Sociologia aplicada a administração (1)

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Universidade Federal do Piauí Centro de Educação Aberta e a Distância

Sociologia aplicada a administração Carlos Antonio Mendes de Carvalho Buenos Ayres



Ministério da Educação - MEC Universidade Aberta do Brasil - UAB Universidade Federal do Piauí - UFPI Universidade Aberta do Piauí - UAPI Centro de Educação Aberta e a Distância - CEAD

Sociologia aplicada a administração

Carlos Antonio Mendes de Carvalho Buenos Ayres


PRESIDENTE DA REPÚBLICA MINISTRO DA EDUCAÇÃO GOVERNADOR DO ESTADO REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ PRESIDENTE DA CAPES COORDENADOR GERAL DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL DIRETOR DO CENTRO DE EDUCAÇÃO ABERTA E A DISTÂNCIA DA UFPI

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EQUIPE DE DESENVOLVIMENTO TÉCNICOS EM ASSUNTOS EDUCACIONAIS EDIÇÃO PROJETO GRÁFICO DIAGRAMAÇÃO REVISÃO ORTOGRÁFICA REVISÃO GRÁFICA

A298s

Ubirajara Santana Assunção Roberto Denes Quaresma Rêgo Samuel Falcão Silva Antonio F. de Carvalho Filho José Barbosa da Silva José Barbosa da Silva

CONSELHO EDITORIAL DA EDUFPI

Prof. Dr. Ricardo Alaggio Ribeiro (Presidente) Des. Tomaz Gomes Campelo Prof. Dr. José Renato de Araújo Sousa Profª. Drª. Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz Profª. Francisca Maria Soares Mendes Profª. Iracildes Maria de Moura Fé Lima Prof. Dr. João Renór Ferreira de Carvalho

Buenos Ayres, Carlos Antonio Mendes de Carvalho Sociologia Aplicada à Administração. / Carlos Antonio Mendes de Carvalho Buenos Ayres .- Teresina: 2013 112f. ISBN: 978-85-7463-673-3 Monografia ( Graduação em Administração ) – Universidade Federal o Piauí, Teresina,2013. Orientação: Prof. 1 – Sociologia Organizacional. 2. Educação a Distância. I. Título. CDD 302.35 © 2013. Universidade Federal do Piauí - UFPI. Todos os direitos reservados.

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O texto-guia que ora apresentamos à comunidade dos alunos da disciplina Sociologia aplicada à administração, do curso virtual em administração, constitui uma análise eclética dos fenômenos sociais que transcorrem no âmbito das organizações, sejam elas formais ou informais. A Unidade 1 principia-se por uma sucinta análise das circunstâncias históricas que culminaram com o aparecimento das ciências sociais em geral, e da sociologia em particular, dando conta da multiplicidade de seus recortes cognitivos, com destaque para a sociologia aplicada à administração (ou sociologia das organizações). Esta última é lastreada pela compreensão das inevitáveis motivações orientadoras das condutas das pessoas em relação à satisfação de suas necessidades eminentemente humanas. O conteúdo da Unidade 2 versa sobre questões complementares ao conteúdo da Unidade 1, enfatizando, então, que, de modo análogo ao que transcorre no domínio mais geral da sociedade em que vivemos, também observamos no contexto interno das organizações os mesmos fatores que tendem a provocar instabilidades nos fundamentos de coesão e integração dos componentes humanos que as compõem, assim como as suas condições de adaptação às vicissitudes de uma sociedade centrada no mercado e exposta a constantes turbulências. Na Unidade 3, observaremos que as turbulências acima aludidas resultam de uma concorrência desenfreada entre as empresas, provocando incertezas e imprevisibilidades, o que demanda soluções que são vitais à sua sobrevivência enquanto subsistema social, por sua vez jungida a um sistema social que o delimita e o condiciona, além da ampliação da divisão social do trabalho, na esteira do incremento das práticas econômicas no âmbito do mercado. E neste último, a busca pelo lucro estimula a proliferação de empresas que passam a


ofertar bens e serviços mais baratos e de maior qualidade. Em função disso, a sociedade torna-se um conjunto amplo de complexas estruturas organizacionais que tendem a multiplicar-se por suas arenas constitutivas, além de exibir uma engenhosa e intrincada dinâmica de funcionamento. É na esteira, pois, dessa dinâmica de funcionamento, que surgem as condições objetivas indispensáveis à intervenção do Estado no mercado. A Unidade 4, por sua vez, procura explicar as condições em que ocorre a intervenção do Estado no mercado, lançando mão de duas outras instituições – o governo e a administração pública. Entender como o Estado opera através do governo e da administração pública deve ser uma tarefa central nos estudos das ciências administrativas, sobretudo em um mundo cada vez mais marcado pela globalização dos mercados. Daí a inclusão de uma unidade especificamente voltada para o tema em apreço.


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UNIDADE 1

A SOCIOLOGIA E O ADVENTO DA SOCIEDADE MODERNA 1.1 Contexto histórico em que ocorreu o surgimento da sociologia....... 9 1.2 O objeto de estudo da sociologia.................................................... 15 1.3 Instituição social: conceito e funções.............................................. 22 1.4 A sobrevivência da espécie e o imperativo da relação social.......... 24 1.5 A incontornável sociabilidade como condição de sobrevivência da espécie humana......................................................... 28 1.6 A produção dos meios necessários à sobrevivência histórica do homem............................................................................................ 30

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UNIDADE 2

INDIVÍDUO E SOCIEDADE 2.1 Indivíduo e sociedade...................................................................... 35 2.2 Socialização e papel social............................................................... 40 2.2.1 Construção da Ordem Social e Papéis Sociais......................... 43 2.2.2 As Instituições e os Papéis Sociais........................................... 45 2.3 Posição social e status..................................................................... 45 2.4 Os processos sociais........................................................................ 49 2.5 Cultura e sociedade......................................................................... 51 2.5.1 Cultura Organizacional............................................................ 54


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UNIDADE 3

SOCIEDADE, ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO 3.1 As organizações............................................................................... 59 3.1.1 Estrutura das Organizações..................................................... 61 3.1.2 As Organizações e seu Contexto Socioeconômico................... 66 3.1.3 Mudança nas Estruturas das Organizações............................. 68 3.1.4 Poder e Liderança nas Organizações....................................... 72 3.2 As Empresas enquanto grupos organizados.................................... 75 3.2.1 As Empresas e a Gestão do Conhecimento............................. 78

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UNIDADE 3

SOCIEDADE, ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO 4.1 As organizações governamentais.....................................................89 4.1.1 Estado Moderno.......................................................................90 4.1.2 Governo....................................................................................93 4.1.3 Administração Pública..............................................................94 4.1.3.1 A Nova Administração Pública.........................................96 4.2 Eestadooe e Sociedade.....................................................................98 4.3 Reforma do estado e reforma administrativa.................................100 4.4 Globalização, Neoliberalismo e Políticas Públicas..........................102


UNIDADE 1 Sociologia e o Advento da Sociedade Moderna

Resumindo Esta unidade principia-se pela apresentação sucinta do contexto histórico em que ocorreu o surgimento da sociologia. Discorre-se sobre os possíveis recortes cognitivos que a Sociologia faz da sociedade, ao se ocupar do estudo acerca da diversidade das inter-relações sociais no âmbito do processo vital de satisfação das necessidades humanas, assim como na determinação das causas e efeitos de tal processo sobre a própria sociedade. Ao atribuir uma esmerada atenção aos desdobramentos das relações sociais e suas motivações básicas no interior das organizações, essa empreitada passa a se constituir na vocação intelectual da Sociologia Aplicada à Administração, ou das Organizações.



A SOCIOLOGIA E O ADVENTO DA SOCIEDADE MODERNA

1. Contexto histórico em que surge a sociologia No transcurso da Idade Moderna, o processo histórico caracterizou-se pela secularização do pensamento social em relação ao predomínio ideológico e sociocultural da hegemonia eclesiástico-feudal. Esse processo se traduz pelo declínio da influência exercida pelas chamadas concepções teocêntricas propugnadas pela Igreja Católica, ou seja, aquelas formas de percepção da realidade empírica baseada em interpretações teológicas cuja codificação se circunscreve ao direito canônico e se legitima como critério de verdade por força da autoridade eclesiástica. Uma vez livre dessa hegemonia, o conhecimento humano em seus múltiplos ramo, encontrou condições plenas para desabrochar, graças ao movimento iluminista, cuja expressão maior, o racionalismo, ensejou o desenvolvimento da filosofia e da razão crítica. O Iluminismo assinala o movimento que se estende do século XVII ao XVIII e que se caracteriza pelo afastamento de todo e qualquer recurso às concepções metafísicas e ao julgamento da tradição, aliado à crença na aptidão intelectual humana de exercer um domínio efetivo sobre a realidade concreta circundante, objetivando a sua transformação. Em essência, tal concepção de mundo estendeu-se rumo à ética, à política, à religião, à filosofia, à lei, à história. O racionalismo, por sua vez, consiste na construção doutrinária suprema do iluminismo segundo a qual a “vida social e individual pode ser interpretada e regulada em termos de um conjunto de princípios auto-evidentes diretamente úteis à razão” (MARTINDALE, 1960, p. 30). Esse movimento (iluminismo) e respectiva expressão teórico-conceptual (racionalismo) marcam a secularização do pensamento social ocidental e se inscreve nos quadros de uma estrutura sócio-cultural, política e econômica mundial que determina uma

Immanuel Kant (17241804), aquarela de Gottlieb Doepler, 1791: a fórmula sapere aude, (saber ousar) é o lema do iluminismo. A partir daí o mundo é colocado a serviço da razão humano – numa palavra, do conhecimento.

nova etapa no processo de maturação material e intelectual da espécie humana.

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O racionalismo exprime a postura emancipatória de uma classe média emergente (a classe burguesa) que coloca em campos opostos: de um lado, a Igreja, o absolutismo, o mercantilismo; e de outro lado, a filosofia e a ciência, o iluminismo francês, o liberalismo, respectivamente. E seu caráter semântico variava, a princípio, conforme a mudança na posição social da referida classe média. Decorrem daí os inúmeros significados históricos que são relativamente comuns ao racionalismo e ao naturismo do século XVIII, a saber: Os possíveis significados históricos associados ao racionalismo e ao naturismo do século XVIII: • A razão é a propriedade universalmente distinta do homem; • A natureza humana é a mesma em toda parte; • A orientação ideal da espécie humana é a realização da humanidade; • As instituições são feitas para os homens, e não os homens para as instituições; • O progresso é a lei central da sociedade. De qualquer maneira, o racionalismo do século XIX desponta como o resultado da transição do pensamento filosófico ao estabelecimento da ciência social moderna, cujos indícios e possibilidades haviam sido detectados por Francis Bacon, e mais tarde por George Berkeley e sua física social. Entretanto, a consolidação da forma de conhecimento postulado pela ciência social somente seria possibilitada uma vez satisfeitas duas condições básicas que, por sua vez, lhe garantiria a sua emancipação cognitiva: 1º) A compreensão de que os fenômenos a serem investigados teriam de estar situados no domínio das relações sociais efetivas, segundo a lógica sequencial de causa e efeito circunscrita ao mundo da natureza (naturismo) e que; 2º) Os fatos da realidade objetiva devem ser apreciados tendo como ponto de vista prévio o afastamento das ideias ou juízos de valores preconcebidos (os idola e as praeanotiones). Assim, o iluminismo, por um lado, ao estabelecer o império da razão, se constituiu a partir de condições subjetivas e objetivas precedentes favoráveis ao seu desabrochamento – a prova racional de demonstração lógica e da verdade

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UNIDADE 1


matemática; a Renascença e a Reforma Protestante. O seu desenlace, por outro lado, é multifário à medida que o processo concreto de constituição históricoestrutural se desenvolve, ainda que de forma desigual, nos diversos setores da produção material e intelectual humana. O que determina tal desigualdade é são as possibilidades criadas pelo avanço do conhecimento técnico racional, conforme necessidade de expansão e acumulação ampliada nos termos da produção capitalista.

Vaticano: multidão de fiéis na Praça São Pedro, símbolo do poder religioso. Aqui, a verdade era apregoada com base no critério da autoridade da Igreja Católica (www.vatican.va/mulimedia/wydphoto_po.htm). Com o advento da ciência moderna, as concepções teológicas dão lugar às concepções científicas. Agora, o fundamental é a constatação concreta dos fenômenos físico-químicos e sociais, ao largo das especulações filosóficas centradas na doutrina e nos dogmas da Igreja Católica. Tal fenômeno é concebido como a secularização do pensamento ocidental. Tratase do desencantamento do mundo, provocado pela destituição dos significados mágico-religiosos do mundo por parte da ciência.

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Seja como for, se o século XVIII foi o marco histórico-cronológico em que o racionalismo se afirma, o século XIX, em compensação, assinalou a reação conservadora a esse mesmo racionalismo. E foi no bojo do pensamento conservador, como uma necessidade de auto-explicação da sociedade capitalista, que surgiu a sociologia, ainda que de forma secularizada – e não um mero renascimento ideológico –, o que não a isenta de compromisso com o conservadorismo. Esse compromisso, por seu turno, é identificado, segundo Robert

Nisbet, através

de

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ideias-elementos conservadoras

que distinguem a sociologia das outras ciências sociais. Tais ideias-elementos conservadoras correspondem, contraditoriamente, a um número igual de ideias-elementos do pensamento liberal-burguês da etapa inicial de formação da sociedade capitalista, nos quadros de uma tipologia dicotômica, a saber: comunidade/sociedade,

autoridade/poder,

status/classe,

sagrado/profano,

alienação/progresso. O conjunto dessas ideias, pois, permeia o pensamento sociológico como suas concepções constitutivas. Com isso, conclui-se que a sociologia se revela, enquanto projeto cognitivo, marcada por uma ambiguidade resultante de seu consubstancial corpo teórico, que, por sua vez, se formou a Máquina a vapor utilizada nas minas de carvão no século XVIII. (www.historianet.com. br/conteudo/default. aspx?codigo=30)

partir dos resíduos tradicionalista da ordem feudal em transição para a nova ordem socioeconômica que se anuncia – o capitalismo enquanto substrato econômico da burguesia. Mas a referência ao capitalismo – enquanto resultante dos processos correlatos de industrialização e urbanização sem precedentes na história da humanidade – não pode prescindir de um outro ingente processo de transformação histórica, a saber, aquele que se consubstanciou na formação do Estado moderno. Ocorre que o Estado moderno é um Estado racional, uma vez que se apoia num direito racional e numa burocracia especializada. Logo, tais atributos constituem condições indispensáveis à própria existência do sistema capitalista, entendido este como doutrina e como formação social e econômica, já que os direitos de propriedades não poderiam ficar a mercê de interpretações alicerçadas em concepções “mágico-rituais”, e sim em “um direito que se pudesse calcular como uma máquina” (WEBER, s. d.). Em outras palavras, direito material e capitalismo são incompatíveis. Daí a afirmação e consolidação do direito formal na condição de fundamento normativo e fiduciário daquilo que hoje é chamado nos meios empresariais de marco regulatório14. 14 Conjunto de atos legais instituídos pelo poder público que servem para nortear e disciplinar as ações das empresas quanto às mais diversas modalidades de exploração mercantil, assim como as condições e garantias de oferta de bens e serviços e usufruto de rendimentos decorrentes de sua atividade econômica. “A regulação identifica-se com um conjunto de regras ou ações específicas impostas pelas agências administrativas que interferem diretamente no mecanismo de alocação de mercado ou, indiretamente, através da alteração nas decisões das ofertas das firmas e das demandas dos consumidores” (SPULBER apud GUTIERREZ, 1998, p. 2).

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UNIDADE 1


1.2. O objeto de estudo da sociologia A sociologia é uma disciplina relativamente independente e dotada de estatuto cognitivo e técnico-metodológico próprio. Seu objeto de estudo é discorrer sobre a diversidade das inter-relações sociais que ocasionam diversas formas de sociabilidades que, por sua vez, são engendradas no âmbito do processo vital de satisfação das necessidades humanas, através do tempo, assim como na determinação das causas e efeitos de tal processo, uma vez que os fenômenos que o desencadeia (processo vital de satisfação das necessidades humanas) são fundamentais na explicação, compreensão e interpretação das transformações sociais, econômicas, políticas e culturais que incidem sobre a estrutura da sociedade como um todo. O arcabouço teórico da sociologia é constituído por contribuições teóricas provenientes das mais díspares fontes sistemáticas de compreensão da vida em sociedade, e às quais chamamos de escolas de pensamento sociológico. O conteúdo teórico postulado por tais escolas se manifesta até mesmo nas análises feitas pelas subdisciplinas da sociologia. Entre as muitas escolas existentes, duas delas despertam uma esmerada atenção por representar alternativas de compreensão sociológicas na confrontação de modelos de realidade que por sua vez fundamentam a própria ideologia em que se apoiam as concepções liberais e não liberais, exprimindo, assim, filosofias, crenças, cosmovisões, pressupostos e concepções diametralmente opostas. – a histórico-crítica, ou marxista; e a positivista-funcionalista15. Embora o estudo da sociedade humana não seja de inteira exclusividade da sociologia, a verdade é que esta disciplina tradicionalmente se dedica ao exame e diagnóstico da sociedade humana segundo recortes específicos. Daí as chamadas subdisciplinas, tais como a sociologia da família, do conhecimento, da religião, das funções públicas, das organizações etc. A análise sociológica de matriz histórico-crítica se baseia na ideia segundo a qual a realidade última da sociedade é marcada pelo conflito. E esse conflito se manifesta com mais nitidez no decurso do processo de estratificação social compatível com o sistema capitalista, a chamada luta de classes. Assim 15 Ambas as escolas de pensamento sociológico aqui destacadas representam dois modos extremamente distintos de encarar a realidade e sua perspectiva de transformação. Configuram pólos de entendimento da realidade social entre os quais perfilam as demais abordagens teóricosociológicas.

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sendo, os processos econômicos vigentes na sociedade determinam a realidade básica da vida social como lastreada pelo conflito. Igualmente, diz-se que a organização do processo de produção capitalista é regida pela alienação do homem consigo mesmo, dificultando a solidariedade e favorecendo, em detrimento da cooperação humana, a intensificação do processo de competição entre os indivíduos na busca pela garantia dos suprimentos que carecem. A resolução desse conflito se dá pela transformação concreta da humanidade via luta de classes, aqui e agora, de modo a propiciar a passagem do reino da necessidade para o reino da liberdade.16 A contrapelo da formulação teórica histórico-critica acerca dos mecanismos de transformação social da realidade nossa de cada dia, a formulação funcionalista defende a ideia de que o processo de satisfação das necessidades experimentadas pelas sociedades humanas condiciona a forma de apresentação dos modelos de padrões de comportamento na sociedade, e esta, por sua vez, determina a emergência do consenso como realidade básica da vida em sociedade. Ao considerar a realidade básica da vida em sociedade como sendo constituída por consensos, a corrente funcionalista propugna pela proposição segundo a qual a divisão social do trabalho (estrutura de papéis) no “chão da fábrica” é condição indispensável ao estímulo à solidariedade ou harmonia social; e não o contrário, como postula ou pressupõe a corrente sociológica histórico-crítica. Parece que o mais logicamente razoável seria admitir uma perspectiva sociológica que inclua o consenso e o conflito como

componentes

sociopsicológicos cruciais na determinação dos processos de mudança social. Karl Heinrich Marx (1818-1883), um dos fundadores da sociologia. Dele deriva uma corrente de pensamento comumente designada de materialismo histórico ou, simplesmente, marxista. (www.pt.wikipedia/org/ wiki/karl_marx_weber)

Destacando a tensão dialética existente entre consenso e conflito, é possível afirmar que ambos fazem parte da realidade básica da vida em sociedade. A predominância de um sobre o outro em certos momentos históricos apenas expressam a movimentação conservadora ou progressista dos ciclos de mudança social. Embora uma definição não possa ser concebida como verdadeira ou falsa – pois o que importa é detectar a sua utilidade ou não para os propósitos de determinados trabalhos - convém arrolar algumas delas cuja presença nesse trabalho serve para minimizar as dificuldades de compreensão do amplo e múltiplo objeto de estudo da sociologia. Na realidade, tais definições 16 Uma visão escatológica secularizada, ou seja, uma visão de mundo imaginada à imagem e semelhança da concepção escatológica católica dos fins dos dias ou tempos, que consiste na passagem do plano terrestre para o plano paradisíaco, condição deflagrada coma a presença historicamente presente de Cristo em resplandecência e glória nesse mundo nosso de cada dia (parusia).

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constituem perspectivas diferentes de análise – ou abordagens sociológicas – das sociedades humanas que refletem as idiossincrasias pessoais de seus formuladores e as influências decorrentes de suas filiações às multíplices escolas de pensamentos sociológicos. Assim sendo, pode-se definir a sociologia como o estudo científico dos fatos sociais que resultam das relações que os indivíduos estabelecem entre si com vistas à satisfação de suas necessidades materiais e espirituais de existência. O caráter geral dessa definição enfatiza a indisfarçável natureza plural do homem. Como todo animal inferior, o homem é um ente gregário, pois não pode sobreviver em um ambiente desprovido de outros seres humanos. Significa dizer que a vida do homem é relacional, ou seja, o homem só sabe viver relacionando-se com outros elementos de sua própria espécie. A vida no interior dos agrupamentos sociais pulsa graças às relações que se estabelecem entre as pessoas na medida em que perseguem os seus interesses utilitaristas – seja para fazer uma boa ou má ação, para si ou contra o outro. E nesse percurso utilitarista, fator indispensável à sua sobrevivência e prosperidade, a ação social é a menor unidade de que se compõe – e prérequisito das relações do homem com outros indivíduos de sua espécie. Se o procedimento primeiro para atingir uma longa distância é dar o primeiro passo, como ensinou o filósofo chinês Lao Tsé (Lao Tsu)17, o primeiro movimento rumo à satisfação das necessidades do ser humano é a ação voltada

Para a corrente histórico-crítica, ou marxista, a realidade última da sociedade humana é o conflito. A ilustração acima referente à Segunda Grande Guerra Mundial constitui um exemplo dessa concepção. (www.pt.wikipedia.org/ wiki/segunda_guerra_ mundial)

para a persecução dos objetivos de salvaguarda de sua existência no mundo. E essa ação, por definição, somente pode ser uma ação social, visto que sempre está orientada para os seus semelhantes ou elementos de sua própria espécie. Daí a importância do sentido visado pelos indivíduos em suas ações intencionais, pois elas sempre estão relacionadas, direta ou indiretamente, à conduta dos outros indivíduos. Por essa razão é que Weber (1991, p. 3), um dos clássicos da sociologia, a define como “[...] ciência que pretende compreender interpretativamente a ação social e assim explicá-la causalmente em seu curso e em seus efeitos”. Mas no que consiste a ação social? Consiste numa “[...] ação que, quanto a seu sentido visado pelo agente ou os agentes, se refere ao comportamento de outros, orientando-se por este em seu curso” (Ibidem). Um exemplo dado pelo próprio Max Weber esclarece a questão em apreço. Se pelo menos um dos condutores de uma bicicleta, em face de iminência

O consenso, na concepção da corrente positivista-funcionalista, é a realidade última da sociedade humana. (www.oikos.pt)

de colisão com outro ciclista, tentar evitar tal acidente podemos dizer que ocorreu uma ação social. No entanto, se ambos não perceberem a iminência de uma tal 17 “Uma viagem de mil léguas inicia-se debaixo dos pés [...]”.

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colisão e ela acontecer, não se pode dizer que houve ação social, e sim uma Saiba Mais A sociologia é o estudo científico dos fatos sociais que resultam das relações que os indivíduos estabelecem entre si com vistas à satisfação de suas necessidades materiais e espirituais de existência.

ação física entre dois indivíduos. Nesse último caso, está ausente aquilo que define se uma ação é ou não social: os sentidos visados pelos agentes. Em suma, toda a ação em que as partes envolvidas reagem aos significados que captam de outro agente, ou outros agentes, expressa-se como uma interação social. A intensificação das relações sociais resulta do aumento da população (densidade física), da dinamização econômica das relações de troca (densidade moral) entre as sociedades e da divisão social do trabalho. Conforme se multiplicam as relações sociais que se verificam em determinado grupo, a estrutura social torna-se cada vez mais complexa e multiplicam-se as necessidades. O homem desenvolve os modelos de relação social padronizados conforme a situação/necessidade com que se defronta. A adoção de uma conduta honesta ou desonesta na obtenção de um bem ou satisfação de um capricho ou desejo é um exemplo empírico de modelo de relação social. Os modelos de relação social que demonstram ser eficazes e eficientes tendem a consolidar-se à medida que são postos à prova e produzem efeitos positivos para os grupos. Esses modelos referem-se a conjuntos de relações que se renovam no dia-a-dia; manifestam situações que guardam entre si relações de identidade; e integram um mesmo contexto de análise – é o que podemos chamar de instituição social. Émile Durkheim, outro clássico da sociologia, postulava a ideia de que a sociologia é “[...] a ciência das instituições, de sua gênese e de seu funcionamento” (DURKHEIM apud FORACCHI e MARTINS, 1977, p. 30). Considerando que qualquer atividade humana é susceptível de cair na rotina, transformando-se em hábito graças a ações reiteradas que conformam um

Maximilian Carl Emil Weber, (1864-1920) jurista, economista e sociólogo, em 1894, aos 30 anos. (www.pt.wikipedia/org/ wiki/max_weber)

padrão cuja reprodução ocorre com economia de esforço, e que uma instituição pode ser concebida como todo e qualquer comportamento ou crença instituídos pelo conjunto dos indivíduos que compõem uma dada sociedade, então, a definição acima, formulada por Émile Durkheim, é por demais pertinente, uma vez que a persistência das crenças e as repetidas condutas praticadas pelos indivíduos configuram “tipificações recíprocas de ações habituais” desenvolvidas por diferentes indivíduos às quais chamamos de institucionalização. Assim, por serem sempre compartilhadas tais tipificações constituem as instituições (BERGER e LUCKMANN, 1985). E quando falamos que as tipificações recíprocas de ações habituais são invariavelmente compartilhadas queremos dizer que elas configuram – e são configuradas por – relações sociais típicas que se moldam num padrão que tende à repetição na medida em que sejam

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eficazes e/ou eficientes; caso contrário tal padrão é condenado pelo desuso, sendo substituído por outro capaz de produzir melhores resultados. Para Bouthoul (1980, p. 105, 106; grifo nosso), há um relativo consenso com relação a uma definição da sociologia quanto a seu objeto de estudo, a saber: podemos considerar quase estabelecido hoje um acordo acerca da definição do objeto da sociologia: a) estudo das ‘estruturas sociais’, dos elementos constitutivos das sociedades e suas funções; b) estudo das circunstâncias em que evoluíram certas instituições; c) confronto dos resultados obtidos pelas ciências sociais específicas (daí o lugar da ‘filosofia nas ciências sociais’); d) estudo das ‘correspondências entre as estruturas das sociedades e as estruturas mentais dos homens que as compõem’ (papel da psicologia social); e) estudo dos ‘fatores que contribuem para suscitar as transformações nas estruturas sociais’ (BOUTHOUL, 1980, p. 105,106). Para fins de compreensão do objeto de estudo da sociologia, convém

Émile Durkheim (18581917). (www.pt.wikipedia/ org/wiki/emile_ durkheimeber)

classificá-la em sociologia pura, estática, dinâmica, prática e aplicada. A sociologia pura se ocupa de questões eminentemente teóricas que passam a integrar o seu corpo de doutrinas, sejam elas gerais (sociologia geral18) ou específicas; são as chamadas subdisciplinas sociológicas, a saber: sociologia da religião, da família, da política, da arte, do direito, do desenvolvimento, do conhecimento, da administração ou das organizações etc). “A institucionalização ocorre sempre que há uma tipificação de ações habituais por tipos de atores. Dito de maneira diferente, qualquer uma dessas tipificações é uma instituição. O que deve ser acentuado é a reciprocidade das tipificações institucionais e o caráter típico não somente das ações mas também dos atores nas instituições” (BERGER, 1885:79). A sociologia estática diz respeito à parte da sociologia que estuda exclusivamente as estruturas e os tipos de sociedades compreendidas 18 “Queiramos ou não, a sociologia geral está destinada permanecer em grande parte uma filosofia das ciências sociais, na expressão de René Worms. Pois, é ao mesmo tempo uma introdução e uma conclusão comum ao conjunto das ciências sociais. Isso sucede, asseverava C. Bouglé, em virtude de a sociologia geral só trabalhar com elementos de segunda mão. Sua função é sintetizar, interpretar e extrair, na medida do possível, algumas concepções ou leis gerais das contribuições de outras ciências” (BOUTHOUL, 1980, p. 100; grifo do autor).

