1 Comunicação Dirigida e Pública
Foto divulgada em http://olhares.sapo.pt/keffera-pvf-desc-foto8768381.html
Artigos
Carissimi, João
Disciplinas: Comunicação e Prática Socioculturais
Seminário Política e Comunicação Pública
Aluno Especial no Doutorado PPGCOM/UFRGS 2013 – 1/2
A Comunicação Dirigida Aproximativa como Prática Sociocultural Organizacional: Memorial Theatro São Pedro e o Projeto Viva o Centro a pé
Reflexões sobre a Comunicação Pública
CARISSIMI, João – Comunicação e Práticas Socioculturais e Reflexões sobre a Comunicação Pública – PPGCOM/ 2013-1/2
Disciplina: Comunicação e Práticas Socioculturais Profa. Dra. Karla Maria Muller PPGCOM - 2013/1
A COMUNICAÇÃO DIRIGIDA APROXIMATIVA COMO PRÁTICA SOCIOCULTURAL ORGANIZACIONAL: MEMORIAL THEATRO SÃO PEDRO E O PROJETO VIVA O CENTRO A PÉ Por João Carissimii Aprendizagem e relações dialogadas a partir das práticas de comunicação dirigida aproximativa organizacional – Memorial Theatro São Pedro e o Projeto Viva o Centro a Pé pelo Caminho dos Antiquários, de Porto Alegre – como maneira de divulgar importantes símbolos culturais gaúchos.
Apresentação O presente caso demonstra a importância da comunicação dirigida aproximativa, sendo uma como estratégia vital, caracterizada como processo de transferência de informações significativas e selecionadas e ainda pela presença física e pelo contato direto e pessoal dos públicos com a organização. Essa mensagem, bem planejada e estruturada, está presente nos dois casos: Memorial Theatro São Pedro e Viva o Centro a Pé pelo Caminho dos Antiquários, pois transmite e conduz informações limitadas e orientadas para estabelecer a comunicação dirigida aproximativa, a partir da visita à memória cultural e da caminhada orientada pelos logradouros, além da visita aos prédios históricos. Comunicação Dirigida Aproximativa A divulgação de determinadas informações, a identidade, os princípios, produtos e serviços de qualquer organização de estilo privado, público ou da sociedade civil organizada sempre são amplamente e rapidamente noticiados por meio de instrumentos de comunicação de massa, como, por exemplo: televisão, jornal, rádio, outdoor, revista, cinema, e internet. Contudo, para se transmitir informações entre duas ou mais pessoas, as organizações contam com um grande número de meios ou instrumentos de comunicação que podem ser divididos em: orais, escritos, pictográficos, audiovisuais, escritos-pictográficos, visuais, simbólicos, auxiliares, aproximativos, acontecimentos especiais, e telemáticos, presencial ou pessoal, entre outros, como melhor delibera Kunsch (2003, p. 87)ii.
2
CARISSIMI, João – Comunicação e Práticas Socioculturais e Reflexões sobre a Comunicação Pública – PPGCOM/ 2013-1/2
Podemos considerar que o seu principal objetivo está centralizado em alterar e influenciar o comportamento e atitudes de indivíduos ou grupos, a partir das mensagens enviadas – discursos organizacionais, que auxiliam na formação da imagem, no exercício do poder, para estabelecer e manter a compreensão mútua e, consequentemente, no conceito da empresa. Assim, temos o “lugar de fala” da organização, quase sempre mediado pelos instrumentos de comunicação. É certo que o sucesso ou fracasso da mensagem está diretamente relacionado com os critérios de escolha do instrumento e da mensagem, do público-alvo que se pretende atingir, da periodicidade e extensão de tempo da mensagem, da disponibilidade de recursos humanos, materiais e tecnologias e financeiros, das condições de viabilidade técnicas, dos propósitos estratégicos de comunicação e marketing organizacional, dos norteadores estratégicos (missão, visão e valores), dos resultados anteriores apontados no balanced scorecard (BSC), entre outros fatores. Pois, toda mensagem organizacional almeja alcançar e gerar junto ao seu público de interesse, receptor, beneficiário, estratégico ou stakeholder – mediante um impacto, que o leve, por exemplo, a mudar a sua atitude e comportamento – o interesse e desejo pelos produtos e serviços ofertados, demonstrar uma curiosidade, manter a opinião favorável, melhor se posicionar diante da concorrência, garantir e conquistar a satisfação de todos os seus públicos, agir de forma positiva, expressar uma aceitação e simpatia, e participar de ações de responsabilidade socioambiental. Dessa forma, todos os instrumentos de comunicação visam provocar uma reação em forma de resposta do receptor. Essa reação pode ser análise da coerência entre o discurso e a realidade organizacional, nas questões de direito, deveres, ética, sustentabilidade, estética etc. Aqui cabe uma discussão mais aprofundada sobre a comunicação de massa, objetivos, tipos de instrumentos, potência e alcance, natureza da audiência, métodos de transmissão, vantagens e desvantagens, por exemplo. A grande disponibilidade de recursos tecnológicos de comunicação de massa, muito mais econômicos, e de fácil acesso pelas organizações, bem como por todos os públicos, tem proporcionado a sua grande utilização quando pensamos no uso mercadológico e na competitividade que as organizações enfrentam hoje. Entretanto, a comunicação administrativo-interna e institucional com o propósito de aproximar os públicos da organização, de forma estratégica, deve ser pensada ao se fazer uso de veículos/instrumentos/meios de comunicação dirigida como prática sociocultural organizacional. Neste texto, interessa-nos tratar da comunicação dirigida, especialmente da comunicação dirigida aproximativa, que traz o público junto à organização. Para Andrade (2003, p. 127), “os veículos de comunicação dirigida têm por objetivo transmitir ou conduzir a comunicação para determinados tipos de público ou seções de um público”. A comunicação dirigida se utiliza de instrumentos especiais como
3
CARISSIMI, João – Comunicação e Práticas Socioculturais e Reflexões sobre a Comunicação Pública – PPGCOM/ 2013-1/2
forma de propiciar um tempo e espaço de interação entre o emissor/comunicador e o receptor, em que haverá uma linguagem apropriada e específica a cada público. Assim, a mensagem proporcionará maior impacto, o que a torna mais eficiente e eficaz. Ainda, como afirma Fortes (2003, p. 192): A comunicação dirigida tem, portanto, a finalidade de transmitir, conduzir e algumas vezes recuperar informações, para estabelecer comunicação limitada, orientada e frequente com selecionado número de pessoas homogêneas e conhecidas, patenteando-se as condições básicas a constituição de um relacionamento efetivo com público.
