PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE JORNALISMO
CARLA TESCH
A VIDA POR UMA PAUTA: OS CAMINHOS DO JORNALISMO INVESTIGATIVO POR DIFERENTES MEIOS DE COMUNICAÇÃO
Porto Alegre 2016
CARLA TESCH
A VIDA POR UMA PAUTA: OS CAMINHOS DO JORNALISMO INVESTIGATIVO POR DIFERENTES MEIOS DE COMUNICAÇÃO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Jornalismo pela Faculdade de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Orientador: Prof. Dr. Marcelo Ruschel Träsel
Porto Alegre 2016
CARLA TESCH
A VIDA POR UMA PAUTA: OS CAMINHOS DO JORNALISMO INVESTIGATIVO POR DIFERENTES MEIOS DE COMUNICAÇÃO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Jornalismo pela Faculdade de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Aprovada em _____ de ___________________ de ________.
BANCA EXAMINADORA:
Prof. Dr. Marcelo Träsel
__________________________________
Prof. Me. Fabio Canatta
__________________________________
Prof. Me. Luiz Antônio Araujo
__________________________________
Porto Alegre 2016
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeço a Deus por me proporcionar todas as oportunidades, experiências e conquistas adquiridas. Além de todos que entraram na minha vida e contribuíram para que este momento finalmente chagasse. Obrigada por me dar a força necessária para lutar pela concretização de um sonho. Agradeço especialmente à minha família, que me educou a buscar um futuro melhor através do conhecimento e a ultrapassar todas as barreiras e dificuldades com determinação, lutando com justiça por um amanhã digno. Obrigada por me incentivarem e estarem sempre ao meu lado. Obrigada por me ensinarem a jamais desistir dos meus objetivos. Aos competentes professores e profissionais da Famecos, que me auxiliaram nesta caminhada ao longo dos anos. Obrigada pela dedicação de me ensinarem a profissão mais bonita do mundo. E em especial, ao professor Dr. Marcelo Träsel, pela orientação desta monografia. Aos jornalistas Renata Colombo, Fábio Almeida, Humberto Trezzi e Mauricio Tonetto pela disponibilidade em realizar as entrevistas que compõem este trabalho de monografia. Sem vocês nada seria possível. Aos amigos, pela paciência e compreensão durante esta jornada.
“A
investigação
aprofundada
são
e
a a
reportagem salvação
do
jornalismo, seja no meio que for”. Humberto Trezzi
RESUMO
Este trabalho de conclusão de curso visa a estudar os conceitos gerais acerca do modelo de Jornalismo Investigativo através dos meios de comunicação existentes atualmente como a televisão, rádio, impresso e online. Discorremos sobre pontos fundamentais como a definição de uma reportagem e sua tipificação, métodos de investigação e sua problemática referente à ética na obtenção do material que compõe o trabalho de Jornalismo Investigativo. Além de buscar compreender suas diferenças e especificidades, de acordo com sua área de desenvolvimento, nos processos de produção e divulgação de uma reportagem investigativa tomando como análise as reportagens “Império da Areia: A dragagem que mata o Jacuí”, “Adoções de crianças em cidade do RS são investigadas por Polícia e MP”, “Minha Casa, Minha Fraude” e “O Submundo das Lutas”, realizadas pelos repórteres Renata Colombo, Fábio Almeida, Humberto Trezzi e Mauricio Tonetto de rádio, televisão, impresso e online respectivamente. A partir de tal análise inferimos que suas disparidades são devidas à natureza das mídias e correspondentes à relevância que conteúdos audiovisuais possuem para os meios. Ou seja, a necessidade de imagens e gravações, de áudio e vídeo, influenciam diretamente no processo de produção da reportagem investigativa.
Palavras-chave:
Jornalismo
Reportagem. Convergência. Mídias.
Investigativo.
Meios
de
Comunicação.
ABSTRACT
This completion of course work aims to study the general concepts about Investigative Journalism model through current media as television, radio, print and online. We discuss fundamental issues as the definition of a reportage and its classification, research methods and their problems relating to ethics in getting the material that makes up the Investigative Journalism work. Besides seeking to understand their differences and specificities, in accordance with its development area, in production processes and dissemination of an investigative reportage taking as the new reports "Empire of Sand: The dredging that kills JacuĂ", "Children adoptions in RS cities are investigated by police and MP", "My House, My fraud" and "The Underworld of Struggle", made by reporters Renata Colombo, Fabio Almeida, Humberto Trezzi and Mauricio radio Tonetto from television, print and online, respectively. From this analysis we infer that their differences are due to the nature of the media and the corresponding relevance of audiovisual content have for the media. That is, the need for images and audio and video recordings, directly influence the production process of investigative reportage.
Keywords: Investigative Journalism, Media, Reportage, Convergence, The Media.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1 - Reportagem em rádio. .................................................................. 29 Quadro 2 - Reportagem em televisão. ............................................................ 29 Quadro 3 - Reportagem em impresso............................................................. 28 Quadro 4 - Reportagem em online. ................................................................ 30 Quadro 5 – Reportagem investigativa em rádio. ............................................. 71 Quadro 6 – Reportagem investigativa em televisão. ...................................... 72 Quadro 7 - Reportagem investigativa em impresso. ....................................... 72 Quadro 8 - Reportagem investigativa em online. ............................................ 73
SUMÁRIO 1
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 9
2
GÊNERO: REPORTAGEM ............................................................................ 12
2.1
TIPOS DE REPORTAGEM..................................................................................... 13
2.2
MÉTODOS DE CONSTRUÇÃO DE UMA REPORTAGEM .............................................. 14
2.3
DIFERENÇAS ENTRE REPORTAGENS DE MEIOS RADIOFÔNICOS, TELEVISIVOS, IMPRESSOS E ONLINE ......................................................................................... 17
2.3.1 Reportagem impressa .................................................................................. 18 2.3.2 Reportagem radiofônica............................................................................... 20 2.3.3 Reportagem televisiva .................................................................................. 23 2.3.4 Reportagem online ....................................................................................... 25 2.4
ANÁLISE COMPARATIVA DA REPORTAGEM NA MÍDIA ............................................... 28
3
JORNALISMO INVESTIGATIVO ................................................................... 31
3.1
DIFICULDADES NA PRODUÇÃO DE UMA REPORTAGEM INVESTIGATIVA ..................... 36
3.2
OS DESAFIOS ÉTICOS ........................................................................................ 38
3.3
O PERFIL DO REPÓRTER INVESTIGATIVO .............................................................. 42
4
A REPORTAGEM INVESTIGATIVA EM DIFERENTES MÍDIAS ................... 47
4.1
ANÁLISE 1 - MINHA CASA, MINHA FRAUDE POR HUMBERTO TREZZI E ÂNDERSON SILVA ............................................................................................................... 50
4.2
ANÁLISE 2 - IMPÉRIO DA AREIA: A DRAGAGEM QUE MATA O JACUÍ POR RENATA COLOMBO E FÁBIO ALMEIDA............................................................................... 54
4.3
ANÁLISE 3 - ADOÇÕES DE CRIANÇAS EM CIDADE DO RS SÃO INVESTIGADAS POR POLÍCIA E MP POR FÁBIO ALMEIDA ..................................................................... 60
4.4
ANÁLISE 4 - O SUBMUNDO DAS LUTAS POR MAURICIO TONETTO E CARLOS ROLLSING ............................................................................................................... 65
4.5
ANÁLISE COMPARATIVA DA GRANDE REPORTAGEM NAS MÍDIAS ............................. 70
5
CONCLUSÃO ................................................................................................. 75
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 78 APÊNDICES ............................................................................................................. 81 ANEXO ................................................................................................................... 103
9
1
INTRODUÇÃO
Na madrugada do dia 02 de junho de 2002, o jornalista da Rede Globo Tim Lopes subia a Vila Cruzeiro, no bairro do Complexo do Alemão, subúrbio do Rio de Janeiro. Era apenas mais uma pauta, Tim já estava acostumado à rotina diária de dificuldades e a arriscar a própria vida. O repórter pretendia flagrar denúncias sobre a venda de drogas e a exploração sexual de adolescentes em bailes promovidos por traficantes. Lopes foi descoberto portando uma microcâmera, recurso frequentemente utilizado pelos profissionais do meio televisivo e online na prática do Jornalismo Investigativo. O repórter precisava das imagens para sustentar os crimes denunciados e dar força à matéria. Ele foi sequestrado, torturado, executado e seu corpo carbonizado pelos traficantes. Tim Lopes carregava em si a vontade de mostrar ao mundo verdades que poucos conheciam, de representar pessoas que de outro modo nunca seriam ouvidas e principalmente que seu trabalho pudesse servir como instrumento para transformar uma realidade por vezes triste, injusta e corrupta. O tema da referente monografia será elucidar os métodos, processos, dificuldades e problemáticas encontradas por quem realiza um trabalho de investigação
jornalístico
mais
aprofundado,
e
fundamentalmente
buscar
compreender e elucidar as especificidades e diferenças do Jornalismo Investigativo dada por diferentes meios de comunicação, como o televisivo, radiofônico, impresso e online. Como objeto de pesquisa, selecionamos os jornalistas Humberto Trezzi, Renata Colombo, Fábio Almeida e Mauricio Tonetto, sendo eles considerados grandes representantes do jornalismo investigativo nas suas correspondentes áreas de atuação. Para exemplificar as opiniões e diferenças encontradas em cada mídia selecionamos quatro reportagens tomadas pelos repórteres como referência em seu trabalho. As reportagens “Minha Casa, Minha Fraude” (2015), “Império da Areia: a dragagem que mata o Jacuí” (2013), “Adoções de crianças em cidade do RS são investigadas por Polícia e MP” (2016) e “O Submundo das Lutas” (2014), foram de grande relevância social e destaque nacional, divulgadas respectivamente no meio radiofônico, televisivo, impresso e digital.
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O presente trabalho pretende desvendar as diferenças existentes nas fases de idealização, desenvolvimento e divulgação de uma reportagem do tipo investigativa, realizadas para diferentes meios de comunicação como o televisivo, radiofônico, impresso e online. Para tal, fez-se necessário elucidar os conceitos gerais de reportagem e Jornalismo Investigativo, além de perpassar importantes pontos que circulam tais temas. Para a realização deste trabalho, recorremos à técnica de pesquisa bibliográfica, onde através de levantamento de referências como livros, artigos científicos e páginas de web sites, construiremos uma base teórica quanto à área de jornalismo investigativo. Como forma de compreender as especificidades de cada mídia no processo de produção, divulgação, dificuldades e problemáticas com ética intrínseca da prática investigativa, utilizamos a técnica de entrevista. Como base teórica para sustentar nossa pesquisa, fundamentaremos nosso estudo em Rodrigues (2003) e Guirado (2004) no que se refere
a definição,
processos de construção e prática diária do gênero de reportagem. Quanto ao modelo de Jornalismo Investigativo, suas dificuldades e problemáticas com ética, nos baseamos em Lopes e Proença (2003), Lage (2001; 2006) e Kotscho (1995). O segundo capítulo desta monografia intitulado "Gênero: Reportagem" busca esclarecer as definições gerais de reportagem e seus modelos (investigativo, interpretativo e o novo jornalismo), seus métodos de apuração, além de discorrer em como se dá tal gênero na televisão, rádio, impresso e online. No capítulo "Jornalismo Investigativo", terceiro deste trabalho, mostraremos o que é a área de Jornalismo Investigativo e quais suas especificidades para com outros modelos. Também abordaremos a problemática da ética nesta atividade, além de apontarmos as características e um perfil comuns a todo profissional deste meio. Por fim, em "A Grande Reportagem", quarto e último capítulo que compõe este trabalho, faremos uma análise aprofundada dos objetos de pesquisa, onde discorreremos sobre os métodos utilizados pelos profissionais durante a pré-produção, produção e pósprodução de uma reportagem investigativa. Assim como mostrar as principais dificuldades experimentadas pelo repórter.
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Tal estudo tem a pretensão de evidenciar as dificuldades e hábitos vividos pelos profissionais de diferentes mídias no desenvolvimento de uma Grande Reportagem. Além de estimular a prática da reportagem investigativa em todos os meios de comunicação atuais, através de uma prática profissional centrada na ética e responsabilidade social. Buscando assim, disseminar o Jornalismo Investigativo entre os repórteres e as organizações, contribuindo com a luta contra a corrupção e injustiças, por uma sociedade mais justa e correta.
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2
GÊNERO: REPORTAGEM Originado como uma resposta a necessidade do público americano do final da
década de 10, que ansiavam por uma organização e contextualização dos acontecimentos divulgados, o gênero jornalístico da reportagem surgiu como um meio que pudesse “aprofundar os assuntos correntes, de forma a estabelecer conexões entre os fatos”, (RODRIGUES, 2003, p. 20). No Brasil, o modelo começa a se desenvolver em pleno século XX, época de grandes mudanças para a imprensa como o surgimento do rádio, além do aumento da influência das agências de notícias internacionais. Tais inovações contribuíram para crescer nos leitores a sede por informações de relevância, ao contrário de conteúdos opinativos como havia sido feito pela mídia brasileira até então. Considerado como uma extensão da notícia, o gênero da reportagem trata em geral de assuntos que tenham causado grandes impactos sociais. São normalmente matérias mais longas que requerem extensa pesquisa e explicação à população, mostrando seu contexto, relevância e possíveis consequências. Possuem como objetivo aprofundar a informação e ampliar o conhecimento, possibilitando à maior compreensão da realidade. Para Villas Boas (1996 apud RODRIGUES, 2003, p.54), “A reportagem é uma notícia, mas não uma notícia qualquer. É uma notícia avançada, na medida em que sua importância é projetada em múltiplas versões, ângulos e indagações”. Maria Helena Ferrari e Muniz Sodré (1986 apud RODRIGUES, 2003, p.42), estabelecem como características principais deste gênero, a “predominância da forma narrativa, humanização do relato, texto de natureza impressionista e objetividade dos fatos narrados”. Ainda para estes autores, o modelo de reportagem pode ser dividido em investigativo, interpretativo e de novo jornalismo quanto à sua produção. E em dissertativo, narrativo, descritivo, de fatos, de ação e documental no que se refere à sua estruturação textual. Para Cremilda Medina (1988), a reportagem seria uma forma de fixar o acontecimento no tempo.
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As linhas de tempo e espaço se enriquecem: enquanto a notícia fixa o aqui, o já, o acontecer, a grande reportagem abre o aqui num círculo mais amplo, reconstitui o já no antes e depois, deixa os limites do acontecer para um estar acontecendo atemporal ou menos presente. Através da contemplação de fatos que situam ou exemplificam o fato nuclear, através da pesquisa histórica de antecedentes, ou através da busca do humano permanente no acontecimento imediato a reportagem leva a um quadro interpretativo do fato (MEDINA, 1978, p.134).
Como o foco principal deste trabalho desenvolve-se sobre a análise de alterações no processo de elaboração de uma reportagem investigativa em diferentes mídias, convém-nos anteriormente estudar o gênero de reportagem. Além de já procurarmos contextualizar o surgimento da reportagem e assim conceitua-la, buscaremos ainda apreender quais os modelos pertencentes a este gênero. Por fim, discorreremos sobre os métodos de investigação e processos de raciocínio escolhidos pelo repórter no momento de reportar e as especificidades das reportagens do meio radiofônico, televisivo, impresso e online.
2.1
TIPOS DE REPORTAGEM
Entre os modelos jornalísticos verificáveis, o de investigação diz respeito ao conhecimento de informações encobertas, partindo de um levantamento de dados prévio ou de um fato comum, onde se revela um perfil ou situação que sejam de interesse jornalístico e público. Interpretativa se refere a uma análise dos fatos sob a perspectiva da ciência, mais comumente utilizadas no âmbito da sociologia e economia. E finalmente, o novo jornalismo traz à reportagem um olhar mais aproximado ao leitor, humanizando a narrativa ao extremo. Para tal, constrói as situações através de técnicas literárias. Muniz Sodré e Maria Helena Ferrari (1986) acrescentam à prática do jornalismo, seja ele no meio impresso, radiofônico ou televisivo, os modelos de reportagem de fatos, de ação e documental. No primeiro tipo, é possível perceber a indicação de um relato objetivo e conciso, que se desenvolve a partir do princípio de pirâmide invertida, ou seja, os eventos vão sendo apresentados de acordo com seu grau de importância. Na reportagem de ação, a narrativa é movimentada, atraente e aproximada com o público, esses por sua vez anseiam pelo desenrolar dos fatos que vão surgindo como num filme. Por vezes, até mesmo o repórter assume outra
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posição e se coloca como atuante nos fatos, como quando entrevistando ou filmando vítimas durante um assalto. A reportagem documental tem como principal objetivo ensinar a população sobre determinado tema com objetividade e esclarecendo o assunto proposto. Pode por vezes ter caráter denunciante, porém, será sempre embasada em dados e citações que lhe conferem a fundamentação necessária.
2.2
MÉTODOS DE CONSTRUÇÃO DE UMA REPORTAGEM
Independente da tipologia textual ou modelos de produção escolhidos pelo repórter, este desenvolve sua própria maneira de perceber os fatos, de apurar e de contá-los. Segundo Guirado (2004) a investigação pode ser analisada sob a ótica geral que abarca a apreensão dos fatos, as técnicas de pesquisa e os métodos de raciocínio. Além de tais fatores, a autora ressalta ainda a importância da imaginação criadora ao longo do processo. A investigação possibilita o acesso aos dados essenciais do acontecimento, aos detalhes, aos pormenores reveladores, enquanto o aspecto criativo revela os melhores caminhos para interpretar esses dados, que posteriormente serão encaixados como pedaços de um quebra-cabeça. (GUIRADO, 2004, p. 23)
A intimidade que o repórter possui com o tema, se utilizando de seus próprios valores assim como sua experiência pessoal são também fatores determinantes para o processo investigativo de uma reportagem. Charles Peirce (1974, apud GUIRADO, 2004, p. 51), denomina à esta intimidade de “observação colateral”. Segundo ele, são necessários muitos anos em uma editoria especifica para que se crie relevante experiência com os temas. Outro importante fator de influência no processo de investigação e de reportar é o raciocínio lógico do profissional. Peirce desenvolveu alguns métodos que são distribuídos em três categorias gerais, sendo eles: abdução, indução e dedução. Segundo ele, "Dedução prova que algo 'deve ser'; Indução mostra que algo atualmente 'é' operatório; Abdução faz uma mera sugestão de que algo 'pode ser'", (PEIRCE, 1974, p. 52 apud GUIRADO, 2004, p. 56). O pensamento abdutivo diz respeito à capacidade de se criar previsões tendo como base apenas fatos. Fundamenta-se sob o conhecimento colateral, pois o
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surgimento de novas hipóteses ou concepções sobre um tema dá-se através de algum nível de conhecimento. Indução refere-se à apuração no processo jornalístico, ou seja, trata-se de procurar, investigar, testar, confrontar ideias e/ou fontes, etc. Ao contrário da abdução, não pretende sugerir novas formas, mas apenas verificar o que já foi indicado. Já na dedução é o momento em que o repórter já munido das informações dá início à organização mental dos acontecimentos. Onde ele estabelece os fatos que serão suprimidos e os valorizados pertinentes ao foco principal da investigação, sem esquecer-se de relacionar todos os pontos da história a ser retratada. Maria Cecília Guirado (2004) explica a importância dos processos de raciocínio no âmbito da construção de uma reportagem investigativa: As três formas de raciocínio são fundamentais para executar o trabalho de apreensão, tradução/transcrição dos fatos e construção de narrativas do gênero reportagem. Abdução, indução e dedução estão imbricadas em todos os estágios do percurso, ora com predominância de suposições, ora obrigando o repórter a testar os dados, ora presentes no raciocínio sobre informações colhidas. (GUIRADO, 2004, p. 61)
Guirado (2004) entende que a reportagem, como processo de criação, é algo único e singular, sendo, por isso, difícil a definição dos métodos a serem percorridos pelo repórter, pois essas variam de acordo com o tema proposto. Porém, a autora sugere em três vertentes principais uma ordem na elaboração das reportagens: Demonstra-se, por isso, apenas as linhas condutoras que norteiam a elaboração da reportagem: 1. Pauta – Metas a alcançar; 2. Observação e coleta de dados-Pesquisas, entrevistas, depoimentos, verificação das informações com as fontes, arquivos etc.; 3. Organização e análise das informações colhidas para a preparação do texto – Construção da narrativa jornalística. (GUIRADO, 2004, p. 51)
A pauta, considerada etapa inicial de uma reportagem, é elaborada como um projeto de pesquisa, com indicações e dados que possam servir de base para que o repórter possa desenvolver seu raciocínio e saber os próximos passos, podendo ser sugerido por um pauteiro, editor ou pelo próprio repórter. Em Jornalismo Investigativo (2003), Dirceu Lopes e José Luiz Proença, esclarece que "no jornalismo investigativo, a pauta tem que ser mais técnica do que um breve tema. Tem que ser mais objetiva e direcionada para um detalhe impertinente de uma determinada ocorrência. Ela está um passo adiante dentro do assunto”, (2003, p. 173). Longe de significar uma delimitação ou uma barreira ao processo criativo do repórter, o objetivo da pauta seria servir como um mapeamento sobre determinado
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tema ou indicar um plano de investigação, porém, muitas vezes, a pauta repassada ao repórter é extremamente extensa e minuciosa, praticamente um regramento estabelecido ao qual o profissional precisa seguir. A pauta funciona apenas como o "boleto" (que marca a hora de saída, o local e a hora do retorno com o motorista do jornal). A partir daí a criação é livre. Por mais indutiva que seja a pauta, o repórter é livre para questionar (...). Deve-se entender que o pauteiro a cria de acordo com seus próprios limites. É claro que ele deseja receber mais do que aquilo que está na pauta. (PINTO, 1991, apud GUIRADO, 2004, p. 77)
Mas Guirado (2004) explica que, apesar da pauta servir como um fio condutor e muitas vezes já estar pré-estabelecido o “como” que o repórter irá desenvolver a reportagem, este sempre deve buscar surpreender o pauteiro: (...). É preciso fazer o vôo da imaginação, desenvolver sensibilidade criativa e métodos de raciocínio em todas as etapas do processo. Assim, a investigação criativa inicia-se com a pauta, percorre a verificação e aprofundamento dos fatos e continua pressente na elaboração do texto. (GUIRADO, 2004, p. 82)
Observação e coleta de dados dizem respeito à apreensão do fato pelo repórter e sua apuração e conferência com a realidade. Está etapa requer uma série de outros fatores que viabilizam e facilitam o trabalho do profissional, como o contato prévio com instrumentos de trabalho usais na investigação, intimidade com o tema e uma rede de contatos e fontes. Maria Cecília Guirado (2004) questiona essa relação ao contrapor conhecimentos prévios com uma matéria bem estruturada. Para ela, ao se ter um conhecimento razoável sobre o assunto, o repórter poderia investigar melhor, porém, defende que a chamada experiência colateral desestimularia a investigação do repórter, diminuindo sua dúvida (principal motivadora de uma reportagem) e não contribuindo para dar a matéria um tom inovador. (...). Talvez seja a instauração constante da dúvida um exercício profissional necessário. Não se refere à dúvida sobre cada particular detalhe a ser retratado, mas a necessidade de investigar até os detalhes que já aparecem na pauta como deduções lógicas. O princípio da dúvida é um dos meios de se atingir uma verdade possível. Referida em tantos sentidos quantos forem alcançados pelas metáforas que a própria palavra indica, a verdade, no sentido de produto acabado, exposto ao leitor em forma de texto, parece ser um princípio jornalístico até certo ponto malintencionado. (GUIRADO, 2004, p. 90)
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Após internalizar os fatos e dar início à busca de informações é o momento de unir toda a lógica criada com o conhecimento comprobatório adquirido para iniciar a construção textual. Nesta fase, é escolhido o foco da narrativa e através dela o ritmo e as palavras que possuem ligação. De acordo com Guirado (2004), o processo de elaboração do texto passa por etapas gerais, consideradas linhas condutoras, como de coleta de material, planejamento da escrita e edição do autor. Tenta-se imaginar a operação de captar a importância das palavras em seus sentidos polivalentes. As direções que as palavras tomam lhes dão o sentido condizente ao assunto. Elas são pequenas pontes entre a cópia e a realidade. Cada palavra aponta ainda para um objeto ou uma realidade fora dela. Dessa forma muitas vezes instalam-se gestos de lucidez, ou alguma semente de inquietação que pode despertar mudanças ou resoluções para os problemas sociais. Por vezes, as palavras funcionam como fagulhas de conscientização, muito comuns em editoriais, mas sempre bem-vindas ao texto-reportagem. (GUIRADO, 2004, p. 98)
Maria Cecília Guirado (2004) aponta que alguns fatores podem influenciar na qualidade do texto como a relevância dos resultados obtidos nas outras fases (pauta e observação e coleta de dados), e algumas características do repórter, como a elaboração de frases e parágrafos assim como a sequência dada a eles, o manejo a suportes materiais (computadores, terminais de edição, arquivos, etc.), uma narrativa original objetivando sempre atrair o maior número de leitores, e finalmente, a capacidade de tornar o velho em algo novo.