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sincronicamente (ao mesmo tempo), em repouso, no espaço, em uma determinada etapa na história ou num aqui e agora (hic et nunc). Uma análise circunscrita ao âmbito da sociologia da família, segundo os termos da sociologia estática, procura enfatizar, por exemplo, o estudo da instituição familiar na atualidade e em todas as partes ou culturas que a manifestam; a definição dos papéis (ou funções) de homens e mulheres no interior da organização familiar, de maneira a descrever e explicar os mecanismos básicos que garantem a funcionalidade de sua estrutura social, econômica, administrativa e de poder. Saiba Mais A sociologia geral (ciência-disciplina) é uma resultante das conclusões obtidas no decurso das pesquisas (ciência-processo) nas mais diversas áreas da vida em sociedade.

A prática sociológica orientada para a explicação, compreensão e interpretação dos fenômenos sociais, no tocante à forma e à natureza das variações destes, constitui a sociologia dinâmica, cujo objeto de estudo é a análise diacrônica (através do tempo) “[...] das variações das sociedades, de suas formas e de seus fatores” (BOUTHOUL, 1980, p. 120). A título de exemplo, uma abordagem orientada pelas regras da sociologia dinâmica aplicada à análise da organização familiar tende a privilegiar o estudo da instituição familiar no decurso da história, ou seja, dos tipos mais antigos aos mais modernas de famílias; as variações na estrutura administrativa e de poder, historicamente observadas através do tempo, no contexto interno da organização familiar. Agora, não mais se trata de averiguar e descrever os papéis assumidos por certos membros familiares em determinado período de tempo histórico, mas de traçar uma linha de representação acerca das relações de poder entre os indivíduos que desempenham os papéis de homens e de mulheres no decurso do tempo. A busca pela obtenção de suprimentos materiais e espirituais19 vitais à existência de homens e mulheres determina o ritmo e a natureza de suas relações sociais. Cabe à sociologia, pois, estudar a variação, no tempo e no espaço, do ritmo e da natureza das condutas dos indivíduos numa dada sociedade, suas causas e efeitos sociais, assim como averiguar tais condutas de modo a oferecer soluções práticas que otimizem a oferta de suprimentos materiais e espirituais e de padrões de convivência salutar à coesão interna dos grupos sociais. A sociologia pura ou teórica se compõe de verdades científicas (ciênciadisciplina) formuladas a partir dos resultados das pesquisas sociológicas realizadas (ciência-processo).

19 Os adjetivos adicionados ao vocábulo-substantivo ‘suprimento’, tais como suprimentos materiais e suprimentos espirituais, obedecem à clássica classificação da cultura: material e não material.

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A sociologia dinâmica se ocupa das transformações sociais e históricas no decurso dos tempos.

A sociologia estática, por sua vez, focaliza as ações sociais em um dado espaço específico de tempo, compreendendo tais ações como inseridas num sistema social total. A busca por respostas possibilitadas pelas pesquisas empíricas, práticas

(ciência-processo) configura o estatuto de uma sociologia prática, que, ao ser aplicada para racionalizar (compreender para apontar soluções) as formas de interação entre os indivíduos, é concebida como sociologia aplicada. Esta última, quando de sua associação a um contexto administrativo, objetiva a intervenção pragmática (orientada para resultados práticos) no âmbito formal e informal das organizações (empresas, sindicatos, igrejas, governo, hospitais, escolas), levando-se em consideração os papéis desempenhados pelos elementos sociais que a integram, os significados intencionais produzidos por estes (cultura organizacional) e a influência sofrida do meio ambiente externo. A sociologia aplicada às organizações constitui um ramo da sociologia que se ocupa dos aspectos estruturais e funcionais dos sistemas sociais que normalmente chamamos de empresa ou organizações (públicas ou privadas). Trata-se da aplicação de conceitos, teorias e princípios inerentes ao domínio da sociologia geral ao estudo sistemático das relações sociais e da interação entre os indivíduos e grupos no ambiente institucional da empresa ou organização. Fábrica da EMBRAER em São José dos Campos, estado de São Paulo. A sociologia aplicada às organizações estuda as relações de trabalho e as formas de sociabilidade no “chão da fábrica”. (www.embraer.com.br/portugues/content/ empresa/profile.asp) Quando falamos numa sociologia voltada para o estudo das organizações, queremos dizer que é de importância capital analisar nelas, detidamente, as bases relacionais, funcionais e infra-estruturais em que se apoiam as instâncias administrativas responsáveis palas tomadas de decisões, que nada mais são do que as respostas possíveis e/ou estratégicas assumidas pelos grupos de executivos que representam os interesse de uma determinada organização, seja ela pública, seja privada. E tais respostas configuram a reação intencional dos decisores (tomadores de decisões) que visa atingir metas de produção, comercialização e consumo (ação teleológica) compatíveis com a sobrevivência

Sociologia aplicada a administração

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da própria organização, ou empresa, face às alterações em seu meio ecológico circundante. Assim, temas como poder, liderança, formas de sociabilidade, resistência às mudanças, ideologias, o respeito às regras institucionais, o advento dos grupos informais, entre outros, fazem parte do rol de investigação científica realizado pela sociologia aplicada à administração, ou sociologia das organizações. Em suma, pode-se conceber uma organização como um sistema de relações interpessoais dinâmicas cuja compreensão depende da análise de sua estrutura administrativa (hierarquia, organograma, rigidez ou flexibilidade Frontispício do Instituto Dom Barreto, em Teresina-PI, o melhor colégio do Brasil segundo o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), de 2006. O Instituto Dom Barreto é um exemplo de instituição educacional.

das instâncias decisórias, infraestrutura: pessoal e física), de sua cultura organizacional (código de valores, normas de condutas e expectativas do comportamento coletivo, significações simbólicas, atitudes e sentimentos, ideologias, objetivos e metas) e dos processos sociais e operacionais que a mantêm em funcionamento (papéis sociais; interações entre os indivíduos; formas de sociabilidade; formas e métodos de gestão da inovação e criatividade; formas e métodos de gestão do conhecimento, da informação e da comunicação; modus operandi; planejamento, organização, direção e controle).

1.3. Instituição social: conceito e funções Como vimos em tópico anterior, para Émile Durkheim a sociologia é a ciência que estuda a origem e o mecanismo de funcionamento das instituições. Mas o que é uma instituição, então? É “[...] toda a crença, todo o comportamento instituído pela coletividade [...]” (DURKHEIM apud FORACCHI e MARTINS, 1977, p. 30). Assim, falar de instituições é falar de conjuntos de atos e ideias instituídas pela sociedade aos quais os indivíduos se defrontam e que se lhes impõem. Enquanto membros de uma sociedade multifacetada, somos vinculados a várias instituições: familiar, como pai e/ou marido; educacional, como professor e/ou aluno; econômica, como consumidor e/ou produtor; política, como candidato e/ou simples filiado a partidos políticos; militar, como efetivo das forças armadas; e recreativa, como membro de um clube qualquer. Desempenhamos papéis sociais variados na medida em que participamos de distintas instituições: como filho (instituição familiar), trabalhador (instituição econômica), militar (instituição militar), coroinha (instituição religiosa) etc.

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UNIDADE 1


“A realidade objetiva das instituições não fica diminuída se o indivíduo não compreende sua finalidade ou seu mundo de operação. Pode achar incompreensíveis grandes setores do mundo social, talvez opressivos em sua opacidade, mas não pode deixar de considerá-los reais. Existindo as instituições como realidade exterior, o indivíduo não as pode entender por introspecção. Tem de ‘sair de si’ e apreender o que elas são, assim como tem de apreender o que diz respeito à natureza. Isto é verdade, mesmo se o mundo social, como realidade produzida pelos homens é potencialmente compreensível de um modo que não é possível no caso do mundo natural” (BERGER, 1985, p. 86-89). Para Berger (1977, p. 194) uma instituição pode ser definida como “um padrão de controle, ou seja, uma programação da conduta individual imposta pela sociedade”. Assim sendo, este autor aponta a linguagem como a primeira instituição com a qual os indivíduos se deparam no curso de sua vida – de criança a adulto. A linguagem é responsável pela objetivação da realidade, ou seja, a linguagem faz com que a realidade seja compreendida como algo que existe fora de nossas consciências, além de servir de meio operacional para que possamos interpretar e justificar a própria existência de tal realidade. De um modo geral, nós conhecemos o mundo à proporção que classificamos – através da linguagem – aquilo que nele existe: árvores, animais, forças da natureza etc. Berger (Ibidem) ensina que as instituições podem ser conhecidas a partir de cinco características fundamentais: • Exterioridade – “As instituições são experimentadas como algo

Saiba Mais As cinco características fundamentais das instituições sociais: 1.exterioridade;

dotado de realidade exterior”, uma vez que se situam fora dos indivíduos,

2.objetividade;

apresentando-se como um fenômeno de natureza social que possui uma

3.coercitividade;

existência concreta, inteiramente distinta, pois, dos produtos da imaginação dos

4.autoridade moral;

indivíduos (Ibidem, p. 195). • Objetividade

“As

instituições

são

experimentadas

como

possuidoras de objetividade”, já que existem de uma maneira muito particular; constituem produtos exteriorizados da atividade humana (Ibidem, p. 196). • Coercitividade – “As instituições são dotadas de força coercitiva”, que, por sua vez, é acionada toda vez que determinadas regras sejam desobedecidas (falar mal um idioma, sobretudo no ambiente acadêmico, é motivo de desmoralização, repreensão ou zombaria) (Ibidem, p. 197). • Autoridade moral – “As instituições tem uma autoridade moral”, uma vez que, além da prerrogativa de poder exercer determinado constrangimento

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normativo à conduta dos indivíduos sob sua área de influência, também podem repreendê-los moralmente (Ibidem, p. 198). Saiba Mais “A sociedade é um produto humano. A sociedade é uma realidade objetiva. O homem é um produto social” (BERGER, 1985, p. 87).

• Historicidade – “As instituições têm a qualidade da historicidade”, pois elas possuem uma história, isto é, as instituições existem muito antes de nós nascermos e continuarão a existir após a nossa ‘morte’; porém, as instituições mudam constantemente, como tudo o mais na vida. Mas uma instituição também serve para denominar uma organização, que, por sua vez, incluem pessoas, infraestrutura física, estratégias de ação, cultura, processos, regras de conduta, metas e objetivos etc. E no interior das organizações os indivíduos desempenham papéis funcionais a sua manutenção e existência.

1.4. A sobrevivência da espécie e o imperativo da relação social O ser humano, a exemplo dos animais inferiores, é dotado de um poderoso instinto gregário, que, por sua vez, o impele a produzir as mais diversas formas de relacionamentos ou modelos de sociabilidade com base em padrões repetidos de comportamentos. Isso conduz a um processo duradouro de constituição do homem enquanto ente autossubsistente e criador de si próprio, ao desgarrar-se, parcialmente, do estado de total submersão à natureza, o que equivale a dizer que ele é o único responsável pela ingente invenção da cultura. Esta é entendida como um fenômeno social cuja construção resulta de sua fragilidade em relação à natureza, já que a espécie humana necessita garantir as condições materiais e espirituais indispensáveis a sua própria sobrevivência em um ambiente hostil, carente de domesticação. E falar de cultura significa aludir ao momento crucial em que o homem se fez homem enquanto demiurgo de si mesmo. Acuado face à hostilidade do mundo circundante, eis que um dispositivo genético previamente embutido em sua ‘natureza’ como que o aparelhou e o tornou apto a sobreviver mesmo contando com avassaladora desvantagem física. Assim, a história do homem obedece a uma lógica só explicada pelo embate dialético entre sua essência genética e o mundo da natureza, que tende, simultaneamente, a naturalizá-lo, e a ele próprio, numa ocorrência que o impulsiona à busca de sua própria identidade. A presença do ser humano no mundo coloca o problema de sua própria

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UNIDADE 1


sobrevivência. A solução desse problema requer o imperativo emergencial de um ingente e permanente processo de construção do mundo em que vive, de modo a transformá-lo segundo suas necessidades materiais e espirituais básicas. “Toda sociedade humana é um empreendimento de construção do mundo” (BERGER, 1985, p. 15). A construção social do mundo é uma expressão da atividade humana objetivada na história – o homem no mundo. Uma vez produzido e construído pelo ser humano, o mundo do homem constitui uma realidade objetiva dotada de um estatuto de existência que difere de todos os outros produtos da atividade humana objetivada. E este mesmo mundo exerce sobre o responsável por sua produção e construção uma influência decisiva que recai diretamente sobre os padrões repetidos de comportamento – é o mundo no Homem. Logo, se produtor (o homem) e produto (o mundo social) são mutuamente influenciados, as perspectivas de explicação e compreensão da sociedade humana só podem ocorrer através da interação dialética entre três momentos (BERGER, 1985, p. 16): • Exteriorização - Projeção constante do homem sobre o mundo através

Saiba Mais Diferentemente dos animais inferiores, o ser humano, graças à sua faculdade teleológica, constrói socialmente o seu mundo, registra a sua própria história, atribui significados às suas ações intencionais e tem a consciência de sua própria finitude através da inexorabilidade da morte.

de atividades físicas e mentais; • Objetivação - Conquista de uma realidade que a ele se opõe com algo dotado de natureza exterior e distinta de seus produtores originais graças aos produtos de tais atividades físicas e mentais; • Interiorização - Reapropriação de tal realidade na consciência dos homens, ou seja, a transformação do mundo objetivo em mundo subjetivo. E esses três momentos que assinalam o processo dialético do ser-dohomem-no-mundo implicam obrigatoriamente numa série de inter-relações do homem: com a natureza, com os outros homens, com os animais inferiores e consigo mesmo. Os homens não apenas produzem e reproduzem suas condições materiais e espirituais de existência, para parafrasear Karl Marx; não apenas, nesse mesmo movimento, constrói e registra a sua própria história, através de diversos meios, e a reatualiza mediante a faculdade da anamnese (recordação) e da monumentalização física que pontifica os marcos existências que assinalam a sua percepção e atribuição de valores estéticos, ideológicos, políticos, econômicos, sociais, morais e religiosos (construção de monumentos comemorativos de acontecimentos relevantes para a coletividade em geral); não

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apenas se projeta para o porvir e se detém perante a expectativa da inexorabilidade da morte, ensina Hegel (apud Buenos Ayres, 2006, p. 236-237); mas também racionaliza suas intenções e propósitos (faculdade teleológica), munindo-as de sentido subjetivo, e as corporificam objetivamente por via de medidas de cálculo, aponta Weber (1991, p. 15-16). Todavia suas ações sociais nem sempre são rigorosamente refletidas, uma das razões pelas quais os eventos por eles perpetrados e vivenciados se sucedem um tanto quanto desencontrados, de modo a pôr em operação um conjunto incalculável de interações sociais que impedem a predição absoluta das conseqüências de seus atos sociais. Mediado por tais qualidades, livremente vertidas, o comportamento humano em sua pluralidade intrínseca assume impressões e expressões específicas inerentes às múltiplas formas de integração social, concepções e visões de mundo, técnicas de produção econômica e de inovação tecnológica, criatividade institucional etc. O resultado desse processo, calcado na intencionalidade dos propósitos, se reflete nas chamadas obras da civilização. A construção da ordem social, das mais rudimentares às mais complexas, constitui a mais engenhosa manifestação do espírito humano. A vida da espécie humana depende da sua capacidade de garantir as suas próprias condições materiais e espirituais de existência.

O homem é o ser vivo mais frágil do planeta. Mas também é o mais adaptável e o mais provido de necessidades e cuidados. Necessidade é tudo aquilo que nos faz falta, consciente ou inconscientemente, verdadeira ou falsamente, objetiva ou subjetivamente (SILVA, 2006). Devido a seu caráter inacabado (o mundo do homem, diferentemente dos demais animais, é um mundo construído por ele mesmo) e cheio de necessidades, o homem precisa substituir a sensação de falta pelo sentimento de satisfação. Para tanto, ele se servirá da natureza, dos elementos de sua própria espécie e dos demais animais.

A busca pela sobrevivência conduz o ser humano a maximizar o prazer e a minimizar a dor.

Jeremy Bentham notabilizou-se por incluir como preceito econômico o calculo hedonista realizado por homens e mulheres históricos ao definir suas escolhas racionais segundo os parâmetros antípodas do prazer e da dor. Estribado em uma máxima ontológica inerente à experiência da vida humana, originalmente de ascendência grega, esse expoente destacado da escola econômica clássica assim erige o fundamento de seu pensamento, com a qual principia a sua obra Introduction to the Principles of Morals and Legislation: “A natureza colocou a humanidade sob o domínio de dois senhores soberanos - o prazer e a dor. Somente a eles cabe indicar o que devíamos fazer, como também determinar o que deveremos fazer” (MYRDAL, 1962, p. 46; grifo do autor).

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UNIDADE 1


Interpretando essa máxima, significar dizer que os atores sociais, ao realizar suas escolhas intencionais, tendem inexoravelmente a maximizar o prazer e a minimizar a dor, ou, em outras palavras, “maximizar o saldo líquido de prazer”. Tais atos de escolha e de decisão são impulsionados pela vontade, a única faculdade do espírito capaz de tornar realidade o objeto do desejo, uma vez que se projeta para o futuro, na esteira da concepção temporal linear (a via recta) (ARENDT, 1993). Assim, a vontade é racionalmente orientada rumo à minimização da dor, do sacrifício, do esforço, da perda, da carência, enfim, da miséria; e, simultaneamente, na direção da maximização do prazer, do ócio, da comodidade, do ganho, da fartura, em suma, da riqueza. Esse dualismo laico que permeia a ação humana, na contracorrente da ética paternalista cristã, conduz, pois, por um lado, ao cálculo racional de prazeres e dores, e, por outro, ao repúdio à indolência, ao capricho, ao instinto, ao hábito, ao costume e às convenções. Por ser dependente de condições de vida que só ele mesmo pode suprir, o homem vê-se constantemente obrigado a assegurar as condições materiais (subsistência) e espirituais (compreensão de seu ser no mundo) de que sua existência exige. No decurso desse empreendimento, a ação humana é comandada pela satisfação das necessidades por suprimentos (um número de necessidade igual à quantidade dos suprimentos requeridos, pelo menos), fator este que garante a vida e a segurança da espécie. A satisfação das necessidades básicas, como vimos, conduz à multiplicação de outras necessidades. No âmbito desse processo, a ordem de necessidades criadas pelo homem é regida por critérios norteadores de valores que oscilam, numa linha de demarcação situada entre dois polos, dos mais utilitaristas e tangíveis desejos de satisfação de necessidades às mais refinadas sensações de bem-estar espiritual e às mais sutis percepções de sentido acerca da vida20. Aqui, a ordem de necessidade em apreço é ordenada de modo a sinalizar o grau de necessidade que os indivíduos têm por um bem de consumo, um serviço, uma sensação de bem-estar físico ou não-físico, uma percepção de contentamento, um sentimento de aceitação comunal, um estado de espírito: 20 A hierarquia das necessidades, bastante utilizadas nas políticas empresariais de gestão de pessoas, constitui um conceito desenvolvido por Abraham Maslow na década de 1940 (SANTOS, 2003; SILVA, 2006). Em linhas gerais, essa concepção de Maslow deve ser compreendida mais como uma abordagem humanística acerca dos processos inerentes à motivação humana e menos como a constituição de um modelo susceptível de ser empiricamente testado. Além do mais, a imagem de duas ‘torres gêmeas’ é mais adequada para apresentar o rol das necessidades humanas concebidas por Maslow do que a imagem da pirâmide, que, por sua vez, é estranho a sua obra (SAMPAIO, 2005). Uma das torres “[...] contém necessidades cujo mecanismo básico é a homeostase. Uma vez gratificada, a necessidade se torna menos motivadora. A outra torre acomoda necessidades que, quanto mais gratificadas, mais motivam a pessoa” (Ibidem).

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A satisfação das necessidades básicas do ser humano o compele a obter a satisfação de outras necessidades cuja obtenção demanda um maior grau de esforço e de interação coletiva.

1º) necessidades fisiológicas de alimentação (fome e sede); 2º) necessidades de segurança (procriação e proteção anti-predadores); 3º) necessidades sociais (amor/sentimento de pertença a grupos variados, participação social); 4º) necessidade de autoestima (autorrealização, status, reconhecimento e credibilidade); 5º) necessidade de autorrealizações (maximização de potencial próprio, enfrentamentos de desafios). No entanto, a satisfação das necessidades empíricas dos indivíduos nem sempre percorre essa trajetória ascendente de forma automática, uma vez que tais necessidades tendem a se articular de uma maneira um tanto quanto flexível e individualizado conforme a cultura, o estágio profissional e o espaço geográfico em que vivem os indivíduos (SANTOS, 2003).

1.5. A incontornável sociabilidade como condição de sobrevivência da espécie humana O processo vital de satisfação das necessidades humanas pressupõe a produção dos meios necessários a satisfação de tais necessidades. Mas isso somente se torna possível se uma condição básica for contemplada, enquanto premissa de toda a história humana: “a premissa de que os homens têm de estar em condições de viver para poder ‘fazer história’”. (MARX e ENGELS, 1984, p. 31). A ação de satisfazer as primeiras necessidades, além do instrumento de satisfação outrora obtido, determina o aparecimento de novas necessidades. Isso ocorre na medida em que os homens reproduzem a si mesmos através da procriação, pois “o aumento das necessidades cria novas relações sociais e o aumento do número dos homens cria novas necessidades” (Ibidem, p. 32). A produção da vida humana através do trabalho (produção dos meios necessários à sua sobrevivência) e da procriação (reprodução da própria espécie humana) – mediações de primeira ordem21 – exprime uma dupla relação: uma 21 Mediações de primeira ordem configuram as mediações primárias que se estabelecem entre os homens e a natureza. As funções básicas de primeira ordem dizem respeito a um controle reprodutivo da espécie compatível com os recursos disponíveis; a regulação do processo de trabalho; a constituição de um sistema de trocas adequadas às necessidades comunitárias; a organização, coordenação e regulação das atividades materiais e imateriais; a distribuição racional dos recursos materiais e humanos existentes, de modo a evitar a escassez; e a elaboração de regras de convivência social adequadas à sociabilidade humana (ANTUNES, 2002).

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UNIDADE 1


relação natural do homem com a natureza e uma relação social entre homens e mulheres via processos sociais associativos. Desse modo, a produção dos meios indispensáveis à satisfação das necessidades dos seres humanos somente pode ser concretizada na medida em que homens e mulheres históricos se relacionem com outros homens e mulheres históricos. Daí a importância de se verificar o modo a partir do qual as relações se institucionalizam, ou seja, tornam-se rotineiras, constituindo um paradigma. Dá-se o nome de paradigma, a “uma relação estruturada e invariável, que tende a se repetir sempre que se busca suprimento para uma necessidade determinada” (GOLIAS, 2006, p. 12). Pode-se, também, definir paradigma (do gr. paradeigma) como um exemplo que serve como modelo. Assim, paradigma constitui um modelo de relação baseado numa conduta que obteve, ou não, êxito. Exemplos: paradigma da relação fome/suprimento

Um paradigma se mantém na medida em que não é substituído por um outro que se expressa por um novo modo de obter a satisfação das necessidades via economia de esforço.

alimentar – deve-se evitar o consumo de carnes gordas como fator de prevenção a problemas cardíacos; paradigma saúde/atividade física – exercícios físicos são fundamentais para o perfeito funcionamento dos neurônios. O paradigma é funcional à vida dos indivíduos. Quer dizer, o paradigma contribui com a manutenção da ordem social na medida em que as regras de convivências sejam respeitadas: o hábito de dar um “bom dia” ou um “muito obrigado”; o respeito ao semáforo, a prática de boas maneiras, etc. O processo ou mecanismo fundamental a partir do qual as necessidades por suprimentos materiais e espirituais são satisfeitas somente podem ser viabilizados coletivamente, através das relações que homens e mulheres estabelecem entre si, para além da (básica) reprodução da própria espécie via

O homem é um animal relacional na medida em que só pode viver se relacionando com outros elementos de sua espécie.

procriação. A sobrevivência do ser humano depende do caráter de sua relação com outros seres humanos. Mas o que é relação? Em termos sociológicos, significa a compreensão de que o homem, ao relacionar-se, dirige para o mundo exterior a sua consciência, que, por sua vez, retorna a ele enquanto suprimento ou carência de algo. À medida que suas necessidades são satisfeitas, ou não, o homem desenvolve, respectivamente, tanto sentimentos de satisfação e saciedade (o número de necessidades é igual à quantidade de suprimentos requeridos) como sentimentos de insatisfação ou carência (a quantidade de suprimentos requeridos é inferior ao número de necessidades).22 Logo, a constante procura por suprimentos, que o obriga a interagir constantemente com o mundo 22 Transformada numa equação, temos a seguinte representação gráfica: N = S; N > S; N < S.

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exterior, é o que podemos denominar de relação. Assim, é possível definir relação como a totalidade das permutas que os indivíduos realizam com o seu meio circundante com a finalidade de garantir a satisfação de suas necessidades; e relação social como a totalidade das modalidades de interações ou formas de sociabilidades desenvolvidas pela totalidade dos indivíduos que integram e animam uma dada sociedade, comunidade ou organização social. Sempre que as circunstâncias o permitam, o homem procurará se assegurar de que a totalidade de suas necessidades seja igual ou menor do que os suprimentos, de maneira a fazer surgir nele sentimentos de satisfação. Uma vez sendo assegurada essa relação ((N=S) ou (N<S)), o homem tende a desenvolver uma conduta padrão, repetindo-a, sistematicamente, para obter resultados positivos em termos de sentimentos de satisfação. De igual modo, desenvolverá condutas alternativas para contornar sentimentos de insatisfação. Em outros termos, parafraseado o filósofo utilitarista e economista Jeremy Bentham (apud (MYRDAL, 1962, p. 46), o homem tende a maximizar o prazer e a minimizar a dor.

1.6 A produção dos meios necessários à existência histórica do homem É preciso explicar a influência da tecnologia no processo vital de satisfação das necessidades humanas e na determinação das transformações sociais, econômicas, políticas e culturais. A tecnologia surge como um produto da objetivação do homem através do trabalho. Este último, por sua vez, aludem às N=S (igualdade entre necessidades e suprimentos).

atividades físico-intelectuais direcionadas para a perseguição de determinadas

N<S (necessidades menores que os suprimentos).

cultura. Assim, a cultura expressa tanto o quê o homem faz, a maneira como o

N>S (necessidades maiores que os suprimentos).

metas e/ou objetivos essenciais de vida. O produto derivado do emprego sistemático de tais atividades físico-intelectuais é o que podemos denominar de faz e o modo de uso dos produtos de seu ato de fazer algo e, em última instância, os princípios morais que orientam seu modo de ser humano no mundo em que vive. Apesar de extremamente necessária à vida humana, a tecnologia é apenas mais um dos recursos instituídos para garantir a sobrevivência do ser humano no planeta. Logo, podemos definir tais recursos, ou meios, como tecnologia, a saber, a totalidade dos recursos ou meios engendrados por homens e mulheres históricos que contribuem para estandardização das relações que se estabelecem em um determinado contexto social (SILVA, 2006).

