Carlos Barreto
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Lino, acorde meu filho. Vá se preparar. Já é dia e tem que viajar. Mamãe? O que faz aqui? Onde está Alisse? O gato de botas? A rainha de copas? O príncipe com a rosa? A menina que subia a montanha? O pássaro azul? O homem de lata? O espantalho? O leão? Ah! Meu filho! Estão todos na sua imaginação. Vamos logo se preparar. Com certeza você estava a sonhar. Não pode ser! Parecia tão real! Tudo era tão especial! Vamos, seus avós não podem esperar. Disse a eles que a tarde você iria chegar. Lino entrou no trem com muita emoção. Foi se acomodar em seu vagão. Piuí. O trem já vai partir. A viagem foi linda. Com tudo que há. Vaquinha no pasto. Montanhas distantes. Também tinha rio e riacho. E sempre vaquinha no pasto. Na estação combinada. Estava a avó. Toda animada. Com a visita do netinho. Ele era tratado a pão-de-ló. Tanto pelo avô quanto pela avó. Lino brincou com os cavalos. Correu pelo campo. Comeu fruta no pé. Lá, só vivia descalço. Não tinha nem chulé. No rio ele, Nadou, Pescou, Vibrou. Se encantou. Era tudo que um menino podia querer. No ar puro,
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Livre viver. Correr, Saltar. Frutas no pé. Pegar. Come-las a sombra da árvore. Dormir na grama verdinha. Depois do lanche da tardinha. Lino aproveitou cada dia no campo. Tudo era como um encanto. Amigos conquistou. Com eles brincou. Passeou, Caçou. Teve festa de quadrilha. Olha a cobra! É mentira! Olha a chuva! É mentira! Cumprimento de cavalheiros. Cumprimento de damas. Ah! Sua dama era linda! Isso não era mentira. Era a mais linda da cidade. Eram da mesma idade. Tinha olhos azuis da cor do céu. E uma pele que lembrava mel. Dançaram de montão. Comeram milho. Pipoca Canjicão. Tinha até quentão. Mas isso não era para criança não. Brincou na pescaria. Fez tudo que queria. Quando a festa acabou. Lino com ela combinou. Um passeio de barco no dia seguinte. Cheio de pompas e requinte. Pareciam um casal de apaixonados. Mas como eram crianças estavam bem atrapalhados. Eles não sabiam como remar. Ficaram em círculos a navegar. Com muita imaginação. Fingiram que eram náufragos de uma embarcação. Lutaram contra ondas e tempestades. Forças para isso tinham a vontade. Foi uma manhã emocionante. Não se desgrudaram um só instante. A hora do almoço chegou.
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Lino a convidou. Mas ela tinha que ir para casa almoçar. Pois um primo iria lhe visitar. Lino sentiu um forte ciúme. Falou com a avó sobre o seu queixume. A avó que tinha mais experiência. Pediu que ele tivesse mais paciência. Pois o priminho da menina linda. Só tinha dois anos. Era pequeno ainda. Lino então ficou mais tranqüilo. Sentiu-se um tolo Por ter feito aquilo. Voltou a se contentar. Foi até com o avô de carroça passear. Comprou comida para os animais. Para o menino: Pipoca, Bala, Pirulito. E tudo mais. Era tudo tão bonito. Tão gostoso de ver. Aquelas pessoas calmas. Que no campo adoram viver. O ar é mais puro, com mais oxigênio. Realmente Deus deu duro. Ele é mesmo um gênio. O homem com suas idéias. É que estraga este equilíbrio. Claro que nem todas as idéias são erradas. Mas se o homem quisesse. A natureza estaria mais preservada. Na viajem de volta a fazenda. Lino e o seu avô viram uma mulher fazendo renda. Parece até a mulher aranha. Meu menino não teia é renda. Então com essa moça quero falar. Para eu aprender a fazer renda e depois namorar. Igual a música que a mamãe canta. Não meu querido. Isso é só uma canção. Vamos indo preciso cuidar da mimosa. Do cavalo, da cerca e do portão. Aquele que está quebrado? Isso! Depois vamos cuidar do arado. Fazenda é coisa muito séria. Se não fosse o campo. A cidade teria mais miséria. A comida lá de casa.
