Administração no setor público ead diag

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Universidade Federal do Piauí Centro de Educação Aberta e a Distância

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO Carlos Antonio Mendes de Carvalho Buenos Ayres



Ministério da Educação - MEC Universidade Aberta do Brasil - UAB Universidade Federal do Piauí - UFPI Universidade Aberta do Piauí - UAPI Centro de Educação Aberta e a Distância - CEAD

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO

Carlos Antonio Mendes de Carvalho Buenos Ayres


PRESIDENTE DA REPÚBLICA MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO GOVERNADOR DO ESTADO REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA DO MEC PRESIDENTE DA CAPES COORDENADORIA GERAL DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL DIRETOR DO CENTRO DE EDUCAÇÃO ABERTA A DISTÂNCIA DA UFPI CONSELHO EDITORIAL

COORDENAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO PROJETO GRÁFICO DIAGRAMAÇÃO REVISÃO REVISOR GRÁFICO

Luiz Inácio Lula da Silva Fernando Haddad Wilson Nunes Martins Luiz de Sousa Santos Júnior Carlos Eduardo Bielshowsky Jorge Almeida Guimarães Celso Costa Gildásio Guedes Fernandes Prof. Dr. Ricardo Alaggio Ribeiro ( Presidente ) Des. Tomaz Gomes Campelo Prof. Dr. José Renato de Araújo Sousa Profª. Drª. Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz Profª. Francisca Maria Soares Mendes Profª. Iracildes Maria de Moura Fé Lima Prof. Dr. João Renór Ferreira de Carvalho Cleidinalva Maria Barbosa Oliveira Samuel Falcão Silva Cleonildo F. de M. Neto Ligia Carvalho de Figueiredo Aurenice Pinheiro Tavares

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O texto que ora apresentamos aos alunos do curso de Administração do Programa de Educação a Distância da Universidade Aberta do Piauí (UAPI) versa exclusivamente sobre a concepção da atividade administrativa circunscrita ao setor público, ou seja, ao setor de atividades administrativas cuja dinâmica é orientada pelo interesse de toda uma coletividade, em conformidade com os princípios que regem a forma de governo republicana. O tema administração do setor público aponta para a importância do conhecimento acerca da gestão pública na compreensão global da evolução das sociedades locais, regionais, nacionais e internacionais, enfim, do mundo em transformação em que vivemos; e cada vez mais interligado. A disciplina administração do setor público, portanto, foi concebida para tratar de assuntos que desde o início busca identificar as suas caracterizações mais evidentes em comparação com a administração do setor privado. Contudo, não se pretende diferenciar esses dois setores de forma dicotômica, mas compreender as formas de interação em que eles são submetidos no curso real das relações comerciais, industriais e financeiras, por um lado, e das relações sociais e políticas, por outro, que se verificam entre as civilizações, nações, uniões monetárias e aduaneiras, coletividades, grupos e indivíduos. Daí a importância em se compreender o papel que a administração pública desempenha no controle social, na distribuição de renda, na prestação de serviços, atos administrativos e legais e na oferta de bens coletivos. Esse papel, no entanto, carece de maiores explanações, uma vez que é necessário situar a administração pública no âmbito sociopolítico do Estado e do Governo. Significa dizer que qualquer tentativa de compreender a administração pública de forma isolada resultará em fracasso de compreensão de sua dinâmica interdependente


em relação ao instituto do Estado e ao instituto do Governo. Além do mais, a conjuntura sociopolítica e econômica atual do país, em plena fase de expansão de sua economia, assim como a sua posição como player global no mercado transnacionalizado, tem compelido o governo federal a abrir concursos para o preenchimento de cargos vagos e/ou especialmente criados para dar conta das novas exigências administrativas ditadas pelo Estado, em resposta às demandas internas e externas da nação brasileira. Assim sendo, procuraremos retratar o quadro estrutural e funcional da gestão pública no país, sem perder de vista, no entanto, o momento de transição nos fundamentos do próprio sistema capitalista e as condições gerais das nações em vista da grande crise financeira e econômica mundial e seus subsequentes desdobramentos históricos. O alcance desses objetivos explanatórios, obrigatoriamente, passa por uma abordagem eclética, transdisciplinar, que contemple a articulação entre distintas áreas do conhecimento: a Economia (Geral e do Setor Público), a História, a Sociologia, a Ciência Política, a Ciência Administrativa e o Direito Público Interno (Constitucional e Administrativo). A título de indicações gerais sobre o assunto em tela, seguem-se as temáticas gerais que a disciplina em apreço exige, distribuídas em três unidades, a saber: Unidade 1 – Fundamentos Históricos-Conceituais da Administração; Unidade 2 – Fundamentos Técnico-Operacionais do Setor Público; Unidade 3 – Setor Público: gestão pública, políticas públicas e os desafios da construção da nova ordem social mundial.


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UNIDADE 1

Fundamentos Históricos e Conceituais da Administração Conceito de Administração Falhas do Sistema de Mercado e o Setor Público Componentes do Setor Público: Estado, União, Governo, Administração Pública Princípios e Poderes da Administração Pública Modelos de gestão administrativa

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UNIDADE 2

Fundamentos Operacionais do Setor Público 77 Gestão Pública 79 Financiamento do Setor Público 82 Gestão Orçamentária 90 A Nova Administração Pública 93 Perfil do Gestor Público

UNIDADE 3

Setor Público: gestão pública, políticas públicas e os desafios da construção da nova ordem social mundial Gestão Pública e Gestão Privada As Políticas Públicas Estado e Capitalismo Global

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UNIDADE 01 Fundamentos históricos e Conceituais da Administração

objetivos • Definir a administração; • Conceituar os aspectos básicos da Política associados ao Setor Público; • Apresentar as justificativas econômicas para a intervenção do Estado no Mercado; • Explicar acerca do funcionamento do Poder Público na Sociedade: a relação dialética entre a Administração Pública e os institutos do Estado e do governo; • Expor os princípios, poderes e modelos da Administração Pública Brasileira.


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UNIDADE 01


Fundamentos históricos e conceituais da administração Conceito de Administração A pré-condição para a existência do homem em sociedade é o compartilhamento de regras de conduta, pensamentos e valores, expresso por aquilo que a sociologia positivista-funcionalista consagrou com o termo consenso social, inspirado em August Comte. É preciso um acordo prévio mínimo entre as pessoas em torno da necessidade de construção e estabilidade de algum tipo de organização social e seu respectivo ordenamento jurídico – conjunto de regras de convivência social permitidas pela coletividade, inscrita ou não num documento, ao qual denominamos em termos modernos com o vocábulo Constituição. Podemos encontrar indícios na história das civilizações humanas de que em todas as formações socioeconômicas algum tipo de soberania existiu, ou seja, o poder político de uma sociedade que é exercido por um grupo de elite cujo comando garante a supremacia de uma autoridade política que quase invariavelmente se reveste do poder religioso. Um longo trajeto histórico vai ser percorrido pela humanidade até que o poder político e o poder religioso se dissociem, embora ainda perdurem sociedades teocráticas, como a República Islâmica do Irã (antiga Pérsia). Ao nos referirmos à noção de soberania queremos na realidade focalizar a problemática do controle social da sociedade mediante o instrumento técnico da gestão, pois o exercício dessa soberania depende da formação de um conjunto de servidores áulicos encarregados do desempenho de atividades administrativas específicas cujo objetivo é a coordenação das funções governamentais que, por sua vez, são voltadas para a satisfação das inúmeras necessidades dos indivíduos em sociedade: segurança interna e externa, sistema de proteção social, ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO

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educação, saúde, promoção da justiça, etc. Para isso, impõe-se a necessidade de arrecadação de tributos, o planejamento orçamentário, bem como a formulação, execução e avaliação de políticas públicas. Mas, afinal, no que consiste a administração? É fundamental ressaltar que as explicações acerca da noção de administração estão indissociavelmente ligadas ao conceito de organização. Esta pode ser definida como um agrupamento social relativamente permanente cujos membros compartilham entre si esforços, infraestruturas e meios operacionais visando atingir objetivos comuns. A divisão social do trabalho, na qual cada um dos membros da organização desempenha um papel específico na realização de seus objetivos e a coordenação dos esforços, ao articular papéis funcionais e combinar recursos variados a serviço de um objetivo em comum constituem as características mais marcantes de uma organização. Na medida em que a realização dos objetivos e o uso racional dos recursos disponíveis são estreitamente articulados podemos avaliar se determinada organização é eficaz ou eficiente. Ela é considerada eficaz apenas sob o ponto de vista do alcance dos objetivos previamente estabelecidos a titulo de metas de trabalho. Porém, é sob o ponto de vista do uso correto dos recursos que uma organização pode ser caracterizada como eficiente. Assim, o diferencial entre eficácia e eficiência resume-se à comparação da capacidade de uma organização atingir os melhores resultados operacionais com redução de custos com aquela que simplesmente atinge seus objetivos operacionais sem economia de recursos. Logo, é exatamente a preocupação com a eficácia e a eficiência de uma organização que nos conduz ao conceito de administração, uma vez que a administração de uma organização consiste em [...] um processo de planejar, organizar, dirigir e controlar a aplicação de recursos humanos, materiais, financeiros e informacionais, visando à realização de objetivos (MAXIMIANO, 1985; grifo nosso). Em outras palavras, administrar é tomar decisões no sentido da definição de objetivos realistas aliado ao uso racional de recursos indispensáveis para o seu alcance. E quais indivíduos ou grupos de indivíduos são responsáveis pelas tomadas de decisões (os decisores) referentes tanto aos objetivos quanto ao uso correto dos recursos para alcançá-los, no interior de uma organização? São aqueles indivíduos que integram uma bem definida estrutura de poder conforme sua especialidade 12

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funcional e capacidade de gestão, independentemente de sua área de atuação ou nível hierárquico. Trata-se do corpo dirigente ou governante (superiores hierárquicos) que, por sua vez, implica na oposição de corpo dirigido ou corpo de governados (subordinados). Tomando como exemplo uma família operária, formada por pai, mãe e um casal de filhos, nós podemos identificar os pais como o corpo dirigente e os filhos como corpo dirigido. Porém, no interior de cada uma dessas classificações, é possível identificar distinção de autoridade, logo, de posição ou status. Uma variedade de formas de relação de subordinação existe entre pai e mãe, irmão (homem) e irmã (mulher), irmão mais velho e Irmã mais nova, com base no poder econômico, no magnetismo pessoal de cada um e na tradição e costume. Observa-se uma singela divisão social do trabalho, expresso por uma acanhada divisão de tarefas, responsável pela manutenção e estabilidade da organização familiar, em que cada um dos membros exerce o seu papel conforme a expectativa gerada pelo próprio grupo a que pertence. Assim, cabe aos pais prover as condições que garantam o bem estar dos filhos, assim como a educação e formação cívica, de modo a ampliar o seu círculo de relações sociais. Aos filhos, por sua vez, cobra-se o respeito à autoridade dos pais. Ocorre que, no exercício da autoridade familiar, os pais se convertem em responsáveis pela coordenação dos papéis de cada um dos membros da família em torno de um objetivo comum: a estabilidade socioafetiva e a harmonia organizacional, expresso pelo bem estar de todos. A família, enquanto organização, para subsistir necessita interagir com outras organizações na sociedade. Pelo menos um dos pais precisa arranjar meios de obter o sustento da família. Em troca deste último, vende sua capacidade de trabalho, uma vez que é destituído dos meios de produção, ou seja, não é proprietário de fábrica, estabelecimento comercial ou instituição financeira, vivendo exclusivamente de seu salário. Em termos administrativos, os pais, ao tomarem decisões, cumprem as funções de planejamento, organização, direção e controle dos recursos disponíveis de modo a atingir finalidades específicas que assegurem a satisfação das necessidades familiares – fisiológicas (fome e sede), de segurança (procriação e proteção contra a carestia), sociais (amor/sentimento de pertencer a grupos variados, participação social e política), de autoestima (posição social, reconhecimento e credibilidade) e de autorrealização (maximização de potencial próprio, enfrentamento de desafios) (MASLOW apud SANTOS, 2003; SILVA, 2006).

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Falhas do Sistema de Mercado e o Setor Público Essa interação imperiosa entre a organização familiar e o meio ambiente circundante constitui apenas uma simples ilustração representativa de milhares de interrelações entre organizações e meio ambiente. Em suma, a sociedade é constituída de milhões de organizações interligadas, entre as quais as mais comuns são as empresas, sejam públicas ou privadas. Nesse caso, o meio ambiente é comumente reconhecido como mercado – de produto e de consumo, de capitais e de trabalho, de moeda e de títulos ou derivativos. No mercado de fatores de produção, as famílias vendem seu único recurso, a sua força de trabalho (oferta). Em troca, recebem salários que lhes permitem obter no mercado de bens e serviços os produtos de que necessitam (demanda). As empresas, por seu turno, adquirem no mercado de fatores de produção a força de trabalho necessária à produção de mercadorias, que são vendidas no mercado de bens e serviços. Essa relação de interdependência representa, em termos econômicos, o fluxo real da economia, que só pode ser operacionalizada graças à mediação exercida pela moeda, isto é, ao fluxo monetário da economia - remuneram-se os fatores de produção e paga-se os bens e serviços mediante o uso de dinheiro. Em síntese, a fusão entre o fluxo real e o fluxo monetário da economia origina o chamado fluxo circular de renda. O preço tanto dos fatores de produção (os salários das famílias, no nosso exemplo) quanto dos bens e serviços dependem das forças da oferta e da demanda. E uma vez que inclua somente demandas e ofertas de famílias e empresas, o fluxo circular de renda é denominado fluxo básico. Ao incluir, também, o setor público nas transações acima descritas, temos o chamado fluxo completo (tributos e gastos públicos, operações no mercado de câmbio, exportações e importações, balança de pagamentos, etc.). Esse fluxo completo nos permite entender melhor os termos da relação dinâmica entre o setor público ou Governo (1º Setor), as empresas privadas (2º setor) e as famílias (3º Setor) no mundo da economia real. Desse modo, cabe, respectivamente, a cada um desses setores um modo particular de expressão: arrecadação de tributos, realização de pagamentos ao setor privado e transferências de recursos (Governo/órgãos setoriais); realização de pagamentos de tributos, realização de poupança para reinvestimentos e realização de pagamentos aos fatores de produção (Mercado/empresas); realização de consumo de bens e serviços, 14

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realização de poupança doméstica e realização de pagamentos de tributos (Sociedade/famílias). Na Inglaterra do século XVIII, Adam Smith (1723-1790), principal representante e criador da escola clássica e da própria Economia, contribuiu para divulgar as ideias liberais do laisser-faire, laisser-passer (deixar fazer, deixar passar). Em seu repúdio à interferência do setor público sobre as atividades empresariais, fazia apenas algumas concessões à intromissão do poder público no mercado quanto: à administração, à justiça, aos serviços públicos, à defesa nacional, à manutenção da soberania do país, assim como a toda empreitada que não fosse lucrativa para os donos de empresas privadas, mas que deveriam se constituir em empreendimento do setor público devido a sua importância para a sociedade em geral. Tinham por objeto a crença na capacidade de autorregulação do mercado, fundado na defesa da liberdade e na crença no individualismo, em que, motivados por um egoísmo natural, os empresários tendem a buscar vantagens ou benefícios pessoais. Assim fazendo, eles concorrem para a estabilidade e manutenção da sociedade via mercado. O que os motivam é o desejo de auferir lucro. Ao persegui-lo, promovem a harmonia social. Esta forma de pensar expressa a base teórica da escola econômica clássica, e que se escora nos pressupostos da “harmonia de interesses” e da ordem natural e providencial – a “mão invisível” do mercado. Concepções e intenções que a vida moderna dos grandes centros urbanos e os desafios trazidos por ela trata de desmoralizar, demonstrando a importância do setor público para o exercício das funções de alocação de recursos (nas situações em que o mecanismo de ação privada (sistema de mercado) mostra-se ineficiente: investimentos em infraestrutura econômica e provisão de bens públicos (rodovia, iluminação, segurança nacional), bens meritóricos ou semipúblicos (educação, saúde e desenvolvimento), de distribuição da renda e da riqueza (redistribuição de renda cujo processamento se verifica mediante transferências, impostos e subsídios governamentais; o orçamento público constitui o mais importante instrumento para a concretização das políticas públicas de distribuição de renda), e de estabilização econômica (emprego de instrumentos de política econômica (juros, taxas de câmbio, impostos e gastos públicos em geral) visando à promoção e manutenção de elevado nível de emprego, da estabilização dos níveis de preços, do equilíbrio da balança de pagamentos e de expressiva taxa ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO

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de crescimento econômico, em face da eventual incapacidade do setor privado em dar conta de tais objetivos, no processo de autorregulaçao do mercado), objetivos indispensáveis à política orçamentária de qualquer governo, segundo Musgrave (apud RIANI, 2002). Embutidas em tais pressupostos, encontra-se a ideia da situação ótima do mercado ou mercado perfeito, que se refere a uma situação em que os bens e os recursos no mercado são perfeitamente alocados em economia, dá-se o nome de Teoria do Equilíbrio Geral. Originalmente elaborado por Léon Walras (1834-1910), no século XIX, o conceito de teoria do equilíbrio geral mais tarde foi desenvolvido por Vilfredo Pareto (1848-1923), passando a ser conhecido também como Ótimo de Pareto. Trata-se de uma tentativa de justificar a não necessidade da intervenção do poder público (Estado e/ou Governo) na economia, uma vez que a livre concorrência levaria ao perfeito funcionamento do mercado, logo, de seu equilíbrio. Acontece, contudo, que esse modelo de equilíbrio geral apresenta problemas ao ser aplicado no mundo da economia real, já que ele fracassa em garantir a maximização e a eficiência da alocação de recursos no mercado e, consequentemente, o bem-estar da sociedade. É aqui que nos defrontamos com a presença do setor público no sistema de mercado, graças às falhas deste na obtenção da produção ótima de bens e serviços via setor privado. São exatamente tais falhas que permitem a intervenção do setor público no mercado, visando garantir a satisfação das necessidades da sociedade. Uma vez que o Ótimo de Pareto não é alcançado em virtude de que no mercado não existe concorrência perfeita, o setor público é obrigado a intervir na alocação de recursos, paralelamente à atuação do setor privado, como via de superação das falhas do sistema de mercado no alcance de uma situação ótima. Pelo menos quatro características da economia real podem ser destacadas para demonstrar as dificuldades do sistema de mercado em garantir o equilíbrio na oferta e demanda de bens e serviços na sociedade, a saber: indivisibilidade do produto, externalidades, custo de produção decrescente e mercados imperfeitos, riscos e incertezas na oferta de bens. Como primeira característica do mundo da economia real que justifica a intervenção governamental, em função das próprias falhas do mercado, enquanto agente distributivo e autorregulador, temos a indivisibilidade do produto. Ela se refere à situação em que a produção e a oferta de determinados bens e serviços por parte do setor privado é economicamente inviável ou proibitiva (custos de produção mais elevados 16

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do que as expectativas de lucro). Como a sociedade necessita de tais bens e serviços, e o setor privado não tem interesse em produzi-los e ofertá-los, caberá tal responsabilidade ao setor público. Quando este último se encarrega de produzi-los e ofertá-los para todos os indivíduos, independentemente daqueles que têm condições de pagar, os bens e serviços são denominados bens públicos puros (bens sociais, coletivos ou indivisíveis), assim chamados porque seus preços não são formados através do sistema de mercado. Logo, a eles não se aplica o direito de propriedade nem o princípio da exclusão, e por essa razão são caracterizados como bens não-exclusivos, isto é, o seu consumo por vários indivíduos não implica na diminuição da quantidade de consumo para os demais, em que nenhum dos consumidores pode ser impedido de consumi-los, seja rico ou pobre. Além do mais, os bens públicos também são caracterizados como bens não-rivais – o aumento de consumo pelos indivíduos não tem influência no aumento dos custos de produção. É o caso da defesa nacional. Somente o Estado tem condições de arcar com o custeio das operações de segurança nacional, e o crescimento vegetativo da população não se traduz necessariamente em aumento de despesa para o erário público. Os indivíduos, por sua vez, não têm renda suficiente para arcar com tal serviço, ou mesmo não estaria disposto a pagar pára obtê-lo. Os bens privados (econômicos ou visíveis), por sua vez, em oposição aos bens públicos, são exclusivos e rivais. São exclusivos porque a eles se aplica o direito de propriedade (os bens ou serviços adquiridos pelos indivíduos mediante o pagamento de um preço qualquer lhes asseguram a propriedade destes) e o princípio de exclusão (a carência de dinheiro para a aquisição de bens e serviços exclui os indivíduos no mercado). Seus preços são fixados pelo sistema de mercado, sendo chamados de bens privados puros, os quais a iniciativa privada constitui a única fornecedora desses bens. Igualmente ocorre com os bens públicos puros, que são considerados como tais devido o setor público ser o seu único fornecedor. De modo que cada vez mais assistimos no âmbito do mercado a concorrência entre bens privados e bens públicos. Quando o setor privado e o setor público ofertam no mercado, simultaneamente, serviços tais como a educação e a saúde, por exemplo, têm em ambos

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os casos, respectivamente, os chamados bens privados impuros e bens públicos impuros - são também chamados de bens mistos. Enfim, o que determina se os bens e serviços ofertados na economia sejam considerados puros é a exclusividade em sua oferta por um ou outro setor isoladamente. Podemos compreender a partir do conteúdo explicativo acima exposto é que o conjunto de empresas que fornecem os suprimentos, equipamentos, máquinas e serviços no mercado (a simples quitanda, a feira, os supermercados, os shopping centers) somente o fazem porque em troca do que a ele destinam percebem uma compensação racionalmente visada – o lucro, sob a forma de dinheiro, em que parte dele será transformada em capital, na medida em que essa parte ou excedente do lucro seja reintroduzida no ciclo de produção econômica – produção, distribuição, comercialização e consumo (investimento planejado ou formação bruta de capital fixo). Os estudos relativos à execução do Plano Nacional de Banda Larga pelo Governo atual são um indicativo da necessidade da atuação governamental, de maneira a suprir as carências de informação e educação da sociedade, além de ser instrumento a viabilização de procedimentos administrativos cujo escopo é a aceleração da ação do poder público na oferta de atos legais e administrativos; sem o auxílio do Governo não se garante a universalização da internet rápida no país, com a brevidade e a celeridade requeridas pelo desenvolvimento nacional. Assim, quando a satisfação das carências da sociedade não é plenamente realizada pelo setor privado, devido ao fato de a relação custo-benefício ser economicamente inviável para as empresas, criamse lacunas de oferta. Ora, é exatamente para preencher tais lacunas que surge o setor público enquanto produtor de bens públicos puros ou impuros; e a existência destes últimos está relacionada à impossibilidade (ou fracasso) de o sistema de mercado dar conta das demandas por bens e serviços por parte da sociedade. As externalidades se apresentam como uma das características da economia real que justifica a intervenção do poder público no mercado. Ocorrem nas situações em que as atividades produtivas desenvolvidas pelas empresas resultam em perdas ou ganhos nas atividades de outras empresas. Trata-se dos efeitos internos e externos inerentes à ação das empresas no mercado. Um estado de calamidade pública decorrente de um desmoronamento de uma barragem de uma fábrica de fertilizantes contendo dejetos ou resíduos químicos de grande poder de corrosão e 18

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contaminação de mananciais e de rios, tornando-os inadequados para o consumo humano, e mesmo industriais, é um exemplo bem simples do que é externalidade negativa. É produto, esperado ou não, da operação de uma cadeia (ou rede) de atividades produtivas que extrapolam os mecanismos de controle de segurança, gerando consequências ambientais nefastas que atingem o nível de bem-estar da população. Como o acidente tende a provocar prejuízos ecológicos, econômicos, de saúde pública, etc., e a responsabilidade pelo prejuízo é imputada à empresa poluidora, esta pode fraquejar diante da perda de patrimônio e preferir furtar-se às suas responsabilidades. É neste contexto que intervém o Governo, em nome do Estado (União, Estados, Distrito Federal ou Municípios). E para isso lança mão do poder de polícia, ou seja, da prerrogativa constitucional de ação coercitiva, fiscalizadora e investigativa, baseado no princípio da legalidade. A pré-condição para a ação incisiva e legal do Estado no sentido de coibir práticas e condutas de risco é a vigência de legislação ambiental que tipifique e discipline os casos de transgressão às suas cláusulas. A economia de escala determina a redução dos custos de produção dos bens e serviços, resultando na aplicação da alta tecnologia articulada à especialização e à divisibilidade (produção de bens privados puros que são rivais e exclusivos, pois a ela se aplicam tanto os direito de propriedade quanto o princípio de exclusão: o consumo simultâneo de vários indivíduos implica na redução da quantidade disponível de consumo para terceiros e na majoração dos custos dos bens e serviços consumidos). Assim, as empresas que obtém ganhos de produtividade em função da adoção de novas tecnologias conseguem decréscimos nos custos de produção dos bens e serviços demandados pela sociedade, levando à concentração do mercado. A concentração do mercado, por sua vez - seja enquanto monopólio/monopsônio (um único vendedor/um único comprador) ou oligopólio/oligopsônio (poucos vendedores /poucos compradores) -, leva à exclusão das empresas que não conseguiram manter-se no mercado, ou seja, à sua falência. Mas como o mercado é imperfeito, a falta de gerência do poder público no sentido da sua regulação é inteiramente justificável, pois busca impedir, através de mecanismos legais associados ao direito econômico que haja uma competição selvagem entre os agentes econômicos e financeiros. No Brasil, é o caso do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO

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do Ministério da Justiça – CADE/MJ quando examina e emitir parecer acerca da efetivação de fusões, aquisições e joint ventures de empresas. A sua função no sistema econômico é orientar, fiscalizar, prevenir e apurar os abusos do poder econômico, agindo como instituto de tutela à prevenção e à repressão do referidos abusos; faz em respeito ao princípio da livre concorrência, que o próprio CADE (www,cade.gov.br; Conceitos Básicos), assim define:

O princípio da livre concorrência está previsto na Constituição Federal, em seu artigo 170, inciso IV e se baseia no pressuposto de que a concorrência não pode ser restringida por agentes econômicos com poder de mercado. Em um mercado em que há concorrência entre os produtores de um bem ou serviço, os preços praticados tendem a se manter nos menores níveis possíveis e as empresas devem constantemente buscar formas de se tornarem mais eficientes, a fim de aumentarem seus lucros. Na medida em que tais ganhos de eficiência são conquistados e difundidos entre os produtores, ocorre uma readequação dos preços que beneficia o consumidor. Assim, a livre concorrência garante, de um lado, os menores preços para os consumidores e, de outro, o estímulo à criatividade e inovação das empresas.

