UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE UFRN Departamento de Arquitetura – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo – PPGAU/UFRN
ACESSIBILIDADE SOB A ÓTICA DO DIREITO À CIDADE GESTÃO URBANA, TERRITÓRIO E MEIO AMBIENTE Carlos Alberto Milhor Aluno Especial
milhorc@gmail.com Prof. Dra. Ruth Maria da Costa Ataide
ACESSIBILIDADE SOB A ÓTICA DO DIREITO À CIDADE RESUMO Este trabalho faz uma análise crítica da situação em que se encontra a infraestrutura para pedestres e ciclistas na cidade de Natal, elaborada a partir da ótica do direito à cidade. Devido a fatores como segregação urbana, pobreza, falta de acesso a moradia, ênfase ao uso do automóvel individual dentre outros fatores, chegamos a uma situação de total descaso pela mobilidade humana, ou seja, os pedestres e os usuários de bicicletas foram deixados de lado no planejamento das cidades, os espaços foram ocupados pelos veículos automotores e criou-se uma situação onde os privilegiados possuem o direito à mobilidade e a população de baixa renda fica refém da cidade feita para os carros. Não há possibilidade de escolha do modal mais adequado para seu deslocamento, já que as condições de estrutura, acessibilidade e segurança não são garantidos, ou seja, seus direitos estão sendo negados. Fizemos um levantamento fotográfico de locais de todas as regiões da cidade de forma a mostrar que o problema não é localizado e sim generalizado, ou seja, toda a cidade possui graves problemas de acessibilidade. A partir das análises críticas teóricas e do levantamento em campo propomos uma pequena intervenção na escala do bairro, como um modelo inicial de melhorias para pedestres e ciclistas na cidade de Natal, de forma que possa ser aplicado na pequena escala como uma experiência para futuras intervenções em outros pontos da cidade. Palavras-chave: Direito à cidade 1. Mobilidade Urbana 2. Transporte Ativo 3.
PAPER TITLE ABSTRACT This work is a critical analysis of the situation in which it is the infrastructure for pedestrians and cyclists in the city of Natal , made from the perspective of the right to the city . Due to factors such as urban segregation , poverty, lack of access to housing, emphasis on the use of automobile and other factors , we come to a situation of total disregard for human mobility , ie pedestrians and bicycle users were left out in the planning of cities , the spaces were occupied by motor vehicles and created a situation where the privileged have the right to mobility and low-income population is hostage to the city made for cars. There is no possibility of choosing the most appropriate modal for its displacement, since the conditions of structure , accessibility and security are not guaranteed , or your rights are being denied . We did a photographic survey of sites in all regions of the city in order to show that the problem is not localized but widespread , ie , the entire city has serious accessibility problems. From the theoretical critical analysis and field survey we propose a small intervention on the scale of the neighborhood, as an initial model of pedestrian improvements and cyclists in the city of Natal, so that it can be applied on a small scale as an experiment for future interventions in other parts of the city. Keywords: Right to the City 1. Urban mobility 2. Active transportation 3.
1. MOBILIDADE HUMANA “Liberdade é uma prática. Portanto, poderá sempre existir um determinado número de projetos cujos objetivos sejam a modificação de certa restrição, seu relaxamento ou mesmo sua eliminação, mas nenhum desses projetos pode, simplesmente por sua natureza própria, assegurar que as pessoas terão a liberdade automaticamente. Isso não será estabelecido pelo projeto em si mesmo. A liberdade do homem jamais é assegurada pelas instituições e leis que são feitas para garanti-la. Isso explica por que todas essas leis e instituições são permeáveis a uma transformação. Não porque são ambíguas, mas simplesmente porque a liberdade precisa ser praticada.” (Michel Foucault, 2012). Com a crescente urbanização e reprodução da população, as soluções para moradia, energia, água, transporte, abastecimento, educação, saúde, lazer se faz de modo coletivo, portanto transporte, infraestrutura e equipamentos sociais são necessidades cruciais da luta pela sobrevivência diária nos países periféricos ou centrais da atualidade. A classe trabalhadora quer a cidade, num primeiro momento, pelo seu valor de uso e os capitais que ganham com a produção e exploração do espaço urbano agem em função do seu valor de troca. Para o capitalista a cidade é mercadoria, a cidade é um grande negócio e a renda imobiliária, seu principal meio para obter lucros. O Estado tem um papel fundamental na produção do espaço urbano como principal intermediador na distribuição dos investimentos e, em forma de poder local regulamenta e controla o uso e ocupação do solo, portanto a apropriação dos fundos públicos é um importante instrumento na disputa entre investimentos para circulação de automóveis ou investimentos para o transporte não motorizado por exemplo. As cidades periféricas do capitalismo são exemplos de um processo paradoxo de modernização que se alimenta de formas atrasadas, com grandes desigualdades e rupturas devido à falta de políticas de Estado para questões cruciais como a mobilidade urbana. Em muitas questões o Brasil está atrasado e demonstra sua modernização conservadora, uma das causas principais, de marca histórica, é o patrimonialismo, que chega ao aparelho de Estado sendo tratado como coisa pessoal. Essa marca histórica tem a terra como poder central em nossa sociedade, tanto urbana quanto rural, ou seja, o poder social, econômico e político sempre esteve associado à detenção do patrimônio. O Brasil apesar de ser a sexta