A comunicação dirigida é caracterizada pela “determinação dos grupos e identificação dos públicos”, como diz Kunsch (2003, p. 73). A autora afirma que: “Nessas condições, a comunicação dirigida dispõe de mecanismos mais aptos, mais diretos e mais econômicos para alcançar os públicos identificados”. É preciso sempre se fazer uma seleção dos meios de comunicação mais adequados e de quais públicos serão envolvidos em cada mensagem utilizada pela comunicação dirigida. Cesca (1995, p. 29-30; p. 128, 129 e 130) apresenta, no livro Comunicação dirigida escrita na empresa: teoria e prática os veículos de comunicação dirigida, segundo uma classificação geral: escritos, orais, aproximativos, auxiliares, visuais, auditivos, audiovisuais. No quadro a seguir, tem-se a classificação geral dos instrumentos de comunicação dirigida aproximativos. Quadro 1 – Classificação de instrumentos de comunicação aproximativa segundo os autores Visitas do público à organização Ambulatório, auditório, biblioteca, central de atendimento, instalações e equipamentos, estacionamento, logradouros, memorial, museu, praça de esporte e de alimentação, prédios históricos, serviços de prestação de informação e outras dependências usadas pelo público.
Acontecimentos Eventos Diversos especiais Aquisições e fusões, acolhimento de Concursos, Adoção e conservação, estagiários, auxílio e subvenções de donativos, conferência, bolsa de estudos, conversas, assinatura de convênios, congressos, brindes, colônia de caminhadas guiadas, campanhas e programas, convenções, férias, círculos de cessão de instalações e equipamentos, entrevistas, excursões, controle de qualidade, concursos, datas comemorativas e cívicas, exposições, feiras, negociação, promoção discursos, homenagens, inaugurações, musicais, palestras, do turismo, reuniões de iniciativas de filantropia, mecenato e reuniões, seminários, informações ou benemerência, lançamentos de produtos e shows, treinamentos. discussão. serviços, campanhas institucionais e de causa socioambiental, patrocínios, participação em Artísticos, culturais, eventos externos, patrimônio histórico e educacionais, Observação geral: cultural, premiações, prestação de serviços esportivos, políticos, Visitas e caminhadas voluntários, programa para novos econômicos, religiosos dirigidas ou não. funcionários, programações especiais, e sociais. visitação pública, serviços prestados à comunidade. Fonte: CESCA (1995); FERREIRA (2006); FORTES (2003); KUNSCH (2003) ANDRADE (1997), e adaptações.
4
CARISSIMI, João – Comunicação e Práticas Socioculturais e Reflexões sobre a Comunicação Pública – PPGCOM/ 2013-1/2
Os veículos de comunicação dirigida aproximativa, combinados com os demais veículos dirigidos, têm a finalidade de proporcionar amplas condições para a participação dos grupos, bem como que as informações fluam nos dois sentidos: empresa/grupos e públicos/empresa. Podem ser usados tanto para projetos direcionados ao público interno quanto aos públicos misto e externos. Com base na bibliografia, aqui abordamos a comunicação dirigida aproximativa como sendo prática sociocultural das organizações e que reforça a representação organizacional, a vida cotidiana e a comunicação transformadora e dialógica. Ao abordar a comunicação dirigida aproximativa, logo pensei em descrever a “prática vivenciada” por ocasião da visita não dirigida ao “Memorial do Theatro São Pedro”iii e a Caminhada dirigida “Viva a pé o Centro pelo Caminho dos Antiquários” iv, tendo como base leituras e atividades realizadas durante a disciplina: Comunicação e Práticas Socioculturais, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFRGS. Estudo de Casos A capital dos gaúchos foi fundada em 26 de março de 1772 como Freguesia de São Francisco do Porto dos Casais. O título de cidade foi atribuído pelo imperador Dom Pedro II, em 1821. Aqui participo de dois projetos que considero como sendo de comunicação dirigida aproximativa. O primeiro, uma visita não guiada à organização Theatro São Pedro, tendo como foco principal o Memorial do Theatro São Pedro (MTSP). Já o segundo, um acontecimento especial por se tratar de uma a caminhada dirigida pelo centro de Porto Alegre. Em ambos os projetos, faço parte pela primeira vez de uma experiência na vida cotidiana para tentar investigar as práticas socioculturais do “lugar” que talvez tenha sido retratado no tempo e espaço “quase mediado” pelas mídias de massa ou de comunicação dirigida como nas dimensões: arquitetônico, histórico, político, cultural, religioso, econômico, turístico, administrativo, identitário – em que indivíduos, grupos, comunidades, públicos, cidadãos e organizações privadas ou públicas estão fortemente representados no imaginário, no simbólico e na vida cotidiana. E, para entender de que forma a sociedade se expressa a partir da memória e identidade, por exemplo, no MTSP, pelos logradouros, monumentos, prédios, praças, esculturas, apelamos para a afirmativa de Canclini (1996, p, 150). Ese conjunto de bienes y práticas tradicionales que nos identificam como nación como pueblo es apreciado como un don, algo que recibimos del pasado com tal prestigio simbólico que nos cabe discurtilo. Las únicas operacionales posibiles – preservarlo, restauralo, difundirlo – son la base más secreta de la simulação social que nos mantiene juntos.