Os riscos e incertezas na oferta de bens verificados no âmbito do mercado capitalista rechaçam a utópica crença na capacidade do sistema de economia de mercado de, por si mesmo, determinar as exatas quantidades de bens e serviços em relação à demanda por eles, o chamado Ótimo de Pareto, como vimos lá atrás. Há uma diversidade de características do fluxo real da economia no mundo empírico que assinalam as situações em que a produção ótima dos bens econômicos - o Ótimo de Pareto - não se realiza, a saber: ausência de conhecimento perfeito associado aos riscos do mercado por parte de vendedores e compradores (efeito: indisposição do mercado em produzir bens econômicos apesar de serem necessários e desejáveis); mobilidade deficiente dos recursos; dificuldade das firmas em calcular adequadamente suas perspectivas quanto à maximização dos lucros (incerteza quanto à lucratividade de certas atividades); assim como a escassez de certos recursos produtivos, tais como os recursos naturais. Eis explicitados, pois alguns dos muitos obstáculos à produção ótima de Pareto. Bem se constata como a intervenção do Governo na economia é necessária, uma vez que fornece o suporte legal, político, jurídico, administrativo, financeiro e econômico da estrutura da sociedade. 20

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As áreas de jurisdição entre o setor público e o setor privado nem sempre são bem demarcadas. O sistema econômico cada vez mais globalizado em que vivemos é descrito como sistema capitalista global – ou modo de produção capitalista, ou mesmo formação socioeconômica capitalista –, que, por sua vez, é fundado nos direitos de propriedade e no livre mercado. Assim sendo, numa economia de livre mercado, o grosso da oferta por bens e serviços aos consumidores no mercado de consumo é realizado pelas empresas do setor privado. No entanto, dada a complexidade da produção econômica, o setor público logo é convocado para influir no jogo livre do mercado, devido a uma série de distorções operacionais, concorrenciais e distributivas que se manifestam na sociedade. E quando busca influir na atividade econômica, de modo a impulsioná-la, o faz a partir das seguintes funções governamentais: produção de bens e serviços públicos; promoção do desenvolvimento socioeconômico; redistribuição da renda e da riqueza nacional; estabilização da atividade econômica; regulamentação e controle da atividade econômica. A economia do século XX tem como uma de suas características mais destacadas o crescente aumento das despesas públicas. Várias correntes do pensamento econômico dedicaram-se ao tema das despesas públicas e, por extensão, ao tema do aumento da participação do Estado na economia. Adolf Wagner, economista alemão, por ocasião da década de 1880, elaborou a Lei do Crescimento Incessante das Atividades Estatais, cujo enunciado básico expõe que, na medida em que o nível de renda dos países industrializados cresce, o setor público cresce a taxas incomparavelmente mais altas, de sorte que a participação relativa do Governo no sistema de mercado cresce com o ritmo de crescimento da economia nacional. A supracitada Lei, também conhecida como Lei de Wagner, foi comprovada por Richard Bird, que distingue três causas determinantes da tese postulada por Wagner com relação ao crescimento das despesas públicas, a saber: o crescimento das funções de administração e de segurança; as crescentes demandas por um maior nível de bem-estar social, com destaque para a educação e para a saúde; e maior intervenção, direta e indireta, do Governo, no âmbito do processo produtivo. O crescimento das despesas do setor público é resultante do aumento das intervenções governamentais no sistema de mercado, concebidas de modo a prevenir eventuais excessos de monopolização de algumas parcelas do setor privado. Assim, a amplitude da ação do

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Estado na economia serve como um eventual antídoto à concentração do mercado, maximizando a concorrência entre as empresas (públicas e privadas), de maneira a disponibilizar aos consumidores um maior leque de escolha frente à diversidade dos produtos ou mercadorias produzidos pelas empresas. Musgrave & Musgrave (apud GIACOMONI, 2007) seleciona alguns fatores explicativos para a emergência da profusão das funções do Estado na economia: crescimento da renda per capita associado ao aumento da demanda por bens e serviços públicos; mudanças tecnológicas; mudanças populacionais; custos relativos dos serviços públicos; mudança na cobertura das transferências; disponibilidades de alternativas para a tributação; efeito limite e finanças de guerra; e fatores políticos e sociais. Uma vez debatidas as causas do crescimento constante das despesas públicas, com a consequente proliferação das funções do Estado, convém agora explicitar o impacto das compras governamentais sobre a economia como um todo. De antemão, sabe-se que o Governo detém o controle direto sobre o nível da tributação e das compras públicas. Assim, o emprego dos tributos e dos gastos públicos como instrumentos da regulação das atividades econômicas é denominada de política fiscal – o mais importante instrumento de política do setor público, cuja atuação busca assegurar um razoável nível de estabilização econômica e de emprego. Dependendo das necessidades de expansão ou contração da economia, a política fiscal se manifesta como um movimento anticíclico com fins de controle do nível da renda. Assim, no primeiro caso, a política fiscal é aplicada para expandir o nível de renda através dos seguintes procedimentos macroeconômicos: aumento dos gastos governamentais, diminuição dos tributos e o emprego concomitante e combinado de tais instrumentos. No segundo caso, a política fiscal, quando é confrontada com a pressão inflacionária, comanda uma política de contração da renda, mediante a diminuição dos gastos governamentais, a majoração dos tributos e o emprego concomitante e combinado desses mesmos instrumentos. Em suma, os dispêndios ou gastos públicos constituem o segundo componente da política fiscal, ao lado da função tributação; revelam-se como o principal instrumento de execução das políticas governamentais; e perfilam-se como um poderoso instrumento de estabilização, em curto prazo, dos níveis de renda e do emprego. Logo, a sua manipulação pelo 22

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Governo é altamente estratégica. Mais adiante (2ª Unidade) trataremos do tema tributação. O setor público é estranho às motivações e à lógica das relações comerciais, porém é visceralmente ligado ao poder político e seus princípios de base: legitimidade política e legalidade jurídica. Assim, o Estado é a instância do poder soberano; o Governo, a instância de planejamento e decisão estratégica; e a Administração Pública, a instância de execução e planejamento tático e operacional das diretrizes governamentais, sejam elas políticas de Estado ou políticas de Governo. É o que veremos a seguir. Componentes do Setor Público: Estado, União, Governo e Administração Pública A Política é o fundamento da existência humana. Esta última é plural e expressa um modo de ser particular que se realiza através da convivência social, sobretudo através da ação coletiva de satisfazer certas necessidades (necessidades fisiológicas de alimentação, de segurança, sociais, de autoestima e de autorrealização) e interesses, ou seja, da ação de busca pelas condições materiais e espirituais de existência, que é totalmente coletiva e somente é concretizada através da colaboração entre os indivíduos, grupos e coletividades. Nesse sentido, a existência humana termina por ser o fundamento da política. Mas em que medida a inversão dessa proposição é tão verdadeira quanto à original? Na medida em que elas se retroalimentam ao formar uma relação de auxílio-mútuo (relação simbiótica), ou seja, na medida em que ação política e existência humana se equivalem e se implicam, pois desenvolver uma é desenvolver a outra. Mas o que é política? Qual é o elemento central do fenômeno político? O conceito de Política é diverso, mas tem um suporte comum: a existência do fenômeno social do poder. Para uns, a Política é o conjunto das relações de poder que os indivíduos, grupos e coletividades inteiras desenvolvem no curso de uma competição permanente por bens e serviços escassos, propriedades, riquezas materiais, posição social, prestígio, honra, etc. Porém, tal conjunto de relações de poder se desenvolve - às vezes de forma precária - sob o signo da ordem e do poder estabilizado (autoridade dos pais, sacerdotes, agentes do Estado, etc.). Logo, a política tem um fim mínimo, a saber, a manutenção da ordem

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pública interna e a proteção territorial em relação aos demais Estados nacionais. Para outros, como para Carl Smith (apud MARRAMAO, 1995), a política diz respeito à relação amigo/inimigo, em que tudo se resume na dinâmica de agregar e proteger os amigos e desagregar e combater os inimigos. Assim, a política abrange a arena em que se desenvolve a oposição entre grupos, os chamados conflitos antagonísticos. O poder é a questão central da política. Ao tê-lo como foco, a política promove o estudo da capacidade que tem alguns atores individuais, coletivos ou institucionais de impor sua vontade a terceiros. E parte dessa capacidade de submeter vontades individuais ou coletivas resulta da diferença entre ter ou não ter propriedade. Daí decorre a distinção entre governantes e governados, reis e súditos, até finalmente chegar à dicotomia contemporânea autoridades e cidadãos, cujo critério de construção se baseia na cartilha político-constitucional de deveres e obrigações (a Lei), assim como a ideia de dominação do homem pelo homem. Desse modo, a principal temática das obras humanas associada à vida política é aquele das relações assimétricas de poder entre o Estado e a sociedade, em que o primeiro detém a supremacia sobre o segundo. Paradoxalmente, mesmo o próprio poder e seu exercício têm de ser submetidos às leis e aos costumes das nações. E é exatamente a natureza desse poder que perpassa o Estado, a União, o Governo e a Administração Pública que interessa à nossa disciplina. Conceitos preliminares Para fins de apresentação desta unidade, convém introduzir alguns conceitos preliminares que são centrais na compreensão dos fenômenos políticos institucionais que ordenam a ativação dos papéis do Estado, do Governo e da Administração Pública. São o que podemos chamar de categorias analíticas, ou seja, instrumentos teóricos que se apresentam sob a forma ideal e típica e que é construída a partir da seleção das principais características dominantes de algo que se pretende definir. São os pares: consenso e conflito, força e poder, autoridade e dominação, legitimidade e soberania. Estes conceitos terminam tendo ponto de contato ou conteúdo comum. Resta-nos identificar, no entanto, os princípios que regulam a pertinente relação entre eles. Nem sempre o poder se manifesta claramente. Na maioria das vezes, o poder é latente, oculto. A imagem, a seguir, alude à 24

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manipulação das pessoas, como se estas fossem marionetes (fantoches), que são animadas e por cordões (visíveis e invisíveis) se prendem às pessoas (através de influência, chantagem, opressão, etc.) de modo a induzir a adoção de certos comportamentos dirigidos (condutas ou atitudes impostas uns aos outros, institucionalmente ou não). A dupla consenso/conflito equivale a dupla acordo/desacordo. Elas representam Fonte:fotosearch.com.br dois momentos sociais distintos: o da convergência de pontos de vista e interesses, fundamento de estabilidade da vida em grupo (coesão grupal), e seu oposto, o da divergência, fundamento de mudança da vida coletiva (desagregação de institutos, costumes, valores). O consenso se baseia em processos sociais associativos, tais como a cooperação (condutas de auxílio-mútuo), a acomodação (predisposição a seguir regras) e a assimilação (conscientização de valores e concepções morais típicos da cultura de uma dada sociedade). O conflito, por seu turno, baseia-se em processos sociais dissociáveis, tais como a oposição (cisão de interesses) e a competição (concorrência pelos bens escassos na sociedade), que levada às últimas consequências pode resultar num fenômeno de ruptura de tecido social e subseqüentes desdobramentos em cadeia. No geral, o que se observa é a combinação e/ou alternância desses momentos no próprio seio da sociedade – momentos de consenso são combinados e alternados com momentos de conflito, como num pêndulo. Mas existem os consensos de base, tais como o consenso explícito de uma nação em torno do direito de governar segundo os limites constitucionais. É nessa busca de equilíbrio da relação dialética consenso/conflito que somos confrontados com o fenômeno do poder e seus subprodutos (a construção da ordem social, econômica e política; regulação de conflitos entre os grupos de interesse, regime de circulação das elites, etc.). O poder, enquanto fenômeno político típico da ação humana, somente existe e se mantém no curso das relações sociais gerais que se estabelecem entre os indivíduos, e que vão se ampliando a ponto de constituir uma rede de relações sociais ou rede social. Em cada uma dessas relações é possível de se constatar manifestações do poder. São as chamadas relações de poder entre marido e mulher, entre pai e filho, entre dois adversários, entre professor e aluno, entre sindicatos patronais

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e laborais, entre os partidos políticos, etc. Força significa o uso de meios que nos permitam influenciar a conduta de outro. A força é a canalização da potência (algo potente em suspenso); é o fator que a determina. A força é um componente que pode ou não ser acionado por ocasião do exercício do poder, seja privado ou público, institucional ou não. O poder, por seu turno, não é tangível e se encontra distribuído por várias arenas e sítios da estrutura da sociedade. Mas é sentido e percebido como algo dinâmico que, de algum modo, impacta positiva ou negativamente os indivíduos em interação, rumo à persecução de objetivos estratégicos. E o lugar mais apropriado para acomodar e perseguir tais objetivos estratégicos, de modo a demonstrar como o poder é operacionalizado, é a organização, particularmente aquelas de natureza governamental. O exercício do poder, ao se desenvolver no seio de uma realidade social, econômica, política e cultural, deixa-se transparecer como um jogo, cuja movimentação dá-se segundo regras sócio-históricas específicas e seu objetivo é controlar e regular a disputa pelos bens escassos (riqueza e/ou renda) na sociedade. A busca pelo poder somente existe em função da valorização, quase invariavelmente excessiva, de tais bens escassos. A respeito do fenômeno do poder, Max Weber (1991, p. 33;) formula uma definição bem precisa e completa: “Poder significa toda probabilidade [ou oportunidade] de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade [ou oportunidade]”. Esse fundamento de probabilidade ou de oportunidade significa os meios (econômicos, financeiros, psicológicos, emocionais, coercitivos, etc.) de que se dispõe para impor uma vontade específica a terceiros. O que importa nesse caso é a eficácia do poder como elemento regulador de vontades. Fonte: http://www.sxc.hu/ O poder para Michel Foucault (2000) se encontra disseminado por todo o tecido social, na condição de uma forma de exercício que flui entre os indivíduos, ao contrário do que propugnava as abordagens clássicas da Ciência Política, que centrava no Estado o melhor de suas análises acerca do poder - a vinculação do fenômeno do poder ao Estado. Logo, para ele, poder e Estado não são sinônimos. O poder não é um objeto, uma coisa, mas uma relação, 26

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algo que se exerce e que funciona. Por isso dizemos que o poder é um fenômeno sociopolítico que somente existe num meio social de desigualdade em termos de capital político. Em termos espaciais, o poder situa-se no centro (instituições políticas) e na periferia (relações de poder vigente em quase todas as relações sociais), no âmbito macro (as grandes organizações do Estado, as relações Estado/Sociedade Civil, as relações internacionais, o mercado mundial, etc.) e no âmbito micro (as pressões sociais pela realização de políticas públicas em conformidade com suas reivindicações por recompensa; as relações de trabalho no chão da fábrica ou no interior de um organismo governamental, por exemplo). Mas aqui o que nos interessa é o poder associado ao Estado, ao Governo e à Administração Pública, logo, considerar o poder a partir do centro e no curso de uma análise estrutural (macro perspectiva). É nesse ponto que os fenômenos associados ao poder desembocam nos conceitos de autoridade e de dominação. A autoridade é um atributo institucional que supõe a dominação, posto que o subalterno, sob o comando daquele que se situa em posição hierárquica superior, vê-se obrigado ao exercício de suas funções administrativas. É a essa relação administrativa entre chefia e subalternidade no cumprimento de seus deveres legais que nomeamos por atividades puramente administrativas. Porém, qualquer ato praticado por um agente público no curso de suas atividades administrativas regulares é classificado como ato de autoridade – uso do poder institucional para fins exclusivamente administrativos ou associados a cargos, serviços e atividades públicas e privadas praticado por pessoa investida de parcela do poder do Estado. O conceito de dominação se confunde com o de poder e o de autoridade exatamente porque o tema de que tratam (relações políticas) é, por definição, polissêmico e limítrofe. O próprio Max Weber (1999) chega a utilizar em alguns contextos explicativos o conceito de dominação como sinônimo do conceito de poder, isto é, a dominação enquanto “sentido muito geral de poder” ou “um caso especial de poder”. O mesmo se aplica a uma diversidade de estudiosos (LEBRUN, 1983; STOPPINO, 2000). De resto, a dominação (herr = dominus = senhor) é definida como “a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo, entre determinadas pessoas indicáveis” (WEBER, 1999, p. 33). Weber concebe dois tipos radicalmente antagônicos de dominação – a dominação em virtude de uma constelação de interesses ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO

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(mercado) e a dominação em virtude da autoridade (Estado e/ou família). O primeiro tipo radical, extremado, em sua forma mais pura, é representado pela dominação monopolista no mercado (um único produtor, um único comprador ou um único vendedor). Em tal circunstância de domínio de mercado, destituído de concorrência, no qual pratica o controle artificial dos preços, qualquer entidade com fins lucrativos (2º setor) passa a exercer uma influência dominadora, no sentido de impor preços aos consumidores, por exemplo. O tipo de dominação em função da autoridade, por sua vez, está associado ao poder de mando e ao dever de obediência, e seu tipo mais puro é o poder do chefe de família ou da autoridade administrativa. Mas o que interessa a Weber (1999, p. 191; grifo original) - conhecido como o teórico da burocracia - e aos propósitos deste ensaio é o conceito de dominação como “[...] idêntico [...] ao poder de mando autoritário”, e não ao “poder condicionado por situações de interesses”, típico das relações verificadas no mercado. Em outros termos, impõe-se como meta disciplinar o emprego do tipo de dominação compatível com a estrutura de dominação racional-legal ou burocrática, a que Weber designa como dominação em virtude da autoridade, particularmente a autoridade administrativa que, no exercício de suas funções públicas, se reveste de parcela do poder público. Afinal, “toda dominação manifesta-se e funciona como administração” (WEBER, 1999, p. 193) e toda administração para ser eficaz necessita que alguém detenha o poder e exerça uma dominação efetiva. A dominação é um processo social que consiste na imposição de vontades de um ou mais indivíduos sobre um ou mais indivíduos, de modo a submetê-los pacificamente, mediante o uso da força, como é o caso da associação de dominação designada por Weber como associação política, cujo quadro administrativo detém o monopólio legítimo do constrangimento físico em sua atuação institucional, uma vez que se faz referência a uma “empresa com caráter de instituição política”, ou seja, trata-se do Estado. No que respeita à identidade entre dominação e autoridade, seu ponto em comum é a noção de poder, e a diferença entre elas não é de grau (como se uma fosse superior à outra), mas de dinâmica (o modo de ser do exercício efetivo do poder no instante fugidio de seu uso empírico) e de racionalidade, de caráter formal (além da competência ou qualificação compatível com o cargo nos quais indivíduos, mediante concurso público, tomam posse, mas não se apodera deles); refere-se, também, ao poder estabilizado na figura da autoridade que gere, por exemplo, um centro 28

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de competência especializado ou órgão administrativo, formalmente instituído e mantido. Quanto às parecenças da noção de autoridade com a noção de poder, somente nos resta dizer que a autoridade é uma prerrogativa de domínio formal na administração pública, enquanto que o poder é um atributo de domínio informal que se estabelece no jogo do contato entre os indivíduos no curso de suas atividades administrativas. Não se esquecendo, no entanto, que esse jogo de contato ou de interesse, não é apenas regulado pela estrutura de normas dos regimentos, estatutos e textos constitucionais (racionalidade formal), mas também pelo magnetismo da atração e da simpatia mútuas e pela identidade de sentimentos de pertença ao grupo (racionalidade substantiva). Em geral, a legitimidade é derivada do consenso manifesto representado pelo apoio das massas eleitorais. Por essa razão a legitimidade constitui um atributo do Estado que se baseia na construção política de um consenso, fator indispensável à garantia da obediência (momento do consenso), independentemente do uso da força (momento da coerção). Desse modo, “a crença na Legitimidade é, pois, o elemento integrador na relação de poder que se verifica no âmbito do Estado” (LEVI, 2000, p. 675). Ela supõe necessariamente a noção de governabilidade. A soberania, por sua vez, é uma condição política que supõe a autodeterminação dos estados nacionais. Sob o ponto de vista jurídicopolítico, o conceito de soberania é de exclusividade dos Estados nacionais, sejam eles unitários ou federais (a União). E em contraponto, temos o conceito de autonomia. Logo, à União cabe a soberania indispensável para representar o Estado Federal na celebração de tratados ou acordos internacionais; aos estados federativos ou subnacionais, resta apenas a prerrogativa da autonomia, dentro dos limites legais inscritos na Constituição Federal. Concluindo essa tarefa didático-pedagógica relativa a conceitos por demais úteis na apresentação do conteúdo da disciplina em apreço, convém precisar que todos esses pares de conceitos oscilam ou orbitam em torno do par principal: força e poder. Logo, é com referência à noção de poder que Max Weber classifica os tipos puros de dominação e/ou de autoridade. E os designam como tipos puros devido ao fato de que em nenhuma sociedade histórica e empírica se verifica com exclusividade um desses tipos. É mais provável que haja o predomínio de um sobre os outros, sobretudo nas sociedades contemporâneas, que adotam o modelo racional-legal. Assim, a estrutura de poder se fundamenta nas

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seguintes formas de autoridade/dominação legítima: • tradicional – lastreado na crença da “santidade da tradição vigente”, assim como na legitimidade de agentes que representam a autoridade tradicional, em função de tais tradições, enquanto fonte de poder. Neste tipo de dominação tradicional, a obediência é destinada “à pessoa do senhor” indicada pela tradição, graças ao apreço pelos costumes; • carismática – apóia-se na crença da qualidade extraordinária de uma pessoa, ao qual se deposita uma confiança mobilizadora, assim como às ordens por ela instituída, cuja novidade termina por ser a fonte de seu poder. No âmbito da dominação carismática, a obediência é devida ao líder carismático, graças à confiança que seus seguidores depositam em suas qualidades extraordinárias; • racional-legal – funda-se na crença da legitimidade tanto das ordens estatuídas (ordenamento jurídico) quanto do direito de mando dos agentes nomeados em função de tais ordens para o exercício da dominação legal. Trata-se de uma forma de autoridade/dominação que se ampara no imperium da Lei, que é sua fonte de poder, e que disciplina os direitos e garantias fundamentais de administrados, bem como as obrigações e deveres do próprio Estado. Como se trata de uma dominação alicerçada em estatutos (racionalidade formal), o domínio racional-legal (ou burocrático) opera sob o imperativo de uma dupla obediência: à ordem impessoal, que é objetiva e estatuída na forma da lei, e aos agentes nomeados por essa mesma ordem impessoal, em função da legalidade formal do conteúdo estatutário e sua vigência no tempo e no espaço. Para Weber (1994, p. 193; grifo nosso), “toda dominação manifesta-se e funciona como administração. Toda administração precisa, de alguma forma, da dominação, pois, para dirigi-la é mister que certos poderes de mando se encontrem nas mãos de alguém”. Isto quer dizer que a dominação para ser eficaz depende da administração; igualmente, não existe administração que não se apóie em alguma estrutura de dominação, que se expressa pelas posições hierárquicas no quadro administrativo de determinada organização. Ou seja, a condução da administração supõe ou implica que os poderes 30

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de mando sejam detidos por um ou mais agentes. Logo, fica patente que o tipo de dominação legítima que caracteriza as organizações governamentais na modernidade, segundo a nomenclatura Weberiana, é a dominação racional-legal ou burocrática. Ou seja, a burocracia é o aparelho administrativo do Poder legal. A dominação do homem pelo homem ainda é uma constante nas interrelações sociais. A própria dominação em si constitui um exemplo cabal de desigualdade social, pois quem domina postula privilégios, cuja valorização e manutenção são responsáveis pela continuidade de determinada situação sócio-histórica – o status quo vigente. E para dirimir os excessos dessa relação de dominação que é tão comum à espécie humana quanto à própria Natureza criam-se instituições ou organizações que terminam por convergir e se converter em várias formas de soberanias até aportar no modelo de organização política que modernamente chamamos de Estado. Estado: conceito e ação sociopolítica Embora nem todas as sociedades históricas tenham experimentado algum tipo de representação estatal, assente, portanto, na transferência normativa das funções de governo e de confiança na condução de seus destinos, algum tipo de soberania difusa existiu. Ela alude à relativamente livre autodeterminação dos grupos, das coletividades, dos povos ou sociedades globais na condução de suas escolhas, cujo curso os acontecimentos históricos condicionaram ou induziram. Algum tipo de proteção social e de controle organizativo da vida coletiva vigorou nas estruturas sociais, operando ora como precários, ora como vigorosos liames funcionais. Em síntese, as formas de sociedades que se sucederam, uma após as outras, não deixaram de ser o que sempre – enquanto existiram – foram, ou seja, sociedades de homens, edificadas (ou quase sempre destruídas), mantidas (ou dissolvidas) e gestadas por homens, no encalço de suas propensões finalistas, onde as pugnas manifestas ou veladas pelo poder constituem o fermento de que se serve para gerar as transformações sócio-históricas. No entanto, sem perder aquelas características essenciais que lhe outorgam um estatuto ontológico de existência comum, essas formas de sociedade foram se diferenciando devido aos condicionantes geográficos, econômicos, sociopolíticos e culturais, forçando-as a adotar trajetórias díspares e correspondentes formas de autogestão administrativa, bem

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como de sistemas de alternância de poder - via disputas em jogos desportivos, em estatutos formais ou positivados, em litígios judiciais, em conflitos civis, etc. Na emulação interminável pelos escassos bens disputados justamente por essa escassez (artificial ou não) ser determinadora da dificuldade de sua posse e usufruto - radicam as razões que alimentam a paulatina complexidade das estruturas sociais no decurso do processo histórico – os jogos de interesses e de forças fomentadores do agir racional teleológico/axiológico e definidores de embates no âmbito político. No bojo desse empreendimento impulsivo se erige uma ordem sociopolítica cuja atribuição básica é disciplinar o livre movimento das vontades humanas circunscritas a um território: o Estado, que essencialmente é distinguido pela autoridade que encerra e pelo poder que lhe é imputado pelas convenções e concertos sociais politicamente legitimadores, sendo que o exercício da força (legal) – expressão objetiva do poder – constitui um direito exclusivo que lhe é inerente. Submetido a uma perspectiva estrutural, o conceito de Estado envolve a articulação entre os seus componentes essenciais, a saber: poder soberano, povo, território e finalidades. Em outros termos, significa que o Estado é uma organização política dotada de poder soberano (independência, autodeterminação política) frente a outros Estados Nacionais, e esse poder soberano emana do povo, que por sua vez encontra-se distribuído num território específico e concebe o imperativo de perseguir finalidades compatíveis com o equilíbrio alcançado pelas forças políticas partidárias e não-partidárias quanto ao equacionamento das relações de propriedade, ou, mais precisamente, sobre os critérios de divisão da totalidade da renda e da riqueza produzida pelo conjunto das unidades produtivas formais e informais (setor ‘invisível’) do mercado nacional. O conceito de forma de estado deriva diretamente da maneira a partir da qual se exerce o poder político com referência a noção de território. Com base em tal critério, distinguem-se as formas de Estado em Estado Unitário e Estado Federal. O Estado Unitário consiste numa circunscrição territorial politicamente centralizada que regula o fluxo de bens e pessoas em virtude do poder de império. Ao passo que Estado Federal (ou Estado Composto, ou mesmo Federação de Estados) descentraliza o seu poder, fracionando-se no espaço territorial, determinando o surgimento de uma grande diversidade de organizações governamentais que se apresentam regionalmente dispersas. 32

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Assim, o núcleo do conceito de Estado Federal é a existência da subdivisão regional de coletividades políticas autônomas e a própria União que os representam, configurando uma federação ou Estados federados. Logo, o Estado Federal possui soberania nacional e internacional, isto é, não se subordina a nenhum outro poder temporal ou espiritual, enquanto o Estado como unidade da federação possui apenas autonomia, a qual somente é reconhecida a partir do cumprimento dos pressupostos da autonomia federativa constante nos artigos 18 e 42 da Constituição Federal, a saber: a existência de órgãos governamentais próprios (órgãos independentes de seus correlatos a nível federal no tocante à seleção e investidura de cargo administrativo); e a posse de competências exclusivas. Assim, o Estado brasileiro é concebido como República Federativa do Brasil. Daí provém o próprio sentido que exprime a forma de governo, ou seja, a Forma de Governo Republicana. No item que disserta sobre o instituto do Governo, explanaremos com mais vagar o tema. Como já vimos, o poder estatal é, ao mesmo tempo, uno, indivisível e indelegável. Porém, este poder estatal é extensível ao exercício simultâneo de três ordens de poderes (órgãos) com suas respectivas funções administrativas, a saber: Executivo, Legislativo e Judiciário. A diferenciação destas três funções constitucionais do Estado é determinante na compreensão daquilo que permite distinguir Administração Pública (stricto sensu) em relação ao Governo. Tais funções podem ser classificadas em funções próprias ou típicas e funções atípicas. Assim, a função típica do Executivo é administrar, o que inclui, por um lado, a função de governo (atribuições políticas e decisão estratégica), e, por outro, a função exclusivamente administrativa (procedimentos de intervenção, fomento e serviço público). Já as funções atípicas do Executivo são a legislativa (uso de medidas provisórias) e de julgamento (contencioso administrativo). A função típica ou predominante do Legislativo é legislar (elaborar normas jurídicas gerais e abstratas) e fiscalizar os atos do Poder Executivo (fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial). As funções atípicas do Poder Legislativo estão associadas aos processos de administração (quando se pronuncia acerca de sua estrutura interna: criação de cargos públicos próprios, etc.) e julgamento (ação do Senado da República em julgar determinadas autoridades administrativas quanto aos crimes de responsabilidade). A função típica do Poder Judiciário (função

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jurisdicional ou de julgamento) é aplicar, de forma coercitiva e em caráter definitivo, o ordenamento jurídico (Direito) às controvérsias que lhe são apresentadas mediante propositura de ação; as funções atípicas, por um lado, são aquelas voltadas para administração de bens, serviço e pessoal e, por outro, aquelas relativas à geração de normas gerais para os administrados de sua alçada administrativa. Em suma, no âmbito do exercício dos três poderes da União, as funções atípicas tanto servem para a realização de suas principais finalidades, como servem para estabelecer restrições à conduta dos outros poderes, funcionando como um mecanismo de freios e contrapesos (checks and balance). Num interregno de duzentos anos, entre o século XV e XVII, a humanidade assiste ao solapamento da crença tradicional na unidade teocrática da cristandade e sua substituição pelo conceito de soberania territorial, ocasião em que começa a despontar a diferenciação fundamental entre Estado e Sociedade. Somente bem depois do surgimento da ideia de Estado territorial é que se forma uma consciência efetiva da diferenciação entre relações políticas e relações sociais, provavelmente em meados do século XIX (RUNCIMAN, 1966). O advento do Estado moderno, entre o século XIV e XVIII, está intimamente associado às necessidades de defesa e unificação territorial; logo, surge sob o signo da faculdade protetora. O Estado moderno surge paralelamente com a emergência do indivíduo enquanto portador de direitos: à vida, à segurança e à propriedade. No âmbito do Estadoprotetor, o indivíduo passa a se constituir no sujeito central do político. Aos poucos, o Estado moderno se transfigura em Estado-providência, que, por sua vez, consiste em “um aprofundamento e uma extensão do Estado-protetor ‘clássico’” (ROSANVALLON, 1997). Durante a vigência do Estado-providência, a providência divina é substituída pela certeza da providência estatal mediante o aperfeiçoamento das técnicas de seguro, que, por sua vez, é beneficiada pelo nível elevado do grau de certeza possibilitado pela probabilidade estatística. Assim, “[...] O Estado-protetor corresponde à garantia de sobrevivência (a proteção física da vida) e o Estado-providência, por sua vez, à garantia de uma abundância ‘mínima’ para todos os cidadãos” (ROSANVALLON, 1997). Mas o que é e no que consiste o Estado moderno? Weber (1999) nos contempla com uma definição formal que identifica bem o caráter político-coercitivo dessa entidade abstrata. Para ele, o Estado constitui uma “empresa”, uma comunidade humana ou uma associação 34

