Revista | V Congresso Nacional da Cáritas Brasileira

Page 1

Tua Missão é o Amor Revista do V Congresso Nacional da Cáritas Brasileira - de 9 a 13 de Novembro 2016

Pastoralidade e Transformação Social "Partimos deste jubileu de 60 anos com o compromisso de colocar em prática a mensagem profética da Mãe Negra Aparecida: estarmos juntos, e caminhar com os pescadores artesanais, povos indígenas e quilombolas e com todos os povos e comunidades tradicionais em suas lutas pelos seus territórios. Lutar também pelo fim da exploração, contaminação e envenenamento dos solos, das águas, dos rios e do mar" (trecho da Carta de Aparecida) Foto: Elkin Torres - Cáritas Brasileira

V Congresso Nacional da Cáritas Brasileira

1


Bem Viver e Transformação Social Aos 60 anos, a Cáritas demonstra estar cada vez mais madura, o que não é algo fácil para uma rede tão diversa, com presença em quase todo território nacional. Esta afirmação fica bastante clara ao olharmos para o marco referencial aprovado no V Congresso Nacional da Cáritas Brasileira (V CNCB), realizado em Aparecida (SP) depois de um rico, profundo e tão participativo processo de reflexão sobre o sentido da Pastoralidade da Cáritas e sobre a maneira como esta vem contribuindo para as transformações que a sociedade brasileira tem experimentado nas últimas seis décadas. O congresso em Aparecida trouxe algumas decisões importantes. A introdução da concepção do Bem Viver no marco referencial é uma delas. A reflexão feita no interior da rede sobre esta perspectiva orienta que a Cáritas quer contribuir com essa construção a partir daquilo que vem acumulando na última década em termos de debates sobre a sustentabilidade, a solidariedade e também a territorialidade. Cremos que o Bem Viver se constrói sobre estes pilares, alinhado ainda à radicalização da democracia participativa. Um segundo

elemento importante é a perspectiva da Pastoralidade para a transformação social como um principio da ação da rede. O tema, que foi aprofundado no congresso, alimentou um sentimento de que os agentes Cáritas precisam colocá-lo como horizonte e premissa de todas as ações e em todos os processos, programas e projetos. O V Congresso Nacional foi o ápice deste profundo processo de reflexão. Que bom que pudemos vivenciar isso junto e na casa da nossa Mãe Peregrina! Luiz Cláudio Mandela

Participação, mística e espiritualidade, diálogo Por Raquel Dantas e Luciano Gallas Durante toda a fase preparatória para o V Congresso Nacional, a Rede Cáritas realizou um longo caminho metodológico e místico. O processo a colocou diante de sua essência, permitiu pensar sobre os velhos e novos desafios e criou condições para reafirmar os rumos de sua atuação. Este processo avaliativo foi realizado em várias etapas ao longo de 2016, tendo no congresso seu momento de culminância. Considerando os 60 anos de trajetória da instituição, a avaliação ganhou ainda mais significado e relevância por voltar as atenções para a vivência da mística e espiritualidade da Cáritas, renovar sua missão, reviver sua história e celebrá-la, trabalhando todas as dimensões do ser Cáritas. Para que essas intencionalidades tivessem condições de efetivação, alcance e maturação, a Rede Cáritas preparou um caminho metodológico e místico a partir do sistema ver-julgar-agir-celebrar. Desde as caravanas territoriais diocesanas, passando pelas caravanas regionais e pré-congressos interregionais até o encontro em Aparecida, cada etapa foi vivenciada com o acúmulo das reflexões feitas nas etapas anteriores. A presença dos sujeitos da ação Cáritas se intensificou com a energia da

imagem peregrina de Nossa Senhora Aparecida. Ela percorreu diversos territórios nos quais a Cáritas se faz presente, acompanhando o trajeto dessa jornada de auto-conhecimento e avaliação. “Por motivo das comemorações dos 60 anos da Cáritas, nós decidimos que iríamos realizar nosso processo de avaliação do Quadriênio (2012/2015) em dois momentos. Um primeiro ocorreu em 2015, com uma profunda avaliação da gestão da Cáritas. Este processo culminou na XX Assembleia Nacional, que refletiu os resultados do quadriênio e aprovou 47 propostas de redimensionamento da gestão, além de eleger a nova direção. O segundo momento se deu em 2016 e tinha como horizonte avaliar o alcance do nosso plano quadrienal definido no IV Congresso. Este processo avaliativo foi muito rico, com a participação efetiva dos agentes de todas as entidades-membros. Desta forma, chegamos ao congresso em Aparecida com uma profunda reflexão avaliativa sobre aquilo que pudemos realizar; como conseguimos realizar e também com apontamentos importantes para alimentar as decisões tomadas no congresso”, explica Luiz Cláudio Mandela, diretorexecutivo da Cáritas. Foto: Joseanair Hermes - Cáritas Brasileira

Expediente Diretoria Nacional

Equipe de Comunicação do V CNCB

Presidente: Dom João Costa Vice-Presidente: Irmã Lourdes Staudt Dill Diretora-Secretária: Marilene Alves de Souza, Leninha Diretor-Tesoureiro: Udelton da Paixão

Assessoria de Imprensa: Luciano Gallas Foto: Francielle Oliveira, Joseanair Hermes Redes Socias: Jeronimo Calorio Reportagem: Helder Quaresma, Iasmin Santana, Luciano Gallas, Raquel Dantas Vídeo: Wagner Cesario, Elkin Torres

Secretariado Nacional Diretor-Executivo: Luiz Cláudio Lopes da Silva, Mandela Coordenadora: Alessandra Miranda Coordenador: Fernando Zamban

2 Tua Missão é o Amor

Revista do V CNCB Projeto Gráfico: Jeronimo Calorio Edição: Luciano Gallas (MTB/RS 9660) Impressão: Gráfica América Tiragem: 1.000 exemplares Contato: comunicacao@caritas.org.br Brasília/DF, janeiro de 2017 V Congresso Nacional da Cáritas Brasileira

3


De acordo com Mandela, o caminho percorrido desde a plenária final da XX Assembleia Nacional até o V Congresso Nacional da Cáritas Brasileira (V CNCB) conduziu toda a Rede Cáritas para “um olhar místico/metodológico que fez com que nós pudéssemos nos olhar não apenas pela ‘lupa’ das ações, dos programas, das metas, mas para muito além disso. Nós fomos capazes de enxergar nas comunidades que receberam a visita da mãe peregrina, nas reflexões realizadas em rodas de conversas, em seminários (locais, regionais e nacional), assim como nas caravanas realizadas em todo Brasil, como se deu a presença pastoral da Cáritas, como se deu o caminhar de nossas ações, como nós fomos vistos enquanto materialização de nossa missão junto aos povos, comunidades e pessoas”. Mandela enumera aqueles que considera os três pontos altos deste amplo processo avaliativo: “a participação, o caminho místico espiritual e o diálogo com as comunidades e parceiros”. Nesta mesma linha, Leninha Alves, diretora-secretária da Cáritas Brasileira, avalia que, apesar do momento turbulento no contexto político e econômico do país, pairou sobre o V CNCB um clima de otimismo, fundamental para a reafirmação do compromisso e da disposição da Rede para com a ação de pastoralidade e transformação social. “Seguiremos na perspectiva de superação dos desafios a partir das questões colocadas pelas caravanas, pela peregrinação da imagem, pelas instalações pedagógicas e reflexões do próprio congresso, que demandam de nossa rede um reposicionamento frente a temáticas antigas, como o desenvolvimento sustentável, e a Foto: Joseanair Hermes - Cáritas Brasileira novos temas, como migrações e mudanças climáticas. Também ampliaremos as alianças com os povos tradicionais e movimentos para aprendermos a ser mais resilientes, destemidos e esperançosos”.

Novo Marco Referencial Novo Marco Referencial da Cáritas Brasileira da Cáritas Brasileira MISSÃO INSTITUCIONAL Testemunhar e anunciar o Evangelho de Jesus Cristo, defendendo e promovendo toda forma de vida e participando da construção solidária da sociedade do Bem Viver, sinal do Reino de Deus, junto com as pessoas em situação de vulnerabilidade e exclusão social. DIRETRIZ GERAL DE AÇÃO Construção solidária, sustentável e territorial de um projeto popular de sociedade democrática e de direitos. PRINCÍPIOS - Defesa e promoção da vida e construção da sociedade do Bem Viver; - Mística e espiritualidade libertadora, ecumênica e de diálogo inter-religioso; - Cultura de solidariedade transformadora; - Relações de equidade étnico-raciais, de gênero e de

4 Tua Missão é o Amor

geração; - Protagonismo das pessoas em situação de vulnerabilidade, de risco e/ou de exclusão social; - Projeto popular de sociedade justa, solidária e sustentável; - Democracia participativa e justiça socioambiental; - Pastoralidade e transformação social; - Cáritas no coração da Igreja e na sociedade no serviço com os pobres. PRIORIDADES INSTITUCIONAIS I - Promoção e fortalecimento de iniciativas locais e territoriais na construção da sociedade do Bem Viver; II - Defesa e promoção de direitos, construção e controle das políticas públicas; III - Organização, fortalecimento e sustentabilidade da Rede Cáritas; IV - Formação permanente do voluntariado.