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UNIDADE 1


O conceito de cultura extrapola em muito os limites cognitivos impostos pelo conceito de tecnologia. Ao lado da ciência em seus vários ramos, da filosofia, do senso comum, do mito etc., a tecnologia constitui uma das muitas expressões das assim chamadas obras de civilização. Ela é produto da capacidade humana a serviço de suas necessidades por suprimentos materiais e espirituais e de suas comodidades no trabalho, que, por sua vez, conduzem à ampliação de seu sentimento de satisfação. E como qualquer outra produção do gênio humano, a tecnologia, na condição de primeiro ato histórico do homem em prol de sua própria perpetuação, constitui uma das manifestações de um dos principais componentes da cultura - as ideias. A cultura é geralmente concebida como a parte da natureza

A cultura expressa a construção material e imaterial da realidade humana em todos os seus aspectos. Nesse sentido, o homem desponta como criador de si mesmo.

inteiramente produzida pelo homem, mediante a operacionalização de um sem número de meios físicos (ferramentas, instrumentos, máquinas) e não físicos (conhecimentos, habilidades e competências; processos, técnicas, métodos, estratégias e táticas de ação; dinheiro, tempo e os resultados alcançados). A forjadura da cultura se inicia na medida em que o homem primitivo é obrigado a desenvolver certas habilidades físicas e a fabricar instrumentos e ferramentas (lança, arco e flecha; moinho, colheitadeira e calculadora) que facilitem o alcance de seus objetivos existenciais (a caça, o domínio e a guerra), seja na satisfação de suas necessidades imediatas, seja nos modos de organização e divisão dos produtos do trabalho. A constante luta pela sobrevivência leva o homem a revolucionar a criação de novos instrumentos e novos modos de organização do trabalho. As

O desenvolvimento de novos meios de satisfação das necessidades humanas implica na amplitude das estruturas de relações sociais.

consequências daí decorrentes recaem sobre a própria estrutura de relações das sociedades em que se verificam tais transformações. Dessa maneira, os paradigmas vigentes (modelos de relações vigentes) tendem a se modificar na medida em que se sofisticam os meios necessários ao aumento da satisfação das necessidades, em particular, e nos padrões – quantitativo e qualitativo – de vida, em geral. Em outras palavras, significa dizer que a intensificação do uso de tais meios repercute diretamente sobre a estrutura de relações vigentes em

Saiba Mais Consulte o sítio http:// www.wikipedia.org/.

determinado grupo, organização ou sociedade.

Atividades 1.

Identifique os principais acontecimentos históricos que são responsáveis pelo aparecimento da sociologia enquanto disciplina independente e

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dotada de estatuto cognitivo próprio. 2.

Discorra sobre os diversos significados históricos inerentes ao racionalismo e ao naturismo do século XVIII.

3.

Quais são as condições básicas necessárias ao surgimento das ciências sociais? Comente cada uma delas.

4.

Disserte sobre o objeto de estudo da sociologia.

5.

Quais são as duas teorias sociológicas – ou escolas de pensamento sociológico - mais importantes na análise da realidade social? Fale sobre cada uma delas.

6.

Compare as definições acerca da sociologia elaboradas por Max Weber e Émile Durkheim.

7.

Faça uma comparação entre a sociologia geral e a sociologia aplicada.

8.

Pesquise as definições acerca da sociologia aplicada à administração.

9.

Defina instituição social e identifique e explique as suas principais características, segundo Peter Berger.

10.

Identifique e discorra sobre a hierarquia das necessidades segundo o pensamento de Abraham Maslow.

11.

Por que dizemos que o ser humano precisa desenvolver meios de sobrevivência, aos quais chamamos de tecnologia?

12.

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Discorra sobre relação social e paradigma.

UNIDADE 1


UNIDADE 2 Indivíduo e Sociedade

Resumindo A unidade que se inicia ponteia de modo bem demarcado os pólos extremos da vida em sociedade o indivíduo e a coletividade que o abarca. Nela, realiza-se uma superficial incursão nos meandros teóricos da produção intelectual dos clássicos da Sociologia Karl Marx, Max Weber e Émile Durkheim. Na seqüência, são didaticamente apresentados os principais conceitos ou categorias analíticas da Sociologia: socialização, instituição social, papéis sociais, processos sociais, posição social (ou status), cultura, cultura organizacional etc.. O trajeto aqui empreendido permite a aprendizagem dos conceitos sociológicos supracitados, entendidos estes como ferramentas analíticas essenciais à compreensão da estrutura e dinâmica das organizações.



Indivíduo e Sociedade

2.1. Indivíduo e Sociedade Já discorremos, páginas atrás, sobre o caráter plural da existência humana. Vimos que homens e mulheres históricos são compelidos a se envolverem, cotidianamente, no processo de produção dos meios de satisfação de suas necessidades – das mais básicas e tangíveis às mais sofisticadas e intangíveis –, e que no decurso de tal processo as relações que os indivíduos estabelecem entre si vão se intensificando exponencialmente, a ponto de transformar continuamente os próprios modos de coexistência coletiva e seus respectivos valores, visões sociais de mundo (ideologias), normas e práticas sociais, padrões de comportamento etc. Porém, toda essa atividade coletiva em prol da salvaguarda existencial da espécie humana propõe a questão da dinâmica da relação indivíduo-sociedade/sociedade-indivíduo. Quando falamos na relação indivíduo-sociedade nos referimos àquele conjunto de ações realizadas por uma coletividade de indivíduos e que constitui a matéria-prima e fundamento da vida em sociedade. Essa perspectiva microssociológica postula a ideia segundo a qual a construção da ordem social dar-se mediante as ações intencionais de indivíduos históricos no seu dia a dia. Nesse sentido, a sociedade é concebida como um produto da interação entre os indivíduos – é o primado do indivíduo sobre a sociedade. Uma formulação sistemática representativa dessa microperspectiva pode

O primado do indivíduo sobre a sociedade - Na perspectiva microssociológica, a ação individual de múltiplos indivíduos rumo à consecução de seus objetivos particulares ou coletivos determina a construção da ordem social; numa palavra; da própria sociedade.

ser encontrada nas proposições epistemológicas14 propostas por uma corrente de pensamento sociológico denominada de interacionismo simbólico15. No geral, tais proposições epistemológicas fundamentam-se nas análises do 14 A epistemologia, ou teoria da ciência, alude aos fundamentos de verificação do grau de certeza do conhecimento científico em seus vários ramos e áreas temático-cognitivas. 15 Incluem-se nessa categoria microssociológica outras escolas, tais como: a historicista, a fenomenológica em todos os seus matizes, o compreensivismo weberiano, a hermenêutica, a etnometodologia, a escola dramatúrgica de Irving Goffman.

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psicólogo social George Herbert Mead, como veremos a seguir. “Nós devemos reconhecer que as atividades dos seres humanos consistem no enfrentamento de uma seqüência de situações nas quais eles devem agir, e que suas ações são construídas à base do que eles notam, de como eles avaliam e interpretam o que eles notam, e do tipo de linhas de ação projetadas que eles mapeiam” (BLUMER apud HAGUETTE, 1990, p. 34; grifo do autor).

Para Mead (apud HAGUETTE, 1990, p. 24-26), o pressuposto da vida social é a cooperação empreendida pelos elementos sociais que a compõem, em conformidade com suas características biológicas, quando se trata de comunidades não-humanas, em que seus modelos societários são determinados fisiologicamente, permanecendo inalterados ao longo das sucessivas gerações, enquanto que com relação às comunidades humanas dá-se o inverso, sendo que a sua fisiologia é insuficiente enquanto elemento de explicação dos modos múltiplo de expressão societal assumidos por elas no decorrer do tempo. Nesse caso a propiciação da formação social humana só se torna possível na medida em que haja, da parte de cada indivíduo com relação aos outros, uma relação mútua de percepção de significados subjacentes aos atos intencionais por eles praticados, reagindo a seu modo com base nestas intenções. Em outros termos, significa aceitar a ideia de que os fundamentos existenciais da Sociedade dependem da aceitação, manifesta ou tácita, por parte dos componentes dessa mesma sociedade, de sentidos compartilhados, que nada mais são do que visões sociais de mundo (religiosas ou não), projetos coletivos (conservadores ou progressistas), expectativas comuns (otimistas ou não); escolhas e decisões protagonizadas por pessoas, empresas (públicas e privadas), organismos (multilaterais ou não) e governos.

Outros significativos = agentes primários. Outro generalizado = agentes secundários. Eu = a parte indissociada de mim mesmo enquanto indivíduo. Me = parte do indivíduo moldada pela sociedade

Nessa concepção, o homem é dotado de uma personalidade (ou Self), pois ele não só age em relação aos outros – sejam os “outros significativos” (que representam os círculos mais íntimos e duradouros de relacionamento social compartilhados por uma pessoa no decurso de sua socialização) ou o “outro generalizado” (que representa a sociedade em geral, ou, mais precisamente, aquele conjunto mais ou menos amplo de pessoas com as quais nos relacionamos com uma menor frequência) –, mas também em relação consigo mesmo. Tal personalidade é engendrada e desenvolvida a partir do processo de socialização inerente a qualquer sociedade, e sem a qual ela jamais poderia existir16. Assim, a personalidade é resultante de um processo social interno aos próprios indivíduos que vivem em interação constante com seu meio ambiente, e que compreende o “Eu” – que diz respeito ao aspecto irrefletido de cada um de nós, em virtude de sermos movidos a impulsos instintivos – e o “Me – que corresponde à parte íntima de nós todos, que é moldada pela sociedade graças às introjeções de valores genuinamente socioculturais. A personalidade das pessoas, pois, é um produto do processo de 16 Os conceitos “outros significativos” e “outro generalizado” são de autoria de George Herbert Mead.

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socialização. Logo, por essa razão, ela só pode emergir em uma sociedade em que as pessoas se comunicam e travam relações e intercâmbios diplomáticos, comerciais, culturais, regulatórios; e celebram e cumprem (ou não) acordos, convenções e contratos etc. Compõe-se do Eu (conservador) e do Me (progressista), e se alimenta da tensão constante existente entre eles quanto às escolhas e às tomadas de decisão. De todo modo, a personalidade - Self - é pré-condição ao surgimento da Mente. A mente, por seu turno, forma-se e desenvolve-se na medida em que os indivíduos se relacionam com eles mesmos mediante o uso de símbolos significantes compartilhados. Assim, o surgimento da mente não pode prescindir da existência de uma personalidade e sua capacidade de viabilizar uma comunicação intrapessoal, ou seja, uma comunicação, ou conversa, entre nós conosco mesmos. Trata-se do dois-em-um de Sócrates: eu conversando comigo mesmo, ponderando acerca de meus acertos ou erros, ou ambos. Esse constante diálogo do homem com ele mesmo constitui um pré-requisito para a vida em sociedade. Ele permite que os significados culturais criados pelos indivíduos, grupos e sociedades em interação constante sejam aceitos como

“Como um self pode surgir somente em uma sociedade onde haja comunicação, da mesma forma a mente só pode emergir em um self ou personalidade dentro da qual esta conversação de atitudes ou participação social toma lugar. É esta conversação, esta interação simbólica, interposta como uma parte integral do ato, que constitui a mente” (MEAD apud HAGUETTE, 1990, p. 29).

parte do arsenal de conhecimentos, crenças e memórias de práticas e condutas sociais que cada um de nós trás consigo – é o que podemos chamar de nosso background. A mente, como produto direto da intercomunicação social, expressa tanto o que nós somos e temos de mais íntimo em nosso interior pessoal quanto o que nós permitimos que seja exibido (simulacro, justificado por razões de foro íntimo ou razões de Estado, por exemplo) no cotidiano do jogo do contato e relações sociais. A personalidade e a mente, então, constituem os mecanismos fisiopsicológicos indispensáveis ao processo de socialização das pessoas

“Não é verdade que são as regras que criam e sustentam a vida em grupo, mas, ao contrário, é o processo social de vida grupal que cria e mantém as regras” (HAGUETTE, 1990, p. 35).

(trataremos do tema mais adiante). Simplificando a abordagem do interacionismo simbólico no âmbito de relação indivíduo-sociedade, devemos levar em conta três princípios elementares que lhe são de alta estima17: a) a ação do homem frente às coisas ou circunstâncias encontradas e vividas no mundo circundante, em seu aspecto físico e social, funda-se no sentido que tais coisas evocam em sua mente; b) o sentido que estas coisas despertam na mente dos indivíduos é produzido socialmente quando eles entram em relação uns com os outros; c) esses mesmos sentidos, que são frutos da interação humana, tendem a modificarse em função do processo de interpretação suscitado pelas novas situações compartilhadas pelos indivíduos, em virtude de desenvolverem atividades 17 Essa classificação é reconhecida como de autoria de Herbert Blumer.

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diversas – à proporção que os sentidos mudam, muda também o mundo dos indivíduos. A título de enquadramento analítico das proposições teóricas contidas na abordagem da relação indivíduo-sociedade em sua interface com as cinco maiores abordagens da relação micro-macro, segundo Alexander (1987b, p. 14), cujo quadro é apresentado mais adiante, é possível conciliar a primeira opção teórica – “Indivíduos decididamente racionais criam a sociedade através de atos contingentes de liberdade” (Individualismo instrumental) - com a segunda – “Indivíduos intérpretes criam a sociedade através de atos contingentes de liberdade” (Individualismo interpretativo). O PRIMADO DA SOCIEDADE EM RELAÇÃO AO INDIVÍDUO. Na perspectiva macrossociológica, a ordem social, ou sociedade, é quem determina os padrões de condutas dos indivíduos.

A relação sociedade-indivíduo inverte a lógica teórica acima apresentada em linhas gerais. A lógica teórica em apreço, numa macro-perspectiva sociológica, supõe que a ação dos indivíduos resulta das determinações gerais ditadas pelos acontecimentos de longa duração (o resultado, no plano das grandes estruturas, da interação entre os milhões de organizações ou organismos), ou seja, aqueles macro-acontecimentos, ou acontecimentos estruturais, que quando aparece produz efeitos ingentes sobre uma coletividade inteira –, não de um voluntarismo exclusivo motivado e impregnado, por exemplo, do senso transformador de uma práxis social desalienadora, como evoca a escola histórico-crítica. Assim, a sociedade aparece aqui como o resultado de um acordo tácito entre os indivíduos que o compelem a submeterem-se ao controle social externo, exercido mediante delegação de responsabilidade às autoridades plenipotenciárias. Nesse sentido, o processo individual de ação não é nada mais nada menos do que uma resposta institucionalizada às demandas apresentadas, no mais das vezes coercitivamente, pelos indivíduos, pelos grupos, pelas instituições, pelas organizações, todos eles componentes representativos da sociedade em geral – é o primado da sociedade em relação ao indivíduo. Dentre os clássicos da sociologia (Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber), apenas os dois primeiros se posicionam em favor da abordagem teórica da relação sociedade-indivíduo, embora com uma pequena variação entre eles. Marx, ao perfilar-se em prol da quinta posição teórica da relação micromacro, comunga a ideia de que “indivíduos decididamente racionais concordam com a sociedade porque eles são forçados pelo controle social externo” – estruturalismo objetivo (Ibidem) –, enfatizando assim o caráter impositivo e coercitivo (institucionalização do conflito) com que se reveste a ação da sociedade em geral em relação aos indivíduos que a integram (teoria históricocrítica). As concepções sociológicas de Durkheim, por sua vez, dão ênfase ao

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caráter conciliatório e não coercitivo (institucionalização do consenso) na relação entre a sociedade e o indivíduo e se enquadram na quarta opção teórica, qual seja, a de que “indivíduos socializados reproduzem a sociedade traduzindo o meio social existente dentro do micro-domínio” – reproducionismo (teoria positivista-funcionalista). O último dos clássicos, Max Weber, defende uma posição intermediária entre as posições teóricas que compõe a relação micro-macro – é a meso-análise sociológica. Evitando-se a polêmica que certamente despertam as posições diametralmente opostas, ou que se pretendem opostas, sugere-se que o entendimento acerca da relação dinâmica entre o plano da ação cotidiana das pessoas (o simples ato de comprar um jornal ou pedir uma informação qualquer) e o plano mais amplo e ‘distante’ da estrutura social (o fenômeno da transnacionalização extraterritorial do Estado na esteira do fenômeno da globalização) – entre os indivíduos e a sociedade, os funcionários e a organização, as partes e o todo, os elementos e o conjunto –, seja marcada pela convergência de posições, senão pela garantia de uma certeza epistemológica, pelo menos

As análises sociológicas de Émile Durkheim, a exemplo de Karl Marx, enfatizam a ideia segundo a qual “indivíduos socializados reproduzem a sociedade traduzindo o meio social existente dentro do microdomínio”.

em favor de um indelével critério fundado na ética do filósofo grego Aristóteles – o termo médio entre o excesso e a falta, ou o ponto equidistante entre dois polos diametralmente opostos. Esse foi, pois, a trajetória percorrida pelas análises de Weber (1991) e Alexander (1987b), ao articular os acontecimentos estruturais e de longa maturação no tempo com as ações que se praticam no dia a dia de nossa rotina. E o fez, vinculando descritivamente a ação de indivíduos isolados às estruturas por meio das relações obrigatórias que eles estabelecem entre si – ação/relação/ estrutura e/ou estrutura/relação/ação. Desse modo, Weber (1991) defende o postulado da autonomia relativa das ações individuais contingentes frente aos imperativos da ordem social. Assim fazendo, Weber articula duas das maiores abordagens da relação micro-macro, a saber, a quarta opção teórica, segundo a qual “os indivíduos socializados reproduzem a sociedade traduzindo o meio social existente dentro do microdomínio” – reproducionismo - e a terceira, em que “indivíduos socializados recriam a sociedade como uma força coletiva através de atos contingentes de liberdade” - sintetismo (ALEXANDER, 1987b, p. 14). Muitos dos estudiosos que desenvolveram pesquisas segundo os pontos de vista microssociológico ou macrossociológico inverteram suas perspectivas de análise. Assim, aqueles que principiaram seus estudos pela via da macroanálise, da análise das estruturas, terminaram optando, na continuidade de seus estudos,

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pela troca de enfoque, adotando doravante a perspectiva microssociológico. Alexander (1987a;1987b) descreve essa migração de perspectivas de análise como o novo movimento teórico. Uma vez explicitadas algumas questões teóricas de alta relevância para a sociologia geral, convém agora tecer explicações sobre o processo empírico de construção da ordem social, a começar pela importância estratégica do processo de socialização para a existência e conformação da sociedade em geral e a função dos papéis sociais desempenhados pelos indivíduos na operacionalização e consolidação dos sistemas sociais. AS CINCO MAIORES ABORDAGENS DA RELAÇÃO MICRO-MACRO (Alexander, 1987b, p. 14). 1. Individualismo instrumental

Indivíduos decididamente racionais criam a sociedade através de atos contingentes de liberdade

2. Individualismo interpretativo

Indivíduos intérpretes criam a sociedade através de atos contingentes de liberdade

3. Sintetismo

Indivíduos socializados recriam a sociedade como uma força coletiva através de atos contingentes de liberdade

4. Reproducio nismo

Indivíduos socializados reproduzem a sociedade traduzindo o meio social existente dentro do microdomínio.

5. Estruturalismo objetivo

Indivíduos decididamente racionais concordam com a sociedade porque eles são forçados pelo controle social externo

2.2. Socialização e papel social A existência e continuidade no tempo e no espaço da sociedade em que vivemos supõe, obrigatoriamente, a operacionalização de mecanismos específicos de reprodução da vida social. Denominamos o conjunto desses mecanismos processuais de reprodução da vida de socialização. A socialização constitui o processo através do qual as pessoas aprendem a ser membro da sociedade, ou seja, aprendem a adotar condutas pessoais que estejam em conformidade com as regras, valores e concepções impostas pela sociedade em que vivem. Pode-se concebê-la como uma imposição de padrões sociais ao comportamento dos indivíduos, à medida que estes aprendem e internalizam os componentes socioculturais inerentes a seu meio social mediante a integração

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deles em sua estrutura de personalidade e que se realiza através dos mecanismos da interação e identificação com as outras pessoas, ou seja, mediante a imitação das condutas praticadas por pais, tios, irmãos, vizinhos etc., (grupos primários) e demais pessoas com as quais se estabelecem contatos esporádicos, de menor frequência, (grupos secundários) e que, portanto, provoca um menor impacto de influência na formação da personalidade dos indivíduos (BERGER e BERGER, 1977). Para se compreender melhor o significado sociológico do processo, é necessário fazer referência à noção de pessoa social, condição fundamental à elucidação do processo de socialização. Afinal de contas, a pessoa social constitui um indivíduo humano socializado detentor de status e papéis. Todo ser humano ao nascer é uma pessoal social, mas é no decurso de sua convivência com outras pessoas que ela é socializada, adquirindo assim sua personalidade verdadeiramente social, em virtude das constantes mudanças e adaptações sofridas ao longo da existência. Tanto a natureza quanto o ambiente social são elementos externos à pessoa humana que igualmente favorecem a socialização. Esta pode ser concebida a partir de dois pontos de vista:  Objetivamente - Com base na influência exercida pela sociedade sobre os indivíduos (imposição de padrões de comportamento social à conduta

SOCIALIZAÇÃO. Processo pelo qual ao longo da vida a pessoa humana aprende e interioriza os elementos sócio-culturais do seu meio, integrandoos na estrutura da sua personalidade sob a influência de experiências de agentes sociais significativos, adaptando-se assim ao ambiente social em que deve viver (Guy Rocher).

individual);  Subjetivamente - Com base nas respostas ou reações dos indivíduos em relação à sociedade (aceitação dos padrões de comportamento social). Assim sendo, a reprodução da vida em sociedade, com seus valores, instituições e práticas sociais, somente se torna possível quando as pessoas são socializadas, ou seja, quando aceitam os padrões de comportamento social e se adaptam a tais padrões. Nesse sentido, o que se aplica à sociedade total também se aplica ao universo social da empresa, uma vez que a socialização é o mecanismo através do qual a empresa cria e mantém a sua própria cultura organizacional – valores, práticas sociais, códigos de conduta, modelos de gestão administrativa etc. Os papéis desempenhados pelos indivíduos tendem a se diversificar a ponto de assumir uma conformação em rede; é o que podemos chamar de

“Uma pessoa é social na medida em que tende à associação humana e dela necessita” (FICHTER, 1975, p. 35).

rede social ou rede de papéis. Essa assunção de papéis em rede induz os indivíduos a travar relações sociais exponenciais com outros indivíduos. Neste contexto, denominamos papel social qualquer conduta adotada pelos indivíduos

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em conformidade com as expectativas criadas por uma coletividade, sociedade ou organização em relação às atividades compatíveis com o seu exercício e a importância delas para a funcionalidade do sistema social. E é através do desempenho ou representação de papéis que as instituições sociais são incorporadas subjetivamente à experiência dos indivíduos. Falar de rede social ou rede de papéis significa fazer referência direta à complexa gama de relações que travamos em nosso dia-a-dia. Com quanto mais pessoas ou indivíduos nós nos relacionamos, ampliando assim o nosso círculo de relacionamentos, tanto mais diversificados serão não apenas os papéis desempenhados por nós, mas também o conteúdo afetivo, ideológico, comercial, utilitarista etc. das relações sociais. Os papéis que desempenhamos na sociedade, além de múltiplos, são as bases da existência do mundo criado pelo próprio homem; trata-se “Ao desempenhar papéis, o indivíduo participa de um mundo social. Ao interiorizar estes papéis, o mesmo mundo torna-se subjetivamente real para eles” (BERGER, 1985, p. 103).

da objetivação do homem na sociedade. O resultado do desempenho de papéis sociais simultâneos (pai, marido, professor, agente econômico enquanto consumidor e trabalhador assalariado ou não assalariado etc.) no contexto amplificado de relações sociais, consolida a existência do mundo criado pelo homem na mente ou consciência do próprio homem; trata-se da subjetivação da sociedade no homem. É importante levarmos em conta que administrar uma organização, ou instituição, implica em saber que os indivíduos exercem papéis variados que extrapolam os limites internos da organização em que trabalham para garantir as suas condições materiais de existência (o pão nosso de cada dia). Em geral, desempenhamos alguns papéis sociais básicos e independentes. No entanto, podemos observar que no curso da vida diária a quantidade de papéis que desempenhamos é determinada pela amplitude de nossa rede de relações sociais. Assim, um maior círculo de amizade, ou de responsabilidade cívica (o ato de votar e de participar ativamente da vida política de seu país), tende a proporcionar aos indivíduos a assunção de um maior leque de papéis, os quais, por sua vez, se vinculam a outros que interagem entre si. Logo, a multiplicação das relações sociais na sociedade torna a estrutura social desta (estrutura de papéis e de poder) cada vez mais complexa; exatamente porque os atores sociais desempenham papéis cada vez mais complexos conforme se amplia a divisão social do trabalho no interior das organizações. Se no interior das organizações os indivíduos desempenham papéis funcionais, i.e., que contribuem com a sua manutenção e existência, uma boa

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governança administrativa não depende apenas que tais papéis sociais sejam efetivamente cumpridos conforme critérios razoáveis de produtividade, avaliação e aceitação social, mas, sobretudo, do grau de sincronia entre eles visando atingir objetivos programáticos.

2.2.1. Construção da Ordem Social e Papéis Sociais Já discorremos sobre os possíveis papéis que cada indivíduo deve representar na vida da sociedade em que vive. Dissemos que a assunção de papéis está relacionada com as motivações individuais e coletivas na garantia de suprimentos materiais e espirituais e na garantia de padrões de convivência salutar à coesão interna dos grupos sociais. Vimos como tais papéis se multiplicam de modo a transformar-se numa rede de papéis ou rede social. Explicamos também que essa rede de papéis, ao ser ativada, dá origem a uma

Podemos definir relação como “[...] toda e qualquer troca que o indivíduo realiza com o meio que o cerca, no sentido de suprir suas necessidades” (SILVA, 2006, p. 12).

profusão enorme de maneiras de relacionamentos (comercial, afetivo, formal, informal etc), e, também, que estas múltiplas formas de relacionamentos criam condições para a proliferação de outros papéis sociais. Falaremos agora um pouco sobre importância do processo de socialização na padronização dos papéis sociais em rede. Preliminarmente, convém reiterar que entendemos o conceito de papel social como o conjunto de condutas praticado pelos indivíduos em sintonia com as expectativas da sociedade em relação ao exercício de tais papéis. Em outras palavras, só podemos chamar de papel social um amplo espectro de comportamentos definidos como fundamentais à existência das instituições na sociedade. As instituições podem ser concebidas tanto como crenças e comportamentos instituídos pela sociedade (DURKHEIM, 1977), quanto como uma programação do comportamento de cada indivíduo imposta pela sociedade. (BERGER, 1977). Portanto, as crenças e os comportamentos são fundamentais à existência das instituições e, por extensão, das sociedades, sendo aprendidos através do processo de socialização, ou seja, através de um processo impositivo, constante, que consiste na introjeção dos valores socioculturais de uma sociedade na consciência das pessoas, graças à participação dos agentes primários (familiares e pessoas que integram o círculo cotidiano de relacionamentos das pessoas desde a infância) e dos agentes secundários (pessoas de fora do círculo íntimo de relacionamento das pessoas e que esporadicamente convivem com elas). Vale dizer que, sem socialização, não existe sociedade possível, pois

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é através dos processos de interação e de identificação com os outros (imitação) que as pessoas aprendem a tornar-se membros da sociedade. Damos o nome de relação social aos “modelos de interação adotados comumente pelo conjunto de indivíduos que convivem” numa mesma comunidade (SILVA, 2006, p. 14).

O que motiva os indivíduos para o exercício dos papéis sociais é a busca pela satisfação de suas necessidades, de acordo com as conveniências particulares de cada um e das sociedades, com suas respectivas convenções. Por exemplo: A motivação do empresário industrial em alcançar seus objetivos econômicos configura, a um só tempo, uma conduta individual (ação em função da busca de vantagem pecuniária sob a forma de lucro) e uma conduta coletiva (a ação da empresa para satisfazer as necessidades de bens e serviços por parte da população; garantia de bem estar social). Quando professores e alunos procuram cumprir suas obrigações ocupacionais (papéis), dentro e fora da sala de aula, ambos estão contribuindo para a estabilidade funcional da instituição educacional da qual fazem parte e, também, para a realização dos objetivos didático-pedagógicos da escola. Assim, quando dizemos que uma determinada organização funciona precariamente, estamos na realidade querendo dizer que o problema em apreço pode ter sua origem no quadro de recursos humanos (desmotivação, despreparo técnico, sabotagem etc.). Em outras palavras, podemos

dizer

que

os funcionários da referida organização podem não

estar desempenhando o papel que deles se espera, ou mesmo que o conjunto de funcionários pode não estar sendo coordenado com a eficácia e a eficiência requeridas pelos manuais da ciência administrativa. Papel social “é o comportamento, a conduta ou a função desempenhada por uma pessoa no interior de um grupo. O papel define-se simultaneamente com o tipo de comportamento social de alguém, em função dos esquemas sociais e culturais do grupo, e como um modo de resposta à expectativa dos outros” (BIROU, 1982, p. 292293).