2.3
DIFERENÇAS
ENTRE
REPORTAGENS
DE
MEIOS
IMPRESSO,
RADIOFÔNICOS, TELEVISIVOS E ONLINE Independentemente das tipologias de reportagens aqui já esclarecidas, é comum que surjam diferenças entre os meios de comunicação quanto às práticas diárias de idealização e construção de uma reportagem jornalística. Convém também a este capítulo buscar clarificar tais elementos diferenciadores, e para tal, fez-se necessário compor seções específicas para cada meio, intituladas: Reportagem
impressa;
Reportagem
radiofônica;
Reportagem
televisiva;
e
Reportagem online. Buscamos ao final deste capítulo resumir de forma sucinta as especificidades encontradas no que se refere às concepções gerais deste modelo para todas as mídias. Assim, para o impresso (Quadro 1 – Reportagem impressa), rádio (Quadro 2
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– Reportagem radiofônica), televisão (Quadro 3 – Reportagem televisiva) e online (Quadro 4 - Reportagem online), procuramos entender como a reportagem se divide, sua linguagem principal, frequência das informações divulgadas, imediatismo, relação com as fontes, possibilidade de organização anterior à reportagem pelo repórter, processos de produção e organização da mídia quanto a distribuição de repórteres para as matérias.
2.3.1 Reportagem impressa Com o surgimento de outras tecnologias de comunicação que buscavam acelerar a circulação de informações, como o rádio, em 1896, e da televisão, por volta de 1920, o meio impresso precisou se especializar e buscar um distintivo. Para Rodrigues (2003, p. 14), “a reportagem impressa é um desses diferenciais jornalísticos”. O jornalismo impresso tem como função oferecer ao público um material consistente, amparado no aprofundamento e enriquecimento do texto. Neste meio, o repórter possui maior liberdade em desenvolver um estilo próprio de criação da narrativa sem, contudo, deixar de ser coerente e compreensível aos leitores. A reportagem configura-se como o local da contextualização e do aprofundamento dos temas, possibilitando aos leitores a ampliação e a compreensão do mundo, levando-os a questionar os ‘comos’ e os ‘porquês’ da realidade. O jornalismo exercendo um de seus muitos papéis: iluminar a cena e possibilitar, assim, o entendimento dos fatos, de preferência reportando-os de modo interessante e aprazível. (RODRIGUES, 2003, p. 16).
Para José Hamilton Ribeiro (apud Rodrigues, 2003, p. 37), a cobertura de fatos diários é semelhante e a prática de reportagens investigativas enriqueceria o conteúdo dos impressos. Porém, as empresas não se interessam por esse tipo de trabalho, pois representam investir elevados recursos e tempo em algo que talvez não dê o retorno esperado. Por isso, os repórteres deste meio têm no texto sua âncora de salvação, onde precisam se sobressair e se diferenciar perante outros jornais que já tem na pauta o mesmo assunto do dia e conquistar o leitor, como explica Ricardo Kotscho (1995): O que realmente diferencia um jornal do outro -e, em consequência, um repórter do outro - é a sua capacidade de transformar os pequenos fatos que fazem o dia a dia da cidade, do pais e do mundo em matérias boas de
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ler. Afinal, o jornal tem que sair todos os dias e são raros os assuntos realmente excepcionais. (KOTSCHO, 1995, p. 10).
Kotscho (1995) lembra que na construção de uma reportagem, apenas bom texto não serve. Entre as diversas etapas de construção de uma reportagem, apuração, entrevistas, coleta de dados e redação, os processos precisam estar interligados, o sucesso do todo depende da qualidade de cada item. Entrevistas de qualidade podem originar um bom texto, mas a falta de dados pode tirar a matéria da edição, assim como um texto mal elaborado pode dar enfoque a algumas informações em detrimento de outras. Não se basta, porém, saber - ou pensar que sabe - escrever. Ser repórter é bem mais do que simplesmente cultivar belas-letras, se o profissional entender que sua tarefa não se limita a produzir notícias segundo alguma formula "cientifica", mas é a arte de informar para transformar. (KOTSCHO, 1995, p. 8).
José Hamilton Ribeiro (apud Rodrigues, 2003, p. 38), entende que grandes investigações não precisam aparecer diariamente nos jornais, mas acrescenta que reportagens aprofundadas seriam um método para sair da rotina de superficialidade a que estamos acostumados. Alberto Dines (apud Rodrigues, 2003, p. 38), é categórico ao afirmar que a “era do furo” está findada e que atualmente os repórteres e veículos estão mais preocupados em cobrir “de tudo um pouco” em uma tentativa desesperada para agradar ao público. Para José Ribeiro (apud Rodrigues, 2003, p. 35), “o recurso de qualificar a edição com matérias investigativas fica como uma reserva dos jornais, também por ser material apurado de modo exclusivo”. No que se refere à produção textual do meio impresso, Coimbra (1993) define entre os modelos do meio impresso, a reportagem dissertativa como uma série de afirmações generalizantes apoiadas em dados e declarações que se encadeiam entre si, para reafirmar uma lógica pré-estabelecida pelo autor que compõe a análise do fato. Na estrutura da reportagem de fundo narrativo, o principal não é sustentar a ideia do autor, mas sim, contextualizar o tema principal apresentando versões anteriores e posteriores sobre o mesmo fato. Com as informações assim ilustradas, é possível se perceber as progressivas mudanças através do tempo. Este item se mostra fundamental na construção da narrativa, podendo ser retardada quando há a interrupção da linearidade ou acelerada através do diálogo ou do discurso direto.
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Finalmente, a reportagem descritiva por vezes pode passar a impressão de ausência de movimento por não apresentar as mudanças no tempo que a narrativa apresenta, mas este mostra os acontecimentos fixos no momento. Outra forte característica deste tipo de texto é seu alto detalhamento de circunstancias muitas vezes sem importância.
2.3.2 Reportagem radiofônica As reportagens dentro do meio radiofônico podem ser divididas entre as agendadas, comunicadas com antecedência à redação, aquelas de reação imediata, quando algo inesperado ocorre e o repórter é deslocado para cobri-la; e entre a cobertura ao vivo, e aquelas gravadas. O principal neste meio é o som, sendo, por isso, necessário que o repórter tenha cuidado redobrado quanto à sua fluência comunicacional e escrita. Acima de tudo, o ouvinte deve conseguir apreender de forma clara e eficiente aquilo que o profissional está relatando (CHANTLER, HARRIS, 1998). Quando o tema ao qual o repórter for escalado se tratar de um evento préagendado, seja através de press release ou um telefonema da assessoria de imprensa que organiza a solenidade, é imprescindível que o profissional esteja preparado com informações que o embasem. Além disso, este deve procurar por trabalhos anteriores, inclusive de emissoras concorrentes, que o amparem em construir uma narrativa original. Outro fator fundamental neste tipo de matéria, é descobrir a forma que ela será levada ao ar (boletim, sonora, etc.), e em quais horários (o boletim poderia ser usado para o programa das 18 horas e uma versão mais resumida para mais tarde, por exemplo, ou simplesmente a reportagem poderá ser deixada para o outro dia). Porém, Paul Chantler e Sim Harris, no livro Radiojornalismo (1998), lembram que o repórter, quando de posse de entrevista ou informação inédita, espetacular ou importante, deve comunicar o mais rápido possível a redação para que este trabalho possa ser realocado em um horário mais aproximado na grade da rádio. A outra situação, mais incomum da rotina dos repórteres de rádio, requer prática de improvisação, concentração e principalmente controle das emoções. Normalmente associada a situações extremas (como incêndios, catástrofes, com
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várias vítimas), a reportagem de tipo reação instantânea exige muito do repórter que com pouco tempo para planejar a reportagem e buscar informações prévias é levado ao local do ocorrido e tudo precisa ser feito o mais rápido possível, sem, contudo, prejudicar o produto final. Caso a reportagem em questão requeira cobertura ao vivo, é preciso lançar mão de uma série de burocracias, como permissões de acesso e estacionamento, para facilitar o trabalho do repórter no local do incidente. Nessas situações deve-se procurar estar em contato constante com a redação, atualizando as informações e descobrindo o momento que se entrará no ar e de quando tempo disponível terá, assim como posicionar-se num local em que os sons ambientes fiquem evidentes e, na medida do possível, trabalhar o texto, organizando as anotações de forma clara para que no momento da reportagem não haja dúvidas. Para Paul Chantler e Sim Harris (1998), em reportagens que envolvam grandes acontecimentos, o primeiro passo é realizar uma análise da cena e depreender se ela está em andamento ou se já está finalizada. Caso ainda esteja acontecendo, é fundamental ligar imediatamente à redação e transmitir a informação, descrever a cena e tudo o que possa ser visto e ouvido. Após, deve-se contatar os serviços de emergência, descobrir o responsável pelo serviço e tentar realizar uma entrevista, além de identificar aquelas testemunhas que tenham presenciado o ocorrido desde o início e possam contribuir de alguma forma. Sua narrativa construída apenas sob voz do repórter coloca a reportagem investigativa em rádio entre as mais complicadas, segundo Lenize Villaça Régis e Selma Pereira Orosco (apud Lopes e Proença, 2003, p. 180 - 190). A ausência de imagens que possam comprovar as denúncias que estão se desenrolando pelo repórter obrigam os espectadores a confiar apenas na sua voz. E apesar deste tentar convencer seu público, através de um maior detalhamento dos fatos, o rádio acaba perdendo seu impacto. Porém, os autores também lembram que o fato do rádio dispensar a imagem facilita a entrada do repórter em lugares que ninguém conhece seu rosto. Neste tipo, quanto mais informações o repórter puder repassar ao ouvinte mais creditável será a matéria, por isso, elementos como a voz do entrevistado, do som ambiente provando, por exemplo, onde está, são elementos fundamentais para concepção da informação. Chantler e Harris também ratificam a relevância da captação de sons ambientes e ruídos como gritos, tiros, etc., que posteriormente possam ser utilizados, ajudando a enriquecer a matéria e a comprovar os fatos
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relatados pelo repórter: “Tente usar o máximo das gravações de voz e de som ambiente que puder. Afinal, o som é tudo para o rádio. Exiba o som. Quanto mais som, mais o ouvinte se sentirá como se estivesse no local do acontecimento” (CHANTLER, HARRIS, 1998, p. 119). Heródoto Barbeiro e Paulo Rodolfo de Lima, no livro Manual de Radiojornalismo (2001), fazem uma reticência quanto às características da sonorização da matéria: “A qualidade da reportagem também depende do som. O esforço na apuração do fato pode ser inútil se a gravação ficar distorcida ou não for possível compreender o que está sendo dito durante a entrada ao vivo”, (BARBEIRO LIMA, 2001, p. 44). Por ainda ser considerado um meio ágil, como um dos primeiros lugares onde se busca por notícias, repórteres investigativos costumam desenvolver alguns cuidados para que suas informações ou a própria matéria não vazem antes do tempo. Por medo, muitos repórteres optam por eles mesmos editarem sua matéria. Tal prática, explica-se segundo Régis e Orosco, no livro Jornalismo Investigativo (2003), no costume das centrais técnicas armazenarem o produto editado no computador, facilitando assim, o acesso de qualquer pessoa minimamente entendedora de informática. Após realizada toda apuração e gravadas os sons e entrevistas é momento de organizar tudo para construção da reportagem. Para Paul Chantler e Sim Harris (1998), o repórter deve escutar todo conteúdo gravado para assim que chegar à redação este já ter em mente uma ideia clara de como fazer a reportagem e quais trechos servirão para emitir opiniões, fazer descrições ou interpretações. Heródoto Barbeiro e Paulo Rodolfo de Lima (2001), salientam que as reportagens em rádio devem ser completas, relembrando o ouvinte os antecedentes do fato reportado, e concisas, o excesso de dados ou detalhes desnecessários acabam por confundir o ouvinte que não terá outra oportunidade de ouvi-la novamente. No momento de a reportagem ir ao ar, o repórter ou a emissora podem decidir se ligam para o acusado na matéria antes ou depois. Avisado com antecedência, este poderá decidir gravar sua resposta antes, evitando o comentário ao vivo.
2.3.3 Reportagem televisiva
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Entre as redações televisivas, as reportagens costumam ser, assim como as do rádio, divididas em gravadas e as de cobertura ao vivo. Neste meio, as imagens costumam ser o intermédio utilizado para passar credibilidade e força a informação. Uma boa imagem pode garantir a veiculação daquela notícia que nem iria ao ar. Heródoto Barbeiro e Paulo Rodolfo de Lima (2002, p. 68) lembram que apesar do texto se configurar fundamental para a completa compreensão da mensagem, a imagem permanece mais valorizada: "O repórter deve desenvolver a compreensão da imagem. A regra é: imagem e palavra andam juntas. O conflito entre elas deve ser evitado, uma vez que distrai o público; mas se ainda assim ocorrer, prevalece o poder da imagem". Segundo Curado (2002, p. 96) o modelo mais utilizado dentro da produção televisiva é a reportagem gravada que possui em média entre 1:05” e 1:30” (um minuto e cinco segundos e um minuto e trinta segundos). Apesar de não haver um padrão estabelecendo uma ordem fixa de formulação de uma matéria para este meio, esta é normalmente elaborada a partir do texto em off (narrado pelo repórter), a sonora de um entrevistado, passagem do repórter, sonora, e narração final em off do repórter. Este tipo permite, pela maior disponibilidade de tempo, realizar uma avaliação e revisão do material coletado, averiguando os pontos mais importantes para a construção da reportagem. Normalmente vinculada a um acontecimento urgente e importante, a reportagem de cobertura ao vivo, se refere ao momento em que as imagens e informações são apresentadas ao telespectador no momento do ocorrido. Podendo também servir para atualizar dados sobre algum evento vinculando-se a entrevistas rápidas onde se faz necessário, esclarecimentos à população e precisam ser rapidamente incluídos no noticiário. Informações soltas que não estejam amparadas em imagens devem ser avaliadas pelo seu grau de importância para a reportagem. Caso sejam fundamentais para o seu entendimento, é indicado de acordo com a possibilidade, que sejam colocadas na cabeça ou no pé da matéria. Da mesma forma, o número de palavras não deve ultrapassar o tempo das imagens, por isso, realizar imagens livres das cenas podem se mostrar úteis no momento da edição. Assim como não se faz necessário relatar em palavras aquilo que pode ser percebido visualmente. A notícia está na somatória das sonoras com as imagens, ou seja, imagem também é informação.
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Heródoto Barbeiro e Paulo Rodolfo de Lima (2002, p. 72), lembram que o sucesso da matéria depende do grau de entrosamento entre o repórter, a redação e os técnicos que o acompanham na rua e no estúdio. “Jornalismo é trabalho de equipe”, portanto, ao chegar à redação é importante conversar com o editor sobre o conteúdo colhido, comunicando as informações importantes que não apareçam na entrevista, sugestões de trechos de gravações, assim como o tempo e a cabeça da matéria. Caso a cobertura seja um evento especial, o trabalho do repórter pode se estender para depois de colhida as sonoras e gravado o off. Este deve permanecer no local, apurando todas as novas informações que possam surgir para posteriormente serem repassadas à redação. A necessidade de ter como respaldo a imagem exige do repórter de televisão que deseja se embrenhar pelo caminho do jornalismo investigativo mais perseverança e cuidado para não entrar na ilegalidade. Segundo Luciana Bistane e Luciane Bacellar, “Investigação é um trabalho que exige fôlego, paciência e apuração criteriosa. A “boa” denúncia apresenta provas irrefutáveis. Pode até ser questionada, mas nunca desmentida” (BISTANE; BACELLAR, 2010, p. 61). Porém, na busca por algo que possa embasar as denúncias, muitos repórteres acabam se utilizando de métodos que violam direitos fundamentais do cidadão, como o uso da microcâmera. Para que as imagens possam ser utilizadas como provas, precisam ser autorizadas antecipadamente por quem está sendo filmado. Bistane e Bacellar (2010) explicam a banalização da prática como despreparo dos profissionais, mas reforça a importância que este tipo de reportagem na televisão estabelece com a população: É imprescindível fazer uma apuração coerente e responsável; mas falta preparo para isso. De maneira geral, a imprensa brasileira não tem tradição em jornalismo investigativo. Na televisão, elas surgiram na década de 1990. Antes tarde do que nunca. A partir do momento em que começaram a ser feitas, essas reportagens mostram que o telejornalismo investigativo provoca impacto e resultados que nenhum outro veículo é capaz de conseguir – tanto pelo alcance quanto pelo poder da imagem (BISTANE; BACELLAR, 2010, p. 65).
A reportagem precisa cumprir com seu dever fundamental de informar a população sobre a realidade dos fatos de forma clara e compreensível. A história deve ser contada em ordem cronológica e recursos cujo único objetivo seja “enfeitar” o produto final ou diferenciá-la, como o uso de duplo sentido ou flash-backs, devem ser evitados, pois podem dificultar a clareza. Assim como relembrar fatos
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antecedentes,
ampliar
o
detalhamento
das
informações,
explicar
suas
consequências, seus desdobramentos para a sociedade, são práticas que facilitam o entendimento e representam um diferencial para o meio. A linguagem, assim como o enfoque a ser dado, irá variar de acordo com o público a ser atingido. Bistane e Bacellar (2010) indicam saber o horário em que a matéria irá ao ar para se discernir o tipo de público que a assistirá.
2.3.4 Reportagem online O jornalismo no mundo digital fundamenta-se na incorporação e adequação dos formatos nativos de outros meios de comunicação como o radiofônico, televisivo e impresso. Canavilhas (2014) aponta entre os aspectos diferenciadores da internet com outras mídias a hipertextualidade, multimedialidade, interatividade, memória, ubiquidade, instantaneidade e personalização. A hipertextualidade diz respeito a uma forma de leitura não sequencial, onde o leitor dispõe de várias opções sendo possível sua movimentação por entre as páginas na busca por dados que necessite para compreensão da narrativa. A multimedialidade
designa
a
união
de
diferentes
linguagens
ou
formatos
anteriormente independentes. Os conteúdos do meio online dispõem hoje de uma infinidade de elementos como imagem, texto, vídeo, áudio, além de formas como gráficos e infográficos, mapas, animações, efeitos sonoros, ilustrações, entre outros que facilitam a compreensão da mensagem. Considerado como um pilar da internet, a interatividade implica em proporcionar ao leitor a possibilidade de eleger os conteúdos que mais se ajustam às suas necessidades. Além de permitir ao usuário expor suas opiniões através de comentários, pesquisas, chats, envio de informações, entre outras. Rost (2006, apud Canavilhas, 2014, p. 55) nomeou a estes níveis de interatividade como “seletiva” e “comunicativa”, respectivamente. A interatividade implica uma certa transferência de poder do meio para os seus leitores. Poder, por um lado, quanto aos caminhos de navegação, recuperação e leitura que podem seguir entre os conteúdos que oferece. E, por outro lado, relativamente às opções para se expressar e/ou se comunicar com outros utilizadores/as. (CANAVILHAS, 2014, p. 55)
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A grande disponibilização de informações possibilitada devido ao grande espaço que este meio possui, faz com que os jornalistas e usuários frequentemente se utilizem do recurso de memória para construção de seus textos, podendo assim recorrer ao passado arquivado para, facilmente comparar e contextualizar a atualidade. Outro importante fator no universo online é a instantaneidade, ou seja, a rapidez em que a informação é repassada aos seus consumidores. Para Canavilhas (2014) não basta falar em velocidade, é preciso alterar a forma de produzir e distribuir as informações sem as limitações do espaço físico das redações, por exemplo. Esta qualidade (velocidade) se faz sentir em todas as notícias, os usuários podem agora ultrapassar o jornalista e a estória, chegar à testemunha, à cena; ao que está ocorrendo no momento. Isso cria uma pressão para simplificar o processo editorial e o número de estágios que o repórter precisa passar até a publicação/distribuição. (CANAVILHAS, 2014, p. 116)
A personalização se refere à abordagens e estratégias realmente novas buscando atrair leitores, como a possibilidade das páginas se adaptarem a diferentes tamanhos ou um conteúdo que aproxime o leitor do profissional, como a utilização de comentários, por exemplo. Por fim, a ubiquidade relaciona a facilidade que determinada informação tem de ser acessada, e seus leitores puderem participar e fornecer sua própria contribuição com conteúdo para compartilhamento e distribuição global em qualquer lugar e a todo momento. Segundo Carla Schwingel, no livro Ciberjornalismo (2012), a forma de buscar informações diante da grande quantidade disponíveis na internet está entre as principais diferenças na apuração jornalística. Para a autora, a disponibilização das informações não garante o fácil acesso a fontes fidedignas e sua seleção, sendo necessário para isso sistemas com busca inteligentes, com a utilização de metadados e mineração de dados (data mining). Buscas em bancos de dados de órgãos públicos, das agências de notícias e de organizações jornalísticas ou socialmente representativas aliada com sistemas que relacionam informações de forma automatizada com as tecnologias complexas da web 2.0 estão se mostrando como importantes ferramentas de busca acessíveis para os profissionais. E ainda acrescenta a necessidade de o repórter construir um banco de dados públicos com fontes fidedignas para o trabalho jornalístico.
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Uma das ferramentas mais básicas de um sistema de apuração seria um banco de fontes integrado a editorias ou de acesso a todos os jornalistas do cibermeio. Um banco de fontes integrado ao sistema pode conter espaços para comentários sobre a abrangência do conhecimento e disponibilidade de uma fonte nominal, por exemplo, ou mesmo o teor das informações e a política editorial de fontes de sítios web. (SCHWINGEL, 2012, p. 98)
Apesar da reportagem encontrar no meio online o espaço que necessita para sua divulgação, seus exemplos na Web ainda não a exploram completamente. Para Canavilhas (2014) não há um sincretismo homogêneo entre os diferentes recursos, mas são puramente compilados no mesmo espaço trazendo muitas vezes informações redundantes e inúteis. De forma geral, a reportagem digital busca se apropriar de informações encobertas que possam servir para embasar o repórter na compreensão e construção da narrativa. Assim como os outros meios, o sucesso em cada etapa influencia na seguinte e representa a qualidade do todo final. Por isso, a etapa de coleta de informações buscando verificar sua exatidão e relevância é considerada a mais importante para os processos seguintes que envolvem a seleção e averiguação do material coletado e a ordenação das informações de forma precisa e que facilite a compreensão do leitor.
