chaves e talheres apenas com um dito sobre-humano poder psí quico. Verdade ou truque, as aparições de Geller no dominical Fantástico – o show da vida instigaram mesmo os brasileiros. Graças ao sucesso de suas aparições, Geller ganhou um especial na Rede Globo, a maior emissora de televisão do país. Com relógios em punho, alguns telespec tadores realmente acreditavam que ele faria andar os ponteiros parados.
O rapaz dos relógios e das colheres tortas se transformou em um dos maiores fenômenos de audiência dos anos 70. Em setem bro, Geller continuava no Brasil, instigando a razão humana.
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especial após a emissão do Ato Institucional nº 5, em dezembro de 1968, pelo presidente Costa e Silva. Suas medidas ora indicavam al guma trégua ao autoritarismo, ora apertavam-se como algemas contra a democracia.O governo de Geisel começou a apontar para um caminho de abertura da vida sociopolítica do país. Era o início de um lento e gradual processo de transição regimentar, que estava sendo agenciado, a curta marcha, por meio de um movimento de distensão. No entanto, em rumo oposto à redemocratização, Geisel promulgou a Lei Falcão, instrumento jurídico que visava refrear o for talecimento de uma oposição político-partidária. Com ela, a discussão política no horário eleitoral tornou-se restrita. Nas campanhas, a partir de 24 de junho de 1976, estava permitida somente a divulgação do nome e do número dos candidatos, acompanhados por uma fotografia, ao som de uma trilha sonora um tanto ufanista. Tal como a preleção da convocação para uma Copa do Mundo, um mesmo locutor narrava o nome de cada aspirante ao pleito, fosse ele da ARENA, a Aliança Renovadora Nacional, ou do MDB, Movimento Democrático Brasileiro, os dois únicos partidos políticos do país. Por vezes, apresentava-se um currículo sucinto, sem quaisquer discursos ou promessas dos candida tos, em sua maioria homens. Estavam terminantemente proibidos os debates políticos em rádios e televisões, os mais populares meios de comunicação do povo brasileiro. Havia um porquê. Nas eleições de 1974, dois anos antes da promulgação da lei, o governo liberou a realização de propaganda eleitoral, em uma manobra pintada como democrática. O resultado das urnas, porém, mostrou-se catastrófico para os militares. O eleitorado oposicionista concedeu ao MDB 16 das 22 vagas em disputa para o Senado Federal. Além disso, candidatos emedebistas foram indicados para assumir a prefeitura em algumas das grandes capitais. Nesse sentido, a Lei Falcão de 1976, na verdade, era uma estratégia para evitar novas vitórias do MDB, partido que abrigava opositores do regime.
Gazeta do Povo, 29/03/1976.
Fora isso, o domínio sobre a mídia ainda era bastante exer cido. Valendo-se do controle dos meios de comunicação e da censura aos principais veículos, os militares anunciavam um grande desen volvimento social que àquela altura já não existia mais. No mandato Médici, gestão presidencial anterior, o desenvolvimento do país havia sido impulsionado por meio do “milagre econômico” promovido pelo governo federal. O suposto avanço, em contrapartida, gerou uma grave crise da economia nos anos seguintes, devido aos aumentos da dívida externa e da inflação. Era o fim da boaventura anunciada; não havia mais milagreApesaralgum.das circunstâncias desfavoráveis na economia, a ditadura sustentava boa parte da opinião pública a seu favor, muito por conta da propaganda institucional do governo. Ainda que alguns seto res da crítica do país manifestasse claro repúdio à opressão da ditadura, muitos eram os brasileiros que acreditavam que o governo militar fosse mesmo muito bom.
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•
• Em meados de 1976, Curitiba, capital do Paraná, região sul do Brasil, transformava-se em modelo de cidade moderna. Os projetos urbanísticos, incrementados principalmente a partir da década de 70 e impulsionados pelo milagre econômico promovido pelos militares, remodelavam sua infraestrutura.
Vista de qualquer ângulo, Curitiba, que hoje come mora seus 283 anos, é uma cidade onde a beleza e o conforto estão sempre presentes.
A uma quadra das estruturais, foram abertas mais duas vias de tráfego, também em sentidos opostos. Uma seguia dos bairros em direção à zona central; a outra partia do centro da cidade e corria para os bairros. Por possibilitar o trânsito mais ágil, essas ruas foram chamadas de vias rápidas. Para os curitibanos, simplesmente “rápidas”.
Com o avanço constante das novidades, os estimados 800 mil habitantes que viviam na cidade adequavam-se à realidade social que se impunha. Grande prado colonial até a década de 1940, o municí pio agora ganhava ares de metrópole das mais vanguardistas.
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As estruturais norte-sul foram obras previstas pelo Plano Diretor de Urbanismo e construídas durante a gestão de Jaime Lerner, engenheiro-arquiteto que administrou Curitiba de 1971 a 1974, num chamado “mandato biônico” – posse indireta de um candidato indica do pelo governo militar.
Um ano após terem se encantado com a imensidão da neve pintada nas janelas e acumulada nos gramados no dia 17 de julho de 1975, os curitibanos estavam, aos poucos, se habituando às recentes soluções urbanas: dos parques inaugurados às canaletas do ônibus Expresso que cortavam a capital. Coletivo que, por vezes, inspirava medo aos que se aventuravam em tomá-lo pela primeira vez. Receio da novidade. • As canaletas faziam parte de um projeto urbanístico desenhado para a cidade, a fim de dar maior vazão aos veículos e ao transporte coletivo.Foramabertas
vias estruturais, que obedeciam a um sistema trinário. A chamada canaleta era destinada exclusivamente aos ônibus Expresso. Essa via central era margeada por outras duas pistas laterais de tráfego lento, em sentidos opostos. O conjunto das três formava uma grande avenida – que, ao longo da extensão, recebia vários nomes.
