Pecado. Palavra forte e cheia de significados para grande parte das pessoas. O medo de pecar faz com que muita gente viva em constante policiamento. Mas, mesmo diante da eterna vigilância, estamos livres do pecado? Pecamos quando comemos pratos extravagantes; pecamos quando pensamos mil vezes antes de gastar dinheiro; pecamos quando extravasamos em um jogo de futebol; pecamos quando desejamos o que não é nosso… Vivemos cercados de pecado, e isso não faz de nós monstros. Faz de nós humanos. Simplesmente não resistimos. Já dizia Raul Seixas: “eu quero é ter tentação no caminho”. Boa Sete para você que lê.
Felipe Pessoa Editor
Expediente Reportagens Aline Soares Felipe Pessoa l editor Marília Gouveia Renata Mendonça Thiago Vieira
Diagramação Carlos Fraga
SUMÁRIO LUXÚRIA página 01
GULA página 05
AVAREZA página 11 INVEJA página 13
PREGUIÇA página 19 IRA página 21
VAIDADE página 25
Felipe Pessoa & Thiago Vieira Dos pecados, a Luxúria talvez seja o que representa o maior tabu na sociedade. Ainda que desejos sexuais estejam presentes na natureza dos indivíduos, falar sobre o assunto não é confortável para uma parcela das pessoas. Fica fácil imaginar as barreiras que enfrentam os profissionais que convivem com o erotismo e com a indústria vinculada ao sexo, mas sem envolvimento pessoal. É o caso de Manoel Barros, de 41 anos, único funcionário do Cinema Especial, que exibe filmes eróticos, localizado na Rua da União, no centro do Recife. Ele é responsável por todas as atividades do lugar, desde a limpeza até a segurança, passando pela curadoria dos filmes. Manoel trabalha no Especial há 17 anos, e já viu outras gerações de funcionários irem e virem durante esse período, por diversos motivos. Por lá, ele fica a maior parte do tempo esperando, em pé, a chegada do público, não muito grande na porta do cinema. Para vê-lo, o cliente passa por um caminho em espécie de zig-zag, repleto de cartazes indicando que apenas maiores de 18 anos podem frequentar o local. É lá também que é possível saber as películas que estão em exibição: um filme nacional e outro filme estrangeiro, sendo assim todos os dias. Hoje, Manoel veste uma calça jeans e uma camisa listrada na horizontal, e de cara não apresenta nenhum tipo de resistência em conversar sobre a profissão. Ele informa que o local vem passando por uma transição faz algum tempo - tentando se inovar para sobreviver às mudanças. Boa parte da culpa é atribuída à internet: “seria o mesmo que você querer [colocar para] competir um Fusquinha com uma Ferrari”, compara. Ele também conta sobre o momento que o Cinema Especial passa."Há uns cinco meses houve troca na administração, e agora a gente está passando por uma
reforma. Em breve teremos dark room, suítes, casa de massagem...", explica. Além disso, haverá a criação de uma sala para filmes do segmento homossexual. Manoel destaca ainda que quase 90% do público seja gay, mesmo que atualmente apenas peças pornográficas heterossexuais sejam exibidas. Depois de dezessete anos trabalhando nesse tipo de indústria, Manoel não tem dificuldades de falar sobre o assunto, e encara tudo com naturalidade. Ainda assim, ele não nega os problemas que teve que enfrentar quando começou a trabalhar no local. "Sofri preconceito. Desde o bullying, que na época não tinha esse nome mas eu sofria, até a restrição mesmo. Pessoas do meu convívio pessoal pararam de falar comigo", relembra. Manoel conta que iniciou na profissão por acaso. Inicialmente, era auxiliar de escritório numa empresa de construção civil que faliu. Tentou emprego na mesma área, sem sucesso, e foi indicado para essa. Na época, estudava matemática na Universidade Federal de Pernambuco, que não conseguiu terminar. Hoje, ele ainda tenta concluir o curso. "A profissão me atrapalhou por conta do horário. Antes eu trabalhava até as 17h, hoje eu fico aqui até fechar. Atrapalhou nos meus estudos", conta. E não foi só a vida pessoal de Manoel que mudou. Ele lembra dos próprios preconceitos que tinha antes de começar a trabalhar no local. "Eu tinha muitas restrições, como com o homossexualismo (sic.), por exemplo. Mas quando você chega aqui e tem esse convívio, isso cai por terra", explica. Ele completa afirmando que no cinema não existe um perfil de cliente. São frequentadores de todas as classes sociais, de variadas idades. Em comum, apenas a vontade de realizar algumas de suas fantasias eróticas.
