FORTALECIMENTO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA NO BRASIL ARTICULAÇÃO TERRITORIAL NO CAMPO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA
FORTALECIMENTO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA NO BRASIL
ARTICULAÇÃO TERRITORIAL NO CAMPO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA
ESTE PROJETO É FINANCIADO PELA COMUNIDADE EUROPEIA
EXECUÇÃO
Expediente Cáritas Brasileira Endereço: SGAN – Av. L2 Norte, Quadra 601, Módulo F CEP 70830-010 / Brasília (DF) Site: www.caritas.org.br E-mail: caritas@caritas.org.br Telefone: +55-61-3521-0350 Fax: +55-61-3521-0377 SECRETARIADO NACIONAL Diretoria Presidente: Dom Flávio Giovenale Vice-Presidente: Anadete Gonçalves Reis Diretor-Secretário: Pe. Evaldo Praça Ferreira Diretor-Tesoureiro: Aguinaldo Lima Coordenação Colegiada Nacional Diretora executiva nacional: Maria Cristina dos Anjos da Conceição Coordenador: Jaime Conrado de Oliveira Coordenador: Luiz Cláudio Mandela Esta Publicação I Articulação Territorial no Campo da Economia Solidária Elaboração de textos I Vértice Sociedade Civil de Profissionais Associados Redação l João de Jesus da Costa l Mariana Barbosa Barreiros Rubinello Revisão de textos l Vanice Araújo l arteemmovimento.org Fotos l arquivo Cáritas I arteemmovimento.org Projeto gráfico l arteemmovimento.org Tiragem I 500 exemplares Brasília, 2015.
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Sumário
Para começo de conversa
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O que move as pessoas no território
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O território muda, assim como as pessoas
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Sem articulação, o território não se constrói
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A articulação territorial ganha muitas formas
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O que se ganha com a articulação territorial
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Anotações
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Para começo de conversa A Cáritas Brasileira atua na Economia Solidária há mais de 30 anos. Seu principal objetivo nessa ação é fortalecer as iniciativas das comunidades que estão em situação de vulnerabilidade social para que construam outro modelo de desenvolvimento – solidário, sustentável e com foco no território. Essas três características estão na base da Economia Solidária, pois uma nova sociedade tem que se apoiar nos pilares da solidariedade, da sustentabilidade e da territorialidade. SOLIDARIEDADE
TERRITORIALIDADE
SUSTENTABILIDADE DESENVOLVIMENTO
Esta Cartilha vai tratar em detalhes sobre a territorialidade como um desses fatores-chaves para o avanço da Economia Solidária¹. Todos somos parte de um lugar, de uma cultura, de uma comunidade. Pertencemos ao conjunto de relações construídas no tempo (história) e no espaço (contexto). Para falar sobre território, podemos trilhar um caminho que nos levará à ideia de que o TERRITÓRIO é o resultado de um processo social em que as pessoas e os grupos sociais buscam tomar conta do espaço e transformá-lo de acordo com seus interesses.
¹A Economia Solidária também pode ser chamada de economia de solidariedade, economia social solidária, socioeconomia solidária, economia popular solidária, entre outras. Trata-se de um fenômeno social de resistência à crise do modelo capitalista e na busca de um outro mundo possível melhor, em que valores como a solidariedade e a cooperação são fundamentais.
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Território não é apenas uma base material de “recursos naturais”, mas, sobretudo, a base com relação à produção humana numa dimensão ampla, com cooperação, conflito, solidariedade e subordinação a partir da disputa pelo espaço. (Inspirado em Milton Santos, geógrafo)
Esse conceito, construído por Milton Santos, mostra que o espaço não é só geográfico ou físico, pois ele integra todas as dimensões: as culturas, as crenças, as formas de produção, as relações de troca, etc. Território é uma construção social. Cada pessoa participa dessa construção em conjunto com outras pessoas, seja em família, associação, sindicato, cooperativa, grupo religioso, grupo cultural, etnia, etc. Nesse processo, os seres humanos se relacionam com o ecossistema, com o simbólico e imaginário dos seus povos, comunidades, sociedades. E essa participação gera diversas práticas sociais que acontecem no espaço e contribui para moldar o território ao longo do tempo.