Carta de Aparecida “Os direitos humanos são violados não só pelo terrorismo, a repressão, os assassinatos, mas também pela existência de extrema pobreza e estruturas econômicas injustas, que originam as grandes desigualdades.” (Papa Francisco)

O V Congresso da Cáritas Brasileira aconteceu em Aparecida-SP com a participação de mais de 500 representantes de todas as regiões do Brasil, de representantes das Caritas irmãs e de entidades parceiras de algumas partes do mundo, homens e mulheres; jovens e idosos; do campo e da cidade; das florestas e das águas que juntos vivenciaram, com a benção da Mãe Negra Aparecida, e concretizaram um ano de celebrações dos 60 anos com presença e atuação da Cáritas Brasileira, tendo por tema Pastoralidade e Transformação Social. Para seguidores e seguidoras de Jesus, o Bom Pastor, toda celebração tem sentido de JUBILEU: dar graças e alegrar-nos por tudo que representou o avanço na realização da missão; na identificação e superação das falhas e na defesa das novas prioridades como resposta aos recentes gritos e desafios dos pobres. Mesmo sentindo-nos duramente afetados pela crise política que se aprofunda em nosso país e no mundo, com práticas de corrupção, golpes e ameaças aos direitos sociais que levam as pessoas a desacreditar na democracia; mesmo sentindo-nos em comunhão com a insegurança e sofrimento que um número crescente de pessoas vivencia por causa do paradigma de desenvolvimento promovido pelo sistema capitalista dominante; e mesmo sentindo-nos frágeis para enfrentar tantas ameaças e desafios como, por exemplo, o desemprego crescente, a violência contra os jovens negros, as pessoas em situação de rua, as lideranças sociais, contra os defensores de direitos humanos, as mulheres, e também contra a Mãe, exemplificado pelo crime da contaminação e morte do Rio Doce e de tantos rios brasileiros; Nada!, e nem ninguém, nos roubará a esperança. Como resposta aos apelos de Deus e na fidelidade do seguimento de Jesus de Nazaré, assumimos, corajosamente, a missão de Testemunhar e anunciar o Evangelho de Jesus Cristo, defendendo e promovendo toda forma de vida e participando da construção solidária da sociedade do Bem Viver, sinal do Reino de Deus, junto com as pessoas em situação de vulnerabilidade e exclusão social. Somos testemunhas dos avanços e conquistas dos grupos, das organizações e dos movimentos sociais, e queremos que todos se alegrem junto aos pobres. Reafirmamos que não devemos recuar: Nenhum direito a menos! É inaceitável para nós, e desejamos que o fosse também para todas as pessoas seguidoras de Jesus e que têm sentimento de humanidade, o domínio de um sistema que concentra nas mãos de 1% da população a mesma renda que nos outros 99%. É igualmente inaceitável que esta minoria continue promovendo o sistema de produção, consumo, descartes e especulação, fenômenos responsáveis pela fome, o aquecimento global e as mudanças climáticas que colocam em risco a vida na Terra. Assumimos junto ao Papa Francisco que este é um sistema que mata, e que exclui os pobres e a terra. Partimos deste jubileu de 60 anos com o compromisso de colocar em prática com maior empenho a mensagem profética da Mãe Negra Aparecida: estarmos juntos, e caminhar com os pescadores artesanais, povos indígenas e quilombolas e com todos os povos e comunidades tradicionais em suas lutas pelos seus territórios. Lutar, também, pelo fim da exploração, contaminação e envenenamento dos solos, das águas, dos rios e do mar, para que todas as pessoas participem do milagre da pesca e dos alimentos agroecológicos abundantes que Deus Criador, a Mãe Terra e todos os trabalhadores e todas as trabalhadoras querem oferecer ao povo. Em vista disso, assumimos novas prioridades e convidamos todas as pessoas a assumí-las também, participando da (I) Promoção e fortalecimento de iniciativas locais e territoriais na construção da sociedade do Bem Viver, da (II) Defesa e promoção de direitos, construção e controle das políticas públicas, da (III) Organização, fortalecimento e sustentabilidade da Rede Cáritas e da (IV) Formação permanente do voluntariado como concretização da nossa missão. Que Deus nos mantenha firmes neste caminho de construção de uma sociedade brasileira e mundial assentadas na justiça, na cooperação, na simplicidade entre os seres humanos, assim como nas relações de amor, de cuidado e de harmonia com todos os seres da Mãe Terra, sendo e vivenciando as sociedades do Bem Viver.

Aparecida, São Paulo, 12 de Novembro de 2016.

V Congresso Nacional da Cáritas Brasileira 5


Cáritas tem tarefa dupla de socorrer os mais pobres e lutar pela inclusão Por Helder Quaresma “A missão da Cáritas – e de todos os cristãos – é socorrer os mais pobres, os excluídos da sociedade, aqueles nos quais vemos o próprio Cristo machucado, abandonado. Não é uma tarefa fácil, mas não devemos desistir, silenciar, mesmo que isso cause incômodos. Recordo Dom Helder Camara: ‘Se dou pão aos pobres, todos me chamam santo. Se mostro por que os pobres não têm pão, me chamam de comunista e subversivo’. As contas do governo devem, sim, ser controladas, mas não com o sacrifício do já sacrificado povo brasileiro, especialmente das camadas mais carentes e mais sofridas”, afirma o presidente da Cáritas Brasileira, dom João José Costa.

Foto: Francielle Oliveira - Cáritas Brasileira

Conforme destaca o arcebispo coadjutor de Aracaju (SE), a Cáritas atua ao mesmo tempo no socorro aos abandonados e na construção efetiva de um mundo mais justo e solidário. “Como discípulo de Cristo, quero estar à disposição de todos, abraçando com humildade e fidelidade a missão que a Igreja nos confiou. O caminho de um discípulo deve ser pautado pelo serviço, reproduzindo na vida o gesto de Cristo na última ceia, lavando os pés

6 Tua Missão é o Amor

dos discípulos. Esse deve o traço mais marcante na missão e na vida de um agente da Cáritas”, destaca dom João. Leia a seguir a entrevista concedida por ele no V Congresso Nacional da Cáritas Brasileira (V CNCB): Durante o V CNCB, completou-se um ano do seu mandato como presidente da Cáritas Brasileira. Como avalia esse primeiro ano de gestão? DOM JOÃO JOSÉ COSTA: A Cáritas Brasileira é uma grande expressão do amor de Deus na Igreja e também na sociedade. Desde a sua fundação, tem sido “o coração da Igreja”, como diz o Papa Francisco, desenvolvendo vários projetos no campo social, expressando a caridade de Cristo, articulando as forças a fim de que possa cumprir bem a sua missão. Em 2016, celebrando 60 anos, a Cáritas viveu um momento muito especial em sua história. O congresso que realizou em Aparecida (SP) foi a culminância dessa comemoração. Na preparação para esse grande evento, tivemos em todo o Brasil vários encontros enriquecidos com a presença da imagem peregrina de Nossa Senhora Aparecida. Uma caminhada edificante sempre impulsionada pelo carinho e o amor materno de Maria. Mesmo com as dificuldades naturais de quem está dando seus primeiros passos, buscando compreender com profundidade a missão, as diretrizes e as prioridades estratégicas da Cáritas, tivemos um ano muito precioso. Sou muito grato a Deus pelo que, juntos, conseguimos realizar.

