Revista mensal Paola Rhoden

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Cr么nicas


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Alguns livros de Paola Rhoden nas livrarias e no Amazon.com 3


Revista de Crônicas de ©Paola Rhoden Registro na BN 406.802 – todos os direitos das Crônicas são reservados Terceira Edição – Janeiro/2016 Fotos de Paola Rhoden Circulação Mensal

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Estas páginas são dedicadas a meus companheiros de viagens e aventuras, pelos momentos algumas vezes descontraídos, outros nem tanto, mas que trouxeram alegria nos incontáveis dias de nossos afazeres. Também dedico a meu maior arrimo que, enquanto esteve ao meu lado, nunca deixou de me incentivar nos momentos em que pensei desistir. Para minhas filhas que, no sentido das flechas, sempre me ajudaram a escolher o melhor da vida. Sem todas essas pessoas, nada disso teria sentido.

Estive pensando em tudo que as circunstâncias nos colocam pela frente em nossas caminhadas, e como, muitas vezes, temos que levar a sério coisas que normalmente deixaríamos passar ao largo por pensarmos que não nos dizia respeito, ou que julgamos não ser de nosso interesse. Fazemos ouvidos moucos ou fingimos não ver, para podermos, lá na frente, atingir algo que talvez pudesse nos dar alguma vantagem, mas logo percebemos que ao agir dessa forma, a vantagem dura pouco e o que vem depois pode nos trazer muitos dissabores. Somos guerreiros e sobreviventes na batalha da vivencia cotidiana, de uma maneira quase desumana nesta luta insana por termos o que comer, e o que vestir. De modo geral, a vida não perdoa.

Paola Rhoden 5


No Acre Fui ao Acre para uma pesquisa com tribos indígenas da região. Na época de minha passagem pela cidade de Feijó, ainda não havia muito asfalto, nem um comércio significativo. Mas o trabalho que a equipe ia realizar era mesmo no interior. Saímos da pequena cidade rumo à Aldeia dos Índios Ashaninkas, um dos pontos ao longo do Rio Envira onde aportaríamos para realizar nosso trabalho. Fizemos longas horas por caminhos de terra batida que o povo local chamava de estradas. Viajamos em grandes barcos para podermos transportar nosso veículo pesado, especial para aqueles trechos até chegarmos à aldeia principal. Uma verdadeira odisseia. Fomos recebidos pelo Cacique com muita cordialidade. A história desse povo tem suas raízes nos Incas, e deles ainda cultivam a maneira de vestir, morar e se alimentar. A cordialidade e hospitalidade são suas características principais. Além de ser uma nação de gente bonita. Como chegamos quando o sol já se punha no horizonte, decidimos deixar o início dos trabalhos para o dia seguinte. Armamos nossas redes debaixo de algumas frondosas árvores próximas às cabanas dos indígenas. As visitas sucediam-se sob a luz de archotes e lanternas. Ora era um grupo de meninos e meninas, ora alguns rapazes ou moças, todos curiosos para ver o que faziam ali aquelas pessoas com uma parafernália imensa de máquinas e apetrechos esquisitos. Quase oito horas da noite, chega o cacique todo paramentado para nos oferecer sua hospitalidade. Convidou-nos para se aproximar das cabanas, onde, em sua frente, queimava uma grande fogueira. A vila toda estava presente. Serviram-nos uma refeição à base de caça e pesca, com uma bebida feita de raízes parecida com cachaça. A-

gradeci a bebida, mas comi da refeição, que por sinal estava deliciosa. Os festejos para os visitantes prolongaram-se. E meus companheiros aproveitaram da gentil hospitalidade, exagerando nas cabaças cheias da tal bebida caseira regiamente oferecida. Ao verificar que a festa ia longe, fui deitar-me na rede e olhar as estrelas por entre os galhos folhudos. Logo adormeci. No dia seguinte acordei cedinho. Olhei em volta do acampamento e caí na gargalhada. Ao pé de uma árvore o motorista da equipe estava de quatro, com o rosto por entre as raízes, numa daquelas posições de perder a guerra. Mais adiante, o geólogo, deitado de bruços fazia companhia a um monte de esterco de algum animal desconhecido. Próximo às cinzas da extinta fogueira, estava a pesquisadora, minha companheira, com o jeans e a blusa emporcalhados sei lá de quê. Não conseguia parar de rir. O tempo estava armando um temporal daqueles que só naquela região acontecem. Folhas voavam, galhos caíam, nossas redes rodopiavam. As mochilas que penduramos com nossos pertences nos galhos das árvores, queriam alçar voo junto com os pássaros que esbaforidos fugiam para locais ignorados. E nada dos valentes bebedores acordarem. Tomei a liberdade de despertá-los com um bom balde de água nas fuças. Pensado e logo feito. Um por um foram acordando assustados, e a água levou o resto da carraspana embora. A chuva torrencial caiu sobre nós e tudo mais, com a força de um furacão oceânico, embora estivéssemos à milhas de um deles. Um índio veio correndo debaixo de um imenso galho de palmeira servindo de guarda chuva, e nos chamou para uma das cabanas. Encharcados aceitamos a hospitalidade, porque com aquele aguaceiro não havia jeito de trabalhar. Por lá ficamos durante três dias até a chuva amainar, o que deu tempo, 6


mais do que suficiente, para a pesquisa sobre essa Nação fantástica ser concluída. E garanto que a bebidinha amarela dos hospitaleiros Ashaninkas correu solta. Ao partirmos para concluir nosso trabalho em outras aldeias, um dos guapos ‘guerreiros’ de nossa equipe já estava quase de casamento marcado com uma bela indiazinha. E eu levava um colar e uma pulseira de sementes, presente do povo especial que nos hospedou, e que guardo até hoje.

Cabanas hospitaleiras erguidas sobre pilotis de pau a pique. (Fotos de arquivo particular).

Neste nosso Brasil Continente, tantas raças, tantos costumes, tantas línguas, são a riqueza de uma nação de coração aberto, onde em alguns lugares, a falta de tudo nos faz pensar que não precisamos de nada.

A seringueira. Uma das riquezas exploradas pelos indígenas Ashaninkas às margens do Rio Envira. Colheita do látex

Rio Envira, onde a pesca é um dos sustentos principais das tribos daquela região.

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Na Bahia Estive na Bahia várias vezes e visitei muitas cidades por lá. Conversei com gente da Capital e do interior. Todos uma alegria só. Baiano tem o coração no olhar e a alma nas mãos. São poetas, conversadores e amigos. Alguns despintam, mas se você olhar bem vai ver que não são baianos nativos. Os de lá são hospitaleiros, alegres e comunicativos. O senhor Genivaldo mora numa pequena e escondida cidade do sertão baiano. E escreve bem como ele só, tem uma caligrafia de fazer inveja às fontes do Word e seu português é para Aurélio nenhum colocar defeito. Tem ligeireza no pensar quando alguém lhe pede para escrever uma carta, seja ela de amor ou de negócios. Por isso todos os analfabetos da redondeza vêm até ele, ora para pedir uma carta para seu amor, ora para escrever ao compadre que mora em São Paulo. Mas quando ele fala! É um despropósito. Tive notícias dele nas andanças que fazia naquelas paragens. Por pura curiosidade fui conversar com Ele, em um dia que passava por seu vilarejo:

“Clarinha mora na roça Nenhum homem ela namora. Não se deve fazer troça Senão ela vai embora”. Pedi então para ele ler a trova. Saiu assim: ‘Clarim mór na róça Ninhum óme el namór, Num si dev fazê tróça Sinão el vai simbór’. Perguntei se podia ficar com a trova. Ele disse que sim, que era minha e podia fazer dela o que quisesse. Resolvi, então, compartilhar a sabedoria de Seu Genivaldo, escritor e poeta do sertão. Nessa nossa Bahia de Todos os Santos e de todos os poetas, a beleza da simplicidade nos dá lições de cordialidade e carinho em todo lugar.