foto:Felipe Pessoa
Não muito longe dali, na Rua do Hospício, também na área central da capital pernambucana, existe o Recife Sex Shop. Discreta (fica no primeiro andar de um dos prédios comerciais do lugar), a loja é uma das mais antigas da cidade e atrai muitos consumidores. Para chegar lá, os clientes têm que subir um lance de escada estreito e tocar a campainha junto à porta do estabelecimento, sempre fechada, mas suficientemente sinalizada. Quem abre é Silvana*, de 49 anos, solitária vendedora da loja. Logo na entrada, uma parede repleta de próteses de pênis de diversos tamanhos, formatos e cores. No restante, produtos diversos, como filmes, roupas e outros tipos de mercadorias eróticas. Silvana começou a trabalhar no local há seis anos e meio, indicada por sua irmã a uma das gerentes da loja. Antes, ela era revendedora de produtos de porta em porta, como biquínis e cosméticos. Na época, ela garante que não tinha contato com os objetos vendidos em sex shop, e que apenas havia ouvido falar das próteses, dos lubrificantes e das “bolinhas”, mas nunca os tinha experimentado.
Para entender como tudo funcionava, e assim poder orientar os clientes, ela foi instruída por funcionários mais antigos. Mas afirma que a maior parte aprendeu com o convívio, no dia a dia. No começo, eram três vendedores, mas com a abertura de mais uma loja, também no centro, ela está momentaneamente sozinha. Ela explica como é a reação das pessoas assim que conhecem a variedade de produtos. "É assustador. Quem vem na primeira vez assusta. Aí vai conhecendo e acaba comprando", conta Ao longo desses mais de seis anos, Silvana conta que houve uma mudança no perfil dos clientes. No começo, a grande maioria eram mulheres; hoje, é bem dividido, e às vezes os homens chegam até a comprarem mais.. Outro ponto é a faixa etária. Antes, os mais jovens eram os principais frequentadores, mas agora começam a chegar pessoas de meia idade. "Tem gente que vem com a nora, tia que vem com a sobrinha. Aí conhece", avalia.
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Assim como Manoel, Silvana sentiu o preconceito quando iniciou no trabalho, mas acredita numa evolução. "No começo, era preconceito, porque as pessoas acham que isso aqui é feito (sic.) em filme. Mas temos que manter a postura, a gente tem uma certa distância. A gente fala, explica tudo, mas no profissional", diz. Do desconhecimento quase total dos produtos que vende, hoje ela passou a dar dicas aos clientes. Silvana afirma, ainda, que até usa alguns objetos na sua vida pessoal. E o mesmo vale para seus filhos. "Meu filho não gostava que eu trabalhasse aqui. Mas uma vez ele ligou e falou com meu patrão e viu que ele era uma pessoa séria", lembra. Hoje, o filho chega a encomendar alguns produtos.
*Silvana é um nome fictício. Manoel não.
foto:Felipe Pessoa
Ilustração Julia Randall
Aline Ramos
Já dizia Luis Fernando Veríssimo, ninguém é mais admirado ou invejado do que aquele que come e não engorda. Ou seja, os que comem o dobro que os demais seres humanos da face da terra e seguem com os ossinhos proeminentes. São também eles que se queixam que gostariam de engordar, como se fosse a mais árdua e difícil das missões terrenas. Há quem diga que gastam todas as calorias em maldade. Daí deriva a expressão, que segundo boatos é gaúcha: magros de ruim. Conheça agora a história de alguns deles.
Daniel Vilarouca Idade 33 anos Altura 1,66 Peso 52kg No self-service 500gr
O jornalista, que sempre teve o biotipo magro, aprendeu desde muito cedo que nasceu para ser assim, “É da minha natureza mesmo, ser magrelo e acabou”, enfatiza Daniel. Ele lembra que a infância foi marcada por dois elementos: a preocupação familiar da mãe e da avó e as brincadeiras na escola. “Criança é sempre muito maldosa com outra criança. Nunca fizeram alusão ao meu peso, mas chamavam muito de cabeção, porque por ser muito magrinho ‘a cabecinha de mamãe sofreu’ chamava mais atenção”. Já em casa, a preocupação materna era com a saúde do garoto, acreditando que o baixo peso indicava algum problema. Em todas as consultas médicas, a pediatra era sempre questionada sobre a magreza do menino, que sempre afirmou estar tudo bem. Não teve jeito, indicação médica ou calmante que bastasse. Sua mãe apelou até para o famoso Biotônico Fontoura. “Era uma sensação, passava comercial na televisão. Mas isso pra mim é balela, nunca aumentou minha fome, que eu me lembre nunca surtiu muito efeito”.