DOM JOÃO: A missão da Cáritas – e de todos os cristãos – é socorrer os mais pobres, os excluídos da sociedade, aqueles nos quais vemos o próprio Cristo machucado, abandonado. Não é uma tarefa fácil, mas não devemos desistir, silenciar, mesmo que isso cause incômodos. Recordo Dom Helder Camara: ‘Se dou pão aos pobres, todos me chamam santo. Se mostro por que os pobres não têm pão, me chamam de comunista e subversivo’. As contas do governo devem, sim, ser controladas, mas não com o sacrifício do já sacrificado povo brasileiro, especialmente das camadas mais carentes e mais sofridas. Indiferente aos direitos assegurados pela própria Constituição, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55 [que congela os investimentos em saúde e educação por 20 anos e foi aprovada pelo Congresso Nacional entre os meses de novembro e dezembro de 2016] é uma séria ameaça à manutenção das políticas públicas e de assistência social e aos programas de inclusão social. Não podemos permitir o agravamento da situação dos que já vivem na exclusão social. A Cáritas atua nessas duas direções: socorrendo os abandonados, mas também exigindo políticas de inclusão econômica.

essa situação de miséria, fome e exclusão social. Em toda e qualquer circunstância, mesmo que as transformações exigidas não se concretizem, continuaremos motivados, fazendo a nossa parte. Se cada um fizer o que lhe cabe, teremos um mundo transformado. Em entrevistas anteriores, o senhor disse que seu trabalho com os mais necessitados vem da época do encontro vocacional da Ordem dos Carmelitas, em Pernambuco. O que mudou de lá para agora?

DOM JOÃO: A minha vocação como carmelita nasceu de uma sensibilização para com os mais pobres. No início da minha caminhada vocacional, na minha cidade natal [Lagarto (SE)], trabalhei ao lado de religiosas italianas, as Irmãs Pias Mestras Venerini, distribuindo sopa aos pobres da periferia, aproximando-me dos mais necessitados. Aprendi com os meus pais a prática da caridade e da solidariedade. Quando estive em Camucim de São Félix (PE), uma frase me marcou bastante: “O carmelita é aquele que vê no pobre sofredor o Cristo Crucificado”. Não basta ter pena do pobre, é preciso se compadecer de quem sofre e resgatar o sofredor, Diante do cenário atual de preconceitos e tirando-o da indigência e da exclusão. Vemos Cristo autoritarismo, há motivos para esperança em um na Eucaristia, na Palavra, mas também em tantos mundo melhor? irmãos que sofrem. É o próprio Cristo quem nos DOM JOÃO: É muito preocupante a realidade impele: “...porque tive fome e me destes de comer; pela qual passa o Brasil, mas não devemos deixar tive sede e me destes de beber...” (Mt 25,35). Quero de observar tudo isso com esperança e otimismo. abraçar cada vez mais uma espiritualidade que louva A Cáritas, por meio dos seus agentes, vai continuar e bendiz ao Senhor, mas que também se aproxima do se somando àqueles que lutam para reverter irmão sofrido e abandonado. Foto: Francielle Oliveira - Cáritas Brasileira

Diante dos cortes na área social colocados em prática pelo atual governo sob a justificativa de equilibrar suas contas, qual deve ser o comportamento dos agentes Cáritas? V Congresso Nacional da Cáritas Brasileira

7


“Nosso trabalho na mobilização das pessoas é um trabalho do coração da Igreja”, afirma Michel Roy Por Luciano Gallas Para o secretário-geral da Caritas da vida da confederação. Tivemos dois presidentes da Internationalis, Michel Roy, o testemunho da Cáritas Caritas Internationalis vindos do Brasil: dom Aloísio enquanto organismo da Igreja se dá por meio da Lorscheider, nos anos 1970, e dom Affonso Gregory, caridade. “Devemos testemunhar o amor de Deus nos anos 1990. Isso marcou a confederação. Agora, com todos. Nosso trabalho educativo na mobilização no Comitê Executivo da Caritas Internationalis, que das pessoas, com os mais pobres, os vulneráveis, são oito pessoas, temos a presença de Cristina dos é um trabalho do coração da Igreja”, destaca ele. Anjos, também da Cáritas Brasileira, representando “Nossa expectativa é que a Cáritas possa ajudar a a Cáritas América Latina e Caribe. Igreja a ser uma Igreja dos pobres, uma Igreja pobre com os pobres, como diz o Papa Francisco. Que O que poderia dizer é que a missão transformadora os pobres estejam dentro e não fora. Essa é nossa que tem a Cáritas Brasileira é central na Cáritas em missão e devemos trabalhá-la com a Igreja, com as todas as partes do mundo. Indica uma postura [de outras pastorais, com os movimentos. É um trabalho ação] não apenas para os pobres, mas com os pobres, para mudar a sociedade. Estamos em um momento em conjunto que devemos assumir”, continua. da história global da humanidade em que há de se Michel Roy participou do V CNCB, momento repensar o todo. A sociedade deve se organizar não em que concedeu esta entrevista. Enfatizando o somente sobre as finanças, sobre a economia, mas trabalho da Cáritas Brasileira pela transformação da sobre as pessoas, e ao centro devem estar os mais sociedade em um espaço de relações mais inclusivas pobres. Eles podem nos dizer o que estão esperando e solidárias, o secretário-geral agradeceu o empenho desta sociedade. Nossa missão de reumanizar a dos agentes junto às comunidades e bairros. “As sociedade, ou as sociedades no mundo, é central, e a mudanças vêm quando as pessoas se engajam, pois Cáritas Brasileira nos dá uma linha de ação. Celebrar os voluntários e os empobrecidos juntos vão mudar os 60 anos é um momento que permite olhar não a sociedade. Isso é o mais importante. Atuar no somente para o passado, mas olhar para a frente campo da economia solidária, no Semiárido, na também. A Caritas Internationalis não decide por si proteção da Amazônia, tudo isso é necessário para mesma o que fazer. São os membros que decidem. que as pessoas, as famílias e as comunidades vivam A cada quatro anos temos uma assembleia geral. com dignidade. Quero animar a todos para que se E as orientações vêm da base, vêm dos membros. voluntariem realmente, não somente para ajudar, O que agora está fazendo a Cáritas Brasileira [no mas para transformar, para mudar as coisas. Os que V Congresso Nacional] é útil e importante para o estão à margem, e que são muitos aqui no Brasil, futuro também da confederação. têm que ser acompanhados e têm que engajarem-se eles mesmos nesta transformação social que tanto Que situação encontrou em sua recente visita ao Haiti, após a passagem do furacão Matthew? desejamos”, aponta. Leia a entrevista na íntegra: Que contribuição a Cáritas Brasileira tem a dar em nível internacional?

MICHEL ROY - No dia 4 de outubro [de 2016], ocorreu um desastre enorme sobre o sul do Haiti. Um ciclone muito forte, mais forte do que se pensava antes, destruiu de forma sistemática tudo em sua passagem. Eu estive lá três semanas depois, e o que vi era algo que não pensava ver: um país totalmente destruído. Os campos devastados, as casas destroçadas, as árvores que ainda ficaram de pé sem folhas, sem ramas. Uma visão como a que vemos nas fotos de Nagasaki ou Hiroshima depois da bomba nuclear. E percebi que a comunidade internacional não tinha entendido o que aconteceu, porque a ajuda externa foi pouca.

MICHEL ROY - A Cáritas Brasileira nasceu poucos anos após a confederação. A confederação nasceu em 1951, a Cáritas Brasileira em 1956. No início, era bastante assistencial, com atuação na área de alimentos. Mas, como muitas Cáritas no mundo, rapidamente a Cáritas Brasileira cresceu em sua própria missão, de transformação da sociedade, para que cada um dos mais pobres, dos mais excluídos desta sociedade possa encontrar seu lugar, construindo com eles o mundo do futuro. Este A população haitiana é maravilhosa. É capaz de caminho da Cáritas Brasileira é um caminho muito assumir esta destruição, tem uma resiliência enorme, interessante. A Cáritas Brasileira sempre participou também diante de fatalidades, mas realmente

8 Tua Missão é o Amor

necessita de um apoio maior. A confederação Cáritas desde o início tem levado apoio. Mas a reconstrução necessita de um apoio maior. As pessoas são pobres, as casas são frágeis, e se perdeu tudo. É um país desolado. É realmente terrível. O que pudermos fazer para ajudar o Haiti será muito útil. A confederação trabalha e continuará trabalhando para isso. A Cáritas Brasileira lançou a campanha SOS Haiti Furacão, que corresponde às necessidades dos haitianos. A contribuição dos brasileiros será muito importante. Que significa efetivamente a orientação “Cáritas no coração da Igreja”? MICHEL ROY - Em nosso plano estratégico 20152019 da Caritas Internationalis, a primeira orientação é: Cáritas no coração da Igreja. É a primeira porque os membros assim o quiseram. Na última vez em que encontrei o Papa Bento XVI, em janeiro de 2013, um mês antes de sua renúncia, ele me disse em francês: “vocês são o coração da Igreja”. É uma frase muito forte. A sua ideia era clara: sem a caridade, como diz São Paulo, a Igreja não existe. Francisco também o disse com outras palavras.