Às oito da manhã, João Mateus dos Santos, depois de um turno ininterrupto de 24 horas, deixava a Prisão Provisória de Curitiba. Lá ele exercia a função de agente penitenciário. Cumpria uma escala de plantão em que um dia inteiro de trabalho era sucedido por dois dias inteiros de folga.
• Nas eleições de 15 de novembro de 1974, após o mandato Lerner, a ARENA venceu o MDB em número de deputados estaduais eleitos para a Assembleia Legislativa do Paraná. Graças à vitória nas urnas, representantes parlamentares do partido dos militares indi caram o nome do também engenheiro civil Saul Raiz para o cargo de novo prefeito da capital paranaense. Seria mais um integrante, de certa forma simpatizante ao governo militar, a ocupar o posto máximo no município.
• Mesmo com as evoluções cosmopolitas e com o desenvol vimento urbano, a “Curitiba Perdida”, dos piás, das gurias e dos beijos de Gilda, continuava provinciana. Na cidade comandada por Raiz, os bairros do subúrbio carregavam marcas da imigração europeia do início do século e dos hábitos conservadores do interior. DOIS Curitiba, 2 de setembro de 1976, quinta-feira. Para aquele dia, o serviço de meteorologia previa tempo bom; faria uma tarde en solarada, com nebulosidade e instabilidade apenas ao final do período. Eram esperadas mínima de 11 e máxima de 25 graus.
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• Donato era um rapaz de 23 anos, nascido e criado em Curitiba, residente na Vila Hauer e noivo. A eleita se chamava Roseli. O rapaz tinha um irmão gêmeo chamado Rogério. Os dois nasceram em 5 de outubro de Apesar1952.degêmeos, os irmãos Taborda eram bem diferentes. Donato veio ao mundo quinze minutos antes de seu irmão Rogério. Donato, o “Negro”, tinha a pele morena, tal qual o pai. Já Rogério, o “Polaco”, tinha a pele clara como a da mãe. Donato era brincalhão e falante. Rogério era mais sério, reservado até. Donato era um fanático torcedor do Atlético. Rogério foi Ferroviário desde criancinha. • Até o início da década de 1970, o Ferroviário havia sido um dos principais times de futebol de Curitiba. O Boca Negra, como era chamado por seus torcedores, sagrou-se campeão estadual por oito vezes e foi o primeiro representante paranaense em uma competição nacional, o Torneio Roberto Gomes Pedrosa, em 1967.
Também logo cedo, Donato Sanchuk Taborda chegava ao número 36 da rua Roberto Hauer, em mais um dia de rotina. Nesse endereço funcionava a sede da firma onde trabalhava: era empregado da Expresso Catarinense, uma transportadora de cargas.
O clube foi dono do estádio Durival de Britto e Silva, inaugurado em 1947. Na década de 1950, o estádio era o quarto maior do país, atrás apenas do Maracanã e de São Januário, no Rio de Janeiro, e do Pacaembu, em São Paulo. Tanto prestígio levou o campo do Boca Negra a ser sede de dois jogos na Copa do Mundo de 1950. Em 1976, porém, o Ferroviário já não mais existia. Cinco anos antes, houve a fusão com Britânia e Palestra Itália, ambos de Curitiba. Da união, nasceu o Colorado Esporte Clube.
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Além do Colorado, a capital contava com outros times de futebol profissional: o Clube Atlético Paranaense, do ídolo Barcímio Sicupira Júnior, craque da camisa 8 rubro-negra, o Esporte Clube Pinheiros e o Coritiba Foot Ball Club, esquadrão alviverde que, em cam po, sob o comando do volante coxa-branca Capitão Hidalgo, sustentava a hegemonia local, respaldado por cinco títulos estaduais consecutivos. • João Mateus, agente penitenciário, era um rigoroso chefe de família. Da união de mais de duas décadas com Amélia do Nascimento dos Santos, nasceram três filhos: Neide do Rocio, Neilor Adão e Noeli Aparecida.João Mateus tinha um irmão gêmeo idêntico chamado Aurélio. Diferentemente dos irmãos Taborda, os dois eram mesmo bem parecidos: trabalhavam no presídio, usavam bigodes e fumavam. Além disso, gostavam de uma boa música caipira e torceram pelo extinto Ferroviário. A CARGA DO DIA A Expresso Catarinense era uma empresa que havia 23 anos oferecia serviços de transporte para cargas de diversas origens, como malhas, móveis, peças de maquinários, produtos industriais e também explosivos.Nalistade tarefas que a transportadora tinha a cumprir no dia 2 de setembro, estava agendado um importante serviço: 1.550 quilos de dinamite deveriam ser carregados no galpão da Firma Comercial Pol
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Paraná, em Colombo/PR, e transportados até a Companhia de Cimento Portland, localizada em Itajaí/SC. Para a empreitada, era necessária a mão-de-obra de dois carregadores e de um motorista. Ademar dos Santos, 24 anos e Edson Galvão, 23, traba lhavam como carregadores e operavam o manejo de cargas, tanto nas carrocerias dos caminhões, quanto nas Kombis da empresa. Naquela quinta-feira, ainda pela manhã, os dois foram convocados para efetivar o transporte da dinamite, que seria realizado à tarde.