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Não vem do mercadinho. O aipim, a batata e a cenoura. São tirados da lavoura. Olhe lá meu neto Quem está e lhe esperar. É a menina da quadrilha. Com saudade deve estar. Onde está o seu primo? Já sei que é pequeno. Foi para a casa do meu tio. E eu vim pra nóis brincar. Vamos lá no riacho. Tomar banho de montão. Lá estão minhas amigas. O meu pai. E o meu irmão. Todo dia nessa hora. Meu pai vai lá pescar. Depois vamos embora para o peixe preparar. Se quiser vai lá em casa. Hoje terá peixe na brasa. Vamos indo. Estão todos esperando. Olhe lá que coisa linda. É aquele ribeirão. Que água cristalina. Pule logo menina. Vamos logo mergulhar. To ficando com vontade. Ce com seu pai ir pescar. Tá puxando! Tá puxando! Eu não vou mais agüentar. Acho que pesquei uma baleia. Parece que a linha vai arrebentar. Espere um pouco seu menino. Preste muita atenção. Afrouxa um pouquinho. Pra dar canseira no bichão. Deixa ele lutar com você. O peixe acha que é forte. Mas, com certeza, vai perder. Esse é de grande porte. Espere só um instante. Isso foi muita sorte. Sorte de principiante. Olhe só vovô. O que eu pesquei lá no riacho. Já pode ser pescador. Não é isso que eu acho. Porque não meu netinho? Não posso contar mentira.
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Mamãe me ensinou. E pescador é mentiroso. Contar mentira eu não vou. Posso ir na casa da menina? Que comigo hoje brincou? Vai ter peixe na brasa. Festa, dança, sucos e muita diversão. Quem foi que te disse? Foi ela, minha amiga. Foi quem me convidou. Pensei que você não vinha. Espere que vou te servir. Tem suco de: Uva, manga, caju e até caqui. O peixe ta quase pronto. Meu pai já vai chamar. Tem farofa, molho e tudo pra acompanhar. Depois da janta, O sanfoneiro começa a tocar. E a festa fica boa. E só acaba Quando o dia clarear. Tenho que ir embora. Bem antes de o sol nascer. Meu avô vem me buscar. Como foi a festa? Foi muito boa vó. Estou tão cansado. Que meu olho Ta dando nó. Então vá descansar. Co có ri có. O dia chegou. A galhinha cantou. Lino se levantou. O dente escovou. Com amigos Brincou. Descansou. Almoçou. Pescou. Caçou. O passeio acabou. Lino teria que voltar. Sua mãe. Estava a lhe esperar. Ela era muito linda. E graciosa. Tinha olhos verdes. Como pedra preciosa.
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Para ela Seu filho era um anjo. E, realmente era. Lino era tranqüilo, Bondoso. E prestativo. E sempre fala O quanto à ama. Lino vá se arrumar. Enquanto seu café. Vou preparar. Lino se banhou. Secou. Calcou. Arrumou. Retocou. Saiu com seus avós. Agora eles ficariam sós. Esperariam as próximas férias do menino. É! Ia-se embora Lino. Ele chorou de emoção. Sentia doer o coração. A saudade já existia. Mesmo com os avós de companhia. O trem apitou. Lino subiu. Os avós beijou. Chorou e riu. Riu de alegria, pois ia rever a mãe. Vamos todos entrar. – O homem gritou. Lino parou e olhou um momento. Viu um gato entra na bota de um sargento. É o gato de botas. Ele pensou. Lino que lia livros de montão. Tinha uma fértil imaginação. Ele sabia que a todos instantes. Ocorriam milagres impressionantes. Um deles foi ele ter estado no campo. Outro seria o retorno a mãe que amava tanto. O trem apitou. Começou a andar. As rodas forçaram. A locomotiva suava. O apito soava. O trem era de grande comprimento. Lino fez um cumprimento. Os avós responderam. O trem elétrico soltou sua fumaça azul. A locomotiva. Começou a puxar.
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Para o trem. Velocidade. Pegar. Começou. Soltar. Vapor. Para. Poder. Viver. Ser. Ter. O trem. Apitou. Piuí. Tic-tac. Fez a locomotiva. Para mostrar. Que estava viva. O trem começou. Seu rumo seguir. O trem era forte. Subiu montanhas. Passou em pontes. Beirou rios. Muitas curvas ele fez. Numa quase caiu. Mas não foi dessa vez. Lino aproveitou cada momento. Conheceu adultos. Conheceu crianças. Falou de suas viagens. Das aventuras. Que sempre vivia. Falou de tudo que sentia. Falou do peixe que ele pescou. Dos amigos. De como com eles caçou. Conheceu uma velha que no trem estava. Ela entrou no trem quando ele parou em Bagdá. Ela contava estórias sem parar. Seu nome era Cherazade. Lino com ela fez amizade. A viagem com ela ficou bem mais gostosa. Estórias de reis. Rainhas. Princesas. Tesouros. Era tudo muito real. Quando o trem passou por Jerusalém. Entrou um homem.
