Maria Eduarda Carissimi Maria Eduarda Carissimi Maria Eduarda Carissimi Maria Eduarda Carissimi Maria Eduarda Carissimi Maria Eduarda Carissimi Maria Eduarda Carissimi
CorrespondĂŞncia - Maria Eduarda 1/1/2017
JoĂŁo Carissimi
Maria Eduarda Carissimi Maria Eduarda Carissimi Maria Eduarda Carissimi Maria Eduarda Carissimi Maria Eduarda Carissimi Maria Eduarda Carissimi Maria Eduarda Carissimi Maria Eduarda Carissimi Maria Eduarda Carissimi Maria Eduarda Carissimi Maria Eduarda Carissimi Maria Eduarda
JoĂŁo Carissimi
CorrespondĂŞncia - Maria Eduarda -
Carissimi Porto Alegre 2017
Carissimi, 2017.
Editor: João Carissimi E-mail: jocaribr@yahoo.com.br
Capa: Fotografia de João Carissimi (jocaribr) – Maria Eduarda, publicada no set Gente, lembrança e nomes, site olhares sapo pt. >http://olhares.sapo.pt/maria-eduarda-iv-foto6076054.html<
Carissimi, João (1962) 01 – Correspondência - Maria Eduarda - Porto Alegre, Rio Grande do Sul, domingo, 6, agosto de 2017.
A MARIA EDUARDA CARISSIMI AO LEITOR
[Porto Alegre, 6. domingo. ago.2017.] Minha querida amiga e caro leitor. Acabo de revisar as três cartas escritas para Maria Eduarda Carissimi. Todas escritas no período da Copa do Mundo, realizado no Brasil em 2014. Calcula o prazer que tive, como as li, reli e reli cada uma por mais de três vezes! Tenho que publicar. As três cartas arquivadas no computador, Maria Eduarda não tem nenhuma serventia. Aqui na banca de trabalho por muitos anos, as cartas impressas,
aguardavam um sinal para uma
revisão final e, quiçá uma divulgação no meu Blog Aida Comunicação e Marketing. Comecei a revisar a terceira carta, escolhida aleatoriamente e, depois publiquei no Blog Aida. A minha tristeza converteu-se em súbita alegria ao clicar salvar, e publicar. Eu estava tão aflito com a repercussão da revelação das cartas. Minha querida amiga, Maria Eduarda e, Caro leitor – nada importa. E, como inútil preocupar-se com a nossa opinião manifestada em relação ao julgamento – condenado nasceu, preso estou ao nosso medo – necessário faz-se dispersar a palavra, a memória, a identidade, a trajetória, a história e, todos os fantasmas por aí... As três cartas foram escritas de madrugada, depois do meu retorno para Porto Alegre, Maria Eduarda. Posteriormente digitadas e revisadas. Leitor, as cartas nunca foram enviadas. Por esquecimento? Não faço idéia do endereço, e-mail, rede social, local de trabalho da destinatária. Seria imaginária? O nome escolhido para filha que não tenho? Deste modo, descrevo com detalhes a minha passagem por Itajaí (SC) e o meu retorno para Porto Alegre. Um tempo e espaço espraiado por cômodos, ruas, esquinas, instituições, paisagens, cenários, planos, projetos, gente com cheiro, ambientes, dúvidas e certezas, desemprego, futebol, memórias, saudade, alegria, relacionamentos, conversas, – esperança. Creio, como tu, e o leitor tenhais muita esperança – esperança por dias melhores – não sei se o conteúdo das cartas, de alguma forma pode dar simplesmente essa razão – ESPERANÇA! Maria Eduarda Carissimi e Leitor. Boa leitura! João Carissimi
Porto Alegre, 4 jul. 2014 Minha cara Maria Eduarda Carissimi!
Minha amiga Maria Eduarda Carissimi sempre exprimiu o desejo de saber em pormenores sobre a minha vidinha e sobre tudo o que me abraça. É com alegria que me apresso a cumprir seu anseio, minha querida. Começarei por uma abertura, minha amiga: para que haja mais ordem. Em primeiro lugar, um pouco como foi a minha vida em Itajaí, para depois comentar o meu retorno para Porto Alegre. Devo informá-la, Maria Eduarda Carissimi, minha estimada, de que mudei de cidade, de Itajaí e do estado de Santa Catarina. Como sempre, estou a contrariar família, amigos, vizinhos, colegas de trabalho, até o padre. Pois o lugar era maravilhoso, a cidade sempre cheirava a peixe, o mar estava logo ali, em uma pernada poderia me deslumbrar com ondas a quebrar nos rochedos da Praia de Cabeçudas, a quebrar nos molhes. O caminho do foral de um lado e no meio rio Itajaí-Açú com seu grande calado que dava entrada para o porto, e, do outro lado, o mar, a praia de Atalaia e Jeremias. A qualquer hora do dia, ali, muitos surfistas procuram vencer os seus desafios. Alguns alcançam as nuvens. Outros caem bem próximos dos molhes. O mar, às vezes, está um tanto verde, azul ou cinza como o dia de hoje. Em outras ocasiões, Maria Eduarda, o mar está cheio de penachos em tons escuros – é uma mistura de sal e terra trazida pelo rio – foram muitos dias de chuva por aqui. Passei um tempo por lá, o que me deixou realmente satisfeito, embora sempre fosse o meu desejo retornar para a metrópole esportiva e cultural, rodeada pelo grande lago Guaíba, de gente bonita e sempre ardente e profana, para alegria dos homens. Ah, Maria Eduarda, Maria Eduarda! Porto Alegre é demais. É muito bom sair por aí e respirar um ar um tanto poluído. Arranha-céus adornados por praças e ruas arborizadas, o caos do trânsito egoísta e a oferta intensa de espetáculos, shows e de teatro, seja no palco ou de rua, a rivalidade do Gre-Nal, de tanta gente na cidade que sempre fica mais