- Olá Seu Genivaldo! - Bas tard dona! - Seu Genivaldo! O senhor escreve muitas cartas? - Ó xent, moça! Si escrevu! Tanta qui si a sinhóra juntá as letra delas tudo, dá pra dá umas deiz mir vorta na terra. Ora si dá! - Gostaria que o senhor me fizesse uma trova, dessas que rola aí pelo nordeste. Disseram-me que o senhor é um grande poeta. Pode ser?

Quem disse que no Nordeste só tem secura? Cachoeira Palmital, um Oásis no sertão baiano.

- Podi sim sóra! E em menos de um minuto fez uma trova, com uma caligrafia caprichada, e sem nenhum erro. A trova ficou assim: 8


No Amazonas - Vai um açaí aí, moça? A voz era de uma menina de uns doze anos, muito linda, visivelmente pertencente à alguma tribo de índios, das muitas da região. Aceitei a oferta, pois estava com sede e fome. Viajara por terra quase três mil quilômetros com apenas uma noite de descanso. E o calor pegajoso de Manaus me deixava incomodada. Meu destino era um lugarejo às margens do Rio Negro, onde eu precisava chegar antes da tarde quente findar para realizar meu trabalho. A viagem daqui para frente seria de barco. Já havia visitado aquele Estado anteriormente e conheci muitas cidades. Todas absurdamente longe uma da outra. Enfrentando o calor e a garoa fina que em nada amenizava a quentura da travessia, o barco seguia rasgando as águas escuras rumo ao norte do Estado. Bem à tardinha chegamos ao lugarejo trepado em palafitas. Todas as pessoas estavam nos tablados alagados pela chuva que há essa hora caía torrencialmente. Não eram muitas as pessoas, porque lá só moravam alguns pescadores, gente que sobrevivia tirando da água o que comer e o ganha pão. A chegada do barco era para eles um acontecimento à parte, porque ali só aparecia alguém num barco daquele tipo, quando vinham trazer remédios, ou então algum vendedor ambulante. Aliás, naqueles rumos eram muitos deles.

A nossa conversa ia animada quando ouvimos um barulho esquisito. Olhando para o lado me assustei de verdade. Devido à elevação da água pela chuva torrencial que caía, a altura que separava as casas do leito do rio diminuíra sensivelmente. E com isso, um enorme e cascudo jacaré pulou para a passarela que unia as casas entre si. Imediatamente dois homens correram para jogar o bicho na água novamente. O animal debateu-se e não queria de jeito nenhum sair dali. E na luta, com os afiados dentes, arrancou a calça de um dos homens, que por não estar com nada além da calça surrupiada pelo jacaré, ficou como veio ao mundo. No sem jeito que lhe veio pelo acontecido, atirou-se na água barrenta e nadou por baixo das palafitas até chegar à sua casa. A tarde virou risos enquanto o pobre rapaz se escondia. Concluído o que tínhamos a fazer naquela vila singular, saímos do lugarejo já noite. Fomos para o hotel que fica há quase trinta quilômetros do local onde estávamos. Um contraste gritante.

As palafitas dos pescadores do Rio Negro.

Fui recebida pelo líder daquela gente. Um jovem de uns trinta anos, seguramente pertencente a alguma tribo indígena. Seu nome era Ramon. Sentados debaixo de um girau para ficar um pouco a salvo da água que caía como um dilúvio, ele contou, a meu pedido, a história daquela pequena vila molhada. Seu pai, um índio criado na selva matuta, fora o fundador do lugarejo. Fincara os primeiros paus no leito do Rio que lhes dava alimento, para proteger a família das feras que transitavam pelos arredores. Era mais seguro que na floresta. Com o passar do tempo outros foram chegando. Índios e caboclos trazendo suas famílias, porque reunidos se sentiam mais fortes.

Hotel em palafitas distante há, mais ou menos, sessenta quilômetros de Manaus. Coisas do nosso mundo ‘braslisis’ que só Deus consegue entender.

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No Maranhão Ao chegar a São Luis, capital do Maranhão, fui recebida pelo calor sufocante e úmido daquela cidade linda. Também pelas pessoas, que no seu falar diferente, puxando os erres longamente, me deram as boas vindas, também com calor. Saí sozinha para ver a beleza de seus casarões antigos tombados pela UNESCO. Andando pelas ruelas dos bairros mais velhos, parece que estamos naquelas cidades interioranas da França. Isto porque a colonização francesa fala alto naquela região. No dia seguinte de nossa chegada à Capital Maranhense, saímos do hotel rumo a uma pequena cidade onde teríamos um encontro de trabalho. O veículo que nos transportava era uma camioneta daquelas com tração nas quatro rodas, mais pesada que o ar uns milhares de vezes, inclusa a tralha toda de equipamentos necessários para as pesquisas que iríamos fazer. A rota era pelos areais do deserto brasileiro que fica nos Lençóis Maranhenses. Lindo de se ver, mas quase se morre pelos quarenta e dois graus de sol queimando a pele como água quente. Nós, branquelos, ficamos como pimentões, pois o calor que ia dentro do carro assava qualquer coisa. Com a fornalha do deserto nos tornamos, todos, legítimos peles vermelhas. Repentinamente o possante traçado nas quatro rodas, atolou na areia. Quem diria! Lá fomos nós tirar equipamentos, malas e tudo que pudesse pesar da caçamba. E é claro, incluindo todos nós. Só o motorista ficou na cabine dupla. Como retirar o peso não adiantou em nada, passamos a empurrar e tentar levantar as rodas traseiras que estavam mais atoladas. Após sobrehumanos esforços conseguimos, com a ajuda de algumas correntes de elos enormes, fazermos uma espécie de apoio para o pequeno gigante, que urrando, saiu aos pinotes pelo areão. Nós correndo atrás carregando a tralha toda. Se não fosse trágico, seria hilário. Quatro seres irreconhecíveis, com bolhas de queimadura de sol por todos os locais do corpo que não estavam cobertos, seguiam a trilha quase invisível na areia branca.

uma espécie de pomada para passarmos nas queimaduras. Coisa milagrosa. Fedorenta, mas eficiente. No dia seguinte nada mais doía. Ainda estava feio de se ver. Mas não sentíamos mais dor. Meus colegas e eu seguimos adiante após o trabalho concluído. No trajeto, passamos pelas cachoeiras dos Lençóis. Coisa de cinema. Um Oásis de tirar o fôlego. Compensava qualquer queimadura. Foram muitas lagoas e chapadas ao longo de nossa jornada. Nada mais gratificante e mais belo. A Divina Inspiração fez daqueles lugares algo que não se consegue explicar em palavras. Só vendo. A Chapada das Mesas em nosso caminho foi algo para restabelecer nosso amor à vida. (Fotos de arquivo particular)