Para que uma organização funcione a contento é necessário, entre outras coisas, que ela possua objetivos estratégicos compartilhados por seus funcionários, ou seja, que os objetivos da organização se tornem, por assim dizer, os objetivos dos funcionários. Logo, é através da formação de uma cultura organizacional (modos de pensar e de se comportar; assunção de valores) que uma organização poderá lograr êxito na consecução de seus objetivos. Aqui, a socialização (secundária) ocupa um lugar de destaque: o de ensinar aos funcionários como se devem comportar para serem aceitos como verdadeiros membros da organização em que trabalham. De todo modo, podemos afirmar que o desempenho de papéis sociais constitui o mecanismo a partir do qual as instituições são subjetivamente experimentadas por nós (BERGER, 1985); e que a realização de tais papéis constitui um acordo tácito sobre a existência da própria instituição. Conforme ministro (professor) ou assisto (aluno) aulas, experimento em minha consciência a certeza de que a instituição existe objetivamente (existe de forma determinada) e exteriormente (existe fora de minha consciência).

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2.2.2. As Instituições e os Papéis Sociais Conforme vimos, a representação de papéis sociais não se desenvolve fora da moldura das instituições, haja vista que os papéis que assumimos em nosso dia-a-dia, além de não terem sido criados por nós, e sim por aqueles que nos precederam, nos levam a admitir que, à medida que desempenhamos os mais variados tipos de papéis, conforme os variados contextos sociais, não fazemos mais do que ativar e operacionalizar as instituições. Estas só existem porque nós a criamos para tornar a nossa vida possível. As instituições garantem o equilíbrio relativo das sociedades particulares, ou mesmo de uma sociedade mundializada, à medida que desenvolve atividades visando atingir objetivos programáticos. É através dos papéis que desempenhamos em nosso cotidiano que as instituições são subjetivamente incorporadas à nossa consciência individual. Afinal de contas, todo papel social expressa uma conduta a ser seguida e passível de receber a aprovação da sociedade (caso contrário, não se constituiria um papel social); logo, cria expectativa em torno desse esperado comportamento. A conformação desses papéis segundo os estatutos formais e informais das organizações dá origem a uma cultura organizacional. Esta exerce grande influência sobre as pessoas já que define a sua postura no contexto interno da organização: como proceder em face de certas situações; como assimilar os códigos da organização e seus significados formais e não-formais; como reagir emocionalmente em relação aos acontecimentos que cercam o dia-a-dia da

O desempenho de papéis no interior das organizações está associado a determinados grupos de status. Os grupos de status se apóiam numa estrutura de poder. Essa mesma estrutura de poder gera uma determinada hierarquia de funções. Essa hierarquia de funções e/ou de papéis revela, em termos econômicos e administrativos, uma clara correspondência entre baixos salários, profissões servis; entre altos salários e competência profissional.

organização etc. Acontece que no interior de toda e qualquer instituição sempre nos deparamos com uma específica estrutura de poder, na qual as relações são definidas em conformidade com o princípio da hierarquia. Trata-se de um elemento fundamental na administração de uma organização, uma vez que se refere aos problemas da aquisição, distribuição e circulação do poder e sua repercussão nos diversos níveis da tomada de decisão.

2.3. Posição social e status Analisemos, agora, os mecanismos a partir dos quais as redes de papéis e relacionamentos se entrecruzam para determinar a posição social das pessoas na estrutura da sociedade, conforme os critérios econômico (produção

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e aquisição de bens e serviços), social (grupo de status: prestígio) e político (poder; trataremos dessa modalidade de estratificação social mais adiante). O surgimento das instituições resulta da necessidade que o homem tem de garantir permanentemente as suas condições materiais e espirituais de vida. Para garantir a concretização dessas duas condições de vida, precisamos fazer com que certas crenças e comportamentos se tornem objetos de fé e práticas comuns em toda a extensão de dada sociedade, ou seja, que tais crenças e comportamentos comuns sejam duradoura e objetivamente observadas no diaa-dia das pessoas. E quando as condições acima observadas são transpostas para o plano das organizações, deparamo-nos com aquilo que chamamos de cultura organizacional. “Do ponto de vista sociológico, a personalidade social é a soma de todos os papéis que o indivíduo desempenha. Os papéis são ditos sociais porque representam uniformidades de comportamentos compartilhados por muita gente. O papel pode ser estudado cientificamente, pode ser analisado em detalhe e pode ser observado em ação, já que são muitos os indivíduos que realizam o mesmo papel mais ou menos da mesma forma. O papel típico de pai, de vendedor ou de professor pode ser identificado entre os indivíduos que nos rodeiam na sociedade. Se não fosse assim, o sociólogo não poderia estudar as relações humanas organizadas, nem a sociedade poderia funcionar de modo organizado e sistemático” (FICHTER, 1975, p. 244) As instituições podem ser classificadas segundo sua natureza (modo de pensar, perceber e expressar o mundo; mecanismo de funcionamento; padrão de controle; crença disseminada; conduta rotinizada), estrutura (organização, burocracia, gerenciamento) e finalidade (familiar, econômica, religiosa, política, militar, educacional e recreativa). Encarando a instituição enquanto organização – por exemplo, uma empresa, seja pública ou privada –, é possível ater-nos ao fato de que seu funcionamento implica na ativação de uma rede de papéis hierarquicamente escalonada e dotada de uma bem definida estrutura de poder. Essa estrutura de poder se expressa, segundo Weber (1999; RUNCIMAN, 1966) a partir de três dimensões da estratificação social: econômica (classe social), social (grupo de status) e política (estrato de poder). Enquanto classe social, a estratificação social revela-se a partir da produção e aquisição de bens e serviços (um baixo poder aquisitivo revela um funcionário subalterno, um auxiliar de serviços gerais, por exemplo, e está

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associado à sua função no processo produtivo quanto às relações de trabalho e à propriedade). Enquanto grupo de status, a estratificação social exprime-se a partir do estilo de vida que as pessoas levam em função do que fazem com seu dinheiro em termos de consumo (o tratamento dispensado a determinado funcionário na organização e que se expressa por meio de uma alta remuneração salarial ou mesmo de uma generosa participação nos lucros constitui um indicador seguro da alta posição ocupada por tal funcionário na estrutura de prestígio da empresa). Enquanto estrato de poder, a estratificação social expressa-se a partir do grau de participação nas tomada de decisão estratégica da empresa ou

A empresa constitui um exemplo de instituição econômica em que o desempenho articulado de papéis visa ao alcance de objetivos utilitaristas, ou seja, visa à obtenção do lucro.

no núcleo de poder (a decisão de aprovar ou desaprovar a realização de um investimento, por exemplo, expressa prestígio). A noção de estrutura de poder evoca a ideia de desigualdade sócioocupacional, haja vista que a promoção de funcionário por mérito lhe faculta a oportunidade de maior capacidade de poder, de realização pessoal, de aceitação social e de elevada autoestima. Logo, a posição social ou de status

As instituições podem ser classificadas segundo sua natureza, estrutura e finalidade.

das pessoas não é, a rigor, determinada pela necessidade que a sociedade tem de determinadas ocupações profissionais, cuja importância depende da valorização dada pela sociedade a algumas atividades em detrimento de outras ou da avaliação positiva ou negativa que faz da competência de determinados profissionais. Em última instância, o que determina a posição das pessoas na estrutura da sociedade, e mesmo na de uma organização específica, é a sua função no processo produtivo no que se refere às relações de trabalho (se é trabalhador ou empresário capitalista) e à propriedade (se é ou não proprietário dos meios de produção, isto é, se é ou não dono de fábrica ou empresa). Resumindo: As classes sociais são estratificadas em termos da produção e aquisição de bens e serviços; e os grupos de status, em termos do consumo. Em outros termos, a caracterização de uma classe social depende das origens de nosso dinheiro (fonte do poder aquisitivo); o status ou posição social que adquirimos, por sua vez, depende do lugar para onde ele vai (destinação no uso de nosso dinheiro). Portanto, quando se evoca o princípio de hierarquia, traz-se à discussão o tema da posição social das pessoas na sociedade ou qualquer em estrutura organizacional. Numa palavra: a estratificação da sociedade em classes se processa conforme a participação dos indivíduos no processo de

- A classe social dos indivíduos é determinada pela sua função no processo de produção e pelo seu poder aquisitivo. - O grupo de status é definido em função do estilo de vida adotado pelas pessoas na sociedade. - O estrato de poder ao qual se vinculam os indivíduos é determinado pelo grau de participação deles nas tomadas de decisão de uma organização.

produção (seja como trabalhador, seja empresário), de partilha e de distribuição da riqueza no mundo; e quanto a sua disponibilidade ou não de propriedade.

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A caracterização de uma classe social depende da obtenção de nosso dinheiro ou poder aquisitivo (produção e aquisição de bens e serviços). A caracterização do grupo de status, por sua vez, depende do modo como gastamos o nosso dinheiro (consumo).

Quanto mais escasso é o objeto dos nossos desejos, mais difícil é a sua obtenção, devido, sobretudo, à concorrência entre as pessoas pela posse ou usufruto do mesmo bem ou serviço, no âmbito do mercado. Assim, a profissão de médico, às vezes, é mais valorizada nas cidades do interior do que nas capitais pelo fato de ser mais abundante nestas e mais escassa naquelas. Tal fenômeno funciona mais ou menos de acordo com a lei econômica da oferta e da procura. Ocorre que tanto o modo de organização quanto de distribuição da riqueza produzida no âmbito dessa realidade social é marcado pela desigualdade entre as pessoas. Essa desigualdade social se exprime a partir do processo de estratificação social em sua dimensão econômica, isto é, o processo a partir do qual os indivíduos são dispostos em classes sociais (agregados básicos) segundo a posição que ocupa na produção, seja como empresário (capital), seja como trabalhador (trabalho).

“O papel social é a dinâmica do status, isto é, o desincumbir-se dos deveres e usufruto dos direitos” (CASTRO, 2003, p. 42).

Se os papéis que desempenhamos em qualquer organização são determinados pela amplitude de nossa rede de relações sociais, e se essa rede de relações se desenvolve no âmbito de um sistema econômico que se caracteriza pela exploração do trabalho assalariado por parte dos detentores dos meios de produção, então, esses papéis e relações são submetidos a critérios distributivos que refletem a assimetria de poder entre as classes sociais, os grupos de status e os estratos de poder. Conforme o exposto, a posição social que os indivíduos ocupam/ desfrutam na sociedade extrapolam a mera definição de seu status em função do grau de importância de sua ocupação profissional. Para explicar melhor como se dá o processo de estratificação social nas sociedades capitalistas convém ir à raiz da questão, através de sua dimensão básica. Ou seja, convém fundamentar as razões da desigualdade social a partir do conceito das classes sociais, a saber: agregados básicos de indivíduos numa sociedade, os quais se opõem entre si pelo papel que desempenham no processo produtivo, do ponto de vista das relações que estabelecem entre si na organização do trabalho e quanto à propriedade (SANTOS, 1987, p. 41, grifo nosso). As explanações feitas acima sobre os papéis que os indivíduos desempenham na realidade histórica da vida em sociedade demonstraram à

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exaustão como tais papéis asseguram a provisão de suprimentos materiais e espirituais, ao mesmo tempo em que garante a manutenção de padrões mínimos de interação entre os indivíduos na representação de respectivos papéis. No decurso desse processo de sobrevivência, os papéis sociais se organizam em rede, produzindo crescentes teias de relacionamentos cuja motivação

O homem é um ser relacional, uma vez que só revela sua verdadeira natureza relacionandose com os outros.

finalista condiciona a sua orientação. Essas teias de relacionamento em ação que assumem certas orientações, sejam elas positivas, sejam negativas, são identificadas como processo sociais positivos ou conjuntivos (associativos) e/ou como processos sociais negativos ou disjuntivos (dissociativos).

2.4. Os processos sociais Os seres humanos são gregários por excelência. Para eles, ser gregário é a condição de possibilidade de sua própria existência, é a consumação de seu modo particular de ser, que se manifesta através de relações sociais interdependentes. Os seres humanos, ao contrário dos animais inferiores, são obrigados a construir um mundo compatível com suas limitações e exigências existenciais, pois não existe um mundo humano dado de uma vez por todas e rigorosamente apropriado aos que nele vivem. Enquanto os animais inferiores ao nascerem encontram um mundo que lhe é apropriado, com os seres humanos isso não acontece, já que não existe um mundo genuinamente humano, a menos que seja construído por humanos. A construção desse mundo genuinamente humano levada a efeito por humanos implica na definição de papéis sociais, de padrões de relacionamento e de processos de agregação ou desagregação. Os grupos humanos e as pessoas em geral se relacionam em função do status (a relação que existe entre os indivíduos em conformidade com a posição que ocupam na sociedade), do papel (a interação mútua que se verifica quando os indivíduos articulam os seus papéis sociais para atingir objetivos coletivos) e do processo (relações recíprocas básicas que permeiam os distintos papéis desempenhados pelas pessoas no curso de suas vidas cuja orientação se expressa enquanto fenômenos agregadores ou desagregadores). A relação no processo alude aos padrões de interação entre dois ou mais indivíduos que

Judeus rezando na sinagoga no Yom Kippur, de Maurycy Gottlieb, Viena, 1878. Tel Aviv Museum of Art. Grande parte da população do Brasil é constituída de egressos da etnia judaica, paulatinamente assimilados à cultura brasileira. (www.pt.wikipedia.org/ wiki/judeu)

transcende o simples exercício de papéis sociais e o mero vínculo que existe entre eles. A partir daí é possível classificar os processos sociais básicos em processos sociais conjuntivos (associativos) e processos sociais

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disjuntivos (dissociativos). Os processos sociais conjuntivos são aqueles padrões de relações mútuas básicas que possibilitam uma maior integração e identificação entre as pessoas conforme desempenham os seus papéis na sociedade; refletem o altruísmo recíproco e a justiça. Os processos sociais disjuntivos, por sua vez, constituem aqueles padrões de relações mútuas básicas que se caracterizam pela divergência de ideias e condutas por parte dos indivíduos no processo geral de desempenho de seus papéis sociais; refletem a injustiça e a desagregação do tecido social. Após explicitar que os indivíduos e grupos sociais se relacionam em função de seu status, de seus papéis sociais e dos modos de interação mútua expressos pelos processos sociais conjuntivos e disjuntivos, cabe-nos agora individuar cada um deles segundo sua função como fator de coesão (cooperação, acomodação e assimilação) ou de desagregação (conflito, oposição e competição) no quadro geral da estrutura da sociedade. A cooperação é um processo social associativo fundamental à manutenção da coesão interna de toda sociedade; consiste nas relações sociais básicas em que dois ou mais indivíduos ou grupos sociais colaboram entre si de maneira a atingir um objetivo comum. Ex.: a relação recíproca (ou colaboração) entre duas empresas que envidam esforços para conquistar segmentos de mercado, o que isoladamente não seria possível. A acomodação, enquanto processo social associativo, consiste na interação entre dois ou mais indivíduos ou grupos sociais que visam evitar, diminuir ou simplesmente acabar com divergências. Ex.: um acordo entre pessoas, grupos sociais ou partidos políticos em torno da aceitação de determinadas propostas ou estratégia de ação configura uma forma de acomodação, adaptação, capitulação. A assimilação, por sua vez, constitui uma modalidade de processo social associativo em que dois ou mais indivíduos ou grupos sociais acolhem e reproduzem os comportamentos de outros indivíduos ou grupos sociais. Ex.: a adoção de hábitos indígenas por parte da população do Brasil em sua fase colonial, a assimilação da população judaica autóctone no Brasil etc.). Ao contrário dos processos sociais disjuntivos ou associativos, os processo sociais disjuntivos ou dissociativos se caracterizam pela disputa, pela desavença, pelo choque de interesses. O conflito é a forma de processo social dissociativo através do qual dois ou mais indivíduos ou grupos sociais procuram anular uns aos outros. Ex.: a guerra, as revoltas sociais, o terrorismo etc.

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UNIDADE 2


A oposição constitui um tipo de processo social dissociativo em que indivíduos ou grupos sociais procuram frustrar os planos de outros indivíduos ou grupos sociais. Ex.: uma coligação de partidos políticos que, em disputa pelo poder institucional em seus vários níveis administrativos, dedicam esforços para impedir que uma coligação de partidos políticos rivais logre êxito ou atinja seus objetivos. A competição caracteriza a forma de interação social em que dois ou mais indivíduos ou grupos sociais fazem esforços vigorosos para atingir o mesmo objetivo. Trata-se de uma atividade rival em que duas ou mais pessoas ou grupos procura suplantar seu oponente, seja através de um jogo de soma zero (o êxito de um dos oponentes implica no insucesso de um outro) ou de um jogo de soma variável (a competição entre os participantes de um jogo que, não obstante serem competidores, faculta o sucesso de todos os envolvidos na disputa). Ex.:

Competição deriva do latim com, “junto” + petere, “pedir, propender a certa meta ou objetivo”. Nessa acepção equivale semanticamente à concorrência e/ou ao concurso. (www. pt.wikipedia.org/wiki/ boxe)

todas as disputas esportivas, a concorrência entre os candidatos a uma vaga em um concurso público, as pugnas comerciais pela venda de mercadorias por parte de empresas que operam segundo os paradigmas de mercado etc. Os processo sociais acima descritos não são encontrados em seu estado puro na sociedade; o mais comum é encontrá-los imbricados entre si, possibilitando inúmeras combinações possíveis. Como vimos, essas duas categorias de processos sociais são opostas entre si, uma vez que uma se vincula ao consenso, ao entendimento; e a outra, ao conflito, à divergência.

2.5. Cultura e sociedade Todo e qualquer membro normal de uma sociedade possui cultura, já que participa de grupos e da sociedade total, uma vez previamente submetido ao processo de socialização. Socialização e cultura são conceitos indissociáveis e centrais em sociologia. O conteúdo de que tratam em suas áreas temáticas de estudo se articulam com o fito de compreender o processo total de reprodução da sociedade. Essa articulação dos conceitos de socialização e cultura permite que vislumbremos a sociedade mediante uma perspectiva caleidoscópica, ou seja, permite que encaremos a sociedade como um organismo vivo, a pulsar cada vez mais freneticamente. Afinal, estamos, na expressão de Marc Auge, com a “história em nossos calcanhares” A socialização é um processo, não passa disso. Seu modo de contribuir para a compreensão da sociedade é demonstrar que a mudança em si mesma é um fenômeno irreversível. Apesar de sermos refratários a tudo aquilo que altera

Sociologia aplicada a administração

“A cultura representa valores, ritos, mitos e modelos de comportamento que visam a orientação e o controle dos comportamentos individuais das pessoas, fornecendo um sentido comum voltado para a convergência de objetivos na organização” (MOTTA, 2003, p. 40). Os componentes da cultura integram uma totalidade compreensível, coerente e interdependente que é fundamental na intelecção de qualquer sociedade; individualmente considerados, conservam, não obstante, um mínimo de estrutura e organização.

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uma situação ou condição de vida tido para nós como satisfatória ou próspera, a percepção que temos sobre a mudança – tanto na natureza quanto na vida social do homem – é de algo que é considerado um truísmo, isto é, uma verdade tão evidente em si mesma que dispensa o recurso à demonstração ou à lógica da prova, tornando-se, pois, uma verdade acachapante. A cultura exprime o conjunto dos produtos materiais e imateriais produzidos pelos seres humanos. Constitui a totalidade das ações realizadas pelos indivíduos em interação constante, os significados destas, os valores que embasam tais ações, as regras seguidas, os meios de satisfação das necessidades, os estilos de vida etc. O padrão repetido de comportamento social constitui o elemento básico irredutível da cultura. Esta é formada por reiterados comportamentos coletivos que se institucionalizam (são aceitos como legítimos, pois estão de acordo com a moral e os bons costumes) à proporção em que, ao longo do tempo, caem na rotina, sedimentando-se como relações estáveis entre indivíduos, grupos sociais, instituições e nações, para depois definhar aos poucos, até que sejam substituídas por outras relações mais eficientes no processo de criação de uma nova ordem social. Os padrões repetidos de comportamento social tendem a se combinar dando origem aos distintos papéis sociais, relações humanas e processo sociais, os quais, por sua vez, integram as diversas instituições ou unidades da cultura. Genericamente, os componentes da cultura podem ser assim ordenados É através da cultura que o ser humano fazendo as coisas de que depende - se faz homem, como se fosse um demiurgo de si mesmo.

em três grandes categorias, a saber: 

Instituições – São padrões normativos que governam a

conduta dos indivíduos (ver Unidade 1); 

Ideias - Inclui uma diversidade de conhecimentos (científico,

filosófico, teológico, tecnológico etc.) e crenças (morais, religiosas, mitológicas etc.). As ideias constituem os elementos imateriais de uma cultura. Também podemos denominá-la de cultura ideal, uma vez que se refere aos produtos do espírito ou da genialidade humana que expressam os seus sentimentos em relação às pessoas, aos objetos, assim como os valores que orientam as nossas condutas individuais e coletivas e os significados que atribuímos às nossas próprias ações intencionais; 

Cultura Material – Diz respeito à produção de todo e qualquer

objeto material realizado pela criatividade humana visando à simplificação de sua existência no mundo natural, tais como utensílios domésticos, arado,

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UNIDADE 2


colheitadeira, material bélico etc. Constituem os elementos materiais de uma cultura aos quais também nomeamos como cultura real, numa referência direta às suas propriedades intangíveis. Na cultura total das sociedades podemos constatar a existência de variações culturais entre as regiões de determinados países, assim como a adoção de condutas e linguagens profissionais circunscritas a determinados grupos sociais, os quais denominamos como subcultura. Esta, a exemplo da cultura total, comporta as principais instituições básicas: as instituições familiares, educacionais, políticas, econômicas, militares e recreativas. A finalidade essencial da cultura é facultar aos indivíduos que vivem em sociedade a organização da satisfação de suas necessidades básicas através das principais instituições. Embora tais instituições sejam os meios através dos quais tais satisfações sejam supridas, as funções realizadas por elas coincidem com aquelas desenvolvidas pela cultura total. Existem, contudo, certas funções suplementares inerentes à cultura, quais sejam: a) caracterização da identidade de uma sociedade em relação às outras; b) possibilidade de sistematização e interpretação dos valores de uma dada sociedade; c) fornecimento de um

A “cultura organizacional representa o conjunto de normas informais, valores e atitudes que as organizações tendem a desenvolver, tais como formas de vestir, tipos de padrões de comportamento, tais como orientações para o futuro ou passado e expectativas de estilos de trabalho” (VASCONCELOS e HEMSLEY, 2003, p. 106).

lastro estratégico para a solidariedade e coesão sociais; d) articulação do comportamento multifacetado da coletividade; e) aporte para a formação da personalidade social dos indivíduos (socialização). A cultura expressa a construção do mundo do homem por ele mesmo, mas sob as condições disponibilizadas pela natureza. Pertencemos a uma sociedade, e não a uma cultura. Manifestamos, porém, a cultura em nosso comportamento quando adotamos condutas já consagradas pelas práticas sociais dos indivíduos na sociedade. O que se aplica à sociedade total também se aplica ao universo administrativo, organizacional e social da empresa, já que a socialização é o mecanismo através do qual a empresa cria e mantém sua própria cultura organizacional (valores, práticas sociais, códigos de conduta, ritos, mitos, modelos de gestão administrativa etc.) Como já referimos antes, a socialização se processa por meio dos mecanismos da interação e identificação com os outros, sejam eles concebidos como os outros significativos, sejam eles concebidos como o outro generalizado. Logo, a socialização é o processo mediante o qual a sociedade consegue perpetuar-se no tempo e no espaço, ou seja, é o meio através do qual a sociedade se reproduz enquanto estrutura organizacional ou sistema social, adquirindo um maior grau de complexidade em seus objetivos, valores, tecnologias

No âmbito das organizações são desenvolvidos padrões repetidos de comportamentos, pois seus integrantes: a) têm certos procedimentos padronizados com vistas a um mesmo objetivo; b) servem-se dos mesmo valores; c) utilizamse de tecnologias apropriadas para os objetivos que buscam; d) trabalham nos mesmos espaços ao longo do tempo; e) dispõem dos mesmos recursos (Silva, 2006:74).

e padrões e modelos de relações. Mas esse processo de aprendizagem social

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visando à manutenção da vida em sociedade não pode ser realizado sem que haja uma cultura preexistente, ou seja, um conjunto suficientemente amplo de padrões comportamentais, de modos de vida, ideias, conhecimentos, valores, tecnologias, modos de pensar e conceber a realidade em que se está inserido etc. De modo idêntico ao que ocorre na sociedade, a empresa também necessita de um mecanismo de aprendizagem que determine a configuração daquilo que denominamos como cultura organizacional. E descrever tal mecanismo de aprendizagem é o mesmo que descrever o processo de formação da cultura organizacional.

2.5.1. Cultura Organizacional O estudo dos problemas organizacionais e das culturas organizacionais popularizou-se no começo da década de 1950, ocasião em que foi fundada uma instituição denominada Foundation for Researcher on Humana Behavior, nos Estados Unidos da América, cujo objetivo reside na promoção e realização de pesquisas na área das ciências comportamentais, com ênfase nas empresas, nos estudos governamentais e das demais organizações. Na esteira de tais estudos, os pesquisadores deram-se conta de que os fatores culturais constituíam um diferencial importante no âmbito dos processos administrativos, sendo, portanto, um indicador estratégico capaz

de

explicar

o

êxito

ou

fracasso

das

empresas. Assim sendo, o complexo constituído de variáveis é o responsável “O conjunto de ideias, paradigmas, intenções, metas, valores, tecnologia, relações etc., que se fazem presentes, ora com mais intensidade, ora com menos, nos ambientes de uma organização ou empresa, constitui uma microssociedade que apresenta as mesmas características de socialização e formação cultural de um povo” (SILVA, 2006, p. 82).

pelos diferenciais de produtividade da empresa. Tanto no âmbito da sociedade em geral como no âmbito da empresa, a cultura se apresenta como uma construção social, razão pela qual é representada por componentes como equipamentos tecnológicos, informações contábeis, dados econômicos, domínio de mercado (componentes concretos ou tangíveis), códigos de comunicação, percepção de significados cultuados pela empresa, práticas operacionais, paradigmas de gestão administrativa, patentes, estilo de vida e de qualidade da linha de produtos e serviços (componentes simbólicos ou intangíveis). A socialização aplicada ao contexto interno da organização mercantil se manifesta como mecanismo de aprendizagem coletiva que determina a configuração da identidade da cultura organizacional de uma empresa. A compreensão dos mecanismos de ação dos componentes materiais e imateriais na conformação cultural de uma organização depende da caracterização funcional (a dinâmica interna e externa de seus processos administrativo,

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UNIDADE 2


comercial, sócio-organizacionais, políticos e econômico-financeiro) e estrutural (infraestrutura física, compleição organizacional, organograma administrativo e estrutura de poder) desta, possibilitando identificar as mudanças verificadas em seu desenvolvimento como decorrência das mudanças observadas em seu meio ambiente. Logo, o desempenho das organizações é condicionado pela forma com que os componentes materiais e imateriais se articulam na configuração de seu padrão cultural. Em suma, quanto maior o grau de articulação e de harmonização entre os componentes materiais e imateriais que compõem a cultura da empresa, maior o coeficiente de motivação dos seus membros. Além do mais, a eficácia organizacional de uma empresa depende do grau de tolerância desta em relação aos valores, códigos, padrões de relacionamentos e modelos comportamentais compatíveis com o ambiente de formação cultural dos seus funcionários. Ex.: o uso da língua inglesa em um ambiente em que os funcionários a dominem precariamente pode representar um problema de comunicação capaz de comprometer sua capacidade de alcançar as metas de produtividade de uma empresa. Uma vez definidos os objetivos gerais de uma empresa e a correspondente criação de uma estrutura organizacional compatível que proporcione a realização concreta de tais objetivos, o próximo passo administrativo é “impor” uma homogeneidade nos modos de comportamento e de pensamento na implementação de estratégias de ação. Em outras palavras, significa fazer com que os modos de operar de uma empresa sejam comuns a todos os seus funcionários, de maneira que os objetivos da empresa e dos que nela trabalham sejam os mesmos ou guardem entre si uma relação de cooperação relativamente

Os componentes materiais e imateriais da cultura organizacional podem ser caracterizados como variáveis na medida em que influenciam a organização através de arranjos culturais diferentes cuja percepção e compreensão são distintamente captadas pelo público interno e externo à organização.

permanente. Assim, se no âmbito de uma empresa são disseminada as ideias da qualidade total e da gestão do conhecimento então os valores a ser cultuados pelos funcionários da empresa possuem como lastro a execução de tais ideias, o que pressupõe que toda organização possui uma cultura, ou seja, a cultura desponta como uma variável organizacional importantíssima capaz de explicar o seu sucesso ou fracasso. Resumindo: A cultura organizacional se exprime pela interpretação que o ser humano desenvolve acerca da realidade no contexto interno da organização. Nesse sentido, ela não é nada mais nada menos do que a “cola” que mantém unida a organização. A cultura organizacional influencia diretamente o padrão de conduta e de pensamento das pessoas que integram e animam as empresas: define o que deve ou não ser objeto de atenção, o significado das coisas, o modo de reagir, assim como os procedimentos em face das múltiplas situações no contexto de uma ordem contingente etc. Sociologia aplicada a administração

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Atividades

Saiba Mais Consulte o sítio http:// www.wikipedia.org/

1.