vermelha do que azul. Porto Alegre é demais. Etc e tal. Como fiquei contente por retornar a viver em Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul, desfrutar intensamente tudo o que me há de vir e, ser permitido. Além disso, que eu possa partilhar a minha expectativa de vida, como porto-alegrense, fazer uma boa passagem – onde o desconhecido seja conhecido – não o que foi prometido, escrito, pregado por muitos – mas um Novo Mundo e que, tudo me seja novidade. Amiga, retornar nem sempre é reencontrar e viver no “passado”. Maria Eduarda, talvez as pessoas conhecidas, os amigos esquecidos, os contatos imaginados, os caminhos percorridos, os lugares frequentados tenham mudado muito depois de 12 anos. Certo disso, eu digo que dois grandes amigos, Ângelo Demutti de Oliveira e o Paulo Della Giustina, fizeram a sua passagem e eu não pude deles me despedir. Deus do céu?! Não sei o que se passava comigo na ocasião. Certo é que agora tremo, choro, soluço; tenho saudades! Deles. Afinal, tudo passa, e que tudo possa ser novidade, como se a gente fosse deparar com algo que nunca foi tocado, percebido, cheirado, alcançado. Cada canto da cidade, sua gente e todas as suas particularidades, Maria Eduarda Carissimi, podem te embriagar de tanta felicidade, e em outro momento, minha querida, nos fazer copiosamente chorar, chorar de alegria por novamente estar por aqui – meu pedacinho de chão. Embora o retorno para uma cidade até certo ponto conhecida, apartamento seminovo, é como se a gente nunca tivesse partido. Assim, é um sentimento de pertencimento, um lugar de fala, hoje presente; fica sempre parecendo que há algo que me chamou; que algum sinal, Maria Eduarda, eu escutei; que alguém me chamou – Volta! Volta! Aqui não tem mais o barulho das ondas do mar, a brisa terral, o cheiro de peixe, aconchego da areia, o sotaque português, o entra e sai dos grandes navios pelo rio Itajaí-Açú, a gente de Itajaí contente de dar gosto. Já lhe escrevi sobre a cidade de Itajaí e seus encantos, que também é um bom lugar para se viver e trabalhar. Devo informá-la, Maria Eduarda
Carissimi, amiga, de que mudei de cidade, de estado e de apartamento. Hoje, até me entreguei a pensar e a rabiscar algumas palavras, depois de arrumar as coisas por aqui, no meu novo apartamento. E então pensei em escrever, depois de dois anos que estou aqui, sendo o meu terceiro inverno. Já que o tempo não está adequado para sair. Lá fora não está um dia agradável. Isso aguça o meu pensamento para retornar a ler escrever, depois de um cafezinho. Maria Eduarda, tu bem sabe como eu gosto de tomar vários cafés, mais ainda em dias frios. Não tenho mais vista para o mar, muito menos dois banheiros, um quarto como suíte, outro para visitas, uma grande sala, uma sacada com rede e churrasqueira e uma área de serviço e cozinha e garagem. Muito menos um carro vermelho. Já tive Scort, o meu primeiro carro
da marca Ford. Depois comecei a
comprar carros (Stilo e Punto) da marca Fiat. Quatro prédios formam o complexo do condomínio, cada bloco com 11 andares e quatro apartamentos por andar, um elevador, com portaria 24h e interfone. Ah, Maria Eduarda! Por mais que eu fale aqui, por mais que faça planos, cálculos sobre vantagens e desvantagens de mudar de endereço, emprego, cidade, estado – não consigo nem pensar –, ficaram sensações eternas, ternas, realizações de alguns sonhos, oportunidades desbravadas, benefícios conquistados, lugares admirados, gente no coração. Em relação à mudança geral, aconteceu, pois fiquei enroscado em alguém, uma decisão com muito pensar, uma demissão procurada, provocada e alcançada. Isso, muda tudo, até os vasos de lugar, foi isso! Até logo, amiga! Escrevi-lhe tanto que por pouco não estraguei o meu almoço, e já passa muito da hora de ir passear na Redenção e continuar a leitura. “Estou com um livro aqui Gente Pobre, Maria Eduarda, e nele também está tudo descrito desta mesma maneira e com bastantes pormenores. Foi por esse motivo que escrevi isso tudo; aliás, tirei isso tudo do livro.” Maria Eduarda, nesse romance Gente Pobre, publicado em 1846, Dostoiévski exprime com carinho e ternura os seus personagens complexos e imbricados com um
local de pertencimento, o seu “mundo-vida”. O texto transmite um ser humano com um toque de suavidade e delicadeza. Um abraço forte, minha estimada, e continuo seu admirador e fidelíssimo amigo. João Carissimi
P.S.: Só lhe peço uma coisa: responda-me, minha amiga, com as menores minúcias. Envio-lhe junto, Maria Eduarda, uma lembrancinha de Itajaí – um imã da Igreja Matriz Nossa Senhora Santíssimo Sacramento, para enfeitar a tua geladeira, e mais: pelo amor de Deus, não se preocupe comigo, nem me espera por esses dias por aí. Hoje, a Seleção Brasileira jogou e venceu a Colômbia por 2 a 1, jogo disputado em Fortaleza (CE) – Copa do Mundo 2014. Bem, então, até logo, minha amiga.