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Manoel Oliveira Idade 67 anos Altura 1,80 Peso 60kg No self-service 900gr
E D Numa família de seis irmãos, Seu Manoel é o único magrinho. De acordo com ele, isso nunca foi motivo de chacota porque mais que ser magro, na cidade de Glória de Goitá onde cresceu, chamava mais atenção a sua altura. “Eu nunca tive um apelido, porque eu acredito que isso nasce de uma coisa que você não aceita e eu nunca me incomodei com ser magro. Mas eu sempre gostei muito de futebol e curiosamente nos jogos o meu time sempre era o sem camisa”, relembra rindo. Ele ainda conta que na quando se mudou para o bairro de Cajueiro, no Recife, e começou a bater bola com as pessoas do bairro ele era sempre o último a ser escolhido, “as pessoas deviam pensar: o que é que vai sair dessa porcaria magra aí?”.
Sobre os prazeres da vida, seu Manoel, a melhor coisa na vida é comer. “Dormir é bom, mas um prato de comida legal é muito melhor. Eu não sou de lanchar, mas eu como bem os três horários. Tanto que todo mundo sempre fala, Manoel eu queria ter teu corpo e eu acho que isso é meio pejorativo”.
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Manoela Oliveira Idade 26 anos Altura 1,74 Peso 56kg No self-service 700gr
E já que filho de peixe, peixinho é, Manoela, filha de Manoel, graças à genética, tem o mesmo biotipo do pai. A maneira relaxada, também herdada, fez com que ela nunca se incomodasse também com o fato de ser magrinha. Apenas durante um curto período de tempo na infância foi chamada de Olívia Palito, só mais adulta é que já ouviu comentários mais ácidos.
“Após o trabalho, o pessoal costumava sair para comer, então em rodízio eu sempre era a que comia mais, já cansei de escutar que eu sou magra de ruim, que ninguém sabe para onde vai tanta comida, esse tipo de coisa”. Uma de suas paixões é fast food, ela conta que tenta dar uma segurada para não comer hambúrguer todos os dias. “Mas não tem nenhuma relação com peso isso, é por uma questão de pensar na saúde mesmo”.
E AGORA, DOUTOR? Para desmistificar essa história de ser magro de ruim, o clínico geral Carlos Fraga explica que esta é uma condição que está atrelada a diversos motivos, entre eles genética, como é o caso de Manoela. “Existem fatores fundamentais, além da genética, que são os hábitos alimentares e a prática de atividades físicas”. Ele explica também que disfunções no corpo humano também podem acarretar a magreza patológica. “No caso da tireóide, por exemplo, se você tiver um hipertireoidismo, onde o metabolismo fica muito acelerado e há perda de peso. Nesses casos é importante ser acompanhado por um endrocrinologista e, de modo geral, é sempre bom ficar de olho na saúde e realizar exames periódicos”.
TAMANHO É
DOCUMENTO Marília Gouveia
Restaurantes do Recife e RMR apostam em versões exageradas e diferenciadas de pratos já conhecidos Nos tempos de hoje, a gastronomia está acompanhando os costumes da população, cada vez mais inclinada a lanches e comidas rápidas. Apesar de refeições completas e fartas não serem mais tão comuns, as pessoas continuam caindo na comilança. No Recife e Região Metropolitana, muitos restaurantes e lanchonetes vêm investindo em pratos exagerados. Um dos salgados mais amados do país, a coxinha, ganhou uma versão que não vai deixar ninguém na vontade. A loja Comadre Coxinha oferece uma opção de um quilo, com seis opções de recheios. A iguaria já até substituiu bolo de aniversário. Rafael Filipe Batista, do food truck Mr. Duck, levou para Porto de Galinhas um cachorro-quente de 60 centímetros. “A gente pensou em realmente matar a fome de estudantes e dos jovens, com uma coisa maior. Mas muita gente também compra para dividir”, explica ele. Entre coxinhas de um quilo, temakis de 700 gramas e hambúrguer gigante, há opções para todos os gostos.
LANCHINHO A Comadre Coxinha, da chef Amanda Escobar, só trabalha com o que o nome já diz: coxinhas. O salgado tão brasileiro ganhou várias versões um tanto quanto diferentes, mas que fazem muito sucesso. Além dos três tipos de massa e 22 recheios disponíveis, a loja oferece ainda mais opções inusitadas, como o hambúrguer de coxinha, onde o pão é substituído pelo salgado, devidamente empanado e frito. Para os “românticos”, a loja também recebe encomendas de buquê de coxinhas e até bolo de coxinha. Como se não bastasse, há ainda a coxinha de 1 quilo (R$35), com seis opções de sabores.
PARA DIZIMAR
A FOME No Mr. Duck, food truck instalado em Porto de Galinhas, os cachorros-quentes tradicionais de 15 e 30 cm ganharam um companheiro mais extravagante. O dog de 60cm (R$20) vem com quatro salsichas, milho, ervilha, batata palha, cebola, tomate, queijo parmesão ralado, bacon e molho especial.
