Contração do Músculo Esquelético

CFS-IB/UNB

Contração do Músculo Esquelético Notas de Aula

Carlos Alberto Gonçalves

15/11/2012

Agradecimentos Meus agradecimentos a Flávio Ambrósio pelo trabalho de desenho.

Conteúdo 1. Introdução 2. Organização geral da célula muscular esquelética 3. As estruturas contráteis 4. Acoplamento eletromecânico 5. O ciclo do ATP e metabolismo celular

1. Introdução Neste assunto focalizaremos apenas a fisiologia das células musculares esqueléticas. Os mecanismos que veremos aqui, no entanto, serão úteis ao leitor que queira conhecer o funcionamento das outras células, como as musculares lisas e as cardíacas, pois muitos deles são comuns.

Este tema será desenvolvido da seguinte forma: faremos um estudo panorâmico da constituição e do funcionamento global da célula muscular esquelética, depois estudaremos os detalhes das estruturas contráteis, passaremos ao detalhamento do acoplamento eletromecânico e terminaremos com o ciclo do ATP e o metabolismo da célula.

Lembramos ao leitor que este texto se limita a funcionar com Notas de Aulas, ou seja, como um simples guia de estudo dos assuntos que interessam ao autor. Para um maior aprofundamento no assunto - iniciativa que é aconselhada, consultar os inúmeros livros-textos disponíveis, como os citados no capítulo das referências bibliográficas.

2. Organização geral do músculo esquelético

Figura 1 - Organização geral do músculo esquelético. Legenda: 1. Músculo braquioradial; 2. Feixe de fibras;3. Fibra (célula) muscular; 4. Sarcolema (membrana); 5. Núcleos; 6. Mitocôndria; 7. Miofibrilas; 8.

Sarcômero; 9. Linha Z; 10 e 11. Miofilamentos.

A Figura 1 mostra que o corpo muscular, no caso o músculo braquioradial, é constituído de fascículos.

Cada fascículo é um feixe de fibras (células) musculares. Quando se observa uma fibra de perto, percebe-se uma de suas marcas características, o multinucleamento. A célula muscular, por sua vez, é formada de miofibrilas agrupadas em pacotes. A miofibrila é a estrutura que receberá grande foco em nosso estudo. Na miofibrila se pode observar outra característica marcante desse sistema, as

estrias. Além de dar nome a essas células musculares esqueléticas, que por esse motivo são conhecidas como fibras estriadas, a alternância de faixas claras e escuras indicam detalhes importantes do funcionamento dessas estruturas.

Essa relação forte entre a forma e a função é um incomum na fisiologia.

Nessas estrias se pode perceber um padrão repetido, o sarcômero, que é a unidade funcional da célula muscular no que se refere aos aspectos contráteis.

A Figura 2 mostra outros detalhes importantes desse sistema.

Figura 2 - Célula estriada: detalhes do sarcolema e do retículo sarcoplasmático. Legenda: 1. Nervo; 2. Músculo; 3.

Tecido conjuntivo;4. Feixe de fibras; 5. Célula (fibra); 6.

Núcleos; 7. Sarcolema (membrana).

A Figura 2 mostra que a inervação chega até a fibra muscular. Mostra, ainda, que as miofibrilas são envoltas pelo Retículo Sarcoplasmático (RT). Esta estrutura é o reservatório de Ca++ e a figura deixa claro que essa reserva está no interior da célula.

Correndo muito próximo aos RT aparecem os Túbulos T (transversos ou transversais).

A Figura 3 mostra esses mesmos acrescidos da junção neuromuscular.

detalhes,

Figura 3 - Detalhes do Sarcolema e dos Túbulos T. Legenda: 1. Membrana celular mostrando as bocas dos Túbulos T; 2. Motoneurônio; 3. Neuromediadores na fenda; 4. Túbulos T; 5. Retículo sarcoplasmático; 6. Miofibrilas.

A Figura 3 serve para mostrar de que forma os PAs musculares gerados na Placa Motora irão percorrer o sarcolema - que é a membrana da célula muscular - mergulhar nos Túbulos T e viajar em direção do centro da célula. O objetivo desse sinal elétrico é encontrar as proteínas contráteis que se encontram

nas miofibrilas. Os Túbulos T, portanto, são as vias que o sinal elétrico usa para se aproximar dos filamentos contráteis.