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política de tipo historicamente delineado e criado na Europa ocidental, que reivindica e logra com sucesso o direito ao monopólio legítimo de uso do constrangimento físico, e se traduz pela forma politicamente mais organizada e racional de gestão da vida social dos indivíduos em determinada circunscrição territorial. Weber nos adverte que somente podemos definir sociologicamente o Estado moderno em função dos meios particulares que lhe são inerentes, o que de resto pode ser aplicado a toda e qualquer associação política, como é o caso do uso do constrangimento físico (meio específico), e não em função do que faz ou deixa de fazer. Afinal, argumenta Weber, quase não existe tarefa que uma associação política não tenha executado, assim como não existe tarefa cuja execução tenha sido permanentemente de domínio exclusivo a tais associações de caráter político, e que atualmente são designadas por Estados, consistindo em formas históricas de dominação não-institucional anteriores ao Estado moderno. Logo, apoiando-se na afirmação textual de Trotski - “‘Todo Estado fundamenta-se na coação’” -, Weber sentencia: a única fonte “jurídica” de exercício da coação é o Estado, somente a ele cabe conceder, ou não, a terceiros o direito de empregá-la. Além do mais, se todas as instituições até aqui existentes nunca tivessem experimentado qualquer tipo de violência ou coação inexistiria o conceito de “Estado”, e em seu lugar apareceria o conceito de “anarquia”, no exato significado que o vocábulo semanticamente sugere e encerra. Nessa linha de análise, portanto, o Estado não pode ser definido com base nos resultados que manifesta através de sua organização institucional, ou seja, o Governo e a Administração Pública, mas com base nos meios de que se instrumentaliza, onde o constrangimento físico é apenas um meio, embora específico, dentre outros. Em outros termos, definir o Estado em função do que realiza é perigoso por conta de duas questões de ordem lógica – defini-lo pelo que faz significa dizer também que ao deixar de fazer o que normalmente faz implica em vê-lo deixar de ser o que é, ou seja, o Estado deixa de existir; e que qualquer entidade que execute funções típicas de Estado deve ser identificada enquanto tal (RUNCIMAN, 1966) Runciman, admitindo, porém, que definir o Estado com base em eventuais “finalidades” é temerário por demais, não concorda totalmente com as consequências lógicas da proposição teórico-metodológica Weberiana acerca da definição do Estado, mas reconhece que “(...) na definição de Weber – que se baseiam antes nos meios – se um Estado

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deixa de conservar o seu monopólio reconhecido da fôrça (sic), então será necessário dizer que não se trata mais de um Estado (RUNCIMAN, 1966, p. 45); e arremata peremptoriamente que temos apenas que nos preocupar em verificar concretamente o que fazem ou deixam de fazer as instituições que detém o monopólio legítimo da violência física, esvaziando, contudo, os resultados da ação dessas instituições de qualquer eficácia cognitiva na compreensão de seu conteúdo conceptual. O mesmo se aplica ao conceito de política, afinal, o que vincula a noção de Estado à de política é o fenômeno do poder. As razões que embasam tal argumento poderiam nos conduzir a ilações açodadas e imputar a Runciman proposições estranhas a seu pensamento com base nas afirmações de Weber. Assim, inadvertidamente, poderíamos ser levados a conceber a ideia de que a redução das funções públicas ou desestatização redundaria na conclusão lógica segundo a qual o Estado deixaria de ser um Estado justamente por ser forçado a abdicar do exercício de certas funções, tais como a intervenção na economia mediante o recurso da produção de bens materiais de consumo, ou mesmo de alguns bens e serviços públicos coletivos gratuitos (saúde e educação, por exemplo) ou não; e a transferência para a iniciativa privada, mediante concessões públicas, dos serviços de telecomunicações e de geração de energia elétrica. Bobbio (1999) nos apresenta argumentos que ajudam a esclarecer melhor a situação evocada. Segundo ele, apenas poderíamos cogitar a possibilidade de o Estado deixar de ser o que seus predicados enunciam, ou seja, deixaria de existir, numa eventual situação em que os poderes básicos que lhe são inerentes dele fossem subtraídos, a saber, o poder coercitivo, o poder jurisdicional e o poder tributacional. O primeiro desses poderes contempla o monopólio quanto à aplicação da força física. O segundo, diz respeito à concepção e à contextura das leis, assim como a sua observância quanto aos casos concretos, conforme os fundamentos axiológicos e deontológicos que socialmente as consubstanciam. O terceiro, por seu turno, refere-se à prerrogativa estatal de impor a cobrança de tributos para financiar a operação funcional do aparelho administrativo do Estado. Tais são os poderes que constituem o núcleo mínimo de todo Estado, sendo que cada um deles corresponde a funções operacionais que lhe equivalem, cuja inoperância absoluta faria com que o Estado abdicasse de ser um Estado. Todos esses poderes e respectivas funções conferem ao Estado os elementos essenciais e distintivos de sua individualidade enquanto tal, ao passo que - com exceção das funções acima citadas - todas as outras 36

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são componentes integrantes que o Estado vai agregando em função das circunstâncias históricas, onde as condições gerais de reprodução das unidades produtivas, assim como seu grau de desenvolvimento e diversificação, a estratégia de inserção no mercado global, os sistemas de intermediação de interesses associados às correlações de forças políticas dominantes e o vigor - ou a debilidade - dos sistemas de representação e participação política que nele imprimem os sinais de outra modalidade estatal: o Estado intervencionista (ou Estadoonipresente). Portanto, essas três funções mínimas aludem ao Estado conforme sua feição primeva, ou seja, alude ao Estado-protetor (Estado liberal), enquanto que as justaposições de outras funções o identificam como Estado-providência (Estado social); logo, o Estado pode abdicar de funções típicas de mercado, deixando de intervir no meio econômico, e mesmo no social, sem, no entanto, deixar de ser um Estado enquanto tal, como advoga Bobbio (1999). O difícil é imaginar como isso poderia ser efetivado radicalmente dado a irreversibilidade do Estado de bem-estar social. Retornando a Weber (1999), é evidente que sua conceituação por si só nada elucida sobre as transformações do aparato estatal frente às transformações históricas que ele próprio anteviu com lucidez ao empreender a analogia entre a racionalidade que inere ao Estado - aquela que consiste na rigidez das regras ritualísticas do processo burocrático - e a racionalidade que se instaura no cerne do desenvolvimento capitalista com respectivas, porém equivalentes, expropriações de meios estrutural-funcionais internos; da mesma forma que nas unidades produtivas capitalistas as forças produtivas (ou proletários) são privadas da propriedade dos meios de produção, os funcionários que compõem a estrutura burocrática também são privados da propriedade dos cargos que ocupam e exercem dos meios materiais da organização administrativa e para isso percebem remuneração sob a forma de salários. Na construção da ordem moderna, dois movimentos paralelos terminam por confluírem simbioticamente: o progresso rumo ao capitalismo é fator de modernização da economia tanto quanto o progresso rumo ao funcionalismo burocrático constitui fator de modernização do Estado (WEBER, 1999). Ou seja, modernização econômica supõe modernização estatal e vice-versa - “[...] historicamente o ‘progresso’ em direção ao Estado burocrático [...] encontra-se em conexão muito íntima com o desenvolvimento capitalista moderno” (WEBER, 1999, p. 530). Além de que Estado nacional e capitalismo implicam-se mutuamente - um fertiliza o outro.

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Estado capitalista As concepções de Claus Offe (1994) e Carnoy (1976) acerca do Estado são centrais para se entender a dinâmica do Estado na sociedade, pois este último constantemente precisa compatibilizar as exigências do capital com as necessidades do trabalho, a integração social com a integração sistêmica, a solução dos conflitos entre as classes com as crises de reprodução/acumulação. Eis o que se pode chamar de problemas da dinâmica do Estado capitalista. As formulações teórico-metodológicas de Offe (1994) com relação ao Estado se guiam pelo cuidado em compatibilizar as “razões concretas e de conteúdo” que justificam a ação estatal com os “resultados materiais” decorrentes dessa ação; ambos constituem “pontos de referência funcionais” inerentes ao quadro organizacional da estrutura do Estado burguês. Trata-se, portanto, de confeccionar hipóteses plausíveis acerca da relação funcional entre a ação do Estado e os problemas estruturais que surgem no seio de uma particular formação socioeconômica capitalista. Nessa linha de estudo é possível averiguar como uma sociedade histórica se reproduz e que mecanismos asseguram sua continuidade ou descontinuidade:

A sociologia resolve esse problema (que continua básico e atual) na medida em que indicam quais são exatamente as questões estruturais que problematizam o contexto societário e sua continuidade histórica, e esclarece através de que medidas de ‘integração’ o sistema social é capaz ou não de resolver os seus problemas estruturais específicos (OFFE, 1994, p. 14;).

Uma vez esclarecidos os termos gerais da definição operacional do Estado em Offe, mais precisamente do Estado capitalista, convém adiantar como o autor especificamente o conceitua. De antemão, adverte para a inconsistência da concepção instrumental do Estado, ou seja, a ideia segundo a qual o Estado está a serviço ou se constitui em “instrumento” de uma classe em contraposição a outra (crítica à teoria Marxista). Para Offe, o Estado não protege os interesses específicos de uma classe; pelo contrário, sua preocupação é com a funcionalidade geral do sistema ao qual o próprio capital extrai a seiva de que necessita para se reproduzir, e o próprio Estado para existir em sua condição histórica de formação estatal

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capitalista. Assim, o Estado capitalista procura manter permanentemente as condições institucionais e estruturais favoráveis às relações de classe típicas de uma sociedade que se apóia na valorização privada do capital e no trabalho assalariado livre; e assim fazendo, protege os interesses gerais da totalidade da sociedade. Uma vez feita essa observação, eis a definição operacional de Offe (1994, p. 123-124; grifos originais), acerca do Estado capitalista, concebido como uma forma institucional de poder público em sua relação com a produção material. O conceito de Estado capitalista, então, é compreendido mediante a articulação do que o autor supracitado chama de as quatro determinações funcionais: • Privatização da produção – De modo geral, as empresas privadas são mais eficientes e controláveis do que as empresas públicas, já que os critérios “políticos” do poder público são um obstáculo à organização da produção material; • Dependência dos impostos – As finanças públicas estão indiretamente associadas ao volume da acumulação privada, levada a efeito pelas empresas privadas; é da acumulação privada que o Poder Público obtém os recursos necessários ao custeio da máquina administrativa e à promoção de políticas públicas em geral, graças ao funcionamento do sistema tributário (tributos, taxas e contribuições); • Acumulação como ponto de referência – A dependência do Estado com relação ao processo privado de acumulação capitalista como que obriga os detentores do poder estatal a garantir as condições políticas propiciadoras da reprodução ampliada do capital; • Legitimação democrática – O sistema político prevê a supervisão legal do processo de alternância de poder via eleições (sufrágios) gerais, bem como a legitimidade indispensável à apropriação do Poder do Estado, sufragada pela maioria da população eleitoral. Portanto, um grupo político qualquer necessita da legitimação política proporcionada pelo escrutínio das urnas. E é exatamente através do Poder Político que tal grupo assume que o Estado passa a se submeter tanto ao imperativo da afirmação do corpo de regras do governo democrático-representativo (forma institucional) como ao imperativo da consolidação do desenvolvimento e exigências do processo de reprodução ampliada do capital (conteúdo).

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A articulação entre essas quatro determinações estruturaisfuncionais expressam o que Offe entende por “política” do Estado capitalista, e que consiste no “aspecto dinâmico da estrutura estatal”, a saber: “o conjunto de estratégias mediante as quais se produzem e reproduzem constantemente o acordo e a compatibilidade entre essas quatro determinações estruturais do Estado capitalista” (OFFE. 1994, p 125). Do que foi dito acima, conclui-se que as operações de coordenação estatal dos sistemas sociais, econômicos e políticos no âmbito territorial de um país dependem diretamente da chancela popular, segundo os termos consagrados pela Democracia moderna, e que constitui um sistema social em que os indivíduos, ora designados por cidadãos, dispõem em partes iguais do poder resultante da Soberania Popular. Ou seja, o poder que emana das urnas converte-se num instrumento da vontade do povo (sociedade eleitoral), proporcionando a existência de um sistema de alternância de poder que é o mais empregado no mundo contemporâneo globalizado, sobretudo nos países desenvolvidos e emergentes (vide 3ª Unidade). Em suma, o que propõe Offe, a contrapelo de Weber - que se apóia numa formal definição conceitual do Estado, e mesmo da democracia, - é formular uma concreta definição operacional do Estado, ou seja, individualizar o modo de articulação entre os principais elementos constitutivos do aparato estatal (administração pública em sentido restrito), e como a conjugação desses elementos articulados, tomados em seu conjunto, articulam-se, por sua vez, com a sociedade circundante, cujo produto é expresso sob a forma de políticas públicas, as quais são o meio de ação planejada de que dispõe o Estado para cumprir seus deveres constitucionais (vide a 3ª Unidade). No percurso dessa tentativa, offe confirma o que as análises marxistas já demonstraram à exaustão. A estrutura organizacional do Estado se modifica na medida das transformações verificadas e assumidas pelos modos de expressão do capital (comercial, industrial, financeiro, especulativo). Além da relação geral que existe entre o capitalismo e as políticas sociais, também há espaço para relações específicas, conforme as mudanças de perfil do desenvolvimento capitalista, o qual a execução de modelos distintos de política social obedeça à dinâmica das transformações do capitalismo que por sua vez incidem sobre o próprio Estado. Nos estudos realizados por Offe, e, sobretudo, naqueles elaborados 40

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por Joachim Hirsch (apud Carnoy, 1976), essa análises adquirem uma tonalidade teórica consistente. Existem semelhanças e diferenças entre as análises desses formuladores da teoria do Estado e da compreensão do processo de reprodução/acumulação ampliada do capital. Malgrado as diferenças de ênfases ou abordagens entre tais autores, importanos tão-somente mostrar, através de suas contribuições teóricas, os tipos de relações/interações verificadas entre o Estado e o sistema de produção historicamente existente e hegemônico, cuja pujança reside nas contradições do próprio processo de exploração sistemática que o caracteriza no curso de seu desenvolvimento. Offe centra a sua compreensão do Estado em função do seu papel ao nível da esfera econômica, mais especificamente no processo contínuo de acumulação de capital, ou seja, de extração de excedente e da reprodução das relações de produção, assim como nas contradições que se originam no âmbito do Estado, a partir do momento em que este intervém no mercado, a fim de evitar as crises de acumulação – condição de sua existência enquanto tal – que se refletem no próprio aparato institucional estatal, conduzindo, por sua vez, a crises de legitimação. Apesar de, por um lado, nos propiciar uma compreensão um tanto quanto vaga, em termos comparativos, da teoria das transmutações com relação à forma e às funções do aparelho do Estado, Offe, por outro lado, nos propicia uma compreensão consistente e pormenorizada das “leis de movimento do aparelho do Estado” em sua interação com a arena econômica. Se Offe, em suas análises, privilegia a intelecção das leis de movimento do aparelho do Estado em suas vinculações com as relações econômicas, Hirsch (apud CARNOY, 1976), por seu turno, privilegia a intelecção das leis de movimento da acumulação de capital e as respectivas influências diretas delas advindas sobre as formas e funções do Estado, e naturalmente de seu caráter intervencionista que tende a transformar-se paralelamente à transformação do caráter de acumulação do capital, ou seja, o modo de funcionamento do Estado está diretamente associado às crises no decurso do desenvolvimento capitalista – a natureza das intervenções estatais depende das leis de movimento do desenvolvimento capitalista. Para Hirsch, as intervenções do Estado sempre ocorrem no sentido de produzir contratendências à queda da taxa de lucros, ou seja, na extração do excedente. Na medida em que a taxa de lucros tende a decair, o Estado é acionado para reorganizar as condições gerais

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de produção; e essa intervenção se manifesta através da revolução tecnológica do processo de trabalho e do desenvolvimento das forças produtivas. Mas Offe (1994) e Carnoy (1976) observam que o Estado não pode permanentemente solucionar as crises econômicas devido ao seu modo particular de operação, isto é, devido à burocracia, que é ineficaz e ineficiente. A burocracia demonstra ser adequada no contexto das operações políticas de alocação, porém se revela por demais deficientes em dar conta das atividades estatais produtivas. Com essa observação final, Offe simplesmente rejeita a hipótese Weberiana em que a burocracia possui um grau de eficiência superior aos outros procedimentos administrativos. A União: competências e poderes A União é uma entidade federativa – mas não federada politicamente construída e instituída como poder supremo, congregando os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Representa o conjunto das circunscrições territoriais dos Estados federados que são dotadas de autonomia, nos termos da Constituição Federal; de uma força auxiliar ao exército (Polícia Militar); e de uma constituição estadual, subserviente, porém, aos princípios e garantias emanados da Constituição Federal de 1988. A União, pessoa jurídica de direito público interno (titular de direitos e sujeito de obrigações) que dispõe de competências administrativas e legislativas, também é chamada de República Federativa do Brasil e se reconhece como Estado Democrático de Direito (BRASIL, 1988, Título I, artigo 1º): A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político.

De outro modo, reza o artigo 18, Capítulo I, Título III, página 51 da Constituição Federal (BRASIL, 1995), a propósito do Estado brasileiro: “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,

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todos autônomos nos termos desta constituição.” Embora a União exerça as prerrogativas da soberania do Estado brasileiro, ao representar a República Federativa do Brasil no concerto das nações, não se pode confundi-la com Estado Federal. A União é apenas um dos componentes da República Federativa do Brasil, constitui apenas uma dentre as quatro entidades federativas integrantes de uma totalidade política que é o Estado federal - Estados, Distrito Federal e Municípios. O comportamento da União varia na medida em que se trate de questões internas ou externas. Em relação ao ambiente nacional interno, a União, enquanto entidade do Direito Constitucional, atua em seu próprio nome e possui autonomia em relação aos demais estados-membros ou federados. Em relação ao ambiente externo, que configura o campo das relações internacionais, a União se apresenta como representante do Estado Federal na chancela de atos de Direito Internacional. No entanto, não cabe à União praticar atos inerentes ao Direito Internacional, pois essa incumbência constitucional é atribuída ao Estado Federal, a única e verdadeira pessoa jurídica de direito público internacional. Assim, a República Federativa do Brasil é juridicamente representada por um órgão da União, a Presidência da República, na celebração de tratados ou acordos internacionais, conforme expressa o artigo 21 da Constituição Federal, no que concerne à competência da União, nas alíneas I (“manter relações com estados estrangeiros e participar de organizações internacionais”) e II (“declarar a guerra e celebrar a paz”). Pode-se dizer que os conceitos de Estado Federal e República Federativa do Brasil são sinônimos, o que não ocorre com o conceito de União. E é a própria Constituição Federal que esclarece que esta última é apenas um dos quatro componentes – porém o mais poderoso – que caracterizam os conceitos acima, ao lado dos Estados subnacionais, Distrito Federal e Municípios. Em suma, União e Estado Federal não são uma coisa só, pois este último constitui um organismo político que rege a federação mediante estatuto político que veda o direito de secessão (o direito de separar-se da União Federativa) e garante a supremacia dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em relação aos poderes das demais entidades da Federação, sobretudo em relação à cartilha de regras que apóiam a soberania do Estado – a Constituição Federal. A assinatura de um tratado internacional, por exemplo, levada a efeito pelo Ministério das

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Relações Exteriores (MRE), se transforma em força de lei no país porque existe um dispositivo legal da Constituição Federal que permite a sua efetividade no tempo e no espaço. Como se sabe, o referido Ministério é um agregado de órgãos administrativos cujos agentes, seguindo orientação governamental, executam ações em nome do Estado e do Governo vigente. Governo O Governo é o princípio unificador do Estado. É quem comanda e decide, mediante procuração legal do Estado, o conjunto dos órgãos que constituem a Administração Pública Federal direta e indireta. O Governo é a instância político-institucional por excelência que traduz as demandas por recompensas por parte da população em programas de ação governamental ou simplesmente políticas públicas, que correspondem às ações de auxílio imediato ao exercício das funções governamentais. Os órgãos são definidos na perspectiva do Direito Administrativo como “centros de competência instituídos para o desempenho de funções estatais, através de seus agentes, cuja atuação é imputada à pessoa jurídica a que pertencem” (MEIRELES apud ALEXANDRINO & PAULO, 2002 p. 70). Os órgãos constituem centros de competência despersonalizados que integram uma mesma pessoa jurídica, já que apenas esta última é dotada de personalidade jurídica; e sua atuação é imputada à pessoa jurídica da qual faz parte. Nesse sentido, no tocante à Administração Direta Federal, apenas a União (assim como os Estados, o Distrito Federal e os Municípios) é dotada de personalidade jurídica. Os Ministérios são órgãos que não podem ser sujeitos de direitos e obrigações em seu próprio nome, sendo a atuação de seus agentes imputada à União, uma vez que expressam a vontade das entidades que integram. Os órgãos são compostos por alguns componentes indispensáveis a sua própria funcionalidade: funções ou competências, agentes e cargos. Ao desempenhar suas funções ou competências (atribuições específicas), os órgãos se constituem em meios ou instrumentos de ação das pessoas jurídicas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios; Autarquias e Fundações Públicas) das quais fazem parte; resultam da desconcentração e não dispõem de patrimônio próprio. A supervisão ministerial levada a efeito pelos Ministros de Estado se realiza por meio dos chamados Órgãos Centrais (Decreto-lei nº 44

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200/1967, artigo 21), a saber: os Órgãos Centrais de Planejamento, Coordenação e Controle Financeiro; e os Órgãos Centrais de Direção Superior (Decreto-lei nº 200/1967, artigo 22). Compete aos Órgãos Centrais de Planejamento (estabelecimento das diretrizes e metas que nortearão a ação governamental), a Coordenação (convergência das atividades administrativas no intuito de conformá-las às diretrizes e metas de planejamento, de modo a suprimir a duplicidade de atuação, a dispersão de recursos, assim como a divergência de soluções) e ao Controle Financeiro (verificação do cumprimento das finalidades, qualidade e rendimento na execução das atribuições, assim como a observância das normas pertinentes; controle da aplicação dos recursos públicos financeiros, bem como da guarda dos bens da União) o assessoramento direto ao Ministro de Estado; e, em função de suas competências específicas, sob representação e direção do titular do Ministério, permita efetivar estudos que propiciem a elaboração de diretrizes programáticas, assim como o exercício de funções de planejamento, orçamento, orientação, coordenação, inspeção e controle financeiro, por sua vez a cargo de uma Secretaria Geral e uma Inspetoria Geral de Finanças (artigo 23). O artigo 10, § 2º, do Decreto-Lei nº 200/67 é bastante explícito quanto à natureza das atividades exercidas no cerne da estrutura central de direção dos negócios do Estado, com se depreende a seguir: Em cada órgão da Administração Federal, os serviços que compõem a estrutura central de direção devem permanecer liberados das rotinas de execução e das tarefas de mera formalização de atos administrativos, para que possam concentrar-se nas atividades de planejamento, supervisão, coordenação e controle.

E é reforçada pelo § 4º, do mesmo artigo do referido documento legal: Compete à estrutura central de direção o estabelecimento das normas, critérios, programas e princípios, que os serviços responsáveis pela execução são obrigados a respeitar na solução dos casos individuais e no desempenho de suas atribuições.

Os Órgãos Centrais de Direção Superior, por sua vez, exercem funções administrativas relacionadas a procedimentos

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específicos e auxiliares dos Ministérios, devendo, preferencialmente, ser organizados através da técnica da divisão de instâncias administrativas em departamentos, e em conformidade com os seguintes princípios fundamentais: • Planejamento: promoção do desenvolvimento econômicosocial do País e a segurança nacional, norteando-se segundo planos e programas elaborados; • Coordenação: realizada em todos os níveis da administração, através da atuação das chefias individuais, da efetivação sistemática de reuniões com a as chefias subordinadas e da instituição e funcionamento de comissões de coordenação em cada um dos níveis administrativos; • Descentralização: execução de atividades a partir de três planos: no interior dos quadros funcionais da Administração Pública Federal, em que se diferencia o nível de direção como contraponto ao nível de execução; no protagonismo da Administração Pública Federal quanto a transferir responsabilidades políticas para as entidades políticas federadas através de convênios; e no protagonismo da Administração Pública Federal quanto a transferir responsabilidades ao setor privado via contratos ou concessões; • Delegação de competência: instrumento de descentralização administrativa que visa garantir celeridade e objetividade às decisões administrativas ou de Governo; • Controle: atividades realizadas na Administração Pública Federal em todos os níveis e órgãos, incluindo três tipos de controle: aquele realizado pela própria chefia do órgão, ao supervisionar a execução de programas, assim como à observância das normas que regem a atividade particular do órgão sob controle; aquele executado pelos órgãos inerentes a cada sistema, ao observar as normas gerais que presidem as atividades auxiliares; e aquele controle que se exerce sobre a aplicação do dinheiro público, bem como o da guarda do patrimônio da União pelos órgãos que integram o sistema de contabilidade e auditoria (artigo 24; p. 6). Em seu artigo 25, o referido estatuto legal define quais são os principais objetivos de supervisão ministerial circunscrita ao campo de atribuições dos Ministros de Estado. São eles: 46

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I. Assegurar a observância da legislação federal. II. Promover a execução dos programas do Governo. III. Fazer observar os princípios fundamentais enunciados no Título II. IV. Coordenar as atividades dos órgãos supervisionados e harmonizar sua atuação com a dos demais Ministérios. V. Avaliar o comportamento administrativo dos órgãos supervisionados e diligenciar no sentido de que estejam confiados a dirigentes capacitados. VI. Proteger a administração dos órgãos supervisionados contra interferências e pressões ilegítimas. VII. Fortalecer o sistema do mérito. VIII. Fiscalizar a aplicação e utilização de dinheiros, valores e bens públicos. IX. Acompanhar os custos globais dos programas setoriais do Governo, a fim de alcançar uma prestação econômica de serviços. X. Fornecer ao órgão próprio do Ministério da Fazenda os elementos necessários à prestação de contas do exercício financeiro. XI. Transmitir ao Tribunal de Contas, sem prejuízo da fiscalização deste, informes relativos à administração financeira e patrimonial dos órgãos do Ministério. Os planos divulgados e efetivados pelos componentes da estrutura governamental são efetuados com o indispensável auxílio dos órgãos integrantes do Estado. Tais órgãos podem ser classificados, segundo o Direito Constitucional, em supremos e dependentes. Os primeiros são regidos pelas normas do Direito Constitucional, pois lidam diretamente com o exercício do poder político, que é uno, indivisível e indelegável, configurando o que conhecemos por Governo ou órgãos governamentais, encarregados da organização institucional do Estado, com base em princípios político–constitucionais (normas-princípio) e jurídicoconstitucionais (princípios-garantia). Os últimos são regidos pelo Direito Administrativo, situando-se em um nível hierárquico inferior e restrito ao cumprimento ou execução de funções estritamente administrativas. Em linhas gerais, os órgãos comportam uma variedade de classificações cujas qualificações derivam da aplicação de múltiplos critérios. Assim, os órgãos, conforme o critério de sua estrutura, são

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classificados em órgãos simples (formado por apenas um centro de competência) e compostos (formado por vários centros de competência, ou órgãos; exemplo da técnica da desconcentração administrativa). No tocante ao critério de sua atuação funcional, os órgãos podem ser classificados em singulares (ou unipessoais, em que a responsabilidade funcional cabe apenas a um único agente público, ao mesmo tempo chefe e representante) e colegiados (ou pluripessoais, em que suas atuações e decisões dependem da explícita e obrigatória manifestação da totalidade de seus membros integrantes, cujo processo de deliberação é disciplinado por regras regimentais). Os órgãos integrantes do Estado, no que respeita à sua posição hierárquica, são classificados como independentes, autônomos, superiores e subalternos e se enquadram, por sua vez, em outra classificação conforme o sentido amplo do conceito de Administração Pública: órgãos governamentais (centros de tomadas de decisão estratégica tendo em vista as demandas da sociedade por produtos e serviços públicos, assim como de políticas de bem-estar social; e do mercado por políticas de subsídios, de estabilização macroeconômica e de alocação de recursos na sociedade) e órgãos administrativos (centros de competência despersonalizados incumbidos da execução dos planos e das diretrizes de ações governamentais). Os órgãos independentes são aqueles previstos constitucionalmente e que representam os três Poderes da República, quais sejam: o Senado Federal, a Câmara Federal, o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça, etc., outros tribunais, a Presidência da República, assim como seus correlatos simétricos nos vários níveis da Federação. Como constituem a própria cúpula do poder público estatal, os órgãos independentes não se subordinam hierárquica ou funcionalmente a nenhuma outra instância governamental ou administrativa. Logo, as suas atribuições são exercidas pelos denominados agentes políticos. Os órgãos independentes coincidem com os chamados órgãos governamentais ou supremos, além de serem os únicos dotados de excepcional capacidade processual para a defesa de suas prerrogativas e competências funcionais. E as razões para tal fato decorrem da sua posição na estrutura de poder do Estado, excluindo os órgãos hierarquizados, isto é, os órgãos superiores e os subalternos. Os órgãos autônomos, a exemplo dos órgãos independentes, também se situam na cúpula do poder público estatal, porém em nível hierárquico imediatamente inferior. São caracterizados como órgãos 48

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diretivos e são dotados de ampla autonomia administrativa, financeira e técnica (Ministérios, Secretarias de Estado, Advocacia Geral da União, etc.). Apesar de os órgãos superiores desempenharem atividades de direção, controle e decisão, eles se subordinam ao controle hierárquico do nível imediatamente superior (procuradorias, coordenadorias, gabinetes, etc.). Os órgãos subalternos incluem todos aqueles que desempenham atribuições meramente executórias, que subordinam-se a diversos níveis hierárquicos superiores e que dispõem de débil poder de decisão (seções de expediente, pessoal, material, portaria, etc.). Como vimos, os órgãos são centros de competência despersonalizados criados especialmente para cumprir determinadas funções do Estado por meio de um conjunto de agentes, os chamados agentes públicos, que podem ser classificados, segundo Hely Lopes Meirelles (apud ALEXANDRINO & PAULO, 2002) em agentes políticos, administrativos, honoríficos, delegados e credenciados. Os agentes públicos constituem o aparato técnico-intelectual dos órgãos que integram a Administração Pública. A sua atuação social nos organismos estatais, aos quais se perfila como representante, é decisiva na realização dos planos e das diretrizes de ações governamentais. Os agentes políticos são aqueles componentes que se posicionam nos primeiros escalões do Governo cujas atribuições e responsabilidades estão associadas às funções de direção, orientação e execução das diretrizes de ação a serem estrategicamente seguidas. De modo geral, os agentes políticos extraem a sua competência do texto constitucional; subordinam-se a regras e foros especiais; são investidos em seus cargos através de eleições, nomeações ou designações; e não são hierarquizados (exceto o corpo de auxiliares imediatos dos titulares do Poder Executivo), uma vez que sua atuação é disciplinada exclusivamente pela Constituição Federal. Assim, são exemplos de agentes políticos os titulares do Poder Executivo nas várias esferas da Federação (Presidência da República, Governadores e Prefeitos), com seus respectivos auxiliares imediatos (Ministros, Secretários Estaduais e Municipais), bem como os membros constituintes do Poder Legislativo (Senadores, Deputados e Vereadores). Em virtude de sua posição na cúpula governamental, os agentes políticos integram a totalidade dos órgãos supremos e são regidos por princípios, valores e normas emanados do Texto Constitucional (objeto do Direito Constitucional).