Pesquise sobre o interacionismo simbólico.

2.

Diferencie “outros significativos” de “outro generalizado”.

3.

Reflita sobre as cinco maiores abordagens da relação micro-macro, segundo Jeffrey Alexander.

4.

Análise a seguinte questão: É possível a existência de qualquer sociedade sem o intercurso do mecanismo da socialização? Justifique sua resposta.

5.

Reflita sobre a afirmação segundo o qual o ser humano é um ser relacional.

6.

Explique o que é papel social e como ele se relaciona com o processo de socialização.

7.

Qual é a função da rede de papéis sociais na criação e manutenção das instituições?

8.

Discorra sobre classe social.

9.

Disserte sobre os processo sociais.

10.

Faça uma análise sobre a função social da cultura na construção e manutenção da sociedade.

11.

Analise a importância da cultura organizacional no âmbito dos sistemas sociais denominados empresas.

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UNIDADE 2


UNIDADE 3 Sociedade, Estrutura e Organização

Resumindo No estudo dos ambientes organizacionais, descobriremos em que consistem, como se comportam e como se desenvolvem as organizações; veremos como se verifica a interação entre elas e seu meio ambiente, e como se modificam continuamente de forma cada vez mais frenética para dar conta do ritmo de transformações da sociedade em que está inserida; discorreremos sobre a correlação estreita existente entre as estruturas das organizações e os processos de tomada de decisão, fato administrativo da mais alta importância para se compreender a dinâmica dos fenômenos do poder e da liderança; e focalizaremos as empresas como grupos organizados, assim como a influência da gestão do conhecimento na sinergia e eficácia das organizações em relação ao mercado extremamente competitivo



Sociedade, Estrutura e Organização

3.1. As Organizações Pode-se encarar uma organização tanto como objeto social quanto como processo social. Quando concebemos a organização como objeto social, aludimos às suas dimensões propriamente morfológica (forma) e teleológica (propósito). Assim, na condição de objeto social, uma organização pode ser compreendida em conformidade com os propósitos previamente estabelecidos, com o emprego de determinadas tecnologias, com as formas e processos de autoridade e coordenação adotados e com as modalidades de legitimação de sua estrutura de poder. Quando pensamos a organização na condição de estrutura de ação coletiva ou como processo social, referimo-nos à estruturação articulada dos papéis desempenhados por determinados atores administrativos que procuram cooperar entre si sem abdicar de sua autonomia (ainda que relativa), apesar de perseguirem objetivos e interesses muitas vezes divergentes. Logo, tais processos organizacionais se constituem o objeto estratégico por excelência da sociologia das organizações, uma vez que o enfoque permitido por essa perspectiva dinâmica reside na centralidade estratégica dos mecanismos operacionais que garantem a cooperação entre os seus elementos constitutivos e a previsibilidade de suas ações. Consequentemente, analisar as organizações implica em considerar as ações realizadas pelos indivíduos e o seu papel na construção, consolidação e manutenção da ordem organizacional vigente.

Organizações são “conjuntos humanos formalizados e hierarquizados com vistas a assegurar a cooperação e a coordenação de seus membros no cumprimento de determinados fins” (FRIEDBERG, 1995, p. 375).

Em outras palavras, trata-se da questão de sua sobrevivência na condição de conjuntos organizados. Mas no que consiste uma organização? Consiste num grupo de pessoas formal e hierarquicamente articulados que coordena os esforços individuais de seus membros, combinando-os com os recursos materiais, financeiros e logísticos de maneira a atingir determinados fins. As organizações constituem as

Sociologia aplicada a administração

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alternativas possíveis para o alcance de objetivos coletivos naquelas situações em que a iniciativa individual está fadada ao insucesso. Assim, a organização resulta da combinação de esforços individuais orientados para a concretização de objetivos comuns. Uma organização se distingue dos demais tipos de grupos sociais por dispor de uma específica divisão do trabalho que seja compatível com seus objetivos comerciais e de uma estrutura de coordenação cuja função estratégica é harmonizar o desempenho dos papéis assumidos hierarquicamente pelos indivíduos com os objetivos da organização, tornandoos comuns a todos – proprietários, acionistas e funcionários. Nesse sentido, podemos chamar de organizações um sem número de instituições, a saber: as administrações públicas e os partidos políticos (primeiro setor), as empresas industriais, comerciais e de serviços (segundo setor), as associações de classe e recreativas, as igrejas e as demais organizações não governamentais (terceiro setor)14. A sobrevivência de uma organização está diretamente associada ao alcance de seus objetivos (eficácia), e estes, por sua vez, depende da racionalização (ou não) dos recursos disponíveis (eficiência). A operacionalização dessas funções de realização de objetivos e a correta utilização dos recursos disponíveis associados a tal fim podem ser definidas como administração, uma vez que o objeto de preocupação analítica desta é dar conta da eficácia e da eficiência da organização em relação ao seu ambiente externo. O primeiro setor diz respeito àquelas organizações cujas ações são subordinadas ao poder político, possuindo, portanto, a prerrogativa legal e legitima na exclusividade do uso do poder coercitivo, por sua vez garantida por um texto fundador, ou seja, uma Constituição. O segundo setor alude às organizações de natureza mercantil cujo propósito e motivação básica é a busca por ganhos econômicos e financeiros mediante a troca de bens e serviços no mercado. O terceiro setor concerne às organizações destituídas de autoridade legal para o uso de força constrangedora e que desenvolvem atividades sem fins lucrativos e de interesse público.

14 Há controvérsia relativa à ordem de classificação destas áreas de atividades ou setores. Para a grande maioria dos estudiosos americanos o setor do mercado tem precedência sobre o setor governamental pelo fato daquele ter surgido primeiro no decurso da história.

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UNIDADE 3


Portanto, administração, na condição de disciplina científica, tem por objeto o planejamento, a previsão, a estruturação de ações e meios operacionais, a direção e o controle das atividades desenvolvidas no contexto interno da organização com vistas ao alcance de objetivos específicos. Ela envolve grupos de pessoas especializadas na arte de tomar decisões acerca dos objetivos, estratégias e uso dos recursos disponibilizados pela organização, sejam eles designados como governantes, autoridades, dirigentes, gerentes ou simplesmente administradores. Estes grupos de pessoas, uma vez integrados numa administração, diretoria, gerência ou em quadros dirigentes, deverão estar submetidos a uma determinada estrutura de poder (hierarquia). A interação destes grupos no interior das organizações constitui um dos objetos principais da Sociologia aplicada à administração, uma vez que as relações interpessoais entre tais atores administrativos são operacionalizadas sob a égide de um conjunto de objetivos, processos, doutrinas e valores específicos, ou seja, sob a égide de uma cultura organizacional que lhe é pertinente. A cultura exerce um papel crucial na formatação de qualquer organização, sociedade ou sistema social, ao interferir diretamente no modo como as pessoas constroem e concebem o mundo em que vivem – do microcosmo da empresa ao macrocosmo da sociedade globalizada. Através do trabalho e do conhecimento proporcionados pela cultura geral da organização a que se integra, o indivíduo garante as suas condições materiais e espirituais de existência, desenvolvendo suas potencialidades e realizando-se profissionalmente em conformidade com a sua posição social na estrutura da sociedade. Afinal, as organizações formulam e implementam uma cultura compatível com seus objetivos, valores, tecnologias e com a natureza das atividades que realizam para atingir as suas metas programáticas e utilitaristas, visando à obtenção de vantagem comercial. Mas as organizações também existem em função do estreitamento das relações que se instauram no ambiente de trabalho, gerando vínculos afetivos semelhantes ao tipo de relação vigente entre os membros de uma família. Tratase de transformar parte do outro generalizado (grupos secundários) em outros significativos (grupos primários), processo este que serve para caracterizar e configurar o que chamamos de estrutura de relações. É o que veremos a seguir.

3.1.1. Estrutura das Organizações A configuração estrutural de uma organização é determinante no desempenho organizacional desta. Por essa razão trataremos da noção de

Sociologia aplicada a administração

“A administração é um processo de planejar, organizar, dirigir e controlar a aplicação de recursos humanos, materiais, financeiros e informacionais, visando à realização de objetivos” (MAXIMIANO, 1985, p. 23).

“Nas ciências sociais, econômicas, em física, em química, etc., a estrutura é o modo de ajustamento de um conjunto de coisas, de partes ou de forças, que estão reunidas de modo a constituírem um todo específico. Cada vez que se fala em estrutura é para designar a forma de coerência de um conjunto e a sua heterogeneidade em relação a outros. Numa estrutura, cada parte ou elemento está em conexão ou em sinergia com os outros e não pode ser o que é, a não ser através da e na sua relação com eles. A estrutura é latente, está inscrita na realidade de modo bastante durável e estável. È por isso que a apreensão de uma estrutura permite destacar um modelo de funcionamento. O modelo deve mudar quando a estrutura se torna diferente” (BIROU, 1982, p. 148).

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estrutura e sua importância para a compreensão dos aspectos estruturais dos sistemas sociais que chamamos de empresas, evocando, por sua vez, o conceito de função, essencial na explicação da dinâmica das organizações empresariais. “A estrutura de uma organização pode ser definida como o resultado de um processo através do qual a autoridade é distribuída, as atividades desde os níveis mais baixos até a Alta Administração são especificadas e um sistema de comunicação é delineado permitindo que as pessoas realizem as atividades e exerçam a autoridade que lhes compete para o atingimento dos objetivos organizacionais” (VASCONCELLOS e HEMSLEY, 2003, p. 03).

De modo geral, o termo estrutura alude a um conjunto de componentes ou partes articulados entre si de tal maneira que a modificação de uma das partes conduz a uma modificação correspondente nas outras, logo, em toda a sua totalidade. Para Radcliffe-Brown (apud Golias, 2006, Unidade 2), estrutura social consiste na rede de relações sociais que assinalam, concretamente, determinada realidade social. Para ele, a noção de estrutura diz respeito a uma particular ordenação tanto dos componentes sociais quanto dos traços constitutivos da cultura; a noção de função, por sua vez, alude à interconexão que se verifica entre a estrutura social e os processos dinâmicos que assinalam a existência da sociedade, sendo que tais processos são os meios através dos quais a sociedade como um todo mantém a sua harmonia funcional e as suas características particulares. Em outros termos, significa dizer que qualquer traço cultural (uma transmissão de cargo numa grande corporação ou a adoção de um modelo de gestão administrativa) ou componente da estrutura social (a redução da diferenciação vertical e de quadros em uma empresa - downsizing) somente pode ser devidamente explicado em conformidade com sua relação funcional com os demais componentes dessa estrutura social, assim como o seu papel no processo global de manutenção da ordem existente. Logo, a existência duradoura das organizações – a exemplo do que se verifica com a sociedade em geral – depende do grau de interações realizadas

“Os princípios e valores sobre os quais as organizações se baseiam são elementos fundamentais para determinar sua configuração estrutural e ,assim, sustentar ações que alavanquem a mudança e permitam a construção de uma organização inovadora” (ANGELONI, MUSSI e MÜLBERT, 2002, p. 4).

pelas pessoas socializadas, já que elas internalizam (aceitam como legítimos) os padrões de comportamento social e os valores socioculturais de seu ambiente de trabalho. E isso ocorre no quadro geral daquilo que chamamos de estrutura de relações. Estrutura de relações é a categoria sociológica concebida para expressar o conjunto dos comportamentos realizados pelas pessoas na medida em que desempenham múltiplos papéis sociais; serve para indicar a forma e o modo a partir do qual ocorrem as relações sociais. Neste sentido, a noção de estrutura de relações é concebida enquanto paradigma (do gr. paradeigma), ou seja, um exemplo que serve como modelo para se compreender uma sociedade ou sistema organizacional. Assim, esse modelo de estrutura social, ou estrutura de relações, é uma ferramenta analítica que propicia apreender a realidade funcional e estrutural da vida em sociedade. E quando falamos em apreender a realidade

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UNIDADE 3


funcional da vida em sociedade, mediante o paradigma da estrutura social ou de relações, referimo-nos à articulação de todos aqueles papéis, relações e processos dinâmicos que contribuem para a manutenção da coesão interna seja da sociedade como um todo, seja de um sistema social como uma empresa. Logo, dizer que alguma instituição é disfuncional à existência de determinada sociedade ou organização significa dizer que tal instituição esgotou a sua capacidade de contribuir para a estabilidade ou integração de tal sociedade ou organização. A falência do instituto da escravidão como modo de produção coadjuvante ao capitalismo emergente tornou-se um obstáculo à mudança na estrutura da sociedade agrária brasileira do fim do século XIX. Para o sistema econômico, o modo escravista de produção, que antes contribuiu de forma decisiva para a afirmação e consolidação do capitalismo no Brasil e no mundo, que antes era uma fautoria, logo se torna um estorvo, um entrave à institucionalização (aceitação, legitimação) do capitalismo, pois o funcionamento deste é lastreado pelo trabalho assalariado. Mas essa mesma instituição é funcional à determinada sociedade ou organização na medida em que contribui para a sua coesão ou existência social. A promoção de várias atividades esportivas e a política de concessão de auxíliosaúde extensivo a toda a família dos funcionários é fundamental no estímulo ao sentimento de pertença de uma organização; logo, contribui para a sua estabilidade e manutenção. Numa outra perspectiva de análise, é preciso entender as organizações como estruturas frágeis decorrentes das vicissitudes das estratégias de poder de seus integrantes. As perspectivas de coerência, coesão e integração de uma organização dependem da interveniência de uma séria de fatores: influência de elementos irracionais (emocionais e tradicionais), uso de racionalidades distintas, interesses conflitantes, rígidas estruturas de decisão etc. A existência das organizações depende de um padrão mínimo de ordem e de cooperação, assim como de previsibilidade e regularidade nas relações interpessoais e na suas ações técnico-operacionais. Mas para que isso ocorra é necessário o cumprimento de certos pré-requisitos: que sejam cumpridas algumas expectativas mútuas da organização em relação aos seus participantes e vice-versa (fundamento contratual), que sejam internalizados normas e

As estruturas das organizações moldam a conduta dos indivíduos; derivam de experiências que se institucionalizaram, transformando-se em princípios, valores, normas de conduta e crenças organizacionais; vivem em permanente troca com o ambiente externo; e estão em constante transformação interna.

valores integrativos (socialização) e, sobretudo, que seus membros tenham determinada capacidade de negociação no processo de troca de condutas que sejam compatíveis com o desempenho de suas atividades, visando atingir seus

Sociologia aplicada a administração

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objetivos particulares (relações de poder e de troca); A estrutura de uma organização se exprime através das relações que se desenvolvem entre os indivíduos responsáveis por sua existência funcional; sempre com base numa específica divisão social do trabalho, que, por sua vez, se apoia numa determinada estrutura de poder e num estatuto de normas e procedimentos, formais e informais. A flexibilidade ou rigidez da estrutura de uma organização – segundo tais normas e procedimentos – é revelador do seu desempenho nos processos de tomada de decisão, pois eles sempre estão associados a uma estrutura rígida ou flexível de poder. A rigidez ou flexibilidade das estruturas de decisão revela o grau de controle da organização sobre os indivíduos; logo, se ele for excessivo, pode entravar os processos de comunicação, informação, invenção e de inovação requeridas pelo ambiente externo. Essa discussão nos conduz inevitavelmente ao exame das modalidades das formas de liderança e suas respectivas estruturas organizacionais: tradicional e inovadora.

ESTRUTURA DAS ORGANIZAÇÕES ESTRUTURA DAS ORGANIZAÇÕES

ESTRUTURA INOVATIVA

Alto nível de formalização.

Baixo nível de formalização

Unidade de comando.

Multiplicidade de comando.

Índice elevado de especialização.

Índice elevado de diversificação.

Comunicação vertical.

Comunicação vertical e diagonal.

Uso de formas tradicionais de departamentalização.

Uso de formas avançadas de departamentalização.

A estrutura de uma organização dever ser compatível com seus objetivos e metas, com a natureza das atividades executadas e com as respostas requeridas por seu contexto externo. As mudanças que se verificam no ambiente externo de uma organização a forçam a adotar padrões diferenciados de estruturação interna de suas funções operacionais. Desse modo, as estruturas tradicionais são apropriadas a ambientes estáveis e previsíveis, assim como às atividades repetitivas, e devido a tais características já não oferecem alternativas viáveis aos desafios organizacionais do mundo contemporâneo. Além do mais, tais estruturas destacam as funções de controle em detrimento das funções

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de criatividade e de iniciativa. Várias características assinalam esse tipo de estrutura, a saber: yy

Alto nível de formalização;

yy

Unidade de comando;

yy

Índice elevado de especialização;

yy

Comunicação vertical;

yy

Uso de formas tradicionais de departamentalização.

MODELOS DE ORGANIZAÇÃO MODELO MECÂNICO

MODELO ORGÂNICO

Organograma muito esquematizado.

Organograma pouco esquematizado

Comunicação muito reduzida e de cima para baixo.

Ampla comunicação; de cima para baixo e vive-versa.

Respeito à hierarquia.

Flexibilização da hierarquia.

Alta concentração do poder de decisão na cúpula administrativa.

Desconcentração do poder de decisão.

Surge em um contexto estável, marcado por baixo índice de inovação tecnológica, mercado regular e previsível.

Compatível com um contexto técnico –econômico turbulento, caracterizado por índice elevado de inovação tecnologia, mercado bastante competitivo e imprevisível.

As estruturas inovadoras, por seu turno, enfatizam a criatividade e a inovação, em resposta à complexidade do ambiente, cada vez mais marcado pela turbulência e incerteza, pelo surgimento de novidades tecnológicas, pela internacionalização crescente dos negócios, pela complexidade das organizações etc. Apresentam características opostas a das estruturas tradicionais, quais sejam: yy

Baixo nível de formalização;

yy

Multiplicidade de comando;

yy

Índice elevado de diversificação;

yy

Comunicação horizontal e diagonal;

yy

Uso de formas avançadas de departamentalização.

Sociologia aplicada a administração

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Alguns autores identificam essas mesmas características segundo nomenclatura diversa. Trata-se de organizações dotadas de diferentes estruturas organizacionais concebidas com base nos modelos “mecânico” e “orgânico”, tais como a demonstrada no quadro ao lado. Uma análise precipitada pode sugerir a existência unilateral de um ou outro tipo de estrutura ou modelo no cenário mercantil, quando, na realidade, tais estruturas ou modelos tendem a serem combinados conforme as exigências do ambiente competitivo e globalizado – a combinação entre tais estruturas ou modelos dá origem à estrutura ou modelo matricial de organizações. É importante frisar que a estrutura organizacional de uma empresa exerce sobre o trabalho dos indivíduos uma influência considerável, pois faz com que as características destes - ou suas idiossincrasias pessoais – sejam O que é mais importante no uso da estrutura como instrumento analítico para a compreensão da dinâmica do ambiente corporativo, por exemplo, não é o número de vezes que as pessoas transitam/ interagem nos departamentos, mas o significado que tais movimentações tem para a compreensão do seu modo de organização, de sua estratégia empresarial de conquista de mercado (setor privado) ou satisfação de usuários (setor público), da medida de atividade econômica (alta ou baixa produtividade) etc.

articuladas com as características estruturais da organização, determinando o ritmo dos acontecimentos em seu contexto interno. Isto acontece por que a noção de estrutura organizacional, além de representar um conjunto de relações, papéis e processo sociais, representa também os princípios e valores que orientam as ações das organizações. De modo que as estruturas organizacionais somente se alteram à medida que os seus princípios ou valores de base sejam também modificados. E tais princípios e valores se alteram à proporção que são confrontados com a necessidade de adequar-se a outros princípios e valores associados aos novos modos de conceber e de produzir as coisas, que são determinadas por um mercado extremamente competitivo, motivado, portanto, pela tônica do ganho de produtividade e pelo culto à inovação; é o choque do jogo do contato entre a organização e seu meio ambiente, ou seja, o contexto social e histórico em que a organização, por ser um fenômeno de ordem localizado, está incrustada. Reside, pois, nessa dinâmica interativa entre a organização e seu contexto social e histórico, as explicações mais precisas acerca do fenômeno do comportamento das organizações no interior das sociedades.

3.1.2. As Organizações e seu Contexto Socioeconômico A noção de contexto social emerge do jogo do contato travado entre as pessoas em seu dia a dia, em sua labuta existencial (desempenho de papéis) no interior de qualquer organização: da família, ou ambiente doméstico, à empresa capitalista, ou ambiente empresarial. Os componentes sociais que integram a

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trama de relações, papéis e processos dinâmicos, aqui enquadrados no âmbito do conceito de contexto social, são ativados pela persecução de determinados objetivos organizacionais: a obtenção de algo de que carece (uma maior fatia de mercado), a manutenção do que já possui (quadro executivo de alto nível) e o repúdio ao que lhe desagrada ou compromete o seu funcionamento (acúmulo desnecessário de cargos administrativos). Uma organização empresarial que vê no estímulo à qualificação profissional permanente de seus recursos humanos um procedimento administrativo que garante à empresa uma situação de destaque comercial no mercado, está praticando uma conduta que é informada por valores associados àquilo que chamamos de a era da informação e do conhecimento. Os valores que impelem à ação no âmbito de uma organização são aqueles que se encontram codificados em sua cultura organizacional sob a forma de sentidos e significados desejáveis ou indesejáveis por ela. Para a sociologia, os valores apresentam as seguintes características: a) constituem algo que se compartilha; b) são socialmente reconhecidos pelas pessoas; c) são independentes do julgamento de uma pessoa específica. Em suma, um contexto social é formado na medida em que os indivíduos, grupos sociais e organizações definem metas ou objetivos que por sua vez são

Os objetivos de uma organização são determinados pelas afirmações ideais acerca de um objeto, de um produto, de uma estratégia, de um comportamento, de uma relação, etc., ou seja, pelos valores que lhes servem como lastro.

informados por valores socialmente construídos, seja na sociedade em geral, seja numa organização em particular. Logo, a análise do contexto social de uma empresa, que pretende compreender sua estrutura e dinâmica, deve levar em conta quatro travejamentos norteadores, a saber: yy

Direção - Um corpo administrativo organizado segundo uma

específica estrutura de poder (hierarquia) e disciplina; compõe o organograma administrativo em que se definem os papéis e prerrogativas de cada um dos empregados especializados (burocracia); yy

Projeto - Uma realização importante para a motivação

estratégica da empresa em conformidade com expectativas de curto, médio e longo prazos (a expansão horizontal e vertical da empresa nos mercados de

Os valores exercem uma função básica na definição das condutas de indivíduos, grupos e organizações: fornecem os critérios que atribuem sentido e significado à cultura e à sociedade como um todo.

produtos e serviços); yy

Práxis - Um programa sistemático de ação informada pelo

conhecimento; a fusão da teoria à prática a serviço do planejamento estratégico, tático e operacional; yy

Ideologia - Conjunto de ideias, representações, objetivos, metas,

valores, tecnologias, relações, modelos de gestão e doutrinas que fundamentam

Sociologia aplicada a administração

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e norteiam o cumprimento das metas organizacionais e a persecução da Contexto social pode ser definido como uma trama formada por relações, papéis e processos sociais urdidos pelos integrantes de uma sociedade, organização ou empresa quanto à persecução de seus propósitos de vida.

satisfação de seus membros, clientes e acionistas. As organizações constituem um fenômeno de ordem localizado cuja relação com o contexto socioeconômico se apresenta como uma via de mão dupla: de um lado, a estrutura e o funcionamento de uma organização e, de outro, as múltiplas características do contexto (tanto interno quanto externo) em que tal organização está envolvida. De modo que na esteira dessa dinâmica entre as organizações e seu contexto verifica-se uma relação estreita entre as variáveis externas – tais como a incerteza, a variedade e as modalidades de pressões ambientais –, as circunstâncias internas de diferenciação e de integração (tipos de estrutura organizacional), e os processos de resolução de conflitos, assim como os efeitos de feedback de tal relação sobre a estrutura, o funcionamento e a performance das empresas. Logo, as características

Mudança – transformação de um estágio a outro mediante modificação parcial, evolução, revolução, inovação, reviravolta ou variações sociais; manifestam-se segundo as diversas dimensões da realidade social, a saber: •Superfície Morfológica; •Instituições e Estruturas; •Esquemas e Modelos de Conduta; •Comportamentos, Costumes e Condutas Práticas; •Cultura e Modelos Culturais.

do contexto organizacional associado aos problemas evocados pela própria organização é que determina a estrutura organizacional (diferenciação e integração) que melhor incremente a performance das empresas. Contudo, essa relação entre contexto interno (organizacional), contexto externo (meio ambiente circundante) e resolução de conflitos (integração) tem que levar em consideração que a influência do contexto socioeconômico sobre as empresas se exerce de modo ambíguo, contraditório, orgânico, mediato e indireto. Além do mais, as relações entre uma empresa e seu contexto socioeconômico são assinaladas por exigências e pressões flutuantes e por mecanismos de troca e influências mútuas, de maneira que as organizações também possuem a propriedade de estruturar o seu próprio contexto, tanto interno quanto externo. E isso acontece graças ao fato de que as organizações também possuem um certo grau de autonomia cuja dinâmica se manifesta através da resistência das organizações com relação às pressões externas no sentido da adaptação, da mudança e da melhoria de desempenho.

3.1.3. Mudança nas Estruturas das Organizações As mudanças que se operam na estrutura das empresas se processam em diferentes níveis, a saber: identidade organizacional, relações interpessoais, processos empresariais e patrimônio empresarial. Os dois primeiros níveis são responsáveis pela cultura da organização e a interação entre eles determina o clima organizacional vigente (disposição psicossociológica que determina sua conduta e capacidade de percepção da realidade em que se situa).

