Marco Referencial (2017-2020)

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MARCO REFERENCIAL DA

CÁRITAS


SUMÁRIO Introdução • 2 Apresentação • 5 Bem Viver, caminho e caminhada • 6 Pastoralidade e transformação social • 10 Diretriz geral de ação • 16 Orientações Estratégicas • 20 Áreas de Atuação • 22 Referências da Gestão • 26

caritas.org.br

Espaços de Gestão • 30


INTRODUÇÃO

Missão, Cultura do Bem Viver, Pastoralidade e Transformação Social

Que este documento seja um instrumento de fundamental importância para revelar quem é a Cáritas Brasileira e suas intencionalidades assim como seus horizontes concretos de atuação.

Apresentamos aqui um conjunto de elementos dos conceitos que orientam as ações da Cáritas relacionados ao Bem Viver e à dimensão da pastoralidade e transformação social.

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Cáritas Brasileira em seu V Congresso Nacional, realizado em novembro de 2016, na casa da mãe Aparecida (SP), depois de um processo de construção coletiva envolvendo toda a Rede na elaboração do Marco Referencial da Cáritas Brasileira assumiu a missão institucional nos seguintes termos: Testemunhar e anunciar o Evangelho de Jesus Cristo, defendendo e promovendo toda forma de vida e participando da construção solidária da sociedade do Bem Viver, sinal do Reino de Deus, junto com as pessoas em situação de vulnerabilidade e exclusão social. A missão revela na sua intencionalidade o compromisso do testemunho a partir do seguimento de Jesus e define o seu modo de fazer com os empobrecidos e empobrecidas. Essa exigência evangélica desafia a Cáritas a atuar de maneira ainda mais efetiva na conjuntura social e política do país, que se caracteriza neste momento pelo aprofundamento de uma crise econômica e institucional, realidade que torna a missão da Cáritas ainda mais necessária. O Bem Viver como ação política e social, que aprofunda as questões estruturais é a grande inspiração concreta para a execução das ações em Rede. A Cáritas Brasileira, que celebra em 2017 seu jubileu de 60 anos é filiada à Caritas Internationalis, além de ser um organismo de pastoral social da Igreja Católica vinculado à Conferência Nacional dos Bis-

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pos do Brasil (CNBB). Tem 182 entidades membro organizadas em 12 regionais: Ceará, Maranhão, Piauí, Nordeste 2 (Alagoas, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Paraíba), Nordeste 3 (Bahia e Sergipe), Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Norte 2 (Pará e Amapá) e as articulações: Norte 1 (Amazonas e Roraima), Rio de Janeiro, Centro Oeste (Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás e Distrito Federal), Norte 3 (Tocantins) e Noroeste (Acre e Rondônia). É esta Rede no Brasil que atua na defesa dos direitos humanos através de uma ação articulada para a transformação da realidade do país. Apresentamos aqui um conjunto de elementos dos conceitos que orientam as ações da Cáritas relacionados ao Bem Viver e à dimensão da pastoralidade e transformação social. Também apresentamos o marco que define o caminho institucional para concretização da missão, diretriz geral e princípios, além das orientações estratégicas e áreas de atuação que sinalizam o horizonte operacional e programático para o quadriênio. Já os referenciais da gestão apresentam o modo de fazer para que os resultados sejam alcançados e medidos de uma maneira mais contundente. Que este documento seja um instrumento de fundamental importância para revelar quem é a Cáritas Brasileira e suas intencionalidades assim como seus horizontes concretos de atuação. 3


APRESENTAÇÃO

CONSTRUINDO A SOCIEDADE DO

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BEM VIVER

etomando as deliberações do V Congresso Nacional da Cáritas Brasileira, apresentamos o Marco Referencial para orientar e facilitar as grandes orientações, as várias dimensões da gestão compartilhada, incluindo os processos de Planejamento, Monitoramento, Avaliação e Sistematização (PMAS). Vamos construir nossa unidade nestes processos para que tenhamos uma análise profunda de nossa missão na construção da sociedade do Bem Viver aprendendo com os povos originários e comunidades tradicionais deste imenso país. Com a dedicação e o empenho de cada um, de cada uma de vocês que compõem esta grande Rede que é a Cáritas, vamos aprimorar os nossos processos com o recolhimento dos dados, com a análise e a avaliação de como estamos realizando as atividades, com o levantamento de como estamos conseguindo inovar e criar nestes tempos difíceis, e como vamos mobilizar cada vez mais pes-

soas para assumir a missão do(a) voluntariado(a) na construção e reafirmação do projeto da sociedade do Bem Viver. Que tudo isso sirva para reorientar e reposicionar a nossa ação em Rede em cada canto que estamos atuando. Carregamos alguns desafios que devem ser superados no caminho metodológico, na perspectiva de apropriação de todos e todas das novas orientações estratégicas para o período 2017-2020, nas áreas temáticas ou de atuação e de como vamos fortalecer os espaços auxiliares da gestão com os comitês, comissões e Grupos de trabalho (GT). Iluminados pelo Espirito Santo tendo a Virgem Maria como referência para a caminhada e movidos pela esperança missionária de uma pastoralidade libertadora, encarnada na vida do povo empobrecido tenhamos força e ânimo cotidiano para seguirmos no caminho. A DIRETORIA 5


BEM VIVER, CAMINHO E CAMINHADA

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a história da humanidade, em toda sua diversa e complexa organização social, o momento do encontro, a parada para olhar, para refletir, para concentrar, para celebrar e para rezar/orar, constituíram-se sempre como um tempo necessário e até mesmo primordial para a reprodução e para os saltos organizacionais da humanidade. Imagine que foi necessário um momento desses para que os hominídeos descobrissem o fogo e mesmo a possibilidade de semear, viabilizando assim, a descoberta da agricultura, dando início a um “poderoso” ciclo de transformações que duram e se aprofundam até os dias atuais! A Cáritas Brasileira como parte deste grande organismo vivo, também tem se valido dessas paradas para se olhar, para orar, para celebrar e, ao mesmo tempo, melhor alinhavar seus passos, no sentido de cumprir sua missão. Desde a década de 1990 os Congressos Nacionais tem se consolidado, entre outros, como um desses momentos para a Rede Cáritas no Brasil. Ao olharmos a atual missão da Cáritas, aprovada no último Congresso, muitos podem se

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colocar numa dúvida sobre o sentido de agora a Cáritas inserir o termo Bem Viver como parte fundamental daquilo que move, que orienta e que dá caminho para uma organização complexa e diversa que celebra seis décadas de fundação. “Testemunhar e anunciar o Evangelho de Jesus Cristo, defendendo e promovendo toda forma de vida e participando da construção solidária da sociedade do Bem Viver, sinal do Reino de Deus, junto com as pessoas em situação de vulnerabilidade e exclusão social”. Da mesma forma que existe um processo longo de observação, ação e reflexão entre a chama vista pelo hominídeo, e a sociedade contemporânea a utiliza para a vida e infelizmente também para a morte, também a Cáritas teve no guarda-chuva da Pastoralidade e Transformação Social o espaço e o tempo para refletir e celebrar os seus 60 anos de caminhada junto aos povos e comunidades empobrecidas do Brasil. Ou seja, a Cáritas vem amadurecendo errando e acertando, junto com o povo brasileiro, no decorrer deste tempo. Podemos afirmar isso quan-

do passeamos nos temas dos últimos quatro Congressos Nacionais da Cáritas: O primeiro deles com o tema Cáritas, Construindo um Novo Milênio Solidário, lembrando que estávamos no final da década de 1990, precisamente em 1999, num país que vinha passando por sucessivos problemas econômicos e sociais e que buscava construir saídas, consolidando estratégias. Nesse Congresso a Cáritas definiu criar os programas de convivência com o Semiárido e de Economia Solidária. No segundo, fica claro com o tema A Cáritas e a Construção de um Novo Projeto de Sociedade Solidária, e o lema: Do local para o global, sem exclusão social, que a Rede refletiu durante esta nova parada sobre a relação entre as experiências práticas locais e como estas podem se relacionar com outras muitas, construindo redes, laços e articulações na busca de edificar algo que possa se contrapor ao sistema de produção e consumo vigentes. Lembremos que se vivia o ambiente dos Fóruns Sociais Mundiais e do primeiro ano