Chapada das Mesas

Cachoeira na Chapada das Mesas

Lençóis no deserto de areia quente Quando chegamos ao local do encontro causamos comoção. Alguns riam, outros ficavam penalizados. Não sei a qual dos dois grupos xingar mais. Uma senhora, dona do hotelzinho onde nos hospedamos, preparou

Se não acreditasse na existência de Deus, essas paragens fariam acreditar. 10


Em Santa Catarina

Florianópolis é uma cidade que se vê e nunca mais se esquece. Estive lá muitas vezes. Mas uma dessas vezes marcou em meu coração. Estava de passagem apenas, porque seguia para uma cidade próxima, a trabalho. Era noite e estava muito quente. Decidi dar uma olhada na praia que ficava em frente ao hotel e segui caminhando lentamente pela areia suave. As ondas que iam e vinham molhavam a orla com a deliciosa água a meus pés. Encontrei uma garotinha loira, muito linda, que carregava uma panela velha nas mãos. Ela me pediu dinheiro. Achei que fosse boa a ocasião para uma conversa. Sentei-me na areia e a convidei para sentar-se a meu lado. Um tanto receosa ela acedeu ao convite, mas ficando a uma distância que eu não conseguisse tocá-la. Perguntei-lhe de onde era, com quem morava, sua idade, e coisas assim. Respondia por monossílabos, ou no máximo um ‘sim senhora’ ou ‘não senhora’. Como fui insistindo na conversa, ela soltou o verbo e contou-me que morava com a madrasta e o pai, que a faziam ‘trabalhar’ na praia para garantir seu sustento, e que tinha um valor diário a arrecadar exigido por eles, e enquanto não obtivesse esse valor, não poderia voltar. Aquele era um dos dias que ainda não havia conseguido o suficiente para não apanhar quando chegasse. Após uma longa conversa, ela perguntou se eu a queria como filha. E seus olhinhos negros derramavam grossas lágrimas de medo, de dor e de infelicidade. Gostaria muito que o mundo fosse diferente. Que crianças não fossem obrigadas a se prostituir para viver. Porque prostituição não é só vender o corpo, a maior delas é vender a dignidade e a confiança na vida. Em uma cidade tão linda, com um povo acolhedor e alegre, uma mancha muito escura nas areias brancas.

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No Pará Naquele dia de sol abrasante cheguei a Belém do Pará. Minha missão, a princípio, era levar a cabo uma ferrenha disputa entre empregado e empregador que já vinha se arrastando há algum tempo. Não tive muito trabalho com isso, fiz o que tinha a fazer, ganhei a causa e saí para o abraço. Aí veio o melhor. Aproveitar um passeio até o momento de tomar o avião de volta daí a dois dias. Mas a cidade estava em verdadeiro fervor. Polvorosa seria o mínimo. Era época de uma famosa e grande procissão que se faz todo ano na Capital Paraense. A procissão do Círio de Nazaré em homenagem a Nossa Senhora. Fiquei curiosa porque onde passasse, encontrava pessoas de todo lugar do Brasil e de diversas partes do mundo. Uma miscelânea heterogênea de dar inveja até para a torre de Babel. No hotel onde estava hospedada precisei dar informações, pelo menos a trinta pessoas, que queriam saber para onde ir com segurança ao local onde se iniciaria o evento. Fiz o que pude, mas também não sabia muito bem onde seria. Pensei: ‘Também vou lá. Quero ver o que isso vai dar’. E segui a maioria, que com toda certeza me levaria até onde queria ir. Vi muitas procissões em minha vida. Mas nada que se comparasse àquilo. Uma verdadeira multidão. Os mais díspares espécimes da raça humana. E lá estavam também, inclusos no aparato, alguns cães e gatos. Coisa de se pensar. O que fariam esses animais por ali, já que não sabiam rezar, e penso eu, nem saberiam o que isso significava? Resolvi acompanhar um deles por pura curiosidade e nada melhor a fazer. Soberbo cão preto e castanho, de raça indefinida, provavelmente uma mistura singular. Raça pura ele não era. Devia pertencer a alguém, pois estava de coleira. Mas era lindamente pintado e de olhar pidão. Isso bastava. Ele ziguezagueava por entre as pernas das pessoas, e parecia ter um destino definido. Fui, com muita dificuldade, seguindo o animal pelas ruas. A procissão estava já algum tempo andando, e por isso, algumas vezes, pessoas impacientes me xingavam por eu estar ‘furando’ por entre elas. Mas nada me impediria de ir ver o que um cão faz em uma procissão. Eu estava derramando suor, meu chapéu já não atacava nada, o sol estava de uma quentura digna de outro local bem mais indigno. Mas lá estava eu, determinada como

Salomão com suas minas. De repente o belo animal parou, farejou o ar, olhou para o meu lado como se entendesse que eu o seguia, e virou por uma rua onde não havia tanta gente. ‘Caramba – pensei - será que ele sabe que o estou seguindo?’ Continuamos. Agora estávamos lado a lado. Ele virava por uma esquina e outra, e eu junto. Finalmente ele parou. Estávamos diante da bela Catedral de onde a imagem de Nossa Senhora de Nazaré saíra. Havia um verdadeiro tapete de pétalas de rosas de todas as cores. O bichinho sentou, me olhou, levantou devagar e se enfiou por entre as pernas das pessoas que ainda estavam por lá, centenas delas, e desapareceu. Fiquei ali a olhar para as torres brancas luzindo ao sol. Nesse instante, compreendi que fui levada até lá, porque precisava ouvir o canto que a multidão entoava: “Abra as portas do seu coração, e deixe a luz do céu entrar”. Voltei para o hotel com a mente e a alma cheias da luz que emanou daquela tarde. E minha fé em Deus, que andava meio abalada, por obra e graça de um ser de Sua criação, voltou a me acompanhar. Por algum motivo eu estava lá, naquele dia, naquela hora, e segui aquele cão. Coisas que existem entre o céu e a terra, que nem Freud explica.

As torres da Catedral da Sé em Belém, onde se inicia a procissão.

Pessoas anônimas em sua caminhada, carregando a corda na procissão. É preciso ter fé. 12


No Paraná Seu Gervásio morava no interior de um dos menores municípios do Estado do Paraná, Brasil. Para chegar a casa dele não havia estrada para veículos automotores. Só carro de boi ou a cavalo. Mas quando lá se chegava o trato ao visitante era algo incomum. Já no velho portão de ripas escuras e quase caindo, Seu Gervásio dava as boas vindas com aquele largo sorriso mostrando o único dente, remanescente de longos anos de maus tratos na dentuça. Afinal, Seu Gervásio nasceu, cresceu, casou, teve uma prole invejável, tudo isso sem sair dali do cantinho que ele chamava de seu. Nasceram os netos, bisnetos, e sempre ali naquele sítio incrustado no fim do mundo. Quando eu o conheci, ele já estava doente. Mas não sabia o que era, nem a extensão da doença porque nunca fora ao médico. Foi necessário muito esforço da família preocupada, para conseguir tirá-lo das lidas da roça e levá-lo à cidade para fazer os exames. Seu Gervásio era teimoso como uma mula. Antes dos fatos que vou narrar, já havia ido várias vezes a casa dele. Gostava do desfiar das histórias que ele contava. Era um número muito grande de causos e acontecimentos, contados na velha varanda quase caindo, comendo pipoca estourada na banha de porco, ou o bolinho de fubá quentinho que Dona Gertrudes, a bem humorada esposa de Seu Gervásio, servia em uma desbeiçada bacia de alumínio. E o sempre presente chá de capim santo quase fervendo. Seu Gervásio e a família faziam-me perder de vista a hora de voltar para casa. Ele com sua risada desdentada e fala mansa, os outros porque queriam me ouvir, também, falar sobre minhas andanças nas estradas empoeiradas. E o tempo passava ser perceber. No dia que seus filhos levaram Seu Gervásio para o médico, foi um evento frenético. Até os ‘vizinhos’ de léguas de distância ficaram sabendo. Sim, porque lá por aquelas paragens, o morador mais próximo, e que mora de dez a quinze quilômetros, é chamado de ‘vizinho’. Os comentários sobre o fato se fizeram ouvir por todo lugar na redondeza, levado de boca em bo-