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JAPONÊS Para quem gosta de comida “japonesa”, a Coni Móvel tem uma opção que deve alimentar todo um grupo de amigos: o Salmão Supremo. O temaki é feito com uma lâmina de salmão maçaricado recheado com arroz, cream cheese, camarões empanados e cubos de salmão. A refeição custa R$37,90 e chega a pesar 700 gramas.
HAMBURGER A hamburgueria Burgomestre já é um clássico no Recife. Localizada no bairro das Graças, o estabelecimento oferece, há 20 anos, um sanduiche que pode alimentar até quatro pessoas. O Burgomonstro (R$49,95) tem 400 gramas de carne, queijo prato, presunto, milho com maionese, bacon, batata palha, alface, tomate e molho rosé. Caso não seja satisfatório, ainda há a opção do Duplomonstro (58,75), que carrega 800 gramas de carne e, quando pronto, pesa 1,5 quilo. Outra opção é o sanduíche Excalibur (R$29,90), do Clube da Esquina, na Madalena, que conta com triplo burger com três queijos (muçarela, prato e cheddar), onion rings, picles, cebola caramelizada, alface, tomate e molho australiano.
REGIONAL Para quem quiser fugir dos fast foods e ficar na comida regional, a Peeense numa Tapioca pode ser uma opção. O local, que está no bairro da Jaqueira, oferece tapiocas de 20 centímetros e 300 gramas. Os recheios, além dos tradicionais queijo e coco, são os mais variados. Cebola caramelizada, frango, lombo, carne de sol e camarão com catupiry. Além das versões doces como Nutella, banana e nozes, cartola e até bolo de rolo com queijo do reino. Ao todo, são mais de 30 sabores e os preços vão de R$8,90 a R$20.
Comadre Coxinha - Rua Antônio de Castro, 114, Loja 7, Casa Amarela, Recife Mr. Duck - Rua Beijupirá, s/n, Porto de Galinhas- PE Coni Móvel - Rua Desembargador Martins Pereira, 391, Aflitos, Recife Burgomestre - Rua Joaquim Nabuco, 574, Graças, Recife Clube da Esquina – Avenida Visconde de Albuquerque, 753, Madalena, Recife Peeense Numa Tapioca - Rua do Futuro, 959 ,Jaqueira, Recife
PERFIL DE UM PIRANGUEIRO NÃO CONVICTO Felipe Pessoa
Quem olha a simplicidade de Giovanni*, pode não imaginar que está diante de um professor da Universidade Federal de Pernambuco. Até um mês atrás, tinha duas calças jeans. Agora, tem mais duas, “de uma marca melhor”, além dos três pares de botina - resquícios da origem do interior de Minas Gerais. No maior estilo “não me amarro a dinheiro não”, Giovanni faz questão de dizer que prefere ter uma vida simples, ainda que tenha conseguido, junto à esposa (falecida no fim do ano passado), construir um patrimônio que permite que a família - ele e os dois filhos, um universitário de 19 anos e uma adolescente de 13 - tenha um padrão de vida confortável. E, que fique bem claro, conforto não é luxo. Não para ele. Neto de imigrantes italianos, Giovanni lembra bem do que ouviu sobre as dificuldades que o pai e os tios passaram na infância, quando o avô trabalhou duro para conseguir montar uma pequena mercearia em Minas. Foi do avô e do pai, também, que Giovanni herdou o costume de valorizar muito bem o que ganha, investindo e evitando excessos em seu estilo de vida. Não por falta de dinheiro, mas por falta de interesse. “Isso não me apraz; me apraz outro estilo de vida”. Giovanni ouviu, desde sempre, que ganhar dinheiro é muito difícil; gastar é muito fácil. Parece que a lição foi mesmo aprendida. Em Pernambuco há 19 anos, Giovanni diz que desde sempre estranhou os hábitos dos locais. “Sempre achei aqui diferente”. Não demorou muito para construir um juízo em relação à educação financeira do pernambucano, terra do “caixão não tem gaveta”. Visivelmente desconfortável, Giovanni diz que nunca se identificou com o “pessoal com uma visão muito imediatista”, comportamento muito distinto da educação advinda da colonização européia que recebeu (diantes de muitas dificuldades, diga-se de passagem). Professor universitário da área de saúde, Giovanni entende - e muito bem - os termos e as especificidades do mercado financeiro (“sei aplicar”), e acredita que não faria feio se conversasse com algum economista. Giovanni demonstra saber onde investir o fruto do trabalho. “Não importa o quanto você ganha, importa o quanto você gasta”. Além de tudo, Giovanni dá bons conselhos para quem se perde nas finanças. Tudo isso fruto da criação regrada, e, provavelmente, de algum traço de personalidade que é só seu - e que tenta repassar aos filhos, com um gene do dna financeiro que, para ele, tanto deu certo. Mesmo conhecido em seu ciclo por ser controlado, Giovanni não está completamente livre de cometer excessos. Ainda que seja excesso de investimentos. Ele conta que, durante algum tempo, investiu bastante