do governo do presidente Lula. Nesse Congresso foi definida a linha de ação de Desenvolvimento Sustentável Solidário. Foi nas margens do rio São Francisco e com o tema Cáritas Brasileira a Serviço da Vida, que a Rede Cáritas, como um gesto concreto de solidariedade aos povos e comunidades que viviam e vivem do e no maior rio do Nordeste e do Semiárido brasileiro, celebrou o Congresso de seus 50 anos de caminhada no Brasil. O projeto da transposição do rio São Francisco pôde colocar frente a frente dois modelos de pensar a vida, de conviver com a natureza e mais ainda, de pensar o desenvolvimento. Nesse Congresso fica claro em qual caminho e com quem a Cáritas gostaria de cumprir sua missão. Em Passo Fundo, para o IV Congresso, a Cáritas coloca o desenvolvimento como elemento de reflexão, fica claro já na escolha do tema que foi Desenvolvimento Solidário Sustentável: Sementes de um Projeto Popular, como a rede gostaria estar nesse universo de construção de uma sociedade moldada e orientada pela solidariedade, pela sustentabilidade e pelo bem viver. Entre o IV e o V Congresso a Cáritas se colocou no desafio de vivenciar, aprofundar experiências e, ao mesmo tempo, sistematizar sua ação em caminho para a celebração dos seus 60 anos, em Aparecida. No Ano de 2016 foram centenas de caravanas que se moldaram nos âmbitos local, regional e nacional com objetivo de trazer à tona os aprendizados, as transformações e também os desafios que os povos e as comunidades apresentavam para a Cáritas Brasileira. Desta forma, a Rede Cáritas quer contribuir e participar de uma construção solidária, com a humildade e o desprendimento que sempre a orientou e a moveu. Para isso, ela parte do princípio que a sociedade do Bem Viver é sinal evangélico do Reino de Deus, já apontado pelo Santo Padre na encíclica Laudato Si, sobre o cuidado com a casa comum. Uma convocação do papa Francisco para que toda

A Rede Cáritas quer contribuir e participar de uma construção solidária, com a humildade e o desprendimento que sempre a orientou e a moveu. 7


a humanidade pense a partir de uma crítica global, sobre o sistema de desenvolvimento que compromete a humanidade e o planeta e que está empurrando o mundo para a morte. Para o papa Francisco, a urgência ecológica é o rosto contemporâneo da questão social, ou seja, o invólucro no qual se encontra o rastro de todas as infecções que atormentam os povos, as nações e os continentes para as atuais e futuras gerações. Neste sentido, a caminhada da Cáritas solidifica cada vez mais o princípio de que a sociedade do Bem Viver será obra e responsabilidade dos mais empobrecidos, ou seja, ela vai ser construída junto e com as pessoas em situação de vulnerabilidade e exclusão social.

Para o papa Francisco, a urgência ecológica é o rosto contemporâneo da questão social.

O grande desafio da Rede Cáritas para estes próximos anos é consolidar estes princípios, aprofundar estes conceitos e práticas, para que possa ser uma força viva na construção de ações que promovam, alimentem e orientem uma sociedade, cada vez mais descrente, para o Bem Viver. Para contribuir nesta caminhada apresentamos os quinze pontos do Bem Viver sistematizados pelo autor do livro O Bem Viver, professor Alberto Acosta: • Não é mais uma ideia de desenvolvimento alternativo dentro de uma longa lista de opções: apresenta-se como uma alternativa a todas elas e se fundamenta na construção de um estado plurinacional e eminentemente participativo. A tarefa complexa é aprender desaprendendo, aprender e reaprender ao mesmo tempo. • O convite é para se ter clareza, antes de qualquer coisa, sobre o que são os horizontes de um estado plurinacional. Com isso, propõe-se construir uma nova história, uma nova democracia, pensada e sentida a partir do respeito aos povos originários, à diversidade, à natureza. 8

• Como se propõe a ser uma alternativa ao desenvolvimento, o Bem Viver exige outra economia sustentada nos princípios de solidariedade e reciprocidade, responsabilidade, integralidade. O objetivo é construir um sistema econômico sobre bases comunitárias, orientadas por princípios diferentes dos que propagam o capitalismo ou o socialismo. Será preciso uma grande transformação, não apenas nos aparatos produtivos, mas nos padrões de consumo, obtendo melhores resultados em termos de qualidade de vida. Uma lógica econômica que não se baseie na ampliação permanente do consumo em função da acumulação do capital. Há que desmontar tanto a economia do crescimento como a sociedade do crescimento. Não é só o decrescimento, ele tem de vir acompanhado de mudanças da economia. • Essa nova economia deve permitir a satisfação das necessidades atuais sem comprometer as possibilidades das gerações futuras, em condições que assegurem relações cada vez mais harmoniosas do ser humano consigo mesmo, dos seres humanos com seus congêneres e com a natureza. Nesse sentido, o conceito do Bem Viver se aproxima daquele registrado no relatório Nosso Futuro Comum: satisfazer as necessidades básicas de todos e estender a todos a oportunidade de satisfazer suas aspirações para uma vida melhor. • Os padrões de consumo no Bem Viver devem olhar para um prazo longo de sustentabilidade. Os valores vão encorajar padrões de consumo dentro dos limites ecológicos possíveis e aos quais todos possam aspirar. • A descentralização assume papel preponderante. Para construir, por exemplo, a soberania alimentar a partir do mundo camponês, com a participação de consumidores e consumidoras. Aqui emergem com força muitas propostas que querem recuperar a produção local com o consumo dos produtos localmente, chamada “iniciativa zero quilômetro”. O fundamento básico é o desenvolvimento das forças produtivas locais, controle da acumulação e centralmente dos padrões de consumo. • Tudo deve ser acompanhado de um processo político de participação plena, de tal maneira que se construam contra poderes com crescentes níveis de influência no âmbito local. • A ideia não é fomentar uma “burguesia nacional” e voltar ao modelo de substituição de importações. Mercado interno, aqui, significa mercado de massas e, sobretudo, mercados comunitários onde predominará o “viver com o nosso e para os nossos”, vinculando campo e cidade, rural e urbano. Poderá ser avaliado, a partir desse modelo, como participar da economia mundial.

O lema é “melhor com menos”. Preferível crescer pouco, mas crescer bem, a crescer muito, porém mal. Tem que haver consenso e participação popular.

• As necessidades humanas fundamentais podem ser atendidas desde o início e durante todo o processo de construção do Bem Viver. Sua realização não seria, então, a meta, mas o motor do processo. • Pessoas e comunidades podem viver a construção do Bem Viver num processo autodependente e participativo. O Bem viver se converte em um bem público, com um grande poder integrador, tanto intelectual como político. Fortalece processos de assembleias em espaços comunitários. Repensar profundamente os partidos e organizações políticas tradicionais. • O conceito fundamental é: crescimento permanente é impossível. O lema é “melhor com menos”. Preferível crescer pouco, mas crescer bem, a crescer muito, porém mal. Tem que haver consenso e participação popular. • O trabalho é um direito e um dever em uma sociedade que busca o Bem Viver. Tem-se que pensar em um processo de redução do tempo de trabalho e redistribuição do emprego. Mas outro fetiche a ser atacado é o mercado: subordinar o estado ao mercado significa subordinar a sociedade às relações mercantis e ao individualismo. Busca-se, então, construir uma economia com mercados, no plural, a serviço da sociedade. O comércio deve se orientar e se regular a partir da lógica social e ambiental, não da lógica da acumulação do capital. • No Bem Viver o ser humano é visto como uma promessa, não uma ameaça. Não há que se esperar que o mundo se transforme para se avançar no campo da migração. Há que agir para provocar essa mudança no mundo. • Surge com força o tema dos bens comuns. Podem ser sistemas naturais ou sociais, palpáveis ou intangíveis, distintos entre si, mas comuns, pois foram herdados ou construídos coletivamente. É indispensável proteger as condições existentes para dispor dos bens comuns de forma direta, imediata e sem mediações mercantis. Tem que evitar a privatização dos bens comuns. O que se busca é uma convivência sem miséria, sem discriminação, com um mínimo de coisas necessárias. O que se deve combater é a excessiva concentração de riqueza, não a pobreza. • Não há que desenvolver a pessoas, é a pessoa que deve se desenvolver. Para tanto, qualquer pessoa precisa ter as mesmas possibilidades de escolha, ainda que não tenha os mesmos meios.

Luiz Cláudio Lopes da Silva (Mandela) Diretor Executivo Nacional 9


“A sua misericórdia se estende de geração em geração” (Lc 1,50)

PASTORALIDADE E

TRANSFORMAÇÃO

SOCIAL

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A Cáritas Brasileira faz 60 anos e nunca foi tão presente, tão necessária e tão desafiada

Presente, porque vem aperfeiçoando os modos de resposta da Igreja aos desafios do nosso tempo, criando metodologias de presença amorosa nas comunidades que vivem em meio ao sofrimento. A presença da Cáritas Brasileira se dá nos espaços diretos de ação solidária, certamente, mas ela também se faz sentir nas redes e articulações de políticas públicas, nas respostas mais amplas às emergências, na formação de comunidades e lideranças com sensibilidade e capacidade de solidariedade e na própria organização da solidariedade. Necessária, porque as desigualdades sociais que estruturam nosso país são antigas e persistentes, exigindo um esforço continuado, sistemático e constante que não se esgota em iniciativas superficiais e oportunistas. Esta capacidade continuada, aliada a uma presença enraizada de modo horizontal e participativo, faz da Cáritas Brasileira uma rede de solidariedade, num momento em que os trâmites políticos e as políticas de Estado estão crivados de disputas e necessidade de aperfeiçoamento. A prática da Cáritas não substitui os equipamentos de assistência do Estado, mas potencializa e objetiva nas comunidades a capacidade de acesso, informação e de autonomia.