5
CARISSIMI, João – Comunicação e Práticas Socioculturais e Reflexões sobre a Comunicação Pública – PPGCOM/ 2013-1/2
Destaco o prédio restaurado e revitalizado da ex-livraria do Globo. Nesse local, em 1909, foi instalado um linotipo que se tornou a principal gráfica de Porto Alegre. Quando à conheci, há menos de 24 anos, essa livraria tinha várias salas em diversos andares com muitos livros, exposição de obras de arte, espaços que contavam a história da Editora e Livraria do Globo, uma grande loja de papelaria, além de prestação de diversos serviços, como, por exemplo, o Correio, no subsolo, que dava acesso à Praça XV. A Prefeitura Municipal localizada no largo Jornalista Glênio Peres, Praça XV de Novembro, entre as Ruas Marechal Floriano e Uruguai, delimitado pelo Mercado Público, foi inaugurado em 1869, mas o segundo piso só foi concluído no ano de 1913. Entre os anos de 1995 e 1996, passou por uma grande reforma, que modificou sua estrutura interna e restaurou a parte externa. Foi tombado pelo município em 1979. Aqui é necessário destacar a “Praça da Matriz”, onde fica o Theatro São Pedro e o Memorial do Theatro São Pedro. Nesse lugar, em agosto de 1833, iniciava-se a construção de “um casarão” de estrutura neoclássica, e com forte sentido cultural e social para Porto Alegre. Somente no dia 27 de junho de 1858, o “Theatro São Pedro” (TSP) foi inaugurado, com a presença do presidente Ângelo Moniz da Silva Ferraz. O seu fechamento ocorreu em 1973, por falta de condições técnicas, mas a partir de 1975 houve uma ampla restauração e revitalização do TSP, que culminou com a reabertura ao público em 27 de junho de 1984. Em 1858, a cidade de Porto Alegre contava com aproximadamente 20 mil habitantes. Hoje, conta com 1,41 milhão, segundo IBGE (2012). A Praça Marechal Deodoro (ocupa 7.720m2) é conhecida como Praça da Matriz, sendo também denominada como Praça dos Três Poderes do Estado do Rio Grande do Sul, pois ela está circundada pelos centros decisórios do executivo: Palácio Piratini – sede do Governo do Estado do Rio Grande do Sul; legislativo: Assembleia Legislativa e o judiciário: Palácio da Justiça/Tribunal da Justiça vizinho ao Theatro São Pedro. A praça faz parte de um planejamento urbano, portanto reflete o poder de certos grupos que determinam as fronteiras, ao criar sedes para instituições, por exemplo: Palácio do Governo, Assembleia Legislativa, Palácio da Justiça, o Theatro São Pedro, o Museu Júlio de Castilhos, a Catedral Metropolitana, o Hotel Praça da Matriz e o Palácio do Ministério Público. Aqui, como diz Canclini (1996, p. 150-151), o patrimônio existe e sobrevive à ideologia e à oligarquia como uma força política que guarda modelos éticos, estéticos, culturais, religiosos, simbólicos e de significações socioculturais. Tudo isso é teatralizado em comemorações, visitas guiadas, prédios, monumentos e museus.
6
CARISSIMI, João – Comunicação e Práticas Socioculturais e Reflexões sobre a Comunicação Pública – PPGCOM/ 2013-1/2
Dessa forma, o Memorial Institucional é utilizado como instrumento de comunicação dirigida aproximativa pelas organizações, por exemplo, em projetos de visita à organização, caminhadas pelos logradouros, departamentos, praças, prédio histórico e memorial. Interessa-nos o exemplo da convergência entre o Theatro São Pedro (TSP), projeto ímpar no cenário arquitetônio-artístico-cultural, reconhecido no Brasil como “monumento símbolo da cultura rio-grandense”, e o Memorial do Theatro São Pedro (MSTP), que é uma mostra cultural em homenagem aos 150 anos do TSP (1858-2008), aberto para visitação no dia 8 de outubro de 2008 pela Dona Eva Sopher. O tempo e espaço do Memorial Institucional é construído sempre será produto de hierarquias políticas e a expressão dessas categorias em fronteiras estabelecidas, por exemplo, o palco e a plateia, no caso do Teatro. Já no memorial, o que podemos presenciar é uma história organizacional vivida por vários atores sociais e organizada pela instituição envolvida. Assim, podemos afirmar que temos sempre “um lugar de fala”. Uma vez recuperado o patrimônio, revitalizado e resgatado pelo uso de fotografias, móveis, livros, matérias jornalísticas, mensagens, folhetos, maquetes, imagens, cartazes, vídeos, convites, ingressos, painéis, objetos, revistas, por exemplo, no memorial organizacional do TSP, “[...] tiene la memoria de lo perdido y reconquistado, se celebran y guardan los signos que lo evocan. La identidad tiene su santuário en los monumentos y museus; está en todas partes, pero se condensa en coleciones que reúnem lo esencial” (CANCLINI, 1996, p. 178), além disso, a memória organizacional pode contar, partilhar e proporcionar uma experiência de todos os personagens que por ela e com ela vivenciaram suas práticas socioculturais. Caminhar pelo centro da cidade, de forma a percorrer, viver e descobrir novos trajetos, prédios, ambientes, pessoas, monumentos, árvores e flores, perceber tudo o que está em movimento, é importante para se compreender “o lugar” em que se expressa o cidadão. Melhor, é claro, se for uma caminhada orientada por um profissional, por exemplo, por meio do Projeto “Viva o Centro a Pé pelo Caminho dos Antiquários”, organizado pela Secretaria Municipal da Cultura (CMC) de Porto Alegre. O ponto de encontro para os participantes é no totem do Caminho dos Antiquários, na Demétrio Ribeiro, em frente à praça Daltro Filho, das ruas Coronel Genuíno e Marechal Floriano. A caminhada dirigida pela rua Marechal Floriano, sendo que a arquitetura de vários prédios dela continha traços do século passado. Em geral, no térreo encontram-se lojas de antiguidades, por exemplo: Cogito, Mercado Negro, Ricordo e Riboli, na rua Fernando Machado. Caminhamos pela rua no sentido da Fernando Machado e depois dobramos à direita para a av. Borges de Medeiros, mas, antes, paramos ao pé da escadaria – passeio primavera (Fernando Machado), está o professor a expor o desenho arquitetônico da escadaria, feito para não cansar na subida (11 lances, depois um lance para cada espaço
7
CARISSIMI, João – Comunicação e Práticas Socioculturais e Reflexões sobre a Comunicação Pública – PPGCOM/ 2013-1/2