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2.4
ANÁLISE COMPARATIVA DA REPORTAGEM NA MÍDIA Buscando clarificar os conceitos gerais e as disparidades nativas do gênero
de reportagem nos meios impresso, ra diofônico, televisivo e online, expostos até então, propomos os seguintes quadros.
Quadro 1 - Reportagem impressa.
Impressa São divididas em:
Reportagem dissertativa (narrativa construída de forma a sustentar a visão do autor) Reportagem narrativa (contextualiza o tema, tornando perceptíveis suas consequências) Reportagem descritiva (detalha os fatos, porém sem apresentar o antes ou depois, apenas o presente importa) Foco: Texto Informações diárias; As fontes são identificáveis; É possível descobrir anteriormente o espaço que a matéria ao ser publicada terá disponível; Quando de posse de informação inédita não tem a possibilidade de ser repassada imediatamente; Trabalha em conjunto (com fotógrafos); O repórter sai a campo após a pesquisa;
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Quadro 2 - Reportagem radiofônica.
Rádio São divididas em:
Coberturas ao vivo Gravadas Foco: Som As fontes são identificáveis; Informações diárias; É possível descobrir anteriormente a forma que a informação será divulgada (boletim, nota, etc.) o tempo e o programa. Informações inéditas podem ser repassadas imediatamente; Trabalha sozinho; O repórter sai a campo após a pesquisa (reportagem gravada);
Quadro 3 - Reportagem televisiva.
Televisão São divididas em:
Cobertura ao vivo Gravadas Foco: Imagem Informações diárias; As fontes são identificáveis; É possível descobrir anteriormente a forma que a informação será divulgada o tempo e o programa; Quando de posse de informação inédita não tem a possibilidade de ser repassada imediatamente; Trabalha em conjunto (com cinegrafistas, produtores, editores etc.); O repórter sai a campo após a pesquisa (reportagem gravada);
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Quadro 1 - Reportagem online.
Online São divididas em:
Reportagens Notícias Foco: Multiplicidade de linguagens; Informações diárias; As fontes são identificáveis; É possível descobrir anteriormente o espaço que a matéria ao ser publicada terá disponível; Informações inéditas podem ser repassadas imediatamente; Trabalha em conjunto (com fotógrafos); O repórter sai a campo após a pesquisa; Constatamos que nas reportagens gravadas de maneira geral, a pauta é idealizada, produzida e divulgada diariamente. O jornalista, sendo ele repórter ou produtor, quando de posse do tema principal da matéria inicia uma pesquisa aprofundada planejando prováveis fontes e a captação de imagens ou sons (para televisão ou rádio). Este profissional ao sair da redação já possui informações organizacionais do veículo, como a forma que a informação será divulgada, em qual programa e quanto tempo precisará ter. Excetuando o meio radiofônico, que trabalha prioritariamente sozinho em suas reportagens, nos demais meios os repórteres costumam trabalhar com produtores, cinegrafistas e toda uma equipe para o caso da televisão e no meio online e impresso com fotógrafos. Por não se tratar de assuntos polêmicos ou difíceis que impliquem em algum risco tanto para o jornalista como para suas fontes, estes são normalmente identificáveis.
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JORNALISMO INVESTIGATIVO Como aqui já foi esclarecido, reportar é expor ao público uma forma
contextualizada de um acontecimento. Porém, investigar excede a função de apenas informar, é expor ideias que contribuam para formar um espirito crítico e inconformista na população, buscando assim promover reformas às injustiças. Jornalismo Investigativo é buscar a informação primária de um fato, questionando suas versões oficiais e indagando suas verdades ocultas. Procura desmascarar fraudes, evidenciar as misérias, ampliar o conhecimento dos cidadãos e revelar os crimes que se desejam esconder da opinião pública, reforçado assim o sentimento de democracia e cidadania da população. O primeiro objetivo do Jornalismo Investigativo é ir à essência das coisas, tentar responder os porquês que provocam uma situação prejudicial à coletividade ou ao interesse público. Cabe ao jornalismo de investigação mostrar como funcionam os mecanismos burocráticos do sistema. O jornalismo investigativo deve tentar definir e denunciar o que seja operacionalmente ou conceitualmente falso. O jornalismo de investigação tem objetivos concretos que transcendem a informação diária, cuja produção fica velha em 24 horas. (LOPES E PROENÇA, 2003, p. 14)
O Jornalismo Investigativo é visto como uma forma extremada e aprofundada de reportagem, onde um mesmo fato é “documentado, ampliado, verificado contextualizado, indagado e investigado”, (LOPES E PROENÇA, 2003, p. 14). É preciso refinar o olhar e enxergar naquilo que ninguém notou a possibilidade de uma apuração e de uma Grande Reportagem que seja transformadora da realidade. Buscando acima de tudo, focalizar na verdade de uma história, contando às pessoas os fatos como realmente são e fazer o leitor se inteirar da realidade por mais triste e vergonhosa que ela seja. O jornalismo investigativo não se contenta com as versões ou com as fontes secundárias. Seu objetivo é transitar pelos bastidores das notícias, arrancando o véu opaco de acontecimentos obscuros, cujos protagonistas fazem de tudo para esconde-los. Investigar significa pesquisar, confrontar, verificar, analisar, insistir. Todos esses verbos no mesmo processo de produção jornalística. (PENA, 2005, p. 201)
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Segundo Dirceu Lopes e José Luiz Proença (2003) uma reportagem é definida como investigativa quando, é produto da iniciativa pessoal do repórter, ou seja, o processo de investigação não foi realizado por outras áreas (como a policial, por exemplo); é de interesse público, não sendo idealizada para representar interesses de um setor específico; e quando seus investigados (pessoas ou instituições) tentam omitir informações ou dados do público. Avisos anônimos, indicação de uma fonte ou mesmo um fato atual são algumas das formas que uma pauta tem para chegar até o repórter. Após conhecer o alvo da investigação, Dirceu Lopes e José Luiz Proença (2003) indicam ao repórter avaliar a validade desta e a possibilidade de iniciar sua investigação através das técnicas de observação, infiltração, de pesquisa e até o uso de microcâmeras. Técnica de observação se refere, de forma simplificada, ao profissional estar atento aos mínimos detalhes do cotidiano e se questionar o “por que” das coisas. Já a infiltração ocorre após o repórter induzir o fato e desejar, sem se identificar, aproximar-se da denúncia para poder comprová-la. No mesmo sentido, o uso de câmeras escondidas pelos meios televisivos ocorre para captar a realidade dos fatos ou para conseguir uma declaração que normalmente nunca seria dita caso o acusado soubesse da gravação. E a mais usual e importante das técnicas, a de estudo, diz respeito a buscar o máximo de informações e dados possíveis para permitir a assimilação do problema de pesquisa pelo repórter, e ampara-lo em sua apuração. É na fase de documentação que se dará respaldo à investigação e consequentemente a reportagem. Para tal, o jornalista deverá lançar mão de material prévio sobre o tema, seja através de consulta ao arquivo do veículo de comunicação a qual trabalha ao seu próprio, da revisão a toda bibliografia existente, à construção de perfis biográficos dos principais envolvidos (a técnica ajuda a conhecer melhor as pessoas e seus atos). Dirceu Lopes (2003) ainda acrescenta às listas telefônicas, guias em geral, órgãos de administração, e de associações, meios que facilitam a localização do repórter a possíveis fontes e ajudam a dinamizar o trabalho de apuração.
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Ao receber a informação/denúncia que será alvo de investigação, ao jornalista convém estabelecer um plano de estudo, uma programação concreta do processo de investigação. Neste, além de ser estudados sua viabilidade e os métodos, convém inferir suas possibilidades e os prováveis problemas que possam vir a se desenvolver ao longo da pauta. O jornalista precisa se questionar se o esforço vale a pena, se há tempo, dinheiro e técnicas disponíveis e suficientes para levá-las a público. No caso de o trabalho ser em equipe, estabelecer a função de cada um, sendo sozinho, um prazo limite para cada tarefa. (LOPES E PROENÇA, 2003, p. 19) Após a consulta a textos e bibliografias existentes, a pessoas que possam oferecer um conhecimento prévio e mostrar todos os pontos de vista possíveis, além de já definir os limites técnicos, financeiros, éticos, sociais e particulares da investigação, o processo de compreensão da problemática denunciada está concluída. Segundo Dirceu Fernandes Lopes (2003, p. 19) na etapa seguinte daria início o trabalho investigativo do repórter, onde se fundamentam em três fases principais: “Na busca de documentação escrita que respalde ou refute as hipóteses estabelecidas; Em observações diretas que forem feitas durante a investigação; E em entrevistas com pessoas que estejam envolvidas com o tema”. Por este tipo de reportagem demandar um tempo maior para a apuração, o jornalista deve conferir todos e cada um dos dados utilizados. A base na narrativa da reportagem investigativa é a informação, as grandes quantidades de dados pesquisados e corretamente conferidos juntamente com detalhes presenciados pelo repórter devem estar entrelaçadas de maneira precisa e exata para a construção de um relato com credibilidade em que o leitor consiga tirar suas próprias conclusões. Para tal, deve-se evitar qualquer recurso literário que possa deturpar a percepção do público com juízos de valor e opiniões. De acordo com Lopes (2003), essa tendência de redação dos profissionais tende a resultar na perda de credibilidade e desmerecendo o trabalho do repórter. O fundamental é que o texto retrate aquilo que pode ser fundamentado por provas, hipóteses e investigação. Tudo que excede tais limites, torna o texto impreciso e essencialmente opinativo.
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Independentemente de o profissional carregar o “título” de investigativo, ao longo dos anos ele constrói uma rede de fontes “seguras” para elaborar seu trabalho, uma espécie de agenda pessoal com as quais estabelece uma estreita relação onde são proporcionadas informações de acordo com cada tema de investigação. As fontes são indispensáveis para construção de qualquer matéria investigativa, porém suas palavras nem sempre se mostram inteiramente confiáveis. Para o jornalista Percival de Souza (2003) as fontes podem ser distinguidas pelo grau de confiança e intenção que dispõem. A fonte é muito importante durante a investigação. Mas é preciso muito cuidado. Percival classifica suas fontes: fonte tipo 1 - acima de qualquer suspeita, "por ela posso meter a mão no fogo", porém, trata-se de um número reduzido de pessoas; fonte tipo 2 - dá uma informação correta, mais embute interesse (pessoal, político, institucional etc.), "é verdade, mas com o intuito de atingir alguém, acertar alguém"; fonte tipo 3 - na informação tem parte verdade, parte mentira, além de interesse em atingir pessoas, grupos ou instituições". (LOPES E PROENÇA, 2003, p. 45)
Quando a fonte aceita se expor por algum motivo (dinheiro, vaidade ou poder), é comum pedir o auxílio do repórter para que este não o identifique, que seja uma fonte anônima, é a chamada declaração off the record. A checagem nesses casos precisa ser ainda mais criteriosa, para que o repórter não sirva de instrumento a interesses pessoais de terceiros envolvidos indiretamente ou diretamente na investigação, nem divulgue informações falsas. O Jornalismo Investigativo não pode defender interesses de suas fontes, a relação do repórter com estes deve se basear estritamente no âmbito profissional. Nilson Lage (2001, p. 63) separa as fontes em três categorias distintas: Oficiais, oficiosas e independentes; primárias e secundárias; e testemunhas e experts. Para ele, as oficiais são aquelas mantidas ou que possuem alguma ligação com o Estado, como “as juntas comerciais, cartórios de oficio, e por organizações como sindicatos, organizações, fundações, etc.”. Podem, por vezes, “falsear a realidade” para preservarem interesses objetivando beneficiar a grupos dominantes. Fontes oficiosas são as relacionadas a uma empresa ou individuo especifico, e expressam interesses particulares dentro de uma instituição. Porém, não são autorizadas a falar em nome deste, recorrendo muitas vezes, a técnica de off the record, para preservar a fonte e salvaguardá-la do anonimato. E as fontes independentes referem-se às desvinculadas de poder, como organizações não governamentais, que não querem ser mencionadas.
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As fontes primárias são aquelas essenciais para compor uma reportagem, são os entrevistados que “fornecem fatos, versões e números” (LAGE, 2001, p. 65). E as fontes secundárias são as necessárias para ampliar o conhecimento do repórter sobre a temática da entrevista com as fontes primárias, ou seja, ajudam a preparar a pauta através de contextos gerais sobre a área. Tais fontes, permitem ao repórter realizar perguntas mais específicas e inteligentes sobre o tema, assim como explorar outros ângulos de abordagem na matéria. Fontes testemunho costumam ser as baseadas na percepção, memória e opinião individual de cada fonte. Lage exemplifica: “Haverá diferenças cruciais entre o relato de conflitos na Palestina feita por um judeu ortodoxo e por um militante muçulmano, por mais honestos que sejam ambos” (2001, p, 67). Quanto aos experts, são as fontes especialistas que são procuradas pelos jornalistas para embasar versões ou interpretações de eventos, como um assessor de uma empresa, do governo ou de um sindicato chamado como fonte para uma matéria sobre direito tributário. Instrumento de maior importância no meio impresso, a publicação da reportagem investigativa neste meio pode se dar em série ou de uma só vez. Veículos diários, como jornais, por exemplo, costumam publicar matérias deste tipo em série, ou seja, a cada edição do impresso, seria apresentada outra parte da reportagem que integra o enredo da investigação. Porém, este método costuma prejudicar o nível de compreensão total da matéria, já que o leitor precisa estar disposto a acompanhar todos os dias o discorrer da história. Já veículos não diários como revistas, que dispõem de um espaço maior na página, optam por contar a história toda em uma mesma edição, ou seja, apenas uma reportagem, não facilitando assim aos acusados na investigação de preparar estratégias para interromper a continuação da reportagem. Este modelo de narrativa ainda pode ser veiculado em outros meios, de acordo com suas características próprias, como o televisivo, radiofônico, digital e ainda o livro-reportagem. Neste último, não há limites de espaço e o jornalista tem liberdade para desenvolver sua redação como melhor lhe convier.
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3.1
DIFICULDADES NA PRODUÇÃO DE UMA REPORTAGEM INVESTIGATIVA O máximo da produção jornalística está em uma reportagem, seja ela
investigativa ou não, o trabalho exige aliar as forças conjuntas dos repórteres e das empresas de comunicação. Contudo, sua extensão mais aprofundada, a chamada Grande Reportagem, encontra pouco respaldo na mídia brasileira. O resultado, é um jornalismo raso em todas as categorias da realidade, sem conhecimento aprofundado por parte do público e dos jornalistas, apenas o dia-a-dia já comum e maçante. Segundo Mônica Teixeira, no livro Jornalismo Investigativo (2003), a qualidade da informação passou a ser medida pelo tempo que demora até ser divulgada, ou seja, a instantaneidade seria mistificada ao público como fator de crucial importância na vida cotidiana dos cidadãos. Atualmente os próprios veículos com medo de que fato por eles divulgado não ganhe a mesma notoriedade que seus concorrentes, os levam a lançar mão de uma ideia de furo de reportagem como aquela informação lançada em primeira mão. Tais comportamentos, obrigam o repórter a tratar a notícia com superficialidade, deixando de lado muitas vezes, conceitos básicos para o desenvolvimento do trabalho. Uma alteração que dificultou o avanço de pautas investigativas é a implantação de um modelo de produção que organiza as operações das equipes de reportagem e dos equipamentos, a chamada agenda de informações. Para que diariamente um jornal seja publicado ou um telejornal vá ao ar, não se pode ficar horas esperando que os acontecimentos simplesmente surjam, trabalhar com o imprevisto custa caro às redações. Como uma forma de controlar as despesas, optou-se por reportagens de agenda, em que todo tempo vago é utilizado para produzir conteúdo. Com esta realidade, o jornalista investigativo precisa dispor de tempo, dinheiro e principalmente autonomia para realizar seu trabalho. Lopes e Proença (2003), discorre sobre os fatores que interferiram no jornalismo realizado atualmente. O primeiro é o fato de que houve uma pesada administração nas redações – a implantação da produção de notícias -, um modo de produção que não favorece o jornalismo pois foge às tradições daquele produzido na metade do século passado. Por outro lado, a cultura de hoje caminhou na direção de privilegiar o que não tem história, o que parece ter nascido no agora. Isso faz parte da cultura e não das atitudes dos jornalistas. As pessoas acham que vivemos num mundo de superficialidade e o que está escondido por detrás não interessa. (LOPES E PROENÇA, 2003. p. 172).
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O elevado custo financeiro costuma ser o principal fator de desistência do meio investigativo pelos veículos. Este tipo de pauta exige um profissional exclusivo por um grande período de tempo, ou seja, será preciso contratar outro profissional para garantir a produção das notícias diárias nas redações, além da locomoção (gastos com viagens, hospedagem, etc.) do repórter ou de toda uma equipe. E tudo isso sem, contudo, haver a garantia que a matéria renderá, pois, o repórter poderá descobrir que a denúncia original era falsa ou que os dados adquiridos não são suficientes para sua conclusão, inviabilizando assim a sua divulgação. Além do problema da falta de investimentos, muitos repórteres são barrados ao realizarem uma investigação pela matéria conter concepções contrárias aos interesses do veículo para o qual trabalham. O medo da perseguição política torna os ideais de construir uma matéria profunda e reveladora numa grande ilusão que nunca sairá da gaveta. Muitas empresas, entretanto, dependem de verbas oficiais ou temem, por vários motivos, o raio coercitivo dos governos, mantendo-se na defensiva. O repórter precisa acreditar que tudo o que souber e estiver fundamentado será publicado não sofrerá represálias, como a perda do emprego. Nada mais frequente do que os governantes pedirem a “cabeça” de repórteres, irritados com esta ou aquela notícia. (KOTSCHO, 1990, p.19).
Devido ao seu caráter complexo de denúncias e crimes, a falta de segurança que os profissionais da área enfrentam no exercício da sua atividade contribui para a diminuição da prática do Jornalismo Investigativo. Por mais perigoso e instável que este tipo de pauta pode ser, é na realidade o sonho de todo profissional. Ávidos por mostrarem o seu valor, entram de cabeça no ramo com muito pouco conhecimento sobre segurança e prudência. Mark Lee Hunter complementa: “O cálculo de riscos se torna, assim, um conceito crucial no jornalismo investigativo, com base no fato de que não há uma única história que valha a vida de um jornalista”. (HUNTER, 2009, p. 7). Porém, Leandro Fortes lembra que tal coragem e disposição dos repórteres devem ser pautadas pelo bom senso e cautela. A disposição pessoal em investigar, por incorrer em riscos, deve ser pautada pelo bom senso e pelo conselho dos amigos, para aqueles que os têm, é claro. A busca enlouquecida pela verdade, por mais digna e respeitável que seja, não pode tomar o lugar da responsabilidade profissional, muito menos expor um repórter à sandice de criminosos. (FORTES, 2005. p.73).
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Além dos limites financeiros impostos pelos veículos, os repórteres da área precisam lidar diariamente com pressões mentais, emocionais, psicológicas e sociais vindas da população, empresas de comunicação e até por ele próprio. Tais profissionais precisam conciliar a pressão do veículo por resultados, e dele próprio por qualidade, com o abandono da vida social, família e colegas da redação, ou seja, enfrentar a solidão de uma investigação. A população enxerga em tais profissionais seu último reduto de esperança, aqueles para o qual podemos recorrer em momento de desespero, procurando uma solução para nossos problemas. Quando a polícia já falhou, quando a prefeitura já falhou, lá estará um jornalista tentando, sempre que possível transformar a dura realidade de pessoas já muito prejudicadas. São capazes de chegar até as últimas consequências para desvendar um ato ilícito ou fazer justiça. Em troca, a consciência tranquila de quem sabe que fez o possível para solucionar um caso. “E acima de tudo, nada se assemelha ao sentimento curativo que surge quando alguém a princípio desconhecido se aproxima de você e diz: “Obrigado”. Isso será o suficiente para lhe por de volta na estrada, realizando uma nova investigação” (HUNTER, 2009, p. 08).
3.2
OS DESAFIOS ÉTICOS Os conceitos de moral e ética são facilmente confundidos pela maioria da
população. Enquanto as legislações (moral) impõem regras de conduta comuns aos cidadãos, a ética seria o valor pessoal que se determina às leis, é a consciência individual. Para Heródoto Barbeiro e Paulo Rodolfo de Lima (2002, p.20), o exercício da ética valida e reafirma o compromisso com a moral, por isso não basta apenas têlo como teoria ou valores abstratos, sua ausência estimularia a desigualdade e injustiças sociais. Segundo os autores, o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros é um “compromisso de realizar sua função social de um modo compatível com os princípios universais da ética”: O campo da ética não é o campo exclusivo das vontades e do livrearbítrio de cada jornalista, é uma construção consciente e deliberada de um conjunto de pessoas em sociedade. Assim, a ética é a aplicação pessoal de um conjunto de valores livremente eleitos pelos jornalistas em função de uma finalidade por eles mesmos estabelecida e que acreditam ser boa. (BARBEIRO E DE LIMA, 2002, p. 20).