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economia do mundo, mantém uma das piores distribuições de renda do continente americano. 1 A população mais pobre, constituída em sua maioria de trabalhadores do que chamamos de subsalários (baixos salários) apesar de integrados ao processo produtivo são excluídos da cidade devido a forma como se dá a cidadania no Brasil, uma sociedade de privilégios, onde apenas alguns tem acesso aos direitos e a modernização e onde a maioria possui muitos de seus direitos negados. Podemos citar como exemplo três políticas públicas urbanas estruturais, ligadas à produção do espaço, que são praticamente ignoradas e possuem baixos investimentos frente aos problemas encontrados: transporte, habitação e saneamento. Não é difícil entender porque vivenciamos uma tragédia urbana em forma de violência cujas origens, segundo Maricato (2015), vem da sociedade escravista e se transformou numa das principais marcas das cidades brasileiras. Devemos estabelecer uma dimensão no entendimento do espaço que abranja a complexidade dos fenômenos urbanos, o sistema de relações e a possibilidade de qualificar a cidade de maneira difusa, respeitando a identidade de lugares e comunidades que a habitam. As políticas de reorganização do espaço urbano e de reelaboração das estratégias de desenvolvimento são os elementos essenciais para a cultura urbanística contemporânea, estabelecendo novas relações entre as diferentes partes da cidade que resultem em equidade social. O espaço público representa o principal lugar para se experimentar novas formas de projeto e onde se podem colocar em prática uma política focada na mobilidade e acessibilidade, em uma perspectiva de uma cidade em que de todas as áreas seja possível a acessibilidade a todas às outras e onde o direito à acessibilidade estenda-se desde os lugares às atividades e às relações sociais. Segundo Lefebvre, o direito à cidade significa o direito dos cidadãos-citadinos e dos grupos que eles constituem (sobre a base de relações sociais) de figurar sobre todas as redes e circuitos de comunicação, de informação, de trocas, o que não depende de uma ideologia urbanística, nem de uma intervenção arquitetônica, mas de uma qualidade essencial do espaço: a centralidade, ou seja, uma reunião de tudo o que pode nascer no espaço e nele ser produzido. A realidade urbana se dá no encontro atual ou possível de todos os “objetos” e “sujeitos”. Excluir do urbano grupos, classe de indivíduos, implica também excluí-los da civilização, até
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Erminia Maricato. “Para entender a crise urbana”. Expressão Popular, 2015, 27. 4
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mesmo da sociedade. Aqueles que não participam dos privilégios políticos são lançados para os espaços periféricos, longe dos centros de decisão, de riqueza, de poder, de informação, de conhecimento. O direito à cidade portanto, legitima a recusa de se deixar afastar da realidade urbana por mecanismos discriminatórios e segregadores.
2. O ESPAÇO CONTEMPORÂNEO Para Milton Santos, o entendimento do mundo é dado pelas coisas e pelo Período, a Época, portanto uma qualificação do Tempo. O Período Científico-Técnico permitiu que espaço e tempo se fundissem e a grande cidade é o fenômeno mais representativo desta união. O espaço é o resultado do casamento entre sistemas de objetos e sistemas de ações. “O espaço é hoje um sistema de objetos cada vez mais artificiais, povoados por sistemas de ações igualmente imbuídos de artificialidade, e cada vez mais tendentes a fins estranhos, ao lugar e a seus habitantes”. 2 Atualmente na metrópole há justamente nessa relação Espaço-Tempo, objetos que contém tempo, devido as espacializações práticas, portanto não apenas as ações que são Tempos. Os objetos não são as coisas, dados naturais; eles são fabricados pelo homem para darem início a determinadas ações, objetos que buscam imitar a natureza. São objetos cujo valor vem de sua eficácia, de sua contribuição para a produtividade da ação econômica e das outras ações. São objetos que tendem à unicidade, um sistema de objetos que, pela primeira vez na história do homem, tende a ser o mesmo em toda a parte, objetos que formam os sistemas hegemônicos, que atendem necessidades das ações hegemônicas. Tratam-se de ações que frequentemente não permitem um debate sobre sua validade pois são desenvolvidos em uma base científica e a ciência mitificada não é discutida mas se impõe, são ações pragmáticas. A subordinação à racionalidade impõe aos indivíduos um enquadramento e lhes reduz a possibilidade de manifestação de uma inconformidade, por outro lado os pobres e as minorias, de acordo com o pensamento de Milton Santos, se definem pela sua incapacidade de subordinação completa às racionalidades hegemônicas. Exatamente nas áreas sociais e geográficas onde a racionalidade capitalista contemporânea é menor, o Estado pode ter força para planejar a cidade. Para o homem comum o mundo concreto, imediato, é a cidade, principalmente a Metrópole, mas esse homem está mais distante das instituições e a distância entre pessoas aumenta, pois o número de vetores é multiplicado pela mundialização, por esse novo Tempo do Mundo