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O território “é um conceito aberto, abrangente, complexo, em construção, que deve contemplar as relações econômicas, sociais, políticas, culturais, religiosas, etc. (...) É onde se articulam ações em prol dos nossos valores e princípios. É o espaço onde ocorrem as relações sociais, potencializando o que é comum, respeitando as diferenças e construindo, a partir do diálogo, o sentimento de pertencimento e laços de identidade. (...) É espaço de construção da autogestão para além dos empreendimentos”.
(V Plenária Nacional de Economia Solidária)
Muitas vezes, a ideia sobre território e territorialidade está atravessada pela influência dos agentes governamentais, que acabaram vinculando o território à ação do Estado com os territórios da cidadania, de identidade, de desenvolvimento rural, entre outros. Porém, territórios existem e podem ser construídos e desconstruídos nas mais diversas escalas, tanto espaciais como no tempo. As iniciativas de Economia Solidária, ao realizar suas práticas com seus valores e relações, vão construindo uma nova cultura, por meio do trabalho associado e comunitário, e novas identidades de promover a economia e a vida. Por meio dessas relações, vão construindo um território e afirmando uma territorialidade distinta e em luta pelos espaços com o agronegócio, a especulação imobiliária, o empreendedorismo, a economia verde, entre outras.
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O que move as pessoas no território Diversos interesses provocam a movimentação das pessoas no território. A questão da sobrevivência anima a procura por meios e formas de produção ou de serviços que gerem renda e permitam o acesso a alimentos, vestuário, moradia, transporte, etc. Vejamos o exemplo da Rede Mandioca, que surge a partir da cultura que fortalece e unifica as identidades dos povos tradicionais maranhenses.
Rede Mandioca – Maranhão A Rede Mandioca é uma articulação estadual de organizações formais e informais de agricultores e agricultoras familiares maranhenses que atuam diretamente no cultivo, manejo, beneficiamento e comercialização da mandioca e seus derivados. Valoriza a diversidade produtiva da agricultura familiar. Essa rede surgiu dentro de uma estratégia de combate ao trabalho escravo, a partir de 2004, mas também com a perspectiva de fortalecer a Economia Solidária e a segurança alimentar e nutricional, por meio de estratégias locais de produção e comercialização. Inspirada em outras experiências de rede, buscou ampliar sua articulação do plano local para o regional e estadual. Agora, conta com uma Plenária Estadual, que se reúne de dois em dois anos. Possui uma Carta de Princípios e tem a adesão de 80 grupos organizados em associações, cooperativas e grupos informais. Em 2013, foi construído o Centro Estadual de Referência da Rede Mandioca, em São Luís (MA), junto ao qual funciona um espaço de comercialização e cultural chamado de “Quitanda Rede Mandioca”. A Rede já produziu vários impactos sociais, culturais, econômicos e ambientais, mas o principal aprendizado é a importância de criação de uma rede a partir do fortalecimento de identidades locais. 8
As iniciativas da Economia Solidária surgem pelas relações de proximidade pelo trabalho das pessoas numa comunidade, na favela, no sítio, na fábrica, nas escolas, nas instituições públicas, etc. em um determinado espaço. As práticas econômicas surgem dessa vida social e das relações entre essas pessoas para ocupar o espaço, o “lugar”, o chão de vida e trabalho em contraposição à lógica do capital. Nessa vivência cotidiana, há uma articulação entre o econômico, o social, o político, o ambiental, o espiritual e o corpo. Experiências do campesinato, da agricultura familiar, dos ribeirinhos, dos quilombolas têm relações sociais de proximidade e de confiança que favorecem a organização associativa e a formação de redes para conseguir água, construir cercas, guardar e preservar as sementes e comercializar seus produtos. Milton Santos (2002) coloca o território como fundamento do trabalho, o “lugar” construído ao longo da história para morar, produzir, intercambiar bens materiais e imateriais e a espiritualidade no exercício da vida. Mas, o trabalho não garante, sozinho, o acesso a todas as coisas necessárias para a qualidade de vida das pessoas. Para atender a demandas como educação, saúde, segurança, lazer, entre outras, as pessoas precisam que a administração pública assuma esse compromisso. Daí, é necessário que no território sejam construídos equipamentos sociais como escolas, postos de saúde, delegacia, praças... e que os serviços funcionem bem, com profissionais preparados e com infraestrutura adequada.