ca: ‘Seu Gervásio está doente’. Alguns até já aventavam a morte do ancião. Exageros do diz que diz de lugares onde as novidades são poucas. Mas, Seu Gervásio foi e voltou. O médico, após os exames feitos e analisados, devolveu-o ao Rincão, pedindo que retornasse um mês depois. Mas quem diz que ele voltou. Volta nada! Tomou os remédios muito a contragosto e ficou por isso mesmo. Afinal, ele sabia o que era bom para si. Eu por minha vez, continuei visitando o Rincão mesmo depois que concluí meu trabalho por aquelas bandas. Dava um jeitinho de desviar o caminho para dar dois dedos de prosa, como dizia ele, com o simpático ancião. Suas histórias me faziam muito bem. Uma delas, ele me contou durante uma dessas chuvas de verão, fortes, com vento jogando folhas e galhos por todo lado. A varanda ficava impossível, então entramos para a cozinha onde Dona Gertrudes fritava os bolinhos de fubá e preparava o chá de capim santo. A história foi contada assim: Seu cunhado, de alcunha Manezinho, saiu um dia de madrugada para ir à Vila fazer o rancho, que incluía trazer um mundo de coisas para toda a família. A Vila distava dali uns vinte quilômetros. Um burro encilhado, mais outro com duas cangalhas, e dois cestos pendurados em ambos os lados do animal para trazer as compras do rancho. Era costume do lugar, toda vez que alguém ia para a Vila, levar uma longa lista de pedidos que incluía os mais diversos artigos. Fitas para cabelo, tecido para vestidos e camisas, uma boneca para alguma das meninas, um carrinho para algum menino. E como a família era muito grande, a lista também era avantajada. Quando Manezinho sumiu na curva do estreito caminho e já ia escondido pela mata, Seu Gervásio ouviu um grito. Apurou o ouvido e ficou a espera de mais barulho, mas nada. Tudo silêncio. Só os bandos de baitacas e os bem-te-vis costumeiros disputando no canto com os sabiás e canários, que naquela região eram muitos. Seu Gervásio voltou para a lida e esqueceu-se do grito. Seria uma baitaca desgarrada dando o aviso do descuido com a ave rapineira. À tardinha, o sol já ia escondido e Manezinho nem sinal. Será que o malandro abusou da branquinha na casa do Armazém, e estava por aí a 13


dormir embaixo de alguma árvore? Esperaram e nada. Já era noite. Melhor esperar até o amanhecer, porque bem pode o Manezinho ainda surgir aí de supetão. A família se recolheu. Sua irmã vociferando contra o marido beberrão, que por certo em vez de fazer as compras dos mandados, gastara todo o dinheiro na cachaça. Seu Gervásio, no silêncio da noite, ficou sozinho no escuro da varanda olhando e contando estrelas, até adormecer no balanço da rede modorrenta, com a lua prateando as árvores lá no fundo da lavoura. Acordou com o sol. Levantou de um pulo e foi ver se o cunhado havia chegado enquanto dormia. Não. Não voltara ainda. Sua irmã abespinhada vociferou uns impropérios contra o marido desmiolado e beberrão. Sem dizer nada, Seu Gervásio celou o cavalo e foi pelo caminho da Vila. Nem chegou a andar muito, logo depois da curva onde viu o cunhado sumir no dia anterior, estavam os dois burros. Um arreado e o outro com as cangalhas, amarrados em um tronco com as próprias rédeas. Ao lado um boné vermelho, desses que o Saci Pererê usa. E nada do Manezinho. Nem rastro. Seu Gervásio desatou os burros, pegou o boné do saci e voltou para a casa. Contou à família o que vira. Todos começaram a chorar, e sua irmã pediu perdão ao marido, porque todos os que o Saci Pererê carrega ninguém mais tem notícia. E assim foi com Manezinho. Ninguém mais soube dele. E ninguém vai atrás do que o Saci leva. Um ano depois, o compadre de Seu Gervásio, padrinho de seu filho mais velho, falou ter visto um cara tal e qual o Manezinho trabalhando de pedreiro, na cidade onde ia levar o gado que vendia. Mas isso de ter gente parecida uns com os outros, é normal. Afinal Deus não fez um só. Fez um mundão de gente. E Seu Gervásio mastigava um bolinho de fubá. Até hoje ainda não atinei como ele fazia isso com um dente só. E olha que comia torresmo, pipoca, pinhão assado e muitas outras coisas. E vai ver que o pedreiro era mesmo um sósia do Manezinho. Só mais um dos tantos que Deus fez parecidos. Porque aqueles que o Saci Pererê leva, não se tem mais notícia. Continuei com minhas visitas. Mesmo tendo que fazer umas voltas bem grandes para chegar até lá. E ainda precisava deixar o carro na Vila e ir a

pé, ou de carona em carro de boi. E Seu Gervásio ainda estava doente, cada vez mais fraco. Eu precisava ir lá para vê-lo antes que fosse tarde demais. Sentia-me como que na obrigação disso. Não era, é lógico. Mas ia. Um dia cheguei mais cedo que o costume e Seu Gervásio não estava em casa. Fora à cidade para nova consulta. Perdera a vez na que havia marcado na outra ida ao médico. Mas ele era assim. Teimoso. Mas dessa vez foi internado. Era grave. O tempo passou, meu trabalho me levou para sítios mais distantes. Ficou difícil voltar lá para ver o meu amigo. Soube por pessoas de outras localidades próximas, que conheciam Seu Gervásio, ele estar muito mal. Pensei - um dia volto lá. - Mas não voltei. E Seu Gervásio faleceu. Soube por estórias contadas de pessoas suas conhecidas. Com ele foram as histórias, mas ficaram as lembranças. A saudade do varandão, do bolinho de fubá, do chá de capim santo queimando a boca, do sorriso de um dente só e dos que o Saci Pererê leva. Saudade do que o Sertão Brasileiro guarda.

O canto da infinidade de espécies de aves nestas matas forma uma sinfonia singular e maravilhosa.