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Que também estórias contava. Estórias de amor. Era do que ele falava. Contou sobre um pé de fruta. Que não dava aos homens o que comer. Ele então fez o pé da fruta morrer. Não que ele fosse mal. Foi para mostrar. Que temos que a todos ajudar. Contava estórias. De semeador. De milagres. De grãos de mostarda. E de pescadores que pescavam vidas. Não estória de pescador. Daqueles que só sabem mentir. Mas estórias sobre pescadores. Homens bondosos. Sempre prontos a servir. Sempre quando ia iniciar suas estórias falava: Deixe vir a mim as criancinhas. A viajem ficava cada vez melhor. Tudo era lindo ao seu redor. O trem passou por uma fazenda. Sítios. E até um rancho. Passou por um lugar onde um homem. Tinha uma mão de gancho. Lá Lino viu uma coisa que nunca esperava. Nessa terra tinha um menino. Que com outros voava. Nessa terra as crianças. Nunca cresciam. Nunca choravam. Nunca sofriam. Nunca paravam de se divertir. Nunca pensavam de lá partir. O nome da terra? Nunca. Nunca Lino descobriu. O trem. Corriam. Madeira. Comia. Vivia. Apitando. Piuí. Piuí. O trem. Ia andando.
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Às vezes. Correndo. Com o peso. Sofrendo. Afinal. Ser trem. Não é mole. Pra ninguém. O homem que contava estórias. Desceu com Cherazade. Ficaram numa cidade. Talvez já se conhecessem. Talvez aquele homem quisesse. Salvar a humanidade. Lino que era de pouca idade. Não entendia muito das coisas da vida. Pensava muito em brincar. Ficar com os amigos. O que não gostava é de partida. As partidas faziam ele chorar. Mas chegadas... Ah! As chegadas. Essas sim Lino sempre foi de adorar. Era bom chegar para ver os amigos. Chegar na escola para poder estudar. Chegar na pracinha para poder brincar. Chegar de mansinho e sua mãe beijar. Chegar até seu pai para com ele trabalhar. É! Lino sempre trabalhou. Não trabalho de adulto. Mas ajudava muito, seus pais. Cuidava do seu quarto. Da sua cama. E tudo o mais. Por falar em quarto. Lino que já estava cansado. Foi se deitar. Só para descansar. Não para dormir. Pois isso não gostava de fazer. Para sua mãe coloca-lo na cama. Era uma batalha. Ele achava que quem dorme muito. Pouco vive. Tem pouco tempo para se divertir. Foi para o seu vagão. Pensar com seus botões. Não tirava da cabeça. Ter conhecido Alisse com dois ésses. Mesmo achando que foi sonho.
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Como sua mãe disse. Mas ela era tão real. Era linda. Meiga. Era uma amiga legal. As coisas estavam estranhas. Lino pensou. Será que isso tudo ele sonhou? Mas não era possível. Pois quando conheceu a menina. Estava a viajar. E não lembrava nem um segundo. Ter ido cochilar. Foi tudo real. Tinha toda certeza. Criança. Sonha. Mas é diferente. Não é como sonho. De toda a gente. Criança. Sabe. Que tudo é realidade. Mesmo quando adulto. Diz que tudo não é verdade. Adulto não sabe. O que é mais sonhar. Deixou de ter sonhos. Deixou de amar. Só pensam em números. Como o menino da rosa disse. Sempre estão atrasados. Como o coelho da Alice. Lino sentiu que estava quase dormindo. De um pulo só. Desceu da cama. Calçou o sapato. E deu um nó. Sem laço. Pois isso ele não sabe fazer. Saiu do vagão. Procurou amigos. Que decepção! Todos já haviam descido. Na ultima estação. Mais uma partida. Daquelas que não dá para esquecer. Sentiu, novamente o coração doer. Correu para o seu vagão. Foi recordar.