Figura 4 - Detalhes da organização espacial dos filamentos contráteis na miofibrila.

A Figura 4 mostra que a miosina (filamento grosso) ocupando a região central de um arranjo em que ela é envolta por seis filamentos finos. Vários conjuntos desses em paralelo formam a miofibrila.

Figura 5 - Detalhes do sarcômero.

A Figura 5 mostra que a miofibrila é formada por um arranjo de sarcômeros em série. O sarcômero apresenta uma linha central ou média (M), situada no centro da Faixa H. Esta faixa está localizada dentro de uma faixa maior, a Faixa Escura, que é cercada de cada lado por uma Faixa Clara. E no centro da Faixa Clara se localiza a Linha Z. O sarcômero esta delimitado por duas Linhas Z. A contração dele se resume, assim, à aproximação de suas duas Linhas Z, o que resulta no encurtamento ou contração do sarcômero. Contração do sarcômero, por sua vez, é igual à contração do músculo. A figura também mostra que o sarcômero relaxado (repouso) mede aproximadamente 2,2 μm.

Aqui são mostrados, também, mais detalhes das causas das zonas claras e escuras. Com se percebe, o escurecimento maior ou menor está associado ao grau de superposição dos filamentos finos e grossos.

Figura 6 - Organização geral das Unidades Motoras.

Legenda: 1. Medula (SNC); 2. Corpos celulares dos motoneurônios; 3. Nervo; 4. Unidade Motora 1; 5. Unidade Motora 2; 6. Junções neuromusculares; 7. Axônio do neurônio 1; 8. Músculo; 9. Fibras musculares.

Unidade Motora (UM) é o nome que se dá ao arranjo formado por um motoneurônio e as células musculares que ele inerva. A Figura 6 mostra os seguintes detalhes: - as fibras musculares de uma UM se encontram misturadas com as fibras de outra UM. - o tamanho de uma UM se mede pelo número de fibras musculares que a ela pertencem e que, dessa forma, podem criar uma relação do tipo {NF : 1}, que fala do tamanho daquela UM. Dessa forma, uma relação 5:1 representa uma UM que possui 5 fibras musculares associadas àquela fibra nervosa.

- no caso da Figura 6, a UM1 tem uma relação 2:1 e a UM2 uma relação 3:1. Quanto maior a UM, mais

força ela poderá desenvolver. Quanto menor a UM, mais delicado ou fino o movimento produzido.

- a força total que esse músculo pode realizar é função do número de UM excitadas e da frequência de excitação pelo nervo. A soma de UMs produz Somação Espacial, enquanto o aumento da frequência de estimulação produz Somação Temporal.

Figura 7 - O sarcômero em 3 situações: relaxado, moderadamente encurtado e completamente encurtado.

A Figura 7 mostra que o sarcômero pode graduar sua contração em função da demanda. A contração se resume ao trabalho das pontes cruzadas que se formam entre os filamentos grossos e os filamentos finos. Estruturas do filamento grosso (cabeças) se ligam fortemente a locais especiais dos filamentos finos e os puxam. Esse movimento pode ser comparado àquele que um tocador de acordeão faz ao trazer de volta o instrumento, que estava todo

aberto, para a posição de repouso. A puxada realizada pelo filamento grosso resulta na aproximação das duas Linhas Z do sarcômero, encurtando-o. A Figura 8 mostra como o comprimento do sarcômero se relaciona com a força realizada.

Figura 8 - Curva de Força do Músculo x Comprimento do sarcômero. Os estados do sarcômero vão do (a) muito encurtado ao (e) muito alongado.

Esta é uma curva importante e merece ser estudada com atenção. Podemos começar com uma analogia a um exemplo prático da vida real.

Imaginemos uma corda grossa com nós grandes espalhados regularmente pelo seu comprimento.