na compra de imóveis (lembra bem, inclusive, de quando, em 1998, comprou um apartamento em um bairro nobre da capital pernambucana com um desconto considerável; pagou à vista), e que precisou da intervenção da esposa para que parasse. “Minha esposa vivia me cobrando”. Ela acreditava que deveriam começar a usufruir do que juntaram, ou investir mais na própria casa. É possível que muitos se perguntem como Giovanni consegue resistir às tentações do consumismo intenso. Não deve ser uma tarefa fácil em dias como os de hoje. “Quando vou comprar, [sei] valorizar o dinheiro. Eu sei fazer uma proposta, sei pechinchar, sei oferecer em dinheiro”. Giovanni, com certeza, se orgulha de ser um poupador. Percebe-se pelo modo como, de algum modo, se gaba por não ter caído nas garras do capitalismo desenfreado. O professor evita, por exemplo, frequentar restaurantes e fazer viagens caras. Apesar de ter condições financeiras de fazê-lo, Giovanni nunca viajou para o exterior. “Nem passaporte eu tenho”. Na família, Giovanni sempre se destacou no quesito economia, ainda que não tenha sido o único a ter conseguido acumular algum patrimônio. Porém, ao falar de uma irmã, ele parece ter de respirar mais fundo para acreditar no que está prestes a dizer: apesar de ter recebido a mesma educação que ele e os irmãos receberam, ela não soube investir o dinheiro que tinha e acabou por ter um padrão de vida mais limitado. Giovanni sempre se preocupou com o futuro, desde sempre. E faz questão de deixar isso como conselho a quem possa interessar. “Dinheiro traz dinheiro”. Acredita que se programar é essencial para se viver bem, e que é melhor passar a fazer isso quando não precisar, antes de ter a corda no pescoço. Longe do perfil “pirangueiro”** (pelo menos é o que Giovanni acredita), defende um modo de vida mais equilibrado (“aconselho a trabalhar com limites”). Ao contrário do que acontece com as finanças, Giovanni não economiza dicas, e dá um último toque: “se você adquire a capacidade de poupar e de se organizar, a vida fica mais fácil”.
* Giovanni é um nome fictício ** Na gíria pernambucana, “pirangueiro” equivale a avarento, pão-duro. 12 Pinterest
IN VEJA Pinterest
AMULETOS Aline Soares
Alice ganhou seu colar do Espírito Santo da mãe, depois que um antigo que usava amanheceu derretido, e o usa como proteção. Hoje, as pedrinhas azuis estão caindo - um indicativo que estaria funcionando.
A avó de Bruno sempre falou para que ele andasse com um alho no bolso. Após se mudar e algumas coisas começarem a dar errado, passou a seguir o conselho. Desde então, tudo está nos eixos.
foto:Renata Mendonça
A corrente no pé de Jeffrey é consagrada na Igreja a Jesus Cristo e a Nossa Senhora e é o símbolo da total entrega. Todo dia 12 de outubro, a consagração é renovada.
foto:Renata Mendonça
Os namorados Jeffrey e Débora usam o mesmo amuleto: uma medalha de São Bento. Quando pensa no namorado, Débora tem o hábito de passar a mão pela medalha e segurá-la. Uma vez, a quebrou. “Acho que eu estava com raiva aquele dia…”.
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João Marcelo anda como a imagem O Guaxinim na carteira há 16 anos. Um dia, estava buscando imagens no Google quando esta apareceu aleatoriamente, e lhe lembrou da infância. João não sabe o que a foto significa - se fé, superstição ou TOC mas que é desesperador pensar em nunca mais vê-la.
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A pedra da lua que Matheus carrega foi um presente de uma amiga, no Paraná. A simbologia da pedra ele não sabe o que significa, mas seu brilho em noites de lua cheia o lembra de seu animal preferido, o lobo. Às vezes, também confessa que a pedra lhe traz sorte.
foto:Renata Mendonça
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O trevo e a pimenta do chaveiro que Jayse carrega serve para espantar as energias carregadas do ambiente de trabalho. Alguns dias, para garantir, ela tambĂŠm anda com alho.