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As lembranças dos amigos. Queria sempre vivenciar. Tomou um banho para refrescar. Foi para frente do espelho. Se pentear. Lino se espantou quando começou a se ver. Sua imagem mexeu sem ele se mover. Não acreditando no que estava vendo. Pensou até em sair correndo. Mas como era mais curioso. Que medroso. Aventurou-se no espelho tocar. Levou um susto quando viu sua mão. No espelho entrar. É! Isso mesmo que eu disse. A mão entrou num instante. Foi tudo estranho e fascinante. Lino enfiou o braço e o pé. E quando enfiou a cabeça viu um elefante. Cor-de-rosa. Só pra variar. Devo estar sonhando. Ficou a pensar. Mas como? Se estou acordado. Devo estar equivocado. Tirou a cabeça do espelho para alguém chamar. Nem pensar. Vão achar que estou louco e vão me internar. Lino tomou distância. E de um salto só entrou no espelho. O elefante não estava mais lá. Mas suas pegadas, Lino começou a seguir. Com a ajuda de uma lupa. Que pegou da mão de um saci. De repente. Na sua frente. Lino viu um menino. Bem diferente. Tinha os pés ao contrário. Corria para frente. Mas as pegas voltavam. Que hilário. Esse não dava para seguir as pegadas. Um instante. E o tal do elefante. Lino esqueceu. Criança é assim. O elefante deve estar comendo capim. Lino queria é saber onde estava. Saber onde ia dar sua caminhada. Foi quando encontrou um caminho preto e branco.
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Onde estaria desta vez? Já sei. Disse Lino. Um tabuleiro. Não de bolo. Mas de xadrez. Quando olhou para o lado. Ela estava lá. Alisse com dois ésses lutando com um cavalo. Que a ela foi enfrentar. Espere amiga. Eu insisto. Cuidado Lino. Cuidado com o bispo. O menino de abaixou. O bispo passou. Lino ficou todo suado. O bispo matou um peão que estava parado. O rei que não gostou. Ordenou que o bispo fosse morto. Por um outro peão. Xadrez é guerra. De inteligência. É muita emoção. Quando Lino olhou novamente. Alisse com dois ésses estava contente. Venceu o cavalo inimigo. Agora poderia falar com o amigo. Onde esteve por todo este tempo. Procurando você minha amiga. Está cansada? Eu quem o digo. Porque está neste jogo? A rainha morreu. Mas você é só uma menininha. Por enquanto. Logo vou virar rainha. Como? Se, é peão? Peão que é mais valente e que tem fé. Tem chance de, chegando à última linha. Se transformar no que quiser. Então vou ajudá-la na sua missão. Afinal, também sou peão. Te ajudarei. Também quero servir ao rei. O jogo continuou. E Alisse com dois ésses se tornou o que queria. Virou rainha. Com o rei se casou. O jogo ganhou. Lino não acreditou.
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Agora estava tudo acabado. Alisse com dois ésses não poderia mais ficar do seu lado. Teria grandes festas para ir. Só restava a ele dizer adeus e partir. Quando saiu do espelho. Lino viu um presente na cama. Era uma foto da menina. Que bacana. Agora sim teria uma prova. Não duvidariam de suas palavras. Guardou-a num cofre. Que sempre levava. O menino ouviu um barulho e se assustou. O trem parou. Era uma vaca. Que dormia na linha. O maquinista foi tentar tira-la dali. A vaca fez muuu. Não querendo sair. Chegaram outros homens para ajudar. Depois de tanto forçar. Empurraram a vaca. Que continuava sem se levantar. O trem foi saindo. Bem de mansinho. Mas logo pegou velocidade. Madeira. Comeu. E se nutriu. Ficando forte. O trem partiu. Forçando. Suando. Sempre. Apitando. Avisando. Que estava passando. Corria. Sem parar. Não via a hora de poder descansar. É! Trem se cansa. Com criança. Lino achou. Que a estação de destino chegou. Lino desembarcou. Mas onde estava sua mãe? Será que se esqueceu? Isso nunca aconteceu. O menino sentou num banco que havia. Fez como lhe ensinou a sua tia.
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Quando estiver perdido. Ela disse. Fique parado. Que logo será encontrado. Lino esperou. Esperou. Esperou. Se desesperou. Gritou. Um guarda lhe ajudou. Qual o seu nome e onde mora menino? Em minha casa e me chamo Lino. Mas onde é a sua casa? Ora! Na minha rua. E onde é a sua rua? Mas você não sabe de nada mesmo! Minha rua fica no meu bairro. Tá, e qual é o nome da sua rua? Que fica no seu bairro? Porque não perguntou isso antes? Então diga menino. Isso eu não sei. Só sei que lá tem muitas árvores. Casa. Colegas. Vizinhos. Sabe como é? Não é? Então o guarda falou. Vou lhe ensinar uma lição menino. Já que sabe que seu nome é Lino. Tem que aprender seu endereço também. Para quando for perguntado por alguém. E se um dia você se perder? Como hoje? É! Como hoje. Mas eu não estou perdido. Minha mãe vem me buscar. Nisso eu acredito. Como tem tanta certeza? Ela não está aqui a te esperar? O que sei é que tinha que descer na estação perto do hangar. Mas isso aqui n/ao é hangar e sim a letra H. Então estou numa fria! O que posso fazer? Espere eu vou te colocar no próximo trem. Lá vem vindo ele. Já posso entrar? Não se esqueça menino. De o seu endereço decorar.