Porto Alegre, 8 jul. 2014 Prezada Maria Eduarda Carissimi! “Em que pardieiro vim eu parar”, Maria Eduarda Carissimi! Aqui é um prédio único de sete andares, com portaria 24 horas, sem interfone, dois elevadores, sem garagem, e um grande corredor por andar, já que temos 10 habitações, quero dizer, apartamentos, sendo na parte da frente. Cada andar com dois apartamentos com dois dormitórios, e depois todos para o fundo são JK, 144 habitações no total, ou seja, 24 unidades por andar. Faço o cálculo de pessoas por apartamento: poderíamos ter no total 180 habitantes no edifício, mas é claro que esse número pode ser muito maior. Pelas informações que, tenho em todos os JK podem viver um, dois, três, quatro ou mais pessoas. Sim, Maria Eduarda, é verdade, minha querida, parece um bairro, hospital, hotel de tanta gente por aqui. É verdade; poderia ser um hotel. Não sei informar se um dia isso aqui funcionou como hotel. É verdade que em nada era diferente do Condomínio Parque das Flores, com 4 blocos, de Itajaí; por lá também tinha muita gente, amiga! Em primeiro lugar, o Condomínio Henrique Petersen: prédio com mais de quarenta anos, no térreo e na frente do prédio para Avenida João Pessoa, uma loja que vende vários produtos de R$ 1,99, e a outra ferragens e material de construção. Também temos dois portões de entrada para carros, duas salas comerciais com grades, às vezes, são como páginas escritas por manifestantes, por exemplo: “Fora Copa, Polícia Fascista, A Rua é do Povo, Real liberdade, Violenta é BM, Foda-se a Copa, Passe livre já. E, por aí vai. Além disso, temos uma entrada geral com uma recepção, onde fica um prestador de serviço terceirizado por 24 horas, com alternância em cada 6 horas – não temos porteiro eletrônico. Depois de subir a primeira escada, do lado direito e esquerdo, duas grandes caixas com mais de 100 portinhas, onde são colocadas as correspondências para os condôminos. No entanto, temos farelos pelo chão, sim! Os cupins se alimentam,
e trabalham muito para que possamos percebê-los. Eles existem e fazem parte da nossa vida. Hoje, cheguei de mala e cuia. São muitas malas, caixas e uma cuia. Aos poucos, montarei o meu novo lar. Um apartamento seminovo, um JK, quitinete, um apartamento de pequenas proporções, 20m2, bem diferente do apartamento de dois quartos, dois banheiros, sacada – um total de 73m2. É uma emergência. Por uma emergência, tive de escolher esse apartamento JK, entre tantos outros apartamentos que tinha olhado. Logo começo a trabalhar, e optei por um lugar próximo, de onde possa ir e vir a pé, sempre. Assim, o barulho “infernal” das seis pistas, do corredor de ônibus, de muita gente a circular, a atender seus celulares em voz alta, as freadas e batidas na esquina entre Av. São João e Venâncio Aires. A ambulância do SUS que pede passagem para ir mais rápido ao Hospital Pronto-Socorro de Porto Alegre, o pulmão verde da “Redenção”, o comércio do Brique da Redenção aos sábados e domingos – bem, e todo o resto também me deixa um pouco preocupado e um tanto feliz, Maria Eduarda. E então pensei que vivesse uma vida sempre em meio a tribulações e sobressaltos, enquanto eu vivia uma vida em lugar dito como sendo “O Paraíso de Alfredo”. Quiçá possa ser como o litoral de Itajaí. Local onde poderia sentir um pouco de inveja – lá eu tinha uma felicidade, tranqüilidade e uma vida despreocupada. Além disso, lembrei-me da despreocupação e tranqüilidade que tem os gatos do meu sobrinho, conhecidos por “Alípio e Florípedes”. Bom, fiquei a fazer essas comparações vagas. Bem, é um apartamento JK. É verdade que antes eu vivia com muito espaço, aconchego, silêncio; dava até para receber muitas visitas de familiares e amigos. Aliás, se é para dizer a verdade, pois saiba que em meu antigo apartamento, aquele de Itajaí, tudo era incomparavelmente melhor, era mais espaçoso, minha amiga... Não tenho nada a dizer contra ele, mas ainda não sinto falta do antigo. Logo de manhã cedo, Maria Eduarda, começa o rebuliço: é gente que levanta, que anda, bate a porta – todos se levantam, uns porque precisam, para ir ao trabalho, ou
então por conta própria, começam todos a tomar o café, ligar o rádio, ler jornal e assistir TV. Às vezes, sou acordado com gritos, brigas de casais, e não posso dizer com toda certeza se acontece aqui dentro do condômino, no prédio vizinho, ou na rua. E aqui há barulho, gritaria, vozerio! Um entra e sai de pessoas. Sim! A cidade não para, trabalha 24 horas. Então, as pessoas não têm mais descanso no final de semana, nas madrugadas – aliás, muitos trabalham à noite e dormem de manhã ou de tarde. São muitos turnos, por isso é constante o movimento por aqui, o barulho de mudanças, do entra e sai, dos saltos altos, das conversas de quem chega, do bater na porta, o tocar o telefone, o abrirportas e grades, o subir e descer do elevador, das malas arrastadas pelos corredores, do aspirador de pó, da descarga do banheiro, da música, dos filmes e notícias da TV, das obras constantes realizadas por moradores e pelo condomínio. Além disso, os vizinhos do prédio que gritam antes, durante e depois de um jogo de futebol, os vizinhos que dão grandes gargalhas com suas visitas, os vizinhos que cantam, contam piadas durante um churrasco em seu salão de festa em céu aberto, os vizinhos que ficam à espreita na janela. Também, há o namoro de gatos no pátio do vizinho, prédio quase abandonado que é uma loja brechó de eletrodomésticos – então é uma luta, sim, o amor é uma luta constante, entre ele e ela – cada gato quer disputar e conquistar por meio de gemidos. Ouvi dizer também que o fulano e a beltrana tiveram umas contrariedades com a síndica, pelas quais até hoje não se falam mais. Deixa isso pra lá – é muito comum de acontecer em qualquer condomínio, sempre que há mudanças, investimentos, por vezes consideráveis gastos, quase sempre pelos inquilinos. Já que para os proprietários é sempre uma vantagem, pois valoriza o seu patrimônio, bem como o seu imóvel, o apartamento, as áreas comuns do condomínio. Por exemplo, como no caso da pintura externa, reforma dos elevadores, reforma geral da elétrica, deixando tudo com mais segurança e bem-estar para todos que habitam e visitam seus familiares e amigos.