longo e no final mais 11 lances), que dá acesso à rua Duque de Caxias, e, em seguida, o profissional explica o projeto arquitetônico harmônico do viaduto Otávio Rocha, também conhecido como viaduto da Borges, ícone da cidade, pois é uma obra majestosa da engenharia civil que teve início em 1926, inaugurado em 1932, e tombado pelo município em 1988. Visitas a museus, exposições e caminhadas não guiadas pela cidade de Porto Alegre sempre foram constantes durante as minha prática da vida cotidiana. “Produto de práticas significativas passadas, o habitus provém do depósito das experiências anteriores, e torna-se, reciprocamente, produtor de práticas significativas futuras” (FLEURY, p. 93). Várias vezes, já passei apressadamente por esse caminho (Viaduto Otávio Rocha e logradouros), sem dar o devido olhar e perceber que o viaduto pede socorro. Apesar de todas as restaurações e revitalizações, ainda continua relegado ao abandono, às vezes funcionando como um dormitório, refeitório e banheiro. O cinza das paredes pichadas, infiltrações que deixam água escorrendo por muros e pisos, a aparência das lojas, muitas fechadas, em tom degradante, mostram falta de manutenção, de pintura e de cuidados. Por isso, a caminhada exercita um olhar sobre a arquitetura e urbanismo da cidade. Caminhar pelo centro de Porto Alegre é uma provocação a todos os sentidos. “Olha isso!”: no prédio azul fica a Associação Rio Grandense de Imprensa (ARI), criada em 19 de dezembro de 1935, e na sala 301, o Conselho Regional de Profissionais de Relações Públicas do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. “Olha aquilo!”: o prédio cinza com uma linda sacada é a Casa Rural e ali a padaria Matheus, desde 1947. “Ouça o cantar dos pássaros, o carro que acelera, o barulho do ar-condicionado, o bater das janelas, a música rap”, o lugar de fala do morador de rua, as grades erguidas na loja, a buzina de quem não tem paciência, o cheiro do tempero e o lixo próximo da boca de lobo. Ainda na av. Borges de Medeiros, após passar o viaduto Otávio Rocha, o trânsito está congestionado na esquina da av. Senador Salgado Filho, e nos dirigimos à esquina Democrática, rua Borges de Medeiros com a rua dos Andradas, mais conhecida por rua da Praia, espaço público de manifestações, local onde a opinião dos públicos se manifesta. Durante o trajeto, no centro da av. Borges de Medeiros, identificamos várias cadeiras de engraxates, que agora estão vazias. Não há engraxates, não há clientes, então imediatamente nos sentamos e registramos o momento (estão bem organizadas). Chegamos à esquina Democrática e observo o prédio restaurado da antiga Editora e Livraria do Globo. Trocamos o hábito de comprar livros por roupas. Venceu a era da real beleza, da embalagem sem conteúdo. Hoje, ali está uma loja do Grupo Renner. Estamos diante de uma estátua viva e com ela vamos interagir mediante o pagamento de
8
CARISSIMI, João – Comunicação e Práticas Socioculturais e Reflexões sobre a Comunicação Pública – PPGCOM/ 2013-1/2
algumas moedas. “As artes e a vida comum – tinham sido agora combinadas no estilo, moda, propaganda, mídia [...]” (EAGLETON, 2005 p. 48). Ainda como afirma Eagleton (2005 p. 48): No mundo pós-moderno, a cultura e a vida social estão mais uma vez estritamente aliadas, mas agora na forma da estética da mercadoria, da espetacularização da política, do consumismo do estilo de vida, da centralidade da imagem, e da integração da cultura dentro da produção de mercadorias em geral.
Ao visitar o Memorial do Theatro São Pedro, percebo que cada imagem (muitas fotografias, colocadas em grandes painéis, em quadros diretamente nas paredes, falam dos grandes espetáculos que ali foram apresentados) traz uma explicação, sendo que isso, de certa forma, facilita a compreensão do visitante. E não poderia ser diferente em um espaço que se propõe a contar uma história por meio de imagens e textos. Logo a primeira matéria jornalística é identificada. Trata-se de matéria publicada no jornal Correio do Povo, em 9 de janeiro de 1909, republicada na coluna “Há um século”, no Correio do Povo de 8 de janeiro de 2009, em que o então Presidente do Estado (1908-1913) Carlos Barbosa manifesta a sua intenção de fechar o Theatro São Pedro e publicar um edital para construção de novo teatro. Em toda a mostra, identificamos várias matérias jornalísticas publicadas no jornal Zero Hora, empresa do Grupo RBS, e seus textos acompanham a grande reforma do teatro por ocasião do fechamento, restauração e reabertura do teatro. Os meios de comunicação tornaram visíveis essas realidades de acordo com seus próprios dispositivos de produção midiática, levando-nos da curiosidade ao assombro, e do entretenimento à dramatização e ao horror [...] (VIZER, 2011, p. 17).
Muitas vozes tomam o silêncio. Essas vozes interagem com os cenários, de forma rápida passam por todos os atos, e chegam até o nosso grupo. Aos poucos, uma parte do grupo de estudantes está com gente no quarto ato. Percebo que todos estão uniformizados, e lanço uma pergunta: “Vocês são estudantes da Fundação Bradesco?”, pois reparo na cor do uniforme e logomarca. “Sim!”. Alguns chegam mais perto, então aproveitamos o primeiro contato com visitantes para trocar algumas informações. Confirmam que são mais ou menos 20 alunos da Escola Bradesco de Gravataí, que estão ali para realizar um trabalho integrado acadêmico, que passa pelas disciplinas de história, português, matemática e geografia, sobre o Centro Histórico de Porto Alegre. Então, na conversa, peço para uma das estudantes o material que tem na mão para anotações. É um longo questionário, com mais ou menos 10 páginas, que é roteiro de perguntas, para obtenção de dados – o qual eles terão de preencher ao
9
CARISSIMI, João – Comunicação e Práticas Socioculturais e Reflexões sobre a Comunicação Pública – PPGCOM/ 2013-1/2
visitar, por exemplo, o memorial. Percebo que a aluna já fez anotações sobre a história do Teatro São Pedro, uma cronologia. Depois, seleciona algumas imagens: fotos de atores. Elogio a letra da aluna e as suas anotações. Então, um garoto diz: “Tio, o senhor não conhece o Google?”. E repete com ênfase várias vezes, enquanto verifico o trabalho da aluna. “Silêncio! Silêncio!”. Os alunos fazem uma visita não guiada, apenas acompanhada pelos seus professores. Talvez, isso possa prejudicar a visita, ou tenha um caráter exploratório, também. Logo, já estão a caminho da porta de saída. Então, comentamos – e percebemos o que o menino quis dizer: “Tio, não precisa anotar nada, depois faço uma pesquisa no Google sobre o memorial”. O que também utilizei para construir esse relato, além dos textos dos folhetos e na internet, foram anotações realizadas na visita. “Na vida cotidiana, por certo, há uma clara compreensão do que às primeiras impressões são importantes” (GOFFMAN, 2011, p. 20). “Essa prática discursiva da história é ao mesmo tempo a sua arte e o seu discurso” [...], “uma prática do espaço”, “a mediação de um saber, mas um saber que tem por forma a duração de sua aquisição e a coleção intermináveis dos seus conhecimentos particulares” (CERTEAU, 2012, p. 146; 183).