Essa corda está presa ao galho alto de uma árvore e nós tentaremos escalar essa corda usando apenas nossas pernas e mãos. Os nós tem a função de facilitar a escalada. A extremidade livre da corda, aquela que está mais próxima de nós, se encontra um pouco acima do ponto ocupado pela

extremidade da nossa mão levantada. Para iniciarmos a escalada, teremos que dar um pequeno salto para alcançar a extremidade da corda. A seguir, poderemos descrever os passos da escalada segundo a seguinte sequência: - no primeiro estágio, apenas nossas mãos fazem contato com a corda. Com a ajuda dos nós e fazendo esforço podemos subir mais e mais até um ponto em que as nossas pernas e pés possam fazer parte do trabalho.

- no estágio intermediário, mãos, pernas e pés trabalham e, evidentemente, o trabalho é realizado muito mais facilmente que no estágio em que apenas as mãos atuavam.

- no último estágio, próximo à extremidade superior, não há condições de continuar a escalada, pois se chegou ao final superior da corda. Não é possível realizar qualquer trabalho.

A curva da Figura 8 quer mostrar que o músculo é capaz de desenvolver a maior força quando o sarcômero está com tamanho próximo ao do repouso. Em nossa escalada, esse estado corresponde ao estágio intermediário. Observemos que é nessa condição que a curva atinge seu pico.

Nos outros dois estados extremos, muito alongado ou muito encurtado, a força cai.

Na brincadeira da escalada, no estado correspondente ao “muito alongado”, não podemos fazer muitas “pontes cruzadas” (apenas as nossas mãos conseguem segurar a corda nesse estágio, pois nossas pernas ainda estão penduradas). O

resultado é que a escalada, nesse primeiro estágio, é muito difícil.

Na mesma brincadeira, no estágio correspondente ao “muito encurtado”, o problema é diferente. Neste caso não há mais pontes cruzadas novas que possam ser feitas (não há mais corda para puxar).

O resultado é que não conseguimos escalar mais (o sarcômero não consegue se encurtar mais, o músculo não consegue se contrair mais).

Existe uma atividade prática simples e útil para reforçar esses conceitos. Observemos nosso Bíceps braquial. Notemos que ele desenvolve o máximo de sua força quando o ângulo do cotovelo é de 90o (comprimento intermediário). Em 30o (muito encurtado), como em 180o (muito alongado), a força máxima cai muito.

3. Detalhando o mecanismo contrátil

Figura 9 - O Filamento Fino: várias proteinas em arranjo particular.

Legenda: 1. G-actina (actina globular); 2. F-actina; 3. G-actina no polímero; 4. Linha Z; 5. Linha Z e filamentos finos de dois sarcômeros contíguos; 6. Tropomiosina; 7. Complexo de 3 Troponinas (TnC, TnI e TnT); 8. Miofibrila; 9. Linha Z; 10. Linha M.

A Figura 9 mostra porque não é adequado se falar em filamento de actina, quando se quer citar o filamento fino. Este é, de fato, um complexo composto por outras estruturas, além da actina.

Várias G-actinas (G de Globular) sofrem uma polimerização para formar a F-actina (F de Filamentar). Enrolam-se dois filamentos de F-actina e, no sulco que naturalmente surge, inserem-se dois pares trançados de uma fita de uma proteína chamada tropomiosina. Em seguida, a cada 7 G-

actinas aproximadamente, liga-se um complexo de Troponinas à Tropomiosina. O complexo Troponina é composto por três elementos, denominadas troponina C, I e T (TnC, TnI e TnT). Nos nomes dessas Troponinas, o C indica o Cálcio, o I vem de Inibitória e o T vem de Tropomiosina. A TnT, portanto, é a parte do complexo que está ligada à Tropomiosina. A TnC é a parte que tem grande afinidade pelo íon Cálcio. A TnI é a que se posiciona mais claramente sobre os sítios de ligação que existem na actina, inibindo a alta afinidade dessas regiões pela cabeça da miosina.

Figura 10 - Os sítios de ligação no filamento fino e as proteinas reguladoras. Legenda: a. repouso, sem Cálcio; b. com Cálcio; 1. F-actina; 2. Tropomiosima; 3 Sítio de Ligação do Ca2+ ; 4. Complexo de Troponinas; 5. Sítio de ligação actina-miosina descoberto.