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Em Roraima Em Boa Vista tudo é bonito. E o forró reina solto pelas noites quentes nos bares a beira do Rio Branco, que na seca (outubro a março), vira um balneário. São diversas praias ao longo do rio, algumas com infraestrutura de causar inveja aos grandes centros. Foi também a trabalho que por lá passei. E como de costume, nossa missão era nos confins dos sertões chuvosos, a procura de umas tribos indígenas que por lá viviam, e vivem até hoje. Os chamados Tuchawas, representantes das etnias Macuxi, Wapixana, Ingarikó, Taurepang e Patamona. A tribo que iríamos visitar pertencia ao povo Ingarikó. Uma gente que vive da caça, pesca e artesanato, vendendo cestos feitos de ‘cipó titica’ e fibra de ‘arumã’. As pessoas diziam esses índios serem perigosos. Nossa caravana embrenhou-se seguindo pelas margens do rio em trilhas feitas por animais, até chegarmos à primeira das vilas, ou malocas, como são chamadas por lá. Na verdade estávamos receosos. Levamos a sério a informação que nos foi dada da periculosidade dos índios da região. Esta fama vinha por causa dos garimpos em suas terras, e os ‘não índios’ que por lá andavam, não eram bem recebidos. Quem veio ao nosso encontro foi um padre. Ele nos acolheu em sua casa, nos deu o que comer, e posteriormente nos apresentou ao Chefe, que estava de cocar e tudo. Após as apresentações e comunicado nossa tarefa a cumprir, ele, o chefe, quis acompanhar a equipe em todo o trabalho. O padre foi cuidar de suas obrigações. E depois de algum tempo, um jovem índio colou em mim. A cada lugar que eu ia, o esbelto moreno se fazia presente. E olha que não era só eu que precisava de tradutor, a equipe toda era completamente leiga na língua deles. Mas o tal moço parecia pretender estar comigo para maior ‘segurança’. Ficamos dois dias por lá. E embora eu houvesse enfatizado ao ‘bondoso’ rapaz que não era necessária sua presença, a teimosia o fazia perambular de maloca em maloca ao meu lado.

Após o término do trabalho, o padre e sua equipe nos proporcionou um almoço de despedida. Alguns branquelos perdidos em um mar dourado de belos homens e mulheres. Porque a tribo toda é de um bronze espetacular. E junto a mim postou-se o moreno esbelto. Mas quem não gostou da ideia foi a esposa do jovem meu acompanhante. Veio com jeitinho, e foi me empurrando para o lado como quem não quer nada, e sentou-se no lugar onde eu estava. Na constituição familiar dos Ingarikós, os casais que ainda não possuem filhos, a esposa fica com os pais, e o esposo a visita regularmente. Quando os filhos nascem, constroem uma casa (maloca) e então outra família se forma. No caso específico do índio em questão, a família já era constituída. E o mico por mim caçado, foi gratuito, já que a insistência do tal em me prestar ‘apoio moral’, não foi solicitado nem aceito de bom grado. Mas vá lá, nós dependíamos da boa vontade daquela gente, que diziam ser perigosa, para que o trabalho se fizesse a contento. E como disse um amigo da equipe, o rapaz não era bobo nem nada. Ele iria querer acompanhar os marmanjos?

Aldeia Ingarikó - Serra do Sol

Em Boa Vista – até parece feito pela mão humana, mas não, foi o vento mesmo.

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Rio Grande do Sul O dia estava frio demais, embora fosse fevereiro. O sol envergonhado surgia fraquinho por entre as folhas das árvores sorridentes naquela praça deserta. Meu lento caminhar madrugueiro pelas aléias floridas, me levou a um pequeno bar onde serviam um chocolate delicioso. Era a cidade de Vacaria, onde eu e meus companheiros estávamos a trabalho. Coincidiu ser a mesma época do famoso Rodeio Internacional de Vacaria, um chamariz para os aficionados desse esporte tão comum no Sul do País. Havia gente de todas as partes. Brasileiros, Uruguaios, Argentinos, Chilenos. Uma gama avantajada de idiomas, dialetos, costumes e crenças. Mas um só objetivo: vencer o torneio. Por onde quer que se andasse, encontrava alguém falando sobre montarias, trovas, danças e poesias. Moças, senhoras, senhores e rapazes sorridentes, desfilavam seus lindos trajes folclóricos em um colorido que dava alegria à alma de quem os via.

salto da bota em um dos degraus de madeira, e o grosso casaco me salvou de quebrar as costelas na descida quase de ponta cabeça até o duro chão de areia fina e grama verdinha. Mais uma vez vi que nada acontece por acaso. Graças ao casaco não me machuquei. E a festa continuou linda. Só que absolutamente envergonhada, me desculpando com as educadas pessoas que me socorreram, saí dali sem olhar para nada, nem ninguém. Uma pena, porque pelo que vi na TV mais tarde, o rodeio esteve magnífico, premiando ginetes, laçadores, trovadores, cantadores, gaiteiros, dançarinos, poetas e muito mais. Dizem ser a maior festa da região. Só que para ir a Rodeios, aprendi que se vai de bota baixinha e confortável.

Danças

Tomei meu chocolate muito quente e saí para um passeio, e sem muito esforço encontrei o local dos festejos. Um enorme acampamento onde lindos cavalos puxados pelos seus ginetes eram as estrelas principais. Bois também. Estes e aqueles eram para as provas de laço. Fiquei para ver essas provas. Laço É claro que não estava nem um pouco preparada para subir naquelas arquibancadas a céu aberto. Nem nos trajes, nem no conhecimento dos costumes locais. Como o clima estava frio, vestia um casaco forrado de lã de carneiro e bota de salto fino. Logo percebi que o frio não era tanto para tanto casaco, e as tais arquibancadas não foram feitas para pés calçados naqueles saltos. Aí, quando pensava estar me instalando para ver as corridas e lançamentos dos laços, enrosquei o

Gineteada (Fotos de arquivo particular.) 16


Em São Paulo Nas minhas tarefas viageiras, fui à cidade de São Paulo entregar uns trabalhos prontos para a redação do jornal. Quando ia até a capital, me hospedava em casa de uma amiga chamada Alice. Pessoa resolvida, dona de sua vida e de seu pedaço na terra, como dizia ela. À noite, após os trabalhos todos colocados em dia, sentávamos ela e eu, para um bate papo e um bom vinho. Algumas taças de vinho depois, ela me contava muitas histórias sobre sua agitada vida. Uma delas me fez rir muito e precisei escrever. Foi mais ou menos assim a narrativa dela. Em um dia sem sol, com ares de que logo viria uma chuva fenomenal, Alice saiu para a caçada da semana. Ela nunca deixava passar a oportunidade de conhecer, chegar e dar a final em um belo espécime masculino. Principalmente se o tal espécime estivesse desacompanhado e com jeito de querer querendo. Seu lindo carro esporte saiu muito de mansinho da garagem de seu prédio, e dirigiu-se para a movimentada Avenida Paulista onde tudo acontecia. Achou uma vaguinha para o pequeno Audi conversível prata, que onde quer que apareça chama a atenção. Não foi à toa que ela escolheu aquele modelo. Ajudava na caça, dizia ela. Quando desceu do carro a chuva já ia desarrumando as folhas das poucas árvores na Avenida. O vento forte fazia redemoinhos pelas calçadas. Alice usava um curto vestido esvoaçante cor de pérola, sandália altíssima vermelha e bolsa da mesma cor. Sua beleza, mesmo que não quisesse, dizia que ela havia chegado a qualquer dos lugares onde fosse. Morena de encher os olhos, e ainda valorizava mais essa beleza com as melhores grifes.