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Esses aspectos são suficientes para mostrar como a noção de territorialidade é bem complexa, mas está ligada ao cotidiano de todas as pessoas. No território, se expressam muitos interesses, que, às vezes, são próximos e geram alianças entre as pessoas e, outras vezes, são opostos e geram disputas. Pode-se falar que o território é o resultado desses encontros e desencontros entre pessoas e grupos sociais. Porém, nem só as pessoas que habitam em um território agem sobre ele. Quase sempre, interesses alheios a uma comunidade influenciam fortemente o que acontece ali. O território pode existir a partir da ação de grupos sociais, dos povos tradicionais e de movimentos sociais pela transformação de um determinado espaço em prol de uma vida digna, na luta pela terra, pela água, por uma Economia Solidária... como também pode ser pelo movimento do capital por meio das grandes corporações ao se instalarem para a produção agroindustrial, para a mineração, o agronegócio, os centros comerciais, para a sua ocupação e tentativa de homogeneização da vida social e econômica.
O grande capital constrói seu território do ponto de vista da localização mais apropriada em termos de menor custo, acesso a insumos, proximidades de mercados e logística de distribuição e trata esse território de forma isolada e seletiva. A relação territorial para o grande capital é de ocupação do espaço para extrair o maior lucro possível, numa visão utilitarista e de subordinação. O avanço do capitalismo pode provocar uma desterritorialização das populações.
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(...)Tendo como eixo estruturante o crescimento econômico pela via da exportação de commodities, esse padrão gera efeitos perversos que se alastram em cadeia sobre a nossa sociedade. No mundo rural, a expressão mais visível da implantação dessa lógica econômica é a expropriação das populações de seus meios e modos de vida, acentuando os níveis de degradação ambiental, da pobreza e da dependência desse importante segmento da sociedade a políticas sociais compensatórias. Esse modelo (...) ganhou forte impulso nas últimas décadas com o alinhamento dos seguidos governos aos projetos expansivos do capital internacional. Materialmente, ele se ancora na expansão do agronegócio e em grandes projetos de infraestrutura implantados para favorecer a extração e o escoamento de riquezas naturais para os mercados globais. Os casos emblemáticos (...) demonstram a essência violenta desse modelo que viola o “direito de ficar”, desterritorializando as populações, o que significa subtrair delas a terra de trabalho, o livre acesso aos recursos naturais, suas formas de organização econômica e suas identidades socioculturais. Os movimentos massivos de migração compulsória daí decorrentes estão na raiz de um padrão de distribuição demográfica insustentável e que cada vez mais converte as cidades em polos de concentração da pobreza, ao passo que o mundo rural vai se desenhando como um cenário de ocupação do capital e de seu projeto de uma agricultura sem agricultoras e agricultores. (Trechos da carta política do encontro nacional Diálogos e Convergências, promovido pelo FBES em 2011)
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A Economia Solidária, por sua vez, tem na sua prática valores sociais e políticos que são os laços de reciprocidade e de solidariedade. Pretende-se que tais valores orientem as relações do trabalho associado, a autogestão, a cooperação na produção, na distribuição e no consumo. A Economia Solidária precisa se dar conta que, em um mesmo espaço geográfico, está em disputa a construção de mais de um território e ocorrem, portanto, várias territorialidades. O que acontece em um bairro ou povoado é influenciado por decisões e atitudes tomadas por pessoas que atuam no próprio local, mas também por pessoas que têm responsabilidades no âmbito do município, do estado, do país e do mundo. Essa é a relação mais importante entre o local e o global. O que acontece no local pode afetar o global e vice-versa. Várias experiências – das pescadoras de Remanso (BA), das Quebradeiras de Coco Babaçu (MA e PI), das Mangabeiras (SE) e outras tantas – revelam que homens e mulheres têm construído formas de vida que se contrapõem