No repouso, esse sistema Tropomiosina-Troponina encobre os sítios de ligação e só quando o sistema

se desloca no espaço é que os sítios ficarão acessíveis à miosina. Por esse motivo, esse complexo é reconhecido pelo nome de Proteínas Reguladoras. As proteínas reguladoras permitirão o acesso aos sítios de ligação quando o Ca++ se ligar à TnT e, com isso, promover o deslocamento espacial do complexo Tropomiosina-Troponina. O Ca++ só deve estar presente nesse local quando se quer produzir contração. Fora dessa situação, isto é, no repouso, não há Ca++ livre nessa região, pois todo ele estará armazenado no Retículo Sarcoplasmático. É oportuno enfatizar que tanto os mecanismos contráteis quanto o RS estão no citosol.

Figura 11 - A cabeça de miosina e os sítios para sua ligação com a actina. Observar o arranjo em 3-D. Legenda: a. As duas cabeçasa; b. Filamento grosso; c. Filamento fino; 1.

Cauda da miosina; 2. As 2 cabeças da miosina; 3. Pescoço da miosina ; 4. Cabeça da miosina esperando a liberação do sitio da actina; 5. Complexo de Troponinas; 6.

Tropomiosina cobrindo o ´sitio de ligação actina-miosina; 7. F-actina.

A Figura 11 mostra a organização estrutural da miosina, que constitui o filamento grosso do sistema. Observar que a cauda é formada por um trançado de duas fitas e que as duas cabeças abandonam o aglomerado principal para ficarem soltas e bem próximas do filamento fino.

Grosseiramente, a anatomia do conjunto caudapescoço-cabeça lembra um taco de golfe.

A cabeça da miosina pode mudar de posição, mudando o seu ângulo em ralação à cauda. No repouso, a cabeça está num ângulo próximo a 90o; ao final da contração estará em algo próximo a 45o.

Esses dois ângulos são apenas referências para o trabalho didático e não possuem precisão. Se, agora, lembrarmos que a miosina faz essa mudança de ângulo sempre conectada à actina, então essa mudança provocará o deslizamento da actina em direção ao centro do sarcômero, aproximando as linhas z e produzindo a contração.

Observar que os comprimentos originais dos filamentos não mudam com a contração, isto é, os comprimentos continuam os mesmos. O que muda é a porcentagem de superposição dos dois filamentos.

Em função dessas características, a miosina também é conhecida como “proteína motora”. Ela pode realizar esses movimentos porque sua estrutura possui dobradiças, como veremos a seguir.

Figura 12 - A molécula de miosina.

A Figura 12 mostra que a miosina possui duas dobradiças, uma mais próxima, outra um pouco mais distante da cabeça. Para facilitar a visualização, poderíamos falar que essas dobradiças estão localizadas no início e no final do “pescoço” da miosina.

Dobradiça é uma região que, já sabemos, tem a propriedade de se dobrar. Em nosso caso, essa dobradura participará da contração, na medida em que a cabeça se encontra em 90o quando se liga à actina e terminará a contração em 45o. Essa sua mudança de ângulo sempre ligado à actina é que causa o encurtamento do sarcômero. Se as dobradiças, por um lado, tem papel importante, por outro apresentam uma fragilidade natural. São pontos que podem se romper quando atacados por enzimas como a tripsina e a papaína, usadas na proteólise. A tripsina participa da digestão no intestino delgado. Uma de suas funções nesse local é quebrar fibras musculares atacando uma das dobradiças, como mostra a figura. A outra enzima

proteolítica, a papaína, é extraída do mamão papaya e é utilizada como amaciante de carnes na culinária. Ela quebra as fibras musculares pelo rompimento da outra dobradiça, como mostra a figura.

Figura 13 - Detalhes da cabeça de miosina. Legenda: 1. Cauda; 2. Dobradiça; 3. Dobradiça; 4. Sítio com afinidade pela actina; 5. Sítio com afinidade pelo ATP.

A Figura 13 mostra os dois sítios presentes na cabeça da miosina. Um deles possui afinidade pelo ATP, o outro pela actina. Detalhes sobre o papel do sítio de ligação do ATP serão vistos mais adiante.