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A opção pelo funcionário que dirigiria o caminhão e conduziria a carga explosiva também já era certa. Porém, naquele dia 2, o tal motorista faltou ao serviço. Simplesmente não apareceu. Na ausência do condutor, Jair Duarte, gerente da transportadora, designou o empregado Donato Taborda para dirigir o caminhão. Na verdade, Donato não era um dos motoristas do quadro de funcionários. Ele chegou à Expresso Catarinense em 1972 e, desde o início, exercia a mesma função. Pilotando uma moto, visitava clientes e fazia cobranças pelos serviços prestados pela Catarinense. Porém, não seria a primeira vez que Donato iria guiar um dos caminhões da firma. Em outras ocasiões, o motociclista do setor de cobranças já havia assumido o posto de motorista. Isso porque Donato possuía, além da carta para moto, também a chamada habilitação C/2, que o tornava apto a guiar veículos motorizados para transporte de carga com peso acima de 3.500 quilos. • Quando mais jovens, Donato e seu irmão gêmeo Rogério foram empregados na Malucelli da Visconde, uma famosa casa de materiais de construção de Curitiba, localizada na avenida Visconde de Guarapuava, no centro da cidade. Como ajudantes gerais, os dois guris de 14 anos faziam de tudo.
Mesmo com o trabalho puxado que lhes ocupava o dia todo, folgas sempre existiam. Reunidos no grande pátio da loja, os motoris tas mais velhos ensinavam os dois meninos a dirigir os caminhões de entregas da Malucelli. Com o tempo, acabaram aprendendo. Aos 19 anos, Donato tirou a carteira nacional de habilitação para carro e moto.
Logo depois, obteve a permissão para guiar caminhões.
Meio-dia, ponteiros juntos, sol a pino. Os três almoçaram no refeitório da Expresso Catarinense. No cardápio, comida simples, arroz, feijão, carne moída. Por volta da uma da tarde, partiram para
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• O transporte da dinamite para aquela tarde de quinta-feira era imprescindível. Além desse, havia ainda mais dois carregamentos: era preciso buscar uma carga de cola, no bairro Boqueirão, e alguns móveis no depósito da loja Hermes Macedo, no Centro.
Era dessa maneira que Edson Galvão, um dos carregadores indicados para o serviço, se referia ao caminhão azul de ano 1975, recém adquirido e assegurado no valor de 119 mil cruzeiros.
• Às 9 da manhã, Ademar, Galvão e Donato, os três funcioná rios responsáveis pelos transportes do dia, saíram com o Mercedinho para fazer um serviço rápido. Na noite anterior, produtos de malharia haviam sido carregados na carroceria do caminhão. O serviço da manhã era apenas a entrega dessas malhas. Foi cumprido.
Por isso, Jair, gerente da Expresso Catarinense Transportadora Ltda., resolveu confiar mais uma vez na destreza do motociclista para conduzir aquelas cargas. Donato deixaria a moto estacionada para dirigir um caminhão Mercedes-Benz modelo 608, com placas de Canoinhas - CR 4362.
— Esse Mercedinho aí ó... Tá novinho em folha.
A PAUTA DA TARDE Às 14 horas, uma coletiva de imprensa movimentou repórteres de toda a cidade em direção à avenida Erasto Gaertner, no Bacacheri, região norte. Tratava-se de um pronunciamento oficial sobre a denúncia de superfaturamento que envolvia o Frigorífico Baggio, um dos principais de Curitiba. O episódio da acusação de caixa dois no frigorífico ficou conhecido como “O caso dos bonecos Baggio”, e o tema estava em destaque nos jornais curitibanos daquela semana. A entrevista, realizada nas dependências do frigorífico, era o primeiro esclarecimento prestado pela empresa quanto à denúncia. Por essa razão, a sala em que os diretores administrativos prestavam expli cações estava lotada. Naquela tarde, diversos jornalistas da imprensa local cobriam o fato. Dentre eles, o fotógrafo Célio Barbosa e o repórter João Elias Adaime, do jornal O Estado do Paraná
. •
27 PARTE I – SETEMBRO cumprir as tarefas atribuídas para o período vespertino. Saíram da Vila Hauer, onde estavam, e foram até a Alba S/A, uma fabricante de substâncias adesivas. Não demoraram a chegar: a Alba ficava próxima ao viaduto do Boqueirão, um bairro vizinho. Lá, fizeram o primeiro carregamento previsto para a tarde, referente a 600 quilos de cola. Depois disso, pegaram a estrada. Seguiram pela BR 116 em direção à Pol Paraná, distribuidora regional da Dupont do Brasil, fabricante de explosivos, acessórios de detonação e afins. O depósito de destino ficava no município de Colombo, Região Metropolitana de Curitiba, a cerca de 35 quilômetros da Vila Hauer.
Pelo trabalho cumprido no período das 13 às 18 horas como repórter itinerante do jornal, Juca recebia muito pouco. Mal dava para levar sua vida de solteiro, morando em uma pensão no centro da cidade e pagar a faculdade de Administração que cursava na Faculdade de Estudos Sociais do Paraná.
Por isso, pela manhã, Juca trabalhava na central de jorna lismo da Rádio e Televisão Iguaçu S/A – a TV Iguaçu, Canal 4. Apesar de desempenhar a mesma função de repórter que exercia no jornal, na emissora seu salário era maior. Um acordo com o chefe de jorna lismo do Canal 4 fez com que Juca passasse a receber em sua carteira de trabalho o registro de redator — cargo que tinha salário maior do que o de repórter convencional. Ainda que trabalhasse, de fato, como repórter, ele ganhava mais graças à posição simulada expressa em sua carteira assinada.
•
Em poucos dias, conseguiu o emprego no jornal O Estado do Paraná.