à lógica do lucro e resistido às investidas da desterritorialização e perda do significado de sua vida mesmo quando deslocadas de seu espaço geográfico e social de origem. Suas motivações são ecológicas, feministas e de respostas ao desemprego, à violência, a busca de meios de vida, assim como aos diferentes tipos de discriminações e opressões. Necessidades materiais e subjetivas orientam as práticas e vivências da Economia Solidária que geram identificações e autorreconhecimentos produzindo territórios e territorialidades que estão em luta no espaço material e imaterial com o capital. Exercício Realize um encontro com a comunidade para compartilhar com as famílias o projeto ou as principais ações que seu grupo está executando. Nessa apresentação, mostre quais são as motivações que seu grupo encontrou e que resultados quer alcançar. Aproveite para colher sugestões das pessoas sobre como melhorar essas ações. 12
Arco Sertão – Bahia A Agência Regional de Comercialização do Sertão da Bahia – Arco Sertão, com sede em Valente (BA), é uma associação formada por 35 empreendimentos econômicos solidários distribuídos por 13 municípios dos Territórios Bacia do Jacuípe, Sisal e Portal do Sertão, no semiárido baiano. A organização promove a intercooperação dos empreendimentos filiados em busca da inclusão social e econômica dos empreendimentos através da formação política dos trabalhadores rurais, visando comercializar os produtos da Agricultura Familiar e Economia Solidária, inclusive com os programas governamentais, como PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar). Conta, atualmente, com o Armazém da Agricultura Familiar e Economia Solidária da Central de Comercialização do Arco Sertão, em Serrinha (BA), que tem o apoio do Governo da Bahia e da Prefeitura de Serrinha. O Armazém conta com uma unidade armazenadora com capacidade para até 150 toneladas de produtos secos e 15 toneladas de produtos congelados ou refrigerados. São beneficiados mais de 2.500 agricultores familiares com acesso ampliado ao mercado, gerando renda e cidadania na região. A rede Arco Sertão Bahia é apoiada e assessorada pelo MOC (Movimento de Organização Comunitária) e é uma das organizações apoiadas pelo projeto Rede Brasileira de Comercialização Solidária, que será executado pelo IMS (Instituto Marista de Solidariedade) por meio de convênio com a Senaes.
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O território muda, assim como as pessoas A circulação das pessoas no território afeta a dinâmica territorial. Mas a percepção que as pessoas têm sobre seu pertencimento a um determinado território também pode variar. Há muitas situações em que pessoas que não se reconheciam como parte de um grupo mudam essa percepção e esse sentido de pertencimento modifica a forma como se movimentam no território e a forma como utilizam os recursos disponíveis. Falar de território é falar de algo muito presente, atual, físico, mas também de algo que está sempre por fazer-se, que se alimenta do que já aconteceu e que nem sempre é material. É nesse contexto, e como parte de uma história, que os empreendimentos econômicos solidários surgem e constroem sua identidade. Nenhum empreendimento pode constituir-se sem dialogar com o que se passa em seu território.
Rede Cearense de Socioeconomia Solidária – RCSES A Rede Cearense de Socioeconomia Solidária começou como Fórum Cearense de Socioeconomia Solidária, criado em 2000. Tem como finalidade articular as forças no campo da Economia Solidária no Ceará integrando Empreendimentos de Economia Solidária e Entidades de Apoio e Fomento, sendo ponte com a articulação nacional do Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES). De forma organizada, a Rede faz incidência nas políticas voltadas para a ECOSOL nas três esferas de governo (federal, estadual e municipal), trabalha o fortalecimento do movimento com a realização de atividades diversas de formação, intercâmbios, feiras e outros. Uma das principais iniciativas da RCSES é o Feirão de Socioeconomia Solidária, que já está em sua décima terceira edição. Em 2005, destaca-se a realização do I Seminário Internacional de Socioeconomia Solidária e, em 2007, o Seminário Construindo a Política Pública de Apoio à Economia Solidária no Ceará, em parceria com o governo estadual.