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Milton Santos. “Técnica, Espaço, Tempo: Glogalização e meio técnico-científico informacional”. São Paulo: Hucitec, 1994,90. 5
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definido por Milton Santos. A noção de sociedade global ganha concretude na cidade, onde os homens, a produção, os objetos e lugares se dão em sistemas, graças construção dos diversos tempos sociais onde se combina a inflexibilidade dos objetos à flexibilidade das ações. Como o tempo se dá pelos homens em sua prática cotidiana, a interpretação particular do Tempo é diferente para cada grupo, cada classe social e cada indivíduo. A percepção da cidade no mundo contemporâneo, é o resultado do trabalho humano, expressão material do progresso de uma civilização, símbolo da modernidade e da capacidade de transformar a natureza. Como o trabalho humano é mediado pela técnica, a cidade expressa o avançado grau de desenvolvimento da ciência e da tecnologia. O tipo de organização política, econômica e social das cidades faz delas espaços privilegiados nas decisões da produção e difusão de valores e ideias. Como define muito claramente Milton Santos, “a cidade é o lugar em que o mundo e os homens se movem mais, portanto o lugar de encontro e presença da diferença, por isso, o lugar da educação e da reeducação”, de tal forma que para os pobres de maneira geral o espaço “inorgânico” é um aliado da ação, enquanto que os ricos e a classe média estão envoltos em teias racionais, regulamentações, caminhos marcados que empobrecem e eliminam a orientação para o futuro. Essas lições sobre uma nova leitura do tempo das metrópoles são inspiradoras para alguns temas possíveis, segundo Milton Santos, como a solidariedade. Essa nova solidariedade, fundada nos tempos lentos da metrópole (locais de pobreza) desafia a perversidade difundida pelos tempos rápidos da competitividade (locais onde atua o capital hegemônico). Nos países com grandes desigualdades sociais se estabelecem novas dinâmicas regionais que criam áreas sem nenhuma capacidade de comando hegemônico, portanto temos hoje as solidariedades organizacionais. Os nexos que definem uma organização regional são nexos de informação. A informação, sobretudo ao serviço das forças hegemônicas e ao serviço do Estado, é o grande regedor das ações definidoras das novas realidades espaciais. Um incessante processo de entropia desfaz e refaz contornos e conteúdos dos subespaços, a partir das forças dominantes. (Santos, 1994, p.93). A paisagem urbana reúne e associa pedaços de tempo materializados de forma diversa e comportamentos econômicos e sociais variados são encontrados no meio urbano, de tal forma que o planejamento regional deve se inspirar na própria história contemporânea, no conjunto do mundo e dos lugares para entender os problemas e tentar soluções. Para transformar o urbano devemos entende-lo a partir dos objetos que nos cercam, os conteúdos que se alteram, as funções e a significação, portanto as ações transformam as coisas.
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2.1 SEGREGAÇÃO Todas as cidades brasileiras possuem problemáticas parecidas e revelam enormes carências e quanto maior a cidade, mais visíveis se tornam as mazelas devido à urbanização corporativa, empreendida sob o comando dos interesses das grandes empresas, atuando em um modelo devorador de recursos públicos que são orientados para investimentos econômicos em detrimento dos gastos sociais. Quanto maior a cidade, maior a diversidade social. As grandes cidades ocupam vastas superfícies e o modelo rodoviário urbano é um fator de crescimento disperso e do espraiamento da cidade. Segundo Flavio Villaça, o papel da segregação urbana é vital no estudo da produção do espaço e vice-versa, pois a captura do Estado, da economia e da ideologia pelas camadas de mais alta renda está articulada ao processo de segregação, portanto a questão do transporte está vinculada a produção dos locais de emprego, de residência, de lazer etc. Tanto a segregação dos empregos como a das residências são produzidas. A segregação é o processo pelo qual um grupo populacional é forçado, involuntariamente, a se aglomerar em uma área espacial definida, é o processo de formação e de manutenção de um gueto. Em cidades como São Paulo, a absoluta maioria dos empregos da classe alta está localizada na mesma região onde elas moram, enquanto que a classe pobre não tem o menor domínio sobre a localização dos seus empregos na produção do espaço. Em Natal temos uma segregação muito evidente entre a Zona Norte e a Zona Sul da cidade nestes moldes em que Villaça nos apresenta. Muitos trabalhadores de baixa renda moram na Zona Norte e trabalham na Zona Sul, o que significa um movimento de origem e destino diariamente de milhares de pessoas que necessitam de meios de transporte e infraestrutura adequados para seus deslocamentos. A segregação por classes sociais envolve uma disputa por localizações e nessa disputa há conflito, coerção, perdedores e vencedores, sempre envolve dominação e conflito, pois ela se articula com o domínio do Estado, da economia e da ideologia, através do espaço urbano e por parte das camadas de alta renda. Para Villaça, a ação política dos indivíduos e dos grupos sociais, da ONGs, dos partidos políticos etc, pressionam o Estado e podem influenciar a ação real do Estado, que é diferente do discurso do Estado sobre suas ações.