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Até mais Lino. Até mais soldado. Ai! Tenho que ir ao banheiro. Estou apertado. Lino sentou-se. Numa poltrona. Ao lado. Tinha uma dona. Ela fazia. Um troço estranho. Passava uma agulha com linha. E desenhava. Num pano. Lino olhou. Mas nada perguntou. Tinha que estar. Atento. Pois. A qualquer momento. A estação. Iria chegar. E ele teria. Que desembarcar. Ele desceu. E encontrou sua mãe. Lino. Depois disso tudo. Chegou em casa. E foi se deitar. Acabou por dormir. Com sua mãe. Começou. A sonhar. Sonhou. Que estava. Correndo perigo. Estava. Num trem. Desgovernado. Ele não via. Onde estava sua mãe. Só ouvia. Aquela voz linda. Mas um túnel. Estava chegando. E só ouvia. Sua mãe. Lhe chamando. Lino acorde
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Lino acorde. Onde estou? Em casa a acordar. E a fazenda? A menina? O peixe? Que eu fui pescar? Ora meu filho, está a sonhar. Vamos logo ou vai se atrasar. A locomotiva já vai sair. Todos os passageiros embarcando, por favor. Lino entrou. O trem se moveu. Que emoção. Saber que a aventura. De viajar só. Estava apenas. Por começar. Piuí. Piuí. Piuí. Fez o trem. Dando adeus. Para a estação. Sua amiga. Que o acolhe. De braços abertos. Sempre que ele. Chega cansado. Piuí. Piuí. Piuí. Lino olhava pela janela. Tudo tão lindo. Tudo correndo. Ou tudo parado? Não importava. Ele só queria sentir o vento. No rosto. No corpo. Na roupa. A velocidade. Ia aumentando. Correndo. Passando. Voando. Vibrando. Piuí. Piuí. Piuí.
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Menino olhando. A paisagem As árvores. As flores. Rios. Corriam. Como. Se quisessem. Seguir o menino. E com ele brincar. Piuí. Piuí. Piuí. A velocidade foi diminuindo. Pois uma curva estava chegando. O trem não podia fazê-la correndo. Senão todo mundo saia voando. O maquinista freou um pouquinho. A curva estava por terminar. A locomotiva já estava na reta. Só restava agora o último vagão alinhar. Bilhetes por favor. Falou o homem que fura o papel. Que droga. Pensou o menino. Logo na curva. Que curva? Já estava na reta. E o trem começava. A soltar seu vapor. Para poder. Começar a correr. Madeira. Madeira. Para queimar. Para poder. Velocidade. Pegar. Piuí. Piuí. Piuí. Avisava o trem. Que uma montanha. Ele ia escalar. Todos na janela. Queriam poder. Ver a vista do alto. Para depois comentar. Piuí. Piuí.
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Piuí. Começou a subir. Tudo começou a ficar tão de vagar. O trem sofria com aquele peso. Fazia força para escalar. Até um cágado que ia passando. Achou aquele monstro muito lento. Chegou até a ficar na dianteira. Mas o trem que não estava para brincadeira. Começou a pedir. Madeira. Madeira. Madeira. Lino estranhou que a madeira não vinha. Já que a velocidade sempre diminuía. Foi correndo para a locomotiva. Que para sua surpresa estava vazia. O que fazer agora? Pensou o menino. Vou ser maquinista. Mas não sabia. Por onde começar. Tanto botão. Tanta engenhoca. Parecia que sua cabeça ia estourar. Foi quando chegou um homem baixinho. Com um boné muito engraçado. E todo arredio. O que está olhando? Falou o baixinho. O trem tá parando. Respondeu o menino. O trem é de ferro. Mas eu não sou. Fui ao banheiro. Só um pouquinho. Volte logo. Ao seu vagão. O trem apitou. Ele estava vivo. Madeira. Madeira. O homem jogou. Naquele bocão. Que soltava fogo como um dragão. O menino voltou. Para o seu lugar. Sabendo que a viajem. Iria continuar. Da sua janela. O menino olhou. De cima do morro.
