Pequenas Hist贸rias
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Alguns livros de Paola Rhoden nas livrarias e no Amazon.com
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O Sonhador
avestruzes selvagens que vez ou outra vinham se misturar com os puros-sangues
E
ntre a luz de uma estrela e a luz de um pirilampo, Perônio, adepto feroz da conservação da natureza,
ficava com os dois. Ele gostaria que o mundo fosse como o brilho do sol, sempre imutável. Não aprendeu isso na escola porque quase não a frequentou, mas com a beleza da vida, vista todos os dias pela janela de seus olhos atentos, nas corridas cheias de frio nas madrugadas silenciosas.
que enfeitavam os belos pastos do Haras de seu pai. O Haras Santa Marta. Nessas horas de corridas ia por caminhos descobertos, na ocasião pelo instinto dos seus pés, e rasgados no meio de uma natureza cósmica, verde como a alucinação, com alguns ramos vistos em pormenor, por neles pousar inquieto um pombo bravo, ou se aninhar, disfarçada, uma perdiz, talvez escapes da espingarda de algum caçador. A corrida foi a maneira que ele encontrou
Diferente de seu nome, Perônio era bonito
nas forças elementares do mundo, para o
nos seus parcos vinte e um anos. Quando
prazer de relaxar a alma e os pensamen-
ficava absorto olhando o céu cheio de luar,
tos. Nada lhe era mais caro que esse cor-
com os longos cabelos negros caídos até os
rer, e nenhuma outra razão conseguiria,
ombros, parecia um deus moreno olhando
desde a infância, desviá-lo desse caminho,
sua criação. Era guapo o filho do senhor
e a vida, a de todos os dias, e de todas a
das terras, o Dr. Faustino, que de doutor
gentes, com lágrimas e alegrias, ambições
não tinha nada, só o título ganho pelos
e desalentos, ficara-lhe, a ele, Perônio,
dons do dinheiro, que o tinha em quanti-
sempre ao largo, vestida de uma realidade
dade suficiente para domar as rebeldias
que não conseguia ver, além de sua pró-
dos outros grandes da região, que o viam
pria agitação.
com bons olhos, pois era influente lá pela capital e com os políticos.
A escola lhe causava arrepios! As poucas vezes que fora até o feio e escuro casebre
Mas Perônio não queria glórias, só queria
que servia de estabelecimento de ensino
viver sua pacata vida, correndo ao lado dos
no povoado, só serviu para irritá-lo. As cri3
anças maldosas em sua inocência pergun-
ser um dos animais deitados ainda no des-
tavam: "Hei! Perônio! Onde está a Tíbia?"
canso noturno, ou um dos cupinzeiros que
– ou coisas do gênero, sempre o ridiculari-
na madrugada transformavam-se escuros
zando pelo nome ou pelo seu jeito um tan-
pelo lusco-fusco. Quando chegou bem per-
to altaneiro e arrogante que assumia como
to levou um susto ao perceber que era um
defesa natural. Por isso mal sabia ler ou
ser humano. Mas um ser bem estranho!
escrever algumas poucas palavras.
Mambembe e magro como um varapau, e
- Pra que serve isso? Não me faz nenhuma falta! – dizia a quem o interrogasse. Seu pai perguntava mais por desencargo de consciência do que por verdadeira pre-
estava extremamente sujo. - Hôo! Homem de Deus! Que susto! Como aparece assim de repente na frente de um sujeito que corre só na madrugada?
ocupação, se havia alguma coisa que o in-
- Me perdoa! Tava mesmo lhe esperando!
teressasse além de correr pelos pastos
Sua corrida passa aqui todo dia, e por isso
como um potro rebelde. Não havia nada
esperei pra lhe falar.
neste mundo que quisesse mais que isso. Essas corridas lhe faziam bem à alma. E por
Era Venâncio, antigo trabalhador de seu pai, que sumira há muito.
aí ficava a preocupação do pai, que orgulhoso pensava: Rapaz bonito esse meu fi-
- Quer falar comigo?
lho, veio igual à mãe!