Desafiada, porque o processo sociopolítico e econômico da última década favoreceu parcialmente o surgimento de mecanismos de atendimento a demandas das populações mais vulneráveis sem, contudo, desarmar as estruturas da desigualdade. Essas contradições criaram oportunidades, mas, ao mesmo tempo, explicitaram os limites da democracia brasileira, que exige um sistemático exercício de crítica e autocrítica.

Viver com alegria a solidariedade libertadora Esta busca de reafirmação da missão é o que chamamos pastoralidade: o caráter pastoral do trabalho articulado com um modo de ser Igreja a serviço do Reino de Deus. Jesus entra em comunhão com o seu rebanho, o seu povo, e se doa voluntariamente e com amor libertador pela salvação de todas as pessoas. Essa comunhão e autodoação têm sua fonte no amor entre o Pai e o Filho. Comunhão e autodoação é o modo de ser de Deus. Por meio de Jesus, passa a compor o modo de ser dos cristãos. Como agentes da Cáritas, todos nós fortalecemos nossa identidade de povo escolhido e re-

unido no amor de Cristo, o Bom Pastor. Este serviço é fruto da alegria do Evangelho, que nos humaniza e nos faz solidários com toda a criação e toda a humanidade. Acolhidos pelo amor misericordioso de Deus no mundo e na história, somos revestidos de amor. A vida, no Evangelho de Jesus, é movida pelo amor que se expressa na alegria de ir ao encontro do mundo e seus seres, da humanidade e suas gentes, e de afirmar a dignidade da vida. Somos povo de ressurreição, e cremos que o amor solidário pode vencer a morte e restaurar aquilo que o pecado e a morte destroem. Por isso, nos organizamos no tra-

“A minha alma engrandece o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador” (Lc 1, 46-47)

[1] Texto elaborado por Nancy Cardoso e Ivo Poletto, aqui apresentamos em versão resumida.

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balho pastoral e no serviço da solidariedade libertaViver a pastoralidade eclesial dora: como expressão da alegria do nosso encontro com Deus no mundo, na história e na humanidade. A alegria do Evangelho que nos move acio“O bom pastor na também em nós o pensamento crítico e a dá a vida por criatividade como presença atenta e profética. A suas ovelhas” alegria não é um analgésico que retira de nós a ca(Jo 10,11) pacidade de sentir a dor e a indignação, mas é alimento que recebemos quando vamos ao encontro daqueles e daquelas que são os primeiros/as no Re- A expressão pastoral vem do imaginário bíblico de Jesus, o Bom Pastor, que se ino de Deus: os pobres. diferencia daquele que se aproxima das ovelhas para explorar, para roubar e para matar. Jesus, o Bom Pastor, é aquele que dá a vida por suas ovelhas. Deixa noventa e nove ovelhas no aprisco para ir ao encontro daquela uma que se perdeu. As pastorais sociais como respostas esNa Exortação Apostólica pecíficas a desafios colocados pela realidade, a Evangelii Gaudium (A Alegria do apelos e gritos que vêm dos empobrecidos/as e Evangelho), o Papa Francisco excluídos/as, realizam um intenso processo de nos aponta caminhos para sair escuta e de interpretação, fazendo interagir de à vida missionária, à vida social: modo orgânico as motivações do Evangelho e as motivações sociais, visibilizando a presença da Igreja em meio às urgências de nosso temAntecipar-se po. Alguns desafios que a Cáritas Brasileira já Tomar a iniciativa, sair em vem assumindo são processos que precisam de busca, sair a dar testemunho empenho continuado e atualização: convivência nas periferias. com os biomas (Caatinga/Semiárido, Amazônia), ações locais de desenvolvimento sustentável e Envolver-se territorial (economia solidária, fundos rotativos), Assumir, com toda a sua vida, gestão de riscos e emergências, direitos huser povo e estar com o povo. manos, juventudes, políticas públicas. Tocando a carne sofrida de Neste sentido, a Cáritas é presença pasCristo nas pessoas. toral da Igreja: sua missão é a missão da Igreja traduzida e vivida no serviço e na caridade. Acompanhar Toda Igreja precisa envolver-se e expressar-se Ser Igreja que caminha com seu em amor; e, para que isso aconteça, é também povo em todos os processos. missão pastoral da Cáritas oferecer à Igreja a análise crítica, a metodologia de ação e a prática FrutificaR que concretizam esse amor solidário. Da mesma A comunidade evangelizadora forma que não cabe à Cáritas substituir o Estamantém-se atenta aos frutos do e suas instituições, também não deve aceitar e encontra o modo para fazer substituir as pessoas, comunidades e agentes com que a Palavra se encarne pastorais que constituem a Igreja. Jesus não numa situação concreta e dê amou radicalmente os empobrecidos de seu frutos de vida nova. tempo no lugar dos discípulos e discípulas, e sim como vivência de sua missão e, como parte dela, Festejar passou a eles/as o mandamento: amai-vos uns Celebrar, festejar cada vitória, aos outros como eu amei a vocês, e ninguém cada passo conquistado na ama mais do que quem dá sua vida pelas pesevangelização. soas que ama. A práxis do amor é vivência de fé e eclesial, daí tira sua força, sua legitimidade e seu horizonte de esperança. A Cáritas é Igreja em saída, uma das ex12

pressões da Igreja que se faz povo no meio do povo. Esta saída — pastoral, evangelizadora e missionária — cria espaços ecumênicos e inter-religiosos de encontro, partilha de dons e serviços na construção de respostas aos sofrimentos das pessoas e comunidades. O ecumenismo na base é vital para a unidade da Igreja, e a vivência amorosa de outros modos de fé e cultura enriquecem o processo. Nosso modelo de pastoralidade é Jesus Cristo: vamos ao encontro dos/as últimos/as, daqueles/as que foram deixados, que foram expulsos da dignidade e dos direitos... e aí encontramos a Deus. Nas estruturas de um mundo desigual, a solidariedade libertadora está entre os pobres que suportam a violência e a exclusão: é ali onde a vida está ameaçada que a humanidade conhece sua profunda capacidade de resistência e de acolhimento. Longe de idealizar o pobre e a pobreza, reconhecemos a opção preferencial de Deus de fazer surgir ressurreição nesse lugar e a partir desse lugar de negação. Aqueles e aquelas que o pecado social desprezou que o sistema econômico condenou... São eles e elas que podem gerar a extrema partilha capaz de fazer surgir o mundo novo. Por isso, o Antigo Testamento e os Evangelhos insistem: “os pobres sempre tereis convosco!” (Dt 15,11; Lv 25,35; Lc 11,41). Não como fatalidade ou destino! Não como normatização e naturalização da exploração e da desigualdade. A experiência humana de vida em sociedade é exercício de poder e fruto de relações sociais que podem estruturar exclusão e desigualdade. Ter os pobres sempre conosco significa acionar sempre de novo os mecanismos de jubileu, os mecanismos de reparação e salvação. Sempre e de novo avaliar a vida em sociedade, perguntando e se posicionando junto aos pobres: este o lugar privilegiado para conhecer e avaliar a sociedade e também para conhecer formas de resistência, solidariedade e superação. O trabalho pastoral é esta dinâmica de perguntar de novo e de novo pelos que ficaram para trás, aprendendo a ler, a realidade, fazendo a crítica das relações de poder e se posicionando junto aos pobres, lugar de salvação. São lugares plurais de classe social, etnia, gênero, geração, capacidade. Este é nosso modelo de pastoralidade: em vez de levar verdades, soluções prontas ou modelos prontos, quando vamos ao encontro abrimos diálogos de Boa Nova e nos encontramos com a presença amorosa de Deus no meio

dos pobres. O amor já está lá esperando por nós que queremos socializar e encontrar juntos/as caminhos e processos de partilha, superação e solidariedade libertadoras. Tudo isto já sabemos! Tudo isto move o trabalho das pastorais sociais e da Cáritas. Mas é sempre de novo oportuno reafirmar nossas motivações e reafirmar nossa metodologia: “os pobres sempre tereis convosco!”