Desde que chegou à redação de O Estado, no dia 1º de maio do ano anterior, João Elias ficou conhecido como Juca entre seus colegas de jornalismo. Juca era um rapaz de 25 anos, nascido em Passo Fundo, Rio Grande do Sul. Antes de Curitiba, seu último destino havia sido Itajaí, cidade do litoral catarinense onde seu pai era dono do periódico A Nação. Nesse jornal, Juca deu seus primeiros passos na profissão de jornalista, em 1972. No ano de 75, o repórter veio para Curitiba por acreditar que, na capital paranaense, encontraria condições de trabalho mais interessantes. Em outras palavras, achava que poderia ganhar mais.
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Conforme uma determinação do Ministério do Trabalho, a jornada máxima permitida aos jornalistas paranaenses era de cinco horas diárias. O curto período de serviço encurtava também os salá rios. Não era raro que os repórteres possuíssem dois empregos — aliás, assim acontecia com a maioria.
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Na redação de O Estado, havia as estações de trabalho. Nelas, quatro mesas eram articuladas, o que permitia a atividade simultânea e integrada de pelo menos quatro jornalistas. Geralmente, os repórteres que ocupavam as mesas da mesma estação de trabalho eram distribu ídos de acordo com as editorias que cobriam: os de Geral trabalhavam juntos; os de Policial também, assim como os de Cidades, os de Cultura e os de Esporte. Sobre as mesas, as boas e velhas máquinas de escrever Olivetti. Nas gavetas, inúmeras laudas timbradas, nas quais as matérias eram datilografadas. Na época das máquinas Olivetti, os textos eram batidos em laudas timbradas e as correções eram riscadas à caneta. O correr de dedos sujos de tinta, carbono e papel jornal pelas teclas das máquinas era a trilha da redação. Fumaça de cigarro e café morno, o cheiro.Comandando o trabalho, estava o jornalista Mussa José de Assis, o redator-chefe do jornal desde 1965.
Donato, Ademar e Galvão, os funcionários da Expresso Catarinense, estacionaram o Mercedes-Benz no pátio da Pol Paraná antes das três da tarde.
CARREGAMENTO
Ao chegarem ao barracão em Colombo, Donato apresentou aos responsáveis da distribuidora da dinamite uma ordem de coleta. Esse documento autorizava os empregados da transportadora a reco lherem as cargas que seriam conduzidas. Após o aval da Pol Paraná, os três passaram a realizar o carregamento.
A palavra DINAMITE estava impressa nas caixas de papelão.
Dentro das caixas, o material explosivo estava arranjado em cartuchos que mediam um pouco mais de um metro de comprimento.
VESPERTINOS Bairro Cabral, esquina das ruas Doutor Manoel Pedro com dos Passionistas. Às 15 horas, dois rapazes descarregavam pacotes que estavam num caminhão de entregas. Ludovico Schlichta, o dono da casa, fez o rancho do mês no Mercado Zilli, comércio varejista que fica va na Praça Generoso Marques, Centro. Ao final, solicitou que levassem até seu domicílio os itens que havia comprado durante o horário de almoço. Ele achava o sistema de entregas muito mais prático e cômodo.
Os carregadores colocaram a carga de cola em cima desse buraco, de maneira a tapá-lo, e a dinamite foi sobreposta a esse volume e em todo o espaço restante da carroceria. As caixas foram organizadas em três fileiras verticais, umas sobre as outras.
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A carga estava acondicionada em 62 caixas de papelão, cada qual contendo 25 quilos de dinamite tipo Damplex, da marca Dupont.
Na parte traseira do caminhão, uma das tábuas apresentava sinais de desgaste: apesar de o Mercedes-Benz ser novo, havia um buraco em uma tira de madeira da carroceria, mais ou menos à altura do cano de escape, no lado direito. Possivelmente estava assim graças aos carregamentos diários que o caminhão transportava.
Na verdade, um certo luxo para quem morava a apenas duas quadras do Supermercado Real, que ficava ao lado da Paróquia do Senhor Bom Jesus do Cabral e próximo ao grupo escolar.
Roselina da Silva Schlichta, esposa de Ludovico, estava à espera das compras. Depois de um longo aguardo, somente àquele horário os funcionários do Zilli finalmente chegaram. Após armazenar cada mercadoria, entre alimentos e materiais de limpeza, Roselina di vidia suas atenções em duas tarefas: cuidar do filho e passar uma pilha de roupas acumulada.Lucas,umgaroto de sete anos, caçula do casal Schlichta, pa recia vidrado na tevê a cores. Naqueles meados da década de 70, estava se passando o processo de transição das tevês de recepção em preto e branco para as coloridas. Sentado no chão da sala, com um balde de pipocas entre as pernas, Lucas assistia à reprise de mais um episódio da série americana Jeannie é um gênio, escrita por Sidney Sheldon. •
Nas redondezas, referir-se ao bairro apenas como Ahú era algo um tanto quanto genérico. Já há tempos, uma fronteira bairrista fora vulgarmente delimitada pelos moradores da região. Tratava-se de uma divisão que separava o bairro em dois hemisférios: a porção norte era conhecida como Ahú de Cima, ao passo de que a extensão sul, por sua vez, correspondia ao chamado Ahú de Baixo. Com o decorrer dos anos, a partilha territorial havia se tornado lugar-comum no cotidiano e no vocabulário da vasta população.
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A cerca de três quilômetros do Centro, estavam assentados Ahú, Juvevê e Cabral: três bairrinhos suburbanos de Curitiba, enla çados pelas tantas ruas em comum e separados apenas pelas linhas imaginárias que assinalavam seus limites.