- Sim! O senhor já completou vinte e um
Um dia de manhãzinha, quando o sol ainda
anos, está na hora de lhe contar as coisas
nem tinha sonhado em dar a graça de seus
que prometi pra senhora sua mãe, de lhe
raios pelas campinas, Perônio corria como
dizer quando chegasse a hora.
sempre, preocupado apenas em não des-
E discorreu para Perônio uma história nun-
manchar os grandes cupinzeiros que se
ca imaginada por ele. Sua mãe, moça boni-
erguiam ao longo do caminho. Foi notando
ta e prendada, crescera na pequena vila
aos poucos um vulto que se aproximava ao
que era vizinha ao povoado onde morava
passo que sua corrida progredia. Pensou
até hoje, o senhor seu pai. Faustino quan4
do a viu em uma feira de cavalos apaixo-
ela ainda não viera tomar o caldo do desje-
nou-se na hora, e passados poucos dias foi
jum, como fazia todo dia.
ter com o pai da moça, que seduzido pelo
- Viu dona Marta?
dinheiro e por querer o bem da filha, tratou de dar a mão dela em casamento. Não
- Saiu cedo! Ainda não voltou.
demorou nada os preparativos da festa,
Alguns nem se importaram. Mas Mariazi-
porque Faustino queria tudo muito sim-
nha, a criada de quarto dela, saiu à procura
ples. Só que ninguém perguntou a Marta, a
pelos arredores, e perguntando daqui e
noiva, se era de seu gosto esse casamento.
dali, chegou ao pasto que levava ao grotão.
Foram lhe colocando tudo pronto e decidi-
Mais por intuição que por outra coisa, Ma-
do pela frente. Filha obediente que era,
riazinha seguiu o Caminho feito pela pa-
casou. Faustino, no egoísmo de seu amor,
troa. Encontrou no caminho o Venâncio,
não notou que a esposa não era feliz. E
filho do capataz que por ali rasteava uns
Marta logo ficou grávida, teve o menino,
coelhos. Era um rapaz bonito e guapo. A
que por determinação do pai Faustino, le-
moça expôs sua preocupação e pediu a
vou aquele nome que o deixou à margem
companhia dele para continuar a procura.
da vida pelo mau gosto. E foram. Quando Perônio completou seis anos, sua mãe se matou. Cedinho, saiu de casa para
- Foi por ali!
um passeio a cavalo, e o puro sangue ligei-
E os dois seguiram até o barranco do gro-
ro e fogoso, desceu com ela pela ribanceira
tão, e viram os estragos da queda de cava-
do grotão que havia na divisa das terras.
lo e amazona, feitos nas ramagens dos ar-
Era um penhasco de muitos metros que
bustos verdes e cintilantes de orvalho.
terminava nas pedras afiadas de um riozinho que descia pelas brenhas na baixada.
- Vai pra casa e avisa o patrão! – disse Venâncio a Mariazinha.
Era já tarde quando deram por falta da patroa, os empregados da cozinha, porque
Venâncio desceu pelo mesmo caminho feito pela queda do grande animal no grotão, 5
com cuidado porque era íngreme e perigo-
Faustino amou muito a sua Marta,
so. Quando em baixo chegou, a mãe de
não aceitou sua morte, e colou no filho o
Perônio ainda vivia.
amor que seria dela. Por isso nunca forçou
- Venâncio! Atirei-me porque quis. Não aguentava mais a vida com Faustino. Você sabe. Quando meu filho crescer e for homem feito, conte o que viu aqui e lhe diga por que aconteceu.
o menino a nada, nem a estudar, achando que, se ele era feliz assim, que fosse! Seu amor o cobriria de qualquer deficiência cultural. E ficou a espera do tempo passar, até o momento em que pensava em reencontrar sua Marta no além.
Mas Venâncio não sabia, apenas olhava a patroa de longe. Nem imaginava a vida dela na casa grande. Só amava em segredo, nunca iria desrespeitar o patrão que lhe pagava. Só em pensamentos.
Venâncio concluiu o relato a Perônio, e sumiu de novo. Também vagava pelas matas e pastos esperando o momento de estar com a Patroa, como estivera no momento de sua morte, a cabeça pertinho de
A mulher morreu em seus braços. Quando
seu coração!
ouviu a bulha do povaréu, sumiu no mato da baixada na beira do rio. Ninguém mais o viu. Também ficou com ele o segredo do suicídio. Embora alguns mais linguarudos até aventassem a ideia de tal, a morte ficou como acidente.
Depois de ouvir, Perônio pensou na ignorância que teve sobre os fatos que o deixara triste a vida inteira. O conhecimento colocou a dúvida, e sua alma não sabia o que fazer. Culpar o pai da morte da mãe? Mas aquele homem viveu pela lembrança da
Mas Venâncio andava por ali, escondido,
esposa. Como culpá-lo? Culpar a mãe por
mendigo de pão e de amor até o menino
deixá-lo só neste mundo mau?
crescer e ficar com idade para saber a verdade, guardada por ele, Venâncio, no coração dorido e machucado como o segredo de sua alma.