4. O acoplamento excitação-contração Havíamos visto que o PA muscular deve penetrar na célula muscular para causar a contração. Por outro lado, também sabemos que a contração começa com a liberação de Ca++ no citosol pelo RS. Já podemos começar a especular que existe uma ligação entre esses dois mecanismos. É hora, portanto, de estudar como esse comando acontece.

Figura 14 - O canal de Ca++ da membrana do Retículo Sarcoplasmático.

A Figura 14 mostra que a liberação do Ca acontecerá quando o canal de Ca presente na membrana do RS se abre. Antes, devemos deixar bem claro o seguinte: - no repouso, praticamente não há Ca++ livre no repouso. Todo o Ca++ se encontra retido no RS. - para conseguir esse grande gradiente de Ca++, com ele preso no RS e praticamente nenhum Ca++ livre no citosol, o sistema conta com dois mecanismos: a Bomba de Ca e a Calsequestrina (Calseq).

- a Bomba de Ca leva todo o Ca++ livre do citosol para o RS. Estamos falando do Ca com duas origens, aquele que entra na célula, vindo do meio extracelular, e aquele que saiu do RS durante a contração precedente. Essa bomba é uma das mais poderosas dentre as conhecidas e por isso consegue esse gradiente fenomenal formado pela diferença de concentrações dos meios intra e extra-RS. - surpreendentemente, o gradiente final de Ca++ é maior do que o máximo que a Bomba conseguiria isoladamente. Isso acontece porque ela recebe ajuda de um mecanismo baseado na Calseq. Esta é uma proteína que habita o interior do RS, em locais próximos à parede interna do RS. Quando a quantidade de Ca++ livre no interior do RS é pequena, a Calseq tem baixa afinidade pelo Ca++.

Enquanto isso, a bomba segue trabalhando, o que aumenta essa concentração interna progressivamente. Como qualquer bomba, ela deixa de operar quando “sente” muito Ca++ livre no interior do RS. Nesse momento, a afinidade da Calseq pelo Ca++ aumenta muito mostrando que sua

afinidade é variável. Como resultado, a Calseq ligase a parte considerável do Ca++ livre do interior do RS. Como resultado, parte do Ca++ deixa de ser livre, e está agora confinada em locais próximos à parede interna do RS. A bomba agora “sente” uma nova concentração, menor, de Ca++ livre, e retoma sua função, levando ainda mais Ca++ para o interior do RS. Essa ação combinada da bomba e da Calseq “enganaram” a bomba, que foi levada a trabalhar além dos seus “limites naturais”, criando um gradiente ainda mais espetacular.

- para acontecer a contração, o Ca++ sai do RS, sendo que os primeiros a saírem são os livres. Em dada situação, pode acontecer de haver ++ necessidade de liberar muito Ca , esgotando praticamente a reserva de Ca++ livre dentro do RS. Nesta situação, a afinidade da Calseq muda de novo, fica pequena, porque há pouco Ca++ livre no RS. Em seguida, a Calseq libera o Ca++ que estava sequestrado no ciclo anterior, esse Ca++ se transforma em Ca++ livre e pode sair do RS para ajudar na contração.

A seguir, observemos um importante detalhe no esquema da Figura 14. A membrana do Túbulo T apresenta uma estrutura chamada Receptor de Dihidropiridina (DHP-R). Ligado ao receptor de DHP, notamos a estrutura chamada Receptor de Rianodina (Ry-R). O detalhe a registrar é que o RyR, que opera como a comporta efetiva do canal de Ca, não é dependente de voltagem (D-V). Por outro lado, o DHP-R é D-V e, em função da sua localização particular na membrana do Túbulo T, possui todas as condições de “sentir” potenciais passando pelo túbulo. Outro detalhe, de menor

importância, se refere às características do potencial que passa no Túbulo T. Até um tempo atrás, acreditava-se que o PA muscular viajava pelo Túbulo T até estimular o DHP-R. Hoje, quando se sabe que não há canais D-V na membrana do Túbulo T, não é mais possível manter essa afirmação. Independentemente disso, é certo que o PA chega, pelo menos, até a boca do túbulo, e o faz com a amplitude típica do PAs musculares, de 120 mV. Ao penetrar no túbulo, esse sinal deixa de ser um PA, transforma-se num PL, e é nessa forma que se propaga em direção ao DHP-R. Esse detalhe é pouco importante, pois não afeta o funcionamento do sistema, já que sabemos que esse potencial conseguirá chegar à região onde estão os DHP-R ainda com muita energia, posto que a viagem é curta e que sua amplitude de partida é muito grande.