Foto: Francielle Oliveira - Cáritas Brasileira

este processo de transformação. A expectativa é que a Cáritas possa ajudar a Igreja a ser uma Igreja dos pobres, uma Igreja pobre com os pobres, como o dizia o Papa Francisco. Que os pobres estejam dentro e não fora. Isso é nossa missão e teremos que trabalhá-la com a Igreja, com as outras pastorais, com os movimentos. É um trabalho em conjunto que devemos assumir. Quais são os principais desafios para fazer cumprir a missão da Cáritas? MICHEL ROY - É importante a ação da Cáritas em nível local, junto ao povo, nos bairros. Os outros níveis existem para fazer com que a solidariedade e a transformação social se façam em nível local. Mas os desafios são muitos. O ambiente global hoje é muito secularizado, é muito materialista, individualista. Este ambiente não favorece o trabalho que temos a fazer de animação, de luta contra a indiferença. Um trabalho que necessita que as pessoas se envolvam. Outro desafio é a sociedade na qual vivemos, orientada pelo capitalismo, pelas finanças, que considera as pessoas como objetos que servem à economia. As forças que estão à frente disso são muito fortes. Não é fácil mudar. Este é outro desafio grande. Mas há desafios internos também. Somos uma família de 165 membros. E é necessário que trabalhemos juntos para mudar a realidade. Entretanto, a tentação é sempre local. E a maneira pela qual os membros mais poderosos, aqueles que têm mais recursos, agem nem sempre é na forma colegiada, cooperativa.

O testemunho [que a Cáritas] dá à Igreja é através da caridade. Como organização da Igreja, temos uma missão muito importante que temos que assumir como Cáritas. É nosso dever. Devemos testemunhar o amor de Deus com todos. Nosso trabalho educativo na mobilização das pessoas, com os mais pobres, os vulneráveis, é um trabalho do coração da Igreja. Também é um convite para que os responsáveis pela Igreja, os bispos, se envolvam algo mais com Também participou da entrevista Elkin Torres Giraldo. V Congresso Nacional da Cáritas Brasileira 9


Por uma economia mais solidária, sustentável e transformadora Por Iasmin Santana “Muita gente pequena, em muitos lugares pequenos, fazendo coisas pequenas, mudarão a face da Terra” “Meus 30 anos de Cáritas são também os 30 anos de Economia Solidária em nível local, O provérbio africano acima é espalhado com articulação estadual, nacional e também como semente pela irmã Lourdes Staudt Dill, internacional”, aponta ela, fazendo referência ao atual vice-presidente da Cáritas Brasileira. Mulher trabalho desenvolvido em Santa Maria (RS) na exemplo de força, persistência e motivação, com coordenação do Projeto Esperança/Cooesperança, uma longa trajetória de ação prática na Rede Cáritas daquela arquidiocese, e na organização de ações e comprometida com as populações em situação como a Feira Internacional do Cooperativismo de vulnerabilidade social, ela tem uma importante (Feicoop) e a Feira Latino-Americana de Economia contribuição na caminhada de consolidação da Solidária (Feira de EcoSol). economia solidária como modelo alternativo de organização econômica. Irmã Lourdes, que integra a Comunidade Mãe da Esperança das Filhas do Amor Divino, destaca a importância do trabalho protagonista e pioneiro da Cáritas no campo da economia solidária, por meio do fomento aos “pequenos grupos de base nas dioceses, municípios, estados e nas articulações de base”. Ressalta também a importância das parcerias e da ação em rede para fortalecer esse trabalho, na forma de feiras, articulações e incentivo à comercialização dos produtos.

solidariedade e da pastoralidade estejam a serviço da transformação social. Ainda mais “no tempo histórico em que vivemos, onde há uma crise de valores e de princípios, e, somada a essa, a crise econômica e política”. Levando em consideração o trabalho de 35 anos desenvolvido pela Cáritas no campo da economia solidária em diferentes realidades locais, irmã Lourdes acredita que, “mais do que nunca, precisamos nos fortalecer, sermos ousados, sermos proféticos, e também fazer essa integração com os sujeitos, que são os atendidos pela nossa missão. Nós não temos a ideia de fazer por eles, mas com o público. Fazer com que, cada vez mais, as pessoas possam ser sujeitos da sua autotransformação”. A vice-presidente da Cáritas denuncia e repudia todas as violações de direitos que estão ocorrendo no Brasil e na América Latina e acredita que, como Igreja e como Cáritas, sendo esta um organismo da Igreja Católica do Brasil, e atuando de forma ecumênica, “temos um papel a dar, uma participação não necessariamente partidária, mas nas questões dos valores, da ética, da honestidade, em todas as dimensões, fazendo com que o verdadeiro sentido da política seja de fato valorizado, que é o bem comum”. Para ela, a “política precisa passar por uma grande reforma. Precisa estar, cada vez mais, a serviço do bem comum, do bem da população, especialmente dos mais excluídos e excluídas da sociedade como um todo”. Irmã Lourdes acredita que o diferencial da ação da Cáritas é estar a serviço da vida. “Nós temos como princípio o cuidado com a vida humana, a vida ambiental, com o planeta”, como ela afirma. “A Cáritas sempre foi protagonista nessa dimensão do cuidado com a vida, cuidado com as pessoas, pois trabalha com mulheres, crianças, indígenas, quilombolas, camponeses, com as pessoas excluídas e com aqueles que estão à margem [da sociedade]”, continua. Por isso, ela acredita ser tão importante a incidência da ação nas políticas públicas, na valorização das coisas pequenas, no trabalho em rede e na consciência transformadora das pessoas. A coordenadora do Projeto Esperança/Cooesperança cita parte do versículo 10, capítulo 10, do Evangelho de São João – “Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância” –, para demonstrar o trabalho desenvolvido pela Cáritas. A citação pode ser entendida como a essência da própria rede na história de 60 anos construída pela Cáritas Brasileira e de 35 anos a serviço da vida por meio da organização da economia solidária. Foto: Francielle Oliveira - Cáritas Brasileira

Considerando a realidade atual brasileira, com grande desemprego e exclusão dos trabalhadores e trabalhadoras, que muitas vezes vivem à margem da sociedade, irmã Lourdes acredita que “a economia solidária é um caminho para o desenvolvimento sustentável, solidário e territorial e para a geração de trabalho e renda. Na economia solidária, os empreendimentos se fortalecem tendo uma nova visão de partilha, de solidariedade, de autogestão, de gerenciamento, de gestão compartilhada, para podermos ter no mundo um outro modelo que não seja o capitalismo, que está falido e exclui tantas pessoas”.

Foto: Joseanair Hermes - Cáritas Brasileira

10 Tua Missão é o Amor

Além de “abraçar essa causa da economia solidária, defender todos os empreendimentos e fazer essa articulação em rede junto com outras organizações que se fazem presentes na nossa luta e na nossa caminhada”, a vice-presidente da Cáritas alerta que é urgente e necessário que as práticas da V Congresso Nacional da Cáritas Brasileira 11


com o presidente da Cáritas Brasileira, dom João Costa, a situação no país hoje é ainda mais grave do que após o terremoto de 2010.