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Ocorre que o mau desempenho verificado em cada um desses níveis gera modalidades de crises diferentes segundo o nível atingido, quais sejam, respectivamente: crise de identidade, crise de estratégia, crise de resultados e crise de liquidez. Assim, pode-se observar as transformações que se desdobram no contexto interno das organizações a partir dos seguintes níveis: yy Nível identitário – A identidade ou imagem da empresa é determinada pelos atos de escolha e decisão dos fundadores, dos acionistas majoritários e/ou dos dirigentes profissionais; os problemas apontados nessa dimensão são nomeados como crise de identidade; yy Nível das relações interpessoais – Envolvem questões associadas ao clima organizacional tais como crises de liderança, estruturas de poder rígidas, ambiente marcado pela intransigência, pela desmotivação e pela resistência; dá origem às crises estratégicas, às vezes provocadas por problemas verificados na dimensão identitária; as disfunções

Os níveis ou dimensões em que se verificam as mudanças no contexto interno das organizações: Nível identitário; Nível das relações interpessoais; Nível dos processos empresariais; Nível do patrimônio empresarial.

administrativas, aqui, são conhecidas como crise de estratégia; yy Nível dos processos empresariais – Refere-se aos fluxos de básicos de produção de insumos, de informações fundamentais à produção e comercialização de bens e serviços. Uma perturbação nessa arena recebe o nome de crise de resultados; yy Nível do patrimônio empresarial – Abrange o patrimônio tangível (equipamentos, máquinas, imóveis, matéria-prima) e intangível (capital intelectual, marca, imagem, patentes) da empresa; a falta de recursos necessários à manutenção da empresa (o pagamento de dívidas, por exemplo) provoca uma crise de liquidez. As estruturas sociais (uma formação socioeconômica, uma organização empresarial ou pública, ou um sistema social) sofrem modificações no decurso do tempo quando as pessoas que a animam definem propósitos utilitaristas mais ou menos claros, em conformidade com os valores da competição, da cooperação, da inovação etc., mediante o emprego de meios técnico-operacionais (tecnologia) realistas e compatíveis com as esperadas possibilidades de êxito. Reconhecidas como estruturas sociais, as organizações tendem a crescer e a se desenvolverem, sempre em permanente relação com seu meio ambiente. Nesse processo de crescimento, donde resulta o aumento da burocratização seguido da diminuição de flexibilidade organizacional, as organizações experimentam crises diversas, como revelam os estudos de Larry Greiner (VASCONCELLOS e HEMSLEY, 2003). Sociologia aplicada a administração

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Crescimento - Conjunto de modificações verificadas nas estruturas das organizações com a correspondente complexidade da divisão social do trabalho e que pode ser expresso mediante critérios econômicos; para fins comparativos, tendo por base um ponto zero de referência, geralmente é relacionado com o desempenho do produto interno bruto (a soma de todos os bens e serviços produzidos por um país no decurso de um ano). Crise – Evoca a idéia de ruptura de sistema ou de afirmação de tendência social, política, econômica etc., cujas características ainda se encontram em processo de delineamento; conota, também, a noção de separação, bifurcação; em suma, manifesta-se como certas anormalidades ou irregularidades no funcionamento de um sistema, organização ou empresa e se traduz pela materialização de um fenômeno que é disfuncional à ordem existente e funcional a uma nova ordem das coisas, com seus princípios, valores, concepções, percepções.

Greiner (Ibidem) procura focalizar os momentos ou circunstâncias que assinalam o crescimento ou decadência das organizações, e, nesse mesmo movimento, identificar os fenômenos associados a cada uma dessas etapas. Assim sendo, este autor postula, no processo evolutivo das organizações, cinco estágios de crescimento e cinco correspondentes modalidades de crise; é o advento de crise em cada um dos estágios que provoca uma revolução nos padrões conceituais, administrativos e estratégicos das organizações, impelindo-as à mudança em sua cultura e clima organizacionais. Tais estágios do crescimento e respectivas modalidades de crise, segundo Greiner (Ibidem), são os seguintes: I. Crescimento através de criatividade – Estágio que se caracteriza pela satisfação das necessidades do mercado aliado à satisfação pessoal dos fundadores da empresa; entra em declínio em virtude de crise de liderança, em que a autoridade e o paradigma estratégico dos fundadores são questionados. II. Crescimento através de direção – Corresponde à fase da institucionalização

de

procedimentos

administrativos

orientados

para

estandardizar o comportamento dos membros da organização (burocratização provocada pela rotinização das condutas administrativas); a crise de autonomia que se instala nessa fase exige a formação de uma liderança firme capaz de

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realizar as metas e objetivos da organização; III. Crescimento através de delegação – Fase de crescimento marcada pela delegação de responsabilidades a técnicos especializados que assinala à profissionalização do quadro dirigente, porém precipita a crise de controle, que, por sua vez, provoca uma mudança substancial nesse modelo de crescimento. IV. Crescimento através de coordenação – Essa fase de crescimento é marcada pelo esforço de coordenação das atividades internas e externas da organização, provocando uma crise de burocracia que desemboca na adoção de uma nova estratégia administrativa lastreada na gestão por objetivos (resultados) e na cooperação dos membros da organização; V. Crescimento através de colaboração – Esse estágio de crescimento baseado na colaboração dos membros da organização quanto ao alcance das metas e objetivos da organização sofre uma inversão de rumo na medida que uma outra crise emergente possa dar azo a uma outra modalidade de crescimento, ad infinitum.

Os estágios de crescimento/crises correspondentes: - Crescimento através de criatividade/crise de liderança; - Crescimento através de direção/crise de autonomia; - Crescimento através de delegação/crise de controle; - Crescimento através de coordenação/crise de burocracia; - Crescimento através de colaboração/crise emergente.

As mudanças que se verificam em distintas dimensões ou níveis nas empresas – identidade organizacional, relações interpessoais, processos empresariais e patrimônio empresarial –, associados aos estágios de crescimento a que são submetidas no âmbito de um mercado cada vez mais competitivo, conforme classificação de Greiner (ibidem), demonstram que as transformações que incidem sobre a estrutura das organizações concorrem para a configuração de um contexto social correspondente e mutável. Daí a necessidade analítica de se compreender como os componentes (objetivos, valores, tecnologia e vínculos entre as pessoas) de determinado contexto social articulam-se concretamente na sociedade e nos sistemas sociais ou organizações. ORGANOGRAMA DO MEC O organograma é uma representação gráfica que ilustra a estrutura de uma organização conforme o princípio da hierarquia e atribuições funcionais. Importante para se entender a estrutura de poder de uma organização, o organograma nada explica sobre a dinâmica das relações sociais e suas motivações básicas.

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A noção de poder evoca a capacidade efetiva que pessoas ou instituições têm de impor a sua vontade a terceiros, independentemente de eventuais resistências (ideia de comando baseado na força). A autoridade, por sua vez, evoca a capacidade que certas pessoas têm de persuadir os outros para a realização de determinadas tarefas.

3.1.4. Poder e Liderança nas Organizações A primeira diferenciação a fazer no contexto interno de qualquer organização é aquela que opõe dirigentes e dirigidos, governantes e governados, administradores e administrados (ou usuários, particularmente no âmbito da administração pública), elite administrativa e quadro de subalternos. Uma tal diferenciação, pois, evoca a ideia de ordem, hierarquia, disciplina, liderança, norma, conformidade, relações de troca e de poder, com reflexos diretos sobre o acesso à informação e a qualidade dos processos de decisão. Toda organização é constituída por uma estrutura formal e por uma estrutura informal. A estrutura formal está associada a um organograma administrativo que revela a disposição de órgãos, departamentos, seções etc., em conformidade com uma específica estrutura de poder. Essa estrutura de poder

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é chancelada por estatutos que prescrevem as suas atribuições e prerrogativas específicas. A estrutura informal, por sua vez, se refere ao conjunto das definições operacionais que se estabelecem de forma espontânea no jogo do contato dos indivíduos ao manterem relações cordiais e respeitosas, ou conflituosas, nos seus respectivos ambientes de trabalho. Essas relações cordiais, supostamente fundadas na cortesia e na urbanidade no trato – ou ainda nos fundamentos de civilização dos povos – formam aquilo que Max Weber denomina como racionalidade substantiva, conforme já vimos. Esta racionalidade substantiva exprime as concepções e percepções que os indivíduos têm de seu ambiente organizacional, tais como a sensação de aceitação a certos grupos ou instituição

“Temos uma associação de dominação na medida em que seus membros, como tais, estejam submetidos a relações de dominação, em virtude de ordem vigente” (WEBER, 1991, p. 33).

sociais – sentimento de pertença a uma família, partido político, clube, igreja etc., ou seja, da natureza do clima organizacional; a conformidade de conduta conforme as regras e normas impostas pela organização sob a forma de um estatuto ou regimento. No âmbito da estrutura administrativa, com sua respectiva estrutura de poder, a autoridade é um atributo das estruturas formais e o poder, uma prerrogativa das estruturas informais. Em função disso, nela verifica-se tanto uma distribuição assimétrica da informação (o acesso às informações está relacionada a sua posição na estrutura de mando da empresa ou organização formal) quanto conflitos ao nível das estruturas de decisão (a inevitável disputa interna por espaço de poder, já que nem todos os participantes de uma organização compartilham de todas as fases do processo decisório).

Três são os tipos puros de autoridade/ dominação, segundo Max Weber: •

Tradicional;

Carismática;

Racional-legal.

Para Max Weber (1991, p. 33), o conceito de poder é sociologicamente amorfo, ou seja, encontra-se difuso em toda a extensão da sociedade em geral ou numa organização, e envolve e supõe outros conceitos, tais como: poder – capacidade que uma pessoa tem de impor a sua própria vontade às demais pessoas no quadro de uma relação social, apesar de eventuais resistências; dominação – capacidade de que uma ordem dotada de determinado conteúdo específico seja acatada por uma determinada coletividade; distinguese em dominação por interesse (mecanismo típico de mercado, como é o caso do monopólio) e dominação por autoridade (mecanismo de poder fundado nas relações entre a imposição da vontade de alguém (poder de mando) e o compromisso tácito (dever de obediência), tal como na relação entre pai e filho, patrão e empregado, por exemplo).

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A estrutura de poder de uma empresa, segundo Weber (Ibidem, p. 148), se fundamenta nas seguintes formas de autoridade/dominação, que por sua vez se baseia em várias formas de legitimidade da ordem que a sustenta: yy

Tradicional - Apoia-se no direito consuetudinário (costume) e “na

crença na santidade das ordens e poderes senhoriais tradicionais”; a obediência dos indivíduos ocorre em função do respeito ao titular do poder de mando cuja legitimidade é assegurada pelas regras da tradição, e não por qualquer estatuto e seu caráter impessoal, objetivo e legal; yy

Carismática - Forma de exercício do poder com base na

crença nos poderes extraordinários de um líder e da ordem personalista por ele criada; sua institucionalização (rotinização do carisma) no entanto, a transforma numa ordem tradicional ou racional-legal, ou numa ordem híbrida, combinando tradição e ordem burocrática numa mesma estrutura organizacional mediante transferência ex officio do carisma (“dom da graça”). yy

Racional-legal - É exercido através de uma estrutura de

administração burocrática que por sua vez se apoia na crença na legitimidade de uma situação de comando em virtude de regras legalmente estatuídas, no âmbito de uma ordem impessoal, cujos mandamentos se encontram positivados nos estatutos, regimentos ou textos constitucionais. “Com base na definição do processo de liderança entendido como função do líder, dos subordinados e de outras variáveis situacionais, a idéia de um único tipo ideal de líder parece pouco realista” (HERSEY e BLANCHARD apud OLIVEIRA, 2002, p. 258).

Tais formas de autoridade e dominação, com seus respectivos critérios de legitimidade, não são, contudo, encontrados em estado puro nas sociedades ou organizações, já que é perfeitamente possível a coexistência delas no quadro geral de uma mesma estrutura operacional de comando. Para se entender como se processa os mecanismos de poder no interior das organizações torna-se necessário examinar a posição social e as motivações das condutas dos atores administrativos no interior das organizações (atos de escolha e de decisão). Assim procedendo, damos destaque ao problema da racionalidade das condutas desenvolvidas pelos indivíduos face às suas múltiplas necessidades (ver Capítulo 1). As escolhas que fazemos e as decisões que tomamos são determinadas pela diversidade de motivações e pela racionalidade limitada dos atores administrativos em função de sua posição social em certo contexto organizacional, pois a tomada de decisão, das mais simples às mais complexas e autônomas, depende do status de tais atores no âmbito interno da organização. Portanto, a diversidade de motivações e a racionalidade limitada são fatores que embasam

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a conduta humana, concedendo-lhe certa autonomia ante as suas próprias necessidades, autonomia essa que é fator de imprevisibilidade no quadro de uma ordem que é essencialmente contingente. Os modelos administrativos acima tratados – tradicional e inovador – são associados a formas distintas de liderança. Esta última constitui um componente sócio-político fundamental, presente na condução dos destinos das organizações perante os desafios colocados pela ordem contingente e sua acentuada propensão à mudança. E falar de liderança implica em articular ações estratégicas segundo os termos de uma direção compartilhada, numa maior ou menor extensão e profundidade, o que envolve diversas formas de autoridade e níveis de influência política exercidos pelos dirigentes no processo de gestão. Podem-se distinguir duas formas básicas de autoridade no contexto administrativo: a direção autocrática e a direção democrática. A direção autocrática prioriza a realização das tarefas, exerce o poder e toma decisões de forma centralizada e autoritária, assumindo para si toda e qualquer responsabilidade administrativa. A direção democrática dá ênfase às relações humanas, adota um estilo administrativo descentralizado e estimula a participação efetiva de seus subordinados nas tomadas de decisão. A cada um dos tipos de direção supracitados corresponde um tipo específico de liderança, cujo estilo depende da articulação entre o líder, seus subordinados e as variáveis sociopolíticas no interior da organização em que estão inseridos na qualidade de membros efetivos. Assim, tais estilos de liderança não se apresentam em estado puro, pois tendem a mesclar-se conforme refletem

“Grupo organizado é [...] um conjunto de indivíduos cujas interrelações baseiam-se na expectativa de se processarem de acordo com uma estrutura que prevê valores, padrões, modelos e normas, ou seja, relações sociais padronizadas” (CASTRO, 2003, p. 160).

as bases de poder no contexto interno da organização. Logo, esse estilo híbrido de liderança depende das possibilidades de conduta e de poder ditadas pelas condições situacionais vigentes tanto no contexto interno quanto no contexto externo de qualquer organização empresarial.

3.2. As empresas enquanto grupos organizados Desde sempre, o elemento pulsante da vida em sociedade são as relações de troca – comerciais, afetivas, institucionais, culturais etc. – que existem entre indivíduos, grupos, coletividades, sociedades e nações. Tais relações de trocas são determinadas pelas necessidades que as pessoas têm de garantir o máximo de bem estar para si e os seus. Os meios de obtenção dessas necessidades dependem da posse ou garantia de expectativa de direitos de propriedade.

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Por propriedade entende-se o direito de usufruto de bens ou serviços decorrentes de uma atividade econômica em que a riqueza é distribuída conforme critérios específicos baseados por sua vez nos princípios e valores vigentes na organização como um reflexo direto da sociedade total. Mas qual é o espaço concreto e virtual em que ocorrem as relações de troca entre as pessoas e instituições? É o espaço do mercado, empiricamente reconhecido A filosofia liberal, desde Adam Smith, postula a idéia segundo a qual a ação dos indivíduos racionalmente orientada para a satisfação de suas múltiplas necessidades inevitavelmente conduz à satisfação das necessidades de todos. Nessa concepção, o espaço público em que a satisfação social de existência se realiza é o mercado.

como capitalista, conceito este entendido como formação socioeconômica e como doutrina. O mercado constitui um sistema de intercâmbio de propriedades sob a forma de mercadorias. Estas últimas extraem, primordialmente, o seu valor de troca das equivalências entre trabalhos socialmente necessários à produção das mercadorias que são ofertados pelo mercado (relação de custos entre produtos dotados de um maior ou menor valor agregado); e em última instância, das características inerentes a seu valor de uso (o valor de consumo de um bem em função de capacidade de satisfazer nossas necessidades fisiológicas de consumo, por exemplo). O mercado tende a ampliar-se na esteira do aumento da população, da intensificação das trocas econômicas e da ampliação da divisão social do trabalho. As relações de troca se desenvolvem do polo do simples escambo (troca de mercadoria por mercadoria) às complexas relações entre empresas transnacionais, em que até mesmo as transações feitas mediante o uso do dinheiro são superadas pela transmigração de ordens de créditos e ordens de débitos, graças aos meios tecnológicos modernos associados à telemática (conjugação da tecnologia da informação com as técnicas de comunicação via uso de computador).

“Cada organização tem seus objetivos específicos, que podem ser classificados em duas categorias principais: produtos e serviços” (MAXIMIANO, 1985, p. 21).

Mas para que o mercado disponha de um fluxo regular de bens de consumo e serviços é necessário que os agentes da produção sejam estimulados a fazê-lo – trata-se da busca pelo lucro. Esse é o móbile que impulsiona a formação de organizações mercantis chamadas comumente de empresas. Sob o ponto de vista da ciência administrativa, a compreensão do papel de uma organização mercantil depende da existência de alguns pré-requisitos fundamentais – o ambiente (fonte de matéria-prima e insumos; nicho de mercado para a comercialização de seus produtos), a administração (envolve funções de decisão relativas à organização, controle, planejamento estratégico e funções de produção relativos a bens e serviços), as relações de trabalho (interação entre os empregados em consonância com as arenas da decisão e de produção) e os objetivos (adequar os produtos às necessidades de consumo do mercado,

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conciliar os interesses dos proprietários com os interesses dos empregados, zelar pela imagem da organização, perseguir a eficácia e a eficiência). A empresa é um grupo organizado que dispõe de um conjunto de recursos materiais e humanos, financeiros e logísticos, cujo emprego visa o alcance de objetivos determinados e definidos – econômicos, sociais, culturais, recreativos, assistenciais etc. É uma entidade autônoma que possui personalidade jurídica e patrimônio próprio cuja existência depende da mobilização planejada de múltiplos recursos visando produzir bens e serviços para o mercado. Desse modo a empresa, além de ser um organismo econômico, também se configura como um sistema social. Segundo a perspectiva da teoria dos sistemas, o ponto de partida básico na descrição da uma organização empresarial enquanto sistema social é o feedback, (retroalimentação), ou seja, o mecanismo responsável pela constante adaptação da empresa às exigências de seu meio ambiente. De um lado, essa relação interdependente entre a empresa e seu meio circundante ocorre na medida em que a empresa obtém os recursos naturais (ou insumos produtivos) e os recursos humanos de que necessita para operar no mercado,

“O conceito de sistema enfatiza dois pontos importantes: 1) a sobrevivência última da organização depende de sua capacidade de adaptação às exigências do meio; e 2) ao responder a estas exigências, o foco da atenção administrativa deverá ser o ciclo total input – processo – output” (OLIVEIRA, 2002, p. 288).

aos quais designamos mediante vocábulo da língua inglesa de inputs. De outro lado, a empresa responde ao meio circundante mediante o suprimento de bens e serviços, os chamados produtos de consumo duráveis e não duráveis, aqui designados pela expressão inglesa outputs. Assim, a existência das empresas é dependente de sua própria capacidade de converter os insumos produtivos (inputs) em resultados previstos (outputs), conforme a demanda do mercado capitalista. Mas apenas naquelas condições favoráveis em que os custos de produção forem de tal monta que compense a sua comercialização no mercado a preços competitivos e, preferencialmente, em ritmo de economia de escala (situação em que a unidade física da empresa funciona a todo vapor para satisfazer as exigências de um mercado em ebulição). Tais condições econômicas são indispensáveis à continuidade do ciclo do processo produtivo (o fluxo input – processo – output) realizado pela empresa. A sua eficácia organizacional, contudo, depende de duas condições básicas de aferição, a saber: que o emprego dos critérios de eficácia leve em conta o ciclo total input – processo – output, e que tais critérios sejam capazes de exprimir a interação da empresa com seu meio circundante. Porém, considerando a precariedade de aferição do critério da eficácia organizacional, uma organização empresarial é eficaz, em última instância, sempre que for capaz de manter o máximo de longevidade possível. Mesmo assim, deve se adotar mecanismos de

Sociologia aplicada a administração

Existe uma estreita relação entre o objetivo estratégico da empresa e sua estrutura de organização, no sentido de que a definição do tipo de estrutura que se necessita implementar numa empresa face ao mercado competitivo passa primeiro pela definição clara dos seus objetivos estratégicos ou programáticos. Assim sendo, a compleição estrutural que uma empresa requer depende dos objetivos estratégicos desta em relação ao mercado.

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avaliação que ateste o seu coeficiente de sobrevivência, o que pode ser realizado mediante a utilização de indicadores associados à produção para o mercado (lucro, vendas, nichos de mercado etc.); à eficiência (taxa de retorno em DADO: componente descritivo de um evento; é destituído de qualquer contextualização ou significado lógico; constitui a matériaprima indispensável à produção de tecnologia. INFORMAÇÃO: conjunto de dados classificados e contextualizados conforme um específico critério lógico orientado para o alcance de um objetivo determinado; constitui a matéria-prima fundamental à geração de conhecimento.

relação à unidade de capital investido, por exemplo); à satisfação de clientes e empregados; à capacidade de adaptação com relação às vicissitudes dos mercados de produto, de consumo e de trabalho; e ao desenvolvimento técnico-operacional, financeiro, tecnológico, administrativo etc. O gerenciamento do conhecimento é apontado como um instrumento administrativo capaz de alavancar a eficácia organizacional, uma vez que se apóia nas condutas de indivíduos e grupos, nas novas tecnologias da informação e nos componentes estruturais da própria organização. É o que veremos no tópico seguinte.

3.2.1. As Empresas e a Gestão do Conhecimento A gestão do conhecimento (GC) expressa uma nova tendência analítica no campo das ciências das organizações que se orienta para o estudo do clima e cultura organizacionais, tendo como variável situacional o processo de produção e gestão compartilhada de conhecimento (administração dos ativos de conhecimento de uma organização). Pode-se definir a gestão do conhecimento como um processo articulado e intencional voltado para a promoção do desempenho geral de determinada organização mediante o uso do conhecimento. Em outras palavras, a GC constitui

“A produção humana pode ser vista como uma criação de conhecimentos e a distribuição como uma criação de conhecimentos em conjunto com os clientes” (Sveibe, 1998:33)

o processo sistemático e metódico de identificação, criação, inovação, renovação e implementação de determinados conhecimentos que são estratégicos e cruciais à própria existência de uma organização. Tais conhecimentos, pois, são considerados como uma vantagem competitiva capaz de garantir a sobrevivência de uma empresa no mercado. A gestão do conhecimento no ambiente organizacional visa o propósito geral de assegurar a continuidade e a evolução da organização em um ambiente de ‘alta voltagem’ competitiva. No varejo, proporciona os meios que permitam inventariar, mediante mapeamento, o estoque de conhecimentos de uma organização; racionalizar o uso do conhecimento especializado disponível; ampliar o compartilhamento dos conhecimentos entre os participantes de uma mesma organização; propiciar a construção de um ambiente favorável à aprendizagem organizacional; equacionar os processos de substituição de funcionários através do recurso ao mecanismo da árvore de competências etc.

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Na época em que vivemos conhecimento é poder, e não um fator de produção adicional, a exemplo do capital, do trabalho e da terra. Ele é estrategicamente importante para os processos de adaptação das organizações empresariais a seu meio ambiente. Esse processo adaptativo a que a empresa se submete é fundamental para o êxito e a sobrevivência das organizações empresariais no mercado, uma vez que elas dependem da valorização dos recursos humanos, da troca de experiências e conhecimentos individuais e a identificação e mensuração monetizada do capital intelectual. Na era do conhecimento e da informação, as mudanças nas estruturas das empresas resultam, além da tecnologia em geral, da articulação das tecnologias da informação, das tecnologias da comunicação e da força de trabalho dependente de expertise (experiência), ou seja, derivam da convergência entre recursos tecnológicos e conhecimentos pessoais. E essa convergência de meios tecnológico-operacionais e cognitivos garante o desenvolvimento de novos métodos, estratégias e habilidades que são fundamentais às organizações que adotam o conhecimento como uma vantagem competitiva – criação de novos serviços, mudança no conceito de espaço físico e mercadológico, valorização das marcas e patentes de tecnologia. Mas o que é, afinal, conhecimento? Uma resposta a tal indagação remete previamente aos conceitos de dado e de informação (ver quadro ao lado). O Conhecimento é conjunto articulado de informações ordenado segundo um específico critério de verdade, o que envolve reflexão, síntese e contexto. Mas o conhecimento pode ser identificado como de natureza dóxica ou epistêmica. Quando falamos de conhecimento como sendo de natureza dóxica nos referimos ao conhecimento empírico de caráter ordinário, cuja origem resulta das experiências ou práticas cotidianas comuns das pessoas, daí ser caracterizado como assistemático e ametódico. Já o conhecimento epistêmico é aquele dotado de uma verdade cientificamente comprovada. Ele é sistemático, metódico e objetivo, uma vez que, no quadro de uma realidade empírica, visa à descoberta de certas regularidades entre certos fenômenos, cuja operação cognitiva se dá mediante juízos de realidade, e não de valor, a exemplo do conhecimento filosófico. No plano analítico da atual da teoria das organizações circunscrito à gestão do conhecimento, o conhecimento pode ser concebido como “uma capacidade de agir”, e sua expansão, diversamente do que ocorre como os recursos materiais, é diretamente proporcional às possibilidades de compartilhamento por parte dos membros de uma organização (SVEIBE, 1998).

Sociologia aplicada a administração

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Para Sveiber (Ibidem), é possível compreender o conhecimento a partir de quatro características: yy

Tácito - Conhecimento pessoal que cada indivíduo dispõe em

função de suas próprias experiências no exercício de determinada atividade, “O conhecimento é uma atividade melhor descrita como o processo de saber” (Michael Polanyi apud Sveibe, 1998:38).

profissional ou não, obtidas num espaço de tempo relativamente longo; é de difícil formalização e comunicação, ou seja, não pode ser descrito adequadamente mediante o uso de conceitos, pois sempre sabemos mais das coisas do que temos capacidade de expressá-las; yy

Voltado para a ação - O conhecimento é obtido graças à

nossa capacidade de traduzir as impressões que captamos a partir de nossas experiências sensoriais; consequentemente, o processo de conhecimento depende das ações de aprender, esquecer, lembrar e compreender; yy “Todo conhecimento está relacionado à ação, e conhecer um objeto ou um evento é utilizá-lo assimilando-o de acordo com um esquema de ação” (VON GLASERFELD apud SVEIBE, 1998, p. 244).

Baseado em regras - O conhecimento pressupõe um sem

número de regras associadas à tradição, a procedimentos de aprendizagem teórica e à obtenção e aperfeiçoamento de habilidades práticas; tais regras servem tanto para facilitar quanto para limitar o processo de saber através da filtragem de novos conhecimentos, além de estar vinculadas aos resultados das ações; yy

Essencialmente mutante – Os conhecimentos que adquirimos

no decurso de nossas experiências de vida sempre são alterados na medida em que são articulados com os conhecimentos de que dispomos. O compartilhamento do conhecimento constitui um dos mais importantes

Os quatro modos constitutivos do processo de conversão do conhecimento organizacional:

fatores da gestão do conhecimento, cuja operacionalização ocorre através dos

- Socialização;

o conhecimento é produzido mediante a interação entre conhecimento tácito

- Externalização; - Combinação; - Internalização.

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canais de rede de comunicação que proporcionam a disseminação célere de conhecimentos e experiências. Segundo Nonaka e Takeuchi (apud SVEIBE, 1998; apud CHOO, 2003), em seus estudos acerca da performance de determinadas empresas japonesas, (conhecimento do corpo; subjetivo, prático e análogo) e conhecimento explícito (conhecimento da mente; objetivo, teórico e digital). Essa interação entre conhecimento tácito e conhecimento explícito são designados pelos autores supracitados como conversão do conhecimento, que, por sua vez, consiste em quatro operações complementares que se retroalimentam sem cessar:

UNIDADE 3


Socialização - Conversão do conhecimento tácito em

conhecimento tácito, baseado no compartilhamento de experiências (modelos e habilidades mentais compartilhados), na apreensão cognitiva mediante ação concreta (observação, imitação e prática); 

Externalização - Conversão do conhecimento tácito em

conhecimento explícito, fundados na articulação dos conhecimentos tácitos em conceitos explícitos, nos processo de criação do conhecimento perfeito; 

Combinação - Conversão do conhecimento explícito em

conhecimento explícito conforme a combinação de conjuntos diferentes de conhecimento explícito e o processo de sistematização de conceitos em um sistema de conhecimento. 