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A vista era linda. Achou que dali. Podia ver Deus. Olhou para o céu. Mas nada encontrou. A não ser um urubu. Pousado num pé. De melancia. Que fantasia. A locomotiva. Começava a descer. O trem começou a correr. Descendo. Freando. Pessoas gostando. Do verde. Do céu. Piuí. Piuí. Piuí. O trem avisava. Que estava chegando. O final da descida. Para a locomotiva. Pois para o menino. Que estava no último vagão. Faltava pouco. Terminar. Aquela emoção. O trem seguia. Aquela reta sem fim. Parecia que a qualquer momento. O mundo ia acabar. E todos. Iriam cair. Foi quando Lino. Ouviu um barulho. De água. De muita água. Pensou que fosse chuva. Abriu a janela. Olhou para cima. Não via nada. Mas seu ouvido ouvia. Que a água vinha. Velos e vibrante. Virou para ver. De onde vinha o barulho. Vinha de baixo. O trem estava.
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Em cima de um rio. Não flutuando. Por uma ponte. Dava medo de ver. Como o trem se equilibrava. Para não despencar. Eram só trilhos. Não era uma ponte. Da janela de Lino. Que era a última. Viam-se os buracos dos trilhos. Onde deveria existir. Uma ponte. De cimento. Madeira. Ou ferro. Havia apenas. Colunas. Apoiando os trilhos. A locomotiva já estava. Em terra firme. Mas Lino. Ainda orava. Para que a madeira. Não acabasse. Um pequeno problema. Na linha férrea. Fez aquele veículo. Para um momento. Lino que estava. Ainda na ponte. Mais que depressa Saiu correndo. Vagão por vagão. Ele foi passando. Até que chegou. Na raiz do problema. Ufa! Falou o menino. Querendo saber. O que aconteceu. Eram só algumas pedras. Que do morro desceu. Os homens correram Para retirá-las. E Lino. Que era um deles. Foi ajudar. Para a viajem continuar. É claro que ele.
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Com sua forcinha. Só pode tirar. Uma pedrinha. Mas ajudou a todos. Naquela missão. E retornaram. Cada qual. Para o seu vagão. Lino que não poderia ir pela ponte. Entrou num vagão que era da corte. Reis e rainhas estavam lá. Comendo. Dançando. A festejar. A rainha era de espada. Gorda como uma empada. O rei era de copas. Tinham um gato. Que não era o de botas. O príncipe sim. Era lindo. Pequeno e de cabelos amarelo. Pareciam ser feitos de trigo. Lino pedia licença. A todos os presentes. Pela sala de estar. Passou correndo. Pisou no rabo do gato. Mas não foi querendo. O gato deu um miado estridente. Mas que depressa. Acenderam a lamparina. E pôde-se ver aquela menina. Seu nome era Alisse com dois ésses. Não é a que você conhece. Ela estava escrevendo uma carta. Para ela mesma. Quando questionada. Sobre o conteúdo. Disse não saber. Pois só em dois dias iria receber. Aí sim. Poderia ler tudo. Lino estranhou aquelas cenas. Mas precisava chegar ao seu vagão. Tinha que terminar de arrumar. Suas roupas que ficaram no chão. Piuí. Piuí. Piuí.
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Avisava o trem que já iria partir. Lino correu. Pulou. Tropeçou. Caiu. Chegando a seu camarote. Logo viu. Que nada mais. Estava no chão. Como sumiu? Ficou preocupado. Quem foi o ordinário. Talvez esteja dentro do armário. Foi lá que as encontrou. Lino sorriu e foi se acalmar. Precisava da viajem aproveitar. Piuí. Piuí. Piuí. Avisava o trem. Corria o trem. Subia o trem. Descia o trem. Freava o trem. Naquela velocidade. Não tinha pra ninguém. O ter avisava. Que corria. Que subia. Que descia. Que freava. Naquela velocidade. Ninguém o alcançava. Piuí. Piuí. Piuí. Era um trem elétrico. Com uma fumaça azul. E muito fina. Nela havia desenhos numéricos. Que faziam rimas. 1, 2, vamos depois. 3, 4, calçar sapato. 5, 6, é nossa vez. 7, 8, estou afoito. 9 e 10, que a viajem não acabe. Com meus pés. Assim flava o trem elétrico. Com aquela língua de fumaça. Lino olhou pela janela.