Foto: Francielle Oliveira - Cáritas Brasileira

Cáritas inicia terceira fase da cooperação com o Haiti

Por Luciano Gallas A Cáritas Brasileira assinou um protocolo de intenções com a Caritas Haiti durante o V Congresso Nacional, em Aparecida (SP) - foto acima (da esq. para dir.: Jean Lucien, dom João Costa e padre Hervé). Trata-se da terceira fase de um processo de cooperação que iniciou após o terremoto de 12 de janeiro de 2010, até hoje o maior desastre ocorrido naquele país: mais de 300 mil pessoas morreram e um milhão perderam suas casas. Situação esta que foi agravada com a passagem do furacão Matthew pela nação caribenha em outubro de 2016. O novo acordo de cooperação será assinado no primeiro semestre de 2017. Com este novo acordo, serão ampliadas as ações na área da Economia Solidária (EcoSol) já em andamento na região da Diocese de Jérémie, no sul do país. Conforme Fernando Zamban, da coordenação colegiada da Cáritas Brasileira, a entidade atuará em conjunto com Caritas Haiti, Cáritas Española e Secours Catholique (organismo francês que compõe a confederação Cáritas) para levar esta experiência a outras dioceses, fortalecendo a existência de uma rede nacional de EcoSol no Haiti. O trabalho integrado vai potencializar as ações antes realizadas de forma empírica de parte de cada uma das entidades. “Estamos reafirmando nosso compromisso mútuo de cooperação solidária e de continuação das ações de solidariedade com o Haiti”, enfatiza Fernando Zamban. Segundo ele, entre as atividades que devem ser implementadas no novo plano de cooperação, estão a realização de feiras e encontros da rede de EcoSol, a publicação de materiais pedagógicos, intercâmbios com a Feira Regional da Agricultura Familiar e Economia Popular Solidária dos Territórios Inhamuns e Crateús (CE) e com a Feira Latino-Americana de Economia Solidária em Santa Maria (RS), a construção de novas casas, a aquisição de equipamentos para centros de comercialização de produtos de EcoSol e a instalação de cisternas de irrigação e de armazenagem de água para consumo humano. A Cáritas Brasileira e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) já apoiaram, em conjunto com a Caritas Haiti, a construção de 113 casas e 15 escolas e a organização de 86 grupos de Economia Solidária nas ações realizadas desde o terremoto de 2010. As atividades atenderam diretamente 5,6 mil pessoas e indiretamente quase 30 mil, entre adultos e crianças. Foram enviados ao pais dois missionários brasileiros que contribuíram para a formação e disseminação da EcoSol. De acordo com o padre Jean-Hervé François, diretor-geral da Cáritas Haiti e responsável pela assinatura do protocolo de intenções em conjunto

12 Tua Missão é o Amor

kits de alimentos e de higiene para as famílias afetadas. Então podemos dizer que a Caritas Haiti, conjuntamente com as Cáritas diocesanas, têm levado a cabo ações para aliviar a dor, as perdas e as Com o auxílio de Jean Lucien, diretor- dificuldades destes campesinos, destes pobres, destes administrativo da Caritas Haiti, na tradução para marginalizados sobretudo, que foram afetados pelo o português de perguntas e respostas, padre Hervé furacão. Nisso esperamos prosseguir com estes concedeu a seguinte entrevista em francês à Cáritas fundos que vão chegar. Esperamos continuar com Brasileira: a interação, assistência e recuperação. O sistema ecológico foi gravemente afetado e temos muito Qual é a situação do Haiti hoje, após a passagem trabalho a fazer para a recuperação. Na comparação do furacão Matthew? com o terremoto de 2010, podemos dizer que a PADRE JEAN-HERVÉ FRANÇOIS – Com a situação atual é mais grave. É gravíssima. Porque, passagem do furacão Matthew, ocorreram muitos como disse, provavelmente são os mais pobres, os danos, no sul particularmente. Não há mais árvores. mais empobrecidos, os que não têm nada ou quase Não vemos mais pássaros. A situação é muito crítica nada, que foram os mais afetados. no país. Há três departamentos muito afetados [além de outros parcialmente atingidos]. Parte de Porto Como nós do Brasil podemos colaborar mais? Príncipe também foi afetada. É uma situação muito PADRE HERVÉ – Estamos lançando o chamado crítica. Uma das coisas mais dolorosas é que não há de emergência com a Caritas Internationalis. E, no mais pássaros nestas zonas. E 80% das casas foram marco deste Apelo Emergencial, diferentes Cáritas devastadas. irmãs podem aportar fundos, particularmente a Cáritas Brasileira, com a qual temos o costume de Quantas pessoas foram afetadas? trabalhar em conjunto, particularmente no campo PADRE HERVÉ – Podemos dizer que dois milhões da Economia Solidária, para fortalecer a geração de de pessoas foram afetadas e um milhão estão em renda entre os campesinos. inseguridade alimentar, entre elas 500 mil crianças. Comparando com a crise do terremoto de 2010, Como sabem vocês, antes desta situação muitos podemos dizer que este cataclisma natural foi maior, haitianos já tinham deixado o país. Com estas ações, na medida em que há mais perdas ecológicas e pretendemos evitar que mais gente trate de migrar ambientais. Foram 800 as mortes provocadas pelo para o Brasil e outros países. Com a Cáritas Brasileira furacão Matthew, mas o que é ainda pior é que nos ajudando, por meio de um programa de Economia são justamente os mais vulneráveis os que foram Solidária, a fortalecer a economia campesina, isso diretamente golpeados: os campesinos, os que não pode ajudar a mantê-los em seus campos e em seus têm terras, os pobres, os mais marginalizados nos seis lugares de trabalho. Este programa, na medida em departamentos diretamente açoitados pelo furacão. que os ajuda a recuperarem-se da situação, é um caminho seguro para que o povo fique em seu país e Que ações a Cáritas está realizando em atendimento trabalhe para a recuperação de sua economia, para a à população atingida? recuperação do meio ambiente, para a recuperação PADRE HERVÉ – A Caritas Haiti, antes da chegada do sistema ecológico. Eu creio que a Caritas Haiti do furacão, estava presente no terreno ao lado das poderá seguir contando com a cooperação brasileira. Cáritas diocesanas para ajudar a prevenir a chegada Foto: Francielle Oliveira - Cáritas Brasileira do furacão. Depois de sua passagem, a Caritas Haiti tem ajudado as Cáritas diocesanas e as pessoas diretamente afetadas. Levamos a cabo muitas ações, em colaboração com a Defesa Civil. Para que as intervenções tenham mais impacto e mais coordenação, temos que trabalhar conjuntamente com o Estado. A Caritas Haiti, com a colaboração da Caritas Internationalis, lançou um Apelo Emergencial (EA). E, para nossa sorte, as Cáritas irmãs têm respondido favoravelmente a este chamado. Graças aos fundos recebidos, temos distribuído V Congresso Nacional da Cáritas Brasileira 13


“Tua missão é o próprio amor...” Álbum de fotos do V Congresso Nacional da Cáritas Brasileira

14 Tua Missão é o Amor

V Congresso Nacional da Cáritas Brasileira 15


16 Tua Missão é o Amor

V Congresso Nacional da Cáritas Brasileira 17


“Eu me considero uma agente Cáritas não apenas por vestir a camisa, mas por ser alguém que luta pela vida, pela libertação e pela promoção das pessoas, principalmente dos mais necessitados. Como diz Jesus: “nossa preferência é pelos pobres.”

Depoimentos

Maria Rosa dos Santos, Congregação das Irmãs Beneditinas

“Quando você começa esse tipo de serviço, com um gesto de amor, se compadece com a dor do outro e passa a agir. Depois, percebe que não basta agir sozinho. É importante convocar, mobilizar amigos, família, várias pessoas para o trabalho, para que assim mais pessoas possam ser atendidas. Eu me torno mais humano quando ajudo o outro.” José João Vieira

“Nós fomos descobrindo a importância de ser Cáritas. Percebemos que esta situação política e social atual está querendo destruir o que foi feito ao longo desses 60 anos. Por isso o povo brasileiro, na verdade todo o mundo, precisa da Cáritas. E nós, com pé firme, rezando, mas também praticando, vamos prosseguir.” Itamar Mendes Filho, diácono

“A Cáritas sabe onde quer chegar, no sentido de que ouviu o chamado de Jesus Cristo. De modo que as pessoas excluídas sejam protagonistas de suas histórias e possam, junto com a Igreja do Brasil, com a Igreja Internacional, com a Cáritas Internacional e a Cáritas Brasileira, assumir seu protagonismo de transformadores da realidade.”

“Hoje, percebo que a gente tá meio atordoado ainda, principalmente com os acontecimentos de 2016. Mas algo importante pra mim é perceber que a Cáritas tá aí forte, que as pessoas estão aguerridas e buscando caminhos. E isso talvez seja o mais importante, porque tudo é cíclico, passageiro. Então é especial perceber que a força tá presente ainda.” Carlos Eduardo Andrade Santos (Carlão)

“Temos um grupo de mulheres que faz trabalhos manuais. inclusive em uma boca-defumo, e é muito difícil chegar lá. Nem todos os dias tinha possibilidade de entrar. O trabalho é realizado no meio da rua, porque nós não temos casa para a atuação destas mulheres. Quando a gente chega, coloca os banquinhos, ou aquilo que der, no meio da rua e inicia as atividades.”