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3. POR UMA CIDADE DEMOCRÁTICA Na década de 1980 ao mesmo tempo em que lutavam contra a ditadura militar os movimentos sociais elaboravam plataformas para mudanças políticas. Neste momento surge o Movimento Social pela Reforma Urbana, que recupera propostas elaboradas na década de 1960 no contexto das lutas revolucionárias latino-americanas. Tratava-se portanto de reconstruir a agenda que a ditadura havia interrompido a partir de 1964. Esse movimento reunia entidades profissionais (arquitetos e urbanistas, engenheiros, advogados, assistentes sociais), entidades sindicais, lideranças de movimentos sociais, ONGs, pesquisadores, professores, intelectuais, entre outros. Dos anos 1960 a 1980 houve um acréscimo de 50 milhões de pessoas nas cidades brasileiras e os problemas urbanos se aprofundaram. Segundo o IBGE, na década de 1960 o Brasil possuía 44,67% da população nas cidades e em 1980 eram 67,59%. (Maricato, 2015, p.30). Segundo Maricato, esse movimento pela Reforma Urbana avançou conquistando importantes marcos institucionais. Dentre eles ela destaca: a) um conjunto de leis que, a partir da Constituição Federal de 1988, aporta instrumentos jurídicos voltados para a justiça urbana, sendo o Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001) a mais importante delas; b) um conjunto de entidades, como o Ministério das Cidades (2003) e as secretarias nacionais de habitação, mobilidade urbana e saneamento ambiental; c) consolidação de espaços dirigidos à participação direta das lideranças sindicais, profissionais, acadêmicas e populares como as Conferências Nacionais das Cidades e Conselho Nacional das Cidades. Se a cidade não se encontra alinhada aos nossos direitos, com aquilo que desejamos, então ela deve ser mudada, ou seja, a liberdade da cidade é o direito de mudar a cidade de maneira qualitativamente diferente. Mas existem diversas forças que impedem esse nosso direito e o ritmo e a escala da urbanização ao longo dos últimos anos torna difícil a reflexão sobre o tema (Harvey, 2013). Vivemos em cidades divididas, fragmentadas e tendendo aos conflitos. A guinada em direção ao neoliberalismo aumentou as desigualdades sociais e restaurou o poder de classe às elites ricas e os resultados foram gravados nas formas espaciais das cidades. Os bairros ricos portanto, são atendidos por diversos serviços sociais, enquanto que o restante dos fragmentos vive quase que autonomamente nas possibilidades daquilo que consegue agarrar na luta diária pela sobrevivência.
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Nas grandes cidades encontramos grandes porções de trabalhadores de baixa renda fundidos aos marginalizados e desempregados e o mais-valor absorvido durante a construção das cidades contrasta com o desenvolvimento e proliferação das favelas. Tais desenvolvimentos urbanos geram conflitos sociais e os resultados desses conflitos tem sido, segundo David Harvey, um epicentro de criatividade destrutiva. No turbilhão da cena urbana torna-se difícil de definir questões de cidadania e direitos daí derivados para fazer frente às forças de mercado e a vigilância estatal. A cidade sempre foi o lugar do encontro, de diferença e de interação criativa, onde formas culturais e desenhos individuais se chocam, portanto a diferença torna-se um direito dos mais importantes aos citadinos. Segundo Lefebvre, o direito à cidade deve ser exercido por meio da mobilização social e da luta política/social sem evitar o conflito, mas exercitando a imaginação e o desejo de forma a transformar e ser transformado através de nossas ações cotidianas e nossos engajamentos políticos, intelectuais e econômicos, fazendo nossa cidade de maneira individual e coletivamente, de forma que o direito à mudança esteja inerente às nossas práticas diárias. O direito à cidade demanda um esforço coletivo e a formação de direitos políticos coletivos ao redor de solidariedades sociais. Temos de imaginar uma cidade mais inclusiva, mesmo se continuamente fracionada, baseada não apenas em uma ordenação diferente de direitos, mas em práticas político-econômicas. Temos o direito ativo de fazermos uma cidade diferente, de formá-la mais de acordo com nossas necessidades coletivas, podemos reimaginar e refazer nosso mundo urbano, forçar a abertura para novas concepções e configurações da vida urbana de forma que sejam menos danosas as concepções de direitos (Harvey, 2013, p.33). 3
4.COMO SE MOVER PELA CIDADE? Desde os anos 1950, o poder público tem atuado no âmbito da mobilidade urbana para universalizar o uso e a propriedade dos automóveis como política de Estado, portanto o sistema viário é constituído e administrado essencialmente para permitir a melhor circulação dos automóveis. Essa lógica perversa, centrada na fluidez do transporte individual motorizado gera uma crise de circulação em nossas cidades e nega o direito à cidade àqueles que não tem condições ou não querem circular de automóvel ou de moto.