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Porém, para Nilson Lage (2001), a ética é algo instável e variável, pois dependeria da percepção de cada um, sendo, por isso necessário sua reprodução de forma generalizada em códigos. Lage acredita que o profissional reconhece o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, porém, este não abrangeria em sua integralidade as diversas situações complexas em que a legislação não se aplicaria. O uso de gravadores ou câmeras escondidas, falsa identidade, identificação de vítimas ou de acusados, entre outros, são “situações em que os fins podem justificar os meios e a intenção confronta-se com resultados”, gerando muitos debates e incertezas no campo. Para ele, a obrigação intrínseca de cumprir com a ética profissional estaria prejudicando o trabalho ao criar amarras e limites à criação jornalística (LAGE, 2001, p. 91). As relações das fontes com os jornalistas estão entre os principais problemas com a ética na profissão. A relação deve ser centrada no profissionalismo, confiança e no trato cordial e correto, o compromisso do jornalista (com público e fonte), é com a verdade, a fonte não pode sentir-se enganada em momento algum da produção ou veiculação da matéria. Assim como ter o conteúdo ou contexto da informação relatada, modificada pelo repórter. Por outro lado, as fontes não devem negar o que tenham dito ou impedir que a informação fornecida seja confrontada com outras ou desmentida. Neste sentido, visando à própria segurança do repórter é comum gravar as entrevistas, principalmente aquelas reveladoras. Outro ponto fundamental sob o olhar da ética em jornalismo decorre da diferenciação entre esfera pública e privada. Em tese os conceitos são facilmente distinguidos, entende-se por público tudo o que possa afetar a coletividade, e por privado, aquilo que diz respeito apenas à pessoa envolvida e não influencia em nada a vida do cidadão comum. Porém, no jornalismo, assim como na ética, há questões relativas e ambíguas. Nilson Lage (2001) acredita que as diferentes ideias podem se relacionar e o que iniciou como um fato íntimo pode se tornar público, caso suas consequências prejudiquem a população em geral. Lage ainda questiona o universo privado em casos que envolvem pessoas notáveis: “Pessoas de imagem pública, como políticos, princesas e atletas, têm menos direito à vida privada do que as demais? Perguntas assim só podem ser respondidas em contextos particulares”. (LAGE, 2001, p. 96). Diversos problemas éticos dentro do jornalismo costumam estar relacionados à divulgação de material indevido. Entre eles, está a veiculação de processos em
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curso, que possam resultar na alteração do processo natural. Para Lage, casos como de um sequestro que esteja ocorrendo ou da liberação de informações financeiras que possam enfraquecer a empresa, são passíveis de restrição. Paul Chantler e Sim Harris, no livro Radiojornalismo (1998), acrescentam que em um tribunal, por exemplo, há informações que podem ser divulgadas e outras não, quaisquer profissionais que ultrapasse tais limites e desrespeite a ordem de um tribunal poderá ser acusado de desacato. À publicação de procedimentos que sejam capazes de induzir as pessoas a reproduzi-los, como suicídios, roubos ardilosos, etc. também correspondem a tal problemática. Nilson Lage ainda ressalta que omitir informações para salvaguardar interesses ou preservar personalidades não pode ser uma opção para o jornalista. Afinal, "se existe algo progressista no mundo, positivo em termos históricos, esse algo é a verdade. Sua omissão ajuda a frustrar as boas políticas e a produzir, a longo prazo, desesperança, por menos que pareça, de imediato, que seja o caso". (LAGE, 2001, p. 102). A legislação brasileira, assim como de outros países, atualmente pune criminalmente (com processo civil) e judicialmente (com punição financeira), às empresas de comunicação, muitas vezes em quantias significativas, por eventuais falhas do repórter averiguadas durante o processo de construção de uma matéria. Esse tipo de ação desvaloriza o papel da ética e da conscientização individual do repórter, ao colocá-lo numa posição de mero empregado, irresponsável e isento de conhecimento e opinião próprios, sem poder para responder sobre seus atos. Há crimes reconhecidamente destinados aos veículos, que, porém, nunca foram punidos, Nilson Lage (2001) cita como exemplo ao parcial debate eleitoral entre Lula e Collor, candidatos à Presidência do Brasil em 1990. Mas casos em que o foco ilegal da discussão envolve más opções feitas pelo profissional, como falsa identidade, abuso de confiança e parcialidade, por exemplo, o julgado deveria ser aquele que de fato responsabilizou-se pela forma como a matéria se deu, ou seja, o repórter. Boa reputação e bom nome são opiniões difíceis e levam tempo para se construírem plenamente. Um jornalista que divulgue um fato mentiroso ou ofensivo sobre alguém, o expondo ao ridículo ou ao desprezo da sociedade além de causar prejuízos à sua vida pessoal, estará cometendo um crime contra sua honra. Tais crimes são divididos em calúnia, difamação e injúria. Uma difamação, para ser
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caracterizada como tal, precisa ofender à reputação de alguém, atribuindo a ele um fato desonroso. Esse tipo de contravenção necessita de testemunhas que sirvam como provas. Na injúria, basta ofender a dignidade de uma pessoa, como xingamentos, insultos ou meras opiniões maldosas, não havendo a necessidade de testemunhas assim como para calúnia, que diz respeito a afirmar que alguém tenha praticado uma ação ou dito algo que seja inverídico. Segundo Paul Chantler e Sim Harris (1998, p. 132) de forma geral, “as calúnias afetam menos os jornalistas os jornalistas de rádio. A injúria necessita de uma simples prova de difamação para ser considerada verdadeira e a pessoa prejudicada obter ganho de causa”. Os autores alertam que mesmo quando as acusações são verdadeiras podese requerer alguma indenização. A situação pode ocorrer pela supressão de fatos importantes na reportagem, ou até mesmo na forma ambígua como muitas vezes os fatos são retra00tados, deixando margem a dúvidas e mal-entendidos considerados difamatórios pelo público. E mesmo que não tenha havido a intenção de prejudicar a imagem do acusado, ou seja, a opinião foi feita de forma honesta com uso da “boafé”, algumas palavras podem ser potencialmente injuriosas em dados contextos, como “cruel”, “reclamação” e “acusação” (quando alguém está sendo criticado). Apenas procurar ouvir os dois lados de uma história, é a forma mais comum e preguiçosa de se fazer jornalismo. É necessário olhar em volta, desconfiar das informações e daquilo que é dito, investigar denúncias e criar hipóteses para explicar os fatos. Porém, mesmo na função de informar há determinados limites que o repórter não deve ultrapassar, regulamentos baseados na ética profissional para repassar ao público a verdade dos fatos obtidos de maneira correta. Para se fazer Jornalismo
Investigativo,
principalmente
em
televisão,
é
conveniente
um
conhecimento jurídico quanto à pesquisa de temas que possam render uma boa matéria; e a apuração, para que o repórter não entre na ilegalidade ao se utilizar de métodos sub-reptícios. Longe de ser pensado como uma convenção geral e definitiva pelos profissionais da área, o uso de disfarces, grampos, câmeras ou gravadores escondidos para se obter informações no meio investigativo, é visto em geral, de uma forma variante e condicionada às circunstâncias em que se dá a investigação. Polêmica intrínseca à questão do jornalismo investigativo: até onde é permitido ao repórter dissimular atitudes, usar gravadores escondidos, microcâmeras, passar-se por outra pessoa, adotar outra identidade e, de
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fato, violar leis? O fato é que essa questão tem dois tratamentos, e em ambos deve-se valer do princípio da honestidade de quem faz, das circunstâncias da reportagem, da intenção da pauta e dos limites que o bom senso e a ética impõem. (FORTES, 2005. p. 53).
Seus usos recorrentes e indiscriminados, vistos muitas vezes sob a ótica da facilidade, como a maneira mais rápida de se obter um flagrante ou uma boa imagem que sustente a denúncia e dê força à matéria, acaba desvalorizando os profissionais da área e pondo a reportagem no senso comum do Jornalismo Investigativo. Os repórteres justificam o uso de tais artifícios em nome interesse público, mas Percival de Souza (apud LOPES E PROENÇA, 2003, p.48) critica a atitude: “São armadilhas éticas. É preciso estabelecer diferenças sobre ‘interesse público’ e ‘interesse do público’.” Para o jornalista existem parâmetros legais que devem ser respeitados, apesar dos evidentes benefícios que a investigação produz à sociedade. 3.3
O PERFIL DO REPÓRTER INVESTIGATIVO Até que uma simples pauta se transforme em uma grande reportagem capaz
de desvendar segredos, desmascarar corrupções e revelar as injustiças que percorrem todos os níveis da sociedade, é preciso a mão de um repórter. Alguém que, com conhecimento e vontade seja o instrumento de transformação social. Que encarne o cerne da busca pela verdade dos fatos, preze por uma boa narrativa e não desista apesar de todas as dificuldades e riscos intrínsecos à profissão. A grande reportagem rompe todos os organogramas, todas as regras sagradas da burocracia - e, por isso mesmo, é o mais fascinante reduto do Jornalismo, aquele em que sobrevive o espirito de aventura, de romantismo, de entrega, de amor pelo oficio. Deve ficar bem claro, porém, que não basta a paixão. A responsabilidade de quem parte para uma grande reportagem é também muito grande para o profissional. É um momento em que você não pode errar, não tem o direito do fracasso. (KOTSCHO, 1995, p. 72).
Enquanto o jornalista diário apenas transmite ao público a informação existente e noticia aquilo que esteja ocorrendo a partir de uma linguagem e estrutura precisas; o jornalista investigativo se adianta sobre os acontecimentos, deixa de ser um mero receptor para se tornar o criador da notícia. Não espera que os fatos se desenrolem diante de seus olhos, mas busca, compara e investiga obtendo assim, os dados necessários para tornar a matéria completa e compreensível aos cidadãos.
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Curado no livro (2002) indica algumas características de como o jornalista deve se apresentar à suas fontes e ao público, de modo que seu comportamento seja determinante na apreensão de provas que refutem seu trabalho. O jornalista, quando em investigação, precisa ter a consciência de que todo estudo realizado e o conhecimento de que dispõe sobre a denúncia pode ser inútil. Diante de qualquer nova evidência ou informação, toda linha de raciocínio criada até então pelo repórter ou a maneira como um fato está sendo desenvolvido pode desaparecer, é necessário que o profissional esteja disposto a ouvir todos, se mantenha humilde e com a mente aberta às novas possibilidades de pontos de vista e estar disposto a alterar sua opinião se assim for conveniente. Pôr-se no lugar do interlocutor significa tentar conhecer suas razões, ampliando seu campo de visão sobre o fato e descobrindo novas informações. A autoridade do jornalista advém de conhecimento (quando este estuda e investiga determinado assunto) e da experiência profissional conquistado ao longo tempo. Facilmente percebida em suas relações com as fontes, a confiança e o respeito que estes destinam aos repórteres são itens que podem influenciar diretamente a qualidade de uma investigação. Um comportamento hostil e agressivo pelo
repórter pode dificultar, por exemplo, o acesso às repostas e o
compartilhamento
de
informações.
“Hostilidade
apenas
realça
desequilíbrio
emocional; a calma indica segurança” (Curado, 2002, p.175). A credibilidade com que o profissional apresenta a notícia também reflete importante valor de constatação da autoridade do repórter. “O maior patrimônio de um repórter é a credibilidade - as pessoas precisam confiar em você para contar histórias que consideram delicadas porque mexem com a vida de outras pessoas” (Kotscho, 2003, p. 23). Para Lopes e Proença (2003, p. 43), “a fórmula (de uma reportagem investigativa) é simples, fruto da combinação de três elementos: sorte, paciência e persistência”. Uma das qualidades mais importantes e intrínsecas a natureza do repórter investigativo é sem dúvida, a paciência. Nenhuma técnica investigativa substitui a paciência de saber quando esperar e o momento certo de agir. Lopes (2003, p. 29) complementa: "O bom jornalista sabe cobrar as condições necessárias para ir a campo. São elas: tempo para conhecer o assunto, tempo para investigar e recursos para realizar um trabalho de qualidade. Esse é o primeiro passo para se obter uma boa matéria jornalística".
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A ingenuidade do jornalista pode ser uma barreira no processo de formulação de uma reportagem. Por vezes, a informação apurada poderá estar beneficiando uma ou mais pessoas, dependendo também do grau de interesse público esta não deixará de ser investigada ou noticiada, mas é importante que o profissional tenha conhecimento de tais fatos. Manter uma análise distante dos fatos e se questionar sobre a origem dos dados ajudará o repórter a possuir maior clareza e percepção dos casos. O jornalista deve sempre se perguntar, enquanto faz o seu trabalho: o que estou fazendo aqui? Quais os interesses envolvidos nessa investigação? De que maneira o interesse público está sendo atendido? Quem se beneficia com essa notícia? Quem se prejudica? Naturalmente ao buscar as respostas o jornalista não pode fazer autocensura. A meta é alcançar um claro entendimento da situação. (CURADO, 2002, p. 176)
Em reportagens investigativas, o cuidado e a discrição estão entre as principais características do profissional. Informações exclusivas oriundas do trabalho de apuração podem acabar se tornando públicas na medida que são comentadas ou repassadas aos colegas de redação, família ou amigos. A discrição deve partir do jornalista, mas também deve ser orientada às fontes. Gilberto Nascimento (2003) recomenda pedir ao interlocutor que não comente nada com ninguém do seu círculo, ou que o jornalista refaça seu caminho para chegar onde se deseja, mas de forma que o entrevistado não perceba suas intenções. A vontade em buscar o novo e o diferente resume a essência do jornalista. Tal característica é a base para despertar no repórter a curiosidade necessária para investigar o tema e conseguir depreender melhor sobre os dados que dispõe. O repórter investigativo se entrega à reportagem, que exige tempo, fôlego, dedicação e, acima de tudo, paciência. O repórter tem apenas a disposição para transpirar muito em busca da verdade fugidia e um mínimo de inspiração para contar bem a sua história. Repórteres são ou não seres idiotas? São, mas ás vezes conseguem até ser felizes na sua estranha maneira de viver a vida. (KOTSCHO, 1990. p. 13)
Segundo Lopes e Proença (2003, p. 175), o jornalista precisa desenvolver uma sensibilidade e uma noção básica, a partir de conhecimento e recursos particulares, daquilo que na informação nova seria interessante, “discrepante, diverso e que acolhe uma dúvida”. Esta análise aprofundada dos dados seria apenas adquirida com o tempo, não sendo por isso adequado à reportagem investigativa, um profissional inexperiente, mas “uma pessoa capacitada e que tenha
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um conhecimento profundo nos fundamentos do jornalismo”, (2003, p. 174). Contudo, para Waack (2003), de nada adianta grande experiência, se o repórter investigativo não adquirir maturidade profissional, através do aumento de sua cultura geral. Isto não é uma questão de tempo cronológico. Há pessoas, há profissionais em qualquer campo que se tornam maduros com maior rapidez, uma maturidade dentro daquilo que fazem, assim como há profissionais que vão ser imaturos até o final da sua carreira. (WAACK, 2003, p. 143).
Waack (2003) ainda acrescenta à personalidade intrínseca do repórter investigativo a frieza, capacidade analítica e a competência em associar fatos, ou seja, a aptidão em organizar todo conteúdo adquirido no processo de apuração, como anotações, imagens, gravações e entrevistas, por exemplo, e deles extrair uma história clara e com sentido lógico. O trabalho de investigação exige do repórter mais que simplesmente construir um bom texto, é preciso trabalho de campo, conhecer o “Brasil Real”, de pessoas reais. Ninguém conclui uma reportagem investigativa apenas sentada nas redações com a ajuda de releases ou conversas ao telefone. É necessário possuir muita força de vontade para ultrapassar as muitas barreiras, a solidão de se trabalhar sozinho e ainda enfrentar a saudade dos familiares e amigos. Tentar revelar aquilo que pessoas querem esconder da opinião pública torna o profissional alvo de criminosos, à mercê de ameaças e riscos. Já bom ir sabendo que numa cobertura dessas não basta ter capacidade profissional saber escrever. É preciso ter muita resistência física, esquecer a hora de comer e de dormir, encontrar um jeito de vencer o medo, o cansaço e a saudade. O jornal e o leitor não querem nem saber quais são as dificuldades que o repórter está encontrando - querem o fato bem contado. (KOTSCHO, 2003, p. 26).
Para Gilberto Nascimento (2003, p. 94), o que diferencia os repórteres investigativos é a vontade de passar ao público uma informação realmente importante, que seja transformadora da realidade atual. “A grande maioria prefere fazer o mais óbvio, o mais fácil, o mais cômodo, o que dá menos dor de cabeça”. Leandro Fortes (2005) complementa que investigação exige trabalho e dedicação. O jornalismo não é, definitivamente, uma profissão para preguiçosos, muito menos para covardes. Tampouco precisa ser um
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sacrifício, embora seja comum a muitos jornalistas encarar o ofício como um sacerdócio enlouquecido, sofrido, recompensado apenas com a plena exaustão do corpo e da mente — mas isso há em todo canto. Mas, no caso da investigação jornalística, o trabalho é sempre intenso, misto de suor e paciência, mesmo quando a luta cotidiana pela notícia requeira o cumprimento de prazos. Mas corre-se tanto contra o tempo como a favor da verdade, e é nesse equilíbrio que reside o bom resultado de uma investigação. Em alguns casos, a disposição de se fazer uma boa reportagem incorre em uma mudança radical de rotina, principalmente se a empreitada envolver um projeto pessoal de investigação, ainda que sob vários riscos (FORTES, 2005. p.69).
Guirado (2004, p. 99) ainda acrescenta a criatividade às principais características de qualquer repórter. A qualidade acaba envolvendo todas as etapas do processo de reportar, ou seja, na observação, investigação e principalmente na construção da reportagem. Para ela, a busca para encontrar um novo caminho aos mesmos temas é o que diferencia um jornalista e seu veículo de outro.
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4
A REPORTAGEM INVESTIGATIVA EM DIFERENTES MÍDIAS Após definirmos, sob a ótica generalista do jornalismo, o conceito de
reportagem através do estudo de seus diferentes modelos e técnicas de investigação correspondentes com os meios a qual se utilizam (impresso, radiofônico, televisivo e online). E discorremos sobre as características do Jornalismo Investigativo, expondo as dificuldades e os problemas éticos enfrentados pelo repórter quanto à construção da reportagem, assim como traçarmos os quesitos fundamentais e intrínsecos à personalidade deste profissional, entraremos na análise do nosso objeto de estudo. Buscando compreender as especificidades existentes no processo de criação e desenvolvimento de uma reportagem investigativa pelas mídias impressa, radiofônica, televisiva e online, optamos pela técnica de entrevista aplicada a quatro profissionais da área para apreendermos através de conhecimentos e experiências reais o foco deste trabalho. Humberto Trezzi, Renata Colombo, Fábio Almeida e Mauricio Tonetto foram os jornalistas aqui nomeados por serem reconhecidos e premiados dentro na área investigativa nos seus correspondentes meios do Grupo RBS. Optamos nesse estudo por priorizar repórteres do mesmo veículo de comunicação, para que fatores influenciadores no processo de construção de uma reportagem investigativa como, por exemplo, regulamentos e consensos comuns interiorizados pelos funcionários de cada empresa, fossem diminuídos e assim pudéssemos apreender as reais diferenças entre as mídias.
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Suas respectivas reportagens “Minha Casa, Minha Fraude” (ANEXO A), "Império da Areia: a dragagem que mata o Jacuí” 1, “Adoções de crianças em cidade do RS são investigadas por Polícia e MP”
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e “Submundo das Lutas” 3, servirão aqui
apenas para exemplificar as práticas do Jornalismo Investigativo por diferentes mídias. Tais opções foram feitas após entrevista com os jornalistas, onde indicaram matérias que tenham sido de grande relevância social, alcançando repercussão na mídia local e nacional e de destaque nas suas carreiras. Os jornalistas aqui entrevistados foram contatados incialmente por e-mail onde foram questionados sobre suas disponibilidades e se haveria a intenção em colaborar com o presente estudo, dispondo de opiniões e conceitos adquiridos mediante a prática da atividade investigativa. As entrevistas ocorreram entre os dias 03 e 10 de maio de 2016, presencialmente e em seus respectivos locais de trabalho, com exceção da jornalista Renata Colombo, que teve a entrevista realizada por telefone por trabalhar atualmente na Rádio Gaúcha de Brasília. Seguindo uma ordem pré-elaborada o questionário buscava abarcar desde perguntas amplas sobre a elaboração de uma reportagem investigativa até opiniões sobre assuntos polêmicos naturais ao Jornalismo Investigativo. Com média de duração de 40 minutos, as entrevistas foram todas gravadas e expostas nos apêndices deste trabalho. Revelando as principais fraudes envolvendo o programa habitacional do governo federal, Minha Casa Minha Vida, Humberto Trezzi4 e Ânderson Silva, repórteres do jornal Zero Hora, publicaram em 21 de março de 2015, a série “Minha Casa, Minha Fraude”.
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Disponível em http://wp.clicrbs.com.br/ultimasnoticias/2013/01/15/extracao-irregular-deareia-no-rio-jacui-e-responsavel-pelo-sumico-de-mais-de-100-praias-nas-ultimas-decadas/ 2 Disponível em http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2016/03/adocoes-de-criancasem-cidade-do-rs-sao-investigadas-por-policia-e-mp.html 3 Disponível em http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2014/12/submundo-das-lutas-odescontrole-nas-artes-marciais-amadoras-no-rs-4662488.html 4 Jornalista formado pela PUC-RS, atual repórter da Zero Hora, conquistou mais de 40 prêmios em sua carreira, sendo duas vezes vencedor do Prêmio Esso regional.
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A reportagem "Império da Areia: a dragagem que mata o Jacuí" abordou os crimes ambientais praticados por empresas licenciadas que extraem areia do Rio Jacuí em áreas proibidas por legislação. A matéria deu à repórter da Rádio Gaúcha, Renata Colombo5, o Prêmio Internacional de Jornalismo Rei da Espanha na categoria Rádio, no ano de 2014. O prêmio, até então nunca conquistado por nenhuma emissora de rádio brasileira é promovido anualmente pela Agência EFE e pela Agência Espanhola de Cooperação Internacional (AECID), subordinada ao Ministério das Relações Exteriores da Espanha. Com uma série que trata dos abusos dos Conselheiros Tutelares da pequena cidade de Riozinho, no Vale do Paranhana, Rio Grande do Sul, Fábio Almeida 6, repórter da RBSTV, buscou desvendar os estranhos e acentuados processos de adoções de crianças que aconteciam no município. Intitulada “Adoções de crianças em cidade do RS são investigadas por Polícia e MP”, foi publicada em março de 2016 no programa da emissora, Jornal do Almoço. Por fim, Mauricio Tonetto e Carlos Rollsing, repórteres da Zero Hora na versão digital, explicam em “Submundo das Lutas”, publicada em dezembro de 2014, os esquemas ilegais de venda de graduações e a falta de fiscalização em campeonatos amadores de muay thai e MMA em Porto Alegre. Por definição e para facilitar o processo de análise através da referida técnica, optamos por utilizar como objeto de pesquisa apenas um repórter de cada meio de comunicação. Por essa razão, não avaliamos conjuntamente os repórteres Ânderson Silva, integrante da matéria “Minha Casa, Minha Fraude” com Humberto Trezzi, e Carlos Rollsing, dupla de Mauricio Tonetto em “Submundo das Lutas”.
5
Jornalista formada pela PUC-RS em 2006, já trabalhou na Rádio Guaíba, SBT e TV Record, atualmente é repórter da Rádio Gaúcha em Brasília. Conquistou mais de 14 prêmios na área por sua carreira. 6 Jornalista formado pela Unisinos em 2009, já trabalhou na TVE, Rádio Gaúcha e Rádio Farroupilha, atualmente é repórter da RBS TV. Conquistou mais de 47 prêmios na área por sua carreira.
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Através das entrevistas e análise das reportagens, nosso intuito será em discorrer sobre as diferenças encontradas durante as etapas de desenvolvimento de uma reportagem investigativa pelas mídias. Para tal, elaboramos ao final deste capítulo quadros comparativos como uma forma objetiva de expor as conclusões aferidas, separadas por seus respectivos meios, ou seja, impresso (Quadro 5 – Reportagem investigativa em impresso), rádio (Quadro 6 – Reportagem investigativa em rádio), televisão (Quadro 7 – Reportagem investigativa em televisão) e online (Quadro 8 – Reportagem investigativa em online), e analisadas conforme as seguintes categorias: Pré-produção, Produção, Pós-produção, Ética, Riscos, Dificuldades e Perfil do repórter. As categorias de Pré-produção, Produção e Pós-produção foram baseadas em conceitos gerais do jornalismo e incorporadas aqui no contexto de Jornalismo Investigativo. Por pré-produção entendemos como os processos iniciais de planejamento de uma reportagem, desde a ideia até a concepção de uma pauta. Produção trata-se do momento posterior à apreensão do objeto de investigação pelo repórter, ou seja, é a fase em que ocorrerá a pesquisa de dados, contato com fontes, entrevistas, gravações e saídas a campo. Esta etapa é considerada a mais importante dentro do processo de construção de uma pauta, pois a qualidade da reportagem será diretamente proporcional a dedicação do profissional e a quantidade de material obtidos nesta etapa. Pós-produção refere-se ao momento de organizar o material adquirido na fase anterior, escrever e editar conforme o foco da matéria. Quanto as classes intituladas Ética, Riscos, Dificuldades e Perfil do repórter, entendemos como temas fundamentais a prática do Jornalismo Investigativo e assim, consequentemente ao nosso estudo. Para tal, buscamos compreender dos jornalistas aqui entrevistados suas opiniões, experiências e conclusões a respeito de recursos considerados antiéticos no jornalismo como, por exemplo, câmeras escondidas; como lidaram com ameaças, perseguições ou qualquer outra situação perigosa por conta de uma pauta; quais as dificuldades mais comuns surgidas nas fases anteriormente citadas e as características que os jornalistas consideram fundamentais para o exercício da atividade investigativa.