O vento da rua levantava a saia, que era mais curta que o necessário, e os cabelos molhados pela chuva escorriam pelos ombros. Ao tentar pular uma poça de água no meio fio da rua, sua sandália escapuliu do pé, e se não fosse dois oportunos braços ampararem-na, ela teria estatelado o lindo corpo na calçada. O homem que a protegeu do tombo certo, ria ao tomá-la nos braços, carregando-a para dentro de um barzinho da moda, já lotado pelos mais diversos e heterogêneos exemplares de seres humanos. Enquanto era carregada, Alice analisava seu salvador, porque se não a agradasse, ela não teria nenhum escrúpulo em despachá-lo na mesma hora. Mas a análise prévia agradou. Soltando-a levemente ao lado de uma mesa, ele apresentouse. O nome, o sorriso, a fala doce, o olhar zero grau, tranquilizou a moça. Ela aceitou o convite para um Martini duplo, pois estava precisando, não tanto pela roupa molhada nem o cabelo espatifado, mas pelo desconcertante tom de autoconfiança do galante cavalheiro que a recolheu da fria chuva. Tem certas horas que uma caçadora deve tomar cuidado. Muito cuidado. Essa era uma delas. Afinal, a caçada deve ser desigual para que dê certo e tenha graça. E esse espécime bonito e agradável, poderia complicar o desenrolar dos acontecimentos para ela. Mas, o desafio vale a pena em qualquer ocasião. Após muitos martinis, sorrisos, sussurros e dengos, ambos resolveram sair do enfumaçado barzinho para encontrarem um local mais aconchegante. Afinal, a chuva se fora. Na calçada, ficaram no 'vamos no meu carro' e 'não, vamos no meu' por alguns minutos, até que decidiram cada um ir no seu para a casa do oportuno salvador de moças que caem na chuva. Não era longe. Chegaram rapidinho.

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Que festa foi a sessão de amasso, regada a um bom vinho tinto. No rola e rola Alice se deixou levar pela emoção, e pela primeira vez na vida disse a um parceiro de caçada que queria repetir a dose em outra ocasião. Que desastre. O cara era também caçador. E igual a ela, não repetia a dose com ninguém. Nunca. Pela primeira vez na vida Alice quis repetir, e encontrou um casa nova que não quis. Ela não merecia isso. E pelo sim ou pelo não, falou que estava brincando. Que ela também nunca repetia o mesmo parceiro em nenhuma ocasião. Paciência. Ela voltou para sua casa pensando que foi melhor assim. Afinal, uma caçadora que se preze não repete o mesmo homem por nada neste mundo. Não mesmo.

Bares da moda na Avenida Paulista (Foto de acervo particular)

Avenida Paulista – São Paulo – Brasil – Foto do Blog ‘Só Solteiros”.

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Em Mato Grosso Cheguei à Cuiabá eram três horas da tarde. Quando saí do Aeroporto o ar da rua bateu em minhas faces como um bafo de chaleira quente. Cheguei a recuar tão forte foi o impacto. Creia. O calor por aquelas bandas nos meses de verão é um verdadeiro caldeirão. Meu destino era a Serra do Roncador na Aldeia dos Índios Xavantes. Um dos locais mais cheio de histórias que conheci. Disseram-me que o nome vem do barulho que o vento faz ao bater nas altas rochas, parecido com o ronco de um homem dormindo. Não achei muito parecido. Mais parece um tigre ronronando. Talvez essa impressão dependa das variações climáticas. Ou quem sabe, cada um ouve à sua maneira. Na estrada que leva à aldeia, tem um pequeno restaurante onde paramos para almoçar. Quando entramos, uma senhora já com idade avançada chegou para pedir dinheiro. Convidei-a para sentar à mesa conosco. Sentou-se e começou a falar sem parar. Depois pareceu cansar-se, levantou e caminhou em direção ao por do sol. Da algaravia toda que durou todo o almoço e mais um pouco, eu tirei essa história. Essa senhora conheceu um extraterrestre, que veio pelo portal sagrado que existe em um lago no meio da floresta, ao lado de um imenso paredão de pedra. Esse lago tem águas cristalinas e reflete um imenso sol, o qual em certas horas de um dia específico, abre com seus raios esse portal por onde os tais extraterrestres visitariam a Terra. Ela era muito jovem e bonita quando o conheceu. Disse ela, que ele era também um homem lindo, cujos olhos azuis derramavam luz por onde passava. Onde ele estivesse não havia escuridão. Ela se apaixonou, e por onde ele andasse ela ia atrás. Após alguns meses peregrinando pelos passos do lindo homem, ele se dignou a fazer amor com ela à beira do lago mágico. Após a ce-

lebração desse ato, o ser sumiu pelas águas brilhantes do lago, e só restaram os raios do imenso sol refletindo o dourado nos paredões da montanha. Por muito tempo ela ficou olhando as águas transparentes, esperando que ele voltasse. Alguns dias depois, ela se mirou no espelho do lago e ficou desesperada, seu belo semblante havia se transformado no que ela era agora, uma velha senhora cheia de rugas e manchas. Seguimos nossa viagem, meus companheiros e eu, e pelo sim ou pelo não, evitamos passar muito perto dos lagos que porventura encontrássemos na nossa viagem até a Serra do Roncador. Porque embora eu goste muito de homens bonitos, quero ficar com minha aparência como está.

Queda d’Água na Serra do Roncador – MT

(Fotos do Portal de Ufologia Brasileira)

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Em Minas Gerais Nas estradas interioranas de Minas Gerais encontram-se muitos vilarejos onde as quitandas vendem todo tipo de doces. Uma em especial, além de doces vendia abacaxis. Um de meus companheiros de viagem gostava muito dessa fruta ácida e suculenta. Comprou logo uma dúzia delas. O abacaxi enquanto está fresquinho tem um aroma delicioso. Seguimos viagem pela Estrada Real, passando por lugares pitorescos e lindos rumo ao nosso destino, bem no interior do antigo e histórico patrimônio cultural mineiro. Embora, nos lugares por onde passamos houvesse muita barraca com diversas guloseimas e quitutes gostosos, nosso amigo não comia nada, somente abacaxi. Depois de muitas e muitas horas de viagem, inúmeras paradas para descanso e degustar do abacaxi doce e suculento, vimos que ele não estava passando muito bem. Encontramos um hotelzinho na beira da estrada, simples, mas muito asseado e acolhedor, e resolvemos parar para que ele descansasse. Mal entramos na recepção, vimos que ele sumiu por alguma porta que nem percebemos existir. Preenchemos nossas fichas, levamos nossas bagagens para os quartos a nós destinados, e nos esquecemos do amigo. Na hora do jantar, reunidos na sala de refeições do pequeno hotel nos perguntamos onde andaria o homem do abacaxi. A moça que estava nos servindo disse que ele entrou para seus aposentos quando chegou, e não saiu mais. Pedimos que ela o avisasse de que estávamos à sua espera. Enquanto esperávamos, comentávamos sobre o dia. A moça voltou dizendo que ele não viria para jantar. Fiquei um pouco preocupada, já que o rapaz havia passado o dia todo só no abacaxi, sem ingerir mais nada, nem água.

ele gritou lá de dentro: ‘estou bem, pode ir dormir’. Certo então. Fui dormir. No dia seguinte, muito cedo, estávamos todos prontos para reiniciar nossa jornada. Faltava o nosso amigo abacaxizado. Surgiu ele, com o rosto macilento, a mochila pendurada no ombro, dizendo: - Não quero gozação e brincadeirinhas de mau gosto pro meu lado. Vê se me esquecem. – dizendo isso foi jogando a mochila na caçamba da camionete, entrando para o banco de passageiros e fechou a cara. Olhamos um para o outro segurando o riso. Mas, na verdade eu não sabia de nada. O motorista me chamou para o lado e confidenciou: ‘Parece que o abacaxi fez estragos no intestino do nosso amigo, e o pessoal da limpeza precisou retirar os forros da cama dele na madrugada’. Olhei para os demais, e todos estavam rindo às bandeiras despregadas. E o pobre amigo desaferrolhado queria sumir no fundo da caçamba, para onde se mudou quando todos começaram a rir. Aprendi com ele, que abacaxi se come apenas como sobremesa.