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Os órgãos governamentais ou supremos desempenham funções associadas ao exercício do poder político, daí derivando as diretrizes a serem executadas pelos órgãos administrativos ou dependentes que desempenham funções exclusivamente administrativas. Os demais agentes públicos desempenham atividades fortemente reguladas por uma estrutura hierárquica que se sujeita aos princípios, valores e normas de natureza administrativa (objeto do Direito Administrativo). Os agentes administrativos perfazem o maior quantitativo de efetivos dos chamados agentes públicos (servidores ou funcionários públicos) no setor governamental. Fazem parte do quadro funcional das diversas entidades da Federação, em seus três poderes, bem como das entidades constituintes da Administração Pública Indireta. Em geral, representam os servidores concursados em caráter permanente, mas inclui também aqueles que exercem atividades administrativas provisórias. São subordinados à hierarquia funcional e ao regime jurídico da entidade que integram (Regime Jurídico Único – RJU, ou Consolidação das Leis do Trabalho - CLT). Os agentes administrativos que integram os altos escalões da República Federativa do Brasil são aqueles que exercem funções tipicamente de Estado (carreiras jurídicas, fiscais, diplomáticas e do ciclo de gestão). Esses agentes especiais compõem o núcleo estratégico do Estado e podem ser designados por componentes da tecnoestrutura estatal, destacando-se dentre as mais de 100 categorias funcionais da Administração Pública. Como exemplo, temos os casos dos Analistas de Planejamento e Orçamento (APO’s) e dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG’s), que trataremos na próxima Unidade, ao descrever o perfil e o ofício do gestor público. Agentes honoríficos são os jurados, os mesários eleitorais, os comissários de menores, etc. São cidadãos comuns que são convocados pelo Estado para realizar determinados serviços, sem contrapartida pecuniária ou remuneração; são funcionários públicos exclusivamente para fins penais, destituídos de qualquer vínculo profissional ou funcional com o Estado. Os agentes delegados são constituídos por particulares que obtém o direito de executar atividades, obras ou serviços públicos desde que o faça por conta própria, mediante confissão de responsabilidade, submetendo-se, no entanto, à fiscalização da autoridade que lhe delegou a concessão, permissão ou autorização de serviços públicos. Suas atividades são disciplinadas pela Constituição Federal, que imputam a 50

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eles a responsabilidade por eventuais danos provocados a terceiros, a chamada responsabilidade civil objetiva (art. 37, § 6º), e os submete ao instituto jurídico do mandato de segurança como medida de proteção do direito líquido e certo, quando impetrado em resposta ao abuso de poder ou de autoridade cometido por “[...] autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público” (art. 37, LXIX; grifo nosso); além de ser responsabilizado nas práticas de crimes contra a Administração Pública (Código Penal, art. 327). Na realidade, os agentes delegados são apenas colaboradores do Poder Público, na condição de concessionários, permissionários ou quem autoriza os serviços públicos (empresas de comunicação e eletricidade; águas, esgoto e saneamento, etc.), assim como tradutores públicos, leiloeiros etc. Os agentes credenciados são os agentes incumbidos da Administração visando representar atos e desempenhar atividades específicas com a devida retribuição pecuniária (pagamento por serviços) realizada pelo Poder Público Credenciador. Verificaremos agora, de forma comparativa, algumas das características institucionais que distinguem Governo de Administração Pública e vice-versa. Quadro de Diferenciação entre Governo e Administração Pública Característica

Governo

Administração Pública

Natureza dos atos praticados

Realização de atos de governo

Realização de atos de execução

Atividade

Desenvolve atividade política e discricionária

Desenvolve atividade neutra, associada à lei ou à norma técnica

Conduta

Conduta independente

Conduta hierarquizada

Responsabilidade/ ação

Ação de comando Ação de execução destituída de dotada de responsabilidade constitucional responsabilidade e política, porém investida de constitucional e política, responsabilidade técnico-legal no porém sem assunção de curso da execução responsabilidade pela execução

Poder de decisão

pleno poder de decisão política

Restrito a decisões relativas ao cumprimento legal de sua finalidade institucional

Fonte: Ferreira, 1995.

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Administração Pública Comumente se traduz Gestão Pública por Administração Pública. Para efeito de compreensão analítica, distinguimos gestão pública como o elemento exclusivamente voltado para a práxis da operacionalidade. Em termos de equivalência semântica (significado), por pura analogia, traduzimos como administração pública em sentido estrito – a máquina pública, o aparato físico-intelectual do Estado. Ao passo que em sentido amplo, nos referiremos à Administração Pública – assim mesmo com iniciais maiúsculas – como uma instituição que, ao mesmo tempo, lida tanto com as determinações políticas do Governo (os planos e as diretrizes de ação), via órgãos governamentais ou supremos, quanto com a execução de tais determinações políticas por meio de órgãos administrativos ou dependentes (concretização efetiva dos planos governamentais). Em suma, os órgãos governamentais ou supremos desempenham funções associadas ao exercício do poder político, de onde provêm as diretrizes a serem executadas pelos órgãos administrativos ou dependentes que, por sua vez, desempenham funções exclusivamente administrativas. Pela primeira vez na história das Constituições Brasileiras, um capítulo exclusivo (VII) com quatro seções, sob o título “Da Administração Pública” foi incluído em um Texto Constitucional, a saber, a Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Mas foi com a publicação do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, que tomamos conhecimento pela primeira vez do registro do vocábulo administração, o qual se subdivide em direta e indireta. A Constituição Federal de 1988, em seu Título III, Capítulo VII, seção I (Disposições Gerais), no seu primeiro artigo, de número 37, a propósito da apresentação dos princípios da Administração Pública, incorporou a classificação do Decreto-Lei nº 200/67, como se pode depreender da citação que se segue: A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...].

Porém, antes de tratarmos dessa subdivisão da Administração Pública e da enunciação dos princípios que a regem, convém definirmos o que entendemos a respeito da locução Administração pública. Para tanto, é necessário refletirmos sobre algumas definições da temática em tela. 52

UNIDADE 01


O conceito de administração pública, além da classificação acima, também pode ser classificado em: sentido material, objetivo ou funcional e sentido formal, subjetivo ou orgânico. O sentido material, objetivo ou funcional compõe o conceito de administração pública (com iniciais minúsculas) enquanto conjunto de atividades administrativas realizadas pelo Estado através de seus órgãos e entidades. Logo, no sentido material, o destaque fica por conta exclusivamente da natureza da atividade desenvolvida e o regime jurídico que a rege. Essas atividades administrativas são classificadas pela doutrina do Direito Administrativo em quatro modalidades: o fomento (estímulo à iniciativa privada de interesse público, tal como a concessão de benefícios e incentivos fiscais e o financiamento em condições especiais); a polícia administrativa (poder de polícia capaz de limitar o exercício dos direitos individuais em prol do interesse coletivo, tais como a fiscalização fitossanitária e a concessão de licença); o serviço público (atividade administrativa realizada direta e/ou indiretamente e voltada para a satisfação das necessidades públicas) e a intervenção administrativa (regulamentação e fiscalização da atividade econômica do setor privado através de agências reguladoras, por exemplo). O sentido formal, subjetivo ou orgânico, por seu turno, referese à totalidade dos agentes (pessoas físicas titulares de cargos e funções), órgãos (centros de decisão e de competência) e entidades (pessoas jurídicas) criados para atingir os objetivos e metas do Governo (Poder político). No sentido formal, Governo e Administração Pública se justapõem – pelo menos parte desta, a cargo dos órgãos governamentais ou supremos –, e se manifestam concretamente como resultante de criações abstratas do Texto Constitucional e do imperium das leis. E ambos os sentidos acima discriminados e descritos acerca da locução Administração Pública são contemplados pela Constituição Federal em seu artigo 37: no sentido formal, quando se refere à Administração Pública direta e indireta dos Poderes da União, dos Estados e dos Municípios como uma totalidade orgânica; e no sentido material, como exclusiva atividade administrativa, quando expressamente se refere ao imperativo da submissão desta aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A Administração Pública, pois, se subordina ao Poder político, constitui um meio operacional e se revela sob um duplo aspecto: como complexo de órgãos sob orientação do Poder político (Administração Pública enquanto sinônimo de Estado; sentido formal) e como sistema

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de atividades administrativas (administração pública enquanto sinônimo de burocracia; sentido material). É o que patenteia a concepção de Administração Pública do jurista José Afonso da Silva (2003, p. 635; grifo original): “Administração Pública é o conjunto de meios institucionais, materiais, financeiros e humanos pré-ordenados à execução das decisões políticas”. Assim, a Administração Pública, além de constituir-se como instrumento de concretização de opções políticas, exerce o papel de mediadora das relações entre o Governo e os cidadãos (DEBBASCH apud FERREIRA, 1995). Em resumo, a Administração Pública manifesta-se como pólo de execução; como instrumento; como estrutura hierarquizada; como instância dependente e neutra; como portador de responsabilidade técnica; como dotado de competência limitada; e como detentor de poder exclusivamente administrativo. A Administração Pública - enquanto processo e corpo de órgãos, agentes e pessoas jurídicas - não está localizada no vácuo. Ela se situa num ambiente ordenado pela organização dos mercados, baseado na propriedade privada, quase sempre o elemento que estipula seu valor social, político, econômico na sociedade; e esse ambiente foi criado pelo modo de produção capitalista. Como a menor unidade humana de uma organização, que é o indivíduo ou funcionário, a Administração Pública está na dependência de seu meio ambiente e a ele deve se adaptar como condição de sua própria sobrevivência. Organização administrativa O Decreto-Lei nº 200/67 é o estatuto legal que permitiu uma maior funcionalidade e dinamicidade não apenas à Administração Pública Federal, mas também aos demais entes da federação. A ele atribui-se a classificação da Administração Pública Federal em direta e indireta. Pode-se conceber a gestão da Administração direta como gestão de serviços administrativos a partir do centro, enquanto que a gestão da Administração indireta, que se distingue e se distancia do centro, identifica-se como gestão de serviços administrativos realizada por entidades dotadas de personalidade jurídica de direito público e de direito privado mediante outorga e delegação (interposta pessoa). Assim, a dicotomia direta e indireta, suscitada pelo Decreto-Lei nº 200/67, termina por conduzir a duas técnicas jurídicas de organização administrativa: a centralização e a descentralização (descongestionamento da 54

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Administração através da desconcentração, da delegação de execução do serviço público e da execução indireta das obras e serviços). A Administração direta, centralizada, é constituída pelos serviços que compõem a estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios. Logo, inclui a pessoa política e os órgãos administrativos que integram a administração Pública em seus vários níveis. A Administração indireta, por seu turno, é descentralizada e abrange 04 (quatro) categorias de entidades, cada uma delas dotada de personalidade jurídica própria, a saber: • Autarquias – entidades administrativas autônomas criadas mediante lei específica, dotadas de personalidade jurídica de direito público interno e de patrimônio e receitas próprios, cujo propósito institucional-legal é a realização de atividades típicas de Estado, cuja dinâmica, que visa a otimização de seu funcionamento, exige o emprego de uma gestão administrativa e financeira descentralizada (art. 5º, inciso I, Decreto-Lei nº 200/1967); são tuteladas e controladas pelos Ministérios a que estão vinculadas e seus objetivos são os mesmos do Estado, só que seu exercício ocorre sob a égide da autonomia financeira, administrativa e disciplinar. Em suma, desenvolvem atividades meramente administrativas ou de natureza social e não atividades voltadas para o mercado, nas áreas de atuação das sociedades de economia mista e empresas públicas (entidades públicas de direito privado). Exemplos: Banco Central do Brasil (BACEN); Comissão de Valores Mobiliários (CVM); Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA); Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), etc.; • Fundações públicas – a exemplo das autarquias, possuem personalidade jurídica de Direito Público interno. A instituição de qualquer fundação é viabilizada graças à destinação de um patrimônio privado a um fim específico, de caráter não mercantil, o qual é orientado para a prestação de serviços de cunho social: assistência social, assistência médicohospitalar, educação e ensino, pesquisa, etc. Existem algumas similaridades entre as fundações públicas e privadas: ambas possuem finalidades sociais e são organizações sem fins lucrativos. As diferenças entre elas ficam por conta dos seguintes critérios: quanto à figura do instituidor (as fundações

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privadas são instituídas por ato de vontade de um particular e as fundações públicas por atos do Poder Executivo, através de autorização em lei específica (autorização legal)) e quanto ao patrimônio afetado (fundações privadas: patrimônio privado; fundações públicas: patrimônio público). Exemplos: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ); Fundação Escola Nacional de Administração Pública (ENAP); Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA); Fundação Nacional do Índio (FUNAI); Fundação Instituto Brasileiro da Geografia e Estatística (IBGE); Fundação Nacional de Saúde (FNS), etc.; • Empresas públicas – pessoas jurídicas de direito privado criadas pelo Poder Público, através de lei específica, podendo admitir várias formas jurídicas, dotadas, enfim, de capital público, destinadas a desenvolver práticas de natureza econômica, ou prestação de serviços públicos. Exemplos: Caixa Econômica Federal (CEF); Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT); Serviço Federal de Processamento de Dados (SERPRO), etc. • Sociedades de economia mista – pessoas jurídicas de direito privado criadas pelo Poder Público, mediante autorização em lei específica, sob a exclusiva forma de sociedade anônima e dotada de capitais públicos e capital privado que se destinam a desenvolver práticas de natureza econômica ou prestação de serviços públicos. Exemplos: Petróleo Brasileiro S/A (PETROBRÁS); Banco do Brasil S/A (BB); Banco da Amazônica S/A (BASA), etc. Além das entidades acima tratadas, também temos as agências executivas, as agências reguladoras e as chamadas entidades paraestatais. As agências executivas são dotadas de regime jurídico especial e assim são designadas em virtude da concessão, através de decreto presidencial específico, de uma qualificação (mediante subscrição prévia de um contrato de gestão) a autarquias e fundações que desenvolvem atividades e serviços típicos do Estado, de modo a proporcionar-lhes maior flexibilidade e autonomia na execução de suas funções administrativas. As agências reguladoras são criadas mediante lei de iniciativa da Presidência da República (Poder Executivo) com autonomia financeira e 56

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administrativa (ou independência), condição fundamental para a garantia do equilíbrio entre os direitos (ou interesses) do Estado, do consumidor e do setor privado. São autarquias dotadas de regime jurídico especial que desempenham atividades típicas de Estado – regulação e fiscalização. Elas são classificadas em dois tipos: aquelas que exercem o poder de polícia e aquelas que exercem o controle da atividade econômica associada à concessão, permissão e autorização de prestação de serviços públicos. As entidades paraestatais são pessoas jurídicas de direito privado que desenvolvem atividades similares às executadas pelas entidades estatais, ou seja, atividades que são realizadas “paralelamente ao Estado”, ou ao “lado do Estado”. As entidades paraestatais consistem em pessoas jurídicas de direito privado que integram o Terceiro Setor (Primeiro Setor: Estado; Segundo Setor: Mercado) e que agem paralelamente ao Estado ao desempenhar ações sem fins lucrativos, podendo, pois, serem classificadas em três tipos: serviços sociais autônomos (prestação serviços de utilidade pública em prol de determinado grupo social e/ou profissional: Sistema S: SESI, SESC, SENAI, SEBRAE, etc.); organizações sociais (OSs, Lei 9.637/1998: prestação de serviços sociais não exclusivos do Estado, sob incentivo e supervisão deste último, cujo vínculo jurídico é chancelado através de um contrato de gestão (ou acordo-programa) para a execução de atividades voltadas para o ensino, pesquisa científica, proteção e preservação do meio ambiente, cultura, saúde e para o desenvolvimento tecnológico, mediante certificado de qualificação expedido por seu Ministério ou Órgão Supervisor); e organizações da sociedade civil de interesse coletivo (OSCIPs ou OSCs, Lei 9.790/1999: prestação de serviços sociais não exclusivos do Estado, sob incentivo e supervisão deste último, cujo vínculo jurídico é chancelado através de um termo de parceria, mediante certificado de qualificação expedido pelo Ministério da Justiça). Princípios e Poderes da Administração Pública O vocábulo princípio, que consagra e norteia o ordenamento jurídico, aqui é entendido enquanto “mandamento nuclear de um sistema”, na expressão de Celso Antonio Bandeira de Melo (apud Silva, 2003, p. 91). Portanto, os princípios fundamentais e constitucionais da Administração Pública constituem vetores orientacionais normativos que servem para “[...] definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo,

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no que lhe confere a tônica e lhe dá um sentido harmônico” (Bandeira de Melo apud Silva, 2003, p. 91). No Título III (Da Organização do Estado), Capítulo VII (Da Administração Pública), seção I (Disposições Gerais: princípios da administração pública), artigo 37 da Constituição Federal, consta de modo bastante explícito que a administração pública direta e indireta, nas várias esferas ou níveis de governo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), se submeterá aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência: normas jurídicas de obediência obrigatória. Eles são o esteio em que se apóiam e se norteiam os órgãos, os funcionários públicos e as pessoas jurídicas de direito público, uma vez que são fundamentais à probidade, à transparência e à accountability na gestão do patrimônio público. Em outros termos, nas palavras de José Afonso da Silva (2003, p. 646;), A Administração Pública é informada por diversos princípios gerais, destinados, de um lado, a orientar a ação do administrador na prática dos atos administrativos e, de outro lado, a garantir a boa administração, que se consubstancia na correta gestão dos negócios públicos e no manejo dos recursos públicos (dinheiro, bens e serviços) no interesse coletivo, com o que também se assegura aos administrados o seu direito a práticas administrativas honestas e probas.

Da totalidade de princípios hauridos da Constituição destacamse os originais ou fundadores e aqueles que são deduzidos a partir destes últimos – trata-se de princípios derivados, tais como os princípios do procedimento licitatório, da razoabilidade e da probidade, bem como de outros princípios gerais, a saber, o princípio da proporcionalidade dos meios e dos fins, o princípio da supremacia do interesse coletivo sobre o interesse individual, o princípio da autotutela e o princípio da indisponibilidade do interesse público. O princípio da legalidade é o fundamento do Estado de Direito e seu elemento de identificação, posto que a alusão ao Estado de Direito implica na alusão da vigência do império da lei. De maneira que tal princípio é observado tanto pelo lado do próprio poder público quanto pelo lado do administrado. Assim, o servidor público é obrigado a restringir-se aos termos explicitados pela lei, ou seja, a sua conduta deve se orientar pelo que é permitido ou autorizado pelo ato legislativo típico ou instrumento normativo – a lei – e sua vontade pessoal se subordina à 58

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vontade da lei, que se constitui em um instrumento normativo elaborado em conformidade com a vontade geral formalizada pelo Poder Legislativo A função essencial do princípio da legalidade é assegurar que a materialização dessa vontade geral seja efetivamente realizada pelo Poder Executivo. O administrado, por sua vez, é amparado no Estado Democrático de Direito, o que lhe garante o exercício de certos direitos e deveres individuais e coletivos: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (Título II, Capítulo I, art. 5º, inciso II, CF/88). O conteúdo normativo insculpido no já referido artigo da Constituição Federal foi inspirado numa máxima jurídica proferida pelo barão de Montesquieu (Charles-Louis de Secondat), segundo a qual “a liberdade é o direito de fazer tudo aquilo que as leis permitem” (apud FERREIRA, 1995, p. 15). Em suma, o fundamento jurídico da ação/atuação administrativa é o sistema legal vigente. Portanto, o princípio da legalidade evoca o princípio da finalidade e o princípio da irretroatividade da lei, sendo que deste último são extraídos dois pressupostos básicos ou princípios derivados: o princípio da segurança jurídica e o princípio da confiança do cidadão. O princípio da impessoalidade é confirmado pela Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92) e visa garantir uma conduta imparcial por parte do agente público no exercício de suas funções (ou finalidades) administrativas, voltadas, sobretudo, ao atendimento dos administrados ou cidadãos (interesse público). Este princípio é totalmente dedicado à atuação dos agentes públicos, que são os genuínos executores da vontade estatal e para tanto, precisam comportar-se com isenção, evitando os favorecimentos e demais tratamentos que se desviam do fim público previsto pela lei. Esse princípio possui dois significados jurídicos no âmbito do sistema legal vigente, por sua vez lastreado na Constituição Federal: 1) a identidade entre o princípio da impessoalidade e o princípio da finalidade da atuação administrativa, na medida em que ele focaliza a defesa do interesse público e o exercício do princípio da isonomia, ou oportunidades iguais para todos; e 2) a proibição de associar as atividades administrativas à pessoa física dos servidores públicos, de modo a impedir a sua promoção pessoal à custa do Estado. O princípio da moralidade deriva do princípio da impessoalidade e expressa um significado semântico equivalente ao da noção de probidade administrativa, que se traduz pela conduta ética e honesta na execução das atividades administrativas sob a responsabilidade dos

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agentes públicos. Assim sendo, subjacente ao princípio da moralidade administrativa reside a ideia segundo a qual a moralidade administrativa constitui uma moralidade jurídica que prevê a perspectiva de anulação de atos administrativos que não estejam em consonância com tal princípio, distinguindo-se, portanto, da moralidade comum. Em síntese, o exercício do princípio da moralidade administrativa, conjugado aos princípios da legalidade e da finalidade, são pré-requisitos que buscam assegurar a legitimidade das condutas administrativa perpetradas pelos agentes públicos. O propósito da moralidade administrativa constitui “[...] o conjunto de regras que, para disciplinar o exercício do poder discricionário da Administração, o superior hierárquico impõe aos seus subordinados” (LACHARRIÉRE apud FERREIRA, 1995, p. 68). Ao tornar de conhecimento público os atos administrativos, normativos e judiciais, o princípio da publicidade faculta a distinção de dois significados, deduzidos a partir do ordenamento jurídico constitucional: 1) enquanto exigência de divulgação oficial (Diário Oficial da União, Diário Oficial dos Estados, Diário Oficial do DF, etc.) dos atos administrativos como condição de sua validade e eficácia, no tempo e no espaço sócio-histórico em que vivemos, para, somente então, gerar efeitos externos; tanto que a eficácia de uma lei depende inevitavelmente de uma “certidão de nascimento” – o ato de sua publicação na imprensa oficial, por exemplo; e 2) enquanto exigência de transparência não apenas com relação aos atos praticados por servidores públicos, mas também com relação a todos os processos administrativos que integram e dão corpo à dinâmica organizacional do setor público em sua interface com a sociedade em geral. Assim, a publicização dos atos externos da administração termina por se constituir num mecanismo de controle social da administração pública como um todo. O princípio da eficiência é o mais recente princípio fundamental da administração pública brasileira. Foi introduzido no ordenamento jurídico do país através da Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998, a Emenda da Reforma Administrativa, num contexto históricopolítico marcado pela execução do Plano Diretor para a Reforma do Aparelho de Estado, desde 1995. Esse princípio está diretamente vinculado ao alcance de metas e objetivos mediante o uso racional dos recursos públicos – value for money (fazer mais com menos). Logo, evoca a ideia da economicidade e da boa qualidade das obras e serviços públicos prestados pelo Estado ou por seus agentes delegatários. Alexandre de Morais (apud ALEXANDRINO 60

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& PAULO, 2002, p. 110) define o princípio da eficiência como o princípio que Impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia, e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar desperdícios e garantir-se uma maior rentabilidade social.