Somente os dois apartamentos da frente, por andar, são de dois dormitórios. Imagine, por exemplo, um corredor comprido e várias portas. Dá uma ideia exatamente de um hotel; descobri muito depois que tinha sido projetado para ser um hotel, por isso cada quarto é um JK, com quarto, sala, cozinha e banheiro. Em ambos os lados, lado direito e esquerdo, são portas e mais portas, todas enfileiradas, exatamente como quartos de hotel, algumas com duas portas, uma há mais de grade. Como tu sabes, Maria Eduarda, vivemos uma sensação de total insegurança, mesmo ao morar em um condomínio. E há quem alugue esses apartamentos, e na grande maioria estão habitados por solteiros e solteiras – muitos estudantes e idosos. Também em único apartamento vivem duas, três, quatro pessoas ou mais. E, além disso, alguns ainda têm bicho de estimação. Não pergunte pela questão de espaço – cada um divide o seu espaço como acha que ficar melhor. Alguns têm caixas, armários, estantes, cama, cadeiras, sofás e tantas coisas que se dá um jeito ao receber uma visita, por exemplo. Eu moro em um apartamento totalmente reformado, critério de escolha, por pagar um preço considerado por muitos “fora da realidade de mercado”. Além disso, fica a menos de 20 minutos a pé do meu local de trabalho. Maria Eduarda, tu sabes como tenho bom gosto, e no primeiro olhar o apartamento me encantou. É, com certeza, um apartamento mobiliado, com a parte elétrica e hidráulica toda reformada. Basta tu chegar e instalar os eletrodomésticos, uma cama, um sofá cama, então trazer louça, livros, máscaras, roupas, objetos, quadros – e deixar tudo aconchegante para a primeira noite. O sol é forte de manhã e de tarde. Eu prefiro sol no banheiro, e tomar um banho com o sol secando tudo, e quente no inverno, entretanto no verão é um forno, mas tem ar-condicionado, para aliviar o sufoco do verão de Porto Alegre. Outros apartamentos mantêm ainda a estrutura original com piso de parquet, banheiro baixinho, pois acima tem um assalpão, sem falar das antigas cozinhas. Apesar de tudo, a localização do prédio favorece em alguns aspectos. Depois de entrar,
tive de pagar e continuar a pagar por muitas reformas gerais, tais como pintura externa e a reforma da elétrica geral. Enquanto aguardo pelo novo apartamento de um dormitório, fico por aqui a conviver com muita gente – moradores, funcionários, proprietários, prestadores de serviços, visitantes, inquilinos, - todos com suas individualidades, esperanças, silêncios, barulhos internos e externos ao apartamento, música e novelas, ruídos de mudanças, brigas de casais... quem te cumprimenta e quem não te cumprimenta – assim é a vida em um condomínio. Mora por aqui um ex-jogador de futebol do meu time Internacional. Um proprietário do mercado onde faço as minhas compras. E, só atravessar a Av. João Pessoa. Além disso, muitos jovens estudantes. Mora um casal de proprietários de uma loja de R$ 1,99; A loja está instalada no térreo, na frente do prédio. Além disso, muitos aposentados e “velhos”. Na sua maioria senhoras solteiras que passam o dia assistindo TV e tomando chimarrão. O proprietário de um brechó também mora no mesmo andar. Mora uma vizinha, do lado esquerdo que é muito católica, que assiste, escuta as missas e faz grandes orações. Em alguns momentos, pedi a ela uma prece, uma novena para familiares, em questões de doenças. Ela é uma mulher de fé, a qual já curou de uma grave doença; assim me falou no corredor um dia. Ela, a vizinha do lado do quarto/sala, é muito parecida com a minha mãezinha, Maria Eduarda – ela lembra muito a minha mãe, quando olho para o seu rosto, seu jeito de falar, caminhar e se vestir. Foi o que deu para perceber. São apenas sensações; tu sabes que ninguém substitui ninguém. Outra senhora, baixinha, idosa, vizinha, moradora próximo da escadaria e do elevador, pelo que sei todo dia recebe o jornal Zero Hora e comercializa produtos Natura, mas tenho sentido a sua falta. Faz mais de meses que não a cumprimento no corredor. Também dizem que tem um casal no prédio que mora em JK, sendo que ele é um profissional liberal, e ouvi dizer também que não entendem como pode um profissional: advogado, contador ou dentista? - morar
em JK e ter um carro importado! Muitos aqui me reconhecem como professor, mestre, e me aceitaram com muito respeito. Pensam que eu devo ser da categoria municipal ou estadual. Assim, justifica-se viver em JK, pois a remuneração é baixa, muito baixa, e tu sabes, né, Maria Eduarda, como os professores são muito mal remunerados? Do meu lado direito, paredes da cozinha e banheiro, moram um casal. Há muito tempo atrás ouvi algumas discussões entre eles, mas, de um tempo para cá, isso mudou e muito. Pareceme que ele é frentista ou cobrador de ônibus? - pelo que sei. Já ela, não sei o que faz? Sei lá! No apartamento mais pra frente, lado esquerdo, um casal que, com certa freqüência brigava. Eram agressões verbais, no corredor e dentro do apartamento. Abrir e bater de portas, além disso, o cachorro que latia muito, latia muito em cada briga do