Agora realizamos uma visita guiada com o seguinte destino: Paço Municipal, Praça Montevidéo, onde se encontra a sede da Prefeitura de Porto Alegre, cujo prédio foi projetado pelo italiano João Carrara Colfosco e construído entre os anos de 1898 e 1901. O Paço dos Açorianos foi tombado como Patrimônio Cultural de Porto Alegre em 1979. O edifício foi tombado pelo município em 21 de novembro de 1979. Na praça, temos o marco zero da cidade. Todo esse espaço público é lugar para muitas manifestações artístico-culturais e políticas, delimitado pelas ruas Sete de Setembro, Uruguai e av. Borges de Medeiros. Tomamos as escadarias, corredores, escadas e salões do prédio da Prefeitura. Visitamos um território pouco conhecido e quase nunca explorado pelo cidadão, de onde são tomadas decisões políticas que afetam diretamente ou não a cada cidadão porto-alegrense. O edifício representa um período positivista do Rio Grande do Sul e é carregado de elementos simbólicos, tais como os da fachada da av. Borges de Medeiros, onde há como figura central a Liberdade, sendo que representa a História; o busto de Péricles, a Democracia; e a figura da esquerda representa a Ciência. Deixamos aqui a nossa marca. Somos os últimos a sair, como sempre ficamos a “tecer” os caminhos por meio de olhares, fotografias, palavras, toques, gargalhadas e às vezes pelo silêncio, diante da grandeza e do espetáculo de estar ali e poder vivenciar a história vivida por todos aqueles que, de uma forma ou outra, deixaram as suas marcas agora registradas nesse tecido chamado história.
10
CARISSIMI, João – Comunicação e Práticas Socioculturais e Reflexões sobre a Comunicação Pública – PPGCOM/ 2013-1/2
A transmissão do significado de uma instituição baseia-se no reconhecimento social dessa instituição como solução “permanente” de um problema “permanente” da coletividade. Por conseguinte, os atores potenciais de ações institucionalizadas devem tomar conhecimento sistematicamente desses significados. Isso exige alguma forma de processo “educacional”. Os significados institucionais devem ser impressos poderosa e inesquecivelmente na consciência do indivíduo (BERGER; LUCKMANN, 2011, p. 95).
Aqui termina a vista não guiada ao Memorial do Theatro São Pedro e a caminhada orientada ao centro de Porto Alegre. Considerações Finais Além dos comentários já realizados sobre a visita à organização e a caminhada guiada como uma prática de comunicação dirigida aproximativa, outros aspectos tornam-se importantes para destacar. Definir a comunicação dirigida aproximativa como uma estratégia vital para comunicação, não apenas como apoio para área de relações públicas. No entanto, por meio dessa prática, percebemos que visto no contexto da comunicação integrada (comunicação administrativa/interna, institucional e mercadológica) com o uso de os meios de comunicação dirigida, de forma convergente, podem socializar, educar, conscientizar, espraiar as práticas socioculturais das organizações, aqui tratadas, no âmbito geral do público, e não restrito.
Referências ANDRADE, Cândido Teobaldo de Souza. Curso de Relações Públicas: relações com os diferentes públicos. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003. BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 2011. CANCLINI, Néstor García. El Porvenir Del Pasado. In: Culturas Híbridas: estratégias para entrar y salir de la modernidad. México: Grijaldo [Ano?]. p. 149-190. CARISSIMI, João. As reproduções socioculturais do Memorial Theatro São Pedro que Vivenciamos. Porto Alegre: Disciplina. PPGCOM/UFRGS. 2013. Disponível em: <http://issuu.com/carissimi/docs/memorial_theatro_s__o_pedro_2013> CARISSIMI, João. Viva a pé o centro de Porto Alegre pelo caminho dos antiquários e descubra as muitas faces e múltiplas culturas. Porto Alegre: Disciplina, PPGCOM/UFRGS, 2013. Disponível em: <http://issuu.com/carissimi/docs/viva_o_centro_a_pe_caminho_antiquar> CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: 1 Artes de fazer. Petrópolis, Vozes, 2012. CESCA, Cleusa Gertrudes Gimenes. Comunicação dirigida escrita na empresa: teoria e prática. São Paulo: Summus, 1995.
11
CARISSIMI, João – Comunicação e Práticas Socioculturais e Reflexões sobre a Comunicação Pública – PPGCOM/ 2013-1/2
EAGLETON, Terry. Versões de cultura. In: A Ideia de Cultura. São Paulo: UNESP, 2005. p. 9-50. FERREIRA, Waldir. Comunicação dirigida: instrumento de relações públicas. In: KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). Obtendo Resultados com Relações Públicas. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2006. p. 91-102 FLEURY, Laurent. A Explicação das Hierarquias Sociais e Culturais. Os Gostos: Produtos da socialização. In: Sociologia da Cultura e das Práticas Culturais. São Paulo: Editora Senac. p. 77-102. FORTES, Waldyr Gutierrez. Relações Públicas: processo, funções, tecnologia e estratégias. São Paulo: Summus, 2003. GOFFMAN, Erving. A Representação do Eu na Vida Cotidiana. Petrópolis: Vozes, 2011. KUNSCH, Margarida Maria Krohling. Planejamento de Relações Públicas na Comunicação Integrada. São Paulo: Summus, 2003. SIMÕES, Roberto Porto. Os instrumentos. In: Relações Públicas: função política. São Paulo: Summus, 1995. p. 159-190. VIZER, Eduardo Andrés. A Trama (IN) Visível da Vida Social: comunicação, sentido e realidade. Porto Alegre: Sulina, 2011.