Maricato, Ermínia; Harvey, David ... [et al.]. “Cidades Rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil.” 1ª ed.- São Paulo: Boitempo:Carta Maior, 2013. 3
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Constroem-se as vias, colocam-se as paradas de ônibus mas não se constrói os acessos, ou seja, o direito de ir e vir construído “pela metade”, porque a prioridade não é o transporte ativo, pedestres, ciclistas, usuários de patins, patinete por exemplo. Os cadeirantes, os idosos, as mulheres grávidas, mães com carrinhos de bebê e as crianças não são considerados no planejamento, não são “vistos” pelo poder público e em consequência não tem seu direito de deslocamento pela cidade, pelas praças, pelos mercados. Ficam à mercê de toda a dificuldade encontrada na falta de infraestrutura adequada para o deslocamento diário em calçadas mal cuidadas, inclinadas, esburacadas, inexistentes, com muitos obstáculos, barro, mato etc. Portanto aqueles que possuem o direito ao deslocamento são os poucos privilegiados que utilizam o transporte individual motorizado, pois fazem o trajeto de origem e destino praticamente todo pelas vias preparadas para os motorizados, desenvolvendo alta velocidade e muitas vezes desrespeitando os não motorizados devido à lógica urbana estar toda baseada no conceito do uso do automóvel, sendo o espaço da via mal distribuído entre os usuários. A gestão do espaço público é feita de forma desarticulada, falta uma política que vincule a mobilidade urbana à política de desenvolvimento urbano. Da forma como é praticada atualmente é excludente e gera prejuízos econômicos e sociais tornando arriscada a circulação de pessoas. As deficiências nos sistemas de mobilidade urbana compõem um dos aspectos que demonstram às populações mais pobres o quanto elas estão efetivamente distantes do processo de inclusão social, que compreende a capacidade do cidadão de participar adequadamente da sociedade em aspectos como educação, emprego, acesso aos serviços públicos e atividades sociais e recreativas, portanto as restrições a essa participação adequada é exclusão social. Para que haja uma mudança dessa realidade é necessário uma gestão compartilhada, participativa, democrática e integrada às demais políticas de desenvolvimento urbano. É atuar no âmbito da reforma urbana de forma a avançarmos na implementação das propostas da Lei Nacional de Mobilidade Urbana e do direito à cidade.
5.O IMPACTO DO AUTOMÓVEL E A NECESSIDADE DA MUDANÇA Segundo a publicação do MDT - Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte (2015), vários fatores determinaram a presença do automóvel em grande escala na vida contemporânea, tais como a consolidação da indústria automobilística nos anos 1950 e 1960, a migração em massa em direção às cidades (décadas de 1960 e 1970), a falta de diretrizes nacionais sobre políticas urbanas e de planejamento. Esses fatores foram determinantes para a geração dos 10
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problemas enfrentados hoje pelas cidades, tais como o crescimento da frota de veículos automotores individuais, a ocupação desordenada do espaço, os impactos negativos sobre a infraestrutura viária urbana e a insuficiência de recursos para as crescentes demandas, com isso a condição da mobilidade nas cidades é um dos maiores problemas sociais e urbanos a ser enfrentado atualmente, pois uma boa parte da vida dos trabalhadores é vivida nos transportes, seja de carro ou de transporte coletivo, portanto atinge toda a população devido ao excesso de tráfego de veículos automotores individuais. Os automóveis são responsáveis por 83% dos acidentes viários e por 68% das emissões totais de poluentes se comparados com outros modais (Maricato, 2015). O automóvel é o meio de transporte que impede a democratização do uso da via pública, pois o espaço que ocupa não permite a redistribuição da via para o transporte coletivo e a construção adequada de calçadas e ciclovias. Para evitar o colapso das vias faz-se necessário a melhora de todos os modos e infraestrutura de transporte público, a implantação de medidas para reduzir o uso do transporte individual motorizado e o planejamento integrado entre mobilidade e uso do solo, evitando-se principalmente a dispersão urbana e a falta de integração entre os modais. Segundo dados da ANTP (Associação Nacional dos Transporte Públicos) de 2013, o deslocamento a pé representa 36% do total dos deslocamentos nas cidades brasileiras das principais regiões metropolitanas. Para muitas pessoas pagar a passagem do transporte coletivo diariamente representa um percentual muito alto em relação a sua renda. Andar a pé, por outro lado, é um modo saudável de transporte para curtas distâncias, porém muitos problemas são enfrentados com a falta de calçadas, buracos, má conservação, muitos obstáculos e falta de iluminação. A calçada é parte da via pública, portanto deve ter o mesmo cuidado que é dedicado à parte da via dedicada à circulação de veículos motorizados. O poder público deve assumir a responsabilidade pela implantação e o cuidado das calçadas, a rua deve ser democratizada e os espaços das calçadas devem ser ampliados. As faixas de pedestres devem ser consideradas a continuidade natural das calçadas e planejadas de forma a assegurar uma travessia segura e sem obstáculos. As calçadas conferem à via um sistema completo de valores, oferece condições de sentir-se parte de uma comunidade que tem espaço nas ruas onde são reconhecidos plenamente seus direitos como cidadão, é o espaço simbólico da comunidade e deve ser recuperado com base na educação para o respeito da coisa pública e do bem comum.