O DHP-R sente o sinal elétrico e se deforma no espaço, puxando o RY-R e, por conseguinte, abrindo o Canal de Ca da membrana do RS. Neste momento, está concluído o Acoplamento ExcitaçãoContração, ou acoplamento eletromecânico.

Resumindo todas as etapas da contração: - o PA muscular é gerado numa intensidade (quantidade) correspondente à contração desejada.

- o PA penetra nos Túbulos T, onde se transforma num PL de grande amplitude.

- apesar da perda de amplitude, o PL chega facilmente na região onde se encontram os DHP-R. - o sistema de receptores DHP e Ry abre os canais de Ca localizados na membrana do RS.

- o grande gradiente de Ca++ criado pela bomba não tem qualquer dificuldade para jogar Ca++ do RS para o citosol.

- ao mesmo tempo em que o sistema Bomba de CaCalsequestrina começa a recolher o Ca++ de volta para o RS, parte do Ca++ já se ligou aos TnC do filamento fino.

- com o Ca++ ligado ao TnC, o complexo TroponinaTropomiosina se deforma, deslocando a Tropomiosina e descobrindo os sítios de ligação miosina-actina.

- a ponte cruzada miosina-actina opera em modo cremalheira. As cabeças de miosina mudam ângulo e com isso puxam, em direção à linha M, filamentos finos. Como resultado, as linhas Z cada sarcômero se aproximam, finalizando contração muscular.

de de os de a

- nesse ponto, todo o Ca++ retornou ao RS e o sistema contrátil está pronto para responder a uma nova estimulação.

5. O Ciclo do ATP

Figura 15- O Ciclo do ATP e o ângulo da cabeça de miosina.

Legenda: (a) repouso, 90o; (b) ligação actina-miosina, 90o; (c)contraído, 45o; (d) relaxado, 45o.

A figura 15 mostra alguns detalhes importantes do metabolismo celular. Começaremos pelo Estado (a) do ciclo, quando a célula está no repouso.

Estado (a) - Repouso - o sarcômero está relaxado, no seu comprimento típico de 2,2 μm.

- a cabeça de miosina está em 90o e desligada da actina. Apesar de livre, um dos seus sítios, o sítio actina-combinante, apresenta alta afinidade pela actina.

- o outro sítio da cabeça da miosina contem ATPase, que faz a hidrólise do ATP e que, no repouso, está ligando ADP e Fosfato inorgânico.

- os sítios da actina que se combinarão com a miosina estão encobertos, inibidos.

- praticamente não há Ca++ livre no citosol.

Estado (b) - Ponte actina-miosina - o sinal elétrico abre os canais de Ca do RS. - aparece Ca++livre no citosol.

- o Ca++banha a região dos filamentos contráteis e se liga à TnC; o sistema Troponina-Tropomiosina se deforma, descobrindo os sítios actina-combinante.

- a cabeça da miosina se liga ao sítio da actina.

- o ângulo da cabeça da miosina não muda com essa ligação, e continua em 90o.

Estado (c) - Contração - a ligação actina-miosina dispara a contração.

- a cabeça da miosina vai de 90o para 45o. A actina desliza sobre a miosina.

- na mudança de ângulo, a cabeça da miosina perde atração pelo complexo ADP-Pi e o libera.

- as linhas Z se aproximam e o sarcômero está contraído.

- a cabeça da miosina está ligada à actina por um dos seus sítios.

- o outro sítio passa a apresentar alta afinidade pelo ATP. - praticamente não há mais Ca++ livre no citosol, os sítios actina-combinante voltam a ficar encobertos.

- ângulo está em 45o.

Estado (d) - Relaxado - há ATP disponível e ele se liga à cabeça da miosina.