“Toda criação espera ansiosamente a revelação dos filhos e filhas de Deus” (Rom 8,19)

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Assumir a libertação das pessoas e da mãe Terra As comunidades acompanhadas pela Cáritas já vêm apontando as questões ambientais e territoriais como eixo importante das lutas e das construções de estratégias. As pessoas e comunidades vivem a desigualdade e a violência em cenários agredidos e alienados. As mesmas forças que golpeiam a dignidade humana golpeiam também a natureza e seus seres. As crises climática, hídrica, de alimento, de saúde e saneamento são parte da mesma estrutura de morte que mercantiliza tudo e todos/as. A Cáritas já sabe, mas tem diante de si o desafio de ampliar o que se entende como solidariedade libertadora, articulando duas grandes dimensões da vida que reclamam crítica e ação: as lutas e saberes que surgem das bases, da vida dos pobres, e as lutas e saberes da vida na Terra e com a Terra. As lutas pela justiça, pelos direitos, pela economia solidária, pela agroecologia e por tudo que vai construindo o projeto popular de Brasil precisam estar unidas com as lutas em defesa de tudo que constitui os ambientes que favorecem a vida nos diferentes biomas. Não se avança na qualidade de vida sem a libertação das pessoas e sem a libertação da Terra. É isso que nos revela o apóstolo Paulo quando diz que a Terra aguarda ansiosamente a manifestação dos filhos e filhas de Deus para libertar-se da opressão que a leva a gritar em dores de parto (Cf. Rm 8). A afirmação da autonomia, a autogestão e a radicalização da democracia no encaminhamento de projetos sociais e na construção do novo mundo possível precisa andar junto com uma reflexão e ação ecológica também radical e de base. Autonomia, comunidade e território precisam ser

A radicalização da democracia é tarefa e mística alimentadas pela ressurgência dos modos utópicos de vida dos povos originários. o horizonte político e de espiritualidade das ações, mesmo quando emergenciais. A autonomia desde as bases é fundamental e visa interromper todo mecanismo de ação que atrela as comunidades ao Estado e que apresenta as políticas públicas como elos de dependência das comunidades às instâncias estatais. O desastre de Mariana (MG), e tantos outros nos mostram o quanto as comunidades não têm acesso à legislação, nem controle dos usos econômicos de seus territórios de vida. Estão à mercê das empresas que instrumentalizam o Estado para seus interesses. O desafio deste tempo é o de não só discutir o Estado que temos e o Estado que queremos, mas também, e principalmente, reforçar a autonomia das comunidades, os espaços de democracia direta que interrompem os projetos de monocultura política, econômica e social, estruturando o poder desde baixo, desde as comunidades. A partir das aprendizagens, avanços e derrotas dos últimos anos, precisamos continuar animando as comunidades, retomando o trabalho de base da educação popular e política, evitar e combater o fatalismo e a passividade e insistir, com nossos parceiros/as e redes, na busca de um projeto popular para o Brasil que precisa inovar e radicalizar nos modos de participação política, tomada de decisões, acompanhamento de processos e execução de políticas. A radicalização da democracia é tarefa e mística alimentadas pela ressurgência dos modos utópicos de vida dos povos originários. O horizonte e a utopia que nos atraem e nos provocam a multiplicar práticas concretizadoras da civilização do Bem Viver, sinal do Reino de Deus.

As lutas pela justiça,pelos direitos, pela economia solidária, pela agroecologia e por tudo que vai construindo o projeto popular de Brasil precisam estar unidas com as lutas em defesa de tudo que constitui os ambientes que favorecem a vida nos diferentes biomas.

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A

construção solidária, sustentável e territorial de um projeto

popular de sociedade democrática e de direitos. Na trajetória da Cáritas Brasileira, ao longo dos anos, os modos de compreensão sobre desenvolvimento integral e humano apontam para as possibilidades de construções coletivas de transformação social. Para isso é necessário fazer uma alteração estrutural no modo de pensar o desenvolvimento, para que a justiça social e os direitos sociais e humanos sejam defendidos e garantidos. A autonomia e protagonismo das pessoas nos territórios é o caminho para suscitar projetos populares de sociedade, gerando outros mecanismos de democracia participativa e de ampla abrangência. Contrapomos qualquer forma de violência e valorizamos os territórios e o protagonismo das pessoas, para que seus territórios sejam de fato sustentáveis e cheios de vida para todas as pessoas.

PRINCÍPIOS

DIRETRIZ GERAL DE

AÇÃO

contribuiu para melhorar a situação”. Com este conceito, a Cáritas Brasileira supera o desenvolvia construção da sociedade mento sustentável que têm sido apenas uma espédo Bem Viver cie de maquiagem desimportante e distrativa muito utilizada pelo mercado, para concretizar um Outro A defesa e promoção da vida é missão de todos Mundo Possível3. Essa superação é um reconhecinós. E esta defesa perpassa pelos direitos de toda a mento das nossas práticas para dar um passo adihumanidade, mas também da terra, das águas e de ante na construção da sociedade do Bem Viver. toda a biodiversidade que habita o planeta. O Bem Viver é o modo de conviver nessa diversidade com Mística e espiritualidade ações políticas que ampliem o cuidado e integração com o todo. Para a defesa e promoção da vida, com- libertadora, ecumênica preendemos o ser humano de maneira integrada e e inter-religiosa na totalidade do universo, com dimensões biológicas, afetivas, intelectuais, sociais e espirituais. Este Mística é o que dá sentido, motivação, força e assumir a vida está na perspectiva ampla que Alber- resistência. Energia impulsionadora para assuto Acosta2 apresenta: “O Bem Viver chama atenção mir o projeto de Deus. A mística cristã baseia-se para algumas armadilhas, como o mercantilismo no Deus encarnado que está em nós, gerando um ambiental exacerbado há várias décadas e que não movimento dialógico. Assumimos assim uma pre-

Defesa e promoção da vida para

2 Alberto Acosta é o autor que propõe uma ruptura civilizatória e oferece os caminhos para isso, em 2007 pôs os Direitos da Natureza na Constituição do Equador, um feito inédito no mundo. É economista, foi um dos responsáveis pelo plano de governo da Alianza País, partido encabeçado por Rafael Correa, presidente desde então. Acosta foi também Ministro de Energia e Minas do Equador. 3 Termo mobilizador para a realização dos Fóruns Sociais Mundiais (OFM), um evento organizado por movimentos sociais de vários continentes, com objetivo de elaborar alternativas para uma transformação social global.

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sença de Deus solidário e amoroso, exemplo para os agentes Cáritas, na missão de evangelizar para a transformação social assumida e construída com outras Igrejas cristãs e com outras denominações religiosas. Somente onde esta integração for possível é possível pensar num diálogo ecumênico e inter-religioso4 fecundo. Faz-se necessário identificar os elementos de uma espiritualidade do diálogo inter-religioso como fundamento a partir de uma sintonia espiritual que os contrastes teóricos e práticos das religiões podem ser trabalhados no sentido de favorecer uma fecundação recíproca pelo mútuo conhecimento e pela acolhida, pelo intercâmbio e pela cooperação que acreditamos e queremos alcançar.

Cultura de solidariedade

transformadora

Acreditamos que a verdadeira transformação social passa pela mudança de cultura. Segundo Marcos Arruda5, “a cultura está silenciosamente presente nos gestos, palavras e ações do nosso cotidiano. Está presente na maneira como vemos o mundo, e nas maneiras de nos relacionarmos conosco mesmos, com a natureza, com a sociedade, com cada pessoa com quem convivemos diariamente, com os nossos ancestrais e com os seres que nos sucederão em infindáveis gerações futuras”. A cultura da solidariedade baseia-se numa ética solidária onde é bom tudo o que nos ajuda a compartilhar os dons da natureza e os bens sociais comunitariamente produzidos para o Bem Viver de todas as pessoas.

Relações de equidade étnico-raciais, de gênero

e geração

Compreendemos relações de gênero6, da maneira como devem ser construídas as relações entre pessoas do mesmo sexo e entre mulheres e homens, a partir da identidade masculina e feminina construída socialmente e não determinadas pelas diferenças biológicas entre os sexos, imputadas pelo contexto social, político, econômico, cultural e religioso. A desigualdade também é percebida de maneira evidente na sociedade brasileira7 como um todo, que é constituída por diferentes grupos

étnico-raciais que a caracterizam, em termos culturais, como uma das mais ricas do mundo. Entretanto, sua história é marcada por desigualdades e discriminações, especificamente contra negros e indígenas, impedindo, desta forma, seu pleno desenvolvimento econômico, político e social. Com o movimento da equidade buscamos superar as distinções discriminatórias em relação às questões de gênero, etnias e raças que estão constituídas em bases sólidas de uma sociedade machista e patriarcal.

em 2017, após uma década de redução. O quadro nacional segue preocupante, com um modelo dominante hegemônico que impõe a sua economia e sua cultura aos povos. A construção de um projeto popular de sociedade justa, solidária e sustentável, passa pela efetiva escuta de todos os povos e por processos de construções coletivas, onde as pastorais sociais, instituições e organizações se mobilizem para construir caminhos concretos de superação do desenvolvimento excludente.