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Nossas cidades excludentes prejudicam muito a vida de nossas crianças devido aos hábitos de vida e mobilidade atuais, esse grupo demográfico depende dos adultos para se locomover. Será necessário uma grande mudança para estimular e dar segurança para que nossas crianças possam se locomover pelas ruas a pé ou de bicicleta, tendo autonomia para desfrutar o espaço público. A bicicleta, segundo o relatório da ANTP de 2013 representa 4% dos deslocamentos nas regiões metropolitanas (16% nas cidades entre 60 mil e 100 mil habitantes), comparados a outros modais como motocicleta (4%), automóvel (27%) e transporte coletivo (29%). A bicicleta é utilizada no Brasil principalmente por famílias de baixa renda, e o norte e nordeste do país concentram a maior proporção de uso deste modal por ser uma alternativa de baixo custo se comparado com outros modais e mesmo ao transporte coletivo. Na cidade de Natal, segundo o Plano de Melhoria de Circulação Viária - Proposta Cicloviária da Cidade do Natal, publicado em 11 de agosto de 2015 4, a cidade possui deslocamento cicloviário acima de 900 deslocamentos com origem e destino dentro do próprio bairro, ou seja, 30% das viagens internas aos bairros. O percentual de deslocamento de bicicletas na cidade de Natal é de 4%, sendo realizadas cerca de 54.000 viagens de bicicletas todos os dias na cidade. O Brasil é o terceiro maior produtor mundial de bicicletas, com cerca de 5 milhões de unidades produzidas anualmente, atrás apenas da China e da Índia (MDT, 2015). Apesar desses dados, há ainda imensa carência de infraestrutura adequada para o deslocamento das bicicletas e o modal não é tratado no planejamento urbano de circulação. Também é inexistente a política de educação para a segurança e respeito tanto aos ciclistas quanto aos pedestres, o que contribui com o índice de graves acidentes envolvendo mortes e ferimentos no trânsito. Segundo o MDT (Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte), levando em conta o percentual de utilização, os modos não motorizados de transporte (pedonal e bicicleta) têm direito a um terço da via, espaço que deve ser destinado para calçadas e malha cicloviária de modo a atender a Lei 12.587/12. Segundo a publicação do MDT (2015) 5, para que as políticas de estímulo ao transporte por bicicleta aconteçam, são necessárias: 1) a criação de uma malha cicloviária (ciclovias, ciclofaixas) com instalação de paraciclos (estacionamentos das bicicletas) em áreas públicas (grifo nosso) e comerciais;
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Prefeitura do Natal. Plano de Melhoria de Circulação Viária - Proposta Cicloviária da Cidade do Natal, http://pt.slideshare.net/NatalPrefeitura/plano-ciclovirio-de-natal, 2015. 5 MDT (Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos; FNRU (Fórum Nacional de Reforma Urbana; IBDU (Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico). Mobilidade, Inclusão e Direto à Cidade – Novas Conquistas. Não consta cidade; 2015.. 12
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2) calçadas compartilhadas devidamente iluminadas e sinalizadas que permitam a integração com o transporte de massas e acesso a todos os cantos da cidade; 3) fiscalização por parte do poder público das ciclovias, ciclofaixas e outras estruturas, para que sejam respeitadas pelos usuários de carros; 4) campanhas de educação, que podem abarcar o modelo tradicional e também políticas mais arrojadas, como a inclusão de conteúdos referentes à bicicleta na formação de condutores e na grade horária escolar das crianças.
6.MOBILIDADE, UMA PROPOSTA PARA NATAL Natal, assim como a maioria das cidades brasileiras ainda tem tratado o tema da mobilidade urbana de maneira desarticulada, onde trânsito, transporte público coletivo, distribuição de bens e mercadorias, deslocamento de pedestres e ciclistas não são pensados em conjunto, e esse tratamento de forma fragmentada e desigual do sistema viário, com exclusão de setores da sociedade, viola os direitos dos cidadãos na medida em que os meios não motorizados estão à margem do planejamento. Mobilidade Urbana é a facilidade de deslocamentos de pessoas e bens no espaço urbano, tanto por meios motorizados quanto por meios não motorizados, portanto é o resultado da interação entre os deslocamentos de pessoas e bens com a cidade. Devemos considerar que a viagem começa no ponto de origem e se prolonga até o local de destino, incluindo deslocamentos a pé, utilização de meios motorizados ou não motorizados de transporte e a adequada disponibilidade de infraestruturas específicas, tais como calçadas, abrigos nas paradas de ônibus, semáforos e faixas de travessia de pedestres, ciclovias, integração nos sistemas de transporte, entre outras. Os desafios atuais são trabalhar temas como espaço urbano, qualidade de vida, inclusão social e meio ambiente de forma transversal às políticas de mobilidade. O transporte não motorizado é todo o transporte de pessoas ou mercadorias feito a pé, por meio de tração animal ou por veículos de tração humana como a bicicleta. Apesar das diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, expressas em duas importantes leis, a Lei nº 10.257/2001 - Estatuto da Cidade - Diretrizes Gerais e Instrumentos da Política Urbana, que estabelece a obrigatoriedade de Plano de Transporte Integrado para municípios com mais de 500 mil habitantes e a Lei nº 12.587/2012 - Mobilidade Urbana - Institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU) que obriga os municípios com mais de 20 mil habitantes a elaborar seus planos diretores e o Plano de Mobilidade Urbana integrado ao 13
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plano diretor ou nele inserido, o panorama dos modos não motorizados está longe de ser adequado. A Política Nacional de Mobilidade Urbana estabelece a prioridade aos modos de transporte não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado, mas o que vemos em Natal é uma situação crítica. As calçadas, quando existentes, perderam espaço físico para os carros e foram esquecidas como meio de circulação de pessoas. As ciclovias não são consideradas no planejamento dos transportes, e quando existem seu uso é majoritariamente focado no lazer e não na mobilidade urbana diária.