E os dias de Perônio passaram agora a ser uma longa espera, até encontrar também a mãe lá no além, como o pai e Venâncio faziam há tantos anos. Só que a espera de6
le era para uma resposta. E esperou então que essa vida traiçoeira escoasse pelos campos, em suas corridas com os avestruzes e puros sangues, e no velar das estrelas e da lua, até o encontro planejado, longe dos pirilampos, porém mais perto dos anjos. No entanto, essa espera nunca lhe dava inteira paz de espírito. Forçava-o uma espécie de compromisso com a parte traiçoeira da vida, estremando os campos do agredido e do agressor. E gritou para si mesmo – alto lá, nenhum agressor e nenhum agredido. Apenas eu a escutar a aproximação do fato irreversível. Ainda era jovem, tinha muito que esperar. Esperar pela hora que alguma coisa acontecesse para lhe dar alívio verdadeiro, e que trouxesse ao coração algo mais que a vontade de morrer.
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Católico, mas nem tanto!
J
osué vivia uma vida pacata de funcionário não muito bem remunerado, mas satisfeito com a vida. Tinha uma mulher, um filho que jogava futebol todo domingo no campinho ali perto da casa, uma casinha pequena, um cachorro vira lata. Tinha também um carrinho pequeno, popular, velho e desbotado, mas que o levava para o trabalho, e ainda aguentava as viagens de final de mês para a casa da sogra, onde ia filar um macarrão com frango. Sua mãe morava ali perto, e vinha quase todo dia a sua casa para ver se tudo ia bem. Um domingo, quando voltava da Igreja, encontrou o compadre padrinho do seu menino, que lhe deu um grande abraço e pediu:
mulher e o garoto para a casa da sogra. Assim, fico devendo essa. - Está bem, compadre. Mas ajuda então com alguma coisa, farinha para o bolo, leite, ovo, qualquer coisa mesmo. - Não está dando! A coisa ta feia, a crise ta pegando. E além do mais, estou pensando até de mudar de religião. - Deixa disso, compadre. Não quer ajudar, não ajuda. Deixa pra lá. E os dois seguiram juntos conversando. Quando se despediram na frente da casa do Josué, o compadre falou; - É! Católico, mas nem tanto, né compadre? - É, compadre! Nem tanto!
- Compadre Josué, no próximo domingo vai ter festa na Igreja, e eu como presidente da comissão da festa, peço ao compadre a ajuda para as barracas. Pode ser qualquer coisa, até mesmo dar uma mãozinha na montagem da festa. Josué coçou a cabeça, olhou para o chão, olhou para o lado, cuspiu na grama e mandou: - Sabe compadre! Podia ser! Mas acontece que no próximo domingo é dia de levar a 8
Na praça coberta de flores, era prima-
Falhas
vera, um pequeno frio ainda manchava
C
ada ser humano tem uma
o sol. Lá estava ele sentado no banco
história, cada caminhar um
folheando um livro. Notei o rapaz, não
destino. Metas, todos têm.
pela beleza, porque não era bonito,
Amores, todos encontram, mas nem
mas pelos cabelos revoltos, voando na
sempre os guardam para si, já que po-
brisa fria que fazia rodopiar as folhas
demos falhar ao reconhecer.
caídas. Ia chegando perto, ele olhou e
As falhas que deixamos pelos cami-
sorriu. Achei o sorriso agradável, mas
nhos, elas vêm sem ser chamadas,
tinha dentes escuros, mal cuidados.
encostam-se a paredes de nossas al-
Sentei no mesmo banco par olhar o sol
mas, tomam posse de nossas vidas. E
que estava lindo por entre as folhas
são traiçoeiras! Visgos pestilentos que
das árvores..
nos obrigam a chorar, a querer deixar para trás as dores por elas causadas.
- Como está? – perguntei para ter assunto.
Falhas! Coisas sem graça, nem se a- Bem! E você? percebem que destroem grande parte do que somos de verdade. Grandes falhas, pequenas falhas. Não importa! São falhas. Elas mostram suas garras e formam um torniquete em volta de
- Nada mal para um dia de início de primavera, que está com um céu azul de fazer inveja, e uma brisa ainda fria, apesar do sol.
nossos sentimentos, sufocam, matam. 9
Ele riu. Que coisa! – pensei - Como pode rir de uma tirada poética dessas?
- Que fez no braço? - Quebrei caindo de um cavalo.