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4.1
ANÁLISE 1 - MINHA CASA, MINHA FRAUDE POR HUMBERTO TREZZI E ÂNDERSON SILVA Fraudes e falta de fiscalização nas construções das moradias que incluem o
programa habitacional do governo federal Minha Casa Minha Vida, são averiguadas por Humberto Trezzi e Ânderson Silva, repórteres do jornal Zero Hora, na série de reportagens chamada “Minha Casa, Minha Fraude” (ANEXO A), publicadas em 22 de março de 2015. O que havia sido idealizado como um programa voltado a ajudar a população de baixa renda a adquirir sua casa própria, tornou-se uma ambiência de crime e corrupção. Através das matérias “Fraudes, invasões e obras precárias maculam Minha Casa Minha Vida”, “Beneficiados fazem venda ilegal de apartamentos do Minha Casa Minha Vida”, “31% dos imóveis do Minha Casa Minha Vida estão irregulares em cidade do noroeste gaúcho”, “Imóveis do Minha Casa Minha Vida têm rachaduras e infiltrações” e “Empreiteiros se tornam réus por licitação combinada no Minha Casa Minha Vida”, foram comprovadas em Porto Alegre, região metropolitana e pequenas cidades do estado denúncias de quebra de contrato pelos integrantes do projeto. Na matéria foram expostas ações de empreiteiros, responsáveis pela construção de condomínios, que subornavam empresas concorrentes para que perdessem propositalmente a licitação aberta, fraudes no sorteio de quem iria receber o auxílio na compra da casa própria, além da venda de imóveis que ainda não possuem o financiamento quitado, o que é proibido pelo governo. Além de problemas na edificação das residências como vazamentos e infiltrações, rachaduras e fissuras, e defeitos de execuções causados por economia de material ou de péssima qualidade e sem respeitar as normas técnicas exigidas para o bem dos seus moradores. Pré-produção: “O maior grupo de investigação do Estado” afirma Humberto Trezzi, sobre a organização dos repórteres investigativos na redação do jornal Zero Hora. São aproximadamente sete pessoas que se dedicam prioritariamente a pautas comuns, diárias e sem profundidade. Mas que foram escolhidas, por demonstrarem experiência e o perfil que o meio exige, para que pelo menos duas vezes por ano este profissional fique fora da pauta para se dedicar exclusivamente à investigação:
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“Não significa que só elas façam reportagem investigativa, nem que todos façam todos os anos, mas existe a semente plantada”. Segundo Trezzi, no Brasil a prática de se criar um grupo para a exercer a atividade não é algo comum, é definido pessoas especificas para executar a reportagem investigativa. Mas ele lembra que em pautas consideradas especiais, trabalha sempre acompanhado, seja com outro repórter ou com um fotógrafo. Sendo a origem da pauta indicada tanto pelo editor-chefe quanto por ele próprio, neste caso normalmente sugestionado por uma fonte que já conhece seu trabalho. Produção: O repórter do jornal Zero Hora, aponta que em muitas reportagens investigativas não há a necessidade excessiva de sair da redação desde o início da investigação como pode ocorrer em outros meios. Para ele, com a aproximação do meio impresso e o online a apuração se dá quase integralmente através de documentos fornecidos pela Lei de Acesso à Informação (LAI) 7. “É evidente que em algum momento tenho que sair da redação, mas a maior parte dela é feita nas redações”. Nesses casos, a fotografia é um pouco mais complicada: “Normalmente acaba sendo a fachada dos lugares, tentamos seguir o acusado para conseguir uma foto boa, mas isso não é empecilho para a reportagem ser publicada”. Pós-produção: Nos instantes que antecedem a publicação do material são os decisórios para Trezzi. É apenas no processo de finalização da reportagem que se é decidido por série ou matéria única. Segundo o repórter, até pouco tempo atrás havia a preferência por separar a grande reportagem em várias, que seriam publicadas ao longo da semana para não cansar o leitor. Atualmente, descobriu-se que no domingo, o leitor tem mais tempo e paciência para ler 10 páginas de uma reportagem por exemplo. A decisão não tem qualquer ligação com o espaço disponível no jornal, Trezzi afirma que hoje o jornal Zero Hora possui um caderno reservado chamado DOC em que são publicadas reportagens grandes e aprofundadas toda semana. Muito semelhante à televisão, o editor de texto no meio impresso é figura essencial. Humberto Trezzi comenta que em pautas recorrentes e diárias, o texto é naturalmente revisado por um editor. Porém, ao se tratar de reportagens investigativas, pelo menos três editores revisam o material, para ele quanto mais
7 A Lei de Acesso à Informação (LAI) entrou em vigor em maio de 2012 e regula o direito a qualquer pessoa, física ou jurídica, mediante pedido, a receber informações públicas dos órgãos e entidades.
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complicado é o assunto mais pessoas precisam revisá-lo. E afirma: “Não se trata de censura, são pessoas qualificadas para formatar o texto e evitar erro”. Ética: Trezzi enxerga câmeras escondidas ou mesmo a ocultação da identidade de jornalista como recursos muitas vezes necessários para o desenvolvimento de uma reportagem investigativa. Em 2015 o repórter fez uso de microcâmeras na matéria “Minha casa, minha fraude”, onde flagrou pessoas que invadem, alugam ou vendem imóveis do programa do governo Minha casa, minha vida, sem estarem quitados o que se configura como prática ilegal. “Se eu chegar lá dizendo que sou jornalista, ele não vai me vender. Em algumas situações só se utilizando desses meios que se consegue obter provas”. Mas Humberto Trezzi afirma que nem sempre a mentira é essencial: Descobri que dá para gravar muita coisa sem precisar mentir, as pessoas estão tão acostumadas a cometer seus grandes e pequenos delitos que não me perguntam nada. Foi o caso da “Minha casa, minha fraude”, onde me fiz de comprador e o homem me vendeu sem me perguntar coisa alguma. Não me perguntam meu nome e eu não falo, gravo sem precisar mentir e os tribunais garantem que se possa gravar para me proteger caso o entrevistado venha negar o que falou. Já fui salvo em muitos processos por gravações.8
Sobre as gravações, este revela que por falta de tempo disponível acaba não gravando todas entrevistas e flagrantes, mas apenas aquelas que consegue intuir, muito por experiência, problemas futuros. “Já vi casos de colegas meus que se encrencaram até mesmo com pessoas comuns, de pautas diárias que quiseram desmentir aquilo que tinham falado. Sei que deveria gravar tudo, mas infelizmente não consigo”. Para ele, a questão ética mais importante é com relação a não invasão da vida privada de alguém, mas faz uma ressalva: “A menos que o interesse público seja maior, problemas criminais e administrativos devem ser mostrados a todo custo”. Riscos: De ameaças à tentativa de assassinato, a trajetória conturbada de Humberto Trezzi por reportagens investigativas é vista por ele como algo natural e intrínseco a atividade. Assim como os repórteres de outros meios, Trezzi considera que em estados como Rio de Janeiro e São Paulo ameaças e assassinatos são mais comuns, no Rio Grande do Sul, porém, processos judicias são mais frequentes:
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(C).
Humberto Trezzi, 09 de maio de 2016. Entrevista adicionada a este trabalho como apêndice
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“O que eu mais enfrento é processo judicial, até o mês de maio deste ano já foram quatro audiências, mas é a Zero Hora que é processada”. Ele conta que traficantes já o fizeram de refém e em outra situação no Rio de Janeiro atiraram contra ele quando os fotografavam. “Tenho colegas que precisaram se ausentar do serviço para morar em um hotel, eu mesmo já cheguei a usar seguranças, mas nunca pararia uma pauta por causa dos riscos”. Dificuldades: Para o repórter da Zero Hora, sua principal dificuldade está na falta de tempo disponível e na dificuldade de as redações deixarem um repórter apartado do dia-a-dia para realizar matérias especiais. “A maior dificuldade não está no meio, mas em conseguir que este te disponibilize tempo para realizar a pauta. Recebo muitas denúncias, mas não consigo seguir. Atualmente estou com três investigações paradas por conta das pautas cotidianas”. Trezzi também destaca as grandes alterações feitas no meio impresso: “O impresso mudou muito, hoje uma boa reportagem investigativa une elementos de jornal e online, desse modo precisamos pensar em todos os recursos audiovisuais que o meio exige”. Sendo assim, naquelas matérias que incluem a infiltração do repórter em alguma organização, há a necessidade de gravar sua versão também em vídeo. Porém, em televisão a apuração é mais estética, não há reportagem sem imagem, já em jornal ela é possível, a partir de documentos e uma apuração aprofundada. Perfil do repórter: Humberto Trezzi relaciona as principais características do repórter investigativo aquelas adquiridas por experiência no exercício da atividade, como sua capacidade analítica na pesquisa de dados e a construção de uma relação de confiança com as fontes. Porém, acrescenta a qualidade da impetuosidade, comum nos jovens, aos traços requeridos à pratica da investigação. E complementa que grupo de Jornalismo Investigativo considerado ideal possui desde os mais experientes aos mais jovens, justamente para abranger todas as caraterísticas.
4.2
ANÁLISE 2 - IMPÉRIO DA AREIA: A DRAGAGEM QUE MATA O JACUÍ POR RENATA COLOMBO E FÁBIO ALMEIDA. “Império da Areia: A dragagem que mata o Jacuí” foi uma série dividida em
três reportagens veiculadas pela Rádio Gaúcha em 14 e 15 de janeiro de 2013. A
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série aborda a extração ilegal de areia nas margens do Rio Jacuí, responsável pelo desaparecimento de mais de 100 praias nas últimas décadas. Considerado o segundo maior rio do Estado, com 800 quilômetros de extensão, o Jacuí vê aos poucos sua areia desaparecer. O movimento das dragas, tipo de embarcação que realiza o desassoreamento de rios e mares, conta com legislação especifica na Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), que restringem horários, locais de extração do minério e distância mínima de 50m das margens. Mas em Charqueadas, a dragagem do rio ocorre indiscriminadamente, atuando pela noite, avançam pela costa e pelo delta, lugar de ação proibida, sem se preocuparem com as consequências ambientais e sociais dos ribeirinhos da região. A Fepam, órgão responsável pelas licenciamentos e fiscalizações da área, afirma não terem conhecimento sobre irregularidades de dragas nas encostas do Rio Jacuí, pois não possuem o ecobatímetro, equipamento capaz de medir a profundidade do rio, nem trabalhadores suficientes para realizar a fiscalização necessária. Através da ação da Polícia Federal, aproximadamente 10 dragas foram apreendidas durante a Operação Delta Jacuí na região. A irresponsabilidade das empresas como da Fepam, já causa sérias consequências à população. O desmoronamento das margens, arvores e até casas caídas, degradação do rio, desaparecimento de praias da região e o consequente surgimento de barrancos e buracos que já causaram diversos acidentes, muitos deles com vítimas fatais. Os próprios moradores sentem-se inseguros com a situação e retrataram terem sofrido com ameaças pelos olheiros que vigiam a área. Até mesmo outras empresas autorizadas estavam com máquinas paradas, tinham deixado de atuar por não encontrarem mais areia no Rio Jacuí, tamanho era o crime ambiental que estava ocorrendo. A reportagem em questão foi a primeira a abordar a temática do crime ambiental que acontece no Rio Jacuí por anos, de forma tão extensamente e intensamente trabalhada. Sendo por isso, uma das mais importantes reportagens da carreira de Renata Colombo. Segundo a autora da série, foram mais de oito meses de investigação, seis apenas de produção e dois com trabalho de campo. Onde o impacto social se mostrou mais importante do que aqueles obtidos pelo veículo e repórteres. Com a divulgação das matérias, mais de dezenove flagrantes foram provados e dezoito pessoas presas. Além da proibição da emissão e renovação das
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licenças de dragagem sem fiscalização pela Fepam, a criação de um grupo de trabalho do Ministério Público e da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e de uma comissão na Assembleia Legislativa para averiguar o caso. Pré-produção: Sendo normalmente uma sugestão do repórter, a pauta de uma reportagem investigativa no meio radiofônico pode surgir como um aprofundamento de uma reportagem, ou seja, quando o repórter está realizando uma matéria e acaba descobrindo algum ponto mais curioso que poderia, caso seja investigado, originar outra reportagem mais aprofundada sobre o tema. Através de fontes confiáveis que procuram o repórter para denunciar um fato que estes tenham conhecimento ou através das redes sociais. Renata Colombo, afirma que para a matéria “Império da Areia: A dragagem que mata o Jacuí”, tomou como ponto de partida denúncias feitas nas redes sociais, especificamente no Twitter. “Mas eram denúncias jogadas ao vento, mencionavam a mim e ao Fábio (Fábio Almeida, repórter da RBSTV), ao Ministério Público da área ambiental, até mesmo alguns órgãos do meio ambiente começaram a nos procurar”. Baseada na quantidade e na frequência destas acusações é que a repórter começou a desconfiar e decidiu apurar, por conta própria, a veracidade das informações através das fontes. Para a repórter, a experiência do profissional é determinante no momento de se idealizar uma pauta, tratar-se-ia, portanto, de treinar o olhar para o incomum e àquilo que poderia se transformar em uma grande reportagem. Uma suspeita pode originar uma pauta. A partir do momento que se começa a fazer pautas não convencionais, você vai abrindo seus olhos para o diferente, para aquilo que muitas vezes está do seu lado e você não enxerga, começa a prestar atenção a tudo a sua volta e desconfiar das coisas com um olhar mais crítico. O repórter precisa estar atento, muitas vezes é das coisas mais inesperadas que pode surgir uma boa história, e isso é apenas a experiência de reportagem que vai trazendo. 9
Produção: Após o profissional considerar a pauta suficientemente válida e de interesse público, o início de sua produção dependerá do tipo de denúncia e da história envolvida. Para a reportagem aqui analisada e de modo geral em outras reportagens do meio, a repórter focaliza inicialmente na ida a campo e na aproximação com as fontes. De acordo com Renata Colombo, algumas matérias poderão exigir elevado conhecimento em uma área especifica, sendo necessário
9
(A).
Renata Colombo, 03 de maio de 2016. Entrevista adicionada a este trabalho como apêndice
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assim, contatar algumas fontes técnicas e estudar o assunto: “Tinha mapas espalhados por toda minha casa, precisamos aprender algumas questões técnicas como de medição, distância de margem, profundidade, (etc.) nos aproximamos de pessoas que sabiam disso”. Porém, Renata ressalta que não há um roteiro pré-estabelecido quanto à produção de uma pauta investigativa. Não há como programar o que será descoberto ou irá acontecer, ou mesmo estabelecer metas e períodos para cumprilas, o repórter tem apenas nas mãos uma pista, os fatos vão se desenrolando ao mesmo tempo e ele precisa aprender a montar o quebra-cabeça das informações. O fundamental é organizar aquilo que se têm com as peças que ainda faltam e realizar as ligações necessárias para a construção de algo de qualidade e compreensível, sem, contudo, esquecer de atualizar o Chefe de Reportagem e a redação sobre o andamento e as novidades da investigação. Quanto a “Império da Areia: A dragagem que mata o Jacuí”, Renata complementa: “Não foi algo traçado, a única coisa programada foi deixarmos para entrevistar a Fepam e as três empresas acusadas por último. Depois de colhido todo o material e feito os flagrantes. Mas de resto, foi conforme fomos descobrindo as coisas”. A ausência de imagens no meio radiofônico possibilita ao profissional prestar maior atenção aos detalhes da cena para apreender e posteriormente conseguir retratar aquilo aos seus ouvintes com maior aprofundamento e com clareza de raciocínio e interlocução, além de servir para abrir os horizontes aos diferentes enfoques possíveis. De acordo com Renata, que acompanhou o trabalhou do repórter Fábio Almeida da RBSTV para a mesma pauta, a matéria produzida pela televisão focou apenas naquilo que poderia ser reafirmado pela força das imagens, ou seja, nas irregularidades praticadas pelas empresas e nas consequências à população. Por outro lado, o enredo principal do rádio foi na Fepam, um órgão que deveria proteger o meio ambiente e que estava colaborando com um crime ambiental. Para tal, a repórter fez uso dos recursos de que dispunha, “trouxemos muito som do local, sonoras e áudios em geral, e através disso conseguimos descrever toda a situação e o ambiente, ou seja, construímos um cenário e o áudio veio agregar para dar uma ideia de realidade para as pessoas”. Pós-Produção: Depois de realizada toda a apuração e redigido o texto de uma matéria investigativa, Renata explica que não há a obrigatoriedade de repassar o texto para conferencia a outro repórter mais experiente, um editor de texto ou
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mesmo o chefe de redação como acontece em outros meios. Na rádio, o repórter costuma possuir maior liberdade, matérias diárias, por exemplo, não passam por análise alguma, naquelas consideradas especiais, costuma haver um consenso entre os profissionais da redação. “Costuma haver uma troca, pedir a opinião, averiguar se está compreensível, este tipo de atitude depende de bom senso, não é uma regra”. Quanto à definição do formato que uma reportagem em rádio irá ao ar, Renata Colombo afirma haver uma preferência dos veículos por diluir a notícia em série. Conhecido como um meio que deve repassar o fato da forma mais sucinta possível, e por este tipo de investigação oferecer grande quantidade de informações, opta-se por divulgar aos poucos e separadamente a matéria para esta não se tornar demasiadamente longa e cansativa aos ouvintes. Para ela, dessa forma o tema atinge o seu máximo, podendo ser difundida por horas, dias ou mesmo semanas. Na matéria Império da Areia: A dragagem que mata o Jacuí, fizemos uma chamada na noite anterior e no dia seguinte usei todos os programas de jornalismo da rádio, foram em quatro reportagens e a tarde um making of. Tudo foi divulgado no mesmo dia e isso fazia com que a pessoa tivesse que assistir a todos os programas para não perder a linha. Foi um bombardeio daquela informação, e nós atingimos muito mais quem precisava atingir que era o poder público, as empresas e os órgãos fiscalizadores, do que se tivéssemos dissolvidos. E ao longo da semana o processo continuou, participamos de diversos programas da emissora e inclusive fizemos a edição do dia seguinte na Zero Hora. 10
Ética: Para Renata Colombo, quando existe uma prerrogativa maior, como a denúncia de irregularidades ou a revelação de injustiças sociais, fazer eventuais usos de recursos considerados antiéticos, seria justificado. Ela revela ter se utilizado da prática da câmera escondida na matéria intitulada, “Reportagem revela fraude no ponto de servidores do Grupo Hospitalar Conceição”, veiculada na Rádio Gaúcha no dia 04 de novembro de 2013. Na ocasião, o foco era mostrar que funcionários do Grupo Hospitalar Conceição estavam manipulando a tabela de horários de trabalho para aumentar os próprios salários. Como esta matéria, ao contrário da Império de Areia mencionada anteriormente, não tinha o advento do som ambiente e sonoras para dar a ideia de realidade e força á denuncia, se optou por utilizar o recurso do vídeo no meio online, e para tal, a câmera escondida.
10
Idem
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Era um hospital público, funcionário público, dinheiro público, nós optamos por usarmos a câmera escondida e foi somente através dela que conseguimos registrar os funcionários fazendo o registro do ponto e indo embora. Provamos o adicional no ponto deles, e acabaram sendo exonerados, eram uma fraude no serviço público. Sem esse recurso não teríamos conseguiríamos. 11
Riscos: Durante uma investigação em que, por essência, tenta-se revelar aquilo que alguém tenta esconder, o jornalista está mais sujeito a sofrer algum tipo de violência ou intimidação. Na reportagem Império da Areia: A dragagem que mata o Jacuí, a repórter conta que em vários momentos as empresas acusadas tentaram uma aproximação buscando persuadi-los a não publicar a matéria. A pressão sobre sua equipe de reportagem aumentou, depois que os criminosos confirmaram que a denúncia realmente seria divulgada. Várias vezes quando estávamos em campo, éramos intimidados pelos olheiros das empresas que faziam a ronda da área, eles tiravam fotos e filmavam nossos carros. Teve inclusive uma vez que jogaram o barco deles para cima da nossa equipe, e ainda houve uma tentativa de suborno de algumas empresas para nos impedir de realizamos a matéria.12
Dificuldades: Entre as maiores dificuldades enfrentadas por Renata Colombo, foi quando percebeu que o rumo da investigação iria de encontro aos interesses privados da empresa para a qual trabalha. Durante a matéria Império da Areia: A dragagem que mata o Jacuí, Renata descobriu que uma das empresas envolvidas no crime ambiental era uma das patrocinadoras da Rádio Gaúcha: “Pensamos que a pauta iria morrer, afinal a RBS é uma empresa privada”. Mas em acordo com o chefe da reportagem, decidiram dar continuidade à pauta. E após reunirem todas as provas, definirem os programas que esta seria veiculada e os roteiros, ela foi ao ar: “E aconteceu, a Rádio Gaúcha perdeu seu patrocinador por causa da nossa matéria, por defendermos o jornalismo. Mas sabíamos que não podíamos criticar se a escolha não fosse essa”. Quanto à falta de imagens, Renata considera uma característica facilitadora em realizar jornalismo investigativo em rádio, já que não há a necessidade de flagrar tudo com uma câmera, que por ser um equipamento grande pode acabar atrapalhando o processo de obtenção da imagem, pois assusta as fontes e afasta a realidade. Pelo contrário, no meio radiofônico basta registrar o momento em áudio, 11
Idem
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Idem
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isso possibilita ao profissional prestar mais atenção aos fatos para poder descrevêlos posteriormente. Um trabalho que demanda tempo e paciência dos repórteres investigativos é para encontrar as fontes. A jornalista da RBS conta que suas fontes consideravam o assunto do crime ambiental que vinha acontecendo no Rio Jacuí como algo muito grave, lidavam com aquilo diariamente e conheciam os grupos que praticavam os atos ilegais. “A gente precisou ter muita paciência para que eles confiassem em nós. Mostramos para as pessoas que a nossa ideia era mostrar a realidade e tentar provar aquela denúncia. Demos o tempo necessário, e até hoje eles são os nossos amigos”. Para Renata Colombo, a principal explicação para a dificuldade em se encontrar reportagens Investigativas no meio radiofônico se deve à cultura construída e difundida da informação Hard News, ou seja, aquela curta, factual, elaborada e transmitida em tempo real. Outros meios oferecem mais espaço para que o repórter fique fora da pauta para se dedicar a uma matéria mais relevante. Problemas financeiros também são uma importante barreira para a disseminação da investigação, com equipes reduzidas de repórteres, as rádios não tem como contratar outro funcionário que ficaria afastado da pauta ou horas extras, nem pagar por viagens e hospedagens. Mas Renata garante que não existe reportagem investigativa em rádio que não tenha trazido consigo bons resultados. O retorno é muito positivo, tanto para a rádio, quanto para o repórter. Retorno da interação do ouvinte, da confiança das pessoas quando eles veem que você pode ser o porta-voz de uma história que nunca viria à tona, retorno positivo das entidades que acompanham a rádio e do poder público que vão começar a tomar mais cuidado porque vão ver nos repórteres e na empresa a possibilidade de serem descobertos por seus crimes. Reportagem investigativa demanda mais tempo, esforço, às vezes é mais perigoso, mas é muito importante ter um espaço para este tipo de material, infelizmente isso não acontece em todos os veículos. 13
Perfil do repórter: Renata Colombo acredita que no Jornalismo Investigativo não há características diferenciadas das exigidas para um repórter de cobertura diária. A reportagem aprofundada demanda da profissional disponibilidade de tempo, raciocínio lógico, bom senso, ser desconfiado, estudar e pesquisar com afinco e ouvir mais do que falar.