Um esclarecimento adicional com relação aos princípios da administração pública que se encontram constitucionalizados na CF/98: os princípios administrativos interagem e se comunicam mediante o recurso à interpretação jurídica do intérprete quanto à aplicação destes na resolução dos conflitos de legitimidade internos à Administração, e o fazem de maneira a preservar a harmonia, a racionalidade e a coerência quanto à sua aplicação em situações concretas enfrentadas pelo aparato estatal em sua interface com a sociedade em geral, envolvendo fenômenos sociais, econômicos, políticos e culturais. De maneira que a constitucionalização de normas do Direito Administrativo lastreia-se na probidade e transparência na gestão da coisa pública (res publicae) e na eficiência na oferta de serviços públicos (MORAES, 2002). O tema relativo aos poderes da Administração Pública, embora seja matéria legítima do Direito Administrativo, requer uma legalidade que dimana da Carta Constitucional, na medida em que esta preside a ação e atuação do Estado através da ação e atuação da Administração Pública (Governo em movimento) e do Governo (organização institucional do Estado). Tais poderes, que constituem instrumentos que proporcionam à administração a persecução de suas finalidades constitucionais e administrativas (poderes instrumentais), são definidos por Carvalho Filho (apud ALEXANDRINO & PAULO, 2002, p. 128) como “[...] um conjunto de prerrogativas de direito público que a ordem jurídica confere aos agentes administrativos para o fim de permitir que o Estado alcance seus fins”; e são assim classificados: poder vinculado, poder discricionário, poder hierárquico, poder disciplinar, poder regulamentar e poder de polícia. O poder vinculado é o poder utilizado pelo administrador na medida em que pratica atos vinculados, ou seja, atos administrativos dotados de pouca ou nenhuma liberdade de atuação, uma vez que se deixam reger ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO

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pelo estrito cumprimento do diploma legal (uso da racionalidade formal: conjunto de regras e valores administrativos vigentes); opõe-se ao poder discricionário; Poder discricionário é o poder utilizado pelo administrador na medida em que pratica atos discricionários, ou seja, atos administrativos dotados de uma elástica liberdade de atuação administrativa, com base nas noções de conveniência e oportunidade, de razoabilidade e proporcionalidade, em prol do interesse público; porém no âmbito dos limites previstos na lei; Poder hierárquico é a existência de uma estrutura de poder que consiste numa diversidade enorme de níveis de subordinação entre órgãos e agentes do Poder Executivo ou Governo. O poder disciplinar é descrito como o poder de expressão interna à Administração que consiste na punição de servidores públicos em virtude da prática de infrações funcionais. O Poder regulamentar detém competência chancelada pela Constituição Federal cuja operacionalização cabe ao Poder Executivo no uso de suas prerrogativas legais na outorga ou edição de decretos e regulamentos, ou seja, de atos normativos gerais e abstratos: decretos ou regulamentos de execução, decretos ou regulamentos autônomos e decretos ou regulamentos autorizados. Poder de polícia é a “[...] faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar ou restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado” (MEIRELLES apud ALEXANDRINO & PAULO, 2002, p. 141). Vimos acima que o ordenamento jurídico faculta aos servidores públicos, na condição de representantes do Estado, a legitimidade necessária para que eles atinjam as finalidades constitucionais previstas para o exercício do poder público. O conjunto dessas prerrogativas funcionais é outorgado mediante leis explícitas, exigindo uma conduta administrativa que se rege pela observância de uma diversidade de princípios administrativos, que por sua vez objetivam a satisfação do interesse público. Mas a contrapartida dos poderes da administração pública são os deveres a que os agentes públicos estão formalmente submetidos. Trata-se, em contraposição aos poderes do administrador público, dos chamados deveres administrativos, cujo propósito é dar cabo de suas incumbências em prol do interesse da sociedade. Desse modo, o exercício das atividades administrativas numa organização governamental obedece aos ditames das normas legais 62

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(conjunto de leis), da moral institucional (probidade administrativa), da finalidade do ato (deriva do princípio da legalidade e visa ao interesse público qualificado, sendo vedada à autoridade administrativa a troca do fim previsto na lei por outro fim público ou privado, seja legal ou ilegal) e das exigências do interesse público (políticas públicas como reposta às reivindicações por recompensa; moralidade, transparência e eficiência no funcionamento da Administração Pública; prestação de contas da gestão do administrador sobre os recursos e patrimônios públicos sob sua responsabilidade institucional e legal). A doutrina do Direito Administrativo enumera 04 (quatro) deveres do administrador público: 1) poder-dever de agir (para o Direito Administrativo, o poder de agir constitui uma imposição ao exercício das funções públicas, não se admitindo omissão de conduta de qualquer agente público); 2) dever de eficiência (melhoria da produtividade e qualidade dos serviços públicos associado ao aperfeiçoamento da própria administração pública como um todo); 3) dever de probidade (observância por parte do administrador público dos princípios da moralidade e da honestidade administrativas); e 4) dever de prestar contas (a administração de patrimônio e valores públicos supõe a prestação de contas aos órgãos encarregados da fiscalização). Os princípios fundamentais (explícitos e implícitos) da Administração Pública constituem as ideias nucleares de um sistema que servem para determinar a amplitude e o significado normativo da ordem jurídica vigente, preservando, assim, a lógica, a racionalidade e a harmonia perante o sistema jurídico como um todo. Enquanto normas jurídicas de obediência obrigatória, os princípios em apreço presidem o exercício tanto dos poderes quanto dos deveres do administrador público perante a sociedade. Dessa maneira, os poderes e deveres que são atribuídos ao servidor público consistem em prerrogativas indispensáveis à otimização da satisfação dos interesses públicos. Modelos de gestão administrativa O Estado, tal como se desenvolveu apenas no Ocidente, é racional (WEBER, 1999); racional porque depende do direito racional, em seu aspecto formal-jurídico, e, sobretudo, de uma burocracia profissional. Como se trata de uma entidade política que funda uma relação de dominação entre os homens, pressupondo a existência de governantes e governados, cujo suporte é o direito tido como legítimo de ministrar ações

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coercitivas, a existência de um corpo de funcionários especializados, a ele associado, está na dependência do “fundamento de legitimidade” (“justificação interna”) inerente a essa mesma dominação, a saber, a dominação legal, fundada na “crença na validade de estatutos legais e da ‘competência’ objetiva, fundamentada em regras racionalmente criadas, isto é, em virtude da disposição de obediência ao cumprimento de deveres fixados nos estatutos: uma dominação como a exercem o moderno ‘servidor público’ e todos aqueles portadores de poder que com ele se parece neste aspecto” (WEBER, 1999, p. 526;).

Trata-se do Estado burocrático, cuja ação administrativa é calcada em uma prerrogativa jurídica estatuída racionalmente e em prescrições racionalmente instituídas. Logo, o Estado burocrático constitui uma organização de dominação política que para objetivar-se historicamente não pode prescindir do requerimento de um quadro administrativo e seus meios de ação efetiva, isto é, os recursos humanos e os recursos materiais; e nele, a subsistência desse quadro administrativo ou funcionalismo burocrático é fator de modernização estatal. Müller (1990, p. 10), citando textualmente Max Weber – “A burocracia é uma forma social que se apóia na organização racional dos meios em função dos fins” -, comenta que subjacente a esta definição dissimula-se uma revolução conceitual que serve para esclarecer a eficácia das sociedades industriais em relação às sociedades pré-modernas ou tradicionais, uma vez que a burocracia se caracteriza pela capacidade de coordenação de múltiplas tarefas de modo que a sua realização não dependa particularmente de um ou outro funcionário especializado. Considerando que, no interior da administração, os funcionários não são detentores ou proprietários de seus cargos, a exemplo do proletariado, expropriados dos meios de produção, como aludimos linhas atrás, Müller (1990, p. 11; tradução própria) observa: Por que uma administração calcada em tais princípios é mais eficaz? Porque ela aumenta em proporções consideráveis a calculabilidade dos resultados, já que o sistema é definido independentemente das qualidades e dos defeitos dos executantes. Desse modo, tornase possível prognosticar que uma decisão tomada na cúpula será efetivada pela base ‘sem ódio nem paixão’ e sem que seja necessário renegociar toda vez com 64

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o conjunto do sistema de decisão. Não é por acaso que Max Weber é contemporâneo de Taylor: ambos acalentam a ideia segundo a qual a perfomance industrial ou administrativa se orienta por uma vontade de suprimir a incerteza associada à conduta humana. É o caráter impessoal, desumanizado e rotinizado da burocracia que justifica sua eficácia social, tanto em benefício do governante quanto do empresário.

No entanto, o autor adverte que o procedimento burocrático revela algumas dificuldades. Em primeiro lugar, esta estrutura administrativa estatal, graças às vantagens operacionais quase impecáveis que enverga, deixa entrever o problema de sua resistência à interferência das instâncias políticas, pouco afeitas às entrâncias e lógica de funcionamento do mecanismo burocrático estatal – trata-se do conflito entre a racionalidade administrativa e a racionalidade política. Em segundo lugar, evoca a suspeita de que os processos controláveis de condutas com base em regras rígidas e a impessoalidade possam representar potenciais elementos comprometedores da eficácia da própria burocracia – “O formalismo regulamentar e a impessoalidade da burocracia não carregam em germe uma negação de sua eficácia?” (MÜLLER, 1990, p. 11; tradução própria). Essas observações de Müller são pertinentes, sobretudo a que se refere à dificuldade que o político profissional encontra em sua tentativa de enquadramento da burocracia segundo os termos substantivos da lógica da distribuição, manutenção, expansão e deslocamento do poder, ou seja, da lógica política. Esse conflito permanente entre a racionalidade administrativa e a racionalidade política se vincula às questões funcionais da ordem administrativa estatal, enquanto sociedade política, em sua relação com a sociedade circundante, ou seja, a sociedade civil. Além de que o exercício das funções governamentais requer o manejo de distintos processos decisórios, cada um deles operando segundo racionalidades administrativas diferentes. Assim, se a racionalidade legal, sob o ponto de vista da eficácia administrativa, é adequada aos processos decisórios lógico-dedutivos relativos ao desempenho de funções autoritário-abonadoras, o mesmo não ocorre quando se trata de processos decisórios relativos às funções de intervenção econômico-social ou às funções de intermediação de interesses (FREDDI, 2000; OFFE (1994), como já discutimos páginas atrás.

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O tipo mais puro de dominação legal é aquele cuja realização se dá através de um quadro administrativo burocrático formado por funcionários individuais que são livres, são nomeados, têm competências funcionais fixas, são contratados, possuem qualificação profissional, são assalariados, desempenham profissão no exercício de seu cargo, são destituídos dos meios materiais de administração, são desapropriados dos poderes de mando, integram uma carreira específica, são submetidos à disciplina e controle de serviço etc. Ele surge na segunda metade do século XIX, no auge da Revolução Industrial e da ordem liberal e correspondente forma de Estado, o Estado-protetor ou liberal; e surge para combater a corrupção, o nepotismo e a ineficiência patrimonialista. Pois como observa Weber (1991, p. 145; ), A administração puramente burocrática, portanto, a administração burocrático-monocrática mediante documentação, considerada do ponto de vista formal, é, segundo toda a experiência, a forma mais racional de exercício de dominação, porque nela se alcança tecnicamente o máximo de rendimento em virtude de precisão, continuidade, disciplina, rigor e confiabilidade – isto é, calculabilidade tanto para o senhor quanto para os demais interessados –, intensidade e extensibilidade dos serviços, e aplicabilidade formalmente universal a todas as espécies de tarefas.

O modelo de gestão patrimonialista é típico da ordem feudal e estamentária. A administração patrimonial ou patrimonialista é vinculada à emergência de um quadro administrativo e militar exclusivamente pessoal do senhor. Ela se norteia pela tradição e se realiza em função de pleno direito pessoal, ou seja, o direito do senhor convertido em seu direito próprio. Logo, na administração patrimonial, o aparato estatal atua como um apêndice do poder do soberano, os servidores áulicos dispõem de títulos nobiliárquicos, os cargos são tidos como prebendas (apropriação de oportunidades de renda, taxas ou receitas de impostos) e a res publica (coisa pública) e a res principis (coisa do governante) é uma coisa só, sendo, portanto, coisas indiferenciadas, indistinguíveis. Foi exatamente em função da incompatibilidade da administração patrimonial para com o modelo de administração requerido pela formação social e econômica capitalista que proporcionou as condições de criação da administração burocrática, com seu correspondente ordenamento jurídico racional, bem adequado aos novos padrões de reprodução 66

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econômica de natureza industrial. As exigências de produtividade do capitalismo de modelo fordista (produção em série que otimiza a capacidade instalada das empresas baseado na divisão e repetição das tarefas) vigente à época, no início do século XX, põem à prova a eficiência do próprio modelo de gestão burocrático. Isso ocorre em função da complexidade crescente das sociedades industrializadas, do avanço do sistema de produção capitalista, da crescente intervenção do Estado na economia em virtude das imperfeições do mercado e da tendência à democratização do poder. Na medida mesmo em que as funções econômicas e sociais do Estado antes restritas à manutenção da ordem pública, à aplicação da justiça e à garantia dos contratos e dos direitos de propriedade - se multiplicam, a administração pública burocrática revela suas imperfeições: a ineficiência, a autorreferência (quando os servidores públicos trabalham em função de seus interesses pessoais), a orientação para a conformação normativa (princípio da legalidade) e a ausência de foco na demanda dos cidadãos, ao mesmo tempo contribuintes de impostos e clientes dos serviços públicos. O contexto em que se verificam as condições de surgimento do modelo de gestão gerencial é aquele assinalado pela crise de legitimidade que se abateu sobre o setor público dos países ocidentais, na década de 1950-60, paralelamente à alta competitividade das empresas capitalistas no mercado internacional. Trata-se de um momento de expansão econômica pós-guerra cujo arrefecimento somente ocorrerá a partir da década de 1970 com o advento da crise fiscal, em decorrência da crise do petróleo, assim como da curta hegemonia neoliberal, que, confrontada com a realidade econômico-financeira da crise mundial de 2007, e, sobretudo, a de 2008, a chamada crise do subprime (operações de derivativos associados à farra de contratos de hipotecas de alto risco, ou seja, sem a devida contrapartida em termos de garantia real de pagamento) nos Estados Unidos da América, vê solapar sua doutrina, sua capacidade de explicação econômica e de convencimento público e, por fim, a autoproclamada capacidade de autorregulação do mercado e seus fundamentos de alocação, de redistribuição e de estabilização macroeconômica. Desse modo, o bom desempenho das empresas capitalistas no período serve de estímulo à reflexão sobre a eficiência da administração pública e do próprio Estado. Logo, foi graças à alta competitividade entre as empresas no mercado internacional que levou os governos

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mais industrializados da Europa a incentivar a busca por eficiência das empresas nacionais a partir da cobrança de eficiência por parte do setor público. É, pois, nesse contexto que se constatam as deficiências do modelo burocrático de gestão pública em dar conta da crescente complexidade das sociedades globais, em que o gerenciamento público desponta como uma alternativa necessária aos enfrentamentos dos desafios que a ordem globalizada tende a maximizar, dando azo a que as administrações públicas nacionais adotem as técnicas e métodos de gestão provenientes da administração de empresas, ou seja, adotem o paradigma de gestão gerencial, ou administração pública gerencial, como se disseminou no Brasil, ou gerenciamento público, expressão concebida pelos administrativistas franceses. Para Alecian & Foucher (2001, p. 22) o gerenciamento é definido como “[...] a atividade que consiste em conduzir, a partir de um contexto dado, um grupo de homens e mulheres que busquem o atingimento comum de um ou diversos objetivos, de acordo com as finalidades da organização”. Laufer & Burlaud (1980), por sua vez, definem o gerenciamento como uma linguagem administrativa específica que satisfaz a três condições básicas: 1) uma condição sintática (o sujeito da ação é a própria organização); 2) uma condição semântica (os que empregam esta linguagem desenvolvem um consenso em torno do fato de que ela descreve o mundo de modo satisfatório); e 3) uma condição de legitimidade (os que empregam esta linguagem concordam com a ideia de que o seu interesse pessoal, o da organização da qual faz parte e o da sociedade são totalmente compatíveis). O gerenciamento público, tomado em um sentido amplo (macro-gerenciamento), consiste “[...] naquilo em que se transforma o gerenciamento de uma organização quando o público (e não apenas o mercado desta) se conscientiza de que é objeto do gerenciamento dessa organização” (LAUFER & BURLAUD, 1980, p. 52; tradução própria). Essa definição coloca no mesmo patamar tanto as organizações mercantis quanto as organizações não-mercantis. Estes mesmo autores consideram estreita a definição do “[...] gerenciamento público como aplicação da linguagem do gerenciamento (abordagem sistema) ao setor público juridicamente definido (LAUFER & BURLAUD 1980, p. 48; tradução própria). De qualquer modo, basta esclarecer que o setor privado é regido pela racionalidade gerencial. O setor público, por seu turno, é cada vez mais instado a conviver com duas lógicas contraditórias, a lógica gerencial 68

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e a lógica jurídica – “[...] racionalizar eficácia das ações e regulação dos procedimentos, resultados e respeito às regras [...] tal é a especificidade do gerenciamento administrativo público de nossos dias” (ALECIAN & FOUCHER, 2001, p. 34). A administração gerencial comporta, sucessivamente, a partir de sua adoção no âmbito das organizações governamentais, três leituras ou linguagens distintas e complementares (HUSSENOT, 1983): instrumental, institucional e semiológica. Sob o ponto de vista instrumental, a administração gerencial é concebida como um conjunto de métodos e/ou técnicas racionais de auxílio à decisão pública oriundos do setor privado: contabilidade analítica, controle de gestão, administração por objetivos e os sistemas de informação, responsáveis pela articulação entre os primeiros (métodos de gestão transportados a partir do setor privado); os métodos custo-benefício, custo-eficácia, métodos DELPHI e multicritério, a análise morfológica, as técnicas de grupo e, notadamente, a análise de sistema (técnicas e/ou métodos adaptados ao setor público) (LAUFER & BURLAUD, 1980; NIOCHE, 1982; HUSSENOT, 1983). O domínio desses métodos e técnicas por parte dos servidores públicos da alta administração, contudo, proporcionam os riscos de uma nova tecnocracia. Assim, o gerenciamento público ou administração pública gerencial consiste em um conjunto de “métodos racionais a serviço dos decisores públicos”, e, neste sentido, [...] trata-se da execução de métodos modernos de gestão no setor público [...]. Logo, o processo de [...] modernização da gestão pública envolve ao mesmo tempo a utilização de instrumentos de auxílio à decisão, a informatização de certas tarefas ou procedimentos administrativos, ou ainda o recurso à publicidade para comunicar-se com o público (HUSSENOT, 1983, p. 24).

Na perspectiva institucional, a definição do gerenciamento público ocorre em função das especificidades das organizações no âmbito das quais são empregados os métodos e/ou técnicas gerenciais. Desta forma, o gerenciamento público é essencialmente caracterizado em virtude de seu pertencimento ao setor não mercantil (organizações públicas de propriedade estatal submetidas ao direito público interno; princípio da legalidade) e de sua dependência relativa ao poder político (grupos políticos formalmente nomeados para o exercício das funções governamentais e administrativas do Estado). ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO

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Portanto, ao contrário do gerenciamento privado, típico da administração de empresas, intrinsecamente associada ao mercado, o gerenciamento enquanto especificidade pública se exprime através de atos de autoridade, lastreados no princípio da legalidade formal (a Constituição e as leis) e no princípio da legitimidade democrática (indicação eleitoral, por parte da sociedade, dos agentes políticos escolhidos enquanto instrumentos de representação política para controlar a administração pública). A linguagem ou leitura semiológica, por sua vez, leva-nos a constatar que o surgimento da administração pública gerencial nas sociedades industriais avançadas traz em seu bojo uma nova linguagem e um modo novo de perceber e conceber o mundo, pois exprime uma profunda crise de legitimidade cuja deflagração se dá em momentos de transição. Expressa, pois, uma linguagem mítica que reforça a legitimidade do setor público, como observa Hussenot (1983, p. 33, tradução própria): O advento do gerenciamento público, enquanto uma nova linguagem proposta às administrações estatais sobreveio em um contexto de crise de legitimidade do setor público nas economias ocidentais. De fato, sua função pode ser apreendida como aquela de uma reconquista dessa legitimidade perdida, e mesmo que ela dependa da ordem mítica a palavra gerencial traz ao Estado os sinais da gestão racional.

Assim, a crise de legitimidade do setor público é interpretada como o risco de perda de reconhecimento de seu papel e lugar perante o sistema dominante de valores que permeia a sociedade como um todo. Logo, é no vácuo de tal crise que o gerenciamento público é adotado nas administrações públicas europeias, na qualidade de uma “[...] linguagem destinada a gerar os signos de uma nova legitimidade das organizações públicas” (HUSSENOT, 1983, p. 36; tradução própria). A administração pública gerencial concebe os cidadãos como contribuintes de impostos e clientes dos serviços públicos, dando ênfase à questão da especificidade das organizações governamentais frente a frente com o setor privado. O modelo de gestão gerencial como modelo de gestão pós-burocrático se constitui numa nova representação do papel do Estado na sociedade, na medida em que fortalece a imagem da racionalidade e da modernidade no cerne da administração pública (MÜLLER, 1990). Entretanto, a sua adoção no âmbito do aparelho do Estado não implica na exclusão da administração pública burocrática, 70

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uma vez que se baseia em muitos dos princípios desta última, tais como a admissão no serviço público segundo um rígido sistema de mérito, a manutenção de um sistema estruturado e universal de remuneração, a formação de carreiras, a avaliação de desempenho e treinamento sistemático. Em suma, a administração gerencial se caracteriza através dos seguintes traços distintivos: gestão por objetivos ou resultados (predomínio dos resultados sobre os processos e da eficiência sobre a efetividade); legitimidade fundada na eficácia das ações implementadas (superávit de racionalidade); transgressão ao princípio da hierarquia (administração transversal); raciocínio sintético, sistemático e teleológico (visão holista); foco na demanda (os bens e serviços são produzidos em função das características dos administrados); avaliação a posteriori (mensuração dos padrões de eficácia, eficiência e efetividade de um programa governamental implementado); descentralização e flexibilização administrativa (emergência das agências executivas ou autônomas e das organizações sociais; redução da diferenciação vertical e de quadros).

A apresentação do conteúdo da 1ª Unidade atestou que as relações entre os setores público e privado foram descritas com base no funcionamento do mundo real da economia; sempre procurando contextualizar as condições em que se dão os processos intervencionistas estatais. O fenômeno central na construção da relação entre os componentes do Setor Público, como já foi mencionado, é o fenômeno do poder, que, por sua vez, constitui o próprio objeto das relações políticas (relações de competição pelo exercício do poder institucional e/ou constitucional). De modo idêntico ocorre com relação à Administração Pública, que cumpre um papel instrumental no processo político de representação do Estado pelo Governo vigente. Este necessita do conjunto de órgãos, entidades e agentes do Setor Público para dar cumprimento às suas finalidades constitucionais. Daí resulta a emergência dos princípios, poderes e modelos de administração pública, em prol da eficácia, da eficiência, da efetividade, da accountability e da transparência. Essa Unidade tratou da Administração Pública enquanto sinônimo do

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Estado, ao passo que a próxima Unidade tratará da administração pública sob o ponto de vista técnico-operacional, ou seja, sob o ponto de vista da realização permanente, sistemática, legal e técnica de prestação de serviços inerentes ao Estado, segundo o princípio da infrustrabilidade do fim por ele perseguido.

1. Descreva a relação entre o fluxo básico e o fluxo completo da produção econômica, pois essa relação proporciona um importante um esforço de compreensão funcional da Sociedade como um todo. 2. Quais são as justificativas econômicas para a intervenção governamental no mercado? Comente cada uma delas. 3. Diferencie administração pública de administração privada. 4. Identifique os pontos em comum entre os principais conceitos da Política explicitados páginas atrás. 5. Compare as definições de Estado, União, Governo e Administração Pública.

Glossário • Accountability: é associado à noção de transparência e se refere, grosso modo, à ideia de responsabilização e de prestações de contas. • Avaliação a priori: avaliação típica do modelo de gestão burocrático, em que se persegue o cumprimento finalista dos ritos legais. • Avaliação a posteriori: avaliação típica do modelo de gestão gerencial, em que se persegue objetivos específicos e que consiste na avaliação do impacto de uma política pública já implementada ou em vias de implementação (média e longa duração) sobre o públicoalvo; cumpre função de revisão dos termos da aplicação do programa, servindo assim para corrigir eventuais distorções na realização efetiva de tal programa. • Dialética: método ou ferramenta de análise histórica crítica cujos fundamentos lastreiam-se na articulação entre nas noções de mudança, de contradições e de totalidade. 72

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• Decisores: responsáveis pela tomadas de decisão (decision makings) relativas ao desenho, à formulação e à implementação das políticas públicas. • Efetividade: realização efetiva, concreta, de um programa de ação governamental. Para alguns autores, trata-se da conjugação da noção de eficácia com a noção de eficiência. • Estamento: comunidade dividida em ordens sociais (estratificação) conforme códigos de honra específicos e caracterização jurídica própria. • Flexibilização: simplificação burocrática (desburocratização) e autonomia administrativa e financeira (descentralização). • Forças produtivas: abrangem o grau tecnológico alcançado nessa etapa de desenvolvimento pelo conjunto da classe trabalhadora em dado momento histórico. Envolvem vários fatores de produção: terra, matéria prima, combustível, qualificação da força de trabalho, maquinaria e empresas industriais chamados meios de produção. • Meios de produção: arsenal de máquinas, equipamentos e ferramentas (bens de capital) utilizado pelos trabalhadores (forças produtivas) na produção de bens e serviços destinados ao consumo da população (bens de consumo ou produtos acabados). • Modo de produção: modo particular de organização social da produção material de bens e serviços: escravista, feudal e capitalista. Inclui as noções de forças produtivas e de relações de produção. • Publicização: processo através do qual ocorre a transferência de responsabilidade pela execução de atividades não-exclusivas do Estado em favor das organizações sociais, por meio de contratos de gestão. • Relações de produção: rede de relações sociais a partir da qual se materializa a produção de mercadorias. Abarca tanto as relações individuais quanto às relações dos indivíduos com as forças produtivas. • Semiologia: ciência dos significados que as coisas ou situações sociais evocam no cérebro das pessoas. • Soberania popular: supremacia do poder do povo proveniente das urnas. “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e nos termos da lei, mediante: I. plebiscito; II. referendo; III. iniciativa popular” (título II, art. 14, cap. IV; CF/1988). Ou, nos termos de Abrahan Lincoln: “o poder emana do povo para o povo e pelo povo”. • Transformações sócio-históricas: mudanças estruturais e/ ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO

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ou conjunturais que assinalam a transição organizacional das sociedades, mediante o surgimento de novos princípios e valores, novas instituições e práticas sociais, políticas e econômicas. • Transparência: publicização extrema dos processos e mecanismos de funcionamento das instituições do setor público. • Visão holista: visão de conjunto, ideia de totalidade.

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UNIDADE 02 Fundamentos TécnicoOperacionais da gestão Pública

objetivos • • • • •

Conceituar a gestão pública; Apresentar os mecanismos de financiamentos do Setor Público; Explanar sobre o processo orçamentário; Descrever o perfil do gestor público da alta administração; Caracterizar a Nova Administração Pública.


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Fundamentos técnicooperacionais da gestão pública Gestão Pública Quando nos referimos ao setor público, além de referirmos aos níveis federal, estadual, distrital federal e municipal, queremos discriminar três tipos de instituições associadas à força e ao poder políticos, a saber: Estado, Governo e Administração Pública. Uma não pode viver sem as outras, pois seu estatuto de existência depende da articulação orgânica entre elas, ou de sua simbiose. O Estado enquanto organização política, dotada de personalidade jurídica de Direito Público, representa o controle da sociedade por ela mesma, mediante a criação de um conjunto de regras positivadas num texto Constitucional. Trata-se do ordenamento jurídico da sociedade cuja legitimação e legalidade decorrem do exercício das prerrogativas do poder legislativo (criação das leis) em ressonância com as expectativas da sociedade eleitoral (grupo dos sufragistas universais de voto). Enquanto o Estado nos transmite a ideia de algo relativamente permanente e estável, o Governo, por sua vez, nos traz a ideia da transitoriedade, na confluência da existência de uma elite governante e de uma massa de governados e, acima de tudo, manifesta a marca da organização institucional do Estado, constituindo-se em seu procurador legal. Essa transitoriedade está associada às acirradas disputas pelo poder de ditar os rumos estratégicos do país, os quais expressam ou projeto de nação ou de poder. Essa delegação de responsabilidade ‘concedida’ pelo Estado ao Governo autoriza este último a dirigir a Administração Pública (Governo em movimento) rumo às realizações administrativas que caracterizam a vontade política de partidos políticos

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e grupos de interesses variados, e em última instância, as necessidades da sociedade por bens e serviços, atos legais e administrativos. Gestão é o ato de gerir a atuação da administração. A noção se refere aos procedimentos básicos de planejar, organizar, dirigir e controlar os múltiplos recursos disponíveis numa organização rumo ao alcance de seus objetivos. Diz respeito às atividades administrativas no varejo e no dia a dia, as chamadas ‘atividades-meio’, segundo o fluxo de atendimento aos usuários dos serviços públicos nas repartições públicas e fora delas, que configuram determinados serviços externos, tais como segurança (Interna e externa) e limpeza pública, por exemplo; assim como às ‘atividades-fim’, voltadas por sua vez para a execução de planos, programas e subprogramas que integram a plataforma políticodoutrinária do Governo. Assim, temos como ponto pacífico que gestão pública significa ação de coordenar, com eficácia, eficiência e efetividade, as atividades de agentes, de órgãos e de entidades segundo os ditames dos interesses genuinamente públicos, que o Estado constitucionalmente serve, enquanto instituição política republicana. Quando os órgãos da administração pública são postos em operação por intermédio de determinados agentes (funcionários ou servidores públicos), visando atender às necessidades básicas da população, ou mesmo certas reivindicações por recompensa que surgem em momentos de tensão e conflito entre a população e a ordem pública, a responsabilidade de tais agentes é atribuída, em última instância, ao Estado, pois a administração pública é o aparelhamento de que se serve o Estado para executar as políticas de Governo. E essas políticas também podem ser atribuídas ao Estado. Nesse sentido, distinguimos políticas de Governo e políticas de Estado, e estas últimas designam decisões políticas que a lei corporificou no quadro geral da Constituição, ou, em outros termos, que se tornou matéria permanente de conteúdo constitucional. Porém, sejam elas políticas de Estado ou de Governo, o certo é que ambas necessitam de recursos e meios operacionais para sua execução, razão pela qual tal fato nos conduz ao cerne da questão no próprio contexto interno do Estado – o problema do financiamento das atividades administrativas. É o que veremos a seguir.