Protagonismo das pessoas em

e justiça socioambiental

situação de vulnerabilidade, de risco e/ou exclusão social Quando falamos de pessoas em situação de vulnerabilidade, risco e/ou exclusão social ainda são recorrentes as práticas assistencialistas promovidas pelo Estado e por uma cultura de que estes sujeitos não são capazes, por si só, de construir alternativas políticas e econômicas para vida. Para a Cáritas, protagonismo é uma opção de prática educativa onde o sujeito é o elemento central e participa de todas as fases do processo educativo ou de articulação, desde a elaboração, execução e avaliação das ações propostas, com o objetivo de estimular a participação social na comunidade e na sociedade. São as pessoas em situação de vulnerabilidade, risco ou exclusão social que trazem o potencial transformador dentro de si, que motivados/ as e estimulados/as tornam-se protagonistas das ações pensadas coletivamente, favorecendo o seu envolvimento para a própria transformação.

Projeto popular de sociedade

justa, solidária e sustentável

Na atual conjuntura brasileira, é necessário e urgente defender um projeto político e social diferente do que está em vigência. Os avanços da lógica de desenvolvimento econômico capitalista favoreceu um crescimento absurdo da pobreza e da desigualdade social. Pelos cálculos da Fundação Getúlio Vargas, a parcela de brasileiros abaixo da linha da pobreza aumentou pelo segundo ano consecutivo

Na atual conjuntura brasileira, é necessário e urgente defender um projeto político e social diferente do que está em vigência.

Democracia participativa

O sistema de democracia representativa vivido no Brasil, em que a população participa a cada quatro anos para eleger candidatos para as funções do Legislativo e do Executivo, demonstra-se insuficiente para a experiência de uma democracia ampla e participativa para o Brasil. Nesse sentido, temos a necessidade de ampliar a participação da população nas decisões do Estado, para garantir o fortalecimento de uma democracia popular, com a construção de instrumentos como referendos revogatórios e convocações de plebiscitos. A justiça socioambiental reconhece os direitos da natureza e engloba as estratégias de políticas públicas, abrangendo as demandas de lutas sociais históricas que criticam e repensam a manutenção da estrutura de poder atual, que está intimamente ligada ao acúmulo de capital e à manutenção da propriedade privada que não cumpre sua função social, tendo por consequência a destruição do ambiente natural, de culturas e sociedades tradicionais.

hão com o seu rebanho, o seu povo, e se doa voluntariamente e com amor libertador pela salvação de todas as pessoas. Essa comunhão e autodoação têm sua fonte no amor entre o Pai e o Filho. Comunhão e autodoação é o modo de ser de Deus. Por meio de Jesus, passa a compor o modo de ser dos cristãos. Como agentes da Cáritas, todos nós fortalecemos nossa identidade de povo escolhido e reunido no amor de Cristo, o Bom Pastor. Este serviço é fruto da alegria do Evangelho, que nos humaniza e nos faz solidários com toda a criação e toda a humanidade”8.

Cáritas no coração da Igreja e na sociedade no serviço com

os pobres

A Cáritas é o Coração da Igreja (Papa Bento XVI, 2013)9. Para contrapor a todos os sinais de violência contra a pessoa humana, a Cáritas combate a pobreza desumanizante que priva as pesPastoralidade e soas de sua dignidade. Inspirada nas Escrituras, na transformação social Doutrina Social da Igreja Católica, bem como na sua Tradição e nas experiências vividas pelas pesEsta busca de reafirmação da missão é o que soas empobrecidas, a Cáritas resgata, em sintonia chamamos de pastoralidade: “o caráter pastoral do com o papa Francisco, o lugar central dos pobres trabalho articulado com um modo de ser Igreja a no coração da Igreja. Essa atuação é marcada peserviço do Reino de Deus. Jesus entra em comun- las práticas de acolhida e valorização dos sujeitos, possibilitando caminhos para o resgate da sua autoestima e dignidade enquanto assumem de forma corresponsável na construção de um mundo melhor para todos/as. Atuando junto à pessoas de Acreditamos que a todas as confissões religiosas e com não crentes, verdadeira transformação a Cáritas procura ser um testemunho vivo do amor social passa pela mudança de Deus por toda a Criação.

de cultura.

4 A Cáritas Brasileira integra o Coletivo Interreligioso que aprofunda debates importantes para as organizações, tendo como último tema de aprofundamento e incidência política o Marco Regulatório da Relação entre Sociedade Cível e Estado. 5 Marcos Arruda, economista, educador, coordenador do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS), professor da Universidade Internacional da Paz e do Programa Educação Gaia, além de sócio do Instituto Transnacional (Amsterdam). 6 Para aprofundamento sobre o tema consultar a publicação: Cáritas Pastoral Social: Tecendo reflexões e metodologias de igualdade entre homens e mulheres, do Secretariado Latino Americano e Caribenho da Cáritas (SELACC). 7 Definição da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) no Brasil.

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8 Fragmento do texto base Pastoralidade e Transformação Social elaborado por Nancy Cardoso e Ivo Poletto. 9 Inspirado no Marco Estratégico da Caritas Internacional.

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ORIENTAÇÕES

ESTRATÉGICAS São as orientações estratégicas que dão vida e materializam as estratégias institucionais e mobili-

Promoção e fortalecimento de iniciativas locais e territoriais

na construção da sociedade do Bem Viver

zam a Rede Cáritas para atuação

Nesta orientação estratégica, concretizamos a nos grandes eixos: político, social, construção da sociedade do Bem Viver a partir de práticas cotidianas de valorização das comunidades cultural e religioso, a partir e de grupos produtivos que se organizam a partir de uma diversidade de ações. da identificação com a Economia Popular Solidária, com a Convivência com os Biomas, com a Segurança Alimentar e Nutricional, ou na organização de catadores/as de materiais recicláveis e tantas outras iniciativas locais que fortalecem a apropriação dos sujeitos para a gestão de seus territórios.

e sustentabilidade da Rede Cáritas

Nesta orientação estratégica, reforçamos a identidade da Cáritas Brasileira através de objetivos que assegurem formas de gestão 11 e atuação em rede, com espaços auxiliares de gestão para planejamento das diferentes áreas de atuação em que trabalha, com definição de políticas de atuação interna como formação, voluntariado, infância, adolescência e juventudes, comunicação e outras. Tendo ainda a importante articulação com as pastorais sociais e outros movimentos eclesiais em vista do fortalecimento das ações em conjunto para uma efetiva pastoralidade.

Defesa e promoção de direiTos,

Formação permanente

Nesta orientação estratégica, trazemos os esforços e acúmulos nas lutas por direitos priorizando a participação nos espaços de controle social como fóruns e conselhos de direito, na formulação de políticas públicas para a defesa, promoção e garantia destes direitos. Os desafios permanecem, e no último período estão ainda mais evidentes, pois políticas importantes de garantia dos direitos dos mais pobres estão sendo atacadas de maneira violenta pelas forças atuais do Estado. Por isso, com o conjunto dos movimentos sociais e das Igrejas levantamos a bandeira: Nenhum Direito a Menos 10.

O Voluntariado na Cáritas recebe formação permanente para que possa se qualificar não somente para a dimensão técnica, mas, sobretudo, para a formação do coração, movimento que certamente vai abrir caminhos para o conhecimento dos valores do Evangelho e os princípios que formam a inspiração e motivação das atividades da Cáritas. O itinerário formativo propõe e favorece uma formação integral, incluindo os âmbitos pastoral, relacional, de incidência social, além dos conhecimentos e habilidades necessárias para cada área de atuação da atividade voluntária, favorecendo um caminho metodológico e místico, valorizando a integração e o sentimento de pertença, na construção da Rede Cáritas.

10 Termo de convergência dos movimentos sociais e organizações para as mobilizações em defesa dos direitos humanos e sociais.

11 Este tema encontra-se mais detalhado nas próximas páginas deste documento, no espaço em que apresenta os Referenciais da Gestão.

construção e controle das políticas públicas

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Organização, fortalecimento

do voluntariado

Os desafios permanecem, e no último período estão ainda mais evidentes, pois políticas importantes de garantia dos direitos dos mais pobres estão sendo atacadas de maneira violenta pelas forças atuais do Estado.