Mas ele riu. Poderia ter dito: "É mesmo, está um lindo dia!" Mas não disse. Então decepcionada levantei e segui pelas ruelas da praça até o ponto de ônibus ali perto. Sentei no banco a espera que o barulhento veículo chegasse como todo dia.
Seus dentes escuros sorriram novamente. Fiquei olhando a paisagem que passava pela janela fechada, vidros sujos de sujeira milenar, mas não conseguiam esconder a beleza de todas as flores que já enfeitavam os jardins das ruas ensolaradas.
O tempo passa de mansinho quando se espera algo. Diferente de quando estamos felizes, aí ele voa. A meu lado alguém disse:
- Vai para onde? Ele perguntou sem sorrir. Sem os dentes escuros parecia mais bonito. Olhei. Seu olhar estava fixado em mim. O-
- Vai para onde? Olhei. Era ele. O rapaz dos cabelos revoltos. Parecia um poeta pelo desa-
lhos bonitos. Sempre gostei de olhos azuis, são mais profundos. - Desço no final! – respondi.
linho, mas talvez fosse professor pelo olhar de sabedoria. Quem sabe? Não
- Eu também.
lhe respondi. O ônibus chegou e o to-
Indo para o mesmo lugar, sentados no
mamos juntos. Ao subir notei que es-
mesmo banco, sentindo os mesmos
tava com um braço na tipoia.
solavancos do para e arranca do ôni10
bus indócil. O que é que fez meus olhos se encherem de lágrimas? Talvez
São falhas! E coisas que não voltam mais.
a coincidência, talvez a esperança, ou quem sabe, a poeira. O ponto final apareceu. Todos se levantaram para descer. Ele desceu. Fui atrás. Mas, ele seguiu para o lado oposto ao que eu precisava ir. Fui para o meu lado. Em uma cidade tão grande, talvez eu nunca mais o visse. E assim foi. Hoje, vinte anos depois, no mesmo ônibus, mesma cidade, sem nunca ter tido um amor, um carinho, lembrei-me do rapaz a quem não dei atenção. Poderia ter sido diferente. Poderia ter tido um amor, menos mágoas, mais felicidade e Paz. Mas não foi assim. Erros que deixam a vida mais espessa e sem cor.
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DIVAGANDO PELA VIDA
ver. Escrevia sim, algumas frases, pequenos textos, em papéis já usados pelas crianças
N
asce. Cresce. Vive. E morre. Es-
ou partes de folhas de cadernos que sobra-
ta é a trajetória dos seres vivos.
vam, porque desde bem pequena gostei de
De todos eles, quer sejam ani-
escrever. Esses papeis eu os guardei a todos
mais ou vegetais. Não foi diferente comigo, como não é com ninguém. Só que neste intervalo de nascer e morrer, etapa para a qual me encaminho célere, eu aprendi que todas as coisas que recebemos na vida, dependem diretamente do quanto podemos depositar em uma conta bancária. Como nunca pude dispor de valores suficientes para ter uma dessas contas, fiquei à margem de muitos fatores que poderiam ter feito a diferença que precisava em meu caminhar. Por necessitar sempre de todos os centavos recebidos no final de cada mês de trabalho, os quais, quase nunca eram suficientes para cobrir o total das despesas, assim foi meu viver, lutando para sobreviver.
em uma gaveta, acumulando desejos. Após muitos anos de vivência árdua, aposentei-me. Então, como qualquer outro ser aposentado neste mundo pouco acolhedor, recebi um cartão, um número e o nome da agência do banco onde deveria receber o resultado de quase quarenta anos de submissão. Quase quarenta anos de dizer sim aos filhos, ao marido e aos patrões. E no fim, um número, para que em cada final de mês possa ir, graças a Deus, receber o que me cabe, pelo que me resta de vivência. Alguns reclamam que é pouco, outros são indiferentes ao que recebem. De minha parte fico de joelhos todos os dias, para dizer a Deus que Ele foi infinitamente bom por me dar saúde e força
No transcorrer de minha longa jornada pelos
para chegar até aqui, e poder ver meus filhos
caminhos a mim reservados, na labuta de dar
crescidos e com estudo suficiente para segui-
comida aos filhos e das demais necessida-
rem suas próprias vidas. E o que é mais im-
des, absolutamente básicas, fiquei apenas na
portante, depois de tantos anos, posso dizer
vontade de dar vazão aos anseios de escre-
que tenho uma conta bancária, onde todos 12
os meses o meu dinheiro chega. Verdade
que estavam por perto, ajudando a gravar na
seja dita, que essa conta foi o governo que
lousa do meu coração. Muitas vezes achei
escolheu para mim. Mas eu a tenho, e embo-
que sou o que os outros pensam de mim, e
ra o que recebo não seja um valor que os
não o que eu penso que sou. Mas, sei tam-
bancos gostariam de administrar, posso dizer
bém que sou o que fiz acontecer. E graças
que a possuo. E isso é muito para mim, pois
aos caminhantes que se colocaram a meu
é tudo que eu tenho. E aplaudo cada centavo
lado na jornada, cheguei até aqui livre de
que recebo.