i
Aluno especial da disciplina no PPGCOM-UFRGS, relações-públicas, CONRERPRS n. 969; mestre em comunicação e informação (UFRGS); especialista em marketing; especialista em propaganda/publicidade e relações públicas; professor substituto no curso de Relações Públicas, UFRGS-Fabico 1998-1999/2012-2013; e-mail: jocaribr@yahoo.com.br ii Classificação e descrição: “Os meios orais podem ser divididos em diretos e indiretos. Os diretos são: conversa, diálogo, entrevistas, reuniões, palestras, encontros com o presidente face a face; os indiretos: telefone, intercomunicadores automáticos, rádios, alto-falantes etc. Os meios escritos dizem respeito a todo material informativo impresso, a saber: instruções e ordens, cartas, circulares, quadro de avisos, volantes, panfletos, boletins, manuais, relatórios, jornais e revistas. Os meios pictográficos são representados por mapas, diagramas, pinturas, fotografias, desenhos, ideografias, entre outros. Os meios escrito-pictográficos se falem da palavra escrita e da ilustração. São os cartazes, gráficos, diplomas e filmes com legenda. Os meios simbólicos são insígnias, bandeiras, luzes, flâmulas, sirenes, sinos e outros sinais que se classificam tanto como visuais quanto auditivos. Os meios audiovisuais são constituídos principalmente por vídeos institucionais, de treinamentos e outros, telejornais, televisão corporativa, clipes eletrônicos, documentários, filmes etc. Os meios telemáticos, que têm esse nome porque a informações é trabalhada e passada com o uso combinado da informática (computador) e dos meios de telecomunicação. São meios interativos e virtuais: intranet, o correio eletrônico, os terminais de computador, os telões, os telefones celulares, as redes sociais etc. Por fim, ainda podemos registrar o uso do teatro nas organizações, como meio presencial e pessoal ou de contato interpessoal direto. iii Disponível em: <http://issuu.com/carissimi/docs/memorial_theatro_s__o_pedro_2013>. Acesso em: 29 de ago. de 2013. iv Disponível em: <http://issuu.com/carissimi/docs/viva_o_centro_a_pe_caminho_antiquar>. Acesso em: 29 ago. de 2013.
12
CARISSIMI, João – Comunicação e Práticas Socioculturais e Reflexões sobre a Comunicação Pública – PPGCOM/ 2013-1/2
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL Programa de Pós-Graduação em Comunicação Disciplina: Seminário Política e Comunicação Pública Profa. Dra. Maria Helena Weber Porto Alegre, 24 de fevereiro de 2013
Reflexões sobre a Comunicação Pública Por João Carissimiiv Walter Lipmann usou a expressão “O mundo exterior e as imagens em nossas mentes” para afirmar que são formadas a partir de vários meios de comunicação e da nossa própria experiência. Eu acrescentaria a escola, a família, amigos, eventos e a igreja. Em algum momento, a participação em reuniões, por exemplo, na escola, no grupo de jovens e no time de futebol tinha como finalidade uma tomada de decisão: ir ou não à aula, votar no líder da sala, escolher o líder dos jovens, escolher a forma de participar na igreja, de qual campeonato participar e quem pode jogar no time, entre outras. Mas também é preciso dizer que toda a prestação de serviços dos órgãos públicos que estão muito próximos de alguma forma do cidadão foi percebida, como posto de saúde, onde o dentista, naquela época (1980), extraía os dentes, e na da prevenção. Confesso que me lembro da presença do rádio na família quando ela sintonizava “A Voz do Brasil” e a Rádio Fátima de Vacaria. Também lembro de quando assistia ao “Jornal Nacional” – RBS-TV Caxias do Sul, e lia o jornal Panorama Pradense, de Antônio Prado/RS, o único que a tinha acesso. Na sua maioria, são veículos de comunicação de interesse privado (capital). “Como a comunicação dos media não existe de forma isolada, mas se encontra conectada com muitos outros processos simbólicos da vida quotidiana, os seus efeitos veem-se disseminados por todo o tecido social e nos diferentes contextos da vida coletiva” (ESTEVES, 2003b, p. 168). Explico melhor. Porque talvez o meu mapa cognitivo fosse constituído por essas dimensões em especial, onde todas as minhas janelas pelas quais eu observei o tempo e espaço vivido partiram da família, meios de comunicação, escola, da rua, do meu bairro, da cidade de Antônio Prado, do Estado do Rio Grande do Sul, do país, o mundo ficava muito distante naquela época. Nesse período, “o termo „comunicação pública‟ era utilizado no Brasil, em meados da década de 80, como sinônimo de „comunicação estatal‟ própria do Estado” (DUARTE; VERAS, 2006, p. 24).
13
CARISSIMI, João – Comunicação e Práticas Socioculturais e Reflexões sobre a Comunicação Pública – PPGCOM/ 2013-1/2
Nesse contexto, faço uma tentativa de aprofundar o tema e buscar uma resposta sobre o que é comunicação pública, tentando pensar sobre a minha formação na infância e na adolescência a respeito da comunicação governamental e da comunicação política, entendida aqui por Brandão como: “estratégias publicitárias que buscam respostas rápidas e com efeitos imediatos junto à opinião pública, assim os resultados podem ser auferidos nas sondagens ou pesquisas de opinião pública”. Nessa mesma direção, é preciso dizer que naquele espaço percorrido um certo tempo de “escuridão, ditadura e censura” foi para um novo tempo a percorrer, mais presente hoje estão os meios de comunicação, a liberdade de expressão, a democracia, a participação cidadã, a transparência de ações do Estado e o dever dos governantes de informar. Sendo que a comunicação pública “pressupõe uma democracia consolidada, onde a interpenetração entre o público e o privado admite a participação de uma gama de setores sociais organizados, e independente do caráter estatal de qualquer agente: exigindo sempre negociação entre os atores, a comunicação pública envolve inclusive a esfera pública” (MATOS, 1999b), citada por (DUARTE; VERAS, 2006, p. 24-28). E aí quero dizer que a janela que abri para compreender o conceito de comunicação pública, nesse momento, foi sob o olhar de Aristóteles, o qual afirma que um “Estado é uma comunidade que se mantém unida pela comunicação das diversas perspectivas dentro dela. A comunicação é o que une a comunidade. O valor político e moral da comunidade pode, por conseguinte, ser analisado no que diz respeito à comunicação possível dentro dela” (EDGAR; SEDGWICK, 2003, p. 62). Então, quero pensar que “talvez” a minha primeira compreensão era de um Estado, de uma prefeitura, de órgãos públicos “sólidos e fortes” e nada comparados à modernidade líquida na qual vivemos hoje, em que houve uma progressiva “desregulamentação”, “liberalização” e “flexibilização” dos mercados financeiro, imobiliário, de trabalho, de comunicação e informação, de saúde e educação. Dessa forma, como afirma Bauman (2001, p. 12), o “momento da modernidade fluida são elos que entrelaçam as escolhas individuais em projetos e ações coletivas – os padrões de comunicação e coordenação entre as políticas de vida conduzidas individualmente, de um lado, e as ações políticas de coletividades humanas, de outro”. E como resultado, ainda, Bauman (2001, p. 14) afirma: “os poderes que liquefazem passaram do „sistema‟ para a „sociedade‟, da „política‟ para as „políticas da vida‟ – ou desceram no nível „macro‟ para o nível „micro‟ do convívio social”. Aqui quero me referir que a primeira janela que abri estava relacionada a compreender a comunicação pública e o total interesse público, sempre a partir de uma formação cívica, a qual muito mais presenciava no cotidiano, ou seja, nos espaços públicos, e muito pouco em meios de comunicação.