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‘ As áreas de atuação representam

O mundo vive a maior crise humanitária desde o final da Segunda Guerra Mundial. São mais de 200 milhões de pessoas em situação de migração.

a diversidade de atividades que a Cáritas Brasileira realiza no país em distintos níveis e em toda a Rede

Migração, Refúgio e Apátridas

ÁREAS DE

ATUAÇÃO

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mento das crianças, adolescentes e jovens como sujeitos de direitos. Ao mesmo tempo em que também avançaram as políticas públicas de garantia desses direitos, as realidades de violência, injustiça, maus-tratos e abusos ainda permanecem. Por isso, a Cáritas Brasileira assume como prioritária esta área de atuação. As ações do Programa Infância, Adolescência e Juventudes (PIAJ) tem foco na formação continuada de crianças, adolescentes e jovens, reconhecendo-os em sua integralidade e por isso, contemplando as dimensões artísticas, culturais, esportivas, integradas à formação para a luta por direitos. Nesse sentido, a Cáritas acompanha projetos, programas e outras iniciativas territoriais que possibilitem a participação desses sujeitos e suas famílias em espaços de mobilização, luta e decisões políticas. A mobilização e participação das crianças, adolescentes e jovens, tantas vezes invisibilizados em suas formas de ser, viver e se manifestar, traz para as arenas da vida novas possibilidades de imaginar e concretizar outros mundos, com mais beleza, poesia e novidades que permitam a vida em abundância, com justiça e direitos.

Economia Popular Solidária

Convivência com os Biomas

A Economia Popular Solidária é uma importante iniciativa da Cáritas Brasileira para a construção da sociedade do Bem Viver. Fundamentada na organização coletiva de trabalhadoras e trabalhadores, essas práticas constituem outro modo de produzir, consumir e pensar a relação entre as pessoas, contribuindo para a superação das desigualdades no país. Ela surge da crítica ao modelo hegemônico de desenvolvimento capitalista e individualista para a perspectiva de emancipação dos sujeitos. Para este novo ciclo quadrienal, ainda permanece os desafios de: garantir assessoramento continuado e de qualidade aos Empreendimentos Econômicos Solidários, contribuir para a melhoria da viabilidade econômica da produção, ampliar as parcerias, construir políticas públicas adequadas e ampliar a criação de fundos rotativos solidários no país.

A temática da Convivência com os Biomas tem uma importância direta na construção do Bem Viver com a valorização e preservação da vida. Este compromisso foi reafirmado na recente celebração dos 60 anos de atuação da Cáritas no Brasil. O cenário atual desafia a Rede Cáritas a fortalecer as lutas com posicionamentos em defesa dos povos e das comunidades tradicionais num momento em que toda a Igreja, no ano de 2017, chama a sociedade para refletir sobre os biomas brasileiros, seus ecossistemas e os diferentes povos que neles vivem e os protegem, na perspectiva de mobilizar e articular as forças vivas que lutam por um projeto que tenha a garantia de direitos e acesso a um conjunto de políticas públicas. Para a atuação da rede nesta área, fortalecemos o compromisso pela consolidação de políti-

cas públicas para o Semiárido e da nossa participação na Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) que, cada vez mais, se consolida como um espaço sólido e fértil para a promoção de encontros de saberes e práticas de trabalhos organizativos e de pastoral no imenso território amazônico. Torna-se urgente a consolidação do processo de organização e fortalecimento das ações da Rede Cáritas, a partir da temática da água, considerando as lutas contra as constantes ameaças sofridas pelas populações do Semiárido e dos biomas Cerrado e Amazônia e do fortalecimento das mobilizações sociais para barrar o avanço dos grandes projetos.

O mundo vive a maior crise humanitária desde o final da Segunda Guerra Mundial. São mais de 200 milhões de pessoas em situação de migração. Outras 60 milhões vivem em situação de refúgio e constantemente sofrem perseguições, além de serem vítimas de conflitos armados. Destes refugiados, 51% são mulheres, crianças e adolescentes. Até 2015 o Brasil registrou 28 mil solicitações de refúgio no país. Nos mais de quarenta anos de atuação com esse tema, mais de quinze mil pessoas refugiadas receberam a solidariedade da Cáritas. Atualmente diversas Cáritas das regiões Sul, Sudeste, Norte e Nordeste desenvolvem ações com migrantes e refugiados. Nessa nova etapa, em que a Cáritas Brasileira se propõe a fortalecer sua atuação em Rede no campo da migração e refugio serão necessárias: mais capacitação dos agentes, maior compreensão do perfil migratório no país, mais proximidade com as pastorais que trabalham com a temática e aproximação com os órgãos públicos nas diferentes instâncias.

Mudanças Climáticas e Gestão

Programa Infância,

de Riscos

Ao longo de sua trajetória, a Cáritas avançou em processos políticos e metodológicos de reconheci-

A área de atuação Meio Ambiente Gestão de Riscos e Emergências (MAGRE), está constituída desde a criação da Cáritas Brasileira. Sua atuação

Adolescência e Juventudes

23


está sustentada no tripé da prevenção, preparação e resposta em situações de emergências naturais e sociais. A partir desse tripé, atua em temáticas ligadas à prevenção de desastres, ao atendimento emergencial e à reconstrução de comunidades resilientes. Promovendo o fortalecimento de experiências concretas de prevenção, atuação em situação de desastres, ações coletivas e tecnologias sociais, espaços de diálogos, comunicação e articulação com as organizações sociais, poder público e a defesa civil, quer assim, responder de forma integral às necessidades dos pobres e mais vulneráveis, cumprindo o mandato evangélico da Cáritas: o cuidado integral da criação.

Formação

Segurança Alimentar

e Nutricional

O Brasil tem hoje 3,4 milhões de cidadãos em situação de insegurança alimentar, o equivalente a 1,7% da população nacional. A alimentação é um direito inalienável. A garantia de uma alimentação adequada e saudável é condição fundamental para uma vida digna e para o bem estar coletivo. Diante desse cenário, a Cáritas Brasileira desenvolve ações junto a grupos e comunidades em situação de vulnerabilidade para que atuem no fortalecimento e na garantia das políticas públicas de segurança alimentar e nutricional.

Mundo Urbano

Historicamente, a Formação tem grande relevância na caminhada da Cáritas Brasileira, tornando-se ferramenta importante no seu processo organizativo e de gestão. A compreensão da realidade, metodologias permeadas pela vivência da caridade libertadora comprometida com a transformação social, a perspectiva de processos participativos e emancipatórios numa perspectiva humana integral, foram sendo percebidos ao longo da caminhada, enquanto elementos estruturadores do processo formativo na instituição.

O Brasil passou por um processo acelerado e desordenado de ocupação do solo urbano. Entre os anos 1930 e 1970 muitas cidades tiveram suas populações multiplicadas em pouco mais de uma década. Esse êxodo, que levou a um esvaziamento do campo e provocou a superpopulação nas cidades, promoveu grandes problemáticas. A Cáritas sempre esteve presente nesse ambiente, no entanto, a partir de 2011 vem construindo, primeiro um entendimento e depois uma metodologia orientativa, que contribui para sua atuação junto às comunidades e famílias que vivenciam as mazelas da realiVoluntariado dade urbana. Operando junto aos movimentos sociais busca integrar os programas e áreas de atuação para A área de atuação do Voluntariado na Cáritas que estes possam refletir e intervir no mundo urbano. Brasileira assume a tarefa de combinar os esforços de diversas pessoas que doam seu tempo e talenGestão de Resíduos Sólidos to em várias causas sociais nas quais, a Cáritas atua de forma múltipla. A ação voluntária dirigida para a com Ênfase em Catadores efetivação dos referenciais institucionais da Rede Após a promulgação da Lei que institui a Cáritas e da Pastoral Social da Igreja, junto com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), a contribui para construir uma vida melhor para as Cáritas Brasileira atua junto às organizações de pessoas. Unir todas essas experimentações é uma catadores/as de materiais recicláveis orientanexigência para favorecer a colaboração individual e do-os para que participem nas elaborações dos coletiva e, ampliar os esforços de maneira global. planos estaduais e municipais de resíduos sólidos, A área colabora com a mobilização de pessoas em buscando garantir a participação das organizações esforços comuns, a fim de potencializar boas práti- da sociedade civil nos processos de gestão e gercas de transformação social e dar condições de vida enciamento dos resíduos sólidos. digna para os empobrecidos.