casal. Eles foram embora, melhor. Todo dia vejo um senhor sair com sua cachorrinha para passear no Parque Farroupilha/Redenção. Muitos chegam e saem em horários que é impossível encontrá-los no corredor ou no hall de entrada. A síndica tem garra e coragem para promover todas as reformas; por alguns é bem quista, por outros é odiada. Como sempre, quando questões envolvem o lado financeiro, a síndica passa a ser vista com a carrasca. Na verdade, tudo o que ela promove são grandes investimentos, nem sempre compreendidos pelos inquilinos, que percebem o repasse então logo no aluguel. Toc! Toc! Toc! Logo, abaixo o som do rádio, que sempre está sintonizado na Rádio Gaúcha ou Antena Um, mas não é aqui que bateram na porta – sim, o toc! toc! toc! É a batida em qualquer das vinte e quatro portas dos apartamentos do andar. Sabe, não temos campainha, por isso toc! toc! toc! Nossa funcionária de serviços gerais é uma senhora que mora em Guaíba, e de segunda a sábado trabalha para manter sempre bem áreas comuns: limpas, organizadas há mais de 9 anos. Conhece todos os que hoje moram aqui, e também todos os que partiram sem se despedir ou que fizeram a sua passagem. Sempre prestativa, alegre, sorridente, e tem um bom papo. Mora no fim do
corredor uma senhora querida que, muitas vezes, abre a porta para o seu filho com todo o carinho e o recebe para alimentá-lo. Muitas vezes o encontrei por aí, um rapaz bem apessoado, mas comentam que é usuário de drogas. Será? Do casal vizinho do lado esquerdo, ouço, às vezes, o barulho da água da torneira, pois a cozinha fica lado a lado no outro lado, como o banheiro, de onde ouço, às vezes, um bater do aparelho de barbear na pia. Assim também o faço. Mora no sexto ou sétimo andar um advogado, dentista ou contador? - com sua esposa. Vai saber! Como também um assessor de político. Eu, muitas vezes, ao sair, fico na recepção batendo papo com o funcionário e morador do prédio, e falamos sobre futebol, política, presidente Dilma, eleições, Bíblia, romance, paixão, corrupção – tudo tem uma relação. Ao chegar outro morador que ficava a fumar na porta do prédio, exaltados dialogamos sobre os assuntos mencionados de forma a tentar compreender fenômenos e disputa de discursos entre os diversos atores, inclusive disputamos um espaço de “lugar de fala”. Eu moro na cozinha, no quarto, na sala, no banheiro, ou seria muito mais correto dizer: não é um apartamento grande, é um cantinho claro, arejado e bem decorado, iluminado, tem duas janelas, e modesto – em suma, tem todo o conforto. Bem, esse é o meu cantinho, Maria Eduarda. Então, logo que me estabeleci, plantei três mudas de gerânios, vermelho, rosa e branco – que encanto de flores! Desta forma, enfeitam o peitoral da minha janela, e, quando o sol brilha, eles ficam mais vistosos e sorridentes. Ao vento, podem balançar e soltam suas flores, e, quando chove, suas folhas ficam verde-vida. Mas não posso deixá-los sozinhos; sempre tive a espada de São Jorge, e como deixei as plantinhas que tinha ganhado da minha mãe no vaso em Itajaí, em uma visita na casa da minha irmã, pedi uma mudas, mas não ganhei. Penso que ela não compreendeu, no entanto estávamos em janeiro na casa do meu irmão – praia de Curumim. Antes de irmos embora, minha irmã arrancou do jardim da minha cunhada duas mudas de espadas de São Jorge, que hoje
estão a proteger e embelezar o vaso e a soleira da janela do outro lado. Fiquei contente com o resultado. No verão, se come muita melancia, né? Caríssima Maria Eduarda. Então, joguei muitas sementes de melancia no vaso e plantei com os pés de espada de São Jorge. Resultado mais incrível, pois os dois pés de melancias se espraiaram pelo peitoral e pela soleira da janela, e me presentearam com suas lindas flores, pequeninas flores amarelas de melancia – e a vida tem mais graça quando o sol pode brilhar na tua janela e nela existir vida. Não há vida nas flores de plásticos espalhadas por muitas habitações, salas, corredores, salões – até no cemitério. Antes morava no 9º andar. Hoje estou no 4º andar. Faço essa referência, Maria Eduarda, para te contar que, no prédio de Itajaí, tinha um elevador, e aqui são dois elevadores, que ficam no centro do prédio. Mas não pego, procuro subir e descer pelas escadas, diariamente, ou várias vezes ao dia. Na frente do elevador uma escadaria que dá acesso a todos os andares e apartamentos. Talvez não esteja tão sedentário, ou será que sou? O corredor dos apartamentos JK tem número par e ímpar. Eu moro no número par, onde o sol da tarde bate forte nas janelas e rapidamente seca minhas roupas, estendidas em um varal que está afixado provisoriamente sobre o aparelho de ar-condicionado, que fica pelo lado de fora, bem no meio da janela onde está a cama de casal. Resido no quarto andar, como já mencionei, queridíssima Maria Eduarda, e, na porta na minha frente ao lado esquerdo, o vizinho proprietário do Mercadinho que, manifestou com um boneco afixado na porta o seu time preferido: “Aqui vive um colorado”, do qual também sou um torcedor apaixonado. No entanto, não coloquei nada na porta, apenas tenho em objetos na sala, camisetas, fotografias, torcedor no estádio de futebol Beira-Rio – que podem comprovar a minha paixão pelo Sport Club Internacional, sendo um torcedor colorado. Um banheiro, uma cozinha, um quarto, uma sala, um pequeno hall de entrada. Na parede, ficam todas as minhas máscaras, que tu já conheces, Maria Eduarda. Já lhe descrevi a