Internalização - Conversão do conhecimento explícito em

conhecimento tácito cuja operacionalização depende da incorporação do conhecimento explícito em conhecimento tácito, da assimilação do conhecimento explícito (conhecimento estruturado) como modelo mental. A percepção do conhecimento depende da aprendizagem organizacional.

“A organização que for capaz de integrar eficientemente os processos de criação de significados, construção do conhecimento e tomada de decisões pode ser considerada uma organização do conhecimento” (CHOO, 2003, p. 30).

Esta, por seu turno, se traduz pela capacidade que uma organização possui para manter ou melhorar seu desenvolvimento com base na experiência adquirida. A organização do conhecimento dispõe de informações e conhecimentos cuja utilização intuitiva e/ou racional é capaz de lhes garantir um diferencial competitivo. Para que uma organização seja inteligente (i.e., uma organização do conhecimento), é necessário que ela seja capaz de articular as três arenas distintas do uso da informação a serviço do crescimento e capacidade de adaptação de uma empresa (CHOO, 2003): 

Criação de significado – Atualmente, as empresas são

obrigadas a conviver com constantes mudanças, o que torna incerta a sua sobrevivência, pois depende de um fluxo regular e confiável de insumos produtivos, recursos humanos e energia (inputs), além das exigências legais e sociais responsáveis por sua identidade, área de influência e, naturalmente, sua sobrevivência. Daí o imperativo de saber interpretar os sinais e mensagens provenientes do ambiente externo, de modo a produzir respostas que as mantenham em condições de competitividade, expresso em significados e ação, garantindo o mínimo de estabilidade e previsibilidade ao meio ambiente em que se situa, graças à articulação de quatro processos: mudança ecológica (mudanças ambientais provocadoras de perturbações no modus operandi das

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organizações), interpretação (das notícias e mensagens oriundas do meio As cinco características centrais da organização do conhecimento segundo Peter Senge: - Visão e objetivo compartilhados; - Domínio pessoal; - Modelos mentais; -Aprendizagem em grupo; - Pensamento sistêmico.

externo), seleção (das interpretações possíveis e razoáveis) e retenção (de significados criados para enfrentar situações semelhantes no futuro). 

Construção do conhecimento – A principal explicação para

o êxito das empresas no mercado competitivo decorre de sua competência na criação do conhecimento organizacional. Este último, como já vimos, se processa através da articulação entre conhecimento tácito e conhecimento explícito no contexto interno de determinada organização segundo quatro operações de conversão – socialização (conhecimento tácito em conhecimento tácito), exteriorização (conhecimento tácito em conhecimento explícito), combinação (conhecimento explícito em conhecimento explícito) e interiorização (conhecimento explícito em conhecimento tácito). 

Tomada de decisões - A criação de significados e a construção

de conhecimentos são processos inerentes à organização do conhecimento que antecedem e propiciam os processos de tomada de decisões. Trata-se do momento-chave em que as organizações são impelidas a escolher entre várias alternativas possíveis uma estratégia que seja unificada e que represente a resposta mais adequada em face dos desafios introduzidos pelas mudanças ecológicas, facilitando o alcance de suas metas e objetivos. Para Peter Senge (apud RESCHENTHALER e THOMPSON, 1996), a identificação de uma organização como organização do conhecimento pode ser feita com o auxílio de cinco características centrais, a saber: •

Visão e objetivos compartilhados - O objetivo explica porque

a organização existe, enquanto a visão justifica para quê ou para onde. A aprendizagem criadora somente se realiza quando as pessoas se esforçam em realizar algo que lhes interessam profundamente; daí a importância da visão compartilhada; •

Domínio pessoal - Traduz a disciplina da contínua visão

pessoal aprofundante e esclarecedora, da energia focalizada, do exercício da paciência e da visualização objetiva da realidade, assim como supõe o estímulo autogerador de tomar iniciativa; •

Modelos mentais - Os modelos mentais e as metáforas

organizacionais que são incorporados às organizações são os componentes integrais das culturas organizacionais; eles refletem-se na linguagem através das metáforas que os indivíduos usam dentro das organizações; •

Aprendizagem

em

grupo

-

Requer

alinhamento,

complementaridade, harmonização de esforços individuais e destino convergente.

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UNIDADE 3


As organizações bem sucedidas dispõem de aprendizagem grupal na medida em que o Q.I. do grupo é superior à soma matemática dos Q.I.s individuais dos membros desse mesmo grupo. •

Pensamento sistêmico - Permite analisar a realidade

organizacional a partir do enfoque na totalidade de seus componentes, suas inter-relações, adaptação e mudança, efeitos de retroinformação etc. “O que é uma organização do conhecimento? Em um primeiro nível, a organização do conhecimento é aquela que possui informações e conhecimentos que a tornam bem informada e capaz de percepção e discernimento. Num nível mais profundo, a organização do conhecimento possui informações e conhecimentos que lhe conferem uma vantagem, permitindo-lhe agir com inteligência, criatividade e, ocasionalmente, com esperteza. [...] no coração da organização do conhecimento está a administração dos processos de informação, que constituem a base para criar significado, construir conhecimento e tomar decisões” (CHOO, 2003, p. 17).

A realização do compartilhamento do conhecimento, atividade central nas organizações do conhecimento, pode se realizar de dois modos não autoexcludentes: prática informal (comunicação ocasional e não preestabelecida) e prática formal (comunicação intencional e preestabelecida mediante tecnologias de informação e comunicação (TICs): e-mail, videoconferência, sistema de redes e mapeamento do conhecimento organizacional). É preciso conceber o conhecimento como o principal ativo das organizações, os chamados ativos intangíveis ou, simplesmente, capital intelectual. O capital intelectual consiste numa combinação de ativos intangíveis que proporcionam benefícios intangíveis às empresas, capacitando o seu funcionamento. Assim, os ativos intangíveis são engendrados a partir do quadro de recursos humanos de uma organização, compondo um balanço patrimonial

Os três ativos intangíveis de uma organização segundo Karl Erik Sveibe: - Funcionários; - Estrutura interna; - Estrutura externa.

de ativos intangíveis. Eis alguns exemplos: 

Ativos de mercado (marca, clientes, franquias);

Ativos humanos (expertise, criatividade);

Ativos de propriedade intelectual (know-how, patentes,

segredos industriais, copyright); 

Ativos de infraestrutura (tecnologias, metodologias).

Sociologia aplicada a administração

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Mas o segredo do desenvolvimento ou evolução de uma organização, observa Sveibe (1998), depende da competência dos chamados operadores funcionais que participam da organização do conhecimento: o profissional, o gerente, o líder e o grupo de apoio. A competência – que envolve cinco elementos interdependentes: conhecimento explícito, habilidade, experiência, julgamentos de valor e rede social ou de relações – constitui a base de cada um dos três “A diferença entre o valor de mercado de uma empresa de capital aberto e o seu valor contábil líquido oficial é o valor de seus ativos intangíveis. Na maioria das empresas, o valor dos ativos intangíveis é superior ao valor dos ativos tangíveis” (SVEIBE, 1998, p. 21).

ativos intangíveis de uma organização (ibidem): yy

Funcionários – Seu talento é a fonte das estruturas internas e

externas da organização; yy

Estrutura interna – Patentes, modelos, conceitos, sistema

administrativos e de computadores; cultura ou espírito organizacional; yy

Estrutura externa – Relações com clientes e fornecedores,

marcas e imagem da empresa. O capital intelectual constitui um componente que não pode ser contabilizado, a exemplo dos ativos tangíveis (recursos materiais em geral), e em muitos casos o seu valor de mercado (capital intelectual) supera o valor contabilizável deste último (ativos intangíveis). O capital intelectual expressa a capacidade que uma organização possui de suprir as exigências de mercado e compreende os seguintes elementos ou ativos intangíveis: 

Capital humano - Fonte de inovação e renovação; inteligência

individual; 

Capital estrutural - Propriedade total da empresa; (tecnologias,

invenções, publicações, dados, patentes, sistemas, rotinas e procedimentos organizacionais); inteligência organizacional; 

Capital do cliente - Valor decorrente dos relacionamentos

mantidos pela empresa com seus clientes. Além do capital intelectual acima assinalado, cuja aferição constitui um desafio para a contabilidade moderna, existem outros ativos intangíveis que atualmente são cada vez mais exigidos pelo mercado, e que expressam o imperativo do jogo do contato da empresa com seus clientes, sobretudo num momento emblemático representado pelo quadro de atuação das empresas sob a égide das preocupações sociais, ambientais e de fidelidade mercantis:

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UNIDADE 3


Capital social - Padrão de relações da empresa com a sociedade

em geral visando à solução de problemas sociais como a fome, a educação, o trabalho e a prostituição infantis etc. (responsabilidade social); 

Capital ambiental - Reflete o compromisso da empresa com

o meio ambiente; se expressa pela aceitação de produtos cuja produção adota mecanismos que não implica na degradação da natureza; 

Capital de relacionamento externo - Alianças e ou consórcios

comerciais com clientes, fornecedores e demais empresas, investidores, agências reguladoras e governos (PPPs).

“Para ‘enxergar’ a organização do conhecimento, os gerentes devem procurar ver suas organizações como se elas consistissem de estruturas de conhecimento e não de capital” (SVEIBE, 1998, p. 21; grifo do autor).

Atividades 1.

Pesquise sobre as organizações sociais.

2.

Diferencie os conceitos de estrutura e função

3.

Fale sobre estruturas de relações.

Consulte os seguintes sítios:

4.

Que características distinguem as estruturas tradicionais das estruturas inovadoras?

5.

http://www.wikipedia.org/ http://www.fgvsp.br/ conhecimento/home.htm

Quais os quatro travejamentos que servem para compreender melhor a estrutura e a dinâmica de uma organização ou empresa? Comente cada um deles.

6.

Quais são os três tipos de dominação pura segundo Max Weber. Comente cada um deles.

7.

Quais são as formas básicas de autoridade no âmbito administrativo e qual delas permite uma melhor performance organizacional?

8.

Por que se afirma que as empresas constituem grupos organizados?

9.

Defina gestão do conhecimento e explique o porquê de sua importância para as organizações modernas.

Sociologia aplicada a administração

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10.

Quais são os quatro modos do processo de conversão do conhecimento organizacional? Fale sobre cada um deles.

11.

Quais são os pré-requisitos de uma organização do

conhecimento,

segundo Chun Wei Choo? Reflita sobre cada um deles. 12.

Segundo Peter Senge, quais são as características inerentes a uma organização do conhecimento? Comente cada uma delas.

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UNIDADE 3


UNIDADE 4 As Organizações Governamentais

Resumindo Após dissertar sobre as organizações em geral, vamos agora tratar da relação de interdependência entre as principais instituições que conformam e animam as organizações governamentais - Estado, Governo e Administração Pública. Pretende-se, aqui, explanar acerca das dimensões propriamente administrativas, organizacionais e políticas de ditas organizações e sua interação com a sociedade em geral. Inicialmente, definiremos cada uma das instituições supracitadas para depois relacioná-las entre si; analisaremos a inter-relação entre elas e as demais organizações que caracterizam o mercado real e a sociedade civil; e, por fim, realizaremos algumas reflexões sobre as relações internacionais e a importância da doutrina neo liberal para a compreensão das transformações que assinalam o mundo contemporâneo globalizado.



4 AS ORGANIZAÇÕES GOVERNAMENTAIS 4.1 As Organizações governamentais A arte de governar, desde a Grécia antiga, é tradicionalmente comparada à arte de conduzir uma embarcação, de içar ou descer velas, de manusear o timão e demais instrumentos de navegação. Contudo, o exercício das funções de navegação pressupõe o conhecimento de técnicas de orientação cartesiana, assim como de um vocabulário específico, sem o qual a comunicação entre o comandante da embarcação e o manipulador do timão condena a embarcação a ficar à deriva. Mais que isso: é preciso uma organização, que, conjugando as diversas atividades e atribuições inerentes a arte da navegação, faça com que a nau chegue ao destino previamente traçado, pois a articulação de todos os tripulantes em prol de um objetivo comum é condição sine qua non para tal intento. Decerto que essas considerações se situam no plano das determinações societais, ao largo dos acidentes de percurso provocados por meios naturais incontornáveis, sejam eles concebidos em sua expressão mítica – Silas e Caribde, o canto das sereias, a ingerência de Posêidon etc. – ou em sua expressão objetiva inelutável. Mas acidentes induzidos por falta de perícia são comuns, razão pela qual os tripulantes devem ser bem treinados e dotados de conhecimentos técnicos que os habilitem a conduzir tempestivamente os destinos daqueles que direta ou indiretamente dependem de sua competência. Com a arte de governar se observa uma situação semelhante, embora deva ser encarada em uma magnitude tal que a complexidade das dimensões que envolvem tornam o ofício de governar incomparavelmente mais problemático. Sujeita à imprevisibilidades de natureza sócio-histórica, a arte de governar depende de um aparato técnico-metodológico capaz de minimizar o grau de incerteza ou de indeterminação que a aceleração do tempo histórico teima em suscitar. Logo, a aceleração do tempo histórico constrange os governos à aceleração da ação administrativa, isto é, à implementação de uma reforma do Estado propriamente dita, uma vez que os governos dependem tanto de condições favoráveis de governança quanto de governabilidade para poder exercitar com desenvoltura o poder que lhes foi institucionalmente outorgado. Em razão disso, o processo de modernização das administrações públicas parece ser irreversível, embora as concepções acerca do papel do Estado possam sofrer alterações no decorrer do tempo, sobretudo devido ao rodízio ou à circulação das forças político-partidárias no comando do Estado.

Sociologia aplicada a administração

As organizações governamentais são regidas pelo direito público interno, dependem do poder político e integram o rol das instituições de natureza não mercantil.

“Entre as instituições estatais que organizam a política da sociedade e que, em seu conjunto, constituem o que habitualmente é definido como regime político as que têm a missão de exprimir a orientação política do Estado são os órgãos de governo” (LEVI, 2000, p. 553).

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4.1.1. Estado Moderno O advento do Estado moderno, entre os séculos XIV e XVIII, está intimamente ligado às necessidades de defesa e unificação territorial; logo, surge sob o signo da faculdade protetora, paralelamente à emergência do indivíduo enquanto portador de direitos. Sob seu domínio o indivíduo passa a se constituir no sujeito central do político. Aos poucos, o Estado moderno se transforma em Estado-providência, que, por sua vez, consiste em um aprofundamento e uma extensão. Durante a vigência do Estado-providência, a ação divina é substituída pela certeza da providência estatal mediante o aperfeiçoamento das técnicas de seguro, que, por seu turno, é beneficiado pelo nível elevado do grau de certeza da probabilidade estatística. Enquanto “o Estado protetor corresponde à garantia de sobrevivência (a proteção física da vida), o Estado-providência corresponde à garantia de uma abundância ‘mínima’ para todos os cidadãos” (ROSANVALLON, 1997, p. 27). Mas, afinal, o que é o Estado? Quais são as definições possíveis acerca dessa instituição moderna cujo advento constitui numa derivação direta da genialidade jurídico-política europeia? “O Estado é concomitantemente um constructo e uma representação jurídica engendrada pela sociedade, não possuindo existência física própria. Contudo, não deixa de ter uma existência concreta, embora objetivado em presença vicária através da administração pública, e possua feição historicamente presente mediante sua ação institucional no plano da realidade objetiva, graças a sua organização institucional – o governo; também extrai seu estatuto de existência da compreensão que as pessoas tem a seu respeito” (BUENOS AYRES, 2004, p. 462). Para Weber (1991), o Estado constitui uma “empresa”, uma comunidade humana, ou uma associação política de tipo historicamente delineado e criado na Europa ocidental, que reivindica e logra com sucesso o direito ao monopólio legítimo de uso do constrangimento físico, e se traduz pela forma politicamente mais organizada e racional de gestão da vida social dos indivíduos em determinada circunscrição territorial. Weber (Ibidem) ainda acrescenta que o Estado moderno é racional, uma vez que se arrima num direito racional e num corpo de funcionários especializados, ou seja, numa burocracia profissional. De modo que vemos em Weber um conjunto de instituições como o capitalismo, a burocracia, o direito racional e, tardiamente, a democracia gravitarem entre si como que integrado

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UNIDADE 4


em sistema e sob a influência de um centro propulsor e unificador de ideiasforças e ações proativas – governo local, nacional e transnacional. Mas é pouco eloquente quando o assunto é descrever a performance dessas instituições no mundo concreto, como, aliás, propõe seu compatriota Claus Offe (1984). Para Offe (1984), o fenômeno político denominado Estado deve ser descrito tendo por base de análise a sua ação – e/ou reação – frente aos problemas estruturais que surgem no âmago do sistema capitalista. Assim, busca-se, nessa linha de concepção teórica, compatibilizar as “razões concretas e de conteúdo” que justificam a conduta estatal com os “resultados materiais” alcançados por essa mesma ação. Logo, o conceito de Estado capitalista diz respeito a uma forma institucional de poder público em sua relação com a produção material, cuja caracterização é dada pela articulação entre quatro determinações funcionais: yy Privatização da produção - Apenas a propriedade privada é capaz de garantir a produção de bens e serviços em conformidade com as demandas do mercado, já que “o poder público está estruturalmente impedido de organizar a produção material segundo seus próprios critérios ‘políticos’” (Ibidem, p. 123; grifo do autor). yy Dependência dos impostos – o funcionamento do setor público não pode prescindir do “volume da acumulação privada”, razão pela qual lança mão dos mecanismos de política fiscal propiciadores da chamada receita derivada (tributos, taxas e contribuições); yy Acumulação como pronto de referência – Considerando a dependência do poder do Estado com relação ao volume de produção das empresas privadas, convém ao poder público zelar pela funcionalidade geral do sistema capitalista. Ou seja, garantindo, “as condições de exteriorização de seu poder através da constituição de condições políticas que favoreçam o processo privado de acumulação” (as políticas industriais, agrícolas, monetárias, de exportação etc.) (Ibidem, p. 124); yy Legitimação democrática – Um partido ou coalizão de partidos somente pode exercer o poder no contexto interno do Estado na medida em que consiga garantir sua legitimação política através das urnas, por ocasião das eleições gerais. O poder político submete, então, o Estado a uma dupla imposição: o imperativo das regras do governo democrático-representativo (forma institucional) e o imperativo do desenvolvimento e exigências do processo de acumulação de capital (conteúdo).

“O Estado nem está a serviço nem é ‘instrumento’ de uma classe contra outra. Sua estrutura e atividade consistem na imposição e na garantia duradoura de regras que institucionalizam as relações de classe específicas de uma classe capitalista. O Estado não defende os interesses particulares de uma classe, mas sim os interesses de uma sociedade capitalista de classe” (OFFE, 1984, p. 123).

As quatro determinações estruturais-funcionais que configuram a “política” do Estado capitalista, segundo Claus Offe: - Privatização da produção; - Dependência dos impostos; - Acumulação como ponto de eferência; -Legitimação democrática.

A articulação entre essas quatro determinações estrutural-funcionais expressa o que Offe (Ibidem) entende por “política” do Estado capitalista, e

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“Nossa tese consiste em afirmar que existe uma e somente uma estratégia geral de ação do Estado. Ela consiste em criar as condições segundo as quais cada cidadão é incluído nas relações de troca. Criadas essas condições [...] todos os quatros elementos constitutivos do Estado capitalista são igualmente considerados” (OFFE, 1984, p. 125; grifo do autor).

“O Estado só pode continuar a manterse como Estado de direito, como Estado democrático e como Estado Social se conseguir realizarse como Estado educativo. Por outras palavras: a juridicidade, a democraticidade e a socialidade estatais pressupõem a democratização dos saberes e das competências” (CANOTILHO, 2000, p. 24).

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que consiste no “aspecto dinâmico da estrutura estatal”, a saber: “o conjunto de estratégias mediante as quais se produzem e reproduzem constantemente o acordo e a compatibilidade entre essas quatro determinações estruturais do Estado capitalista” (Ibidem, p. 125). Em suma, o que propõe Offe, a contrapelo de Weber (que se apoia numa formal definição conceitual do Estado, e mesmo da democracia), é formular uma concreta definição operacional do Estado, ou seja, individuar o modo de articulação entre os principais elementos constitutivos do aparato estatal, e como a conjugação desses elementos articulados, tomados em seu conjunto, articulam-se, por sua vez, com a sociedade circundante, cujo produto é expresso sob a forma de política estatal, as chamadas políticas públicas. Apesar das críticas acerbas que se fazem acerca da própria existência e finalidade do Estado no mundo contemporâneo, esta importante instituição jurídico-política ainda é capaz de exercer um papel funcional e estratégico na resolução dos conflitos de legitimidade, no equacionamento dos problemas de acumulação e no desenho, formulação e implementação de políticas públicas de toda ordem. Assim, para entendê-lo melhor, convém configurá-lo segundo 04 (quatro) nomenclaturas distintas, não obstante serem complementares (CANOTILHO, 2000): • Estado de direito - Assegura direitos, liberdades e a segurança dos cidadãos contra as violências públicas e privadas por meio do monopólio do constrangimento físico legitimo (justiça e direito: juridicidade do poder); • Estado de direito democrático - garante o reconhecimento público de direitos democráticos no âmbito do Estado e da sociedade civil (sufrágio universal: legitimação democrática); • Estado social - garante a renda mínima aos cidadãos (função social redistributiva); • Estado da ciência e do saber - assegurar a criação de infraestruturas fundadas na educação e ciência para combater a violência pósmoderna – a ignorância (socialização de saberes e competências). Desde o final do século passado o Estado vem passando por transformações que se manifestam em sua estrutura, dinâmica e papel no seio das sociedades de todo o mundo. E na esteira de tais transformações fica patente a sua transfiguração de Estado positivo para Estado regulador. A identificação do Estado positivo dá-se via intervenção no mercado, na condição de promotor-mor do desenvolvimento, sendo representado pelo modelo de gestão burocrático, cujo modo de avaliação é feito a priori. O Estado regulador, por sua vez, restringe-se à construção de marcos regulatórios indispensáveis ao controle das

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atividades de produção de bens e serviços ofertados pelo mercado, com base na administração por objetivos e/ou resultados e na avaliação a posteriori- trata-se do modelo de gestão gerencial. Mas a compreensão adequada acerca da natureza do Estado depende de sua articulação com o instituto do governo, já que este último é o responsável pelo direcionamento político e pela conformação jurídica do próprio Estado, assim como de sua própria dinâmica no mundo concreto da realidade social, política e econômica.

4.1.2. Governo A palavra governo deriva do termo grego kyberntes, cujo significado semântico é “piloto ou timoneiro de uma embarcação”. Em linhas gerais, governar alude a um processo continuado de ação através do qual a autoridade de um indivíduo ou grupo é exercitada com vistas à persecução de determinado objetivo. O governo é, ao mesmo tempo, representante e expressão do Estado. Ele age sempre por procuração deste último, sendo a contrapartida concreta da mera formalidade estatal. Consequentemente, falar de governo é, desde a Antiguidade, referir-se à arte de dirigir, conduzir. Como organização institucional do Estado, o governo é o princípio unificador deste, o instrumento mediante o qual os objetivos do Estado são elaborados e implementados. Pode-se definir governo sob duas perspectivas: constitucional e sociológico. Segundo a perspectiva constitucional, define-se governo como a instância institucional em que o poder do Estado se exprime de forma plena. Sob a perspectiva sociológica, constata-se que nos Estados modernos o partido ou a coalizão de partidos constituem os núcleos de poder em torno do quais o governo gravita. Em suma, o governo é “uma forma de poder relativamente autônomo em relação aos vários grupos sociais, com a função específica de realizar a integração política da sociedade e a sua defesa no confronto com os grupos externos” (LEVI, 2000, p. 554). As referências às condutas governamentais implicam na operacionalização dinâmica de duas categorias conceituais, a saber, governança e governabilidade. Governança refere-se à capacidade administrativa e financeira das instituições públicas em dar cabo de seus objetivos estratégicos. Governabilidade, por seu turno, diz respeito à capacidade governamental em garantir a estabilidade do sistema político de maneira a viabilizar apoios políticos (institucionais ou não) a seus propósitos de governo, geralmente sob a forma de

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Governo atual (20072010). Grupo coeso de pessoas que exercem o poder de governo e que determinam a orientação política de uma determinada sociedade.

O governo é o órgão decisório por excelência, é o centro propulsor e unificador do Estado. Não se pode falar de Estado, ensina Bobbio (2000), se não se pode formular a seguinte pergunta: “Afinal, quem governa?”.

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estoques líquidos de lealdade da população. Em síntese, se a governabilidade está associada às condições políticas em que se verifica o exercício da autoridade política, a governança, por sua vez, está associada à qualificação do modo de utilização de tal autoridade (MELO, 1996). Logo, governança e governabilidade constituem atributos indissociáveis a qualquer investida político-institucional almejada pelos governos nas esferas nacional, subnacional e municipal.

4.1.3. Administração Pública

“Em seu sentido mais abrangente, a expressão administração pública designa o conjunto das atividades diretamente destinadas à execução concreta das tarefas ou incumbências consideradas de interesse público ou comum, numa coletividade ou numa organização estatal” (PASTORI, 2000, p. 10 ).

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A administração pública pode ser funcionalmente concebida como o “governo em movimento”. Sob o ângulo da atividade, o conceito de administração pública refere-se a uma multiplicidade de ações associadas à organização estatal que compreende, de um lado, aquelas atividades típicas de governo, tais como as atividades associadas aos poderes de decisão e comando, as de auxílio imediato ao exercício das próprias funções administrativas e aquelas atividades voltadas para o alcance de objetivos eminentemente públicos, como é o caso das políticas públicas. Por outro lado, a administração pública também desenvolve ações direcionadas à concretização daqueles objetivos públicos que são legalmente obrigatórios e aqueles que configuram funções de controle interno, de alocação e de estabilização macroeconômica (PASTORI, 2000). No quadro geral da administração pública, deve-se ressaltar o caráter estratégico daquele conjunto de técnicos altamente especializados cuja função é viabilizar o desenho, a formulação, a implementação e a avaliação das políticas públicas, a saber, os elementos da tecnoestrutura estatal (IANNI, 1996). Em sua dimensão estrutural, o conceito de tecnoestrutura estatal compreende um corpo técnico especializado (tecnocracia), múltiplas organizações burocráticas de apoio e complexos meios operacionais finalísticos; em sua dimensão funcional, abrange alguns componentes interativos, tais como a imbricação tecnocracia-órgãos de planejamento, formulação, implementação, controle e avaliação das políticas públicas, a disseminação crescente de padrões de pensamento técnico-científico; a hipertrofia do Poder Executivo em relação ao Poder Legislativo; e o entrelaçamento mútuo entre a arena de dominação política e a arena de acumulação-apropriação econômica. Esse conceito de tecnoestrutura estatal é altamente estratégico na explicação da estrutura e dinâmica funcional do Estado, particularmente no que concerne ao processo decisório. E nessa temática estrutural-funcional o sistema de decisão central é um núcleo nervoso formado por sete círculos concêntricos, isto é, um dentro do outro, compreendidos no sentido centro/periferia. Trata-se dos chamados círculos constitutivos do sistema de decisão central, em que a participação dos funcionários no processo decisório assinala aqueles que influem

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sobre as decisões estratégicas de governo e aqueles que apenas pontualmente se insere na cadeia de decisão administrativa (agentes internos). Mas tal sistema de decisão central também comporta a interferência periódica (as eleições) ou ocasional (comoção social nacional e/ou internacional) de agentes externos que se situam na periferia das decisões de Estado ou de governo (a desestabilização do governo Collor, por exemplo). Assim, pode-se distribuir os participantes institucionais do processo global de decisão governamental em sete círculos14: I. O primeiro círculo é composto pelo presidente da República e os atores responsáveis pelo comando de sua estrutura institucional de apoio, que, por sua vez, são lotados nos órgãos essenciais, nos órgãos de assessoramento imediato e nos órgãos de consulta; II. O segundo círculo de decisão é formado por organismos referentes às organizações setoriais de apoio, ou seja, ao conjunto das administrações setoriais representados pelos Ministérios com seus titulares diretos e corpo de assessoria imediata; III. Os aliados externos do Estado compõem o terceiro círculo de decisão (os sindicalistas e as associações patronais de classe); IV. O quarto círculo de decisão é integrado por instituições de natureza política, conformadora do Poder Legislativo e por instituições de natureza jurisdicional, isto é, o Poder Judiciário; V. A sociedade civil organizada representa o quinto círculo de decisão (periférico); VI. A população eleitoral, por sua vez, representa o sexto círculo de decisão (periférico). VII. O sétimo círculo de decisão é representado pela sociedade civil organizada internacional (periférico).