(Foto de acervo particular)

Após a refeição deliciosa, porque mineiro sabe fazer comida caseira boa como ninguém, fui ver o que se passava com ele. Antes de bater na porta 20


Em Goiás Brasileiro é mestre em fazer piadinhas de tudo e de todos. Em diversos lugares por onde passei, no sul, no norte, no centro oeste do Brasil, ouvi muitas piadinhas. Estávamos descansando em certo posto de combustível no Estado de Goiás, aproveitando para fazer uma boquinha na lanchonete. Um de meus amigos, paulista quatrocentão, pediu ao solícito garçom um prato típico da região. A iguaria era feita com pequi. Para quem conhece, sabem que essa fruta tem uns espinhos em seu caroço, que se não souber como degustar a danada, esses espinhos entram na língua de tal forma que fica muito difícil retirá-los. O desavisado amigo, antes que alguém pudesse alertá-lo sobre o fato, gulosamente enfiou na boca o tal pequi e mordeu com força. Instantaneamente os espinhos cravaram na língua e no palato do pobre homem. Ele não podia falar para nos dizer o acontecido, pois o caroço era bem avantajado, e estava definitivamente colado na boca. Ele gesticulava como louco e foi ficando com as faces vermelhas, os olhos lacrimejavam, e não sabíamos se estava chorando ou com dor. Provavelmente os dois. O garçom nos orientou a levar o pobre rapaz para o médico, já que possivelmente haveria de ser feita quase uma cirurgia para retirar os tais espinhos. Foi um tempo danado a espera na sala do hospital. Horas depois pudemos seguir viagem, com o guloso quase desfalecido pela dor no assento traseiro do veículo. E é lógico, passou a ser mais uma piadinha entre os colegas de trabalho, desta vez de paulista.

Arroz com pequi. Prato típico de Goiás.

Pequizeiro em produção.

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Em Mato Grosso do Sul Quando chegamos a Campo Grande estávamos animados para conhecer o famoso Pantanal, contado em prosa e verso no mundo todo. No aeroporto um bimotor nos esperava para a viagem até o local onde deveríamos fazer nosso trabalho. Só havia acesso pelo ar ou pela água. Não existiam estradas até onde precisávamos ir. A temporada de chuvas estava no final, e o céu que aparecia pela janela do pequeno avião era de um azul impossível. Algumas nuvens espalhavamse como flocos estremecidos, parecendo que alguém havia jogado pela janela imensa quantidade de algodão debulhado. Embaixo água e verde misturavam-se numa paisagem de extraordinária beleza. Não se via terra. Após duas horas de voo, o pouso suave foi em um pequeno aeroporto particular, de onde seguiríamos viagem de barco. Mas já estava tarde, e o dono do local sugeriu que pernoitássemos ali, pois a noite do pantanal reserva surpresas que, na maioria das vezes, podem ser extremamente desagradáveis. Depois de um jantar com muito peixe, fomos olhar as escuras águas de um ‘poço’ onde pescadores noturnos jogavam seus anzóis. Um dos componentes de nosso grupo de trabalho, curioso como ele só, foi volteando pelas margens da água e sumiu na escuridão. Ninguém deu pela falta dele até ouvirmos um grito de socorro. Dois jovens que trabalhavam no local saíram correndo para o rumo de onde veio o grito, e nós saímos atrás. Há uns cem metros de onde estávamos, encontramos o ‘corajoso’ amigo agarrado a uns cipós, só de camisa e cuecas, pendurado na barranca do rio como se fora um galho da árvore que lhe cedeu o cipó. A princípio ficamos receosos, mesmo porque ele era nosso motorista, e não poderíamos ficar sem sua ajuda. Maldade pura. Quando os fortes rapazes locais retiraram o afoito de dentro da água, vimos que por sorte estava inteiro, porque naquele local havia muita piranha,

e foi mesmo por pura providencia divina, e por não ter nenhum corte no corpo, que elas lhe passaram ao largo. Mas a calça e os sapatos foram parar nos galhos enroscados pelas barrancas. Enquanto voltávamos para a sede da fazenda que nos acolhia, a turma toda se contorcia em risos e piadas vendo o pobre caminhar descalço e sem calças pela escuridão. De vez em quando o rapaz que o salvou, iluminava com sua poderosa lanterna a figura esguia e capenga que marchava a nossa frente. Nos três próximos dias de nossa viagem pelas águas do Pantanal, o desalentado amigo foi o alvo principal para o passatempo da longa jornada.

Pantanal Mato-grossense – foto de acervo particular

Tuiuiú – foto de Izabel Martins

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Em Sergipe Quando chegamos a Sergipe notamos que tudo fica logo ali. Um Estado de dimensões pequenas se compararmos com esse Brasil Continente. Aracaju é o Polo. Por ela acessamos a maioria das outras cidades do Estado. As históricas São Cristóvão, a mais antiga do País, e Laranjeiras, linda demais. E para Mangue Seco é um pulinho. Lá foi que Jorge Amado se inspirou para o seu romance Tieta. São Cristóvão, a primeira capital de Sergipe tem sua arquitetura remontada aos séculos XVII e XVIII. Laranjeiras tem um aspecto de antiguidade, que mostra a colonização Jesuíta e a escravidão no Brasil Colônia. Fomos até o Canyon do Xingó para ver onde o bando de Lampião morreu. Coisa linda de se ver. Um lago entre grandes vales brilhando ao sol. Lá está, hoje, a segunda maior hidrelétrica do Brasil. A fauna lá é de fazer inveja ao poeta mais criativo. O Rio São Francisco, chamado de ‘Grande Chico’ pelos locais, segue sobranceiro até o Oceano. Na Costa dos Manguezais, litoral norte, está o pantanal de Pacatuba, uma área de 40 km2 que abriga aves e animais ameaçados de extinção, como o jacaré do papo amarelo. É também na Costa dos Manguezais que está Pirambu, com suas praias, dunas e manguezais, a principal cidade da região. Esta cidade abriga a unidade do Projeto Tamar, criado nos anos 80 pelo IBAMA para proteger as tartarugas marinhas. Foi nessa praia que conheci Windomar. Um rapaz cheio de vida e saúde. Morava debaixo das palmeiras, comia o que pescava, e vestia o que ganhava. Sua riqueza era a água onde as tartarugas nadavam. Sentamos na areia à sombra de um grosso jerivazeiro e lhe fiz muitas perguntas.