A alimentação é um direito inalienável. 24

Povos e Comunidades

Tradicionais

De acordo com o Decreto Federal Nº 6.040/2000, no Brasil, Povos e Comunidades Tradicionais são grupos culturalmente diferenciados e que

se reconhecem como tais. Esses povos possuem formas próprias de organização social, ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas geradas e transmitidas pela tradição. Entre eles estão quilombolas, indígenas, pescadores artesanais, ribeirinhos, extrativistas, seringueiros, castanheiros, quebradeiras de cocode-babaçu, povos ciganos, comunidades de fundo de pasto, matriz africana, faxinalenses, marisqueiras, varzeiros, caiçaras, praieiros, sertanejos, jangadeiros, açorianos, raizeiros, campeiros e pantaneiros. Estes povos e comunidades constituem aproximadamente cinco milhões de brasileiros e ocupam 25% do território nacional. Entretanto, pelas condições específicas de pobreza e desigualdade a que foram submetidos, acabaram vivendo em isolamento geográfico e/ou cultural, tendo pouco acesso às políticas públicas de cunho universal, o que lhes colocou em situação de maior vulnerabilidade socioeconômica, além de serem alvos de discriminação racial, étnica e religiosa. Com o intuito de contribuir com o fortalecimento de suas lutas, de suas organizações, de seu reconhecimento na prática, e para que as políticas públicas cheguem e se concretizam nestes espaços, a Cáritas Brasileira vem atuando junto a estes povos e comunidades com profundo respeito às suas formas de ser e de existir.

Mulheres e equidade

de gênero

As mulheres são maioria na população brasileira. Em 2010, superavam os homens em quase quatro milhões de pessoas. Elas Constituem a maioria do eleitorado, mas ocupam poucos espaços e cargos de poder. No âmbito da violência, as mulheres têm sido excluídas sistematicamente do exercício dos direitos humanos. A violência baseada em gênero tem ocorrido tanto no espaço familiar como no espaço público. Entre 2009 e 2011, o Brasil registrou 16,9 mil feminicídios (Ipea, 2013). Mais de doze mil (12,087) casos de estupros foram notificados em 2011. Infelizmente a nossa democracia racial se conforma como uma excelente camuflagem para uma cruel realidade, o racismo. O assassinato de mulheres negras aumentou em 54% no decorrer de uma década. A Caritas Brasileira em sintonia com a Rede Cáritas Internacional há quase duas décadas, incluiu a transversalidade de gênero, seja na dinâmica de organização da instituição seja no desenvolvimento das suas ações. Entendemos que permanece urgente explicitar e opinar claramente sobre as situações de inequidades a que estão submetidos homens, mulheres, negros, negras, jovens. É preciso denunciar todas as formas de violências e injustiças, contrárias aos planos de Deus, como a discriminação e exclusão sofridas pelas mulheres e fortalecer na Igreja a reflexão e atuação com as mulheres em parceria com as pastorais sociais. 25


A

REFERÊNCIAS DE

GESTÃO A Cáritas Brasileira é uma rede com presença paroquial, diocesana, regional e nacional. Sendo um organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), constitui-se como parte central da Igreja no país. É responsável, em conjunto com as demais pastorais sociais e organismos correlatos, por cumprir a missão evangélica de estar junto aos pobres e com eles, numa opção preferencial e radical, construir o Reino de Deus ainda na Terra. 26

Cáritas tenta cumprir esta tarefa com um grande valor missionário. No decorrer desse período busca acompanhar, e até mesmo, influenciar as mudanças na sociedade e nos momentos conjunturais. Sempre aprendendo com o povo brasileiro e com suas organizações, a Cáritas conseguiu, no decorrer destes 60 anos, contribuir com as mudanças, assim como apontar muitas outras ainda não realizadas, mas necessárias para a sociedade brasileira. Nas últimas décadas, e especialmente nos últimos anos, a Cáritas vem passando por grandes provações, necessidades de mudanças e reorientação do caminho, mas mesmo com as dificuldades vem conseguindo fazer isso de forma coletiva, potencializando o que tem de melhor: os seus agentes. Este movimento teve início desde o final da década de 1990, quando a instituição passou por um processo de reflexão e atualização da sua forma e maneira de ser e estar. Nestes quase 20 anos, muitas dinâmicas, instâncias, ferramentas e estruturas foram criadas, recriadas ou modificadas. A Cáritas que se organizava de forma hierárquica, e muitas vezes desarticulada, passou a ser uma poderosa Rede de entidades ímpares, diversas e culturalmente enraizadas em praticamente todo o território do país-continente que é o Brasil. Na XX Assembleia Nacional da Cáritas, realizada em Brasília, em 2015, a Rede se debruçou para olhar sua dinâmica de gestão. O objetivo era refletir trazendo todos os elementos constituintes. Toda essa reflexão produziu um total de 47 proposições que foram aprovadas na Assembleia como orientações e referências estratégicas para a gestão. A ideia é que a Cáritas Brasileira tenha um documento que oriente e ao mesmo tempo possa reduzir as “intempéries” e dar segurança coletiva para toda Rede, incluindo os gestores/as e também os parceiros. A caminhada feita até aqui, confere maturidade suficiente para que a instituição caminhe rumo à produção de uma ferramenta fundamental que serão as Referências da Gestão da Rede Cáritas. Aqui apontamos os caminhos que já orientam estas referências trabalhando com as 47 proposições de 2015, além de inserir também, as reflexões trazidas pela avaliação das instâncias da Cáritas, os resultados do V Congresso Nacional e também os documentos relacionados com o tema de gestão produzidos pela Cáritas Internacional, Secretariado Latino Americano e Caribenho da Cáritas (SELACC) e também Secretariado Nacional (SECNAC).

Componentes Referenciais da Gestão para a Cáritas Brasileira Sustentabilidade: A Cáritas tem produzido uma reflexão muito profunda sobre o aspecto da sustentabilidade, ampliando o conceito não só no que tange aos seus elementos teóricos, mas principalmente aos aspectos práticos e vivências desse termo. Desta forma, o referencial quer apresentar e trabalhar os acúmulos da reflexão da Cáritas, suas políticas e orientações para sustentabilidade tendo como pilares para esta parte apenas os elementos relacionados à sustentabilidade política e econômica. Comunicação: A Comunicação cada vez mais vai ampliando sua participação estratégica na vida institucional da rede e se constituindo em um pilar para a concretização da missão da Cáritas. Afinal, estamos em meio a uma revolução de proporções profundas na sociedade do conhecimento e da informação. Cada vez mais as ferramentas tecnológicas dominam os espaços que tradicionalmente eram ocupados por outros instrumentos, essa revolução desafia uma instituição em rede como a Cáritas. Com isso a comunicação passa a ser um elemento constituinte da gestão e da ação da Cáritas. Constitui-se assim, como um referencial. Ao mesmo tempo, quer apresentar elementos

Cada vez mais as ferramentas tecnológicas dominam os espaços que tradicionalmente eram ocupados por outros instrumentos, essa revolução desafia uma instituição em rede como a Cáritas. 27


que podem contribuir e orientar a rede, também ralidade, o sentindo da mística e espiritualidade ganquer introduzir a comunicação, tanto interna como hou ainda mais importância para a Cáritas, especiala externamente, como parte da gestão. mente no que tange aos aspectos organizacionais da instituição. Formação: A preocupação com a metodologia, com a forma como os seus agentes desenvolvem Parcerias: Fazer com, fazer junto. Este princípio o seu trabalho de acompanhamento aos grupos, sempre esteve presente na dinâmica de ação da comunidades e movimentos, sempre esteve pre- Cáritas Brasileira. Cada vez mais nos convencesente na Cáritas. Esta preocupação se concretiza mos da necessidade de atuarmos em frentes, reno caminho que a Cáritas vem fazendo no campo da des e articulações, por isso cresce também a neformação, especialmente nas ultimas duas décadas, cessidade de se ter elementos que orientem a quando a formação e a produção do conhecimento participação da Cáritas nestes espaços de conpassaram a ser também parte constituinte da gestão strução coletiva. da Cáritas. Assim, o referencial quer apresentar e traduzir bem como a política de formação, em todos Cáritas é Igreja: A Cáritas Brasileira é um orseus aspectos, pode contribuir com a organização ganismo da Conferência Nacional dos Bispos do também nos aspectos da gestão. Brasil (CNBB), neste sentindo é parte constitucional da Igreja do Brasil com a missão de “Testemunhar Instâncias: A Cáritas um só corpo. Quando a e anunciar o Evangelho de Jesus Cristo, defendenCáritas decidiu por realizar o primeiro planejamento do e promovendo toda forma de vida e participando estratégico, ela se colocou no desafio de fazer este da construção solidária da sociedade do Bem Viver, processo tendo como elemento central o reconhe- sinal do Reino de Deus, junto com as pessoas em cimento de que é, e deve se comportar, agir e atuar, situação de vulnerabilidade e exclusão social”. Ou como uma Rede. De 2006 até então houve muito seja, não estamos em diálogo ou em relação com avanço neste sentindo, olhando cada parte, cada a Igreja no Brasil, somos parte dela e como diria o instância, trabalhando para que todos e cada um Santo Padre “Temos o dever de ajudar com que possam se sentir e se ver nos processos. toda Igreja seja irmã dos pobres, seja social, esteja em saída”. Espiritualidade: A mística e espiritualidade sempre se constituíram como parte central e inte- Agentes Cáritas: São milhares de agentes grante da ação e missão Cáritas. Existem muitos Cáritas, espalhados em paróquias, dioceses, redocumentos, espaços de integração e de vivência gionais e no escritório nacional. Uma diversidade da mística no cotidiano, e também nos grandes mo- enorme de caminhos os trouxe para a Cáritas, denmentos e espaços decisórios da Cáritas em toda sua tre várias temos aqueles e aquelas que vieram por Rede. Com o V Congresso que refletiu sobre pasto- histórico pastoral, outros por caminhada religiosa e outros ainda por motivação profissional-militante. No entanto, o que os une é o presente e, possivelmente, o futuro, pois a missão da Cáritas é o próprio amor e este se coloca em movimento através de seus agentes espalhados e unidos por todo o Brasil.