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Um grupo de artesanato desenvolve sua atividade utilizando a matéria-prima de sua região, mas também interpretando os símbolos que contam a história e a vida do lugar e das pessoas. Um grupo produtivo aproveita as condições do solo e do clima, mas também respeita os costumes alimentares da comunidade. Um grupo cultural conta as lendas e as esperanças da população. Tudo isso nos leva a outra ideia: o território é algo que está sempre em construção, pois enquanto um grupo se alimenta do que já existe no território a sua atividade também contribui para transformá-lo. Os territórios são uma construção de coletividades (fóruns, redes e cadeias produtivas de ECOSOL), num determinado espaço geográfico, motivada por valores culturais e políticos, individuais e coletivos, que dão sentidos para a vida individual e coletiva das pessoas, com referências na sua história, levando essa coletividade a propor e projetar perspectivas de desenvolvimento (modo de vida e de bem viver) para as pessoas nesse território. Já se falou que um território não se faz apenas pelo que acontece nele. Ele faz parte de uma teia de relações mais amplas, com outros territórios que se tocam ou que se atravessam. Uma cidade depende da circulação de pessoas e bens que vêm de outras cidades. Um grupo étnico que está em uma comunidade pode estar mais ligado a outro grupo da mesma etnia, a milhares de quilômetros de distância, do que a um grupo da comunidade vizinha, mas que se reconhece como outra etnia. A própria ideia de comunidade pode estar diluída em novas formas de convivência e de presença na história e no mundo. Os fenômenos da telefonia móvel e das redes sociais, por exemplo, estão influenciando novas formas de comunicação e de relacionamento entre as pessoas, constituindo outros tipos de comunidade. Os modelos econômicos também contribuem para mudanças nos territórios. Um grande projeto, como uma hidrelétrica, pode desfazer comunidades inteiras enquanto assume o discurso da modernização e da qualidade de vida, porque desloca as pessoas do ambiente rural para o mundo urbano. 15
Uma agroindústria pode submeter centenas de pequenos produtores a um novo esquema de produção e ao ritmo determinado pelas demandas dos consumidores, que nem sempre estão naquele território. É possível que os pequenos produtores nem consumam o que será produzido por essa indústria.
Rede de Saúde Mental e Economia Solidária A Rede é um coletivo de organizações da sociedade civil, de empreendimentos econômicos e solidários e projetos de geração de trabalho e renda organizados por usuários, técnicos e familiares dos serviços substitutivos da rede de saúde mental do estado de São Paulo. É um espaço de articulação de experiências de inclusão social pela cultura e trabalho, na perspectiva do cooperativismo social e da Economia Solidária. Desenvolve atividades de comercialização, formação, troca de conhecimentos e tecnologias sociais.
Exercício Reúna seu grupo e proponha um diálogo sobre as outras identidades que estão presentes no território além da Economia Solidária. Vocês poderão fazer uma lista dessas identidades, como a questão étnica das comunidades quilombolas, a resistência das mulheres contra a discriminação e outras. Conversem também sobre as demandas que estão relacionadas a cada uma dessas identidades, a exemplo da regularização fundiária das comunidades. Para fechar esse diálogo, tente identificar se existem pontos comuns entre essas várias identidades.
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Sem articulação, o território não se constrói Tudo o que acontece no território, ou melhor, nos territórios, interfere na vida das pessoas. Mas, por outro lado, é também no território que se articulam as forças sociais capazes de manter ou transformar o modelo econômico e de convivência. Ou seja, um território só se efetiva com a integração e participação de diferentes atores sociais. Nessa interação entre as forças sociais, podem ser gerados ganhos e perdas em qualidade de vida para esta ou aquela parcela da sociedade.