vam. Um dia achou uma tartaruguinha recémnascida que corria em busca da água do mar. Seguiu a pequena pela areia, mas viu que ela estava com a patinha machucada. Não deixou prosseguir. Uma bichinha tão miúda e machucada, não teria nenhuma chance de sobreviver no marzão lá adiante. Levou para debaixo das palmeiras onde vivia e cuidou dela com carinho. Deu-lhe até um nome: Rosinha. Ficou com ela por dois anos. Deu uma trabalheira danada, porque ao menor descuido a bichinha queria ir para o mar. Afinal, era sua casa e ansiava por ele. Um dia, um dos rapazes do Projeto Tamar disse que ele deveria deixar a tartaruguinha seguir seu destino. Ela precisava ir com as demais viver a vida de tartaruga. Tanto insistiu e falou que Windomar tirou a cerca de casca de coco que havia feito, sentou na areia e esperou que ela decidisse iniciar sua caminhada rumo à liberdade. A Rosinha lentamente foi saindo do cativeiro, arrastando-se com dificuldade pela areia. Com determinação seguiu rumo às águas brilhantes de sol. Ele seguiu atrás dela, esperando que ela desistisse. Mas qual! Ela seguiu firme e determinada. Quando a água chegou até a areia, ela deixou-se suspender pelas ondas suaves e sumiu no azul esverdeado do oceano. Ele sentou e ficou esperando por dias e dias que ela voltasse. Mas ele nunca mais viu sua Rosinha. E concluiu dizendo: “Na vida só tive ela de meu de verdade.” Algumas vezes a vida faz isso com a gente. Leva a única coisa que temos de nosso, e nos deixa sem saber o que dizer ou fazer. Nos deixa sem chão.

Ele não lembrava onde nasceu. Só sabia que desde bem pequeno sua vida fora ali naquela praia, e era assim e sempre seria. Vivendo do que lhe da23


Em Pernambuco Entrei no aeroporto correndo. Precisava fazer o check-in rapidinho porque o avião sairia dali a pouco. A mala enorme cheia de tantas necessidades imprescindíveis pesava uma tonelada. Enquanto corria pelo saguão atopetado de gente, tropecei na bengala de um cego, passei por cima de um saco de dormir amarrado em uma mochila, e pedindo desculpas à direita e à esquerda cheguei esbaforida ao guichê. É lógico que a mala excedeu o peso. Trâmites cumpridos no balcão corri para o embarque. No corredor que leva ao túnel de acesso à aeronave, bati na bolsa de uma senhora idosa, que mesmo tendo pedido mil desculpas a ela, me disse poucas e boas, como por exemplo ‘essas pessoas sem educação não respeitam nem os idosos.’ Claro que mereci cada um dos impropérios, porque, afinal, já estava prestes a embarcar, já era tão necessária tanta afobação. Culpa do subconsciente que guardou lá no fundo a noção do atraso que poderia ter acontecido. Chegando ao destino, já acalmada pela viagem tranquila, desci com o coração feliz. Estava em férias e planejava aproveitar tudinho delas. Era verão, e o verão passa rápido. Quando cheguei ao hotel reservado por mim através de uma agência de viagens, olhei para a fachada e pensei estar enganada de endereço. Não era exatamente um hotel, e sim um arremedo de pousada, com uma placa caindo nos gonzos onde dizia: “Hotel da Praia”. Com a imensa mala rodando pela calçada procurei a porta de entrada. A recepção era um pequeno balcão de madeira com a pintura descascada, alguns livros velhos de anotações espalhados na superfície. Um senhor calvo com uma camisa que em algum tempo remoto deveria ter sido branca, cumprimentou-me sorrindo e disse com um sotaque,

que para uma sulista como eu, foi quase incompreensível: − Seja bem vinda! Tem reserva? − Sim! – respondi pensando comigo mesma, que naquela espelunca não teria tanta gente assim, afinal. − Seu nome? – ele perguntou. Passei meu documento de identidade e esperei que ele me desse a chave do quarto. − Acompanho você até seu quarto. – disse ele solícito. Ao chegar e ver os ‘aposentos’ verifiquei que a porta não tinha chaves, apenas uma tranca por dentro, dessas que se põe em currais de cavalos. Mais ou menos isso. Inquiri o senhor sobre a chave, e ele disse que não havia problemas, que até hoje ninguém havia reclamado sobre isso, e que ali não havia nenhum perigo. Eu seria a primeira. Fiquei horrorizada, mas como já havia feito o pagamento da metade do pacote adiantado, e a outra metade entraria em meu cartão daí a uns dias, pensei: vai melhorar. Fechei a porta com a tranca e fui fiscalizar a higiene. Até que estava razoavelmente limpo. Como sempre carrego comigo lençóis e alguns apetrechos de limpeza, antes de sair para o primeiro passeio deixei o aposento mais ou menos habitável. Afinal seriam somente dez dias. Meu Deus!!!! Dez dias!!! Nessa espelunca desastrosa!!! Quase desatei a chorar. Mas não iria deixar coisas assim, tão poucas, arruinarem minhas férias. Após um banho demorado, vesti um biquíni, uma canga colorida, passei um poderoso filtro solar e saí procurando a praia. Pedi informações e me disseram que a praia estaria a mais ou menos três quilômetros dali. Bem, andar três quilômetros a beira mar seria agradável, mas por entre prédios velhos em ruelas que parecem mal assombradas, fica difícil. Voltei. Troquei de roupa, coloquei o 24


biquíni em uma sacola e fui andar os tais três quilômetros. Engraçado que a direção que me deram parecia ir ao norte, e não para o leste onde deveria estar o mar. Mas, o senhor do hotel não iria mentir. Segui em frente. Após ter calculado mais ou menos os três quilômetros andados, perguntei a um menino que passava: − O mar está perto? − Tá sim sinhora. É logo ali dispois da esquina daquela casa branca.

Recife – lindas praias.

Pensei que pelo menos estava indo na direção certa. Passei pela ‘esquina’ que o garoto falou e vi o mar. Só que não era praia, era um amontoado de pedras, latas velhas, barcos abandonados, e um mundo de coisas que eu nunca vira assim juntas em um lugar só. Um cheiro forte de peixe frito e água suja veio até minhas narinas. Aí minha paciência estourou. De onde estava, olhando os entulhos malcheirosos, liguei para o número da agência de viagens que me vendeu o pacote e perguntei se eles estavam brincando comigo. Após muita conversa e esclarecimentos, fui informada que provavelmente o motorista de taxi que me trouxe do aeroporto, enganou-se no endereço e me deixou na espelunca onde estava. Orientaram-me de como devia proceder, e finalmente fui parar no lugar certo. Aí, sentada na espreguiçadeira da piscina do hotel verdadeiro, para onde deveria ter ido desde o início, escrevi este texto, para guardar e lembrar-me sempre que o lesse, de tomar um calmante ao sair atrasada para pegar um voo, e principalmente de nunca confiar em motoristas de taxis possivelmente embriagados. Ora bolas. E o moço simpático que me olhava da espreguiçadeira ao lado, lembrou-me que a vida era linda.

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Viajar por caminhos que muitas vezes nos levam a lugar nenhum, nos dĂĄ a oportunidade do conhecimento de coisas e pessoas, cujos ensinamentos nos serĂŁo Ăşteis por toda a vida. Paola Rhoden

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PAOLA RHODEN ROMANCISTA CONTISTA POETISA CRONISTA

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