disposição do apartamento; não há o que dizer, é verdade que tudo fica fácil de se tomar posse, o acesso está na palma da mão – o cafezinho todo santo dia, o notebook, tomar banho, dormir, assistir TV do sofá cama, ler o bom livro Gente Pobre, de Fiódor Dostoiévski, pois a distância a percorrer é pequena. É tudo mais rápido: ir por lá, pra cá; cada coisa está logo ali. Tu deves estar a perguntar, Maria Eduarda, o que eu fiz com todos aqueles trabalhos acadêmicos e livros. Pois bem, antes de partir, separei alguns para doar para uma escola municipal de Itajaí. Aquela que ficava bem próxima da minha casa, outros queimei na churrasqueira, outros tive a preocupação de rasgar a capa e páginas com identificação da instituição de ensino, do aluno e do meu nome, e só depois joguei tudo isso no lixo do condomínio, que é todo reciclável. Maria Eduarda, muitos livros e trabalhos estão agora comigo, em caixas, nas prateleiras, no interior do roupeiro, no baú da cama, e não são poucos. Penso que, talvez, quando eu me mudar novamente, possa fazer mais uma limpeza, ou seja, mais uma seleção do material. Assim, carrego comigo um pouco de saudades de todo esforço realizado por ocasião do meu trabalho como professor, orientador professor e leitor. Ah, Maria Eduarda! Por mais que fale aqui, por mais que possa descrever o que me abraça, a minha vida, o meu tempo e espaço, tudo é insuficiente. Nada melhor do que bater um bom bate papo, como ler juntos o meu livro preferido Gente Pobre, fonte inspiradora para escrever essas cartas. Um forte abraço, minha estimada, e continuo seu devotadíssimo e fidelíssimo amigo. João Carissimi P.S.: Só lhe peço uma coisa: responda-me, minha amiga. Quero lhe entregar um presente, Maria Eduarda, feito pela artesã, amiga Cynthia Starke. É um gatinho feito de pano que, colocado na maçaneta da porá protege e evita que uma das tuas portas bata forte. Ah! pelo amor de nossos pais, não se preocupe comigo, me espera por esses dias. Hoje, a Seleção Brasileira jogou e perdeu da Alemanha por 7 a 1. O jogo foi disputado em Belo Horizonte (MG), Copa do Mundo 2014. Bem, então até logo, minha amiga.
Porto Alegre, jul. 2014 Maria Eduarda, minha querida amiga! Foram tantas as conversas que tive ontem, que me é devido falar das tantas sensações que experimentei hoje. Em primeiro lugar, acordei e imediatamente tomei um cafezinho, muito antes de lavar o meu rosto e de puxar um pouco as cortinas do lado esquerdo para o centro e de abrir a janelas do quarto. Lembrei que acordei de madrugada e que tinha feito várias anotações sobre as possíveis ações de trabalho para Casa do Excepcional Santa Rita de Cássia. Tenho ficado irrequieto e muito mais incomodado com a espera de uma resposta sobre as duas propostas de trabalho enviadas para a organização não governamental Casa Santa Rita de Cássia. A primeira trata de uma assessoria em comunicação organizacional e a segunda de uma pesquisa organizacional (identidade, imagem, realidade e comunicação), tendo depois como resultado um plano, com programas e projetos de comunicação administrativo-interna, institucional e mercadológica. Estava uma madrugava fria e chuvosa. Esta época é assim – julho, dias escuros, úmidos e sombrios! Acordo apreensivo quanto a qualquer solução que será dada pela organização, também incomodado por não poder ajudar os beneficiários da Casa do Excepcional Santa Rita de Cássia – são bebês, crianças e adultos neurolesionados com comprometimento global do desenvolvimento, os quais necessitam de atendimento 24 horas, 365 dias. Assim, podem ter uma melhor qualidade de vida: são vidas que merecem uma vida, acolhidas por uma política que garanta os seus direitos, o bem maior, a “Vida”. “O bom nem sempre recebe o que merece”, creio que ouvi dizer, algum dia, e pode se tratar de uma Lei Universal. Acordo e faço sempre algumas anotações. Deixo todas ali em cima do notebook, escritas em folhas de rascunhos A4. Retorno a dormir, talvez um pouco mais sossegado, mas não aliviado por preocupações individuais, sociais, políticas e assistenciais. Tu bem sabes, Maria