- com a ligação, o outro sítio da cabeça perde afinidade pela actina. A cabeça estava em 45o, se solta da actina, e continua em 45o.

- a actina pode relaxar e o sarcômero volta ao comprimento normal - o comprimento do sarcômero é normal, mas o sistema ainda não voltou ao repouso, pois a cabeça da miosina está em 45o.

- acontece a hidrólise parcial do ATP. Como resultado, a cabeça da miosina ganha energia para se armar novamente, passando a 90o.

- a cabeça apresenta agora, num dos sítios, os subprodutos da hidrólise parcial do ATP: o ADP mais um Fosfato inorgânico.

- agora o sarcômero retornou definitivamente ao início do ciclo.

Da análise do ciclo, podemos observar o seguinte ponto: O ângulo de 45o corresponde um estado de baixa energia, enquanto o de 90o representa o de alta energia. Qualquer sistema tende a retornar ao seu estado de baixa energia. Se fizermos a analogia com o conjunto esportivo arco-flecha, o momento em que a flecha está pronta para partir com o arco retesado corresponde ao estado de alta energia.

Nessa situação, o sistema já possui toda a energia necessária para realizar o trabalho. Para que o lançamento aconteça, basta soltar a corda retesada do arco. Durante a viagem, a flecha não recebe mais qualquer energia, pelo contrário, vai perdendo a que recebeu do arco, gastando-a para se mover.

O sistema está se deslocando para o estado de baixa energia. Se dissermos que o repouso do sistema acontece com o arco retesado, então estaremos aceitando que o ciclo começa no estado de alta energia, e que o sistema já possui, desde o final do ciclo anterior, toda a energia para operar adequadamente. Reforçando: nenhuma energia foi produzida pelo sistema durante o trabalho, tudo isso foi feito no ciclo anterior, no final do ciclo anterior, para sermos mais exato, no momento em que retesamos o arco.

A insistência nessa questão se justifica. Muito frequentemente nos deparamos com descrições do fenômeno da contração que situam a produção de energia (hidrólise do ATP) no interior do ciclo, geralmente quando acontece a contração do sarcômero. Que fique claro, portanto, que essa explicação contém um erro conceitual importante. O

Ciclo do ATP mostra claramente que a energia necessária para a contração foi produzida no final do ciclo anterior. É essa energia, aliás, a responsável por levar a miosina para o seu estado de alta energia, quando a cabeça fica em 90o. É impossível finalizar este assunto sem tocar em dois pontos importantes: (a) a definição clara das marcas de início e fim da contração muscular e (b) a discussão do que acontece com o sistema na falta de ATP. Definir a marca de início da contração é uma tarefa simples, na medida em que não há dúvida de que tudo começa com a liberação de Ca++ pelo RS. Por outro lado, a definição do final da contração costuma gerar confusão. Alguns tendem a afirmar, erroneamente, que a contração se encerra com a retirada do Ca++ do citosol. O ciclo do ATP mostra claramente que o relaxamento ocorre quando a ponte cruzada actina-miosina se desfaz. Então, o início do relaxamento deve ser atribuído, isto sim, ao momento da ligação miosina-ATP, pois este evento redunda no desligamento da ponte actinamiosina.

Sobre o segundo assunto, sabemos que, quando a pessoa morre, um dos resultados é a ausência de ATP. Tomando como referência o Ciclo do ATP na contração muscular, fica fácil perceber que, na ausência de ATP, o ciclo para no Estado 3, com o sarcômero contraído. Essa é a explicação para o Rigor Mortis, ou Rigidez Cadavérica, que perdura por cerca de 48h após a morte. Depois desse período, acontece a degradação das proteínas e a rigidez desaparece.

6. Referências Bibliográficas 1.

2.

3.

Araujo Filho, J.P. e Curi, R. Fisiologia Básica.

Ed. Guanabara-Koogan, 2009.

Brooks, G. e cols. Exercise Physiology. Ed. McGraw-Hill, 2004.

Koeppen, B. e Stanton, B. Berne and Levy Physiology. Ed. Elsevier, 2008.

Contração do músculo esquelético (Notas de Aula)

Prof. Carlos Alberto Gonçalves CFS-IB/UnB carlosgoncalves53@gmail.com