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Financiamento dos Gastos Públicos Convém descrever, agora, as alternativas de financiamento das atividades administrativas do Governo. Como vimos páginas atrás, na concepção de Claus Offe (1994) acerca das determinações funcionais do Estado, o Setor Público depende da existência de uma fonte permanente de recursos – de preferência em escala ascendente – para tornar possível a oferta de bens e serviços, atos legais e administrativos, cada vez mais demandados pela sociedade, não apenas em decorrência de seu crescimento vegetativo, mas, também, da elevação do grau de exigência da sociedade expresso sob a forma de reivindicações por recompensa. E como resposta, o Estado institui as políticas públicas, ou seja, promove a formulação dos planos, programas e projetos governamentais que, sob a direção de uma autoridade pública, busca a transformação econômica, social e política de parcelas ou da totalidade da população. O financiamento dos encargos do governo é proporcionado pela obtenção de recursos cuja captação se dá a partir dos seguintes instrumentos: a emissão de papel moeda, o lançamento de títulos públicos, os empréstimos bancários e, sobretudo, a tributação. Os três primeiros instrumentos configuram procedimento de política monetária; o último, por seu turno, configura procedimentos de política fiscal. Por razões de didática, trataremos aqui apenas do instrumento da tributação, a chamada receita derivada, e a principal fonte de financiamento dos gastos públicos. O ato de tributar, como vimos páginas atrás, configura o exercício de uma prerrogativa legal que caracteriza o poder tributacional exclusivo – forjado na mesma fonte de onde proveio o monopólio legítimo e legal do uso do poder coercitivo. A melhor tradução para a tributação é o cumprimento da política fiscal que, por um lado, repercute sobre o nível de extração de recurso junto à sociedade (apropriação de renda das famílias e empresas), enquanto que, por outro lado, repercute sobre a capacidade de o Estado realizar investimentos, fornecer bens, prestar serviços e assistência aos cidadãos. Assim, as funções governamentais são diretamente dependentes dos instrumentos da tributação (arrecadação de recursos) e do dispêndio (gastos públicos: principal instrumento de execução das políticas do setor público) para a sua execução, podendo ser classificadas em estabilização econômica (controle de curto prazo da totalidade da demanda como meio de prevenção de variações negativas nos níveis do produto (mercadorias)

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e dos preços, assim como da renda nacional e do desemprego), promoção do crescimento econômico (adoção de políticas voltadas para o setor privado (o programa Parceria Público-Privado - PPP, por exemplo), para o investimento em infraestruturas socioeconômicas, para a inovação tecnológica e a formação de recursos humanos), promoção do desenvolvimento econômico (melhorar a distribuição de renda e de riqueza; através da redução das discrepâncias entre as classes sociais e entre as regiões mais pobres) e prestação de serviços públicos (oferta de bens e serviços, atos legais e administrativos de qualidade, com base no gasto racional e eficiente dos recursos públicos; “value for money”: (“fazer mais com menos”). As receitas supõem as despesas e vice-versa. Daí a importância da máxima orçamentária: “prever a receita e fixar a despesa”. De todo modo, a receita tributária, a receita patrimonial e a receita das operações de créditos são as receitas constantes de que dispõe o poder público para administrar as demandas sociais, políticas e econômicas da sociedade. Dentre elas, no entanto, a tributação se apresenta como a principal fonte de recursos da Administração Pública, destinada tanto à formação do patrimônio governamental quanto à amortização das operações creditícias. A tributação consiste no preço que a sociedade paga para em troca receber do Governo certos bens e serviços (segurança, educação, saúde), assim como atos legais e administrativos (julgamento justo, declaração de idoneidade ou de bons antecedentes, expedição de documentos públicos de identificação). Ocorre que as funções da tributação extrapolam os limites rígidos de mero executor de financiamento das atividades de Governo, pois a mesma também desempenha funções de estabilização econômica e de bem-estar social. Logo, essas funções complementares auxiliam no alcance das metas e objetivos da política econômica. Com o propósito de constituir um sistema tributário o mais justo possível, a perseguição aos recursos necessários, sob a forma de expropriação de renda, para fins de financiamento dos gastos públicos, se arrima em dois princípios gerais: o princípio do benefício (o pagamento do tributo está associado ao montante do benefício recebido; maior benefício/maior contribuição e vice-versa) e o princípio da habilidade de pagamento (referencial de distribuição do ônus da tributação entre os indivíduos em função de sua habilidade de pagamento que por sua vez é medida com base no nível de renda). Destacam-se, também, os princípios da legalidade (a pré80

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existência da lei como pré-requisito para a criação de tributos; exceção feita às alíquotas de impostos de importação, exportação, IPI e IOF), da neutralidade (ingerência reduzida da tributação na gestão da política econômica de modo a evitar distorções na alocação de recursos da economia), da anterioridade (a cobrança do tributo somente pode ser efetivada a partir do início do próximo exercício financeiro criado ou majorada no exercício anterior mediante lei específica), etc. Os princípios supracitados são os lastros (ou suportes) éticos e técnicos de qualquer sistema tributário. A natureza das fontes de tributos é o critério que conduz à classificação dos tributos em diretos e indiretos. Logo, o elemento básico que serve para diferenciá-los entre si é o modo através do qual os tributos atingem os indivíduos ou contribuintes. Os primeiros recaem sobre os seus rendimentos (rendas sobre a propriedade e salários), ganhos em contrapartida de seu trabalho (imposto de renda); os últimos recaem sobre os gastos dos indivíduos no momento de suas aquisições de consumo (imposto de consumo). Todos eles, no entanto, tanto podem ser progressivos quanto regressivos. Os impostos diretos normalmente são progressivos, uma vez que o peso de incidência do tributo varia em função do nível de renda dos contribuintes. Os impostos indiretos recaem sobre os indivíduos de menor poder aquisitivo; geralmente são proporcionais ou seletivos, ou seja, a incidência do imposto ocorre em função da essencialidade dos bens ou serviços adquiridos para consumo. Uma vez feitos os esclarecimentos necessários, convém, agora, definir os tipos básicos de tributos no Brasil, que compreendem: • Impostos – tributo que tem como fator gerador qualquer atividade econômica, desde que seja desvinculado ao serviço governamental; destina-se de forma irrestrita ao financiamento dos gastos governamentais (custeio do aparelho administrativo de Estado e financiamento das políticas públicas). • Taxas – tributos que tem como fator gerador o exercício governamental do poder de polícia e de fiscalização, ou mesmo de os custeios de certos serviços postos à disposição do público em geral (taxa rodoviária única, taxa de Iluminação pública); • Contribuições – tributos que se destinam a financiar atividades públicas que beneficiam os contribuintes (construção de rede sanitária, pavimentações, por exemplo).

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A política fiscal é representada pelo comportamento das receitas e dos dispêndios do Governo em determinado espaço de tempo e sua execução é viabilizada pelo processo orçamentário. Donde se conclui que a política de compras governamentais ou simplesmente política de gastos públicos é um mecanismo legítimo de indução ao desenvolvimento nacional. Três são os instrumentos de que dispõe o Governo para o exercício constitucional das funções governamentais: o Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual. Por razões didático-pedagógicas, os aludidos documentos de planificação e de autorização de gasto governamental serão comentados no item denominado “processo orçamentário”. Gestão Orçamentária Segundo Costin (2010), o orçamento público é o instrumento legal mais importante das finanças públicas segundo dois sentidos: 1) ao fixar as despesas a serem realizadas pelo poder público, tendo como referencial uma estimativa de receita (prevê a receita e fixa a despesa: plano anual do Governo expresso em dinheiro e/ou unidades físicas); e 2) ao implicar numa interação ao mesmo tempo técnica e política entre o poder Executivo e Legislativo quanto à elaboração, à aprovação e ao controle acerca do modo a partir do qual as despesas são efetuadas (participação da sociedade civil na legitimação do programa de trabalho do Governo). A Lei 4.320, de 17 de março de 1964, é a lei que “[...] delibera normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e Distrito Federal [...] (art. 1º), e que estabelece os princípios básicos que regem a elaboração e controle do orçamento: unidade (um único orçamento para cada órgão público ou entidade de Direito Público), universalidade (compreende todas as despesas e receitas, incluindo todas as instituições públicas), anualidade (o orçamento é executado levando em conta o período de um exercício, abrangendo, portanto, todo o ano fiscal). É o que reverbera o artigo 2º da supracitada lei: “A Lei do Orçamento conterá a discriminação da receita e despesa de forma a evidenciar a política econômica e financeira e o programa de trabalho do Governo, obedecendo aos princípios de unidade, universalidade e anualidade”. Para além dos três princípios assinalados no artigo 2º da Lei 4.320/64, e que presidem a elaboração e controle do orçamento público, 82

UNIDADE 02


despontam os seguintes princípios, segundo Giacomoni (2007): • O princípio do orçamento bruto – “todas as receitas e despesas constarão da Lei de Orçamento pelos seus totais, vedadas quaisquer deduções”, conforme a Lei nº 4.320/64, art. 6º; • O princípio da não afetação (ou não vinculação) das receitas – exigência de que as receitas não sofram vinculações a despesas específicas; • Discriminação ou especialização – as despesas e receitas devem ser apresentadas de forma discriminada de maneira a definir as fontes de recursos e sua correspondente aplicação; • Princípio da exclusividade – o conteúdo orçamentário deve se restringir à previsão de receitas, ao estabelecimento das despesas, a abertura de créditos suplementares e contratos de operações creditícias; • Princípio do equilíbrio – busca do equilíbrio orçamentário a partir da equivalência entre despesas e receitas; • Clareza – uso de linguagem clara e compreensível de modo a facultar a participação dos indivíduos na discussão e controle do orçamento; • Publicidade – o orçamento público deve ser divulgado, no mínimo, nos diários oficiais; • Exatidão – evitam-se falhas técnicas e éticas na confecção do orçamento, assim como o superdimensionamento na previsão de receitas destinadas a programas de ocasião; • Princípio moderno da programação - o orçamento enquanto elemento auxiliar da administração pública, sobretudo como técnica de articulação entre as funções de planejamento, gerenciais e as funções de controle. De modo geral, tais princípios constituem os princípios orçamentários mais representativos, e que se encontram explicitados na Constituição Federal, na Lei 4.320/64, no Plano Plurianual (PPA) e na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Sistema orçamentário Compete privativamente à Chefia do Executivo ou à Presidência da República a elaboração do orçamento, conforme regra do Direito Público,

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como se segue: “Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I – o plano plurianual; II – as diretrizes orçamentárias; III – os orçamentos anuais” (CF, art 165). A omissão presidencial quanto ao não envio dos documentos supracitados, configurará crime de responsabilidade, pois tal omissão consistiria num ato atentatório à lei orçamentária (CF, art. 85). A lei do orçamento ou documento orçamentário, além de ser um instrumento básico de administração, apresenta uma estrutura orgânica (conjunto de partes articuladas organicamente em um todo) que representa o próprio sistema orçamentário, segundo o modelo de integração planejamento-orçamento disseminado pela Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), e que se compõe dos seguintes componentes (Giacomoni, 2007): • Estratégia de desenvolvimento – consiste na seleção das melhores opções para o desenvolvimento nacional, expresso em planos de longo prazo, com base nos seguintes componentes: a construção de uma imagem prospectiva (representação de uma sociedade futura via implementação de programas básicos impactantes na estrutura de distribuição dos recursos produzidos no país); a determinação de projetos estratégicos (que tornam efetivas as mudanças enunciadas pela imagem prospectiva; esta deriva da seleção de objetivos e metas substantivas previamente definidas e centrais ao alcance do objetivo-mor) e a proposição de políticas básicas (aquelas que condicionam as ações e decisões tanto do setor público quanto do setor privado); • Projetos estratégicos – aqueles projetos que são centrais na persecução de macro-objetivos. São em pouco número e quase sempre são interssetoriais, uma vez que tratam de implementar ações cuja efetivação depende da colaboração entre os múltiplos setores envolvidos no equacionamento de tal problema; assumem a forma de políticas públicas; • Planos de médio prazo – destacam-se pelo detalhamento de cada uma das fases das estratégias adotadas. Geralmente, os planos setoriais e regionais/setoriais definem os objetivos e metas de alcance previsto para cada setor, além de estabelecer todos os recursos necessários à sua execução. Eles são integrados por programas básicos; 84

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• Planos anuais operativos – os planos anuais fixam metas de curto prazo para o setor público e prescrevem regulamentações ao setor privado como salários, preços, tributações, etc.; Neles, acham-se discriminados as necessidades humanas, materiais e financeiras relativas a várias metas constantes do cronograma de execução. Exemplos: orçamento econômico, monetário e do balanço de pagamentos; balanços projetados, programas de execução, orçamento do setor público. Assim, o arcabouço do sistema orçamentário revela-se, ainda que de maneira estática ou estanque, como uma sucessão de cumprimento de metas e objetivos cuja realização é fator multiplicador do ciclo orçamentário, na medida em que a realização efetiva dos objetivos intermediários conduz inevitavelmente ao êxito dos objetivos finais (macro-objetivos). Logo, a título de comparação, a estratégia de desenvolvimento corresponde à enunciação de grandes objetivos nacionais de desenvolvimento (ex.: o prognóstico de transformar a nação brasileira na maior potência energética mundial no período 2010-2025. Como projeto estratégico, nessa mesma linha de raciocínio, surge, como exemplo, a modernização e otimização da cadeia produtiva nacional de hidrocarbonetos (planejamento estratégico). Enquanto que, com relação às políticas básicas (aquelas que impactam outras políticas complementares), perfila-se, a título de ilustração, a política de exploração, produção, distribuição e comercialização de petróleo extraído do pré-sal; a política de transformação do etanol em commodity com fins de exportação; o emprego de novas fontes de energia alternativa e renovável, como o próprio bagaço e palha de cana na produção do etanol (célula combustível), como o biogás, o biodiesel, as algas, etc.; ou a canalização de recursos do Fundo Social do Pré-Sal para a educação, a previdência e para a redução das distâncias sociais entre as classes da sociedade brasileira (planejamento táticooperacional). A transição do orçamento com ênfase no instrumento de autorização e de controle político-parlamentar (orçamento tradicional) para o orçamento concebido como instrumento de administração (orçamento moderno) proporciona um avanço considerável no apoio logístico ao Poder Executivo na tomada de decisões relativas à lei do orçamento público e na condução das fases do processo administrativo, a saber: programação, execução e controle. ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO

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Processo orçamentário A ideia de ciclo evoca a noção de regularidade e ordem rotativa no curso de um processo definido que se repete periodicamente. Partindo do ciclo de gestão anual, que cumpre um ritual legalista, fundado no princípio da anuidade, chega-se ao ciclo de gestão ampliado, que compreende o interstício de quatro anos, em que se desdobra o processo orçamentário: da elaboração da lei orçamentária ao controle e avaliação da execução orçamentária propriamente dita. Desse modo, importa-nos descrever, separadamente, o ciclo anual e o ciclo ampliado da gestão orçamentária. O processo ou ciclo orçamentário anual desdobra-se em quatro etapas ou fases complementares: 1) elaboração; 2) discussão, votação e aprovação; 3) execução orçamentária; e 4) controle e avaliação. A Elaboração da Proposta Orçamentária é de exclusiva responsabilidade do Poder Executivo e principia-se pela formulação do Plano Plurianual, passando pela confecção da Lei de Diretrizes Orçamentárias, e descambando para o produto final do processo orçamentário, ou seja, a Lei Orçamentária Anual. Todo o processo orçamentário é coordenado pela Secretaria de Orçamento Federal (SOF) - com a participação dos órgãos setoriais, bem como das unidades orçamentárias - que, por sua vez, envia à Casa Civil e à Presidência da República (PR). O Poder Executivo agrega a sua proposta orçamentária às propostas provenientes dos Poderes Legislativos e Judiciários, unificandoas e encaminhando-as à Comissão Mista de Planos, Orçamentos e Fiscalização (CMO) do Congresso Nacional, no primeiro ano de cada administração, mais precisamente até quatro meses antes da conclusão do primeiro exercício financeiro (31 de agosto), o qual deverá ser restituído para sanção antes que se encerre a sessão legislativa (22 de dezembro). A Discussão, Votação e Aprovação da Lei Orçamentária se desenvolvem no âmbito do Poder Legislativo. Uma vez encaminhado pela Presidência da República à Comissão Mista de Planos, Orçamentos e Fiscalização (CMO), do Congresso Nacional, o projeto de lei orçamentária é submetido à discussão e apreciação de propostas de emendas e à votação nas duas casas legislativas (Câmara Federal e Senado) e em sessão conjunta, culminando com a sua aprovação. A Execução Orçamentária representa a fase subsequente àquela da discussão, votação e aprovação, pelo Parlamento, do projeto de lei 86

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orçamentária. A Lei de Responsabilidade Fiscal, através do artigo 8º, estabelece que o Poder Executivo fixe a programação financeira, assim como o cronograma de execução mensal de desembolso de recursos ou créditos orçamentários, até trinta dias após a publicação dos orçamentos no Diário Oficial da União, conforme disciplina a Lei de Diretrizes Orçamentárias. A execução orçamentária e financeira será realizada entre 1º de janeiro e 31 de dezembro (ano civil), segundo estabelece a Lei 4.320, de 17 de março de 1964, em seu artigo 34. O Controle e Avaliação da execução orçamentária, fase concluinte do ciclo de gestão anual, inicia-se ainda no curso do próprio processo de execução da despesa. Dois tipos de controle são previstos pela Constituição Federal vigente, em seu artigo 70, o interno e o externo. O controle interno é efetivado através do sistema de controle de cada instância de Poder. O controle externo, por seu turno, é realizado pelo Congresso Nacional mediante a colaboração do Tribunal de Contas da União (TCU) e consiste na fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial tanto da União quanto das entidades da Administração Pública direta e indireta. Uma vez completado o ciclo orçamentário, culmina-se na fase de revisão, de modo a apreciar as eventuais distorções operacionais, financeiras, jurídicas e programáticas na execução do orçamento. Convém destacar, agora, o ciclo de gestão ampliado. Ele se compõe de três instrumentos de planificação que não criam direitos subjetivos e que faz parte do ciclo de planejamento e orçamento público do Brasil: • O Plano Plurianual (PPA) – constitui o instrumento legal de planejamento dotado de uma maior amplitude na realização da agenda estratégica do Governo. Logo, apresenta-se como um plano de médio/longo prazo com vigência de quatro anos. Estabelece o critério da regionalização como instrumento para a definição de diretrizes, objetivos e metas governamentais com relação às despesas de capital (formação e aquisição de bens de capital: obras em geral, equipamentos, inversões financeiras, amortizações de dívidas, etc.), às demais despesas resultantes desta última (dispêndios gerados após a entrega do produto das despesas de capital: após a entrega do prédio de uma escola, subsegue-se a contratação de professores, vigias, pagamentos de taxas de luz, água, etc.), assim como

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àquelas direcionadas para o suporte dos programas de duração continuada (programas cuja duração extrapola a dois exercícios financeiros: educação, saúde, segurança, etc.); • A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) – é o instrumento que orienta a elaboração da Lei Orçamentária Anual (LOA), destacando os programas integrantes do PPA que receberão dotações específicas da LOA que lhe corresponde. A LDO constitui o elemento de ligação entre o PPA e a LOA, na proporção em que pré-define a efetivação e direcionamento dos gastos públicos, as modificações da política tributária, assim como os objetivos do programa de fomento do Governo; serve de referencial na feitura do projeto de lei orçamentária quanto ao orçamento subsequente; define a escolha dos programas estratégicos do PPA (despesas de capital) no exercício fiscal subsequente. O conteúdo da LDO consta dos diversos dispositivos da Constituição Federal, a saber: artigos 51, IV; 52, XIII; 99, parágrafo 1º; 127, parágrafo 3º; 165, parágrafo 2º; e 169, parágrafo 1º. A partir de 2000, com a promulgação da Lei Complementar nº 101, que instituiu a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a LDO ganhou uma maior relevância e amplitude, proporcionando-lhe disciplinar uma série de temas particulares. O projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias é formulado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) e é encaminhado ao Congresso Nacional em até oito meses e meio anteriores ao término do exercício fiscal (15 de abril de cada ano), assim como deve ser restituído para sanção até o fim do primeiro período da sessão do Poder Legislativo (31 de junho de cada ano). A LDO deverá ser acompanhada, ainda, dos Anexos de Metas Fiscais e de Riscos; • A Lei Orçamentária Anual (LOA) - é o principal instrumento governamental de realização da política econômica (política fiscal e monetária) do país, na medida em que discrimina as formas de intervenção econômica do poder público através da tributação e da despesa. É conhecida como “lei dos meios”, por se constituir num meio a partir do qual são assegurados os créditos orçamentários e os recursos financeiros necessários à efetivação de planos e programas, assim como das múltiplas atividades das entidades governamentais. A LOA é integrada 88

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e consolidada por três tipos de orçamentos, conforme disposições constitucionais (Constituição Federal, art. 165), quais sejam: 1) orçamento fiscal (constitui o mais importante dos três orçamentos, graças a sua amplitude e magnitude: abrange os Poderes da União, seus fundos, seus órgãos e as entidades da Administração Pública direta e indireta, assim como as fundações públicas criadas e custeadas pelo Poder Público); 2) orçamento de investimento das empresas estatais (uma vez excluídas do orçamento as receitas e despesas operacionais, seu foco recai no investimento efetivado pelas empresas estatais, ou seja, pelas empresas em que a União, direta ou indiretamente, disponha da maioria do capital social com direito de participação através do exercício do voto); 3) orçamento da seguridade social (compreende as entidades, com seus respectivos órgãos, que atuam na área da saúde, da previdência social e da assistência social, da Administração Pública direta e indireta, assim como os fundos e fundações criadas e custeadas pelo Poder Público). A LOA, além de ser a consumação final do processo orçamentário, mediante a articulação destes três orçamentos, apresenta-se com uma roupagem jurídica que a define como lei ordinária formal, uma vez tendo cumpridos todos os trâmites rituais constitutivos do processo legislativo. O Poder Executivo submete a proposta orçamentária consolidada à discussão, votação e aprovação do Legislativo até 31 de agosto de cada ano, com expectativa de vigência a partir do início do exercício fiscal subsequente; e tal proposta também apresenta um diagnóstico sucinto da situação da economia brasileira. O orçamento público é um documento público cuja legalidade decorre de legislação vigente; seu vínculo com o poder político, como vimos na primeira unidade, o faz desempenhar uma função central no equilíbrio da ordem social, econômica e política - a função de estabilização macroeconômica e de engenharia de consenso político. Ele não pode ser uma peça jurídica meramente autorizativa, uma vez que essa condição o fragiliza. Daí a existência de Propostas de Emenda à Constituição que reivindicam o orçamento como peça jurídica mandatária ou impositiva, a saber, a PEC 22, de 2002, que prescreve a execução obrigatória da programação que consta na lei orçamentária

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anual; e a PEC 77, de 1999, que, por sua vez, contribui com o propósito de tornar mandatária ou impositiva a execução orçamentária - salvo algumas exceções bem específicas - a partir da introdução de dispositivos no artigo 165 e da modificação do inciso VI do artigo 167, da Constituição Federal. Em termos jurídicos e políticos, a principal finalidade do orçamento é ser um instrumento de auxílio ao controle político do Poder Legislativo sobre o Poder Executivo. Esse controle, no entanto, é vacilante e frouxo, e manifesta-se de forma mais subserviente do que independente, visto que o Poder Legislativo é dotado de prerrogativas orçamentárias e de interesses difusos que o torna vítima “consensual” da hegemonia - ou da hipertrofia - do Poder Executivo, que termina por influir nos fundamentos das instituições que compõem a democracia representativa (IANNI, 1996). A Nova Administração Pública O advento da Nova Administração Pública (NAP) constitui um dos mais significativos fenômenos do século passado e início do século XXI. Internacionalmente adotado por uma ampla gama de países, a NAP subsiste na administração pública graças à confiança nela depositada pelos governos no que concerne a sua capacidade de transformar seus setores públicos com base em práticas e critérios de performance tomado de empréstimo ao setor privado. Para alguns críticos, a NAP é vista como uma ideologia de extração mercantil introduzida no setor público. Mas para outros, e para além de um simples modismo, a NAP é concebida como uma quebra de paradigmas no âmbito das organizações do serviço público. Para melhor compreender esse conjunto emergente de ideias administrativas, Ferlie et al. (1999) construíram uma tipologia dos modelos ideais da NAP que serve como componente geral de sua própria caracterização, a saber: • Impulso para a eficiência – expressa a tentativa de buscar no setor privado um modelo de desempenho que conceda ao setor público os mesmos padrões de eficiência verificados no primeiro; • Downsizing e descentralização – caracterizada pela adoção de estruturas organizacionais mais horizontalizadas, com redução de pessoal no topo e na base, associada à divisão de 90

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organizações quanto às atividades de compra e de prestação de serviços; • Em busca da excelência – ênfase no desenvolvimento organizacional e da aprendizagem (“organizações que aprendem”), assim como tanto os processos quanto os produtos organizacionais; • Orientação para o serviço público – expressa a combinação entre as gestões da iniciativa privada e o setor público, com ênfase na preservação da responsabilidade dos serviços prestados aos usuários locais e cidadãos em geral. Segundo Christopher A. Hood (apud Lapsley, 2009), - para quem o Reino Unido é considerado como o primeiro a adotar, implementar e promulgar o conjunto de ideias que conformam a NAP - pode-se decompor a NAP em pelo menos sete componentes (ou dimensões de mudança) essenciais: • Divisão ou desagregação das organizações do setor público em unidades corporatizadas e organizadas por produto – abrangem as unidades organizacionais agregadas, dotadas de regras disciplinadoras e detalhadas de prestação de serviços, cultura de compromisso e missão, estratégias de negócios e autonomia gerencial. Desse modo, a produção e a oferta de serviços são materializadas em unidades distintas; e as inferências contábeis apontam para maiores custos nas unidades centrais e menores custos nas unidades periféricas; • Aumento da concorrência baseada em contratos de serviço (mercados internos e contratos a prazo) – Aumento da pressão sobre a identificação e a compreensão das estruturas de custos, que, em termos comerciais, tendem a tornar-se mais confidencial; • Pressão sobre os estilos de gestão do setor privado – A adoção por parte das organizações governamentais de instrumentos de gestão e de regras de contabilidade típicos do setor privado contemporâneo; • Aumento da pressão sobre a disciplina e a economicidade no uso dos recursos – É o imperativo da aplicação da doutrina do “fazer mais com menos recursos”; • Maior ênfase na gestão das mãos visíveis – A responsabilização supõe um compromisso manifesto de

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afirmação de responsabilidade dos gestores públicos e um maior emprego de informações financeiras com vistas a assegurar a responsabilização no curso de seus ofícios – tratase das mãos visíveis dos gestores da cúpula administrativa e governamental, ou seja, os elementos da tecnoestrutura estatal, sobretudo aqueles que integram o vértice da Alta Administração (Presidência da República e os Ministérios); • Parâmetros manifestos e formais capazes de serem aferidos a partir da medição dos desempenhos e das perspectivas de êxito do setor público – Responsabilização (accountability) e eficiência se combinam: enquanto a primeira supõe a definição de objetivos claramente estabelecidos, a segunda, por sua vez, diz respeito a um conjunto articulado de metas concretas com base em auditorias e em indicadores de desempenho; • Maior ênfase nos controles produtivos (regulação econômica multissetorial) – Alude a uma mudança detalhada da contabilidade para atividades específicas, rumo a uma contabilidade de custos mais ampla. Lapsley (2009), por sua vez, identifica na NAP quatro elementos chaves que integram a agenda de transformação dos governos para os serviços públicos: • Consultores de gestão – por um lado, verifica-se que a transformação do setor público está em constante dependência da perícia (expertise) dos consultores de gestão quanto a garantir padrões excelentes de eficiência na prestação de serviços públicos; por outro lado, coloca-se em dúvida a eficácia instrumental destes mesmos consultores de gestão; • Governo eletrônico – o advento da mudança tecnológica e do governo eletrônico como dispositivos de modernização, em que os governos depositam uma forte crença na capacidade de transformação das tecnologias propriamente ditas sem a correlata convicção acerca das limitações de tais tecnologias, o que termina por sinalizar para o fracasso do governo eletrônico; • Sociedade da auditoria - emergência e fortalecimento da sociedade da auditoria (proliferação de todo tipo de auditoria) 92

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com base no predomínio da cultura do compromisso no processo de transformação dos serviços públicos; • Gerenciamento de risco – grande ênfase sobre as técnicas de gestão de risco nas organizações do setor público. Perfil do Gestor Público Os atores administrativos encarregados da gestão governamental (órgãos supremos) estão inseridos no quadro geral daqueles “elementos e relações” que são englobados no conceito de tecnoestrutura estatal concebido por Ianni (1996), distinguindo-se do de John Kenneth Galbraith (1983). Para este último, o conceito de tecnoestrutura referese à organização formada pelo conjunto de técnicos responsáveis pelas tomadas de decisões em grupo. Para Ianni, o conceito de tecnoestrutura estatal transcende ao de Galbraith, uma vez que abrangem tanto os vários grupos que integram a tecnocracia e as inter-relações desta com ministérios, comissões (nos âmbitos do executivo e do legislativo), institutos, etc., quanto à intensificação do uso de formas determinadas do pensamento técnico-científico (“cientifização”); quanto à hipertrofia do poder executivo e as consequências disso para o poder legislativo e a democracia representativa; e quanto à interação sistemática entre as instâncias de dominação, de apropriação e de redistribuição. Em síntese, a tecnoestrutura estatal é a esfera estatal de poder por excelência, onde decisões definitivas sobre políticas públicas são tomadas. Em sua dimensão estrutural, o conceito de tecnoestrutura estatal compreende: um corpo técnico especializado (tecnocracia), organizações burocráticas de apoio e meios operacionais finalísticos. Em sua dimensão funcional, o conceito de tecnoestrutura estatal abrange alguns componentes interativos: a imbricação tecnocracia-órgãos de planejamento, formulação, implementação, controle e avaliação das políticas públicas; a disseminação crescente de padrões de pensamento técnico-científico; a hipertrofia do Poder Executivo em relação ao Poder Legislativo; e o entrelaçamento mútuo entre a arena de dominação política e a arena de acumulação-apropriação econômica. A seguir apresentaremos duas categorias funcionais que integram as carreiras típicas de Estado e que configuram parte da elite da Administração Pública.