Fazer com, fazer junto. Este princípio sempre esteve presente na dinâmica de ação da Cáritas Brasileira.

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Sistema PMAS: Planejar, monitorar, avaliar e sistematizar são sempre atos e ações que devem fazer parte do plano de gestão da instituição e não apenas da vida dos programas e projetos desenvolvidos pela Cáritas. No decorrer dos anos a Rede veio amadurecendo e ampliando as capacidades institucionais para o bom andamento destas ferramentas, no entanto, ainda fica o desafio de que o Sistema de Planejamento, Monitoramento, Avaliação e Sistematização (PMAS), também faça parte e possa se constituir em estratégia e ferramenta de gestão em rede para a Cáritas Brasileira.

Relações Internacionais: A Cáritas é uma rede internacional de ação social e humanitária com ramificações em vários temas, problemas e públicos. Isto lhe obriga a estar presente e a se relacionar com uma rede cada vez maior de instituições, organizações, frentes e articulações tanto internamente na Rede Cáritas Internacional, como também para fora dela. Em muitos casos temos feito isso em articulação e a partir das instâncias de gestão nacional (Diretoria, Colegiada Nacional e Conselho Consultivo), no entanto, muitas entidades membro e regionais também fazem relações internacionais, seja de parceria ou mesmo de representações.

EstÂndaRes de Gestão e Código de Ética: A Cáritas Internacional aprovou na sua última Assembleia Geral em 2015, o seu Código de Ética e de Conduta, um documento que deve orientar as ações e as estratégias de gestão de todas as Cáritas Nacionais filiadas na confederação, ao mesmo tempo em que está num processo muito rico de diagnósticos que irão orientar como a Cáritas Internacional deve se estruturar para animar e fortalecer as capacidades de gestão de toda rede Cáritas no mundo.

SUSTENTABILIDADE CÓDIGO DE ÉTICA

COMUNICAÇÃO

RELAÇÕES INTERNACIONAIS

FORMAÇÃO

GESTÃO SISTEMA PMAS

INSTÂNCIAS

ESPIRITUALIDADE

AGENTES CÁRITAS

CÁRITAS É IGREJA

PARCEIRIAS

A Cáritas é uma rede internacional de ação social e humanitária com ramificações em vários temas, problemas e públicos. 29


Comitês

ESPAÇOS DE GESTÃO PARA O QUADRIÊNIO 2017-2020

Os espaços auxiliares de gestão são fundamentais na perspectiva de uma gestão participativa e corresponsável na Cáritas Brasileira. No diálogo em torno dos espaços de gestão, realizados no início de 2017 com as equipes regionais, foi reafirmado a importância dos mesmos enquanto unidade, fortalecimento da Rede e formação de novas lideranças, assim como a importância da motivação para participação dos/as agentes nesses espaços e do cuidado com a composição dos mesmos, no sentido de permitir a diversidade de ideias, a representação de realidades, bem como o compartilhamento de responsabilidades. Os espaços auxiliares de gestão assumem a responsabilidade de: Contribuir para viabilizar a gestão descentralizada, animando a participação das diferentes instâncias da Cáritas Brasileira na proposição de políticas, estratégias e ações, tanto em áreas específicas de atuação como nas dinâmicas mais permanentes e transversais a todas as ações. Para o quadriênio 2017-2020 ficaram assim definidos os espaços auxiliares de gestão:

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Caráter mais permanente, levando em conta a representatividade das regiões e acúmulo nas temáticas. Composição: Áreas estratégicas da Cáritas Brasileira. Mandato: 2017-2020 Participantes: No máximo sete pessoas (um por inter-regional, um nacional/diretoria). Coordenação: Assessoria Nacional Período de realização de reuniões: Pelo menos uma vez ao ano presencialmente, e virtualmente quantas vezes forem necessárias. Denominação: Formação; Comunicação; Incidência política; Identidade, mística e espiritualidade; Jurídico/Administrativo; Relações Internacionais; Sustentabilidade.

Comissões Caráter mais permanente, levando em conta a representatividade das regiões e acúmulo nas temáticas. Composição: Por áreas de atuação priorizadas nacionalmente. Coordenação: Assessoria Nacional Mandato: Dois anos Participantes: No máximo seis pessoas (um por inter-regional, um nacional/diretoria). Período de reuniões: Presencialmente pelo menos uma vez ao ano e virtualmente quantas vezes forem necessárias. Denominação: Juventudes; Meio ambiente e Gestão de Risco; Economia Solidária; Convivência com os Biomas; Migração e Refúgio.

Grupos de Trabalhos (GT) Mandato pontual. Específico para tarefas com prazo estabelecido. Composição: Por acúmulo na área a ser trabalhada. Mandato: 2017-2020 Coordenação: Assessoria Nacional Participantes: No máximo seis pessoas (um por inter-regional, um nacional/diretoria). Período de reuniões: De acordo com a necessidade. Denominação: GT Mulheres

Redes Caráter permanente, com atributo de articulação podendo envolver pessoas das diferentes instancias e organizações. Composição: Por demanda de interesse. Mandato: 2017-2020 Coordenação: Assessoria nacional Participantes: Por demanda de interesse. Período de reuniões: De acordo com a necessidade.

Dinâmicas de Trabalho • Os comitês, comissões e GTs devem compartilhar as responsabilidades entre as pessoas integrantes dos espaços, através da metodologia das “pastas” de trabalho; • A Assessoria Nacional é responsável para animar e coordenar os espaços auxiliares de gestão e monitorar a metodologia das “pastas de trabalho” garantindo a fluidez operacional das ferramentas; • Cada espaço de gestão deve organizar o Plano Operacional Anual (POA) da área específica de atuação, levando em conta as grandes orientações do ano, cuidando também da dinâmica de execução, avaliação e sistematização. • Anualmente os comitês, comissões e GTs devem se reunir presencialmente, no Fórum Nacional definindo estratégias e ações comuns para o ano, bem como construindo interrelações entre os diferentes espaços e aprofundando reflexões de interesse comum. • O sistema de Planejamento, Monitoramento, Avaliação e Sistematização (PMAS), com seus novos instrumentais deve orientar a dinâmica de gestão da Rede Cáritas possibilitando perceber ao final do quadriênio o alcance das ações realizadas. Um sistema virtual que vai contribuir com o monitoramento das ações está sendo elaborado. • A dinâmica de sistematização deve ser desenvolvida na perspectiva do regitro de atividades, com instrumental próprio, e sistematização de experiências, selecionadas previamente e com instrumental orientador. 31


EXPEDIENTE Cáritas Brasileira Organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil Endereço: SDS Bloco P Ed. Venâncio III, sala 410 CEP 70.393-900 / Brasília (DF) Site: www.caritas.org.br E-mail: caritas@caritas.org.br Telefone: +55-61-3521-0350 Fax: +55-61-3521-0377 Secretariado Nacional Diretoria

Presidente: Dom João José da Costa Vice-Presidente: Ir. Lourdes Maria Staudt Dill Diretor-Secretário: Marilene Alves de Souza Diretor-Tesoureiro: Udelton da Paixão Coordenação Colegiada Nacional

Diretor Executivo Nacional: Luiz Cláudio Lopes da Silva (Mandela) Coordenadora: Alessandra Miranda Coordenador: Fernando Zamban Esta publicação:

Marco Referencial da Cáritas Brasileira 2017-2020 Sistematização e organização: Equipe de Assessoria do Secretariado Nacional Fotos: Agência MOC e Cáritas Projeto gráfico: Agência MOC Impressão: Gráfica América Tiragem: 3.000


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