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E viu uma mulher no rio. Lavando uma panela. Ai que frio! Pensou o menino. Sem saber que a necessidade. Faz as pessoas não sentirem. Frio. Calor. Dor. Pavor. Ela. A necessidade. Faz as pessoas ficarem fortes. De verdade. O menino que viajava. Viu um homem que lavrava. E pensou que vida boa. Viver na natureza. Que beleza. Por sua vez. O tal homem que já estava cansado do que fez. Viu um outro passar. Pela estrada. Num carro singular. Pensou o lavrador. Sobre como seria bom. Trocar o arado que lhe trazia dor. Pelo conforto de um carro. O outro homem que guiava. Pensava preocupado. Quando viu um outro. Que num avião viajava. Vida boa. Deve ser esta. Pensou o motorista. Chegar sempre na hora. E ter tempo de ir numa festa. Já o piloto. Cercado de aparato. Botões. Chaves. Luzes. E perigo. Viu no trem o menino viajante. Ah! Se fosse comigo. Pensou o tripulante. Lino não teve noção. Desta importante lição. Fechou a janela. Deixou pra lá. A mulher com a panela.
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E se pôs a refletir. Pensou na menina. Que acabara de ver. Queria com ela. Se divertir. Falar da viajem. Das coisas que via. Da emoção de sentia. Em viajar só. Piuí. Piuí. Piuí. Avisava o trem. Que havia curvas pela frente. Começou a diminuir novamente. Lino quis ir ao vagão da menina. Mas ficou enjoado com aquelas curvas. Olha que não era uma. Eram várias. Desta vez ele teria tempo de aproveitar. Pois não precisava seu bilhete furar. Quando a locomotiva já estava na metade da primeira curva. Lino ainda estava começando a traçá-la. Sentiu tudo que comeu no café da manhã. Subir por uma caminha que é usado para descer. Não via a hora de aquela curva acabar. Achou que ia vomi............................arrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr. Sujou tudo e correu para o banheiro. Mais essa curva era a primeira de muitas. Lino entrou verde no banheiro. Ficou lá o percurso inteiro. Não pôde aproveitar nada. As curvas eram perto de um penhasco. Pessoas olhavam com medo de o trem. Mas ele era esperto. Sempre passava por ali. A locomotiva era muito forte e começou a puxar. Aquele enorme corpo para outra curva iniciar. A locomotiva pedia comida para o baixinho. As madeiras eram deliciosas e bem torradas. E Lino só sabia se contorcer nas almofadas. Tomara que seja a última. Falava nosso viajante. O desejo foi realizado. O trajeto. Torto. Estava acabado. Piuí. Piuí. Piuí. Gabou-se o trem.
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Por ter conseguido. Tão grande façanha. É! Trem também se assanha. Lino se recompôs. Tomou um belo banho. De água e de perfume. Vestiu a melhor roupa. E o melhor sapato que pôde. Dirigiu-se para o vagão da corte. A menina não estava no vagão. Tinha saído com o irmão. Lino depois de tanto procurar. Encontrou. Falou. Olhou. Vibrou. Conversou. Se apaixonou. A menina estava triste. Se achava muito só. Mas você é filha da rainha. E eu que sou apenas um menino. Uma pessoa comum. Com uma história comum. A menina não concordou. Meu pai. O rei. Diz que nenhuma pessoa é comum. E a vida de nenhuma pessoa É uma história comum. Então porque está triste menina? Sou muito só. Vivo numa tristeza. Que dá dó. Não posso brincar. Pular. Ir ao cinema. Pareço. Criança pequena. Mas porque não pode? Eu faço isso tudo. Sabia? Mas você não é filho da rainha. Uma princesa. Não pode: Se machucar. Se arranhar. Se quebrar. Só chorar.
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De tristeza. De solidão. Mas você tem todos ao seu redor. Ficar só não é estar sem ninguém. É viver numa multidão. E não ter com quem contar. O único que me entende é o meu coelho. Você tem um coelho? Onde está? Não sei. Deve estar tomando chá. Ah! Ah! Ah! E do seu irmão, você não gosta? Ele só quer saber de uma rosa. Rosa? Uma flor? Sim senhor. Fica o dia em sua companhia. Até conversa com ela. Não perde essa mania. Venha! Vamos comigo. Não posso. Sou uma princesa. Disso eu tenho certeza. Venha. Vamos nos divertir. Como? Estamos num trem. Ora. Criança se diverte em qualquer lugar. Lino levou a menina. Brincaram. Correram. Pularam. Perturbaram. Foram na locomotiva. E ela riu muito do baixinho. Daquele boné engraçado. E de como ele estava sujinho. Tadinho. Todo sujo de carvão. Ainda quis cumprimentar a menina. Ela deu um pulo que assustou o maquinista. Não insista. Ela falou. Sou princesa. Não posso me sujar. Pois sou maquinista. Sem mim.