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Caracterização funcional dos analistas em planejamento e orçamento e especialistas em políticas públicas e gestão governamental A importância de uma carreira ou de uma categoria funcional não resulta necessariamente da quantidade numérica de efetivos que a integram, mas sim de sua posição na estrutura da hierarquia administrativa (CHARLE, 1980). Atualmente, existem em atividade, aproximadamente, 700 Analistas em Planejamento e Orçamento – APO e quase 1000 Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental – EPPGG, ainda sobrando centenas de vagas para o preenchimento total de 1560 cargos efetivos. As atividades desenvolvidas por tais categorias funcionais se revestem da mais alta importância no processo de constituição e monitoramento das políticas públicas desenvolvidas pelo Governo Federal. Por isso, convém falar um pouco de cada uma delas, de modo a compormos seus respectivos perfis funcionais. Os analistas em planejamento e orçamento A instituição da carreira de Analista em Planejamento e Orçamento - APO remonta a 23 de julho de 1987, conforme o DecretoLei nº. 2.347. Na época, a carreira era conhecida apenas como Analista de Orçamento. Antes mesmo de sua criação, a provisão de peritos em Planejamento e Orçamento Público era feita com base em pessoas que não detinham vínculo com o serviço público, uma vez que não havia uma carreira definida para tal fim (SOUSA JÚNIOR, 2000). Desse modo, motivado pela inexistência de um quadro técnico dotado de competência específica em matéria orçamentária, foram criados, além do cargo de Analista de Orçamento (nível superior), o cargo de técnico de Orçamento (nível médio), ambos diretamente integrados à estrutura da Secretaria de Planejamento e Coordenação da Presidência da República. Todavia, apenas em 1990 é realizado pela Escola Nacional de Administração - ENAP o primeiro curso de formação de Analistas. Com exceção do curso realizado em 1996, a cargo da Escola Nacional de Administração Fazendária – ESAF, todos os demais foram ministrados pela ENAP. Os Analistas egressos da ENAP são lotados no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que é o Ministério responsável pela gestão da carreira. Mais precisamente, eles são designados para 94

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a Secretaria de Orçamento Federal – SOF e para a Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos - SPI. Posteriormente, de acordo com as conveniências administrativas do MPOG, são distribuídos para vários ministérios, a exemplo do que também ocorrem com os Gestores Governamentais. Porém, diferentemente desses últimos, que possuem uma característica funcional um tanto quanto nômade, os Analistas, na expressão deles mesmos, possuem um nicho próprio. Os Analistas lotados na SOF estão direcionados a tarefas exclusivamente de caráter orçamentário, tais como a coordenação e supervisão da elaboração do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias, assim como da Proposta Orçamentária da União; a prescrição das regras indispensáveis à formulação e execução dos orçamentos federais; o desenvolvimento de modelos orçamentários que sirvam para melhorar o processo orçamentário federal, enfim, aperfeiçoar o próprio Sistema de Planejamento e de Orçamento da Administração Pública Federal; a realização do monitoramento gerencial, físico e financeiro da execução do orçamento relativo a outros órgãos da administração Pública Federal, salvaguardando a competência administrativa inerente a essas instâncias administrativas; a supervisão técnica de órgãos setoriais do Governo, etc. (SOUSA JÚNIOR, 2000). Na SPI, os Analistas desenvolvem atividades associadas à formulação e ao monitoramento do Plano Plurianual e aos projetos especiais de desenvolvimento; à avaliação dos investimentos do Governo e respectivas fontes de financiamento, das parcerias com o setor privado no que concerne às inversões de recursos, assim como ao apoio gerencial e institucional na execução destes projetos de investimentos; à coordenação e à orientação das atividades de avaliação das despesas públicas, do próprio Plano Plurianual e dos projetos especiais de desenvolvimento (SOUSA JÚNIOR, 2000). Enquanto os Analistas lotados na SOF desenvolvem atividades direta e indiretamente vinculadas à matéria orçamentária, os Analistas que trabalham na SPI desempenham funções diretamente voltadas para o gerenciamento e monitoramento dos programas contidos no Plano Plurianual. De modo que a definição do papel de Analista encontra-se amalgamado ao desdobramento gerencial do PPA. Assim sendo, falar do ofício de APO é se reportar a questões centrais do processo de mudança administrativa em curso no cerne do Estado. Embora o modelo de gestão gerencial ainda não tenha se disseminado por toda a ossatura estatal, verificando-se resistências vigorosas em alguns

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Ministérios de Estado – o Ministério da Saúde, por exemplo -, o que nos parece evidente é que tal modelo tem se desenvolvido progressivamente desde o primeiro mandato do Governo FHC, não obstante a mudança de enfoque que assinala a passagem do primeiro para o segundo mandato eletivo de Fernando Henrique Cardoso, a saber, a passagem do enfoque institucional para o enfoque das políticas públicas, assim como no que concerne ao simulacro de ruptura protagonizado pelo Governo Lula. Os especialistas em políticas públicas e gestão governamental A criação da carreira matricial de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental – EPPGG, tardiamente conhecida como Gestor Governamental, constitui-se em um episódio administrativo que remonta à realização de um estudo encomendado ao embaixador Sergio Paulo Rouanet, em 1982, pelo Departamento de Administração do Serviço Público – DASP. Segundo orientação oriunda desse estudo, urgia a necessidade de aperfeiçoar a Administração Pública Federal mediante a criação de uma escola de governo que fosse incumbida da tarefa de formar e capacitar profissionais em gestão pública, com atribuições generalistas, de modo a inseri-los no aparato estatal e, assim, desempenhar as mais altas funções públicas. A inspiração tanto do modelo de agente público de elite quanto da instituição educacional de quadros proveio da tradição francesa no campo administrativo, a cargo da École National d’Administration. Portanto, a carência de profissionais de verve generalista pressupunha a criação de um centro de formação correspondente, exclusivamente voltado para a promoção da Administração Pública Federal. Daí a criação da Escola Nacional de Administração Pública, mediante o Decreto n. 93.277, de 19 de setembro de 1986, responsável pela formação do “(...) Estado-maior do oficialato administrativo: o administrador superior para as mais altas decisões político-administrativas” (CARDOSO & SANTOS, 1997, p. 06). Como consequência do desdobramento da criação da ENAP, cria-se a carreira de Especialista em Política Pública e Gestão Governamental, no bojo de uma reforma administrativa cujo fôlego se extinguiu em decorrência de uma série de fatores econômicos (o fracasso do Plano Cruzado e a crise da dívida), políticos (a interferência de interesses particularistas, a ampliação do mandato do presidente José Sarney mediante práticas clientelísticas) e sociais (o agravamento 96

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das tensões sociais em decorrência do fracasso dos planos econômicos subsequentes). O Projeto de lei nº. 243/87 inicialmente designava os Gestores Governamentais como Técnicos em Políticas Públicas e Gestão Governamental; e graças ao substitutivo de junho de 1988, os gestores passam a ser finalmente reconhecidos por sua designação atual. Porém, foi através da Lei nº. 7.834, de 06 de outubro de 1989 que a carreira de Gestor Governamental ganha existência real, e um ano depois a administração pública absorve os primeiros gestores governamentais formados pela ENAP. A continuidade da carreira, entretanto, tem suportado alguns solavancos, entre eles, a total negligência com que foi tratada no decurso do Governo Collor. A sua retomada, no entanto, veio com o advento do Governo FHC, onde o então Ministro do antigo MARE, Luis Carlos Bresser Pereira, primou pela institucionalização do provimento anual de concursos para a administração pública, favorecendo, assim, o desenvolvimento da carreira. Recurso este sistematicamente utilizado no Governo Luís Inácio Lula da Silva Cardoso & Santos (1997) explicam que as atribuições dos Gestores Governamentais concernem às funções de elaboração, implementação e avaliação das políticas públicas, assim como às funções de direção e assessoramento nos altos escalões da Administração Pública Federal direta – ou central, segundo o jargão do antigo DASP -, autárquico e fundacional. Cheibub & Mesquita (2001), contudo, chamam a atenção para um fato que parece acenar para uma direção um tanto quanto inversa. Os autores se referem ao decreto que regulamenta a Lei nº. 7.834/89, mais precisamente ao seu artigo 1o, onde é definido que as atividades dos Gestores Governamentais orientam-se prioritariamente para o desempenho de atividades-meio (gestão de políticas), logo, de funções coadjuvantes ao desenvolvimento de atividades finalísticas associadas à elaboração, execução e avaliação das políticas públicas. Quer dizer, apenas em última instância estarão os gestores voltados para funções diretas de envolvimento no processo específico de concepção, desenho, execução e avaliação de programas de ação governamental. O preenchimento dos cargos da carreira dos EPPGGs tem se acelerado no Governo atual, apesar do aumento de cargos instituídos e atrelados à categoria, que saltou de 960 para 1560 cargos, demonstrando que a velocidade de seu preenchimento é sinônima de

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uma institucionalização efetiva. Restando, ainda, o preenchimento de 600 vagas. As análises de Cheibub & Mesquita (2001) indicam que 75% dos gestores entrevistados ocupavam cargos onde as tarefas adscritas situavam-se no âmbito das atividades finalísticas (formulação e implementação das políticas públicas), sendo que destes, 70% dedicavam-se sobremaneira às atividades voltadas para a formulação de políticas públicas e 30% às atividades de implementação. Aqueles que diretamente encontravam-se mais envolvidos com atividades pertinentes à formulação das políticas ocupavam cargos de direção superior (secretarias executivas e secretarias de ministérios), de assessoria superior (assessoria ao ministro), gerência e direção intermediárias (coordenações gerais, subsecretarias, chefia de departamentos). Os demais desempenhavam tarefas associadas à implementação, ocupando, pois, cargos de assessoria intermediária (assessoria à direção superior). Do universo pesquisado, 25% desenvolviam atividades-meio, ou seja, atividades de apoio técnico e operacional. Logo, concluem os autores, o exercício de atividades finalísticas constitui um indicador predominante do perfil do gestor, sem apontar, todavia, para uma definição precisa de funções típicas ou exclusivas de Gestores Governamentais. No entanto, esse perfil constitui uma realidade funcional resultante de um caráter autoeletivo, de escolha individual, e não uma consequência da aplicação das diretrizes de seu sistema de carreira ou de uma orientação institucional ditada pelo órgão encarregado de gerência (Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão). De um modo geral, o Gestor pode ser caracterizado como um especialista em políticas públicas que é dotado de um conhecimento aprofundado acerca do Estado e de capacidade de negociação e de articulação; que possui uma formação generalista e um compromisso com a ética; que é um servidor de carreira; e que dispõe de uma formação intelectual que lhe permite articular a teoria à prática no que respeita à estrutura estatal e governamental (CARDOSO & SANTOS, 2001). O ofício de gestor não é dado, de uma vez por todas, em função da própria formação. Na realidade, trata-se de uma conquista cotidiana, rotineira, onde o gestor governamental tem constantemente de submeterse à prova de sua própria competência, sobretudo em relação ao Estado, ou seja, a institucionalização da carreira na condição de um quadro de alta importância administrativa depende diretamente do reconhecimento do próprio Estado em relação a essa categoria funcional, de modo a 98

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perceber a sua indispensabilidade. É patente e bem demarcado o terreno administrativo em que a supracitada categoria funcional tende a uma vivência administrativa nômade. A rede de atividades em que ela se movimenta é fortemente marcada por uma ação de constante elasticidade, na medida em que o Gestor exercita o seu ofício e o coloca no centro das decisões públicas, o que de resto pressupõe uma postura comportamental maleável, uma vez que ele não é objeto apenas de pressões exclusivamente externas, mas também constitui alvo de pressões do próprio Governo. É interessante verificar que o Gestor possui uma inequívoca consciência de que não é um funcionário do Governo, e sim do Estado. No entanto, também percebe com clareza que sua função operacional no cerne do Estado lhe impõe atribuições que o tornam momentaneamente um instrumento governamental. Nesse sentido, a tomada de decisão importa em combinar a dosagem entre o componente técnico e o componente político, além da capacidade de vislumbrar a conjuntura sociopolítica e econômica, o que supõe o retardamento ou adiamento estratégico das ações do Estado. Portanto, é exatamente nesse instante que o Gestor é exigido como parceiro interno dos propósitos governamentais, ou seja, o Gestor é chamado a contribuir para a ação sociopolítica da facção ou coalizão no poder, na direção dos negócios do Estado.

Nessa Unidade, ficaram patentes as seguintes preocupações didáticopedagógicas: a) a distinção entre gestão e administração, em que a primeira se refere à atividade administrativa corriqueira, prosaica, relativa ao simples funcionamento do aparato estatal, e a segunda, que, por sua vez, diz respeito à totalidade funcional da Administração Pública; b) a identificação das fontes de financiamento do Setor Público; c) a caracterização da Nova Administração Pública; e d) o desenho do perfil funcional de alguns agentes administrativo da alta administração, bem como a ênfase em suas qualificações profissionais. Assim sendo, o propósito então perseguido e posteriormente atingido foi o de demonstrar que os componentes do setor público não necessitam apenas de leis para existir e funcionar no mundo real, mas também

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precisam de recursos financeiros para custear o funcionamento da máquina administrativa e para a promoção das políticas públicas, assim como o perfil socioprofissional de parcela dos servidores públicos que desempenham altas funções públicas, particularmente os EPPGGs e os APOs. Na sequência, contemplaremos os temas nacionais estratégicos associados à ação do Estado no comando do processo de desenvolvimento nacional, cuja dinâmica está vinculada à construção de uma nova ordem internacional.

1. Identifique as características comuns e incomuns das noções de administração e gestão: 2. Discorra sobre os mecanismos de financiamento das atividades do Estado. 3. Descreva o ciclo orçamentário anual em relação ao ciclo orçamentário ampliado. 4. Comente cada uma das características gerais da Nova Administração Pública. 5. Enumere as características funcionais dos gestores governamentais (EPPGGs) em contraposição aos analistas (APOs).

Glossário • Consultoria: prestação de serviços de orientação especializada que visa produzir diagnósticos acerca de uma situação-problema de modo a perseguir a sua eventual solução. • Corporação: segmento administrativo que pode, ou não, valorizar excessivamente o espírito de grupo no interior da organização. • Corporatizada: transformada numa corporação ou dividida em corporações profissionais. • Cultura do compromisso: engajamento pró-ativo dos membros da organização em prol da realização compartilhada de objetivos programáticos e finalistas. • Economicidade: no âmbito do Direito Administrativo significa parcimônia no uso dos recursos públicos (princípio da economicidade). 100

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• Gerenciamento de riscos: planejamento, organização, direção e controle dos eventos ou condições imprevisíveis que podem ou não interferir de forma positiva ou negativa nos projetos governamentais. • Mãos visíveis: uma metáfora que serve para significar o controle do mercado por gestores profissionais, em oposição ao conceito personalizado de mãos invisíveis do mercado, ou seja, a perda da confiança na suposta capacidade do mercado em regular o sistema econômico a partir das funções básicas da regulação, da alocação, da redistribuição e da estabilização macroeconômica. • Parâmetro: padrão, modelo. • Projeto de nação: programa político de construção de uma agenda de desenvolvimento nacional em que os interesses gerais da pátria suplantam os interesses particulares dos indivíduos isolados. • Projeto de poder: programa político que visa à adoção do arrivismo (uso indiscriminado e inescrupuloso dos meios em função dos fins; o vale tudo) como estratégia de vida. • Sociedade de auditoria: proliferação de modalidades de auditagem (balanço das operações contábeis) das contas públicas com base na transparência e na accountability – auditoria ambiental, auditoria de gestão, auditoria do “fazer mais com menos”, auditoria da propriedade intelectual, auditoria tecnológica, etc

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UNIDADE 03 Setor público: gestão pública,

políticas públicas e os desafios da construção da nova ordem social mundial

objetivos • Descrever e explicar as diferenças fundamentais entre o setor público e o setor privado; • Definir e classificar as políticas públicas; • Explanar a especificidade da política social; • Identificar os pré-requisitos à inscrição de um problema social na agenda governamental; • Situar o Estado brasileiro no atual debate da construção não apenas de uma nova ordem internacional, mas do advento de uma sociedade verdadeiramente global.


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Setor público: gestão pública, políticas públicas e os desafios da construção da nova ordem social mundial

Gestão Pública e Gestão Privada A dicotomia público-privado assinala, respectivamente, conforme classificação de Max Weber (1991), um sentido político: por um lado, a dominação em virtude da autoridade (Estado), por outro, a dominação em virtude de uma constelação de interesses (Mercado); mas também assinala, no sentido econômico, a contraposição entre agentes produtivos mercantis e agentes promotores e/ou reguladores do mercado, cuja atuação ocorre sob o escudo da legitimidade no uso do poder de coerção, salvaguardados os princípios constitucionais que regem os direitos e garantias individuais e coletivas constitucionais, a salvo de um Estado Leviathan. Igualmente podemos notar facetas diferentes quando analisamos tal dicotomia à luz do sentido social: a oposição entre o campo da propriedade e da intimidade e o campo da representação social, da solidariedade e da cidadania. A compreensão dicotômica entre público e privado, apesar de ser esclarecedora, dado que a percepção dialética nos induz a pensar que um somente se explica em função do outro e vice--versa, não nos fornece a chave real de sua compreensão devido ao fato de que o privado e o público já se mesclaram, suas fronteiras se esboroaram, a exemplo do processo de conturbação das áreas metropolitanas – às vezes fica dificil saber se nos encontramos no centro urbano matriz ou se nas circunscrições territoriais municipais que compõem uma região metropolitana; para não falar das megalópolis. O Direito Administrativo descreve tal esboroamento como uma situação histórica marcada pela chamada crise dos critérios.

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Sociedades não devem contar com as forças do mercado para proteger o ambiente ou fornecer um sistema de saúde de qualidade para todos os cidadãos (…) O mercado não funciona muito bem quando se trata de bens públicos (...) Os mercados trabalham aceitavelmente com bens chamados por economistas de bens privados (como carros e outros objetos duráveis), (Eric Maskin, um dos três economistas agraciado com o Prêmio Nobel de Economia de 2007). A clássica metáfora de Adam Smith sobre a mão invisível refere-se como o mercado, sob condições ideais, garante uma alocação eficiente de recursos escassos. Mas, na prática, as condições normalmente não são ideais. Por exemplo, a competição não é completamente livre, os consumidores não são perfeitamente informados e a produção e o consumo desejáveis privadamente podem gerar custos e benefícios sociais (Nota da Real Academia Sueca de Ciências quando da outorga do Prêmio Nobel de Economia de 2007, aos economistas Erick Maskin, Leonid Hurwicz e Roger Myerson).

O proprietário privado de algum bem patrimonial responde por esse bem como lhe aprouver. Pode até abdicar deles, como muitas personalidades o fizeram no decurso de suas vidas. E ao fazê-lo, não terá de prestar contas de seus atos a não ser em estrito respeito ao quadro legal do país, e mesmo assim sob a guarda do artigo 5º da Constituição que prevê a igualdade de todos perante a lei. Não é o que ocorre com relação à coisa pública. Nesta última, existem ritos de ingresso, de funcionamento e de controle; coexistência de processos decisórios e racionalidades diferentes (funções autoritário-abonadoras, funções de intervenção econômico-social e funções de intermediação de interesses); regime jurídico especial; obrigatoriedade de processos licitatórios; relações interministeriais e interorganizacionais; prerrogativas jurídicas como salvaguarda do interesse público, etc. Enquanto o primeiro pertence, em última instância, a uma ou mais pessoas, o segundo pertence à totalidade do povo que constitui a nação, sobretudo quando se trata de uma república. Convém acrescentar que os processos sociais, burocráticos, administrativos, econômicos e financeiros que envolvem a administração do patrimônio público chegaram a tal ponto de complexidade que as exigências de transparência e de accountability tem se tornado um imperativo político crescente. Nunca é demais reafirmar que o grau de complexidade da 106

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administração no setor público suplanta em muito a complexidade da administração no setor privado. No entanto, observa-se uma maior integração entre elas na medida da proliferação das organizações não governamentais. Pelo lado do setor público, temos a publicização; pelo lado do setor privado, temos a responsabilidade social corporativa, e entre elas, como um divisor de águas cada vez mais constante e à jusante, o setor social, ou 3º setor. Um critério básico para a classificação desses setores é o critério do tipo de propriedade. Portanto, quando nos referimos ao setor público, queremos explicitar que se trata de uma forma de propriedade pública de caráter estatal; ao passo que as referências ao setor privado remetem à propriedade privada. Mas existem propriedades públicas de caráter não estatal: é o caso das Organizações Sociais e das Organizações Sociais de Interesse Público (vide 1ª Unidade). Conforme já discutimos, no decurso da 1ª Unidade, existem tanto características comuns quanto incomuns entre os modelos de gestão pública e os modelos de gestão privada. Entre as características comuns destacam-se aqueles elementos e relações que definem o conceito de administração num duplo sentido: o sentido estrutural (infraestrutura, capital intelectual, meios operacionais e cultura organizacional) e o sentido funcional ou operacional (processos de planejamento, organização, direção e controle). À parte a totalidade dos elementos de convergência entre o setor público e privado, convém esclarecer que o setor público é distinguido por seu vínculo indissolúvel ao Poder Político e por seu caráter de natureza não mercantil ou destituído de finalidades lucrativas; exceção feita às empresas públicas e às sociedades de economia mista, e que se enquadram na técnica jurídica da descentralização associada à produção de bens e serviços ao mercado. Com base em seu vínculo indissolúvel ao Poder Político, o Setor Público é obrigado a submeterse às regras constitucionalizadas do Direito Administrativo, ou seja, aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e da eficiência, conforme Título III, Capítulo VII, artigo 37 da Constituição Federal. A construção política e jurídica do Estado moderno foi gestada como consequência do fenômeno da querela das investiduras, que antepunham poder espiritual (sagrado) e poder temporal (secular), até propender em definitivo a favor do poder político secular, personalizado na figura do monarca absolutista. Desde a sua forma de expressão enquanto EstadoADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO

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protetor ou liberal até a assunção do Estado–providência, assistimos a um longo e lento processo de rearranjo constante de formas de participação política nos destinos das sociedades. Daí resulta o sufrágio universal, ou seja, o direito de o cidadão, devidamente registrado em instância jurídico-eleitoral, exercer a sua vontade de escolha através do instituto cívico-político do voto direto, secreto, universal e periódico, de modo que o peso de seu voto é igual ao de qualquer outro cidadão brasileiro; e o instituto da alternância do poder – as trocas periódicas de comando do Estado, cujas disputas são materializadas pelos Partidos Políticos. Assim, a existência desses grupos políticos (formalmente designados como Partidos) depende da instituição destes enquanto dotados de personalidade jurídica, na forma da lei civil, e do registro de seu estatuto junto a Tribunal Superior Eleitoral (Título II, Capítulo V, artigo 17, Título I, §2º, CF/88). O disciplinamento do processo de participação no sistema social via sufrágio universal e as consequências do exercício deste instituto sobre o processo de rodízio de forças pleiteantes de posições concretas de poder social, político e econômico na sociedade são os mecanismos preventivos a estresses capazes de provocar ruptura no tecido social; sem eles, a desintegração social é inevitável, pois os grupos tenderiam a viver num conflito generalizado. A regulamentação do sufrágio universal e a alternância de poder consta de matéria jurídica circunscrita ao Direito Constitucional, cuja supervisão fica a cargo do Tribunal Superior Eleitoral; e seu objeto programático é a garantia de oportunidades iguais aos contendores nas periódicas refregas político-eleitorais, ou seja, nas eleições. No Brasil, o presidente da República é ao mesmo tempo chefe de Estado e chefe de Governo, ou seja, em nosso país o exercício do poder executivo é classificado, segundo concepção de Maurice Duverger (SILVA, 2003), como executivo monocrático, ao contrário de outras tradições de cultura política, em que o exercício do poder é compartilhado por dois ou mais mandatários (a própria França, de Duverger, por exemplo). E isso torna o dirigente máximo e plenipotenciário do Estado um monarca em plena República. Porém, a excessiva configuração simbólica do Estado justaposta na pessoa de seu mandatário plenipotenciário – como chefe de Estado e de Governo – termina por enfraquecê-lo. Isso decorre da inversão de papéis: a despersonalização do Estado acompanhada da personalização excessiva (culto à personalidade) de seu mandatáriomor. Significa dizer que milhões de indivíduos interpretam as políticas 108

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públicas ou governamentais, tal como o Programa Bolsa Família, como um gesto de bondade do Poder Público graças à benevolência do dirigente máximo de plantão. Assim, o Programa Bolsa Família é compreendido solenemente por grande parte de seus beneficiários ou administrados como um favor pessoal, bem ao estilo do modelo de administração patrimonialista (clientelismo, corporativismo e fisiologismo). Ao invés de encará-lo como um dever do Estado em obediência ao artigo 6º, título II, capítulo II, da Constituição Federal, que assim reza: É direito social a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Portanto, a Constituição não ratifica nenhum mandatário da República Federativa do Brasil como personificação do Estado Federal e/ou da União; apenas reserva-lhe o direito à representação jurídica para fins de realização da vontade plenipotenciária ou soberana do Estado, entendido este enquanto consciência social, econômica, política e cultural da sociedade civil. Nesse sentido, são vedadas certas condutas ao administrador da coisa pública, como prescreve o artigo 37º, inciso XXI, parágrafo1º, CF: A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverão ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.