6.1 A FALTA DE ESPAÇOS ADEQUADOS E SEGUROS PARA PEDESTRES E CICLISTAS NA CIDADE DE NATAL Andando pela cidade de Natal constatamos a falta de cuidado e respeito aos pedestres e aos ciclistas. As calçadas, por uma questão cultural, são executadas “em nível” criando enormes dificuldades para o caminhar, portanto o pedestre disputa o espaço da rua com os modais motorizados e os ciclistas não possuem espaços seguros onde possam utilizar a bicicleta, ou seja, também disputam espaço de maneira desigual com os veículos automotores. São poucas as ciclovias ou ciclofaixas existentes na cidade, não são conectadas, ou seja, são trechos isolados e inadequados para o deslocamento cotidiano porque projetadas com enfoque no lazer; não são sinalizadas adequadamente e possuem uma série de obstáculos físicos que comprometem seu uso de maneira segura. Não há política de mobilidade urbana na cidade de Natal. Os órgãos responsáveis apenas atendem uma demanda de trânsito com ênfase ao modal motorizado individual, ou seja, essa é a lógica do privilégio e não a do direito. A mobilidade de pessoas, para o trabalho, educação ou lazer, tem que ser considerada um direito social, portanto deve fazer parte do conjunto de ações para o direito à cidade.
6.2 LEVANTAMENTO DE CAMPO Executamos uma levantamento de campo para fotografar alguns pontos da cidade, onde diversos problemas de mobilidade aqui descritos pudessem ser vistos in loco, no mês de fevereiro de 2016.
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Inserimos neste artigo algumas imagens que mostram a situação de descaso com que é tratado o tema da mobilidade urbana em Natal, principalmente a mobilidade de pedestres e ciclistas. As fotos foram tiradas de todas as regiões da cidade, portanto podemos perceber que os problemas que tem relação com pedestres e ciclistas ocorrem em toda a cidade, incluindo não somente bairros periféricos mas também bairros considerados com boa infraestrutura urbana, portanto onde moram pessoas com melhor poder aquisitivo. Apresentaremos as imagens como forma de reflexão sobre o problema e posterior proposta para mitigação dos mesmos. As imagens fotográficas nos mostram muito descaso e as consequências da cidade planejada para o transporte motorizado com ênfase ao veículo motorizado individual, ou seja o carro, o que exclui os demais do direito ao deslocamento de forma adequada e segura. Podemos perceber também que as calçadas sob responsabilidade dos proprietários, como está definido hoje em todo o Brasil, não podem mais continuar desta forma, pois não há um sentido cívico com relação a elas e não existe fiscalização por parte dos órgãos públicos. O espaço público não é respeitado como tal, portanto é considerado “espaço de ninguém”, sem nenhum cuidado tanto pelo poder público quanto pelos cidadãos, portanto um jogo de empurra que se torna um círculo vicioso enquanto não existir uma política pública adequada para o tema. 6.3 LEVANTAMENTO FOTOGRÁFICO Segue abaixo levantamento fotográfico executado no mês de fevereiro de 2016 onde mostramos diversos problemas de acessibilidade na cidade de Natal. Junto às fotografias inserimos um pequeno texto de identificação da imagem e destacamos os problemas encontrados.
