Nova Topografia do Medo Color

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nova topografia do medo carlos henrique



nova topografia do medo carlos henrique

in.ca

[intervenções críticas]



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[intervenções críticas]







enclaves fortificados

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Zonas mortas

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histórias verossímeis Mateus S. é natural do Rio Grande Norte, e tem 54 anos. Casou-se aos 20 anos. Desde cedo a bebida fez parte de sua vida e com o passar do tempo foi ganhando mais espaço. O alcoolismo desgastou as relações com sua mulher até que ela pusesse fim ao relacionamento, levando os seis filhos do casal para viver com outro homem. A combinação de depressão e bebida o prejudicaria no trabalho. Sem família e sem emprego, encontrou o crack nas ruas, entre amigos. Com a vida desestruturada, a droga lhe proporcionava instantes de intenso prazer e o alívio que era incapaz de encontrar em qualquer outro lugar. Tentando fugir do vício e reconstruir a vida, ele fez as malas e foi viver com um primo no Distrito Federal. Ao chegar, logo percebeu que seu primo também tinha sua vida comprometida pelo uso do crack. Em seu longo caminho na fuga da droga, acabaria se reencontrando com ela dentro da casa onde morava, e não resistiu, voltando a fumar meses depois de tentar deixar o vício. Os desentendimentos entre os primos não demoraram a aparecer, e com pequenos trabalhos aqui e ali como ajudante de pedreiro deixou a casa de seu primo e alugou um quarto. Sua condição de dependente era visível e relativamente pública. E sendo considerado pouco confiável pelas pessoas que antes o contratava, perdeu todas as oportunidades de trabalho. Incapaz de pagar aluguel, passou a viver nas ruas. Vendendo papel, latas e garrafas que acha nos entulhos ao longo da cidade, consegue o suficiente para comer e comprar pedras. De tempos em tempos muda o local de sua barraca de lona e papelão. Ele desejaria ter uma casa e abandonar o crack, mas acha que vai permanecer nas ruas. Nunca procurou ajuda das instituições de saúde pública, nem sequer lhe foi oferecida. Mas não acredita que sairá da vida que hoje leva, a não ser por um ato extraordinário de autodeterminação, coisa que não está disposto a fazer. Não tem mais contato com a família, e não sabe do destino dos filhos. Prefere não responder quando perguntado sobre o que ele planeja para sua vida nos próximos anos. Ela sabe que a cada dia que passa a possibilidade de um futuro melhor diminui, e enfrenta com resignação o destino que o aguarda.

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a lógica rodoviária Cidades dominadas pelo medo geralmente também são cidades dominadas pelo automóvel. Sentindo-se vulnerável na rua, o cidadão busca refúgio no carro. Mas ao esvaziar a rua, ela se transforma num espaço potencialmente mais perigoso. Abandonada, a rua se torna o território propício para todas aquelas atividades, em muitos casos ilícitas, que precisam ser realizadas fora dos olhos do público. No caso de Brasília, cuja sintaxe urbana foi constituída com o objetivo manifesto de privilegiar o veículo automotor e as autoestradas - em detrimento do pedestre e da rua - o abandono do espaço público é uma característica estrutural e não o resultado de uma transformação do padrão urbano, como aconteceu com cidades mais antigas. A lógica espacial da cidade opera com base na hostilidade a rua como espaço público. Para isso ela fragmenta o tecido urbano para limitar a circulação de pessoas e as trocas interpessoais. Os espaços para a circulação da diversidade dos habitantes são construtivamente limitados, pontuais e desconectados. Estruturalmente a cidade foi construída para tolher e limitar as possibilidades de mobilidade. Para isso, ela isolou as zonas de habitação, trabalho, lazer e outros serviços, utilizando grandes intervalos como obstáculo. Esses intervalos geralmente são enormes vazios - as vezes áreas verdes hostis ou pouco convidativas, mas em muitos casos são simplesmente porções de terreno abandonado -, dificultando a integração das pessoas com a cidade, e das pessoas entre si. Numa cidade dominada por não-lugares, isto é, corredores de passagem para automóveis, zonas mortas, ou passeios públicos isolados, precários e de baixa circulação de pedestres, o habitante da cidade produz um espaço ainda mais inseguro, onde ele se sentirá cada vez mais vulnerável.

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