Eduarda Carissimi, que tranquilo não durmo e nem se poderia dormir tranquilamente, quando, muitas vezes, não sabemos ou não podemos em certo momento ajudar o próximo. Em segundo lugar, sintonizo no programa de rádio “Polêmica”, da Rádio Gaúcha. Faço isso todos os dias. Presto muita atenção; todos os temas em debate merecem a sua devida atenção. É um espaço “privado” de debate político, não partidário, político – com total senso de coletivo, participativo, dialógico, e é, com certeza, um espaço de discursos reflexivos. Saí para tomar um pouco de ar e dar uma volta pelo prédio. Preciso levar o lixo sólido para o seu devido espaço. Como sempre, aproveito para desejar um bom dia à funcionária do condomínio que muito bem cuida da limpeza e da harmonia das áreas comuns. Além disso, todos os funcionários da prestadora de serviços, que há mais de seis meses faz a reforma geral dos dois painéis por andar e de toda a rede elétrica do prédio. Que horror foi o desastre do avião abatido na Ucrânia. O Capitão Dunga voltou para comandar a seleção brasileira, o Inter atropelou o Flamengo no Beira-Rio. Como me surpreende a novela O Rebu. Como têm aparecido grandes problemas em obras públicas, como o da queda do viaduto em Belo Horizonte. Os comentários dos possíveis problemas também nos dois novos viadutos de Porto Alegre. As notícias constantes sobre corrupção, todas advindas dessas tais parcerias público-privadas, onde muitas organizações ganham concorrências públicas, e devidamente fazem repasses aos políticos, assessores, técnicos, fiscais, tudo isso é um horror, um desgoverno, retrato de um governo fraco. Assim, comentamos, argumentamos, conversamos em nosso espaço público – o corredor. Dei-me conta que tinha de preparar o almoço e imediatamente retornei para apartamento. O assunto agora era futebol. Estava uma tarde tão escura e úmida. Esta época é assim – julho. Antes de anoitecer, tinha compromisso com a presidente da Casa do Excepcional Santa Rita de Cássia. Às cinco horas, já começa a anoitecer! Quero chegar antes das dezoito horas em
casa. Esperei pelo ônibus 494 – Ruben Berta. Estava uma tarde chuvosa e não tão fria. Apenas chuvosa. Como incomoda andar com tantos guarda-chuvas e sombrinhas! Chovia muito, enlouquecidamente, hoje chovia! Maria Eduarda, pode-se tomar vários banhos durante o trajeto – ao desviar o guarda-chuva, quando abaixamos para dar mais espaço na calçada, mesmo quando aqueles carros passam pelas poças, muitas vezes propositadamente, e os motoristas têm um momento de risos, uma alegria que alivia as tensões do transito. É pura maldade, Maria Eduarda. Eu prefiro dias ensolarados, ou até aquela neblina que chega a fechar o aeroporto Salgado Filho. Era um não acabar mais de gente andando pelas calçadas e corredor do ônibus da Osvaldo Aranha, aquele próximo do Hospital Pronto-Socorro. Todos têm pressa para retornar ao trabalho, ir para casa almoçar, como é o caso das meninas e meninos do Colégio Militar. Todos impecáveis, alinhados – bem apresentados com suas boinas na cor vermelha, elas com suas saias. – Aula foi ótima, e mais retornar para o lar, para família, almoçar com os familiares, com a mãe – tu bem sabes, João Alfredo Barison é de ficar “feliz, demasiadamente feliz, feliz a mais não poder”, como disse Dostoiévski, no livro Gente Pobre. Por um instante, perdi o ônibus. Era um não acabar mais de ônibus que passam nos dois sentidos do corredor. E muita gente a andar pelo corredor, entrar e sair dos ônibus. É uma gente que deve ter um propósito, idosos, jovens, casais, crianças, adultos – todos bem agasalhados e com seus guarda-chuvas. A tarde estava movimentada, não poderia estar tristonho hoje, João Alfredo! Tinha um encontro ótimo, companhia agradável com os funcionários da Casa Santa Rita, e algo para apresentar para Dona Eneri. A essa hora, 13h25, peguei o ônibus 494. O percurso centro zona norte levou mais ou menos 45 minutos. Como já havia feito o trajeto, procurava não olhar tanto para fora, até porque gotas de chuva se espraiavam e se arrebentavam pelas janelas do ônibus. Lá fora, tudo para estar mais nebuloso. Aqui dentro, silêncio, poucos
passageiros. Grandes avenidas, ruas. Quando virou à direita, ruas estreitas, duas pistas, e casas ficavam muito próximas da janela do ônibus. São construções simples, uma do lado da outra, e não há espaço para o verde. Algumas têm construções inacabadas, são extensões para o lado, para o andar de cima. Algumas se destacam pelas suas cores, grades nas portas e janelas. Estava próximo, tinha de descer. Apertei o botão e, pelo lado esquerdo, localizei, no prédio dos fundos, o logotipo da Casa Santa Rita de Cássia. Ao descer, surpresa. Chovia intensamente, Maria Eduarda. Resolvi atravessar a rua sem abrir o guarda-chuva. Tomei um banho. É claro, um banho de chuva. Toquei o interfone. – Quem é? Identifiquei-me. – Sobre o que é? Com quem deseja falar? Às vezes, é bom tomar um banho de chuva, ainda mais quando se passam informações e se aguarda o sinal do portão. – Podes entrar – respondeu o rapaz. Imediatamente, abracei Dona Eneri e cumprimentei todos os funcionários. Fomos para a sala de reuniões. Ah, minha amiga, Maria Eduarda, como o ambiente, as pessoas são acolhedoras, aqui! Nós cumprimentamos. Por algumas horas, trocamos informações a respeito das necessidades de comunicação da organização, os primeiros apontamentos do diagnóstico organizacional, as demandas, ações imediatas, registros do passado, e reunião do conselho que irá aprovar. – Será quando? – Talvez nos próximos dias – me disse Eneri. – Tu deverás estar presente para apresentar tudo isso.