maiores comoções, embora tenha quase pe-
Quanto a escrever, agora coloco no papel, não mais em retalhos, as coisas que escrevi antes e o que escrevo agora. Passo a limpo
recido muitas vezes nos embates que precisei enfrentar. Sem pensar muito no que os outros podiam pensar.
os escritos, assim como passo a limpo a vi-
Só sei, o que foi não retorna e o amanhã ain-
da. Tiro das gavetas do passado os pedaços
da não o conheço. Só o hoje me traz a opor-
de prazer e de sofrimentos que fizeram meu
tunidade de nunca desistir de meus sonhos,
viver. Dos armários da memória tiro as teias
e de procurar dar um sentido no que quer
de aranha das lembranças, e lustro as prate-
que seja que queira fazer. Para isso, tenho o
leiras com carinho para poder guardar os
poder de minha força de vontade e do verda-
novos fatos que porventura possam surgir na
deiro querer. Com esta força, sigo novamen-
sequencia. Grandes foram os dias na labuta
te confiante pelos caminhos a mim reserva-
e nos momentos de tristeza, mas pequenos
dos pela sábia natureza, que a seu modo
nas horas de prazer, embora todos eles te-
encontra tempo para nos dar passagem pe-
nham tido o mesmo número de horas. No
las veredas do mundo, e que sempre nos
entanto, todos eles deixaram a contribuição
orienta pelas mãos de Deus, naquilo que é o
para que meu diário fosse rico em pormeno-
melhor para nós em cada momento da vida.
res. Diário este, que fiz só em minha mente, escrito com lágrimas e sorrisos, meus e dos 13
Voltando a Guarapari
pelo areão, corria com algum periquito mais corajoso que se aproximava, sorria por sorrir ao lusco-fusco da noite que se aproximava.
C
onheço o nosso Brasil de ponta a ponta. Norte a Sul, Leste a Oeste. Esse nosso Brasil lindo e faceiro.
Mas nenhum lugar mais lindo que Guarapari.
Hoje já não é mais assim. Voltei lá para ver e meu coração doeu com o que meus olhos viram. É! Pode ser saudade.
Não a Guarapari de hoje, já cheia de gente, poluída e suja. Mas a Guarapari daqueles dias, a quinze anos idos, quando a areia ainda era branca e o ar cheirava a maresia limpa. Pode chamar de nostalgia. Mas é pura vontade de ter ainda aquele sol boiando nas águas mansas, o ar matutino alegrado pelo vento nas folhas das palmeiras, o cheiro do pirão de alho misturado ao cheiro do café coado. A pousada era simples, sem riquefoques nem salamaleques. Apenas uma pou-
Era assim.
sada perdida no areal, assombreada pelas árvores e palmeiras da região. O dono, um
Ficou assim.
senhor já de idade, e sua filha, morena de encher os olhos dos marmanjos que por ali passavam. Cordiais e amistosos os dois. Davam as boas vindas, mostravam os aposentos, e deixavam o hóspede à vontade. Tão à vontade que alguns andavam de manhã até a noite, só de calção ou de biquíni, conforme o caso. Saía todo mundo logo de manhãzinha. Aí eu quedava silenciosa em um canto, ia escrevendo as cores, os sóis, os verdes,
(Foto Alcides Miranda)
tentando por no papel o colorido da vista que se abria ante meus olhos. Quando os outros voltavam, eu saía. Percorria então os arredores, ouvia o soluço das águas espraiando-se 14
Pequenas Histórias® Revista de Paola Rhoden ISBN 978-85-366-0972-0 – todos os direitos reservados Edição – Maio/2016 Fotos de Paola Rhoden –flores e jardins, todas de meu acervo particular – Algumas imagens de sites e fotógrafos devidamente referenciados. Circulação Mensal
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PAOLA RHODEN ROMANCISTA CONTISTA POETISA CRONISTA
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