14
CARISSIMI, João – Comunicação e Práticas Socioculturais e Reflexões sobre a Comunicação Pública – PPGCOM/ 2013-1/2
Assim, a política estava imbricada nas ações do Estado. O local da comunicação pública passava pela prática do discurso, na reunião, no encontro – seja ele na escola, na igreja ou diante de alguma prestação de serviço público. Percebi que ali havia a presença forte do Estado, e não da iniciativa privada, ou as ditas parcerias público-privadas, que na modernidade líquida, com tanta fluidez, às vezes, não cumprem o seu papel de atender ao cidadão, e sim ao interesse privado. Com isso, temos um “estado de arte” orquestrado pela corrupção. Digo isso porque, às vezes, faz-se uso da comunicação pública líquida muito mais para dar visibilidade para alguém, e muito menos para atender ao caráter de informação pública e cívicaiv, que a ação demanda. Hoje em dia, o domínio da comunicação, e em particular o da comunicação pública, constitui um dos focos mais sensíveis dos problemas éticos e morais que se nos apresentam (ESTEVES, 2003b, p. 14). A comunicação pública, como é vista por Esteves (2003b, p. 153), tem uma característica essencial: a ambivalência. “[...] uma chave de leitura interessante sobre as profundas ambiguidades de que se reveste a comunicação pública no presente, dividida que está entre uma informação assumida como um bem público essencial e uma informação que se reduz a uma mera mercadoria” (ESTEVES, Comunicação Pública, Segunda Parte, p. 219). “A ambiguidade da comunicação pública reside no formalismo e no conteúdo da opinião, pois eles são indeterminados. A arte e a sutilidade na expressão são gerais e indeterminados neles mesmos” (BAVARESCO, 2001, p. 121). Essa indeterminação inclui a forma dissimulada, estilos e formulações particulares de pensamento, em que é possível sustentar que não se trata de um ato, mas somente de uma opinião, de um pensamento, ou ainda de um modo de dizer (BAVARESCO, 2001, p. 121). E, para melhor compreender o fenômeno, apresentamos alguns autores que estabeleceram determinadas definições para comunicação pública: [...] é a comunicação constituída no nível do espaço público e veiculada pela (ou para a) opinião pública. Isso permite afirmar em conclusão que este tipo de comunicação, em termos sociais, assume um certo ascendente sobre todos os demais, exerce como que um efeito estruturante sobre a generalidade das práticas comunicacionais e simbólicas (ESTEVES, p. 146a). [...] a Comunicação Pública se articula com a Comunicação Política na esfera pública, como local de interação social de todos os agentes e interesses envolvidos. Nesta esfera, transitam recursos humanos (cidadãos, políticos, eleitores), físicos (suporte da comunicação massiva, tecnologias interativas e convergentes), econômicos (capital, ativos em geral), comunicacionais (discursos, debates, diálogos estruturados dentro e fora das mídias massivas e recursos interativos) (MATOS, 2006, p. 71). [...] a comunicação pública actua como um médium por excelência de cidadania, colocado à disposição do conjunto da sociedade – dos destinatários em geral dos actos de governação, ou
15
CARISSIMI, João – Comunicação e Práticas Socioculturais e Reflexões sobre a Comunicação Pública – PPGCOM/ 2013-1/2
seja, de todo e qualquer indivíduo que apresente condições para fazer uso da sua própria razão (ESTEVES, p. 202a). A comunicação pública, compreendida como processo de comunicação que ocorre entre as instituições públicas e a sociedade e que tem por objetivo promover a troca ou o compartilhamento das informações de interesse público, passa a desempenhar um papel importante de mediação para as práticas de boa governança (NOVELLI, 2006, p. 85). [...] a comunicação pública com um carácter agonístico (põe em presença, e em confronto, opiniões divergentes); e ainda, a comunicação pública com características argumentativas (consiste na qualificação da forma como as divergências são dirimidas ou do processo propriamente dito de construção do conhecimento) (ESTEVES, p. 202a). [...] Mas falamos de um modelo de comunicação pública em que, manifestamente, ainda assim, importa distinguir os planos da sua validade e da sua objetivação: todos os atributos anteriormente referidos (conhecimento, agonística, argumentação) devem ser entendidos como princípios orientadores das práticas comunicacionais, que condicionam estas objectivamente de uma certa forma, mas não, manifestamente, de uma forma sempre constante e homogênea (ESTEVES, p. 203a). “Comunicação Pública” incorporou-se ao vocabulário de comunicação, apoiado talvez pelas referências dominantes à comunicação governamental, ao marketing político e ao e-governo (MATOS, 2006, p. 61). A comunicação pública baseada nos media modernos atinge uma circulação cada vez mais generalizada, resultado do tipo de suportes tecnológicos utilizados, o que torna praticamente ilimitadas as possibilidades de extensão no tempo e espaço das formas simbólicas (ESTEVES, 2003b, p. 152). [...] Comunicação Pública – invocada ora como utopia, ora como conceito renovado de comunicação governamental ou, ainda, como o próximo passo nas relações comunicativas entre o Estado (não o governo) e a sociedade (MATOS, 2006, p. 61). Sem pôr em causa a focalização da comunicação pública nos media, hoje em dia indiscutível, quando a equacionamos para fins de análise não podemos deixar de reencontrar, em algum momento do nosso percurso, a comunicação quotidiana, própria dos processos convencionais de interacção. A reaproximação destas duas formas de comunicação, por sua vez, devolve-nos a imagem integral e a plena dimensão do debate ético-moral em torno da comunicação, perspectivando este debate em toda a diversidade dos processos de comunicação que constituem a rede do tecido social, tanto os processos mediáticos como os convencionais e, mais importante ainda, nas diferentes e complexas formas como ambos os processos se entretecem (ESTEVES, 2003b, p. 165). O pressuposto de toda comunicação pública é a liberdade de expressão: sua finalidade é a satisfação, isto é, o reconhecimento do direito de todo cidadão de dizer sua opinião em público; e toda comunicação pública, seja a imprensa, seja a palavra, deve ser garantida por meios diretos e indiretos (BAVARESCO, 2001, p. 118).