Pertencia ao território do Ahú toda a extensão que se alargava desde as cercanias do Estribo (ao norte) até os domínios da Prisão Provisória de Curitiba e do Colégio Estadual Tiradentes (ao sul).
A leste, o limite era assinalado pela avenida Anita Garibaldi, enquanto, a oeste, pela rua Mateus Leme.
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Vinda do sul, a João Gualberto partia do Passeio Público, ainda no centro, e atravessava o Juvevê rumo ao norte. Na altura da Igreja do Cabral, passava a se chamar avenida Paraná. Na verdade, João Gualberto e Paraná eram dois dos tantos nomes que a estrutural norte-sul recebia ao longo de seu percurso pelos bairros.
O Parque Residencial Pinheiros era um famoso conjunto de prédios da região dos três bairros. Ele estava edificado na rua Manoel Eufrásio, número 650. O endereço oficial para correspondências indicava que o condomínio de cinco prédios estava situado no Juvevê. Na prática, porém, o que se notava era que metade da extensa área do Parque Pinheiros ficava, de fato, no Juvevê, enquanto outra parte se localizava no Ahú. Eram as marcas confusas das entranhas e fronteiras dos bairros. • A família Ulandovski era uma das que viviam no Parque Pinheiros. Seu apartamento ficava no terceiro andar de um dos cinco blocos do condomínio, o B6.
Os territórios do Juvevê e do Cabral, este, para alguns, co nhecido como Alto Cabral, também eram seccionados por uma linha. Separando os bairros, estava a avenida João Gualberto, principal cor redor de transporte urbano da região. A via correspondia a um trecho da estrutural norte-sul, eixo arterial que cortava boa parte da cidade, ligando o bairro Santa Cândida ao bairro Capão Raso.
À tarde, o aroma denunciava: Maria de Lourdes passara o café. Nesse dia, ela recebia, no apartamento de três quartos onde vivia com o marido e os três filhos, a visita de sua sogra, Dona Lídia. Em todas as quintas-feiras, Lídia Ulandovski ia até a casa de seu único filho, Vicente, para almoçar e visitar os netos, Sueli, Cesar Augusto e Denise. Aproveitava a estada, ainda, para ter longas conversas com a
À Denise eram reservados paparicos da família inteira. Sueli, aos 18 anos, já era uma jovem estagiária de análises químicas, apesar de ainda não ter completado o curso científico; Cesar Augusto, então com 13 anos, era um garotão ainda mimado que, com o nascimento da irmã mais nova, perdera a condição de caçula que sustentou durante quase dez anos. Agora, a grande diferença de idade entre os dois mais velhos e Denise fazia com que ela, naturalmente, recebesse mais cuidados por parte de todos.
• Na fronteira imaginária entre Ahú e Juvevê, dentro do terreno do Parque Pinheiros, existia também um bosque, repleto de pinheiros-do-paraná, símbolo da vegetação típica do estado. O local era um reduto intacto de Mata Atlântica, onde vários espécimes de vegetais nativos eram encontrados: das já citadas araucárias aos incontáveis exemplares de Impatiens walleriana, as belas e populares marias-sem -vergonha, que afloravam o ano todo.
Ao lado do bosque estava o bloco B6. Em cada um de seus sete andares, havia quatro apartamentos: dois deles tinham a fachada orientada para o norte, frente aos demais blocos; os outros dois eram voltados para a rua Emílio Cornelsen.
• No número 71 daquela rua, um estacionamento privativo foi inaugurado pouco tempo antes. As garagens do Parque Pinheiros, construídas sob o pátio interno, não eram suficientes para todos os proprietários ou inquilinos. Pensando nisso, Noemi Nascimento,
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As três eram funcionárias do Instituto de Biologia e Pesquisa Tecnológica (IBPT), um órgão público que tinha sede na rua dos Funcionários, bairro do Cabral. No período vespertino, Sueli, Iracê e
O lote do estabelecimento era um local simples. Além do chão de britas batidas e das dezenas de garagens cobertas por telhas Eternit, havia apenas a guarita: uma simplória construção de alvena ria com três cômodos — um banheiro, uma cozinha e o escritório. Nesse anexo, Noemi passava as tardes a zelar pelo seu negócio, o Estacionamento Juvevê: atendia aos clientes, cuidava da entrada e sa ída dos automóveis, acertava as mensalidades, fazia contas. Executava essas tarefas acompanhada, geralmente, por uma de suas filhas, ora Carmem, ora Isabel, ou por amigas do bairro, muitas delas do próprio Parque Pinheiros.Desde a inauguração, ela havia feito amizades por toda a redondeza. Por isso, com frequência, as vizinhas a visitavam na gua rita do Estacionamento Juvevê, onde sempre eram recebidas com um lanche farto.Noemi aproveitava a boa localização de seu estacionamento e também a clientela que tinha para, vez ou outra, vender roupas. A tendência para o verão daquele ano era a de altas temperaturas. O setembro de 1976 começou bem quente, assim como havia terminado o mês anterior. O veranico antecipado empolgou Noemi. Aproveitando a deixa do clima, ela encomendou alguns biquínis e maiôs para revender às mulheres da vizinhança, ali, na guarita do Estacionamento Juvevê.
Na ensolarada tarde de quinta-feira, 2 de setembro, três amigas estavam na guarita com Noemi. Eram elas Iracê, Dircinéia e Sueli, a filha mais velha de Maria de Lourdes e Vicente.
também moradora do condomínio, decidiu abrir um estacionamento mensalista em frente à face sul do bloco B6, para abrigar os carros que não podiam ser guardados no conjunto residencial.