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Idem
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Porém, tais esforços são esperados e previsíveis. O repórter nestes casos, tem consciência dos seus objetivos, dificuldades e do que irá encontrar. Já no trabalho da reportagem factual, a pauta é inesperada, muitas vezes são situações adversas que acabam exigindo mais do lado emocional e físico do repórter sem possibilidade de haver uma prévia preparação para tal. Renata exemplifica: Na tragédia da Boate Kiss, por exemplo, eu fiquei dias em Santa Maria, entrei escondida no galpão onde estavam as vítimas, li a lista de mortos, e eu jamais me preparei para aquilo. Em uma reportagem factual, como esta, o repórter não tem tempo para se preparar, fiquei muito abalada por meses. A investigação é algo pontual, na cobertura geral, ninguém nunca sabe o que vai acontecer.14
Para ela, o trabalho de reportagem de forma geral exige um amadurecimento intelectual, psicológico e físico do jornalista. Além disso, ressalta a importância em estar sempre alerta a aprender, dedicar-se e estar disposto a enfrentar os riscos e os desgastes que a pauta pode causar.
4.3
ANÁLISE 3 - ADOÇÕES DE CRIANÇAS EM CIDADE DO RS SÃO INVESTIGADAS POR POLÍCIA E MP POR FÁBIO ALMEIDA A série veiculada pelo repórter da RBSTV Fábio Almeida, no dia 07, 08 e 09
de março de 2016, intituladas “Adoções de crianças em cidade do RS são investigadas por Polícia e MP”, “Hospital apura liberação de bebês a pais adotivos sem autorização no RS” e “Mulher diz que teve 7 filhos levados de casa pelo Conselho Tutelar no RS”, e divulgadas no programa Jornal do Almoço investiga a hipótese de adoções ilegais de crianças na cidade de Riozinho, no Vale do Paranhana, no Rio Grande do Sul. Além da maneira como foram realizadas as retiradas da guarda de crianças de famílias humildes do município, a rapidez no processo de adoção. O processo de adoção que acontecia no pequeno município de Riozinho, com apenas quatro mil habitantes, começou a chamar a atenção da psicóloga da prefeitura do município desde 2014, que precisou ser afastada e escondida após receber ameaças. Desde o elevado número de adoções, e a forma acelerada em que as crianças eram retiradas de sua família para serem levadas imediatamente
14
Idem
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para abrigos e famílias substitutas. Muitas vezes as crianças são retiradas de suas famílias sem qualquer tentativa por parte dos conselheiros tutelares para reverter a situação, o que contraria a Associação dos Conselheiros Tutelares que indica a medida extrema apenas como último recurso a ser feito. O Tribunal de Justiça do estado avalia que na comarca de Taquara, que inclui Riozinho, 87 crianças foram adotadas nos últimos 10 anos, enquanto que na comarca de Sapiranga, considerada equivalente à de Taquara, foram 38 crianças adotadas. A reportagem conseguiu localizar pais que reclamam de terem mais de 26 crianças levadas nos últimos 15 anos. Porém, a psicóloga que fez a denúncia estima que sejam entre 35 e 40 crianças, referente a 15 famílias da cidade. A Polícia Civil e o Ministério Público investigam as suspeitas desde o início de dezembro do ano passado. Pré-produção: Para o repórter Fábio Almeida, os contrates entre a reportagem comum e a investigativa se evidencia já no surgimento da pauta. A notícia factual, aquela produzida e divulgada diariamente, vêm normalmente através de pessoas que ligam para redação para informar de algum acontecimento, de um release, e aquilo que está acontecendo no momento. Já a matéria mais aprofundada pode aparecer por denúncias anônimas, ou seja, pessoas que conhecem a fama e o tipo de reportagem ao qual o profissional se dedica e sugerem uma pauta, ou por fontes adquiridas ao longo do tempo, que já sejam contato do repórter, como policiais ou funcionários do ministério público, ou mesmo através de pura observação do jornalista aos acontecimentos comuns. Fábio Almeida considera confiança e liberdade fatores fundamentais na fase de pré-produção. O jornalista explica que por ser identificado como repórter da área investigativa há entre ele e sua chefia de reportagem um consenso, então quando uma fonte o contata para informar uma situação curiosa, simplesmente avisa o chefe de reportagem e parte para a apuração. “Eu mesmo que sugiro a pauta, aposto nela e a produzo”. Produção: Fábio Almeida conta que o processo de produção dependerá muito do enfoque da narrativa a ser abordada na reportagem. Mas de forma geral esclarece que após a receber uma informação ou denuncia parte de imediato para a rua, se aproximando das pessoas, conversando com as fontes e confirmando informações. Um dos pontos determinantes para Fábio nesta etapa, é o veículo dispor de tempo para o repórter realizar a pesquisa e se dedicar à investigação:
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Como a reportagem investigativa não tem um prazo nem delimitação de tempo definidos, afinal não tem como marcar com antecedência um flagrante por exemplo, e como a RBSTV dispõe de duas equipes investigativas (Uma para ele e outra para Giovani Grizotti, também repórter investigativo da RBSTV), conseguimos ter um tempo muito maior para a apuração. 15
Pós-produção: O processo de pós-produção em televisão ao contrário do que acontece em outras etapas, é um trabalho em equipe, tendo o editor de texto como um dos principais atores na construção de uma reportagem investigativa. Para Fábio Almeida, é o editor de texto que vai direcionar o foco da matéria, muitas vezes o repórter passa tanto tempo investigando determinado assunto que lhe parece que a narrativa se encontra suficientemente clara, porém, é o editor que informa qual ponto precisa ser mais bem explicado para que fique compreensível a todos. O texto passa por um processo de edição natural e essencial. O editor de texto é uma peça fundamental dentro do jornalismo na televisão. Ele é tanto dono da reportagem quanto o próprio repórter. Este traz o material da rua que apurou e é o editor que vai cortar e lapidar o material. Não é questão de isso pode isso não, é questão de melhorar o entendimento. 16
Para Fábio Almeida, a definição de organizar o material em série ou reportagem única somente será avaliado depois de concluída toda a fase de produção e apuração, pois dependerá unicamente do tamanho da coleta de informações. Na matéria sobre adoções de crianças ilegais na cidade de Riozinho, Fábio conta que saiu a campo com o objetivo de realizar uma matéria, mas através da aquisição de documentos e depoimentos fortes, conseguiu desenhar toda a situação. “Vimos que tinha potencial para muito mais. O repórter traz tudo para a redação e vê o que aquilo pode render. Neste caso, vimos que tinha muito material e desmembramos ele em três reportagens”. Posteriormente, com a direção de TV, avalia-se o peso da matéria e para qual programa e público ela mais servirá. “Então decidimos se “vendemos” para Jornal do Almoço ou RBS Notícias, por exemplo, e se for uma história que sirva de alerta para todo Brasil, tentamos a venda para a Globo, e eles decidem o programa que desejam veiculá-la”. Ética: Fábio Almeida enxerga os recursos utilizados normalmente por este ramo da investigação como ferramentas usais, comparáveis a qualquer outro
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Fábio Almeida, 04 de maio de 2016. Entrevista adicionada a este trabalho como apêndice
16
Idem
(B).
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equipamento jornalístico, como uma câmera grande ou mesmo microfones, por exemplo. Para ele, o uso de câmeras grandes aliado a toda uma equipe que o recurso necessita como um cinegrafista, pode acabar afastando a realidade. Fábio defende o princípio do bem maior, ou seja, quando um jornalista divulga que alguém está cometendo um crime, mesmo fazendo uso de artifícios considerados antiéticos, ele está fazendo um alerta para toda uma comunidade e aquela matéria vai trazer um benefício muito maior para a população. Caso eu queira mostrar algo que outro tenta esconder, preciso me utilizar de alguns artifícios. Então eu sou defensor da microcâmara, e de gravações ocultas, tendo sempre sob ponto de vista de que é o bem maior. Fazemos isso para mostrar um desvio de dinheiro, um golpe, e alertar a maioria da população, são criminosos e estamos fazendo isso em nome do jornalismo e da população. 17
Riscos: De acordo com Fábio Almeida, a problemática dos riscos e eventuais ameaças que a atividade pode ocasionar ao profissional está intimamente relacionada ao uso de recursos antiéticos mencionados anteriormente e com a necessidade de não ter o rosto conhecido. Almeida considera que para poder utilizar meios como microcâmeras, gravadores escondidos ou mesmo técnicas de infiltração e disfarce, precisa ser desconhecido para a grande maioria da população, ou seja, ser um repórter “sem rosto”. “Por isso, não mostro o rosto, não é uma questão apenas de segurança própria, mas estou preservando minha próxima reportagem. Caso eu for identificado, não tenho como fazer a próxima pauta, eu preciso ter condições de utilizar tais recursos”. Fábio comenta que costuma redobrar os cuidados e sempre avisa a chefia de reportagem quando recebe alguma ameaça ou sente a situação mais perigosa. Porém, acredita que no Rio Grande do Sul esse tipo de violência contra o profissional de jornalismo não é tão comum e intenso quanto no Rio de Janeiro, por exemplo. “Conhecemos casos como o do repórter Eduardo Faustini, da Rede Globo, que já foi alvo de atentados, e hoje anda com seguranças o dia todo. Então lá a coisa é um pouco mais tensa do que aqui, não chegamos a este nível e espero que não chegue”. Dificuldades: A maior dificuldade citada pelo repórter da RBSTV, é justamente a essência do meio para à qual trabalha. Para ele, a necessidade de materializar 17
Idem
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aquilo que se está denunciando com imagens, documentos ou com fontes (mesmo que às vezes, tais fontes não apareçam através de recursos de distorção de voz e imagens), torna o trabalho em televisão muito mais pesado. Em rádio, por exemplo, seria possível utilizar uma gravação, uma ligação telefônica, sonora, ou simplesmente a narração daquilo que o repórter esta presenciando, na televisão seria necessária uma equipe com um carro posicionado ou uma microcâmera para poder mostrar o fato. Evidente que a imagem de um flagrante tem seu impacto, porém, conseguir esta cena demanda toda uma questão operacional de equipamentos, equipes, distancia para captação, etc. que pode acabar dificultando e tornando todo o processo de aquisição da imagem muito mais demorado. A imagem torna-se um elemento a mais no processo de construção de uma matéria. “É preciso pensar como vai sustentar dois, três ou cinco minutos de reportagem, chegamos a trabalhar com arte, simulação, etc., mas em algumas pautas há a necessidade de imagem e sem ela não tem como seguir”. Problema recorrente é o número de fontes anônimas no jornalismo investigativo em televisão. Pessoas que denunciam alguma situação ilegal para o repórter e contribuem, a seu modo, com informações importantes para o caso, porém, não desejam se tornarem fonte para a matéria, nem mesmo com voz e imagem modificadas. Fábio Almeida comenta que já teve reportagens em que o denunciante conversava diariamente e respondia a todos os questionamentos feitos por ele por e-mail, mas nunca apareceu na matéria: “Ele colaborou muito com a reportagem e provavelmente não teria conseguido sem a ajuda dele, mas até hoje não sei quem me fez a denúncia”. Para Fábio Almeida, nem toda empresa de comunicação consegue ter repórteres investigativos, mas aquelas que possuem dinheiro deveriam investir. “O jornalismo investigativo é visto essencialmente como denúncia, mostrar aquilo que as pessoas querem esconder, é algo que precisa ser feito e é o que dá o diferencial para as empresas. Jornalismo Investigativo é divulgar informações exclusivas”. Perfil do repórter: O repórter Fábio Almeida lembra que a vaidade é algo intrínseco
ao profissional
de
jornalismo,
este
tem
por tendência
buscar
reconhecimento e visibilidade do seu trabalho principalmente no meio televisivo. Porém, o Jornalismo Investigativo feito neste meio, não traz nenhuma condecoração ao profissional, justamente pela sua tendência de não mostrar o rosto durante as matérias, o repórter, portanto, seria alguém desconhecido para a sociedade. Outro
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importante traço para a investigação levantada por Fábio é a paciência: “Não é de uma hora para outra que o repórter vai ter uma bela pauta com uma ótima denúncia, ou ás vezes ele tem isso e a fonte some, a microcâmara não grava , a pauta cai. Jornalismo Investigativo é lidar constantemente com frustração”. Por isso Almeida acrescenta a humildade e a paciência às características como vontade e determinação como fundamentais para o repórter investigativo.
4.4
ANÁLISE 4 - O SUBMUNDO DAS LUTAS POR MAURICIO TONETTO E CARLOS ROLLSING Buscando desvendar a rede de criminalidade que envolve o mundo das artes
marciais, Maurício Tonetto e Carlos Rollsing, na época repórteres da Zero Hora na versão digital, investigaram academias e campeonatos amadores de muay thai em Porto Alegre, dando origem a série de reportagens "O Submundo das Lutas", publicada em dezembro de 2014. Abrangendo publicações em vídeo e texto, as cinco matérias da série intituladas "Imóveis, ambulâncias pouco ajudam a socorrer lutadores feridos", "Repórter vira professor de muay thai por R$ 1.448", "Em estado vegetativo, jovem é vítima da irresponsabilidade”, “Minotauro: "Não é selvageria, a intenção é promover atletas", e "Polícia e MP vão investigar federações de muay thai por venda de certificados”, mostraram como ocorre os processos de compra e venda ilegal de graduações, o não uso de equipamentos de segurança em competições amadoras, má prestação do serviço de ambulância, e outros crimes. Além de revelar as sequelas daqueles que sobrevivem a falta de fiscalização neste meio. Através das reportagens foi possível averiguar a facilidade em que pessoas sem treinamento físico entram em competições e ainda adquirem certificados para darem aulas sem qualquer conhecimento no esporte. Toda essa irresponsabilidade das academias e dos órgãos fiscalizadores geram diversos acidentes, muitas vezes agravado pela incompetência do serviço de ambulância contratado que são expressamente proibidas pelas academias de se retirarem do local para levar os feridos ao hospital, pois assim o campeonato teria que ser interrompido. Este foi o caso da jovem de apenas 20 anos, Maria Luiza Ramos, que ficou em estado vegetativo após enfrentar faixa preta em campeonato amador de muay thai.
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Pré-produção:
Para
Mauricio
Tonetto,
a
experiência
do
repórter
é
determinante no momento de se determinar o futuro de uma pauta. Para ele, não há técnicas apenas o discernimento do profissional que aquele tema mesmo banal, se bem desenvolvido e investigado, tem potencial para se tornar uma grande história. Na matéria “Submundo das Lutas”, Tonetto conta que tinham como gancho a notícia da jovem, de apenas 20 anos na época, que teria ficado em estado vegetativo após lutar por faixa preta em campeonato amador de muay thai, na Sociedade Hebraica em Porto Alegre. “A história dela é muito importante, mas o que levou a acontecer aquilo é ainda mais fundamental, porque pode servir de alerta para não acontecer mais acidentes como esse”. O repórter conta que no início não tinham uma ideia definida de pauta, sabiam que existia muita irregularidade neste meio do esporte e um caso inicial que merecia ser investigado. Somente após o processo de apuração iniciar é que realmente foi possível visualizar as possibilidades de pautas e o enfoque a ser dado. Produção: Mauricio Tonetto explica que a etapa de pesquisa e produção são o que direcionará a matéria e elucidará os passos seguintes do repórter no processo de investigação. A pesquisa será a base inicial de uma reportagem e dará ao profissional um bom indicativo do que se irá encontrar e pensar anteriormente nas possibilidades e riscos envolvidos: “Tem que saber onde se vai, como, porque, quanto tempo vai precisar e como vai sair daquilo, tudo precisa estar bem amarrado antes de ir a campo”. Tonetto considera o trabalho de campo como a última parte do processo de construção de uma reportagem, para isso é necessário haver uma produção anterior que cabe ao repórter será ele que precisará “convencer o editor e todos que a ele tem um indicio que merece ser investigado, pode ser uma história boa e que a matéria vai render um bom material”. Pós-produção: De acordo com Tonetto, não somente a revisão do texto é importante como se configura passo obrigatório dentro da redação. Naturalmente quando finalizada uma matéria diária, ela passa por revisão do editor da área especifica que o repórter trabalha, como por exemplo, geral ou política. Porém, quando se trata de investigação aprofundada, a narrativa também passará por avaliação de um editor-chefe. Já houve situações em que o editor me mandou reescrever toda matéria porque não gostou do enfoque dado, e isso é completamente normal e saudável porque são temas polêmicos e precisam ter cuidados legais e
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éticos, então dependendo da gravidade do tema passa sim por instancia superior. 18
Tonetto afirma que a opção de dividir a matéria em partes dependerá exclusivamente do trabalho de apuração do repórter e da relevância das informações obtidas. Para ele, é necessário que haja material suficiente e com elementos fortes que justifiquem uma série, caso contrário é apenas uma reportagem. “A série “Submundo das Lutas” foi publicada em quatro dias de matérias, e a cada dia tinha um tópico importante”. Ética: Mauricio Tonetto contesta a visão de qualificar recursos do meio investigativo como câmeras escondidas, por exemplo, em antiéticas. Problemas como estes são frequentemente discutidos com os editores do veículo segundo Tonetto. Para ele, suas ações não ultrapassam barreiras legais: Não estava invadindo uma propriedade privada, era um campeonato de luta aberto. Não vejo nada antiético em se registrar pessoas que irregularmente lutavam sem capacete, por exemplo. Eu tenho o direito de filmar isso de uma forma que o acusado não veja porque estou prestando um serviço para a sociedade. Em muitas situações se você não estiver anônimo nem utilizar a câmera escondida, não tem como fazer reportagem investigativa. 19
Riscos: Saber seus limites e respeitá-los é um dos maiores conceitos de Tonetto para o exercício da atividade investigativa. “O repórter precisa estar ciente de que a possibilidade de enfrentar riscos é inerente à investigação. Ele precisa saber o momento limite, aquele de se parar de investigar e desistir da pauta”. Para ele, há temas que prefere não investigar por considerar demasiado perigoso, caso de pautas que envolvam tráfico de drogas, por exemplo. Mesmo evitando determinados assuntos, Tonetto afirma já ter sido alvo de perseguições e tentativas de agressão por conta das reportagens investigativas. “Depois que publicamos a série “Submundo das Lutas”, dois homens tentaram nos agredir em frente a Zero Hora. O departamento jurídico e os seguranças da empresa foram acionados e ganhamos uns dias de folga”. Dificuldades: Para Mauricio Tonetto, a pauta investigativa requer preparação anterior. Ele exemplifica com a matéria "O Submundo das Lutas", onde para obter o
18
Mauricio Tonetto, 10 de maio de 2016. Entrevista adicionada a este trabalho como apêndice
19
Idem
(D).
69
flagrante que a reportagem demandava precisaram (ele e o colega, Carlos Rollsing), se vestirem de frequentador e se familiarizarem com o ambiente. Queríamos mostrar como qualquer pessoa sem preparo poderia participar de um campeonato amador com um candidato profissional. Nós inscrevemos o Carlos Rollsing na categoria de peso-pesado para lutar com um semiprofissional e nada foi exigido, nenhum exame de sangue e nem de proficiência. 20
Além da preparação e dos riscos inseridos, Tonetto explica que esse tipo de matéria exige raciocínio lógico e cuidados: "Todas as etapas foram documentas, guardamos o extrato de inscrição, por exemplo, e o fotógrafo não foi com uma câmera grande para não denunciar e acabar com todo projeto de pauta, ele gravou com o celular mesmo". O repórter ainda lembra a dificuldade em encontrar colegas comprometidos para a realização da reportagem, por isso muitas vezes é preferível trabalhar sozinho. As pessoas precisam saber que irão se arriscar, debater muito a pauta e trabalhar em horários estranhos. Esta matéria foi em equipe, mas nem sempre é assim. Jornalismo investigativo é um trabalho solitário, ir a campo e fazer o flagrante é sempre mais individual. 21
Mauricio Tonetto afirma que é preciso convencer os editores que aquele tema pode render uma grande história. Durante as etapas de pré-produção e produção da reportagem, os editores tentam derrubar a pauta para testar se há consistência naquela denúncia, é neste momento que o repórter precisa defender o tema expondo aquilo que já conseguiu através da pesquisa. Assim, decidirão em deixar o repórter fora da pauta ou que ele faça em paralelo, e estabeleçam um tempo limite ou permitam que ele disponha do tempo que for necessário para apresentar um resultado e compor a matéria. Em O Submundo das Lutas, foram três meses de investigação porque tínhamos muito assunto, fomos até o litoral para comprar um grau, fizemos aulas com um professor que não era mestre, participamos dos campeonatos, etc. esse tipo de matéria tem um deadline mais estendido.22
20
Idem
21
Idem
22
Idem
70
Tonetto observa que a dificuldade em realizar pautas investigativas neste meio deve-se em parte à falta de iniciativa dos próprios repórteres. “Precisa ter alguém que incentive que crie uma cultura e tradição no ambiente de trabalho e que contagie outros repórteres”. E aponta como uma falácia que investigações são pautas extremamente custosas para o veículo. Nem sempre os gastos são elevados, grandes gastos são normalmente com viagens e hospedagens. Mas não vejo isso como empecilho, a matéria “O Submundo das Lutas”, por exemplo, foi aqui em Porto Alegre mesmo, então nosso único gasto foi para comprar um grau de muay thai, convencemos os editores que fazia parte da evolução da matéria e que era importante.23
De acordo com o repórter Mauricio Tonetto, as diferentes formas de linguagem que o meio online permite, como áudio, vídeo, texto e infográfico, por exemplo, longe de ser visto como um problema para o repórter significa antes o aumento da qualidade e profundidade da reportagem. “Este meio permite muito mais elementos do que uma narrativa tradicional e a contextualização de vários formatos. A narrativa não fica presa em apenas uma linguagem, portanto há mais opções de aprofundar uma história”. Para ele, a principal qualidade deste meio que o repórter precisa ter em evidencia é de seu material ser perene. “Não há como fazer investigação sem ser online”. Tonetto explica que a matéria investigativa precisa poder ser acessada a qualquer momento, pois será a partir dela que poderão surgir outras pautas e ficará o alerta a população. Perfil do repórter: Mauricio Tonetto afirma que acima de qualquer outra característica que um repórter investigativo precisa possuir, o gosto pela atividade faz-se superior. Para ele, apenas o incentivo do veículo em criar uma cultura de investigação não será suficiente para desenvolver nos repórteres o interesse pela prática: “Jornalismo Investigativo é um trabalho que demanda afinidade, tem que gostar de investigação, gostar de se incomodar”. E ainda considera a coragem em arriscar a própria vida por uma pauta e a paciência, como traços fundamentais do perfil de um repórter investigativo. “Muita gente desiste de fazer uma reportagem investigativa porque demora, ás vezes é muito trabalho para pouco resultado”, afirma Tonetto.
23
Idem
71
4.5
ANÁLISE COMPARATIVA DA GRANDE REPORTAGEM NAS MÍDIAS Buscamos com o recurso do quadro comparativo evidenciar de forma clara e
suscita as diferenças apresentadas até então no processo de construção de uma reportagem investigativa por seus meios de comunicação. Queremos aqui esclarecer que os tópicos Ética, Riscos e Perfil do repórter são de ordem subjetiva e especificas aos repórteres entrevistados para esta monografia, suas opiniões não devem ser generalizadas a toda mídia. Enquanto que para, Pré-produção, Produção, Pós-produção e Dificuldades, dizem respeito a conceitos gerais da investigação para cada área servindo assim, ao nosso presente estudo.
Quadro 2 – Reportagem investigativa em impresso.