Rede Xique-Xique de Comercialização Solidária – Rio Grande do Norte A Rede Xique-Xique de Comercialização Solidária é uma articulação de trabalhadoras e trabalhadores urbanos e rurais que buscam manter os princípios afirmados na organização da luta pela transformação do mundo da agroecologia, do feminismo e da Economia Solidária para a produção, seguindo na comercialização e chegando até o consumo. A Rede Xique-Xique é organizada em 12 núcleos municipais, por meio de feiras agroecológicas, da agricultura familiar e Economia Solidária e loja de produtos. Tem hoje mais de cinquenta grupos articulados com uma produção bastante diversa. Essa diversidade é em parte garantida pelos grupos de mulheres que representam em média 50% dos que integram a Rede. Estabelece uma forte aliança com os movimentos sociais, especialmente a Marcha Mundial das Mulheres, os Fóruns de Economia Solidária e as articulações de redes de agroecologia. É desenvolvido um conjunto de atividades de formação, práticas agroecológicas, intercâmbios, acompanhamento a comercialização, vendas de produtos e feiras. Um território é um mapa determinado pelas relações de poder entre as forças sociais que buscam o controle dos recursos, dos modos de produção e da utilização dos resultados. Esse controle inclui os espaços de governo e os meios de informação. 17
Cada pessoa, então, pode experimentar sentimentos de identidade e pertencimento com o território, mas também de estranhamento e distanciamento com o cenário social que se forma como resultado da disputa dos interesses. Pensar em um território é pensar nas pessoas que o compõem e nas relações que se constroem entre essas pessoas. Também é pensar em como essas relações sociais, historicamente construídas, expressam as tensões e conflitos que surgem dos diversos interesses em jogo. Quanto mais pessoas e grupos estão ativamente envolvidos, mais forte são essas interações e mais imprevisível torna-se a dinâmica territorial. A noção de desenvolvimento territorial tem a ver com esse jogo do qual as forças sociais participam, como protagonistas ou como subordinadas. Exercício Converse com seu grupo sobre os atores (qualificar o que são atores) externos que interferem na dinâmica da comunidade por meio de suas decisões, ações ou omissões. Organize uma reunião para conversar com alguns desses atores sobre as principais necessidades da comunidade/território. Vocês poderão convidar para essa reunião alguns órgãos públicos municipais, estaduais e federais, mas também organizações da sociedade civil. Que tal sugerir que o assunto dessa reunião seja o “desenvolvimento do território” e pedir que cada convidado informe o que está fazendo para que esse desenvolvimento aconteça?
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Experiências de articulação territorial no Centro-Oeste Rede de Feiras de Economia Solidária do DF e Entorno – apoiada pelo IMS, é composta de 20 grupos de Economia Solidária que comercializam, em feiras pontuais, seus produtos e serviços. Tem articulação com a Secretaria de Micro e Pequena Empresa e Economia Solidária do GDF. Circuito Ecosol DF – fruto de parceria entre o Fórum de Economia Solidária do Distrito Federal e Entorno (FES-DFE) e a Secretaria do Trabalho e Empreendedorismo do Governo de Brasília, conta com o apoio do Centro de Estudos e Assessoria – CEA, Instituto Marista de Solidariedade, Cáritas Brasileira, Aldeia Mundo e Espaço Multiplicidade de Coworking. A 1ª edição reuniu 38 empreendimentos e 3 redes de Economia Solidária do Distrito Federal com feiras e atividades formativas, em diferentes locais do DF.
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A articulação territorial ganha muitas formas A articulação entre os atores é fundamental para reconhecer-se no território e conhecer seu contexto socioambiental e geopolítico. Existem muitas formas de articulação no território. Umas são mais permanentes. Outras, ocasionais. Mas todas influenciam a identidade de cada parte e do território como um todo. Cada articulação é uma resposta a um tipo de vínculo entre os grupos sociais e o território e, pode-se dizer, está relacionado com a busca por soluções para as necessidades ou demandas das pessoas. Podemos chamar as articulações pelo nome genérico de redes sociais que se formam com base no reconhecimento de atributos comuns entre as pessoas e grupos. Pessoas ou grupos da mesma área de atuação... do mesmo espaço geográfico... da mesma etnia... da mesma faixa etária, etc. É bastante comum que pessoas e grupos participem de mais de uma rede, por assumirem múltiplas identidades. Uma mulher pode reconhecer-se como mulher e juntar-se a um grupo composto exclusivamente por mulheres, mas também pode reconhecer-se como trabalhadora e juntar-se em um sindicato ou em uma cooperativa com mulheres e homens. Um empreendimento pode juntar-se a outros que participam da mesma etapa na cadeia produtiva, mas também pode participar de um fórum que reúna empreendimentos de diferentes cadeias produtivas. A Rede Bodega existe desde 2004 com a finalidade de fortalecimento da autonomia de mulheres e de defesa de um modelo econômico baseado na solidariedade, no bem viver e na sustentabilidade ambiental. São 25 grupos cooperados de Economia Solidária no Ceará. Com 218 pessoas, esses grupos comercializam uma grande diversidade de produtos, entre roupas, acessórios, bonecas de pano, alimentos agroecológicos e bebidas. Possui 4 pontos fixos de comercialização: Bodega Nordeste Vivo e Solidário, no município de Aracati; Budega do Povo, em Viçosa do Ceará; Bodega Arcos, em Sobral; e Budegama, em Fortaleza. 20
A descoberta das diversas dimensões ou identidades pode provocar uma dispersão, mas também é um mecanismo de empoderamento de cada pessoa ou grupo, que consegue expressar demandas diferentes em vários espaços de interação. Uma articulação territorial pode surgir por vários caminhos. Para essa conversa, podemos falar da ligação por fazer parte do território e reconhecer esse pertencimento como um elo entre os grupos. Mas podemos falar da interação com base em uma motivação gerada por um problema comum ou por um objetivo comum. E tantas outras formas de estímulo para esse relacionamento. Uma rede pode ser resultante do sentimento de pertença das pessoas e grupos a um espaço físico, como um conjunto de associações de moradores. Porém, reconhecer-se como moradores é diferente de reconhecer-se como produtores. E no mesmo território, em vez de juntar-se como associações de moradores, as pessoas podem preferir se juntar em uma cooperativa de produção e comercialização. Às vezes, a escolha é de organizar mais de uma rede, mesmo que haja muitos pontos em comum. Também pode ser resultante da percepção de uma demanda comum. Por exemplo, em uma comunidade pode formar-se um movimento pela melhoria das ruas do bairro. Aí, podem juntar-se homens e mulheres, adultos, jovens e idosos...