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Já no Estacionamento Juvevê, as moças se vestiam e desves tiam, provando, polvorosas, os biquínis de tantos tamanhos e cores e modelos. Eram ousadas como a nova juventude setentista.
PELAS RUAS DOS BAIRROS A Pincéis Pavão era um dos tradicionais estabelecimentos do comércio da região do Ahú, Juvevê e Cabral. Tratava-se de uma fabri queta especializada na confecção de pincéis, mas que também produzia brochas e escovas industriais, além de vassouras.
Na ativa havia 40 anos, a Indústria e Comércio de Pincéis Pavão foi inaugurada em 1936. No princípio das atividades, suas instalações estavam alojadas na João Gualberto. Ou melhor: na antiga João Gualberto, o caminho que cortava os descampados do Juvevê, nos velhos tempos em que os vizinhos eram raros e os ônibus sequer circulavam pela cidade. Com o crescimento da produção e também de Curitiba, a fábrica mudou-se para o número 47 da rua São Pedro, a poucas quadras do antigo endereço.
Dircinéia cumpriam, diariamente, o segundo turno do exercício de suas funções no setor de análises bromatológicas da Divisão de Química Orgânica doAqueleinstituto.era um dia bastante quente, tal como enfatizaria o mais típico dos sotaques curitibanos. O sol escaldante convidava-as a deixar a rotina de lado. Um curto trajeto de carro separava o trabalho dos biquínis, irresistíveis às moças à espera do veraneio. Mais ainda: à espera do recesso do feriado da Independência, que tão logo viria. Por que não sair? Resolveram partir, se escondendo uma entre as outras, mesmo que durante o expediente. O destino era a Emílio Cornelsen.
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Em seu pavilhão, a Pincéis Pavão dispunha de uma estrutura completa de fabricação. Todas as etapas do processo produtivo eram realizadas na própria fábrica: as atividades do curtume, da serraria e da funilaria. Complementando a estrutura, havia um outro barracão, esse de madeira, anexo à fábrica. Nele ficava o grampeador de brochas, máquina operada por Hamilton Cordeiro, um dos empregados mais experientes.A fábrica era parcialmente mecanizada. Alguns equipamen tos do maquinário incrementavam o processo produtivo, tornando-o mais ágil. Ainda assim, metade de toda a produção era artesanal, como exigia a fabricação de pincéis. Para os cabos, usava-se madeira de pinho bravo, que chegava até a Pincéis Pavão em toras que mediam 1,10 metro de comprimento por 60 centímetros de diâmetro; para as junções, folhas de flandres, constituídas de ferro-estanhado e mais finas que as convencionais de aço; para as cerdas do pincel, pelo animal.
Aquela era uma empresa familiar comandada por Xavier Jacob. O dono da Pincéis Pavão era um alemãozão de alma. Nascido em Rio Negrinho, um município de Santa Catarina, o filho de alemães tinha o sotaque carregado e a fala arrastada. O jeito estranho e marcante de puxar o erre era um dos vestígios dos sinais fonéticos do idioma que falou durante toda sua infância. Vaidoso com seus negócios e ca prichoso com o serviço que prestava, Jacob tinha orgulho de sua fábrica. Era ele quem conduzia a produção, um volume de 200 mil pincéis por mês. Para o velho Jacob, cada um dos pincéis produzidos simbolizava uma joia rara e preciosa, tamanho era o cuidado com as peças.
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O espaço físico era tomado por um grande pavilhão de al venaria, que tinha o teto estruturado por vigas de madeira cobertas por telhas francesas. A fábrica ocupava todo o térreo desse barracão, onde funcionava também uma loja revendedora. No espaço entre o forro e as telhas, ficava o escritório administrativo. Ali eram guardadas, ainda, as peças de madeira utilizadas na produção.
• Na Anita Garibaldi, a uma quadra depois do presídio para quem seguia ao Centro, funcionava a Panificadora Ahú, a mais conhe cida da região.Desde o início, em 1915, uma das características da casa de pães era o serviço de entrega em casa. Nos primeiros anos de funcio namento, as encomendas eram levadas por carroças; mais tarde, por entregadores em bicicletas. Em 1976, as entregas eram feitas em uma Kombi da padaria, que servia uma grande clientela espalhada por Ahú, Juvevê e Cabral.Quem
Para a entrega das encomendas pela cidade, a Pincéis Pavão utilizava uma Kombi do ano de 69, com lataria em bordô e cinza. Outro carro frequentemente estacionado no pátio da fábrica era um Opala verde 74, quatro portas, propriedade de Jacob. Um automóvel que era sonho de consumo de meninos e homens grandes.
tinha o comando do estabelecimento era Augusto Piegel, o Augustinho, um dos netos dos fundadores Eduardo Piegel e Margarida Schaffer e figura simpática conhecida nas imediações.
O pelo tinha várias origens, cada qual influenciava na espes sura ou na delicadeza das ditas cerdas. Podiam ser pelos de orelha de boi (pelo fino), o requintado e importado pelo de marta ou ainda as crinas de cavalo, que vinham de frigoríficos e eram processadas na fábrica. No curtume, o pelo virgem era cozido e tratado em ácido. O curtimento dos couros exalava um mau cheiro inevitável, que impregnava o galpão.
• Um ano antes, em 1975, Jacob havia perdido a esposa, Iracema. Com ela, teve três filhos: Marly Ivone, Cláudio Xavier e Sergio Fernando. Todos trabalhavam na fábrica do pai. Walkyria Valderez, casada com Cláudio, também trabalhava ali, cuidando da contabilidade da empresa familiar.