“A Administração Pública constitui o instrumento a partir do qual o Estado almeja a sua objetividade na história – seu veículo ou hospedeiro -, uma vez que este último não passa de uma invenção jurídica que, por sua vez, se funda em um texto fundador; o governo, uma bússola a guiar as suas ações, já que, para o bem ou para o mal, deve contar com uma direção, um projeto, um práxis (BUENOS AYRES, 2004, p. 462).

O Estado é um centro de decisão coletiva ex ante, uma vez que se constitui um núcleo decisório que determina as estratégias de ação prioritárias em conformidade com os objetivos governamentais previamente estipulados. A sua atuação enquanto organização suscita, no entanto, alguns problemas, tais como a distribuição assimétrica da informação (e de poder de decisão), os conflitos ao nível das estruturas de decisão (disputa pelo poder) e a concorrência entre os setores encarregados pelos serviços de execução. Além do mais, a coesão e/ou lealdade dos funcionários são fundamentais para que as partes envolvidas na execução da intervenção pública façam convergir suas ações, garantindo a eficácia e a eficiência organizacionais. 14 Coube a Catherine Grémion o mérito de distinguir os quatro primeiros círculos do sistema de decisão central no cerne das estruturas administrativas do setor público (MULLER, 1990). Quanto aos demais círculos, a sua concepção é de inteira responsabilidade do autor do presente texto (BUENOS AYRES, 2002). Sociologia aplicada a administração

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“A inexorável interdependência entre as instituições Estado, governo e administração pública nos induz a postular a idéia segundo a qual a existência do Estado depende da existência do governo e a existência deste último, por sua vez, depende da existência da administração pública” (BUENOS AYRES, 2004, p. 462).

A administração gerencial se caracteriza através dos seguintes traços distintivos: • Gestão por objetivos; • Predomínio da eficiência sobre a efetividade; • Legitimidade fundada na eficácia das ações implementadas; • Transgressão ao princípio da hierarquia; • Raciocínio sintético, sistemático e teleológico; • Foco na demanda; •Descentralização e flexibilização administrativa; • Avaliação a posteriori.

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4.1.3.1. A Nova Administração Pública A designação Nova Administração Pública se refere às incorporações programáticas de múltiplas idéias feitas nos últimos vinte anos no âmago da administração pública britânica (Whitehall) (GUILLEMANT, 1998). Ao empreender uma investigação diacrônica sobre o tema em foco, Abrucio (1999) constata que a administração pública britânica evoluiu a partir de três fases distintas - e correspondentes abordagens - em torno do debate da introdução do ‘gerencialismo’ no Estado, desenvolvidas ao longo das décadas de 1980 e 1990, tendo como marco referencial os seus principais objetivos associados a cada fase e a relação destes com o administrado. Assim, a primeira fase, que descreve o momento em que a abordagem do gerencialismo puro se afirmou, se caracteriza por uma preocupação constante com a eficiência e com a racionalização dos custos de produção dos serviços públicos, ou seja, com a produtividade deste, expresso pela máxima “fazer mais com menos”. A segunda fase se inicia a partir da segunda metade da década de 1980, quando noções como efetividade, melhoria de qualidade dos serviços públicos e foco na satisfação dos clientes/consumidores são agregadas à gestão pública com o intuito de corrigir os excessos da visão econômica do gerencialismo puro; é o chamado consumerismo. A terceira e última fase apontada por Abrucio (Ibidem) é aquela que se identifica com a corrente da public service orientation (orientação para o serviço público), cujos pressupostos teóricos congregam as seguintes idéias: accountability, justiça e equidade, transparência e participação política. A articulação necessária entre accountability e o par justiça/equidade constitui, segundo o referido autor, uma das ideias-chave do modelo da public service orientation. Ferlie et al. (1999) destacam que subjacente à transposição das técnicas de gestão da administração de empresas privadas para o setor público se verifica um conjunto de idéias e crenças no campo administrativo. As fontes de tais princípios administrativos, que por sua vez são integradas por motivações descritivas, normativas e mesmo ideológicas, estão associadas ao establishment acadêmico, aos profissionais da área administrativa e a fortes sinalizações emitidas do meio social. Assim, a concepção desse conjunto de princípios administrativos é objeto das mais diversas interpretações, tais como: uma ideologia mercantil cuja intrusão no quadro das organizações governamentais trouxe consigo os valores da contracultura; uma administração de caráter híbrido que, apresentando-se sob uma nova indumentária, sublinha os valores essenciais que caracterizam o serviço público; uma descontinuidade notável nos padrões tradicionais de gestão da esfera pública.

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A nova administração pública é resultante da articulação de um amplo rol de princípios administrativos que procedem de múltiplas origens cognitivas, e embora possua um forte componente de indefinição, é possível compreendêla a partir de quatro modelos ideais, a saber: 1) impulso para a eficiência; 2) downsizing e descentralização; 3) persecução da excelência; e 4) orientação para o serviço público, sendo que a combinação entre tais modelos é comum. Osborne e Gaebler (apud FERLIE et al., 1999), por exemplo, rejeitando o modelo inicialmente adotado pelo Governo americano, no âmbito do programa de Ronald Reagan, o modelo 1, o substitui pela associação entre os modelos 2 e 3 da nova administração Pública, contido no Relatório Gore, durante a vigência do governo de Bill Clinton. De todo modo, como toda classificação, esta também é dotada de um determinado quantum arbitrário, e decerto tais autores não o ignoram. Alguns elementos dos conteúdos dos modelos em apreço são coextensivos, às vezes fronteiriços. Podemos mesmo dizer que no caso brasileiro esses quatro modelos estão articulados numa maior ou menor medida; uma garimpagem aleatória aqui, outra acolá. Mas não resta dúvida de que o modelo predominante é o no 1, uma vez que ele dispõe de um altíssimo teor de compatibilidade com a política governamental atual de equilíbrio das contas públicas. Abstendo-se de se estender mais nessa discussão sobre a nova administração pública, em termos de seu híbrido conteúdo programático, convém acrescentar que a sua aplicação empírica em terreno administrativo concernente aos vários aparatos estatais nacionais tem demonstrado a sua deficiência – ou mesmo ineficiência - em diversas áreas de atuação, a saber: na garantia de uma proteção efetiva dos direitos dos cidadãos; na prevenção à atuação autorreferenciada da burocracia pública; em assegurar o incremento de responsabilidade pública; e em impedir a apropriação privada do aparato estatal por parte de grupos privados (GRAU, 1998)15. No decurso dos últimos 30 anos, muitas das mesmas forças que comandaram a mudança organizacional no setor privado também estão conduzindo mudanças no setor público – é o que podemos chamar de efeito demonstração. Assim, no âmbito da Nova Administração Pública, a mudança organizacional, a criação de equipes, a gestão da qualidade total e a reengenharia terminam por estimular as entidades públicas a tornarem-se organizações do conhecimento. Tal fato ocorre a partir da adoção de algumas características nucleares que assinalam as chamadas organizações do conhecimento, conforme classificação de Peter Senge (RESCHENTHALER e THOMPSON, 1996) (ver Unidade 3): visão e objetivos compartilhados, domínio pessoal, modelos

No âmbito da burocracia o quadro administrativo é formado por funcionários individuais que: • São livres; •São nomeados; •Têm competências funcionais fixas; •São contratados; •Possuem qualificação profissional; •São assalariados; •Desempenham profissão no exercício de seu cargo; •São destituídos dos meios administrativos; •Integram uma carreira específica; •São submetidos à disciplina e controle de serviço.

A transformação das organizações públicas em organizações do conhecimento depende: Da adoção da cultura da aprendizagem; Da introdução do paradigma de gestão gerencial; Da capacidade de sensibilização dos funcionários públicos em relação aos administrados, competidores e tecnologias.

15 A autora também se pronuncia quanto à influência negativa da nova administração pública no que concerne à elaboração das políticas públicas. Idem com relação às questões associadas à responsabilidade dos agentes públicos.

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As tecnologias da informação envolvem recursos de hardware e software enquanto suportes à tomada de decisão e ao gerenciamento da informação e do conhecimento, garantem a alavancagem dos processos de conversão do conhecimento; e permite a aplicação integrada e sistêmica à organização.

As três funções básicas exercidas pelo governo, segundo Musgrave (apud RIANI, 2002): Garantir a alocação de recursos; Garantir a distribuição da renda e da riqueza; Garantir o equilíbrio macroeconômico.

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mentais, aprendizagem em grupo e pensamento sistêmico. Mas para que as organizações do setor público sejam consideradas como organizações do conhecimento tornam-se necessários a adoção de alguns requisitos básicos: • Adotar a cultura da aprendizagem - institucionalizar valores e práticas relativos à aprendizagem constante, visando a socialização dos conhecimentos adquiridos pelos grupos que integram o setor público; • Introduzir o paradigma de gestão gerencial – Inocular no contexto interno da administração pública os métodos e técnicas de gestão provenientes do setor privado, a saber: contabilidade analítica, controle de gestão, administração por objetivos, métodos custo-benefício, custo-eficácia, técnicas de grupo, com destaque para análise de sistema etc; • Sensibilizar-se com administrado, competidores e tecnologias – Incutir nos funcionários públicos o sentido de missão no atendimento aos usuários dos serviços ofertados pelo Estado; estimular os servidores públicos à competir entre si de modo a ofertar os melhores serviços aos seus beneficiários finais mediante gratificações por desempenho; e familiarizar os operadores públicos com as mais diversas tecnologias de informação e comunicação, tais como groupware (tecnologias de informação de apoio ao trabalho grupal), data warehouse (banco de dados responsável pelo armazenamento de dados relativos às operações da empresa oriundo de um fonte única ou múltipla), portal corporativo (porta de acesso às informações empresariais e às expectativas funcionais dos usuários corporativos), árvore do conhecimento etc.

4.2. Estado e sociedade As estruturas administrativas representam a característica mais evidente dos Estados modernos e contemporâneos, uma vez que manifesta, quase fisicamente, a sua presença no plano da subjetividade. Tais estruturas dispõem de um pessoal altamente qualificado, reconhecido por sua competência técnica, cuja contratação dar-se profissionalmente e em caráter permanente; são os chamados corpos burocráticos. O crescimento da produção econômica provoca uma maior diversificação da divisão social do trabalho e implica no crescimento do setor público, na medida em que o Estado diferencia as suas funções em face do mercado. Logo, a existência do setor público está diretamente associada à impossibilidade de o mercado realizar uma alocação perfeita de todos os bens e serviços ofertados pelas empresas, ou seja, o mercado, por si só, não

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garante a situação ótima de recursos – é a teoria do equilíbrio geral. Segundo Musgrave (apud Riani, 2002), existem três razões que justificam a intervenção pública, que, por sua vez, exigem o exercício de três funções básicas previstas na política orçamentária: alocação (correção de equilíbrios parciais), redistribuição (correção da dinâmica do mercado e prevenção do aumento das desigualdades sociais) e estabilização (correção do equilíbrio geral ou equilíbrio macroeconômico). Uma vez que não existem condições políticas para uma alocação ótima de recursos e bens a cargo do mercado, em virtude de o setor privado ser incapaz de gerar uma produção ótima de bens e de serviços, o governo desponta então como fator de intervenção na alocação de produção de bens e serviços de acordo com as necessidades da sociedade. Quatro características principais são apontadas como falhas do mecanismo do mercado na persecução da produção ótima de bens e serviços:  Indivisibilidade do produto - A ação do Estado se justifica pela necessidade em assegurar a oferta de bens indivisíveis, ou seja, aqueles bens cujo valor monetizado é determinado ao largo do sistema de mercado. Em outros termos, trata-se de bens públicos puros (ou sociais, ou coletivos, ou indivisíveis) não rivais e não exclusivos. São não-rivais porque o aumento do acesso das pessoas no consumo de tais bens não influencia na majoração de seus custos de produção. São não-exclusivos porque a eles não se aplica nem o direito de propriedade nem o princípio da exclusão, ou seja, o consumo simultâneo de vários indivíduos não implica na redução da quantidade disponível de consumo para os outros, sendo vedada a exclusão do consumidor via pagamento de um preço. Os bens privados (ou bens divisíveis), ao contrário, são rivais (a participação de um maior número de indivíduos no consumo de certos bens e serviços resulta na majoração de seus custos) e exclusivos (a indisponibilidade de renda compatível com aquisição de bens e serviços exclui o indivíduo do mercado). Os bens mistos (ou bens intermediários) referem-se a todos aqueles bens cujos preços tanto podem ser determinados pelo mercado quanto pelo setor público. Falar de bens mistos significa fazer referência a bens públicos impuros (saúde e educação) e a bens privados impuros (o pedágio numa ponte ou autoestrada);  Externalidades – Assinalam as situações em que a intervenção do governo na economia se faz necessário quando as atividades de determinadas empresas ou agentes econômicos institucionais provocam prejuízos em outras unidades produtivas ou mesmo na população em geral (a poluição de um rio pode implicar em aumento nos custos de produção de uma empresa ou comunidade, o que demandaria providências públicas em sanar ou amenizar o problema, diante

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“A existência dos bens puros mostra a impossibilidade de o sistema de mercado atender a todas as necessidades da sociedade e se apresenta como uma das justificativas da intervenção do governo na economia” (RIANI, 2002, p. 34).

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“A natureza não mercantil das atividades realizadas pelas organizações públicas concerne à conduta administrativa cuja lógica operacional não se submete ao critério de lucratividade sobre a qual se apóia o mercado, nem ao sistema de formação de preços deste último” (Buenos Ayres, 2006:35).

do desinteresse da empresa poluidora.). As externalidades podem resultar da ação da produção sobre a própria produção e o consumo e do consumo sobre o consumo;  Custo de produção decrescente e mercados imperfeitos – Em face de um mercado cada vez mais competitivo, as empresas tendem a incorporar novas tecnologias, o que assegura economias de escala. Esta, por sua vez, conduz à diminuição de seus custos de produção e, ato contínuo, à concentração do mercado. A conjugação de tais fatores resulta na conformação de um mercado imperfeito;  Riscos e incertezas na oferta de bens – Os pressupostos da concorrência perfeita são comprometidos devido à falta de conhecimento perfeito do mercado por parte de produtores e consumidores no mercado; à imperfeita disponibilidade dos recursos; e à incerteza quanto à obtenção de lucro em função das inversões de capital realizadas pelas firmas. As consequências diretas de tal situação são a escassez de bens de consumo no mercado, o que exige a intervenção do governo de modo a evitá-la, já que muitas vezes os seus custos de produção são proibitivos.

4.3. Reforma do Estado e reforma administrativa É possível citar pelo menos quatro premissas que procuram justificar e embasar o diagnóstico da proposta de reforma do Estado aparelho estatal: a crise do Estado, a suplantação de todas as outras linguagens ou lógicas da administração pública pela lógica gerencial, a publicização dos serviços não-exclusivos do Estado e a necessidade de imprimir ao Estado uma maior capacidade de regulação e de coordenação de suas atividades. A crise fiscal do Estado tem conduzido os governos dos países industrializados a adotarem uma postura política de modernização da administração pública que resulta numa nova representação da ação estatal perante a sociedade inclusiva. Tal crise se acha por trás da onda de alijamento do Estado do processo de promoção direta do desenvolvimento econômico, fator este responsável pela redução de seu tamanho. Daí a defesa das correntes neoliberais de pensamento em prol da implementação de um programa sistemático de redefinição do papel do Estado, mediante a privatização de empresas públicas e a desregulamentação do mercado, terminando por resvalar para uma reforma da própria máquina pública – a reforma administrativa. No Brasil, isso tem ocorrido desde o governo Collor, com a instituição do Programa Nacional de Desestatização. Porém, a partir do governo Fernando Henrique Cardoso, o processo de desestatização é intensificado e o Estado passa a adquirir uma nova feição político-administrativa via adoção do modelo de gestão gerencial. 100

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É importante destacar a existência de uma distinção importante entre reforma estatal e reforma administrativa. A primeira sempre abarca a segunda. Assim, por um lado, a reforma estatal lato sensu alude à redefinição do papel e função do Estado em relação ao mercado e reestruturação do aparelho ou aparato estatal (administração pública): privatização, desestatização, desregulamentação, desburocratização. Por outro, reforma estatal stricto sensu concerne à reforma da administração pública propriamente dita – criação e extinção de órgãos públicos, descentralização, desconcentração, reimplantação de plano de cargos e salários etc. Portanto, toda reforma da administração pública supõe uma reforma estatal, assim como toda reforma estatal está diretamente vinculada a uma reforma da administração. “No decurso da evolução histórica das organizações públicas e privadas é bastante encontradiço as situações em que os aportes teóricos de ambas as organizações tenderam a fertilizar os seus campos de atuação mediante uma permutação simbiótica. A conjuntura atual assinala o momento histórico em que grande parte do arsenal teórico da administração de empresas é instilada no setor público com cada vez mais denodo e senso de onipresença geopolítica. Desse modo, o advento do paradigma de gestão gerencial no contexto interno do Estado se traduz por um movimento em que a legitimidade de sua ação se subordina crescentemente aos fundamentos lógicos da racionalidade econômica ditada pelas organizações mercantis” (BUENOS AYRES, 2006, p. 32). De forma simplificada, pode-se analisar o processo de reforma do Estado a partir de quatro travejamentos principais: condução da mudança administrativa (caráter democrático ou autoritário da reforma do Estado), relação administrativa (modalidade de tratamento dos usuários das políticas públicas do Estado visando à elevação da sua satisfação com relação aos bens e serviços, atos legais e atos administrativos públicos: usuário-cliente, usuárioprotagonista, usuário-parceiro, usuário-cidadão etc.) regime estatutário dos servidores públicos (estratégias de flexibilização no âmbito da gestão dos recursos humanos) e arquitetura administrativa (formas de gestão descentralizada mediante a criação de agências autônomas, tais como a Anatel, a Aneel, a Ana, a Anvisa etc.; implica em diferenciar as funções estratégicas, a cargo do poder central, das funções operacionais, a cargo das estruturas periféricas) (CHEVALIER, 1996).

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As organizações governamentais são compelidas a lidar com as seguintes questões políticas e organizacionais: Estabelecer sua intenção estratégica; Delimitar suas fronteiras reais; Definir suas competências nucleares.

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4.4. Globalização, neoliberalismo e políticas públicas “A globalização dos espaços econômicos, políticos e sócio-culturais possui a contrapartida da globalização dos conflitos de interesses e dos problemas de distribuição de riqueza e de renda, assim como da desigualdade das regras de funcionamento do mercado internacional de bens de consumo, de trabalho e de capital - a homogeneização dos espaços ontológicos ditados pelo capitalismo organizado conduz à homogeneização das reivindicações por equidade e justiça sociais” (BUENOS AYRES, 2002, p. 295).

“Existe política pública quando uma autoridade política local ou nacional procura modificar, através de um programa de ação coordenado, o meio cultural, social e econômico de atores sociais compreendidos em geral em uma lógica setorial” (MULLER, 1990, p. 25, 26).

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Considerando o grau de integração das economias mundiais e a influência dos organismos multilaterais (Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio etc.), os governos são obrigados a abdicar de parcela da soberania de que dispõem, o que nem sempre lhe são favoráveis. Uma situação geral que se revela por demais achadiça quando se trata de países situados na semiperiferia e/ou periferia do mundo industrializado, avançado e rico. Os efeitos dessa ordem político-mundial se fazem sentir crescentemente, sem que medidas compensatórias, ou mesmo preventivas, ainda que aventadas e acalentadas, sejam adotadas, tais como a taxa Tobin, que poderia incidir sobre os capitais especulativos, ou da contenção dos subsídios estatais que os governos centrais concedem aos produtores agrícolas, fator esse responsável pelo descomunal desequilíbrio da balança de pagamentos dos países periféricos. O Brasil se enquadra nessa situação geral. De um lado, é constrangido pelos institutos nacionais e internacionais de crédito monetário a honrar os seus compromissos financeiros para manter a sua condição de adimplente e assim tornar atraente o ingresso de capitais vitais para o pagamento das dívidas externas e internas. A consequência direta desse acerto se traduz por um rigoroso ajuste fiscal, ao lado de um controle cambial flexível e de privatizações de empresas estatais. De outro lado, é premido pelos problemas crônicos do país, como por exemplo, a desigualdade de renda e de riqueza, responsáveis pelo deplorável contingente de mais de 40 milhões de brasileiros que economicamente se situam abaixo da linha da pobreza, ou seja, percebem menos de 2 dólares por dia. Diante de números tão elevados de miseráveis, a demanda por assistência social sob a forma de bens e serviços públicos diversificados exige do Estado uma racionalização tanto das técnicas e modos de gestão da administração pública quanto na focalização regional, local e personalista das demandas por serviços públicos. A conciliação um tanto quanto antagônica entre problemas financeiros e problemas sociais agudos somente pode circunstancialmente passar pela valorização e qualificação técnica dos agentes públicos, sobretudo aqueles que são incumbidos do desenho, da elaboração, da implementação e da avaliação das políticas públicas. Esforços importantes nesse sentido têm sido feitos, porém seu alcance vem sendo firmemente contido por conta do que denominamos como a síndrome do ajuste fiscal. O neoliberalismo se afirma institucionalmente na mesma proporção em que o Estado-providência, em sua expressão keynesiana, (o Estado de bem-estar social) é confrontado com uma crise em seus fundamentos socioeconômicos, sociais e políticos. A escalada de gastos nos orçamentos sociais é contida devido

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ao desequilíbrio fiscal provocado pelo aumento dos níveis de desemprego, sobretudo a partir do choque do petróleo, no início da década de 1970. A política do pleno emprego, que vigorava desde 1945, é substancialmente esvaziada, conduzindo à perda da centralidade do trabalho como princípio da política econômica (a crise previdência social). A perda da centralidade do trabalho coincide com a afirmação e consolidação da centralidade da política de combate à inflação associada à valorização financeira do capital. No que respeita ao papel do Estado e as políticas públicas, e numa perspectiva mais essencial do debate filosófico e doutrinário, inexiste diferença entre o liberalismo do século XVIII e o liberalismo dos séculos XX e XXI (Fiori, 1997). As teses e as propostas centrais do velho e do novo liberalismo continuam as mesmas, podendo ser enumeradas ou decompostas em número de três:

A política pública consiste em um processo de mediação social cujo propósito é evitar as distorções que podem surgir entre um setor e os demais setores, ou mesmo entre um determinado setor e a sociedade global, de maneira que seu objeto não é mais do que a administração racional da relação global-setorial (MULLER, 1990).

1) A minimização máxima possível do Estado e da política – “A busca da despolitização total dos mercados e a libertação absoluta de circulação dos indivíduos e dos capitais privados” (Ibidem, p. 202); 2) A defesa intransigente do individualismo – a ideia segundo a qual a procura da realização dos interesses egoístas dos indivíduos conduz à plena satisfação de todos; 3) A temática da igualdade social – bem entendida esta como igualação de oportunidades ou igualdade de condições iniciais para todos. Contudo, o novo liberalismo apresenta algumas distinções fundamentais em relação à compreensão de seu ‘predecessor’, a saber: a) A pretensão clara de se formalizar enquanto cientificidade, fundada no chamado “individualismo metodológico”, que se manifesta na tentativa de atingir um nível teórico elevado de sofisticação formal e matemático: as teorias dos jogos, das expectativas racionais e da escolha pública; b) A combinação de tais idéias com as transformações econômicas e políticas materiais assumidas pelo capitalismo, do mesmo modo que o avanço do capital propiciou as condições empíricas para o advento das ideias neoliberais; c) A quase universalização do pensamento neoliberal, graças à derrocada do ‘comunismo’ e o avanço das ideias e políticas do liberalismo redivivo, consubstanciada no Consenso de Washington (privatização, desregulamentação, desestatização etc.);

Sociologia aplicada a administração

“A transmigração extraterritorial do Estado-nacional via constituição de empresas transnacionais, ou, em outros termos, a transnacionalização das empresas enquanto fenômeno da ‘transestatalidade’, constitui o mecanismo básico a partir do qual se afirmam e consolidam os fundamentos de uma ordem política global sob a égide de uma federação de Estados pós-westfaliana” (BUENOS AYRES, 2004´, p. 452).

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d) A tentativa de solapamento do welfare state: a vingança do capital contra a política e os trabalhadores (Ibidem). “O que está acontecendo no mundo não é o desaparecimento dos Estado como principais atores do sistema (embora alguns outros atores transnacionais estejam alcançando proeminência ainda maior), mas sim sua aceitação do fato de que precisam trabalhar em conjunto para poder controlar uma variedade de interdependências” (ZACHER, 2000, p. 95).

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As colocações feitas em unidades anteriores concernentes à relação micro-macro, conjuntura e estrutura, biografia e história são igualmente apropriadas para compreender melhor o fenômeno da globalização, ou mundialização. Elas permitem constatar a relação direta entre o local (Piauí) e o global (mundo), a periferia (Brasil) e o centro (G-7), o privado (unidade doméstica) e o público (repartições burocratizadas, tanto privadas quanto públicas). O processo de globalização, para usar uma nomenclatura mais popularizada, consiste num intenso fluxo ou intercâmbio de mercadorias (ou commodities), produtos, serviços, pessoas, ideias, movimentações financeiras, alternância no controle das empresas transnacionais, ambiência pró-pancontinental e pró-comunicativa etc. O conjunto complexo de interações comerciais e não comerciais que ocorrem entre os indivíduos, entre as empresas, entre os estados federados (subnacionais), entre as nações, se desenvolvem no interior do mercado, aqui concebido como um sistema de intercâmbios de propriedades. E na medida em que esse sistema de intercâmbio de propriedades se internacionaliza, o mundo tende a se uniformizar, tornando hiper-complexas as relações comerciais, políticas e jurídicas travadas entre os Estados nacionais e, sobretudo, entre as grandes empresas transnacionais. As implicações diretas dessas relações hiper-complexas no contexto global das relações internacionais engendram um fenômeno político e jurídico que tem como resultante a perda de soberania do Estados em função das chamadas externalidades físicas internacionais, ou seja, em função daqueles problemas associados ao meio ambiente (com destaque para o fenômeno do aquecimento global, ou efeito estufa), ao terrorismo, ao tráfico de escravas brancas, à saúde, ao narcotráfico, aos crimes contra a humanidade etc, cuja existência desafia as ordens legais nacionais, fazendo-as abdicar de seus ordenamentos jurídicos, já que tais problemas extrapolam os seus limites territoriais e, portanto, jurisdicionais. Em compensação, renunciam a uma parte de sua soberania em prol da construção de uma nova ordem internacional, em que os problemas verificados em suas circunscrições territoriais terminam por demandar esforços conjugados na sua resolução. Daí a importância crescente em se entender o papel tanto dos Estados e das empresas transnacionais quanto das organizações não-governamentais, ou organizações do 3º setor, no cenário global das relações internacionais. Estas, por sua vez, tendem a exercer um papel cada vez mais estratégico não apenas na compreensão das relações internacionais, mas também nas transformações por que passam o mundo contemporâneo.

UNIDADE 4


Atividades 1.

Faça uma diferenciação entre organizações governamentais e não governamentais.

2.

Reflita sobre a articulação existente entre Estado, governo e administração pública.

3.

Analise sobre a nova administração pública em face da reforma do Estado.

4.

Quais são os requisitos para que as organizações públicas se transformem em uma organização do conhecimento, segundo Peter Senge?

5.

Quais as razões elencadas por R. A. Musgrave para justificar a intervenção do governo no mercado?

6.

Faça uma comparação entre reforma estatal e reforma administrativa.

7.

O que é política pública?

8.

Qual a influência do neoliberalismo sobre as políticas públicas?

Sociologia aplicada a administração

Saiba Mais Consulte os seguintes sítios: http://www.wikipedia.org/ http://www.pqsp. planejamento.gov.br/ fundamentos.htm http://www. bresserpereira.org.br/ ver_file_3.asp?id=109

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