Jardel do Nascimento

Terezinha Martins Moura

“Conseguimos construir uma igreja através deste trabalho, com o povo reunido. Construímos a capela Bom Jesus da Lapa com os nossos esforços. Quero agradecer à Cáritas a contribuição que nos tem dado de libertação, de sabedoria, pra gente caminhar com entusiasmo, força, coragem e fé. É isso que nós recebemos da Cáritas.” Laudeci Batista Sobrinho Nascimento, Grupo Estrelícia de Economia Solidária

18 Tua Missão é o Amor

“A partir da experiência no PIAJ, pude conhecer a Cáritas e me inseri como voluntária. Trabalhamos com os idosos e também fazemos visitas a algumas famílias. Eu tenho participado de algumas experiências que têm colaborado tanto para o meu crescimento espiritual quanto para uma visão mais crítica sobre a vida social.” Kaline dos Santos Souza

V Congresso Nacional da Cáritas Brasileira 19


“O amor que nos move nos lança como protagonistas na história para transformá-la” Trecho do documentário “Sua missão é o próprio amor”, sobre os 60 anos da Cáritas no Brasil, dirigido por Patrícia Antunes e lançado no V CNCB Sessenta anos em sessenta minutos. O desafio de contar a história da Cáritas nos limites temporais de um média-metragem foi abraçado pela produtora Arte em Movimento. “Não tinha uma previsão [exata de duração], tínhamos liberdade para ter o tempo que o filme tivesse que ter”, esclarece Patrícia Antunes, que assumiu o roteiro, a montagem e a direção do documentário. Ainda assim, a produtora assumiu a proposta de utilizar a simbologia dos 60 minutos para revelar as seis décadas de história da Cáritas, com seus fatos e personagens de destaque.

Por Raquel Dantas restrita, e que a gente conseguiu também externar no filme”, revela Patrícia. Outra curiosidade diz respeito ao universo das propagandas de televisão para entidades de ação beneficente e campanhas de doação, veiculadas nos anos 1990. “Poxa, imagina! Você ter a audácia de veicular nacionalmente, em todas as emissoras, um cara que pergunta: ‘Se eu quero lutar contra injustiças, eu faço o quê? Eu procuro a Cáritas!’ ”, narra a diretora.

O documentário Sua missão é o próprio amor evidencia as transformações pelas quais passaram a ação da Cáritas, desde o perfil inicialmente assistencialista, determinado por interferência dos “Onde está essa história? Se eu quiser Estados Unidos por meio do plano Aliança para o conhecer a história da Cáritas, pra onde eu vou?”, Progresso, até a vocação atual de ação para a promoção questiona Patrícia, lembrando os primeiros humana e a defesa da vida. O que significou uma movimentos do trabalho. Sem um centro próprio de mudança de postura para além do fato de estar documentação capaz de dar conta de sua longevidade, próximo do povo e ouvir seus clamores: agora se a Cáritas teve sua história buscada em outras fontes atua junto a ele no que for preciso para a superação e arquivos. Dentre eles, estão os acervos do Centro das condições de opressão. Em momentos políticos de Documentação da Conferência Nacional dos emblemáticos na história brasileira, a Cáritas não se Bispos do Brasil, da Comissão Pastoral da Terra, da absteve de seu papel social. Por isso, sua ação passou Articulação Semiárido Brasileiro e do Centro Dom Helder Câmara de Recife, além da TV Senado, da Empresa Brasil de Comunicação e da Rádio Vaticano. A própria Cáritas garantiu os registros mais recentes. Arquivos em mãos, os fatos históricos foram costurados em três linhas para reconstruir não só a trajetória da Cáritas, mas também o cenário e as circunstâncias políticas e sociais ao seu redor. Foram elas: o caminho seguido pela Igreja, o caminho seguido pela política brasileira e o caminho percorrido pela própria instituição. Três linhas entrelaçadas com o viés do amor – “nessa perspectiva que nós temos, de que o amor é luta”, demarca Patrícia. De 1956, ano em que nasceu a Cáritas, até os dias atuais, tanta coisa foi possível redescobrir, ou mesmo descobrir. Por exemplo: “Saber que a Cáritas criou a Campanha da Fraternidade é uma novidade para seus próprios dirigentes. Imagina! É uma novidade pra você [repórter], que tem pouco tempo na Cáritas, mas também é uma novidade pra quem tem 20 anos [na entidade]! E é uma informação muito relevante, porque a Campanha da Fraternidade conduz a Igreja. A criação do Grito dos Excluídos pela Cáritas é outra informação que é

20 Tua Missão é o Amor

de assistencialista para subversiva, no contexto da ditadura militar. A Cáritas foi monitorada durante todo o regime pela atuação e relação com organizações populares e revolucionárias. Decisões como levar a sede do Secretariado Nacional para Brasília também foram motivadas pelo contexto político, desta vez no final da década de 1980. A intenção era fazer pressão sobre a Assembleia Nacional Constituinte. “Trazer esse resgate também dá uma impulsionada [para as próximas ações]. ‘Olha aqui, gente! Olha o que vocês já fizeram! Olha essa Constituição de 1988, o momento mais importante que esse país viveu. Vocês entregaram 2 milhões de assinaturas [de apoio a emendas populares]. Vocês conduziram isso!’ ”, exalta Patrícia, com vigor de quem se contagia com a força da história e aproveita para indagar: “E agora, será que a gente não pode? O que nós vamos fazer?”. Deparar-se com o corpo completo desses 60 anos de vida, feita de um mosaico tão grande de pessoas, lugares e ações, e se reconhecer como parte integrante dela é, talvez, a função mística integradora mais valiosa do documentário para dentro da própria Rede Cáritas. Energia expressa nos olhares e comoção de quem pôde assistir ao filme em primeira mão no lançamento realizado durante o V Congresso Nacional da Cáritas Brasileira. Para fora, fica o expresso desejo da Cáritas e da Arte em Movimento de tocar e inspirar outras histórias em busca de transformações movimentadas pelo amor. “A memória, o resgate histórico, [isso] te empodera para dizer: você pode ir além”, enfatiza Patrícia. Sejamos então audaciosas e audaciosos, como nossa história nos convoca a ser! A energia da Cáritas e a missão de transformar Para que o documentário Sua missão é o próprio amor tivesse a expressão da intensidade da ação da Cáritas ao longo de suas seis décadas de existência, não bastava apenas reunir registros desta trajetória. Era imprescindível o envolvimento de alguém que tivesse um coração conectado à história para juntar tais registros. E Patrícia Antunes desempenhou bem este papel. Ela conheceu a Cáritas em 1999 e, desde então, sempre esteve por perto. “A Cáritas é uma coisa que toca a gente. E se você é tocado por essa energia, você não consegue mais sair dela. A Cáritas consegue essa amplitude espiritual com as pessoas”, revela a diretora. Um dos momentos mais marcantes da relação de Patrícia com a Cáritas ocorreu entre 2003 e 2006, quando realizou, também por meio da Arte em Movimento, o projeto Videocartas no Semiárido Brasileiro, um intercâmbio de cartas por meio de vídeos do qual participaram comunidades de nove estados. Material muito rico que foi aproveitado na construção do documentário atual sobre os 60 anos da Cáritas. Foram necessários quatro meses de pesquisa e quase dois meses de montagem para a finalização do média-metragem Sua missão é o próprio amor. A trilha foi feita por Carlos Eduardo Andrade, o Caji (Carlão, para os de Cáritas), músico e ex-agente da Cáritas no regional Nordeste 3. Para cada momento do documentário, foi usado um instrumento musical específico. Ao final, podemos apreciar a música completa. “Você tem uma sanfona maravilhosa. Você tem um arranjo lindo. Você tem uma harmonia belíssima. Ele [Carlão] trouxe a alma para o filme”, enaltece Patrícia. A narração do documentário em primeira pessoa foi pensada para que a própria Cáritas [em sua natureza coletiva] contasse sua história. “Eu fiquei procurando várias pessoas. Eu queria que a pessoa conseguisse dar conta de ser a Cáritas”, afirma Patrícia. Acabaram por encontrar a atriz e jornalista Mitsi Coutinho, que construiu um personagem para dar vida à Cáritas em voz. Muitos arquivos em fitas VHS de 16 milímetros não entraram no documentário porque não foi possível transcodificá-los a tempo. Agora o filme segue seu caminho no movimento da contramaré. A intenção é que ele chegue primeiro às comunidades e que circule nos estados e regionais em exibições públicas. A realização de pequenas sessões em cada comunidade e entidade-membro permitirá que as pessoas presentes possam apreciar e refletir conjuntamente sobre a história da Cáritas e sua busca pela transformação da sociedade. Sendo assim, bom filme a todas e todos! V Congresso Nacional da Cáritas Brasileira 21