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Por diferentes razões e tantas coisas, a fábrica era conhecida por muitos, embora poucos soubessem da origem do nome Lucinda.
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Todos os dias, um alarme vindo de lá podia ser ouvido nos arredores. A vizinhança já sabia: quando o som ecoava, era meio-dia, a hora do almoço dos funcionários. À tarde, as crianças das casas do bair ro, inclusive do Parque Pinheiros, iam até a Lucinda para pegar as sobras da produção dos biscoitos e bolachas recheadas. Diversão da piazada.
• A principal referência comercial da região, no entanto, era a Lucinda: uma grande indústria alimentícia, famosa pelos biscoi tos da marca.Desde o início de suas atividades, a fábrica esteve ali, na via rápida bairro-centro, assinalando a fronteira entre Juvevê e Alto Cabral. Com o passar do tempo, tornou-se um ponto de localização geográfica, por assim dizer. Mas, para além disso, a Lucinda representava também e, principalmente, um ícone da identidade daquele pedaço de Curitiba. Os vizinhos tinham orgulho da fábrica e se sentiam como se fizessem parte dela. O mesmo acontecia com os funcionários.
Outra atração marcante que impressionava, sobretudo as donas-de-casa, era o imenso quintal em frente ao terreno da indústria. O gramado, verdinho o ano todo e cuidadosamente tratado por um jardineiro, era invejado pelas senhorinhas das casinhas da redondeza.
Paulo Groetzner, empresário que deu início às atividades da indústria em 1912, homenageou sua filha mais velha. À época da inauguração, a única: a verdadeira Lucinda. • De família suíça, Paulo Groetzner nasceu em São Paulo, em 1873. Quando criança, veio para o Paraná com a família, mas tão logo
regressou à paulicéia de nascença, aos oito anos. Já adolescente, voltou à terra das araucárias e passou a se dedicar ao comércio e à indústria na capital paranaense.Acerta altura, viajou à Europa com o intuito de adquirir maquinário para a instalação de uma indústria alimentícia dedicada aos biscoitos. De retorno da viagem, Groetzner inaugurou o estabele cimento que planejara, sob a alcunha “Fábrica de Bolachas Lucinda”, pioneira no ramo no Paraná. Aos poucos, a fábrica passou também a produzir balas, caramelos, chocolates e confeitos.
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O senhor Groetzner foi chefe justo e cidadão tão estimado como a sua fábrica de bolachas. Faleceu em 1933, aos sessenta anos, em Curitiba, a cidade que adotou como sua.
• Ainda na fronteira dos três bairros, existiam alguns outros pontos conhecidos por todos que por ali moravam. Além da Pincéis Pavão, da Panificadora Ahú, da Fábrica Lucinda e da própria Prisão Provisória de Curitiba, havia também o prédio da Central Juvevê (52) da Telepar, companhia telefônica do estado, a malharia Climax, a Igreja do Cabral, o Supermercado Real, o Hospital São Lucas, a fábrica das Balas Zequinha, a dos pianos Essenfelder e a ferraria da família Gabardo. Sem contar outros tantos comércios, de boteco à barbearia, que se espalhavam pela avenida João Gualberto, a rua do Expresso, e pela infinita Anita Garibaldi. PELA JANELA No Parque Pinheiros, Lourdes se ocupava com os preparati vos do lanche da tarde. Já sua sogra, Lídia, acomodada em uma pesada
A janela da sala do apartamento dos Ulandovski media 2,80 x 1,50 metros e estava direcionada para o interior do condomínio. Por ela, do ângulo em que o menino olhava, era possível ver os blocos B8 (um gêmeo do B6) e A1, o gigante de 15 andares que, até então, era o mais alto prédio de todo o bairro. Ao fundo, entre os dois prédios, Cesar conseguia ver alguns tantos pinheiros do bosque.
Na véspera do aniversário de sua irmã mais nova, Cesar Augusto, ao contrário do que normalmente fazia em outros dias, passou a preguiçosa tarde em casa. Logo cedo, ele havia mentido para a mãe. Não queria ir à aula. Fingiu não estar bem de saúde. A farsa adolescente foi encenada de maneira tão meticulosa que acabou convencendo não apenas a mãe, Lourdes, como também Vicente, o pai. Para eles, o piá, de fato, adoecera. Por essa razão, recomendaram a ele que não saísse para a rua naquele dia. • Vicente, por sua vez, não podia vacilar. Logo cedo tomava banho, vestia um de seus ternos bem passados e calçava um de seus pares de sapatos número 45. Saía de casa, por fim, pouco antes das 9 da manhã. Descia para a garagem do Parque Pinheiros, onde tinha conse guido uma vaga graças a acordos informais com o garagista, entrava em seu Volkswagen Fusca azul celeste e rumava ao trabalho.
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cadeira de imbuia com assento em veludo, não se cansava em adular a pequena Denise em seu colo. As duas estavam na sala, em frente à mesa posta. Também na sala, Cesar Augusto, do sofá em que estava sentado, passava a tarde alternando seu olhar entre a televisão e o panorama quase bucólico esboçado da janela.
Durante o dia, Vicente atuava como gerente comercial no Departamento de Imprensa Oficial do Estado (DIOP), situado na rua dos Funcionários, que recebeu tal nome em função dos diversos departamentos estaduais ali sediados. A extensão do logradouro trans formou-se em uma imensa repartição pública.