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PRE GUI ÇA 19
DIÁRIO DE UMA
PROCRASTINADORA Marília Gouveia
“Eu gosto de saber que eu não tenho absolutamente nada para fazer. E que eu não estou devendo nada para ninguém. E, mesmo que esteja, eu gosto de fingir que não estou. Eu acho importante ter um Dia de Não Fazer Nada. Geralmente, eu escolho o dia que eu estou mais cheia de coisas para fazer. Aquele dia que, se eu tivesse uma agenda, todos os horários estariam completos. Eu acho que é importante para desestressar. Meu cachorro – que é o cachorro mais lindo do mundo – é um ótimo companheiro para o meu dia de preguiça. Enquanto eu estou fazendo nada, Roque está fazendo nada deitado do meu lado. Em vez de olhar para uma parede sem graça, eu posso ficar olhando para ele enquanto ele destrói algum brinquedo que ele escolheu no dia. Passear com ele e ver quão bonitinho ele é também é uma ótima forma de passar o tempo e eu ainda posso dizer que ‘sim, eu fiz alguma coisa hoje’. Quando Roque não está disponível para ser companheiro de preguiça – ele tem coisas mais urgentes para resolver – eu me divirto com outros passatempos. Além de, claro, ignorar as obrigações. Eu gosto de ler deitada na cama. Eu gosto de ficar no celular enquanto estou deitada na cama.
Eu gosto de ver os perfis no Instagram de pessoas que não têm nada a ver com a minha vida. Enquanto estou deitada na cama. Basicamente, eu gosto de ficar deitada na cama. Enquanto o dia vai passando, eu fico me perguntando: ‘por que todos os dias não podem ser assim?’. Então, eu me lembro de todas as coisas para fazer, prazos para cumprir e trabalhos para entregar que eu deveria estar fazendo e não estou. Mas todos os dias eu estou fazendo coisas, cumprindo prazos e entregando trabalhos. Ninguém pode me culpar por ter algumas horas de descanso, sabe? Eu mereço. Não sei porque as pessoas dizem que fazer nada é ruim, fazer nada é ótimo. O dia a dia é muito estressante. E eu tenho certeza que a preguiça faz bem para alma. ” - Ana Beatriz, 21, preguiçosa convicta
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Ilustração Philipp Zurmöhle
Thiago Vieira Terror em dias de clássicos, manchetes de violência e cantos coordenados que idolatram o terror. Esse é o lado das torcidas organizadas que estampam jornais e assustam a população. Mas, qual o real motivo para que grupos originalmente criados para apoiar seus clubes de futebol, esporte dominante entre as camadas populares, estarem tão presentes em atitudes criminosas? Qual a solução para diminuir a violência ligada ao esporte? Para entender o cenário atual do Recife, é necessário analisar o contexto das três principais torcidas organizadas pernambucanas: a Torcida Jovem Fanáutico, a Inferno Coral e a Torcida Jovem do Sport. As três foram originadas de grupos de torcedores dos três principais times do estado. Quem primeiro surgiu nos estádios como um grupo foi a alvirrubra, em 1984. Oito anos depois a Inferno surgiu e, em 1995, a Jovem do Sport também foi criada. Atualmente, as três torcidas possuem cerca de 200 mil integrantes segundo números do Ministério Público de Pernambuco. À época da criação dos grupos, elas compartilhavam um desejo semelhante de empurrar os seus respectivos times durante toda a partida. Os cantos eram voltados ao que faziam em campo, e as provocações aos adversários não saiam do âmbito futebolístico. Não demorou muito para que esses grupos começassem a migrar das páginas esportivas para as policiais dos jornais. Na grande mídia, é recorrente pessoas indicarem que a solução é o fim das Torcidas Organizadas, mas o problema vai além disso.
Em Pernambuco, por exemplo, os três principais grupos já não podem ir uniformizados aos estádios, mas não precisa ser experiente em jogos para saber identificar, exatamente, onde estão os seus integrantes. Entre os clubes, o Sport é o único que tem um política aberta contrária à sua principal Organizada. Mas nada disso é suficiente para que não existam mais cenas de violência e de guerra em dias de jogos. O motivo é destacado pelo pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, Tulio Velho Barreto, que explica que o futebol não pode ser dissociado da sociedade. "Todo o debate em torno das Torcidas Organizadas é feito normalmente com enfoques unilaterais, aqueles que são mais visíveis e que é tratado pela mídia, como se o futebol não refletisse a sociedade. Quando a gente pensa a sociedade que a gente vive, nós vivemos cada vez mais violências e isso é refletido dentro desses grupos", argumenta. O pesquisador também traçou um perfil de quem é que integra as Organizadas, e pontuou os motivos que levam esses grupos a serem tão grande e atrativos, principalmente para jovens de periferias de classe econômicas mais baixas. "Quem são esses integrantes de Torcida Organizada? São, em sua maioria, sem generalizar, jovens estudantes, ou que deixaram de estudar e estão desempregados, que não são abraçados pelo Estado. Não há muita possibilidade de lazer, de trabalho, de formação...", explica. 22