Valorização da cultura popular e intercâmbio de saberes e sabores na Feira de Economia Solidária Por Iasmin Santana e Helder Quaresma A Feira Nacional de Saberes e Sabores da Economia Solidária, que ocorreu durante o V Congresso da Cáritas Brasileira, já levou em seu nome o significado do que foi: um espaço onde empreendimentos de Economia Solidária (EcoSol), apoiados pela Cáritas Brasileira e provenientes de todas as regiões do Brasil, ofereceram aos participantes do evento e a todo o público que visitava o Santuário Nacional de Nossa Senhora da Conceição Aparecida uma diversidade de sabores, com a exposição de produtos alimentícios regionais e da agricultura familiar, de artesanatos e de vestuário; e de saberes, por meio de oficinas sobre EcoSol e apresentações culturais locais e regionais. A realização de feiras nos espaços de formação e celebração da Rede Cáritas é uma metodologia que vem sendo utilizada o longo dos 35 anos de atuação da Cáritas Brasileira no campo da Economia Popular Solidária com o objetivo de apoiar a divulgação e comercialização dos produtos, a valorização da cultura popular e o intercâmbio de saberes e sabores entre produtores (as) e consumidores (as). A feira ficou aberta à visitação do público entre os dias 10 e 12 de novembro. Expositores e expositoras mostraram em termos práticos que a economia solidária é um modelo alternativo de organização econômica. As histórias e as lutas dessas pessoas associadas a empreendimentos de EcoSol, que buscam formas alternativas de resistência contra o avanço desmedido do capitalismo industrial e a construção da sociedade do Bem Viver, são um dos maiores legados da ação da Cáritas Brasileira no campo da Economia Popular Solidária. Conheça algumas dessas pessoas que marcaram presença na Feira Nacional de Saberes e Sabores:

Arte e conhecimento indígenas A indígena Maria Idete Saterê, da tribo Saterê Mawé, mora em Manaus (AM), tem 43 anos e desde cedo aprendeu a fazer artesanato com os caroços das frutas típicas, assim como com as madeiras e pedras que a região amazônica dispunha. A venda desses produtos possibilitava complementar a renda e comprar o que a família dela não podia plantar. Em 2004, ela conheceu a Cáritas e começou a participar de vários cursos e formações, que a ajudaram a entender o que é Economia Solidária e a aperfeiçoar o seu trabalho de artesã. Passou então a produzir os produtos com mais qualidade e, depois, a comercializá-los. Atualmente, participa da Associação de Artesãos Indígenas de Manaus – Amazônia Viva e ajuda a difundir todo o conhecimento que adquiriu com outros artesãos e artesãs da região. “Hoje eu vendo meu artesanato para todo o Brasil. Já recebi até encomendas para fora do país”, revela Maria Idete. Valorizar a terra e plantar com consciência O agricultor Valteir Soares, de 43 anos, conheceu há dez a Cáritas Diocesana de Araçuarí (MG). Em uma das visitas técnicas promovidas pela entidade, foi à Paraíba e tomou conhecimento da experiência de agricultores que não faziam queimadas quando a colheita era realizada, o que deixava a terra fértil para serem plantadas novas árvores. Ele conta que trouxe esse exemplo para a comunidade em que vive e o resultado não poderia ter sido melhor: agora eles produzem, fazem a colheita e guardam as sementes em um banco, pois assim podem trocá-las com outras comunidades rurais.

“A vida da família mudou desde então. Minha

Foto: Francielle Oliveira - Cáritas Brasileira

esposa e meus filhos passaram a dar mais valor à terra e a plantar com consciência”, diz Valteir, que hoje repassa o conhecimento adquirido em congressos Brasil afora. “É gratificante aprender e poder passar isso para tanta gente, que, como eu, não sabia cuidar direito da terra que tinha”. Atualmente, o agricultor dá assistência a mais de 54 comunidades em 36 municípios de Minas Gerais e realiza troca de sementes com produtores de todo o país, fortalecendo um dos princípios da Economia Solidária: o desenvolvimento de um ambiente socialmente justo e sustentável. Sociedade mais justa e inclusiva “Inclusão social é algo que deve ser discutido em todos os aspectos da nossa sociedade”. É com essa proposta que o artesão Carlos Salles fabrica bonecas de pano e produtos de decoração feitos com feltro. Ele faz parte do grupo Arteiros Aroma Brasil, empreendimento integrante da Rede de Artesanato Solidário de São Paulo, que é parceira da Cáritas Regional São Paulo. Há cerca de 15 anos ele trabalha criando bonecas da cor negra, com deficiência visual, auditiva e física. Carlos entende o seu trabalho como uma forma de quebrar preconceitos e incluir socialmente todas as pessoas. Ele explica que é difícil a representação de crianças negras e com deficiência física em brinquedos, e representá-las com sua arte é uma forma de integrálas à sociedade. Ele também trabalha com a confecção de “bonecas Abayomi”, que representam os Orixás, e é uma forma de superar outro preconceito, contra as religiões de matriz africana. Trabalho com partilha e união Dona Maria Rosa da Silva (acima) é moradora da comunidade de Capivara de Baixo, na Diocese de Tubarão (SC). Ela trabalha no grupo de artesanato Fuxicart e confecciona bonecas, peças com bordados e fuxico, dentre outros. As oito senhoras que formam o grupo trabalhavam inicialmente de forma isolada na confecção de artesanatos, até que foram convidadas pela Cáritas Diocesana para participar de formações

22 Tua Missão é o Amor

Foto: Joseanair Hermes - Cáritas Brasileira

sobre EcoSol. Desde então, as mulheres têm trabalhado de forma solidária e integrada.

Dona Maria conta que parte da renda gerada pela comercialização dos artesanatos é destinada às integrantes e outra parte é usada para a sustentabilidade do próprio grupo. Como as senhoras atuem em conjunto, ela considera o trabalho como uma terapia em grupo, no qual prevalecem a amizade e a união. “Nós gostamos de trabalhar. A preocupação não é com dinheiro”, enfatiza dona Maria. O Fuxicart não tem uma sede para comerciar seus produtos, por isso a importância da exposição em feiras de EcoSol. Agricultura familiar e solidariedade Cristovam Cardoso (ao lado) é chefe de cozinha e faz parte de um dos 14 empreendimentos de EcoSol que trabalham com alimentação e compõem a Unisol Brasil - Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários, organização parceira da Cáritas Brasileira. Ele atua como empreendedor individual dentro dessa rede, produzindo diferentes tipos de alimentos. O cardápio é variado e atende a diversos públicos. Cristovam conta que as pessoas interessadas em contratar um serviço de alimentação procuram a Unisol e, a partir da demanda, a central faz o contato com os integrantes da rede com perfil e/ou disponibilidade mais adequados. Para Cristovam, o diferencial de integrar uma rede de EcoSol é a possibilidade de oferecer comidas saudáveis para as pessoas e contar com a dinâmica solidária. Ou seja, se ele não tiver todos os alimentos que o cliente precisa, pode pegar com outros grupos, que se ajudam mutuamente. Além disso, há preocupação dos empreendimentos em priorizar o uso de produtos da agricultura familiar. Um dos desafios apontados por ele é das “pessoas conhecerem e saberem o que é a EcoSol, porque tudo hoje em dia é industrializado e rápido, sem um propósito e sem uma preocupação com a origem do alimento. O desafio é fazer as pessoas entenderem que podem ter uma comida mais saudável, ter uma vida e um planeta saudáveis”.

V Congresso Nacional da Cáritas Brasileira 23


Análises de conjuntura em destaque na programação do V CNCB Por Raquel Dantas, Luciano Gallas e Helder Quaresma A programação do V Congresso Nacional da Cáritas Brasileira (V CNCB) garantiu espaço para a realização de painéis temáticos, entre eles o que dedicou um momento para a análise da tumultuada conjuntura socioeconômica, política e cultural do país. Conduzido por Roberta Traspadini e Plínio de Arruda Sampaio Júnior, o painel defendeu a posição de que é urgente recuperar as noções de coletividade e de solidariedade para virar os ventos políticos a favor do povo. Também houve debates sobre a conjuntura eclesial e sobre os fundamentos da pastoralidade que perpassa as ações da Cáritas. Passamos por intensos terremotos políticos em 2016. A perplexidade coletiva sobre os fatos tomou conta da população e gerou inquietação no mundo todo. No plano global, testemunhamos a ascensão das direitas aos palanques, a crise dos refugiados, a identificação expressiva de milhares de pessoas com discursos fundamentalistas, a eleição de Trump nos EUA e a imprevisibilidade das reviravoltas, que também têm ocorrido de forma muito veloz. Para o Brasil, os abalos nacionais provocaram rachaduras profundas que colocaram em xeque o funcionamento de nossas instituições dentro da limitada democracia que nos governa. Para Plínio de Arruda (segunda foto, à direita), professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), vamos nos aproximando da barbárie na medida em que o capitalismo não consegue mais combinar acumulação de capital com a reprodução e manutenção dos valores civilizatórios. Na América Latina, os impactos são sentidos na forma de arrocho salarial, farra da dívida pública e ajuste fiscal – com cortes de verbas em áreas centrais para a população. Interligada à ofensiva contra os direitos sociais, vivemos a recolocação da divisão internacional do trabalho em moldes próximos aos coloniais. “Estão transformando a América Latina e o Brasil numa megafeitoria moderna. E o trabalho que corresponde a uma neocolônia é o trabalho neoescravo, precarizado e sem direitos”, afirmou Plínio. Dialogando com as contribuições e inquietações das/os participantes, Plínio e Roberta identificaram forças sociais desestruturadas pelo modelo desenvolvimentista, como a noção de território, a defesa dos ideais socialistas e a identificação com o outro. Conforme a militante social e professora da Universidade Federal da Integração Latino-Americana do Paraná (Unila), “o ‘nós’ precisa exageradamente ser recuperado” se quisermos construir bases reais para a transformação social”. Os painelistas defenderam que, sem a integração das lutas nos planos latino-americano e internacional, a luta social será impraticável. “Precisamos