A trindade institucional secular – Estado (vontade política dos grupos que participam do jogo do poder consagrado em compromisso escrito), Governo (planejamento estratégico) e Administração Pública (execução) – são três instituições em uma. O Estado, primeiro componente da trindade secular, cristaliza em si mesmo o poder da sociedade civil organizada. Apesar de ele não ter existência real, concreta e objetiva, existe virtualmente no nosso imaginário social. Para isso, precisamos de uma representação aparente do Estado. E como uma das dimensões mais evidentes da presença do Estado na sociedade é o seu direito constitucional ao poder exclusivo ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO

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quanto ao uso facultado da coerção física ou cerceamento de liberdade o poder repressivo ou simplesmente poder de polícia. O uniforme e o uso de armas concedem ao representante do Estado, antes mesmo do que a legitimidade e legalidade, certo sentimento de admiração e respeito ou de temor e capitulação, tudo dependendo das circunstâncias sociais e de seus respectivos significados históricos, a saber: admiração e respeito, quando se trata de uma modalidade de democracia verdadeiramente plural e justa; temor e capitulação, quando se lida com os regimes de exceção de todas as cepas, os regimes ditatoriais e /ou totalitários, por exemplo. Portanto, o Estado representa o poder virtual, porque, antes de tudo, se situa na consciência social dos indivíduos, apresentando-se como transcendental, distante, poderoso e inatingível. E a consciência social dos indivíduos, aqui entendido como consciência média, é forjada pela forma como as informações são captadas e interpretadas à luz dos valores e clichês altissonantes (tendências ou moda predominantes) das épocas históricas. O Governo, como componente segundo da trindade secular, também faz referência ao poder, e é o que na prática o faz – usá-lo! Afinal, quem governa o faz por que se apóia em alguma forma de poder político, econômico, cívico, simbólico, etc. O poder que legaliza o uso do poder pelo Governo é chancelado pelo próprio Estado mediante um longo processo político-eleitoral, que vai da propositura de candidaturas a mandatos eletivos ao rito de formalização dos atributos do poder aos eleitos sob direção de um grupo político vencedor da contenda eleitoral. O Governo, então, é elevado à condição de preposto genuíno da sociedade estatal, ou seja, da sociedade civil, passando a usufruir do status de cúpula do poder político soberano, interno e externamente. O terceiro, e não menos importante, componente da trindade secular, a Administração Pública, também dispõe de parcelas de poder, mas apenas nos exatos limites estabelecidos pelas regras que regem as condutas dos funcionários públicos. Tal poder é mais concentrado na cúpula e menos concentrado na base do aparelho de Estado (administração pública). Quanto mais próximo do ápice da pirâmide de poder político os grupos de funcionários se situam, mais amplo é o universo de ações, decisões e de informações influenciadas por tais grupos. Neste sentido, o agente público mais humilde, integrante de um órgão administrativo qualquer, ao resolver um simples procedimento burocrático, o faz como representante do Estado. Igualmente ocorre no caso de assinatura de 110

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acordo sobre cooperação cultural e militar entre dois países. Tratase de formulação de tratativas internacionais submetidas ao crivo do parlamento para fins de ratificação e regulamentação jurídica. Em outros termos, o parlamento chancela um tratado para sacramentar a eficácia do poder do Estado através de órgãos administrativos diretos da União, a cargo da Presidência da República. O Estado é uma condição de ser jurídica que é forjada no processo de entendimento político entre as principais forças em disputa pelo Poder Político. Esse entendimento precisa ser preservado, pois o próprio Estado depende dele para subsistir. Em função dessa necessidade de sobrevivência política - do Estado e do próprio entendimento político que o cria -, providências devem ser tomadas. Mas quais providências deverão ser tomadas? E por quem? É nesse contexto social de decisão política que nos desembocamos no Governo. Este, por sua vez, precisa transformar decisões estratégicas em ações concretas, pois a sua legitimidade política depende da eficácia, da eficiência e da efetividade de tais ações. Para isso, no entanto, o Governo necessita de meios operacionais de alcance de seus objetivos e metas, quer dizer, o Governo, como instância de poder e procurador legal do Estado, necessita de recursos de toda ordem (servidores, infraestrutura, equipamentos, etc.) para poder governar. Mas para fazê-lo, o Governo precisa contar com uma eficiente estrutura administrativa que é o suporte tanto do Estado quanto do Governo, e por isso a chamamos de Administração Pública. A necessidade de manter em mente a ideia da coarticulação entre Estado, Governo e Administração Pública resultam da mera observação empírica dos fatos do dia-a-dia que envolve a ação do poder público na sociedade, o que inclui o mercado e as organizações não-governamentais. Sejam quais forem as atividades executadas por uma dessas três instituições, elas acionam uma cadeia de transmissão na qual elas se encontram simultaneamente em movimento, emitindo seus efeitos jurídicos (legal-normativo), políticos (controle legítimo) e burocráticos (execução de serviços e políticas públicos). Toda e qualquer ação praticada pela administração pública, através de seus órgãos supremos e administrativos, carregam a marca da autoridade política do Estado e de seu representante legal, o Governo. As Políticas Públicas Desde os primórdios de nossa civilização, ensina Norberto Bobbio (1999), o Estado é representado a partir de metáforas ou analogias que ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO

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buscam compreendê-lo como um conjunto relativamente ordenado de partes interconectadas que configura um todo unitário. Pelo menos três dessas metáforas ou analogias sobressaíram-se no decurso do tempo. A primeira delas, a metáfora ou analogia mecânica, parte do pressuposto de que o que anima esse todo unitário interconectado (o Estado) é um motor, ao passo que a segunda metáfora ou analogia orgânica identifica tal princípio unificador do Estado como a alma, o espírito ou a mente. A terceira metáfora ou analogia, a sistêmica, concebe o Estado como animado por um órgão decisório cuja especialidade imediata é a conversão de perguntas (reivindicações sociais, econômicas e políticas por recompensas) em respostas (políticas públicas correspondentes às demandas da sociedade, ou seja, correspondentes às perguntas realizadas por esta última). Assim, o Estado pode ser descrito a partir de uma dinâmica que requer a sua divisão em dois aspectos diferentes e complementares: o aspecto estrutural e funcional. Em seu aspecto estrutural, o Estado é compreendido como um conjunto de partes interligadas e interdependentes, enquanto em seu aspecto funcional refere-se a um conjunto de partes articuladas em que umas se destinam a produzir perguntas e outras em convertê-las em respostas. As supracitadas metáforas ou analogias indicam três modos diferentes de se conceber o Estado sob a perspectiva comum da noção de um todo unitário interconectado, cabendo a gestão de tal interconexão ao Governo, o centro propulsor e unificador do Estado. É, portanto, sob o ponto de vista da metáfora sistêmica que procuraremos explicar e compreender aquelas partes interconectadas de um todo unitário (Estado) voltadas para a conversão de demandas sociais, econômicas e políticas em políticas públicas setoriais correspondentes. É o que faremos a seguir. Um referencial importante para a compreensão do papel das políticas públicas na relação entre o Estado e as sociedades contemporâneas industrializadas é distinguir a sua lógica de base, a lógica setorial, e confrontá-la com a lógica territorial. Esta última se desenvolve no âmbito das sociedades tradicionais (comunidade) que são sociedades genuinamente territoriais (conjunto mais ou menos constituído de territórios relativamente autônomos), já que a identidade essencial dos indivíduos é formada em função do território em que vivem (sentimento de pertencimento em relação ao torrão natal; sentimento pátrio). 112

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A estrutura organizacional das sociedades tradicionais apresenta uma débil divisão social do trabalho e uma lenta mobilidade social; talvez por isso mesmo as sociedades tradicionais sejam constantemente ameaçadas de explosão (riscos de secessão). O princípio essencial que rege tais sociedades é a dialética centro/periferia. Mas devido ao crescimento das populações, à intensificação das relações de trocas mercantis e ao advento da revolução industrial, esse princípio aos poucos vai sendo absorvido pela lógica da setorialidade, que, por sua vez, contrapõe o global e o setorial. A explosão da divisão social do trabalho resulta do confinamento da célula familiar à exclusiva esfera da reprodução e do descanso (separação do ambiente familiar em relação ao ambiente produtivo da empresa, que se desenvolve graças à proliferação diversificada de funções profissionais); da formação de papéis profissionais cada vez mais numerosos e especializados, cujo exercício requer uma formação específica; e da emergência de novos reagrupamentos de papéis profissionais cuja base de apoio consiste em hostes exclusivamente voltadas para o exercício dos mais variados ofícios e/ou perícias. Assiste-se, assim, a passagem de uma lógica horizontal (territorial) a uma lógica vertical (setorial), da mesma forma que podemos dizer que se passa da predominância da dialética centro/periferia para uma dominação da lógica global/setorial. É o que ocorre, por exemplo, quando a esfera da produção (empresa) se aparta da esfera da reprodução (família) e quando se verifica uma dissociação entre o setor agrícola e o mundo rural. Igualmente se passa com o setor social, em que se observa a transição da assistência, inerente à ordem territorial, para a técnica de seguro social associada à setorialidade. Como ensina Didier Renard (apud Muller, 1990, p. 15; tradução própria), “os seguros sociais assinalam a transição de uma proteção social organizada sobre uma base territorial rumo a uma proteção social organizada sobre uma base profissional”. O setor nos apresenta enquanto estruturação vertical (hierarquização) de papéis sociais que forjam as regras de sua própria dinâmica organizacional; pode ser traduzido por corporação, de acordo com a terminologia sociológica. Mas, diferentemente dos territórios, os setores não são autorreproduzíveis, já que são dependentes da reprodução dos demais setores de que a sociedade contemporânea se compõe. Logo, toda sociedade setorial sofre de um grave problema de ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO

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coesão social, pois, ao contrário das sociedades tradicionais, que sofrem a ameaça de fragmentação (os territórios se dividem, enfraquecem, mas não desaparecem), as sociedades setoriais, por sua vez, correm o risco de serem desintegradas (esfaceladas, aniquiladas, extintas), a menos que desenvolvam por conta própria os meios necessários para administrar os conflitos intersetoriais. Mas que meios são estes? São as chamadas políticas públicas, cuja implementação é susceptível de produzir distorções operacionais e finalistas que demandam outras políticas públicas, em virtude da precária integração social das sociedades que são regidas pela lógica setorial: [...] numerosas políticas públicas não terão outro objeto senão a gestão dos desajustamentos produzidos por outras políticas setoriais: a sociedade setorial, em perpétuo desequilíbrio, gera permanentemente ‘problemas’, ‘disfunções’ ou ‘efeitos perversos’ que deverão, por sua vez, serem objetos de políticas públicas (DIDIER RENARD apud MULLER, 1990, p. 2223; tradução própria).

As políticas públicas são as consequências mais evidentes da transição da lógica territorial para a lógica setorial, na medida em que os procedimentos de mediação social são modificados, uma vez que surge uma nova geração de representantes cuja legitimidade se apóia na representação de um grupo profissional ou corporação; e na medida em que se adota o uso de instrumentos intelectuais necessários à gestão das díspares reivindicações setoriais. Assim, elas emergem como meios ou instrumentos a partir dos quais se procura salvaguardar o equilíbrio da relação global/setorial, prevenindo os eventuais desajustes entre um determinado setor e os demais, ou entre um setor e a sociedade global; donde se conclui “[...] que o objeto de uma política pública é a gestão da relação global/setorial [...]” (DIDIER RENARD apud MULLER, 1990, p. 24). É inconcebível que um setor, qualquer que seja ele (setor agrícola ou industrial, por exemplo), se separe da sociedade. Os setores são interdependentes entre si, além de concorrerem pelos recursos escassos que proporcionam a concretização das políticas públicas em conformidade com as demandas setoriais (queda de juros para o setor agrícola, comercial ou industrial; desconcentração da propriedade da terra, para o setor da agricultura familiar; construção de infraestrutura

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portuária e aeroportuária, para o setor exportador e de apoio logístico, etc.). Como se vê, não existe espaço para secessão entre os setores de que se compõe a sociedade moderna, cujo princípio regente de solidariedade é aquele concebido por Émile Durkheim, a que chamou de solidariedade orgânica, um tipo de solidariedade assinalado pela dessemelhança entre as funções ou papéis sociais e profissionais dos indivíduos nas sociedades industrializadas. De forma equivalente ao que ocorre com o organismo humano, em que o conjunto dos órgãos é interdependente entre si – o sistema cardiovascular somente subsiste graças às especialidades funcionais dos demais órgãos do corpo humano como os rins, o pulmão e a pele –, a sociedade moderna se caracteriza pela total dependência entre os seus setores constitutivos. A política pública, portanto, é um processo de mediação social. Logo, conclui-se que política pública existe apenas quando o Poder Público local ou nacional procura modificar as condições de vida social, cultural ou econômico de atores sociais, desde que sejam submetidos à lógica setorial e que se expresse num programa de ação coordenado. E a título de simplificação, podemos dizer que qualquer política pública é capaz de ser decomposta em três processos: 1) a definição do lugar, do papel e a da função do setor envolvido em relação à sociedade global ou em relação aos demais setores; 2) a construção de uma representação, de uma imagem da realidade sobre a qual se quer intervir (“referencial de uma política pública”); e 3) a determinação do ator (ou grupo de atores) a ser encarregado da operação de construção ou de transformação do referencial de uma política (mediador). A política social A expressão Política Social constitui um “conceito guarda-chuva”, no sentido de que, segundo Laura Balbo (apud COIMBRA, 1994), ela alude a uma pletora de problemas de naturezas diferentes que vão de programas habitacionais, sanitários, educacionais, previdenciários, assistenciais stricto sensu, etc., programa de renda mínima, abatimento ou isenção fiscal, até a oferta de subsídios governamentais quanto ao consumo de certos bens. A política social é uma política pública stricto sensu que integra a modalidade lato sensu de política pública. Para Patrick de Laubier (1982), a especificidade da política social não se situa apenas na fronteira entre a dimensão econômica e a ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO

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dimensão política, onde a primeira volta-se para a produção de riquezas e a segunda para a manutenção e/ou o revigoramento do poder estatal. A especificidade da política social também reside em sua finalidade, amplamente assentada na ideia de justiça social, logo, na noção de cidadania. Laubier (1982, p. 7) assim define política social: Por política social aqui se compreenderá o conjunto das medidas tomadas ao nível de uma nação cujo escopo é o de aperfeiçoar ou de mudar as condições de vida material e cultural da maioria da população em conformidade com uma crescente tomada de consciência dos direitos sociais, assim como dar conta das possibilidades econômicas e políticas de um país em um determinado momento.

Laubier (1982) entende, com propriedade, que a definição de política social torna-se completa quando se arrolam os seus atores, assim como os seus âmbitos de atuação. O Estado é o principal ator da política social; sobre ele recai a atenção reivindicatória dos demais atores no sentido de imprimir alterações no padrão de política social por ele implementado. Os sindicatos são um dos mais importantes atores da política social, uma vez que se fazem presentes em todos os países, com maior ou menor expressão político-organizacional. Tanto o Estado quanto os sindicatos apresentam-se como os atores mais universais da política social. Com base na “Declaração sobre o Progresso e o Desenvolvimento no Domínio Social”, encampado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 11 de dezembro de 1969, Laubier elege os principais domínios da política social moderna, a saber: o emprego, a política de redistribuição de renda, a seguridade social e a educação. Assim, a implementação da política social, através da contemplação de todos esses domínios, serviria para garantir o bem-estar social de toda a humanidade conforme a ideia de justiça social. Eduardo Bustello (1982) envereda por uma seara conceitual contígua a de Laubier. Para ele, há uma identidade flagrante entre política econômica e política social; é a mesma coisa. Enquanto a primeira preocupa-se com os processos de geração de riquezas, esta última focaliza suas atenções sobre o problema da distribuição de recursos e renda – “(...) quem faz política econômica faz ao mesmo tempo política social e vice-versa” (BUSTELLO,1982, p. 134).

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Logo, a política social se instaura no cerne do processo de produção material e de consumo, onde se observam diferentes “proporções e interdependências”. Em termos macroeconômicos, significa dizer que em uma determinada sociedade há a necessidade de se estimar algumas proporções na articulação entre produção, consumo, renda, por exemplo, e o modo a partir do qual tais proporções são distribuídas numa dada população, sendo que tal distribuição é induzida a descrever uma trajetória que pode torná-la progressiva ou regressiva, uma vez correlacionada a distintas proporções entre produção e consumo, entre renda e consumo e entre consumo e acumulação, ou seja, ao conteúdo das políticas econômicas (fiscais ou monetárias; políticas industriais e de exportação, etc.). Assim, a definição dessas proporções que constitui a essência da política social, predispõe esta a assumir características cuja implementação a identificam como um ou outro dos seguintes modelos básicos de política social: política social “residual” ou “assistencial” (o mercado é que espontaneamente se encarrega de definir as proporções constitutivas dessa modalidade de política social, onde o planejamento somente se justifica em casos de situação-limite), política social tecnocrática (coexistência do princípio do mercado com processos de planificação) e política social distributiva (tendência à maximização da distribuição da riqueza e da renda, o locus em que o planejamento encontra sua verdadeira especificidade). Em suma, a definição de política social subentendida nas concepções de Bustello está associada ao caráter pragmático do planejamento social, portanto, do desenvolvimento social, que por sua vez é de natureza progressiva, já que visa à ideia de justiça social. Porém, de todo modo, fica para a reflexão sobre as múltiplas dimensões cognitivas da política social a definição certeira de Claus Offe (1994, p. 15; grifo original) acerca dos fundamentos sociais da produção/ reprodução econômica, justificando a interdependência férrea entre as dimensões social e econômica da política pública às quais designamos por política social e por política econômica, respectivamente: “A política social é a forma em que o Estado tenta resolver o problema da transformação duradoura de trabalho não assalariado em trabalho assalariado”. Classificação das políticas públicas As políticas públicas podem ser classificadas em quatros grandes ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO

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grupos não-mutuamente excludentes: 1. Políticas preventivas - toda política pública que suprima ou amenize os efeitos de um problema social grave: saúde pública, saneamento básico, educação, nutrição, habitação, emprego e salário; 2. Políticas compensatórias - caracteriza-se por um tipo particular de política cujo escopo é neutralizar parcialmente os problemas produzidos por eventuais problemas macroeconômicos e políticas preventivas ineficientes: políticas previdenciárias e de qualificação do trabalhador ou por políticas socialmente não-dependentes como políticas viárias, de transportes, etc.; 3. Políticas distributivas - políticas que se caracterizam mediante mecanismos de transferência real de renda sem contrapartida (seguro-desemprego, abono salarial, Funrural, Bolsa Família, política de aumento do salário mínimo acima da inflação, o qual o objetivo principal é prevenção e a diminuição das desigualdades sociais); 4. Políticas estruturais - consistem em programas sociais direcionadas para estabilizar os fundamentos macroeconômicos através, por exemplo, a) da redução da taxa de desemprego e b) do aumento na produtividade, logo, dos salários; podem ser classificadas em políticas estruturais diretas e indiretas. As políticas estruturais diretas são destinadas à redução do desemprego e ao aumento da produtividade. Facultam o acesso subsidiado a três tipos de serviços: a) intermediação de mão-de-obra – visa reduzir a taxa de desemprego e, marginalmente, aumentar a produtividade (SINE); b) qualificação profissional; - permite, ao mesmo tempo, o aumento da produtividade do trabalho, logo, o nível salarial, e reduz o desemprego (PNQ e Sistema ‘S’); e c) crédito – visa melhorar a renda do trabalhador, sobretudo, do autônomo, contribuindo para diminuir o desemprego e aumentar o nível salarial (Pronaf e Proger). As políticas estruturais indiretas, por sua vez, são aquelas políticas macroeconômicas que incentivam a expansão da produção e/ ou a renovação tecnológica, provocando efeitos positivos diretos sobre a produtividade no trabalho, impactando, assim, o nível geral do emprego e dos salários. Envolvem investimentos públicos diretos, políticas de redução de tributos e da taxa de juros de mercado, assim como políticas de empréstimos a juros subsidiados destinados a investimentos em capital físico produtivo.

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A gestão da agenda política A gestão da agenda política não se restringe em saber que em tese todo problema social é capaz de transformar-se em problema político, mas em identificar os mecanismos a partir dos quais tal transformação é operacionalizada, permitindo que determinado problema (político) seja inscrito na agenda governamental. A inscrição de um problema específico na agenda dos poderes públicos constitui o momento mais expressivo do ciclo político, pois é no decurso desse processo que uma política pública revela o seu verdadeiro sentido. A noção de agenda política é importante porque permite que sejam explicitados os processos através dos quais os agentes políticos eletivos encampam um problema de modo a elaborar um programa de ação governamental. Quando se afirma que a agenda política possui uma natureza cognitiva, significa dizer que a formulação dos programas públicos pelos agentes políticos é condicionada pela percepção que eles têm do mundo em que vivem. No que diz respeito à formulação e implementação das políticas, somente aparentemente os decisores gozam de autonomia de decisão. Isso ocorre por duas razões: a escolha do decisor é condicionada pela estrutura do sistema de decisão; o conhecimento do decisor é limitado. Não apenas a liberdade de escolha do decisor é fictícia como o controle que ele tem sobre o processo de formulação das alternativas é restrito. De modo que o maior problema enfrentado por um decisor é o de minimizar a margem de incerteza relativa à realidade concreta, procurando simplificar ao máximo o campo da decisão através da coleta de informações que considera importante (a construção de um campo cognitivo). A agenda política quer se trate daquelas dos Estadosnação ou daquelas coletividades locais, compreende o conjunto dos problemas percebidos como demandantes de um debate público e até da intervenção das autoridades políticas legítimas (PADIOLEAU apud MÜLLER, 1990, p. 37; tradução própria)

Para completar o nosso percurso didático pela seara das políticas públicas, convém apreciar as lições de Jean Padioleau, para quem a probabilidade de um problema ser inscrito na agenda governamental depende de três condições: 1) que a sociedade civil organizada (elites sindicais, administrativas e políticas, juntamente com os cidadãos mais

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esclarecidos) eleja uma situação como sendo problemática e carente de transformação; 2) que a problematização dessa situação seja suficientemente definida (procedimento de etiquetagem) como uma questão importante que se situa no campo de jurisdição das autoridades públicas; e 3) que a expectativa da intervenção dos poderes públicos constitua um imperativo incontornável. De igual modo se deve dar ênfase a três aspectos relacionados com a inscrição de um problema social na agenda política: 1) o acesso à agenda política sempre constitui “objeto de controvérsia social e política”, não tendo nada de natural ou automático; 2) a transformação de um problema social em problema político é uma resultante da ação política de grupos de interesses; e 3) os atores políticos envolvidos na construção de um programa de ação governamental desempenham um papel estratégico que tem por objeto formular o problema mediante um discurso capaz de sensibilizar as elites. Estado e Capitalismo Global Nas últimas décadas tem-se falado bastante sobre o fenômeno da globalização. Trata-se de um processo inexorável de intercâmbio econômico, político, social e cultural entre as nações cuja amplitude não tem paralelo na história da humanidade. Nesse [...] ingente movimento de circulação de mercadorias e créditos/débitos financeiros, de correlação de ideias, forças e interesses em disputa generalizada, de identidade quanto às preocupações para com os múltiplos problemas que afligem os homens, assim como de semelhanças comportamentais e de estilos de vida [...],

eis que o capital se transfigura em um demiurgo de si próprio, ou seja, um criador de si mesmo, um atributo normalmente reconhecido apenas às divindades de múltiplas tradições e denominações religiosas mundo afora (BUENOS AYRES, 2004, p. 451). O capitalismo, enquanto doutrina e formação socioeconômica (em termos analíticos marxianos, modo de produção) constitui uma invenção cultural que, gestado nos últimos suspiros do feudalismo, adquire expressões identitárias cada vez mais sofisticadas – comercial, industrial ou financeiro; monopolista, organizado ou maduro; e, agora,

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globalizado. A queda do Muro de Berlim e a dissolução da União das Repúblicas Soviéticas Socialistas abriram alas para que o regime ontológico do capital adquirisse a hegemonia necessária ao espurgo das práticas planejadas de conduta estatal que mantinham o mercado sob controle férreo. Na medida em que o reino do capital, na condição de reino da necessidade (ou da quantidade), não encontra resistência ao seu modo particular, em meio à ditadura do ter, seus domínios se expandem assustadoramente, impondo suas leis, normas, valores e práxis como marco referencial tanto àqueles que o cultuam bem como àqueles que o repudiam. De todo modo, a revolução tecnológica dos meios telemáticos de comunicação, fator crucial para a globalização moderna (ou pósmoderna, como pretendem alguns), tem possibilitado, exponencialmente, a catequização das derradeiras fronteiras geopolíticas e econômicofinanceiras, segundo os ditames confessionais profanos do capitalismo, que, por sua vez, aspira à sacralidade absoluta e plena, fenômeno normalmente atribuído às divindades das religiões reveladas – Zoroastrismo, Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. A crise global atual fornece os fundamentos éticos valorativos de uma nova ordem mundial cujo propósito é estabelecer, de um lado, novas condições de controle e regulação das atividades econômico-financeiras mundiais, e de outro, novas modalidades de redistribuição da renda e da riqueza mediante políticas públicas de oneração tributária progressiva (quanto maior o nível de renda, maior a incidência do percentual do imposto a ser pago pelos indivíduos) e de desoneração tributária. Consequentemente, a conjuntura econômico-financeira mundial atual tende a facultar ao Estado o papel inconteste de árbitro do sistema social e seu subsistema econômico, político e cultural. Dois fenômenos de nossa história recente demonstram como o setor público se torna a última trincheira que se antepõe entre a decretação de falência (aniquilamento) e a competitividade (sobrevivência) das empresas privadas no Mercado. O primeiro é o marco da tragédia tardomoderna de 11 de setembro de 2001, como não poderia deixar de ser, pela perplexidade, pelo assombro e pela ousadia, por um lado, e pela mensagem política, militar e financeira, por outro. O segundo, a erupção do vulcão localizado sob a geleira Eyjafjallajoekull (sic), na Islândia, que expeliu cinzas a mais de 16 mil metros de altura, e por mais de quarenta horas ininterruptas, em meados de abril de 2010, provocando a maior paralização do trafego aéreo desde o setembro negro americano. ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO

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O primeiro é um fenômeno resultante de ações eminentemente humanas, que a literatura das relações internacionais designa através do uso da locução terrorismo, classificado como um dos muitos exemplos de externalidades físicas internacionais, que compelem os Estados nacionais a uma maior cooperação institucional entre si. O segundo, por sua vez, é um fenômeno inteiramente de ordem natural, resultante do entrechoque de placas tectônicas nos subterrâneos do planeta. Ambos, porém, malgrado as origens diferentes que os distinguem, provocaram um colapso do sistema aéreo europeu e mundial, resultando em prejuízos fabulosos às companhias aéreas, fator este que incentivou o setor aerotransportador a reivindicar recursos públicos, de modo a evitar um desdobramento econômico-financeiro em cadeia de proporções desconhecidas, com o argumento de que, em última instância, compromete-se a estabilidade macroeconômica. Assim, cada vez mais o Estado encontra-se frente a desafios que o compele a uma constante reforma de si mesmo como contrapartida das mudanças aceleradas observadas no curso de construção da sociedade, do capitalismo e do próprio Estado em escala global ou mundial. Em síntese, a globalização não passa de uma manifestação desordenada da ampliação acelerada do capital rumo à homogeneização forçada dos espaços econômicos, graças à aceleração do tempo, por sua vez permitida pelos modernos meios cibernéticos de comunicação. Ocorre, porém, que a homogeneização célere dos espaços em que se desenvolve a reprodução ampliada do capital também conduz à homogeneização dos problemas que atingem homens e mulheres históricos. E na medida em que tais problemas deixam de serem apenas problemas (ou perguntas) de uma ou mais sociedades nacionais para se converterem em problemas (ou perguntas) de uma sociedade global, verificamos que essa correlação entre o capital e as exterioridades decorrentes de sua aplicação técnico-financeira no processo produtivo tende a atingir um ponto de intercessão, em que os fundamentos da institucionalidade democrática são assegurados na proporção em que o conceito de cidadania ganha vulto transnacional. Como diria Diógenes, expressão exemplar do cinismo grego, “somos cidadãos do mundo”, quiçá do cosmo.

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O significado didático-pedagógico e epistêmico da disciplina “Administração no Setor Público” é revelado através de suas três unidades constitutivas. Na primeira, focalizamos os conteúdos conceituais básicos referentes a processos, relações e estruturas que integram e dinamizam a interação entre o Setor Público e o Setor Privado, com destaque para o papel aglutinador do Poder Político na organização do Estado, na garantia das condições de funcionamento da Economia real, na construção democrática da nação brasileira, etc. Na segunda, buscaram-se identificar os processos, relações e estruturas associadas ao funcionamento rotineiro da Administração Pública quanto ao seu financiamento, rito orçamentário, caracterização atual do modelo de gestão pública e ao perfil funcional de agentes público do alto escalão. E na subsequente e última unidade, enfatizamos, graças aos subsídios teóricos e técnicos de conhecimento possibilitado pelas duas primeiras unidades, alguma questão sutil relativa ao contraponto gestão pública e gestão privada, bem como as funções de estabilidade e coesão sociais, econômicas e políticas desempenhadas pelas políticas públicas, entendidas estas como processo de mediação social. E para completar, explanamos os vínculos do capitalismo globalizado com os Estadosnação e as perspectivas da construção de uma nova ordem multipolar, assim como da fundação da sociedade global.

1. Quais são as particularidades destacadas da gestão pública em comparação com a gestão privada? 2. Diferencie a lógica territorial da lógica setorial no estudo das políticas públicas. 3. Defina e classifique as políticas públicas. 4. Descreva as três condições fundamentais para a inscrição de um problema na agenda governamental, segundo Jean Padioleau.

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5. Examine e reflita atentamente sobre o crescente papel do Estado em um mundo marcado pela globalização acelerada.

Glossário • Externalidades físicas internacionais: problemas sociais, políticos e econômicos internacionais cuja solução demanda uma ação coordenada entre Estados soberanos, a saber, terrorismo; tráfico de drogas, armas, de escravas brancas e de órgãos, pandemias, etc. • Hierarquização: processo de disposição de estrutura de poder com base em segmentação verticalizada, de cima para baixo, indicando diferenças de influência e prestígio em qualquer organização, sejam elas públicas ou privadas. • Holding: empresa que detém a totalidade ou parcelas majoritárias de ações de outras empresas doravante reconhecidas como subsidiárias, com relação às quais exerce atividade exclusiva de controle. • Institucionalidade democrática: impregnação de princípios norteadores que se baseiam “[...] em critérios discricionários compatíveis com os valores da igualdade, da virtude, do mérito, do talento, da equidade, da probidade, da transparência e da responsabilidade moral, conjugando, a um só tempo as leis, prescrições, valores, sistemas, organizações, processos, atores e agentes a serviço da incrustação da sociedade civil no domínio interno do Estado” (Buenos Ayres, 2004, p. 462). • Ontológico: relativo à ontologia, ou seja, o ramo da filosofia que trata do modo de ser das coisas. Afinal, todos os seres vivos possuem ou expressam um modo particular de ser. • PNQ: Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador. • Proger: Plano Nacional de Geração, Emprego e Renda. • Pronaf: Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. • Querela das investiduras: disputa entre o poder temporal (político) e espiritual (religioso), no século IX, acerca de qual deles deve prevalecer sobre o outro. • Referencial de uma política pública: o conjunto de imagens e ideias (conservadoras ou progressistas; distributivas ou não) que fundamentam o desenho e formulação de uma política pública. • Regras constitucionalizadas ou constitucionalização das regras do Direito: introdução no arcabouço jurídico da Constituição de 124

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normas que orientem uma política genuinamente de Estado, de modo a assegurar a sua continuidade e eficácia no tempo e no espaço. • Secessão: direito facultado a uma unidade confederada de se separar da unidade originária. • SINE: Serviço de Intermediação de Emprego. • Sistema ‘S’: sistema de proteção e qualificação profissional social paraestatal que compreende o SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), o SESI (Serviço Social da Indústria), o SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio), o SENAT (Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte), o SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), o SEST (Serviço Social de Transporte), o SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), o SESCOOP (Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo), etc.

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Carlos Antonio Mendes de Carvalho Buenos Ayres

Mestre e Doutor em Sociologia (UFPE/ UnB). Professor do Departamento de Ciências Sociais e da Pós-Graduação em Políticas Públicas, da Universidade Federal do Piauí.

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