O antigo relógio de corda Osternack, patrimônio da família havia duas gerações, soa lentamente quatro badaladas. Os preparativos para a festa do dia seguinte já estavam todos acertados: apenas os
Era à noite, no entanto, que Vicente trabalhava naquilo de que realmente gostava: abandonava as funções de executivo na Imprensa às 18h, passava em casa para vestir roupas e calçados mais confortáveis e, tão logo, chegava à redação do jornal O Estado do Paraná. O patriarca da família Ulandovski era responsável pelo fechamento da página Jornal da Cidade, uma espécie de guia cultural, com a programa ção de cinemas, shows e teatros, resenhas de filmes e, vez ou outra, poemas. Por ser jornalista, Vicente também precisava de dois empregos.
QUASE QUATRO No Bacacheri, os jornalistas Juca e Célio finalizaram a cobertura daquela que era a principal pauta do dia: a entrevista no Baggio. Saíram da sala da coletiva e se dirigiram ao pátio do frigorífico, onde estava estacionado um Volkswagen branco de placas AE 2403; era um dos fuques da redação. Dentro do carro, à espera do retorno de seus companheiros, estava o motorista Orlando Kissner, também funcionário de O Estado. • Em sua sala, Lourdes conversava com Lídia sobre o aniver sário da filha mais nova. Estavam decidindo sobre a festa.
Maria de Lourdes tinha uma irmã dois anos mais jovem chamada Zara. Na tarde do dia 2, a mulher se ocupava em fazer um bolo de aniversário para Denise, sua sobrinha. Aliás, fazer bolos na ocasião dos aniversários de seus entes próximos era um velho costume.
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• Na Anita Garibaldi, o agente penitenciário João Mateus esperava pelo ônibus da linha Barreirinha em um ponto de parada em frente ao Presídio do Ahú. Mesmo tendo deixado suas funções de carcerário às 8 da manhã, ele ainda não havia voltado para casa. Passou a tarde no bairro, consertando encanamentos em algumas residências. Era assim que conseguia tirar um dinheiro extra que complementava sua renda ao fim do mês.
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familiares mais próximos seriam convidados, Zara levaria o bolo e o aniversário da caçula Denise seria comemorado no próprio apartamen to dos Ulandovski.
• Eram 16 horas quando Romildo Antônio Ball saiu do Santa Mônica Clube de Campo, após completar mais uma jornada de trabalho. Para percorrer os 17 quilômetros do trajeto entre Colombo, onde estava instalada a sede campestre, e o Ahú, bairro onde morava, costumava gastar 20 minutos. Com sua lambreta modelo Vespa, rodava alguns quilômetros na rodovia Régis Bittencourt até o acesso ao Santa Cândida. Em instantes, entrava na rápida bairro-centro, que correspon dia à grande parte do trajeto pelo qual Romildo passava todos os dias.
• A família de João Mateus havia se tornado maior pouco tempo antes. Neide do Rocio, a filha mais velha dele e de Amélia,
Somente depois de prestar os serviços de encanador pelas redondezas, João Mateus dos Santos pode tomar o rumo de volta ao lar. Em punho, carregava uma bolsa de couro onde trazia sua farda e seu quepe beges, que compunham o uniforme que vestia no presídio. Aguardava, por fim, a chegada do coletivo que tomaria. Além das peças de vestimenta, transportava na bolsa de couro algumas bananas e maçãs que havia comprado para a neta.
Patrícia já falava suas primeiras frases. Porém, sua mãe Neide, 22, outra menina, ainda não tinha conversado seriamente com seu pai sobre a situação que estava vivendo. João Mateus era um homem quieto. Bem quieto. Em poucos momentos sua voz grave era ou vida. Mas, quando os filhos a escutavam, era porque a questão era séria.
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dera à luz Patrícia, a primeira neta do casal. A menina era fruto de um relacionamento de Neide, uma bela moça de sobrancelhas finas, cabelos curtos e lábios grossos, com Eliseu Wiegand, seu colega de classe no Colégio Estadual Geovina Corrêa Pacheco. De início, a gravidez inesperada de Neide chocou seus pais. Isso porque ela ainda não era casada — e nem sequer pensava nisso.
• — Filha, nós precisamos conversar. Depois de muitos dias evitado, finalmente aquele assunto seria discutido entre João Mateus e sua primogênita. Era início de agosto de 1976.Amenina
Por isso, não foi tão logo que ele decidiu falar com a filha sobre a ainda solteirice dela. Durante mais de dois anos, havia perma necido em silêncio. Apenas cultivando o amor por sua neta. No entanto, para João Mateus, carinho apenas não bastava: ele queria mesmo é que Neide se casasse. E com o pai da criança. Não havia mais o que ser adiado. O assunto era emergencial. Apesar de seu conservadorismo manifesto por toda a vida, João Mateus encarou a gravidez da filha com uma certa e surpreendente tranquilidade. Reação adversa teve sua esposa, Amélia. A senhora não se conformava com a situação, tampouco com a discriminação que sua filha sofria por ser mãe solteira. As mães das amigas de Neide passaram
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do noivado de Neide e Eliseu aconteceu no dia 12 de agosto, dia do aniversário de 23 anos da moça, no quintal da casa da família dos Santos. O casamento foi marcado para 20 de novembro daquele ano de 1976.
— Quero toldo, quero gaita! E quero tudo que você tem direi to, minha filha.Afesta

a proibir que suas filhas saíssem com ela. Na Curitiba provinciana, os tabus conservadores permaneciam inabaláveis em 1976. Ser mãe solteira àquela época era algo inconcebível para muitos. Neide, portanto, precisava se casar. Na prosa que teve com seu pai, eles apararam as arestas. Depois das coisas elucidadas, João Mateus resolveu organizar um noivado imediato, às pressas.