– Eu não entendo muito, quase nada, sobre o que falou: realidade, cultura, reputação, identidade, imagem, visibilidade. Eu entendo, perfeitamente, que devo cuidar dos meus filhos, hoje 32. Dos meus filhos eu entendo, e brigo por eles a cada minuto, para que possam ter aqui na casa uma qualidade de vida, e tudo o que precisam para viver cada dia mais e melhor– foi o que me disse enfaticamente Eneri. Passamos, depois para cozinha, onde tomamos um café com bolo. Ali estavam alguns funcionários e beneficiários da casa. Como sempre esperta, caminhava, corria pelas peças da casa a linda, dedicada, atenciosa Isa – a menina beneficiária da casa. Maria Eduarda, ela é a prova da reabilitação e demonstra que é possível se investir em habilitação. Trouxe um prato com um pedaço de bolo e me ofereceu. Peguei uma lasquinha e agradeci. Ela, feliz, demonstrou em seu sorriso e no balanço da sua cabeça que estava feliz, feliz por não dar conta. Então, eu e Eneri retornamos para o espaço administrativo da casa. Ali continuamos as conversas e vivenciei o dia a dia das atividades nesse instante. O celular toca. O telefone toca. A campainha toca. Alguém chama por Eneri. A enfermeira faz planilhas de resultados. O funcionário confirma os dados da ONG com a empresa de telefonia. A assistente social abre a sua agenda e solicita o meu telefone. – Enaile, anota, por favor, o número 8000-xxxx. Fácil de lembrar – disse-me. Quando olhei para o relógio, os ponteiros marcavam mais de dezesseis horas, eu tinha de retornar. Muitos dos funcionários também encerraram seu expediente às 17h, e outro turno logo começaria suas atividades. A conversa foi proveitosa.
Espero que novas oportunidades sejam anunciadas. Espero pelo ônibus
linha 494. Sentido bairro-centro. Porém, por aí passam várias linhas de ônibus e lotação. Identifiquei o seu roteiro. Prefiro pegar o ônibus 494. O retorno parece ser mais rápido. A tarde continuava chuvosa, e, ao descer na parda no Bairro Bom Fim, a chuva é mais enlouquecida. A gente também fica mais enlouquecido pelos banhos da chuva, das
águas que ficam em poças na beira da calçada, nas ruas, e pelos banhos que tomamos dos ônibus no corredor e dos carros. Já havia escurecido mais e começavam a ser acesas as luzes dos postes e mais veículos andavam com seus faróis acessos. Resultado: chego a casa depois de caminhar uns quinze minutos, com meias, sapato, pasta, calça e guardachuva completamente encharcados. Hoje, mais um dia de chuva. Está bem mais frio do que ontem. A temperatura tende a cair mais, e a noite será muito, mas muito mais fria. Lembrei-me logo de você. Ah, minha querida, minha amiga! Na serra deverá ser muito frio. Sei o quanto faz frio por lá, por isso preferi ir embora da minha terra natal – Antônio Prado. Prefiro temperaturas mais agradáveis, mesmo quando faz aquele calorão insuportável no verão em Porto Alegre. Eu não gosto de frio, minha amiga, Maria Eduarda. Agora, quando me lembro de você, estamos juntos a ler na caixa de lenha, fogão acesso, a chaleira que chia, o chimarrão de mão em mãos, a bata-doce a cozinhar, a panela de pião, a bacia de água quente nos pés, o gorro do Inter, aquela manta a cobrir nossos joelhos... Então, façamos mais uma vez a leitura do livro A Aldeia de Stepántchikovo e seus Habitantes, e que muito tem contribuído para que possamos em detalhes contar o nosso dia a dia e, assim, escrever nossas cartas, como muito bem o fez Dostoiévski, o autor do livro. Tarde, chuvosa, fria e úmida em Porto Alegre, é quintafeira, ano 2014. João Carissimi POA. 27 ago. 2017. Minha querida Maria Eduarda. Hoje, somente agora, pude atualizar as correspondências enviadas. Neste caso, te peço desculpa, caso não tenha sido do teu agrado. Eu entendo! Não se constranja na resposta, até porque eu fiquei um bom tempo sem te enviar qualquer carta – tive outros afazeres. Ah! Fotografar, selecionar, apagar, classificar, nominar, escolher e publicar no site Olhares. Além disso, olhar, observar, curtir, comentar e responder, as fotos dos meus amigos da comunidade Olhares, de certa forma me deixa muito ocupado - meu coração, o espírito e a minha mente. Em outro momento, Maria Eduarda, tenha certeza escreverei. Até então ou depois, minha amiga.