Em relação à finalidade da comunicação pública: O exercício da palavra e da imprensa formam a comunicação pública. É o espaço imediato onde se exprime a opinião pública e, ao mesmo tempo, é assim que se forma a opinião como nas assembleias de Estado. Neste sentido, a comunicação pública é a forma de “satisfação desta viva
16
CARISSIMI, João – Comunicação e Práticas Socioculturais e Reflexões sobre a Comunicação Pública – PPGCOM/ 2013-1/2
tendência de dizer e de ter dito sua opinião”. A comunicação pública leva à satisfação, porque o reconhecimento é obtido. “A liberdade concreta consiste nisso: a pessoa individual e seus interesses particulares encontram seu desenvolvimento completo e obtêm o reconhecimento de seu direito-por-si no sistema de família e da sociedade civil, mas também no Estado, pois todo cidadão deve poder exprimir sua opinião, fazer entender suas exigências, participar das decisões universais – por exemplo, na legislação – exercer a comunicação sobre os assuntos do Estado. O Estado moderno dá a seus cidadãos a satisfação deste vivo desejo da opinião, isto é, cada indivíduo sabe que é reconhecido na sua liberdade de opinar, sabe que é membro ativo da comunidade, sabe que é conhecido e reconhecido como tal por todos os outros e pelo Estado na comunicação pública. É por isso que esta liberdade e esta satisfação, enquanto reconhecimento são o fim da comunicação pública e a razão de sua garantia (BAVARESCO, 2001, p. 119). A comunicação pública comporta o elemento subjetivo, que, sendo dado o caráter indeterminado de suas atividades, possui, na sua expressão, um caráter substancial, mas que age sobre o terreno subjetivo. “O caráter indeterminado das atividades, que resulta das modalidades de sua expressão, não suprime seu caráter substancial e não tem por consequência senão o terreno subjetivo sobre o qual elas têm sido completadas [e] determina, igualmente, a natureza da reação”. As ofensas feitas à honra dos indivíduos, a calúnia, a difamação, a falta de consideração a respeito do governo, da autoridade de seus funcionários e, em particular, a respeito do príncipe, o fato de transformar as leis em ridicularizarão ou incitar à revolta são todos exemplos de crimes e delitos da comunicação pública, que mostram seu elemento substancial. [.....] Como o caráter substancial da comunicação não tem por consequência a não ser o terreno subjetivo – o terreno subjetivo, sobre o qual se coloca o delito que ocasiona o seu aspecto subjetivo, sua contingência – e ele determina, igualmente, a natureza da reação. Pode ser sancionado o aspecto subjetivo por uma simples medida de polícia, destinada a impedir o delito ou por uma pena propriamente dita. De toda maneira permanece sempre o formalismo, que faz parte da comunicação pública. A fronteira entre o elemento subjetivo e o elemento substancial – o delito objetivo – é sempre fluido, por causa do caráter subjetivo dos delitos de opinião. Não se chega a qualificá-los objetivamente e toda condenação guarda uma caráter de apreciação subjetiva. Nas ciências autênticas, não há ambiguidades, pois elas não se situam sobre o terreno das opiniões subjetivas ou na categoria que constitui a opinião pública (BAVARESCO, 2001, p. 121-122).
A maioria dos autores concorda em afirmar, a princípio, que a comunicação pública é um fenômeno sistêmico das instâncias sociais do público e do privado, da mídia, da opinião pública, do espaço público e todas as suas diferentes dimensões – sociais, culturais, políticas, éticas e morais – e mais abrangente, pois procura dar conta da variedade de recursos e práticas comunicacionais. Hoje, as questões éticas e morais colocam a comunicação pública em uma característica de ambivalência, tendo por base a sua forma estrutural – complexa e tensional – devido a dois polos: o Estado e o Mercado. Essas duas instâncias na atualidade assentam a sociedade moderna sob uma regulação, com certa vantagem para prevalência do dinheiro das mídias de interesse particular, nacionais ou não, sobre o poder político [última instância a regulamentar qualquer nível esse dispositivo de comunicação]. A perspectiva de que a comunicação pública é uma teia complexa de simbolicidade e discurso passa pela interação da vida quotidiana e a interação direta ou indiretamente gerada pelas medias, porque é indissociável da sua inserção simbólica a vida coletiva – que ocorre nos processos
17
CARISSIMI, João – Comunicação e Práticas Socioculturais e Reflexões sobre a Comunicação Pública – PPGCOM/ 2013-1/2
simbólicos de vida quotidiana, disseminados por todo o tecido social, hoje dinamizado pelas redes sociais de participação e de interação cívica. Em suma, a comunicação pública desempenha um papel de mediação – melhor ser a ponte – entre a sociedade e as instituições públicas, com objetivo de promover a troca ou o partilhamento das informações de interesse público de forma transparente em benefício do cidadão, que poderá formar a sua opinião e o seu espírito de cidadania. Aqui ainda, sob o ponto de vista desses autores, a comunicação pública está baseada nos media modernos de comunicação massiva, tecnologias interativas e convergentes, o que torna praticamente ilimitadas as possibilidades simbólicas no tempo e espaço de discurso e diálogos estruturados no espaço público.
REFERÊNCIAS ANDRADE, Cândido Teobaldo de Sousa. Dicionário profissional de relações públicas e comunicação e Glossário de termos anglo-americanos. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Summus, 1996.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. BAVARESCO, Agemir. A Teoria Hegeliana da Opinião Pública. Porto Alegre: L&PM, 2001. DUARTE, Jorge; VERAS, Luciara (Orgs.). Glossário de Comunicação Pública: Brasília: Casa das Musas, 2006. EGDAR, Andrew; SEDGWICK, Peter. Teoria Cultural de A a Z: conceitos-chaves para entender o mundo contemporâneo. São Paulo: Contexto, 2003. ESTEVES, João Pissarra. Espaço Público e Democracia: São Leopoldo/RS: Unisinos, 2003b. _______. Sociologia da Comunicação. Segunda Parte. Comunicação Pública, p. 143-308a. LIPPMANN, Walter. Opinião Pública (1922) citado por McCOMBS, Maxwell. A Teoria da Agenda: a mídia e a opinião pública. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 19. MATOS, Heloiza Helena Gomes. Comunicação Política e Comunicação Pública. In: Organicom, Comunicação Pública e Governamental, número 4, São Paulo, 2006, p. 59-73. NOVELLI, Ana Lucia C. Romero. O Papel Institucional da Comunicação Pública para o Sucesso da Governança. In: Organicom, Comunicação Pública e Governamental, número 4, São Paulo, 2006. p. 75-89.
18