A Rede de Economia Solidária e Feminista (RESF) surgiu no âmbito do Projeto Brasil Local – Economia Solidária e Feminista, realizado entre 2010 e 2012, por meio de um convênio entre a Guayí – Democracia, Participação e Solidariedade – e a Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes). O BL Feminista mapeou iniciativas de mulheres em nove estados nas cinco regiões do país: RS, PR, SP, RJ, DF, PA, CE, RN e PE. Foi realizado um diagnóstico desses empreendimentos, finalizando com a articulação nacional da Rede.
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Exercício Convide algumas pessoas do seu grupo para que vocês realizem uma pesquisa no território sobre os fóruns ou redes de organizações que já existem. Podem ser municipais, estaduais ou regionais... Nessa pesquisa, procurem saber o nome do fórum ou rede, quando começou, qual interesse ou objetivo o fórum/rede possui e quais as principais conquistas. Se for possível, peçam para acompanhar uma das atividades do fórum ou rede. Quando essas informações estiverem organizadas, faça uma reunião com todo o seu grupo para apresentar esse mapa das articulações existentes no território.
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O que se ganha com a articulação territorial Um processo de articulação territorial é sempre motivado pelo propósito de obter maiores ganhos para o conjunto e para cada parte isoladamente. Por vezes, a própria interação entre as partes já é um resultado muito importante. A articulação traz consigo um ganho de forças, de melhores condições para chegar a um resultado. Participar de uma articulação territorial é sempre uma experiência que pode render muita aprendizagem. Também ajuda a compartilhar informações que podem ser muito úteis para todas as partes envolvidas. Mas nem sempre os ganhos acontecem. A articulação também pode ser geradora de dificuldades, caso não haja amadurecimento nos diferentes grupos para compartilhar novos espaços de poder, ou melhor, de relações de poder.
Rede Bragantina – Pará A Rede Bragantina reúne 27 organizações-membros que trabalham uma cultura de sustentabilidade a partir de novas relações econômicas, afetivas, de gênero e etnia, no sentido da existência humana. Sua história remonta ao ano 2000, com os alunos da Escola Ecrama em um trabalho de organização de feira, visando capacitar jovens para ações de gestão e comercialização e valorizar a produção de sítios e quintais com a venda direta para os consumidores. Em 2005, um convênio firmado entre o Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA/SAF e as Obras Sociais da Diocese de Bragança iluminou iniciativas de organização da produção, com um projeto de capacitação de jovens rurais como agentes de desenvolvimento sustentável. Diversas organizações deram apoio aos grupos de agricultores familiares, quilombolas e mulheres do Território Nordeste Paraense/Zona Bragantina: Centro CEDIAM, CEDENPA e Cáritas Brasileira Regional Norte II.
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Exercício Este é o momento de retornar ao grupo e refletir: 1. O que aprendemos a partir da leitura desta cartilha e dos exercícios que foram realizados pelo grupo?
2. Quais são os próximos passos que o grupo dará nessa caminhada pelo desenvolvimento do território?
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