“QUANDO A GENTE PENSA A SOCIEDADE QUE A GENTE VIVE, NÓS VIVEMOS CADA VEZ MAIS VIOLÊNCIAS E ISSO É REFLETIDO DENTRO DESSES GRUPOS
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Tulio avalia que buscar grupos parecidos socialmente com o indivíduo é uma prática que faz com que essas torcidas organizadas sejam atrativas para jovens com esse perfil de vulnerabilidade social. "Muitas vezes as pessoas buscam esses grupos porque eles têm visibilidade e que abraçam esse jovem. Pode significar um empoderamento para ele e causar um sentimento de pertencimento, porque as pessoas se vestem como ele, se comportam como ele... e têm a identificação, que no caso é clubística", pontua. São diversas forma de expressar o ódio ao rival que estes grupos utilizam. Desde cantos e faixas ofensivas até agressões físicas e tentativas de homicídio. Quando todo o grupo entoa esse tipo de discurso, sugere-se, ao menos, uma permissividade por parte dos líderes das torcidas. Mas o pesquisador pondera que também existe uma ausência em nos outros setores, inclusive o do Estado. Esses que atuam em atos criminosos várias vezes são identificados passam impunes, estando livres para voltar a outros jogos. Segundo ele, deve-se punir os indivíduos, e não generalizar os grupos. As atitudes criminosas não acontecem apenas nos holofotes das grandes partidas de futebol. Nos bastidores, as torcidas continuam suas ações e alguns integrantes valem-se do ambiente para atividades ilícitas. Túlio explica que dentro das torcidas existe uma competição interna pelo comando. E isso implica em poder sobre a região e, em muitas vezes, reflete na briga pelo comando pelo tráfico de drogas de determinada região. Um dos exemplo mais marcantes desse ponto foi a morte de Moacir Bianchi, fundador da Mancha Verde, maior torcida organizada do Palmeiras, de São Paulo, que teve o carro alvejado com 22 tiros, em 2 de março deste ano. Segundo matérias da imprensa paulista, a organização passa por um momento de divisão, e que o assassinato pode ter sido um reflexo disso. Grupos que apoiavam Moacir chegaram a expressar um sentimento de revanchismo ao caso, mas até hoje não houve nenhum ato de retaliação conhecido. A violência das Torcidas Organizadas não é um problema esportivo, e sim social. É um sintoma da violência que não surge a partir delas, mas refletem seu entorno.
“MUITAS VEZES AS PESSOAS BUSCAM ESSES GRUPOS PORQUE ELES TÊM VISIBILIDADE E QUE ABRAÇAM ESSE JOVEM.”
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VAI DA DE Pinterest
TAL PAI, TAL PET
Amanda e sua filha, Sophie (Foto: Arquivo pessoal)
Renata Mendonça
Quem nunca sorriu ao ver um cãozinho com lacinhos fofinhos ou vestido com roupinhas de gente? Aquela velha máxima de que o cão é o melhor amigo do homem vem tomando novo significado nos dias de hoje. Agora, os pets são considerados verdadeiros integrantes das famílias, muitas das quais optam por ter apenas “filhos de quatro patas”. Aproveitando essa tendência de humanização dos bichinhos de estimação, o mercado de produtos e serviços para pets obteve, em 2016, um crescimento de 4,9% sobre o ano anterior mesmo com a crise econômica que assolou o país, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Produtos Para Animais de Estimação - ABINPET. O setor vem apostando todas as fichas em inovações que exploram ao máximo essa ressignificação da relação entre o dono e o animal. A psicóloga Amanda Pessoa de Melo, de 30 anos, conta que realizou o sonho de ter uma cachorrinha da raça Spitz Anão graças à ajuda financeira do pai. Raça alemã também conhecida como lulu da pomerânia, pode custar entre R$ 5.000,00 e R$ 16.000,00 a depender da cor, tamanho e canil de procedência.
Vaidosa, Sophie adora roupas e acessórios (Foto: Arquivo pessoal)
Casada há poucos anos, Amanda - que pretende ter filhos - diz que dá a Sophie todos os cuidados que teria com uma filha, chegando a tentar combinar as suas roupas com as dela quando vão sair. Muito vaidosa, a psicóloga assume que chegou a gastar, logo quando ganhou a cachorrinha, algo em torno de R$ 2.500,00 com roupinhas, caminhas, brinquedos e outros acessórios. Segundo Amanda, Sophie, que foi acostumada desde pequena a usar roupas, fica eufórica quando a mãe abre a sua gaveta pois sabe que esse é o sinal de que vão sair para passear. Os cães da raça Spitz não costumam ter cheiro forte graças às glândulas sebáceas pouco desenvolvidas, mas, mesmo assim, Amanda escova os dentes de Sophie todos os dias e dá banhos quinzenais, ainda que a raça só demande banho a cada quarenta dias. Além disso, a dona tem o cuidado de utilizar diariamente uma solução que previne o escurecimento dos olhos em razão da acidez lacrimal do animal. Sophie - assim como muitas crianças hoje em dia tem uma conta na rede social Instagram, onde a dona posta fotos do seu dia a dia. Com mais de mil seguidores, sophie_spitz faz sucesso com seus ‘looks’ do dia e brincando com seus amigos no Pet Palace Luxo, onde também cuida da beleza.