Impresso Pré-produção: A sugestão da pauta é dada pelo editor-chefe ou repórter surgido através de fontes que procuram pessoalmente o profissional. Produção: Realiza todo trabalho de apuração dentro da redação, indo a campo apenas para captar imagens ou eventuais gravações. Pós-produção: A revisão do texto por um editor é medida obrigatória. Dão preferência pela publicação em reportagem única. Ética: Considera o uso de alguns recursos, como câmeras escondidas, por exemplo, ferramentas necessárias. Riscos: Sofreu com ameaças e tentativa de assassinato. Porém, acredita que no Rio Grande do Sul o mais comum são processos judiciais. Dificuldades: Falta de tempo/pautas diárias. Inserção de recursos audiovisuais. Perfil do repórter: Ressalta como principais características àquelas relacionadas à experiência do profissional, como a capacidade analítica e a relação com as fontes, além da impetuosidade.
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Quadro 6 - Reportagem investigativa em rádio.
Rádio Pré-produção: A sugestão da pauta é dada pelo repórter, surgidas através de fontes que procuram pessoalmente o profissional, denúncias pelas redes sociais ou mesmo como forma de aprofundamento de outra matéria. Produção: Realiza desde o início, consecutivas idas à campo desenvolvendo a aproximação com as fontes, colhendo dados e as gravações. Pós-Produção: Não há a obrigatoriedade de o texto ser revisado por um editor de texto. Dão preferência por a diluir a matéria investigativa em série. Ética: Considera o uso de alguns recursos, como câmeras escondidas por exemplo, ferramentas necessárias. Riscos: Sofreu com intimidação e tentativa de suborno.
Dificuldades: Cultura do Hard News. Elevados custos. Encontrar fontes dispostas a contribuírem para a pauta. Interesses privados da empresa. Perfil do repórter: Acredita que não há traços específicos para a investigação.
Quadro 3 – Reportagem investigativa em televisão.
Televisão Pré-produção: A sugestão da pauta é dada pelo repórter, surgidas através de fontes que procuram pessoalmente o profissional, denúncias anônimas ou através da observação do jornalista aos acontecimentos comuns. Produção: Realiza desde o início, consecutivas idas à campo desenvolvendo a aproximação com as fontes, colhendo dados e as gravações. Pós-produção: A revisão do texto por um editor é medida obrigatória. E a definição em reportagem única ou série dependerá exclusivamente da quantidade e relevância do material obtido durante produção. Ética: Considera o uso de alguns recursos, como câmeras escondidas por exemplo, ferramentas necessárias. Riscos: Sofreu com ameaças. Faz relação do uso de recursos antiéticos com a insegurança do repórter. Como medida de proteção, não mostra o rosto nas reportagens. Dificuldades: Necessidade de materializar tudo com imagens. Fontes anônimas que não querem aparecer. Elevados custos. Perfil do repórter: Ressalta a humildade e a paciência.
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Quadro 4 - Reportagem investigativa em online.
Online Pré-produção: A sugestão da pauta é dada pelo repórter, surgidas através de denúncias anônimas ou mesmo como forma de aprofundamento de outra matéria. Produção: Realiza todo trabalho de apuração dentro da redação, indo a campo apenas para captar imagens e as gravações. Pós-produção: A revisão do texto por um editor é medida obrigatória. E a definição em reportagem única ou série dependerá exclusivamente da quantidade e relevância do material obtido durante produção. Ética: Considera o uso de alguns recursos, como câmeras escondidas por exemplo, ferramentas necessárias. Riscos: Sofreu com perseguições e tentativa de agressão. Evita alguns temas por considerar demasiado perigoso como tráfico de drogas, por exemplo.
Dificuldades: Falta de iniciativa do repórter. Riscos. Preparação (como infiltração). Encontrar colegas comprometidos. Convencer os editores sobre a relevância da pauta.
Perfil do repórter: Ressalta como traços fundamentais o gosto pela atividade, paciência e a coragem.
No que se refere à construção de uma reportagem investigativa, constatamos haver alguns traços em comum para todas as mídias. A sugestão da pauta, por exemplo, acontece na grande maioria das vezes pelo próprio repórter, surgida de fontes oficiais, anônimas ou mesmo mediante a pura observação de um fato que tenha lhe chamado a atenção. Neste momento de inferir se o assunto tem potencial para se tornar uma grande reportagem, a experiência do profissional é citada como fundamental. Outro importante fator averiguado foi quanto a interferência dos recursos audiovisuais no processo de produção de uma pauta investigativa. As mídias que não tinham como essenciais elementos fotográficos, de som ou vídeo, como o impresso e o online, iam à rua apenas no final da matéria, ou seja, toda a fase de apuração é feita dentro das redações. Contrastando, por exemplo, com matérias elaboradas para as mídias radiofônicas e televisivas onde desde o recebimento da denúncia saiam à rua para conferir dados com as fontes.
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Por fim, através das análises às entrevistas percebemos que o meio radiofônico foi o único a não tornar obrigatório a revisão textual por um profissional da área. Nos meios televisivo, impresso e online, o revisor de texto foi apresentado como figura essencial, sendo necessário muitas vezes que o material seja revisado por até três profissionais além do chefe de reportagem.
75
5
CONCLUSÃO
Investigação é com certeza a chave de qualquer reportagem, seja no meio radiofônico, televisivo, impresso ou online, este gênero ganha lugar de destaque e se constitui como objeto de reafirmação do jornalismo.
Esta forma mais
contextualizada de uma notícia tem por meta provocar a opinião pública e causar a reflexão através da abordagem de assuntos complexos, polêmicos e relevantes. O Jornalismo Investigativo, considerado por muitos autores como um termo redundante, surge para explorar ainda mais a reportagem no sentido de que aprofunda o tema, normalmente denúncias sobre irregularidades e injustiças, objetivando transformar a sociedade. A busca pela verdade sempre foi o cerne da investigação jornalística, por ela repórteres embarcam por semanas, meses e até anos em um processo de obtenção de dados que parece nunca ter fim. Viajam, muitas vezes sozinhos, por lugares desconhecidos, se isolando da família e colegas de trabalho. Caminham pela estrada da ilegalidade ao se utilizarem de recursos considerados antiéticos. Por fim, arriscam a própria vida enfrentando todas as consequências para puramente poder contar a população todos os lados possíveis de uma história, uma verdade obscura ou simplesmente uma realidade que poucos conheciam. Porém, uma Grande Reportagem inclui mais que belas palavras e aspas sob uma narrativa bem ordenada. Exige estudo, trabalhar a relação de confiança das fontes, além de muito esforço (em equipe ou individual), tempo e paciência. Questões burocráticas e financeiras da empresa de comunicação além da cultura do “furo” de reportagem, que faz jornalistas abdicarem diariamente de uma cobertura mais extensa como de uma reportagem investigativa por notícias factuais, torna a atividade do repórter investigativo uma luta constante e difícil, prejudicando assim a frequência de reportagens deste tipo na mídia.
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Buscamos compreender aqui, as especificidades da reportagem investigativa em diferentes meios de comunicação. E após o conhecimento dos bastidores de quatro grandes reportagens, concluímos que suas disparidades são quanto à natureza de cada meio. O jornal impresso, por exemplo, como dispõe de maior espaço e liberdade, é o único meio a desenvolver uma prática de criação de parcerias entre os repórteres da redação para a elaboração de uma pauta investigativa mais extensa. Além disso, por este meio não necessitar captar gravações é o único a ficar essencialmente dentro de uma redação, durante a construção de uma reportagem investigativa. Por outro lado, todos os meios aqui analisados, com exceção do meio radiofônico, mostraram como passo obrigatório na composição de uma matéria a conferência e revisão do texto com um profissional especifico. Outro fator de diferenciação está no recurso da imagem que na mídia impressa não se faz fundamental, a reportagem seguirá seu rumo até a divulgação da denúncia sem qualquer empecilho. Tal circunstancia é apenas repetida no meio online, já que no meio radiofônico não há a presença de imagens e na televisão ela se faz essencial. Para obter as concepções teóricas de Jornalismo Investigativo e sobre o gênero de reportagem, recorremos à técnica da pesquisa bibliográfica, onde baseamos nosso estudo principalmente em Lopes e Proença (2003) e Lage (2001; 2006), e Rodrigues (2003), Guirado (2004) respectivamente. Já quanto aos diferenciais que envolvem a reportagem investigativa no meio radiofônico, televisivo, impresso e online, utilizamos a técnica de entrevista com os jornalistas Renata Colombo, Fábio Almeida, Humberto Trezzi e Mauricio Tonetto respectivamente, onde depreendemos a atividade diária da investigação nas mídias, foco principal de nosso corrente estudo. Porém, muito além de fatores ligados diretamente ao meio, existe um fator apreendido de forma geral em todas as mídias, sendo ele, o repórter. Citado pelos entrevistados como o principal responsável pelo futuro e divulgação de uma Grande Reportagem, é este profissional que estará incumbido por dias, semanas ou meses em apreender o máximo de informações, contatar fontes, estudar repetidas vezes o tema e por vezes se arriscar por um flagrante ou uma boa imagem. Conscientes de que enfrentarão todas as dificuldades para dar voz aos oprimidos e revelar as verdades obscuras, crimes e injustiças que coexistem em nossa sociedade.
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Caberá ao repórter procurar estimular no seu correspondente meio de atuação a prática de uma reportagem aprofundada, buscando propor pautas interessantes que fujam do recorrente tentando assim criar uma cultura na sua empresa. Evidente que precisa haver apoio da instituição, visto normalmente como um modelo jornalístico caro, pois há excessivos gastos com hospedagem, deslocamento dos repórteres e equipamentos, por exemplo, a reportagem investigativa acaba sendo abandonada pela correria diária por informações factuais. A esta profissional também convém ter a sensibilidade de avaliar se determinada denuncia vale o investimento de tempo e recursos. Assim como o momento de agir ou esperar, ouvir e a hora de gravar, e até mesmo o momento de abandonar a pauta e decidir viver para outra história. É preciso haver parcimônia, mas saber brigar pela pauta com os editores e chefes de redações se for preciso. O resultado final da matéria dependerá exclusivamente do empenho e dedicação destinado pelo repórter em cada etapa da construção da reportagem. Este trabalho de conclusão de curso tem por meta estimular uma reflexão sobre a importância do exercício da atividade investigativa, compreender seus processos e dificuldades e incitar a prática da Grande Reportagem em todos os meios de comunicação. Somente assim o jornalista excederá seu papel de apenas transmitir informações, para passar a provoca-las, se tornando um agente ativo que cause inquietação a sociedade e transforme a vida de todos que foram, são ou ainda serão enganados, explorados ou injustiçados. Que a comunicação consiga contribuir para a construção de uma realidade diferente; que o medo não permita aos futuros jornalistas de revelar os mais sórdidos crimes.
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APÊNDICES
APÊNDICE A: Entrevista com a repórter Renata Colombo
1. Qual foi a matéria investigativa de maior destaque na sua carreira? Com toda certeza “Império da Areia: A Dragagem que mata o Jacuí” foi o trabalho mais profundo de investigação que eu fiz na Rádio Gaúcha. Ficamos oito meses investigando, seis de produção e dois com trabalho de campo. Coletamos muito material e isso levou a uma série de reportagens que teve um impacto não só por conta das matérias que nos trouxe um reconhecimento muito legal, mas o fundamental foi o impacto social que ela teve, nós realmente conseguimos mudar um cenário de um crime ambiental cometido por empresas legalizadas e do poder público que não cumpria com o seu papel. Não só tivemos um feedback positivo do público que nos acompanhou como de entidades que nos apoiaram, com certeza essa reportagem foi a mais importante.
2. Na sua opinião, porque a reportagem investigativa não é tão difundida neste meio? As rádios em geral têm uma cultura muito mais da informação em Hard News, curta, factual, em tempo real, do que a matéria mais elaborada. Quando inscrevemos nossa matéria em alguns prêmios, nós percebemos que as matérias de rádio aparecem em número muito menor do que produções de televisão e jornal. Por que estes meios dão mais espaço para que os repórteres fiquem fora da pauta e consigam ir a fundo em uma pauta relevante. A Rádio Gaúcha tem essa política de dar espaço para reportagens investigativas e especiais, a linha editorial da rádio dá essa liberdade para o repórter fazer matérias que vão além do factual, do convencional da informação do dia a dia, da apuração do Hard News. A Guaíba tem isso, apesar da sua equipe pequena, isso vai mais da cultura e do estado das rádios. Porque é um material que vale a pena e na rádio também é possível fazer muita coisa legal se o repórter se debruçar, é um assunto que demanda mais tempo,
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esforço, é intenso, às vezes mais perigoso, mas é importante ter esse espaço, infelizmente isso não acontece em todos os veículos. 3. Como surge a ideia da pauta? A partir do momento que você começa a fazer pautas não convencionais, seus olhos vão se abrindo para coisas diferentes e também aquelas que estão do teu lado e você não enxergava. A experiência de reportagem vai trazendo isso, você presta atenção em tudo a sua volta e começa a desconfiar das coisas com um olhar mais crítico. Neste caso, ela surgiu pelas redes sociais, mas eram denúncias jogadas ao vento, mencionavam a mim e ao Fábio Almeida além do Ministério Público da área ambiental. Fomos atrás de pessoas que nos contaram as histórias, desconfiamos e resolvemos investigar. Mas em outras matérias, já surgiu ideias de pautas quando estava em outra matéria e veio uma situação curiosa, ou pessoas me procuravam para contar um fato, depende muito e o repórter tem que estar atento porque às vezes as coisas mais inesperadas podem render uma boa história. Uma simples suspeita pode originar uma pauta.
4. Quando é você que sugere a pauta, encontra alguma barreira? Quais? Quando nós resolvemos levar a pauta adiante, avisamos a chefia de reportagem que estávamos com algumas suspeitas sobre um crime que estava ocorrendo no Rio Jacuí, iriamos apurar e deixá-los informados. Lá no meio do caminho, descobrimos que uma das empresas envolvidas no crime ambiental era uma das patrocinadoras da Rádio Gaúcha. Pensamos que a pauta ia morrer, afinal a RBS é uma empresa privada. Fomos conversar com o chefe de reportagem, ele falou: “Faz assim, você espanca essa pauta, mas espanca, se ela parar em pé, ela é tua”. E foi o que nós fizemos, conseguimos provar as denúncias e definimos com ele em quais programas ele seria veiculado, o roteiro, etc. e aconteceu, nós perdemos o patrocinador por causa da nossa matéria, por defendermos o jornalismo. Mas sabíamos que não podíamos criticar completamente se a escolha não fosse essa.
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5. A partir de aprovado a pauta, quais são os primeiros passos quanto a apuração da matéria? A pauta só é completamente aprovada depois de pronta. O repórter não pode ir para uma pauta com um roteiro pré-estabelecido, ele não sabe o que vai encontrar, o que vai acontecer, o que a mais pode surgir além da tua ideia préconcebida. Às vezes, você só tem uma pista e as coisas vão surgindo. Mas nessa pauta começamos nos aproximando das pessoas, fizemos muita ida a campo, na hora de produzir o texto tinha mapas espalhados por toda minha casa, precisamos aprender algumas questões técnicas de mediação, distância de margem, profundidade... nos aproximamos de pessoas que sabiam disso, conseguimos os equipamentos necessários para provar e fazer as medições. Cada coisa que surgia, a cada oportunidade a gente corria para lá, as vezes eu saia da Rádio Gaúcha e ia direto ficávamos até de noite. Os fatos vão surgindo todos ao mesmo tempo, não dá para pensar em separar: nessa semana farei as entrevistas, na próxima colherei os dados... as coisas vão aparecendo e você precisa ir juntando as informações, ligando os fatos e organizar, literalmente colocar no papel e ir montando o quebracabeça. Não foi uma coisa traçada. A única coisa que programa foi que deixamos para entrevistar a Fepam, como as três empresas do cartel por último, depois de colhido todo o material, todas as denúncias contra eles e um flagrante contra eles. Mas de resto foi conforme fomos descobrindo as coisas.
6. Quais são as principais diferenças e dificuldades em realizar jornalismo investigativo neste meio? Uma facilidade de fazer uma matéria investigativa em rádio é que você não tem necessidade de flagrar imagem em tudo. Às vezes é uma situação mais adversa e difícil de obter um flagrante, a câmera pode atrapalhar mais do que ajudar, porque é um equipamento grande, precisa ter uma distância razoável, tem toda uma questão de operação que não agiliza o processo. O facilitador do rádio é que você só precisa gravar, registrar aquele momento em áudio. E isso te possibilita prestar mais atenção nas cenas para poder descrever.
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7. Qual a importância da imagem neste meio? Não acho que uma matéria que traga só áudio irá perder sua qualidade, nesta matéria, por exemplo, trazemos muito som ambiente, sonoras e material em áudio para conseguirmos recriar todo o cenário. Usamos tanto da descrição da situação e do ambiente, que o áudio veio agregar para trazer uma ideia de realidade para as pessoas. A televisão cria um enredo focado unicamente pelas forças das imagens nas operações, já em rádio mudamos o enfoque para o órgão ambiental que deveria proteger o meio ambiente e estava colaborando com o crime ambiental. Se não tem a imagem você pode abordar enfoques diferentes, tem que saber jogar com os recursos que se tem.
8. Quais são os maiores desafios para conseguir encontrar as fontes? As fontes consideravam esse assunto muito grave, porque elas lidavam com aquilo diariamente, conheciam aqueles grupos que praticavam os atos ilegais, elas tinham muito medo e nós percebíamos isso. Precisamos ter muita paciência até que eles confiassem na gente. O mais trabalhoso foi mostrar para as pessoas que a nossa intenção era mostrar a realidade das denúncias e tentar provar aquilo. Demos o tempo necessário e até hoje eles são os nossos amigos.
9. Durante a investigação de uma matéria já sofreu alguma represália ou ameaça? Nós sofremos indiretamente. As empresas tentaram se aproximar para ver se conseguiam nos persuadir de nos impedir de seguir com a matéria. Principalmente depois de entrevistarmos os representantes das empresas, porque tiveram certeza que a matéria realmente seria divulgada. Várias vezes, quando em trabalho de campo, éramos intimidados pelos olheiros das empresas que faziam a ronda da área, tiravam fotos, flagravam os carros, tentaram se aproximar com uma tentativa de suborno e até jogaram o barco para cima da nossa equipe para nos impedir de realizamos a matéria.
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10. Em alguma pauta do meio, foi necessário se utilizar de câmeras escondidas, grampos, ou outro recurso considerado antiético? Qual sua opinião sobre isso? Eu já fiz câmara escondida numa matéria que tentava flagrar funcionários do Hospital Cristo Redentor batendo o ponto e indo para casa, o que gerava uma irregularidade ganhando adicional noturno. Era um hospital público, funcionário público, dinheiro público, nós optamos por usarmos a câmera escondida, conseguimos pegar o homem fazendo o registro do ponto, tive o acesso as tabelas do ponto, seguimos os funcionários para provar que realmente eles não trabalhavam depois que batiam o ponto. Conseguimos provar o adicional noturno no ponto deles e eles acabaram sendo exonerados, porque eles eram uma fraude no serviço público. Optamos por usar esse recurso e sem esse ele não conseguiríamos. 11. Quando você termina de escrever, tem algum editor que olha ou corta seu texto? Não existe esta obrigatoriedade, mas muito pelo consenso, pela parceria, e pela experiência de se fazer este tipo de matéria, acabamos sempre passando para alguém dar uma olhada. O boletim do dia-a-dia não passa por editor algum, mas no caso de matérias especiais o pessoal costuma ter o bom senso de passar para um repórter com mais experiência, um editor ou o chefe de reportagem. Pedir a opinião, ver se está compreensível, costuma haver uma troca, mas não é uma regra. 12. Como se definiu a divisão da reportagem em série ou uma única? A matéria investigativa em rádio nunca será em apenas uma, o ouvinte dorme no terceiro minuto. Para esta reportagem, descobrimos muito assunto e desencavamos muita coisa interessante, e, além disso, era preciso dar espaço para as empresas se defenderem. Para não ficar matérias extensas demais e chatas de ouvir, a gente dividiu em temas.
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No rádio, foi em quatro reportagens e três na televisão. Mas tudo no mesmo dia e a pessoa tinha que assistir a todos os programas para não perder a linha. Foi um bombardeio daquela informação, e nós atingimos muito mais quem precisava atingir, que era o poder público, as empresas e os órgãos fiscalizadores, do que se tivéssemos dissolvidos. Usamos todos os programas de jornalismo da rádio e a tarde um makin of. E ao longo da semana continuou, nós fizemos o programa Polêmica com o Lauro Quadros, fizemos a Zero Hora e participações na TVCOM. 13. Mesmo com a correria diária, em sua opinião ainda é possível fazer jornalismo investigativo produzindo grandes reportagens nas redações de rádio? Quando ganhamos o Prêmio Internacional de Jornalismo Rei da Espanha na categoria Rádio em 2014, foi a primeira vez que um rádio brasileiro ganhou, e eles destacaram os bastidores da matéria, que tivemos um trabalho primoroso de apuração, pesquisa, externa e dedicação na investigação e que isso falta em rádio. Esse retorno foi muito legal, porque vimos que existe espaço e que isso é valorizado. O retorno é muito positivo, tanto para a rádio, quanto para o repórter. Retorno da interação do ouvinte, da confiança das pessoas quando eles veem que você pode ir além e contar uma história que talvez nunca seria contada, tem um retorno positivo das entidades que acompanham a rádio, do poder público que vão ver no repórter e na empresa de comunicação uma possibilidade de serem descobertos. Existe o dilema de espaço, de equipe insuficiente, não ter como pagar horas extras... tem um monte de questões que interferem na hora de liberar um repórter para uma pauta dessas. As redações enxergam que estão perdendo o repórter um pouquinho por dia, por vários dias, para trazer apenas uma pauta, é uma questão muito editorial. Mas os veículos precisam ver que é uma Grande Reportagem que acaba trazendo um fôlego e uma credibilidade muito grande tanto para o repórter quanto para a emissora. Eu até hoje, não conheço uma reportagem em rádio que não tenha dado um retorno positivo. Eu não vejo porque de vez quando não se dispensar um repórter para se dedicar para este tipo de investigação.
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14. Existe alguma característica que o repórter investigativo precisa possuir? O Jornalismo Investigativo demanda tempo, cérebro, bom senso, entrevista, pesquisa, estudo, ouvir mais do que falar, desconfiar de tudo que se ouve... é muito difícil, mas o desgaste que o profissional tem em uma reportagem investigativa, é um esforço que ele quer, você se dedica para aquilo, sabe o teu objetivo e o que vai encontrar. No trabalho do jornalismo em geral, pode ser que ele se depare com situações adversas que exijam muito mais o emocional que pautas investigativas. Numa reportagem diária, como a tragédia da Boate Kiss, por exemplo, você não tem tempo para se preparar. Eu fiquei dias em Santa Maria, entrei escondida no galpão onde estavam os mortos e eu jamais me preparei para aquilo, fiquei muito abalada por meses depois. É o trabalho da reportagem em geral que te exige um amadurecimento intelectual, psicológico e físico, o repórter precisa cuidar dele mesmo, caso contrário ele não aguenta. Investigação é pontual, na cobertura geral, você nunca sabe o que vai acontecer, não há preparação para fazer investigação, tem que estar alerta a aprender, dedicação, disposição física e estar disposto a enfrentar os riscos.
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APÊNDICE B: Entrevista com o repórter Fábio Almeida
1. Quais são as maiores diferenças deste meio com outros na prática da investigação? Na televisão você trabalha com imagem, precisa materializar muito o que se está denunciando seja com documentos ou com alguém denunciando mesmo que não apareça (ou seja, se utilizando de artifícios como distorção de imagem e voz). Quando eu trabalhei na Rádio Gaúcha, fiz muita matéria em que usamos uma ligação telefônica, sonora, ou uma narração do que estávamos vendo, na televisão isso não seria possível, eu teria que estar com um carro posicionado em um local estratégico com uma câmera ou uma microcâmara para poder mostrar o fato. A imagem é um elemento a mais na reportagem, ou seja, se tem um trabalho um pouco mais denso e pesado. Você precisa pensar como vai sustentar dois, três ou cinco minutos de reportagem, muitas vezes até tentamos, trabalhamos com arte, simulação, mas em algumas pautas há a necessidade de imagem e sem ela não será possível.