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6.4 PROPOSTA CONCEITUAL Faremos uma proposta conceitual no intuito de melhorar a condição de pedestres e ciclistas nos bairros periféricos da cidade com foco inicial nas melhorias de acessibilidade de locais públicos. Nosso exemplo para o início deste processo será a escola pública. No momento ainda não definimos qual o objeto concreto, mas será muito provável a escolha de uma escola pública municipal localizada entre os bairros do Planalto, Pitimbu ou Cidade Esperança. Qual a importância da escolha do objeto? Nosso objetivo é qualificar a cidade com relação ao direito à mobilidade de pedestres e ciclistas com acessibilidade universal às edificações públicas ou espaços públicos através de regularização de calçadas e vias cicláveis no entorno de 600 metros de raio desses espaços, o que corresponde à escala do pedestre e do ciclista (10 minutos de caminhada). Acreditamos que deve-se dar início a um processo de mudança cultural a partir da escola pública, demonstrando e incentivando as próximas gerações o cuidado com a cidade, com o urbano, com o entorno: a cidade como extensão de sua casa, lugar de todos, de modo que possamos modificar a ideia de que o espaço público “não tem dono”, ele é o espaço de todos e devemos nos apropriar dele. Nesse sentido é que a escola se torna parte do processo, pois, citando Paulo Freire, “uma vez que se aceite a natureza política da educação, torna-se difícil aceitar as conclusões da classe dominante sobre o que ocorre aos que tem negados seus direitos. Quanto mais se nega a natureza política da educação, mais se assume o potencial moral de culpar as vítimas. (...) A alfabetização como forma de política cultural pressupõe que as dimensões social, cultural, política e econômica da vida cotidiana sejam as categorias primordiais para a compreensão da escolarização contemporânea” (Freire, 2011, p.142). Entendemos que a própria natureza da intervenção quando aliada à educação pode transformar o cotidiano. A ideia da “leitura do mundo, leitura da palavra” pode ser referenciada ao projeto, ou seja, podemos trabalhar a questão junto com a escola, desenvolvendo o aprendizado dos alunos com a atividade de intervenção em seu bairro, numa forma de apropriação política da realidade: “a liberdade precisa ser praticada”, segundo Foucault. O projeto portanto deve envolver os agentes locais na (des)construção desta realidade. “Pode-se com efeito falar dos processos de subjetivação quando se considera as diversas maneiras pelas quais os indivíduos ou as coletividades se constituem como sujeitos: tais processos só valem na medida em que, quando acontecem, escapam tanto aos saberes constituídos como aos poderes dominantes. (...) Acreditar no mundo 26
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significa principalmente suscitar acontecimentos, mesmo pequenos, que escapem ao controle, ou engendrar novos espaços-tempos, mesmo de superfície ou volume reduzidos. (...) É ao nível de cada tentativa que se avaliam a capacidade de resistência ou, ao contrário, a submissão a um controle. Necessita-se ao mesmo tempo de criação e povo” (Gilles Deleuze, 1992, p.218). Nossa proposta para essa intervenção na cidade depende da implantação de uma política pública de mobilidade humana na cidade. Percebemos pelas reflexões, visitas a campo e pelo conhecimento empírico da cidade de Natal, que há necessidade de criação de um órgão que gerencie a questão da mobilidade não motorizada, de pedestres, ciclistas, cadeirantes, cegos entre outros. Sugerimos portanto a criação de um departamento na própria Secretaria Municipal de Transporte e Mobilidade Urbana (STTU) que tenha o papel de realizar pesquisas de campo, fazer propostas de projetos, executar parte das propostas (conforme sua abrangência), aprovar projetos de terceiros (tanto públicos quanto privados) e fiscalizar. E como experiência para o início do processo pode-se utilizar uma proposta de acessibilidade, num primeiro momento, a uma escola pública municipal. Essa proposta inicial pretende abranger os seguintes itens (dentro do limite de 600 metros de raio), que podem ser alterados conforme o aprofundamento que se dará ao tema: 1) Eliminar obstáculos nas calçadas, atendendo a NBR 9050/2004 adequando-se da melhor maneira possível à realidade local; 2) Alargar calçadas no local de travessia na frente da escola e executar a passagem de pedestres em nível; 3) Instalar sinal sonoro de travessia para portadores de deficiência visual; 4) Pintura de faixa de travessia de pedestres no meio da quadra quando sua extensão for maior que 50 metros; 5) Pintura de faixa de pedestres em todos os cruzamentos de vias coletoras, arteriais e de trânsito rápido; 6) Baixar o limite de velocidade das vias de trânsito rápido para 60km/h (atualmente 80km/h), vias arteriais 50km/h (atualmente 60km/h) desde que as calçadas estejam em proporção adequada à via correspondente. Caso a calçada tenha largura inferior a 1,50metros a velocidade deve ser reduzida em 10km/h abaixo do limite proposto acima, para segurança de pedestres.
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7) Tratamento adequado às entradas de águas pluviais nas lagoas de captação de maneira a permitir a circulação de pedestres em dias de chuva. Sugerimos a drenagem adequada através de captação desta água nas regiões mais próximas às lagoas evitando que a rua se torne “um rio” nos dias de chuva; 8) Construção de calçadas ao redor das lagoas de captação; 9) Construção de ciclovias nas vias de trânsito rápido, ciclofaixas nas arteriais e coletoras, ciclorrotas ou rotas cicláveis nas vias locais, onde o limite de velocidade deve ser de 30km/h, com sinalizações horizontais e verticais adequadas; 10) Construção de paraciclos ou bicicletário na escola, conforme espaço disponível e necessidade local; 11) Incluir o estudo do “espaço urbano” no processo pedagógico da escola, com atividades relacionadas ao uso da rua, a bicicleta e o respeito ao pedestre.
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