Foto: Joseanair Hermes- Cáritas Brasileira

24 Tua Missão é o Amor

Fotos: Francielle Oliveira - Cáritas Brasileira

resgatar as nossas bandeiras, que são as bandeiras do socialismo, da igualdade substantiva, da cooperação, da solidariedade”, enfatizou Roberta. Nestas circunstâncias, não basta resistir. É preciso articular estratégias. Plínio defendeu que precisamos refletir com o povo o programa que será capaz de reorganizá-lo. “Essa é a conversa séria que a gente precisa fazer fora deste salão, para que sejamos fermento da revolução que o povo fará eclodir”. Diante das indagações sobre o papel da Cáritas nesse contexto, Plínio sugeriu que possamos levar o debate para as comunidades, fomentando-o permanentemente. “Nós precisamos de um programa para enfrentar a barbárie. Precisamos criar força política para fazer transformações estruturais, profundas. Se não houver uma alternativa à esquerda, o povo, no desespero, vai procurar uma solução pela direita. A burguesia brasileira aposta na ignorância do povo”, ponderou, destacando que precisamos ainda fazer o balanço da experiência derrotada de procurar mudar a ordem por dentro de suas estruturas. Para agora, ele nos provoca à ação imediata: “O que fazem os sem-teto quando querem teto? Eles ocupam. E os meninos que querem escola? Ocupam. Nosso método é ocupar o Brasil inteiro”.

o momento em que olhamos para o outro, para o nosso irmão”, afirmou. Padre Boris também destacou as ações de Francisco como exemplos na atualidade do que pregou Jesus em sua época: olhar para os pobres com mais fraternidade, com mais amor. Ele destacou ainda a necessidade da Igreja se despir das hierarquias, assim como Jesus fez com seus discípulos e seguidores. “Precisamos entender que a Igreja é feita pelo clero, mas também pelos leigos que propagam os ensinamentos de Cristo no ambiente secular”, apontou. “Muitos bispos têm status de celebridade e esquecem o seu verdadeiro trabalho aqui na Terra, que é o de anunciar o Evangelho, exaltando o nome do Senhor”, continuou ele. Pastoralidade transformadora

O tema do congresso, Pastoralidade e Transformação Social, foi abordado em um painel com a pastora metodista, teóloga e filósofa Nancy Cardoso e o teólogo, filósofo e cientista social Ivo Poletto, autores do texto que serviu de referência para a preparação e as reflexões do V CNCB. Ambos enfatizaram a necessidade de agirmos conforme os ensinamentos de Jesus Cristo, em prol da transformação das pessoas e da realidade, Hierarquia eclesial superando o estágio da comoção com as palavras. Rosana Manzini e padre Boris Agustín É preciso agora trabalhar pela transformação, em (foto acima) analisaram o contexto atual da Igreja conjunto com as pessoas excluídas e em situação de Católica em nível mundial e as novas perspectivas vulnerabilidade. representadas pelo Papa Francisco. Professora na “Dizer que somos centrados na figura de Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCJesus Cristo não basta. Preocupar-se com a condição SP), Rosana avaliou como a escolha de um novo de indivíduo, com a família e com a comunidade papa, latino e mais próximo dos cristãos, foi crucial mais imediata não é suficiente. Podemos ser bons para reacender a religiosidade em um cenário de vizinhos, mas algo ainda nos faltará”, declarou perda vertiginosa de fiéis. Também enfatizou que o Nancy. “Os mecanismos de concentração de individualismo contradiz os ensinamentos de Jesus riqueza passaram por nós. Foi o modelo colonial Cristo. “A Igreja deve se arriscar, sair do comum e ser, que criou a desigualdade. E nós fomos uma religião de fato, samaritana. Precisamos despertar o sentido colonial. Parte das Igrejas não fez o movimento de social e coletivo. Isso vem se perdendo na Igreja. aproximação aos pobres, de transformação, mesmo Os movimentos e as pastorais são importantes. É com todo o martírio”, concluiu. V Congresso Nacional da Cáritas Brasileira 25


Reconhecimento pela ação solidária Por Luciano Gallas A primeira noite do V Congresso Nacional da Cáritas Brasileira foi dedicada ao reconhecimento e às homenagens a entidades que desenvolvem ações e experiências de caráter coletivo. A edição especial do Prêmio Odair Firmino de Solidariedade alusiva aos 60 anos da Cáritas agraciou 60 entidades de todo o país, escolhidas pela rede por seu trabalho em prol do desenvolvimento sustentável, solidário e territorial, na defesa e promoção de direitos humanos e na valorização das políticas sociais. Entre as entidades agraciadas, 16 receberam a premiação durante o V CNCB (veja lista nesta página). “As comemorações pelos 60 anos da Cáritas representaram a oportunidade de estarmos junto destas organizações. A realização do Prêmio Odair Firmino de Solidariedade é o modo da Cáritas lançar o olhar para outras entidades que, assim como ela, atuam pela transformação social”, explica a coordenadora da Cáritas Brasileira, Alessandra Miranda. Alessandra ressalta que a mobilização gerada ao longo do ano para a entrega do prêmio foi importante também para os regionais da Cáritas, que realizaram suas próprias cerimônias de premiação. “Houve visibilidade tanto para a Rede Cáritas quanto para as organizações agraciadas. Este processo reafirma o caminho de atuação pela transformação, que já é um caminho trilhado, além de aproximar as organizações, na medida em que conhecemos e reconhecemos o trabalho realizado pelos outros grupos quando trabalhamos com estes grupos”.

Na cerimônia, também foram entregues troféus de agradecimento a dom Luiz Demétrio Valentini, cardeal Raimundo Damasceno de Assis, Grito dos/ as Excluídos/as, Misereor, Caritas Internationalis e às Cáritas Colombiana, do Peru e do Chile. Entidades agraciadas com o Prêmio Odair Firmino:

Vencedores

Conselho Indigenista Missionário (CIMI) Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Centro Cultural de Brasília (CCB) Comissão Pastoral da Terra (CPT) Fórum Brasileiro de Economia Solidária Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) Pastoral do Menor Conselho Nacional das Igrejas Cristãs do Brasil (Conic) Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) Comunidades Eclesiais de Base (CEBs)

Dirceu Pereira da Silva, Marcos da Matta e Cristiane da Matta

Andréia Marçal Queiroz

Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) Rede Um Grito Pela Vida Articulação SemiÁrido Brasileiro (ASA)

Francisco das Chagas e Silva (Maguila)

A Cáritas Brasileira parabeniza os ganhadores e as ganhadoras, e agradece a participação de todos e de todas na construção dessa comemoração incrível!

Misturando Arte Associação Costumes Artes Cáritas Paroquial de Ivinhema - MS Foto: Francielle Oliveira - Cáritas Brasileira

Hino dos 60 anos Sessenta anos de história Vamos todos celebrar Me dê a tua mão Pra ciranda começar.

Na partilha solidária Caminhar e construir Acolhendo o chamado Somos livres pra servir.

Cáritas, tua força é o Senhor Tua missão é o próprio amor Água pra beber, terra pra plantar Pão para comer, vidas a cuidar. (refrão)

A semente foi plantada No solo do coração Aqui a terra é fértil Ó cirandeiro, ó cirandeira, cantemos essa canção.

Superando desafios Desde os campos à cidade Tua ação libertadora Na justiça e caridade.

26 Tua Missão é o Amor

V Congresso Nacional da Cáritas Brasileira 27



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.