2. Como surge a ideia da pauta? Muito vem de observação, mas também recebemos muitas denúncias em razão do número de fontes que cultivamos ao longo do tempo (policiais, ministério público, etc.), ou pessoas que veem nosso trabalho e nos sugerem. Mas é o repórter mesmo que sugere e produz a pauta. A notícia factual vem através de release das assessorias de imprensa, de alguém que ligou para a redação e do que está acontecendo no momento.
3. Quando você sugere a pauta, encontra alguma barreira? Não porque já se estabeleceu uma confiança em mim, então quando uma fonte me liga para contar uma informação, só aviso a chefia de reportagem e vou investigar. Depois, com o chefe de reportagem e a direção de TV avaliamos qual o peso da matéria e para qual programa ela renderá mais, aí decidimos se vendemos para Jornal do Almoço, RBS Notícias, e se for uma história que serve de alerta para todo Brasil, tentamos a Globo e eles avaliam o programa que ela será divulgada.
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4. A partir de aprovado a pauta, quais são os primeiros passos quanto a apuração da matéria? Depende muito da matéria, como a reportagem investigativa não tem um prazo, uma delimitação de tempo e a RBS dispõe de duas equipes investigativas, conseguimos ter um tempo maior para uma melhor apuração. Então a gente recebe uma denúncia e vai para a rua para confirmar a informação, nos aproximamos de pessoas, contatamos as fontes técnicas para, dependendo da pauta, entender questões mais especificas, realizamos as gravações, etc. Então cada matéria segue um rito.
5. Quais são os maiores desafios para conseguir encontrar as fontes? Lidamos bastante com o problema das pessoas que fazem a denúncia e não querem aparecer. Mesmo com a possibilidade de não terem o rosto divulgado e a voz modificada aceitam dar um depoimento. Há pessoas que até aceitam passar informações e se disponibilizam a dar toda ajuda possível, mas apenas por e-mail, sem se mostrarem. Eu fiz uma reportagem em 2008 para a Rádio Gaúcha, sobre os funcionários comissionados fantasmas na prefeitura de Gravataí, e até hoje não sei quem me fez a denúncia, ele me respondia todas as minhas questões, mas nunca apareceu, não conheço o rosto dele.
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6. Qual sua opinião sobre alguns recursos de meio televisionado considerados antiéticos como câmeras escondidas para ter acesso às imagens? Eu vejo recursos como microcâmara ou gravações sem o consentimento da pessoa, como ferramentas. Uso o princípio do bem maior, essa pessoa está cometendo um crime e eu mostrar isso, mesmo sem ela saber, vai servir de alerta para a comunidade e trazer um benefício muito maior. Eu vejo esses recursos como qualquer outra ferramenta do jornalismo. A câmera comum, jornalista, cinegrafista, toda essa equipe afasta a realidade. Se eu quero mostrar algo que outro tenta esconder, eu tenho que me utilizar desses artifícios, então eu sou defensor da microcâmara, sou defensor dessas gravações, tendo sempre sob ponto de vista de que é o bem maior, precisamos fazer isso para mostrar um desvio de dinheiro, um golpe, um alerta para a maioria da população, são criminosos a agente está fazendo isso em nome do jornalismo e da população.
7. Qual sua opinião sobre alguns recursos de meio televisionado considerados antiéticos como câmeras escondidas para ter acesso às imagens? Eu vejo recursos como microcâmara ou gravações sem o consentimento da pessoa, como ferramentas. Uso o princípio do bem maior, essa pessoa está cometendo um crime e eu mostrar isso, mesmo sem ela saber, vai servir de alerta para a comunidade e trazer um benefício muito maior. Eu vejo esses recursos como qualquer outra ferramenta do jornalismo. A câmera comum, jornalista, cinegrafista, toda essa equipe afasta a realidade. Se eu quero mostrar algo que outro tenta esconder, eu tenho que me utilizar desses artifícios, então eu sou defensor da microcâmara, sou defensor dessas gravações, tendo sempre sob ponto de vista de que é o bem maior, precisamos fazer isso para mostrar um desvio de dinheiro, um golpe, um alerta para a maioria da população, são criminosos a agente está fazendo isso em nome do jornalismo e da população.
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8. Durante a investigação de uma matéria, já sofreu alguma represália ou ameaça?
Geralmente aviso a chefia e redobro o cuidado. Por isso, não mostro o rosto, não é uma questão apenas de segurança própria, mas estou preservando minha próxima reportagem. A partir do momento em que utilizo a micrômera e técnicas de infiltração, se eu aparecer na televisão, se meu rosto for conhecido, eu não tenho como fazer a próxima pauta, eu não teria mais condições de utilizar tais recursos. Felizmente no Rio Grande do Sul, essa questão da violência está um pouco atrás, a gente sabe de colegas, o Faustini, por exemplo, do Rio de Janeiro, que já sofreu atentado com milícias armadas e anda com segurança 24hs por dia, então lá a coisa é um pouco mais tensa, não chegamos ainda a este nível e espero que não chegue.
9. Quando você termina de escrever, tem algum editor que olha ou corta seu texto? O teu texto passa por um processo de edição natural e essencial. O editor de texto é uma peça fundamental dentro do jornalismo na TV. Ele é tanto dono da reportagem quanto o próprio repórter, é ele que vai te dar um norte na narrativa da matéria. Muitas vezes o repórter fica tanto tempo investigando determinado assunto que acaba dominando aquele tema e acha que todos também vão entender o que ele disser, é o editor de texto que diz o determinado ponto a ser melhor explicado, para ficar compreensível para todos, desde a Dona Maria, dona de casa ao juiz que estejam assistindo o Jornal do Almoço e ambos consigam entender. Você traz o material da rua e ele que vai cortar e lapidar o material. Não é questão de isso pode, isso não, é melhorar o entendimento.
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10. O que é levado em conta no momento de se definir se será apenas uma reportagem ou uma série? Depende da coleta de informações. Eu fiz uma matéria ainda esse ano sobre possíveis adoções ilegais em Riozinho, no Rio Grande do Sul, fui para a cidade fazer apenas uma matéria, mas vi que tinha potencial para muito mais, consegui documentos, depoimentos fortes e desenhar toda a situação. O repórter traz tudo e vê o que poderá render. Neste caso, vimos que tinha muito material e desmembramos ele em uma série de quatro reportagens.
11. Mesmo com a correria diária, em sua opinião ainda é possível fazer jornalismo investigativo produzindo grandes reportagens nas redações de televisão? É a investigação que dá o diferencial para as empresas, o jornalismo ainda e visto como denúncia, revelar aquilo que as pessoas querem esconder e cada vez mais eu acho importante e acho que precisa ser feito. As empresas que conseguem fazer Jornalismo Investigativo deveriam realmente investir. E o retorno é dado, a RBS no último ano, foi a segunda empresa do Brasil mais premiada, e se fizer um levantamento de quais matérias foram mais premiadas, foram as investigativas, em que a apuração foi mais extensa, buscando informações exclusivas. Jornalismo Investigativo é basicamente de exclusividade, diferente de jornalismo de cobertura de investigação.
12. Qual a força de uma reportagem investigativa neste meio? A televisão tem mais impacto por causa da imagem, se você conseguir um belo fragrante, uma ótima gravação com a microcâmara. Mas o peso é o mesmo, a qualidade é a mesma, só que a TV tem um alcance muito maior. E hoje em dia as rádios e jornais possuem canais multimídias onde é possível divulgar fotos e vídeos.
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13. Existe alguma característica que o repórter investigativo precisa possuir? O repórter normalmente quer aparecer, mas no Jornalismo Investigativo pelo menos nos nossos moldes, nós não aparecemos. Todo jornalista é vaidoso, ele quer reconhecimento do seu trabalho, mas é preciso muita paciência, por isso considero essa como a principal característica. Não é de uma hora para outra que o repórter vai fazer uma bela pauta, uma bela denúncia, ou as vezes ele tem tudo isso, e a pauta cai, a fonte some, a microcâmara não grava... Jornalismo Investigativo é lidar constantemente com frustração. As redações estão cada vez mais com jovens fazendo Jornalismo Investigativo, chegando com vontade, determinação e muita paciência para trabalhar.
APÊNDICE C: Entrevista com o repórter Humberto Trezzi
1. Você considera que o jornalismo feito no meio impresso mudou ao longo do tempo? E quais são as maiores diferenças deste meio com outros na prática da investigação? O impresso mudou muito, o que nos chamávamos de jornalismo impresso hoje ele é feito online, e na medida em que ele feito online nos temos que apelar para recursos audiovisuais semelhantes ao de uma televisão. Todas as reportagens investigativas ou que incluem infiltração do repórter em alguma organização que nós fazemos hoje em dia, exigem vídeo também. A grande diferença é que a televisão exige mais apuração estética, sem imagem a reportagem não existe, em jornal ela é possível, muito de documentos apuração mais aprofundada. Mas uma boa reportagem investigativa hoje une elementos de jornal e televisão. A maior dificuldade não está no meio, mas em conseguir que este te disponibilize tempo para realizar a matéria.
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2. Como surge a ideia da pauta? Quando é você que sugere a pauta, encontra alguma barreira? Quais? Muitas vezes é o próprio repórter ou o chefe de reportagem sugere algum tema, depende muito. Barreira que nós mais encontramos, é a disponibilidade de tempo. Por mais que não exista rotina é difícil deixar um repórter apartado do dia-adia para realizar investigação. A Zero Hora tem um maior grupo de investigação do estado, de umas sete ou oito pessoas que pelo menos duas vezes por ano conseguem ficar fora da pauta para realizar investigação, o que não significa que todos façam todos os anos, mas existe a semente plantada.
3. Como funciona esse grupo? Nós trabalhamos prioritariamente outras pautas, mas de vez em quando conseguimos fazer Jornalismo Investigativo. Algumas pessoas da redação foram escolhidas pela direção do jornal, pela experiência e perfil, para atuar em pautas mais delicadas que exigem investigação. Não significa que só elas possam fazer reportagens investigativas, nem que só fazem isso, mas ganham prioridade na hora de alguém fazer uma pauta dessas. No Brasil, não há um grupo que realiza investigação, nós temos pessoas especificas que usam muito câmera oculta e por isso não revelam o rosto.
4. O trabalho de investigação normalmente é feito só pelo repórter? Não, trabalho sempre com alguém nessas pautas grandes, como um fotógrafo ou um colega.
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5. A partir de aprovado a pauta, quais são os passos quanto a apuração da matéria? Hoje em dia com a internet, não há necessidade de sair da redação. Muitas vezes ela é toda baseada em documentos, e pela Lei de Acesso a Informação (LAI) 24
conseguimos tudo de que precisamos. Ano passado fizemos uma matéria sobre
professores que ganhavam para ter dedicação exclusiva e ganhavam mais fora do que dentro da universidade. Pedimos os contratos entre as universidades federais e os professores e veio milhares de páginas. Nesses casos, a foto é bem complicada, como fachada de faculdades, vai atrás do cara e fotografa, etc. Em algum momento tenho que sair da redação, mas a maior parte da matéria é feita lá.
6. Durante a investigação de uma matéria já sofreu alguma represália ou ameaça? Várias vezes, quando fazia crimes de rua, gangues, etc. Já sofri tentativa de homicídio no Rio de Janeiro, quando fotografava traficantes para Zero Hora. Em outra situação me fizeram de refém de traficantes, não acreditaram que eu era jornalista, tive que provar. Cheguei a usar seguranças e tenho colegas que se ausentaram do serviço para ir morar em um hotel por conta da insegurança. Mas o que eu mais enfrento é processo judicial, semana que vem tenho mais uma audiência, a quarta do ano, mas é o jornal que é processado, isso é comum aqui no Rio Grande do Sul. Já fui muito processado, mas agora é o jornal. No Rio de Janeiro e em São Paulo é mais comum ameaçarem e matarem o próprio jornalista.
24 A Lei de Acesso à Informação (LAI), entrou em vigor em maio de 2012 e regula o direito a qualquer pessoa, física ou jurídica, mediante pedido, a receber informações públicas dos órgãos e entidades.
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7. Em alguma pauta do meio, foi necessário se utilizar de câmeras escondidas, grampos, ou outro recurso considerado antiético? Qual sua opinião sobre isso? Não vejo problema, em algumas situações só a câmera escondida e ocultando tua identidade de jornalista que você vai conseguir obter provas. Ano passado fiz a matéria “Minha Casa, Minha Fraude” usando a câmera escondida. Eu acertava a compra de imóveis do programa do governo Minha Casa, Minha Vida, que não podem ser vendidos até estarem quitados. Descobri que os moradores e as imobiliárias invadem, alugam e vendem, se eu chegar lá dizendo que sou jornalista, ele não vai me vender e eu não conseguirei o flagrante. Eu acho que essa questão de ética deve ser reservada no que se refere a vida privada de alguém, a menos que o interesse público seja maior, problemas criminais e administrativos de forma geral devem ser mostrados. E outra, descobri que dá para gravar muita coisa sem precisar mentir, as pessoas estão tão acostumadas a mentir ou a cometer seus pequenos ou grandes delitos que não se preocupam. Caso desta reportagem, em que me fiz de comprador e o homem me vendeu sem nem ao menos perguntar meu nome. As vezes não preciso mentir, não me perguntam e eu não falo, gravo sem precisar mentir, e os tribunais garantem que eu possa gravar para se proteger caso o entrevistado venha negar o que falou. Já fui salvo em muito em muito processo por gravações. Hoje em dia não gravo tudo, não tenho tempo para isso, gravo as entrevistas que eu intuo complicação, já vi casos de colegas surpreendidos por pessoas comuns que se encrencaram e quiseram desmentir a entrevista, pessoas comuns de uma pauta diária.
8. Quando você termina de escrever, tem algum editor que olha ou corta seu texto? Pelo menos três pessoas olham meu texto, quanto mais complicada a reportagem mais gente olha, é algo obrigatório. Os editores são extremamente necessários, são pessoas que formatam a página, o texto e conversam com o repórter dizendo o que precisa melhorar, não é uma censura é para evitar erro.
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9. Em que momento e o que é levado em conta no momento de se definir se será apenas uma reportagem ou série? Muitas vezes decidimos isso na última semana. Agora está muito em voga reportagem única. Descobrimos que o leitor no domingo tem mais tempo e paciência para ler até 10 páginas de texto. Antigamente era só serie, achavam que tinha que diluir ao longo da semana para não cansar o leitor, atualmente tem bastante espaço no jornal e um caderno chamado DOC em que tem reportagens de 10 páginas toda semana. A investigação e a reportagem aprofundada são a salvação do jornalismo, seja no meio que for.
10. Existe alguma característica que o repórter investigativo precisa possuir? De forma geral o jovem tem mais dificuldade de fazer Jornalismo Investigativo, é preciso ter capacidade de pesquisar documentos e contato com as fontes, coisas que só alguém mais experiente possui. O ideal é que houvesse os dois, o mais experiente e o mais jovem com sua impetuosidade e com os desafios próprios da sua condição.
APÊNDICE D: Entrevista com o repórter Mauricio Tonetto
1. Como surge a ideia da pauta? Acredito que isso depende muito do feeling do repórter e do editor em saber que ali tem um assunto que pode até ser banal, mas quando bem desenvolvido e investigado pode originar uma grande reportagem. Nessa pauta, usamos como gancho a menina que ficou em estado vegetativo ao competir em um campeonato amador de muay thai na Sociedade Hebraica, em 2011. A história dela é importante, mas o que levou a acontecer aquilo é mais importante ainda, porque pode servir de alerta para não acontecer mais isso. Eu e o meu colega o Carlos Rollsing conversamos, não tínhamos uma ideia da pauta, sabíamos que tinha muita irregularidade e um caso real que merecia ser investigado e a partir do memento que começamos a apuração surgiu muita coisa.
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2. E enfrentou alguma barreira? Os editores vão tentando derrubar a matéria para saber se tem consistência naquela denúncia e no que você está investigando. Até eles se convenceram e deixarem o repórter fora da pauta ou permitirem que ele faça em paralelo, estabelecendo um tempo ou te deixando livre para apresentar um resultado. No caso desta matéria, foram três meses de investigação, porque tínhamos muita coisa, viajamos até o litoral para comprar um grau, fizemos aulas com um professor que não era mestre, visitamos as fontes, participamos dos campeonatos, etc. esse tipo de matéria tem um deadline mais estendido.
3. E quais foram as maiores dificuldades e diferenças deste meio com outros na prática da investigação? Essa matéria precisava de flagrantes, sabíamos que existiam campeonatos irregulares, para provar isso precisávamos ir até o local e para se flagrar os crimes precisávamos de uma preparação. Em um dos campeonatos amadores que nós fomos era na Academia Team Nogueira da franquia do Minotauro, era uma academia de elevado padrão e custo, pessoas com alto e baixo poder aquisitivo frequentavam. Nós sabíamos que era irregular, precisamos visitar o lugar como frequentadores e nos familiarizarmos com o ambiente, não podíamos chegar como estranhos. Queríamos mostrar que qualquer pessoa sem preparo físico poderia participar de um campeonato amador com um candidatado profissional. Inscrevemos o Carlos na categoria de peso-pesado para lutar com um cara semiprofissional, e não foi exigido nenhum exame de sangue, proficiência nem nada. Todas as etapas foram documentas, guardamos o extrato da inscrição, por exemplo, o fotografo não foi com uma câmera grande para denunciar e acabar com todo projeto de pauta, gravou com o celular mesmo.
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4. O trabalho de investigação normalmente é feito apenas pelo repórter? Nem sempre, esta matéria foi um trabalho de equipe, mas as pessoas precisam estar comprometidas com a matéria, se arriscar, trabalhar em horários estranhos, a pauta precisa ser muito debatida. Mas nem sempre é assim, jornalismo investigativo é um trabalho solitário, ir a campo fazer o flagrante é sempre mais individual.
5. A partir de aprovado a pauta, quais são os primeiros passos quanto a apuração da matéria? Existe um trabalho de pesquisa anterior, para se ir a campo fazer o flagrante e o vídeo que dá substância a matéria, o repórter precisa saber exatamente o que está fazendo. Precisa ter um bom indicativo daquilo que se vai encontrar, até para preservar sua integridade física e não correr risco. Precisa saber onde se vai, como vai, porque, quanto tempo vai levar e como se vai sair daquilo, tudo precisa estar bem amarrado antes de ir a campo. Considero que numa matéria investigativa o trabalho de campo é o final, é a chave que fecha tudo, tem que haver produção e a produção cabe ao repórter, é ele que tem que convencer o editor e a todos que ele tem um indício que merece ser investigado e que aquele material pode render uma boa história.
6. Qual a importância da imagem neste meio? Não é fundamental, caso fosse uma investigação sobre gastos públicos, por exemplo, você não precisa de imagem, mas de dados. Depende da proposta da matéria, se for uma denúncia de alguém trabalhando irregularmente, você precisa da imagem do acusado.
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7. Em alguma pauta do meio, foi necessário se utilizar de câmeras escondidas, ou outro recurso considerado antiético? Qual sua opinião sobre isso? Não vejo nada de antiético ou errado nesse aspecto. Porque eu não estava invadindo uma propriedade privada, e eu tenho o direito de filmar algo de uma forma que o acusado não veja, porque estou prestando um serviço para a sociedade e não estou ultrapassando nenhuma barreira legal. Eu participei de um campeonato de luta aberto, não vejo nada antiético de se registrar que as pessoas lutam sem capacete, por exemplo. Em muitas situações se o repórter não estiver anônimo ou sem o uso de câmera escondida, não há como fazer reportagem investigativa. Isso é muito discutido com os editores do veículo, afinal você está representando uma empresa.
8. Quando você termina de escrever, tem algum editor que olha ou corta seu texto? Ele passa normalmente pelo editor imediato, da tua área, por exemplo, e depois para um editor maior, como o editor-chefe. É obrigatório, já houve situações em que o editor me mandou reescrever toda matéria, porque não gostou do enfoque dado, e isso é completamente normal e saudável porque são temas polêmicos e precisam ter cuidados legais e éticos, então dependendo da gravidade do tema passam sim por instâncias superiores.
9. O que é levado em conta no momento de se definir se será apenas uma reportagem ou série? Normalmente, a série precisa ter material forte que justifique ela ser uma série. “Submundo das Lutas” foram divididas em quatro matérias e a cada dia tinha um tópico forte. Começamos mostrando os campeonatos amadores irregulares, os mestres e federações picaretas, o tráfico de graus, e por fim, a menina que ficou em estado vegetativo. Depende muito do trabalho de apuração do repórter e da relevância das informações.
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10. Durante a investigação de uma matéria já sofreu alguma represália ou ameaça? Como foi e o que fez? Depois que publicamos a série, dois homens estavam nos esperando em frente a Zero Hora, para nos bater. Foram acionados o departamento jurídico e os seguranças da empresa e ganhamos uns dias de folga. Em outra situação, os acusados estavam me perseguindo. Tem certos assuntos que não investigo, como tráfico de drogas, por exemplo, é muito fácil entrar nesse assunto, mas acho muito arriscado. O repórter tem que estar consciente de que a possibilidade de enfrentar riscos é inerente à investigação. Ele precisa saber o momento limite, aquele de se parar de investigar e desistir da pauta.
11. Existe alguma característica que o repórter investigativo precisa possuir? Precisa ter paciência, muita gente desiste de fazer uma reportagem investigativa porque demora, ás vezes é muito trabalho para pouco resultado. A RBS incentiva que os repórteres entrem no meio investigativo, mas pouca gente se interessa. É um trabalho que demanda mais afinidade, tem que gostar daquilo, gostar de se incomodar. E por último tem os riscos, as pessoas não querem se arriscar, e estão no seu direito.
12. Qual a força que uma investigação neste meio possui? Na minha opinião não tem como fazer investigação sem ser online. Porque ela tem que ser perene, se isso não puder ser acessado a qualquer momento de uma forma interessante e que atraia as pessoas, para mim não justifica. Não basta apenas rodar em um programa e morrer ali. Ela tem que permanecer porque a partir dela poderá surgir outras coisas, só isso já justifica o caráter online. Além do meio permitir muito mais elementos como o áudio, vídeo, texto e infográfico do que uma narrativa tradicional. O online permite uma contextualização de vários formatos, o repórter não fica preso em apenas uma linguagem, há muito mais opções de se aprofundar a história.
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13. Na sua opinião, porque a reportagem investigativa não é tão difundida neste meio? Acho que o problema é a falta de iniciativa dos próprios repórteres, porque se não tem pessoas que gostam de investigar, não tem como surgir do nada, precisa ter alguém que incentive e crie uma cultura no ambiente de trabalho e que contagie outros repórteres. E nem sempre os gastos são muito grandes, custos elevados são normalmente com viagens, hospedagem, etc., esta matéria, por exemplo, foi aqui em Porto Alegre, então nosso único gasto foi para comprar um grau de muay thai no litoral. Fazia parte da evolução da matéria e convencemos os editores que era importante. A Zero Hora investe muito, disponibiliza os equipamentos que forem necessários e também há muita liberdade, já fiquei muito tempo fora da pauta, fazendo aquilo que achava necessário ao meu ver.
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ANEXO ANEXO A – Minha casa, Minha Fraude (22/03/2015).
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