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Suíte Luxo do Pet Palace Luxo (Foto: Arquivo pessoal)
MAIS QUE
PET SHOPS O Pet Palace Luxo, que fica no bairro das Graças, oferece serviço de hotelzinho com opções de suítes Stand, Junior e Luxo, onde os donos podem acompanhar seus pets ao vivo através de webcam. No local, os animais também encontram os mais variados serviços de beleza, como hidratação, cauterização, escova de chocolate, clareamento, tintura dos pelos e até tatuagem. Para os cãezinhos estressados, o Pet Palace Luxo dispõe de banhos terapêuticos, hidromassagem, além de banhos energizantes ou relaxantes no ofurô. A variedade de produtos e serviços disponíveis nos pet shops de alto padrão faz desses estabelecimentos verdadeiros parques de diversão para os donos mais vaidosos. O IT PET, localizado no bairro do Parnamirim, conta com piscina para os cachorros que se hospedam no hotelzinho ou na creche. Carteira de Identidade canina, brinquedos da saga Star Wars e roupas com designs luxuosos sao alguns dos itens disponíveis no IT PET que servem para a diversão dos donos, mas que os bichinhos não fazem nem ideia do que signifique ou quanto custam. O detalhe é que não é qualquer cachorro que pode se hospedar no hotelzinho para um fim de semana, mas apenas os frequentadores da creche, que passaram por um procedimento de adaptação prévio. No pet, os cães ficam a maioria do tempo soltos na recepção ou na área reservada, não existindo aqueles cubículos onde os cães costumam esperar seus donos após o banho em pet shops tradicionais.
No IT PET, os animais andam livremente (Foto_ Renata Mendonça)
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PET EVENTOS
Festa de aniversário no IT PET (Foto_ Instagram)
ESTÉTICA & SAÚDE
Apesar de toda a diversão que esse mercado em expansão proporciona aos donos e, muitas vezes, aos pets, é preciso ter cautela na hora de escolher os procedimentos aos quais os bichinhos de estimação serão submetidos. Além do cuidado na escolha do estabelecimento, é sempre interessante que os donos consultem um veterinário antes de expor seus animais a produtos novos ou serviços extravagantes. Para o veterinário Thiago Henrique, da Clínica Caminho dos Bichos, muitos donos procuram preencher vazios emocionais com seus animais de estimação, tentando aproximá-los de pessoas de verdade. Acontece que a vaidade e a carência exagerada de alguns proprietários pode até mesmo colocar em risco a saúde do pet, uma vez que muitos procedimentos estéticos, embora sejam oferecidos pelos pet shops, podem fazer mal ao animal.
O IT PET também promove eventos para a integração entre os colegas caninos - como café da manhã de páscoa - e conta com o bloco de carnaval “Acorda pra fazer AU AU”. Nele, há desfile de fantasias, muita música e premiação para os cãezinhos mais estilosos. O estabelecimento oferece, ainda, serviço de festas para pets, podendo o dono escolher se o evento acontecerá no espaço IT PET ou em outro local, mediante pagamento de uma taxa de deslocamento. Para ter uma festinha de aniversário com a cara do seu pet, basta desembolsar algo em torno de R$ 3.500,00 para um evento com 30 convidados. O IT PET providencia todo o resto: decoração, comida - para humanos e animais -, bebidas, lembrancinhas e a recreação para o aniversariante e seus pets convidados.
Tratamentos como aparelhos ortodônticos, acupuntura e psicólogo podem ser necessários à saúde do animal - como quando o bichinho possui mordida cruzada ou problemas de agressividade -, devendo ser analisados caso a caso, como explica Thiago. Já no caso dos procedimentos estéticos, o veterinário orienta que se deve avaliar principalmente o sofrimento que o procedimento traz ao animal, bem como a possibilidade de que ele sofra algum dano físico. A hidratação, por exemplo, é um procedimento que pode ser benéfico ao animal na medida em que previne a formação de nós no pêlo e ajuda na retirada dos já existentes. Segundo Thiago, pelagens com muitos nós são ambientes favoráveis à proliferação de infecções bacterianas e fúngicas. Ainda segundo o veterinário, outro exemplo é a utilização de protetor solar em animais que sofrem exposição solar frequente, a qual ajuda a evitar o desenvolvimento de câncer de pele. Por outro lado, serviços que incluem a utilização de chapinha não são de forma alguma indicados para animais, uma vez que o equipamento pode danificar a pelagem e causar queimaduras.
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