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Você não pode viajar. Posso sim. É só ordenar. A vida não é assim. Sua mimada. Você não está sendo bem criada. Todos são importantes. Desde o furador de papel. Até o alfaiate que fez meu chapéu. Vá saia daqui. Pois preciso fazer o que aprendi. Não gostei daquele homem. Mas princesa. Não gostei e pronto. Mas princesa. Não gostei e ponto. Mas princesa. Não gostei seu tonto. Fique só então. Não sou obrigado a lhe dar atenção. Princesa. Não, não sou princesa. Tenho toda certeza. Sou criança como você. É isso que deve aprender. As pessoas são iguais. Mesmo que tenham. Coroa. Trono. Poder. E tudo mais. Aprenda o que eu digo. Assim terá mais amigos. E não ficará em seu vagão. Chorando de solidão. Poderá ter sempre alguém por perto. Tonto, como eu. Ou esperto. Sou menino. Sou criança. Como diz meu pai: Sou a esperança. Sou dono do futuro. Vou tomar conta de tudo. Do meu pai. Do seu pai. Do planeta. Do mundo. Meu pai diz também que: Uma criança é a alegria que faz um adulto viver.
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É poder ser tudo e nunca deixar de ser. É poder correr na praia sem ser por estar engordando. É poder correr pelo simples fato de estar brincando. Acho que me enganei. Você não é o que pensei. E o que pensou? Que seria bom estar em sua companhia. Agora. Hoje. O resto do dia. Fique comigo. Eu prometo que mudarei. Não porque você quer. Mas porque eu sei. Que assim terei mais amigos. A começar. Por você. Que veio me ver. Para brincar. E eu só fiz. Te maltratar. Vamos. Quero que conheça minha mãe. Não. Eu não estou arrumado. Posso até ser enforcado. Isso não existe. Já que você insiste. Minha mãe não é má. Você como ela é linda. O que ela está fazendo princesa? Dando ordens. Com certeza. Cortem a cabeça. Falou a rainha. Eu não disse. A próxima cabeça será a minha. Vou fugir antes que eu fique em bugalho. Não é cabeça de gente. É cabeça de alho. Minha mãe fala com a cozinheira. Tão tonta. Coitada. Nem sabe acender uma lareira. Quero que corte todas as cabeças e faça uma salada deliciosa. Ora. Ora. Se não é minha filha graciosa. E quem é esse menino? É Lino.
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A suas ordens majestade. Fique a vontade. Não sou muito de cerimônias. O que fazem? Brincamos. Muito bem. Deixem-me um pouco só. Preciso falar com alguém. Então já vamos. O que faremos agora? Já sei. Princesa. Vamos passear pelos vagões. Fale-me um pouco de você. Porque está viajando só. Vou para a casa de meus avós. Fui presenteado. Passei de ano na escola. Lá vou brincar muito. Jogar bola. Sua vida. Deve ser legal. É sim. Até já viajei no tempo. O menino olhou pela janela. E viu um caminho. Nele andavam três seres esquisitos e uma menina. A imagem não lhe era estranha. Sabia que aquele caminho levava algum lugar. Isso é lógico. Lembrou-se. Levava para a casa de um mágico. O trem. Alisse com dois ésses. O gato. O príncipe. A rainha. O coelho. Aquela montanha. Essa viaje, estava se tornando muito estranha. A princesa chamou a atenção de Lino. E lho mostrou um pássaro azul. Muitas pessoas procuram por ele. Mas só eu posso tê-lo. Lino também conhecia aquele pássaro. O que estaria acontecendo? O garoto percebeu. Que uma curva se aproximava. O trem retornando estava. O que estaria havendo.
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Lino saiu correndo. Para falar com o maquinista. Levou junto Alisse com dois ésses. O menino viu a rainha correndo. O gato pulando. E o coelho saltando. Ele que nada entendia. Viu que a velocidade. Cada vez mais. Diminuía. O trem. Se preparou. Para a curva. Que ia chegar. A locomotiva. Diminuiu a velocidade. E o trem. Começou a retornar. Lino viu. Seu passeio. Ir por água abaixo. Nada de bola. Campo. Animais. Ele ficou cabisbaixo. Quando procurou a menina. Não a encontrou. O que estaria acontecendo? Lino pensou? Aquela curva. Tão longa. Não terminava. Ele achou. Que o maquinista. Se enganara. Talvez. Tivesse pegado. O caminho Errado. Foi. Quando. Um. Túnel. Apareceu. E Lino ouviu. Lá de dentro. Alguém chamando seu nome. Não podia ser. Era a voz da sua mãe. Lino, acorde meu filho.
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