Revista Campus APG-ESALQ

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#imagensdocampus

Aluna utiliza microscópio ao lado de mais 30 mil espécies de plantas presentes no Herbário na ESALQ.

valorizo a oportunidade que é dada aos alunos de conviver com pesquisadores respeitáveis, os quais têm construído a pesquisa científica na área de ciências agrárias e biológicas, ao longo desses 50 anos. Maria Lucia Carneiro Vieira Professora do Dep. de Genética


Universidade de São Paulo Reitor Marco Antonio Zago Vice-reitor e Vice-reitor Exec. de Adm. Vahan Agopyan Vice-reitor Exec. de Relações Intern. Raul Machado Neto

Editorial

Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” Diretor José Vicente Caixeta Filho Vice-diretora Marisa Ap. Bismara Regitano d’Arce

Associação dos Pós-Graduandos da ESALQ/USP Coordenação Geral Berenice K. de Alcântara Secretaria Carlos Eduardo Oltramari Tesouraria Sueli Rodrigues Maisa Honório Belizário Assessoria de Comunicação Fábio Cleisto Alda Dossi Carlos Eduardo Oltramari Assessoria de de Cultura e Desporto Manuella Nóbrega Dourado

Revista Campus APG - ESALQ Coordenação Mônica Regina Franco Jornalista Responsável Carlos Zaguetto Neto (mtb: 54.482/SP) Projeto Gráfico e Diagramação Carlos Zaguetto Neto Redação e Artigos de Colaboradores José Vicente Caixeta Filho Maria Lúcia Carneiro Vieira Carlos Zaguetto Neto Revisão e Edição Anderson Oliveira Carlos Zaguetto Neto Mônica Regina Franco Associação dos Pós-Graduandos da ESALQ/USP Av. Pádua Dias, 11 - Caixa Postal 9 13.418-900 - Piracicaba/SP www.apgesalq.org.br secretaria@apgesalq.org.br

É uma honra especial poder usar deste espaço da Revista Campus APG/ESALQ. Trata-se de uma publicação importante em que se preza pela discussão constante, envolvendo toda a comunidade acadêmica, sobre temas voltados a política, cultura, ciência, tecnologia e sociedade, dentre outros. Estamos vivenciando momentos de máxima alegria: alunos de pós-graduação que sistematicamente têm se empenhado para alcançar um objetivo nobre ao longo dos anos; uma sociedade repleta de expectativas em torno de profissionais ainda mais bem qualificados. Esta sociedade quer valorizar cada vez mais os profissionais, como dizem, “diferenciados”. Que trabalhem forte e com muito entusiasmo e qualidade; que tenham a humildade de reconhecer que as oportunidades de aprendizado existirão sempre; que saibam tomar decisões! A Universidade de São Paulo e a nossa ESALQ, que neste ano de 2014 celebra os seus 50 anos de PG, se orgulham em poder participar desse momento tão importante para uma sociedade ainda bastante carente de profissionais diferenciados. Profissionais que vão se pautar pela ética, pela qualidade, pela responsabilidade social e ambiental, pela vida. Desafios diversos que o nosso profissional diferenciado que passa pelos nossos diversos cursos de pós-graduação enfrentará com serenidade porque estará fazendo o que gosta, com dedicação e com muito amor. Prof. José Vicente Caixeta Filho Diretor da ESALQ/USP Revista Campus APG | página 03


sum #PósGraduaçãoSanduíche - pág 14

#Entrevista: Prof. Marcos Sorrentino - pág 6

#Matéria: Prêmio Dow - pág 28

#EstrangeirosNaESALQ - pág 18


ário #AvaliaçãoDaPósGraduação - pág 26

#Reportagem:

#Artigo:

Prof. Rodolfo Hoffmann

50 anos da PG

- pág 30

- pág 36

#Cobertura:

#Reportagem:

Workshop PAE

Fé e Razão

- pág 34

- pág 38


#entrevista_marcossorrentino

A ambientalização da educação e suas barreiras O professor Marcos Sorrentino, atualmente, trabalha no desenvolvimento de políticas públicas para a educação ambiental, no Ministério da Educação (MEC), em Brasília (DF). Na ESALQ, coordena o Laboratório de Educação Ambiental (OCA). Em conjunto com o professor Dr. Miguel Cooper, elaborou o Programa Universitário de Educação Ambiental para o Campus “Luiz de Queiroz” (Puea). Nesta entrevista, ele fala sobre os desafios para a implementação de uma educação que se volte para a reflexão, em detrimento do modelo tradicional, que privilegia o simples repasse de conteúdo aos estudantes. Sorrentino ainda revela a posição da educação brasileira em relação à educação ambiental e aborda as políticas públicas que poderão ser adotadas no processo de ambientalização da educação.

De acordo com o Programa Universitário de Educação Ambiental para o Campus Luiz de Queiroz (Puea), o processo de educação ambiental deve envolver os alunos em todas as dimensões da universidade, ensino, pesquisa, extensão e gestão. Qual é maior barreira para que isso aconteça? A maior barreira para que isso aconteça é a incipiente compreensão sobre os processos educadores complexos, que não exigem apenas a transmissão de conteúdo. Então, para que nós façamos uma educação ambiental, uma educação para a sustentabilidade e um processo de ambientalização do cur-

rículo da ESALQ é muito importante que exista um diálogo entre os docentes, entre os estudantes e os servidores, no sentido de compreender que a questão da ambientalização não se limita a transmissão de novos conteúdos relacionados à conservação do meio ambiente e processos de preservação. Isso é importante, mas não é suficiente. É necessário que nós visitemos as causas da degradação sócioambiental que vivemos hoje para definirmos conceitos, valores e métodos que sejam coerentes com a superação das causas da degradação. Por exemplo, um dos conceitos, que é um valor que está na base da degradação ambiental, é a falta


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“Geralmente, as pessoas lavam as mãos. Eles dizem que é papel do governo ou dos outros, mas não sua responsabilidade.”

de diálogo entre as pessoas. E, com isso, há pouca participação, comprometimento com o bem comum e compreensão do papel de cada um para a melhoria do todo. Geralmente, as pessoas lavam as mãos. Eles dizem que é papel do governo ou dos outros, mas não sua responsabilidade. Para que elas assim assumam a responsabilidade de manter o planeta, o que não é uma responsabilidade trivial, é necessário que elas se sintam incluídas no processo. E estes somente se sentirão incluídos no processo se forem promovidos processos dialógicos radicais, que são aqueles que dão oportunidade para a pessoa se colocar de corpo e alma na solução de um problema. Os processos dialógicos são aqueles que estão na contramão do comportamento nazista que Hannah Arendt relatou no seu livro, sobre o julgamento de Eichmann, que agora virou filme. Ela, ao contrário do que toda comunidade dela esperava, não fez uma condenação daquele nazista alemão, que foi capturado na Argentina e levado para Israel no começo dos anos 70, Arendt mostra que ele não se questionava sobre o que significava o carimbar a morte de milhões de pessoas que iam para as câmaras de gás. Então essa reflexão de Arendt vem no esteio de uma reflexão de um outro judeu, chamado Martin Buber, que, na verdade, é um convite para fazermos um diálogo em profundidade, para que antes de qualquer carimbar possamos pensar no que estamos fazendo. Hoje, 1 bilhão de pessoas passam fome, 1,4 bilhão não tem água disponível na quantidade e qualidade suficientes. Passa-se fome não por falta de alimentos no planeta. Há um pacto mal feito, para que não se torne indecente a gente conviver com alguém passando fome no planeta. Não há problema em ser capitalista, defender as ideologias liberais, no sentido de cada um ganhar de acordo com a sua inteligência e contribuição. Mas todos nós precisamos nos indignar de

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estar em um planeta onde há pessoas que passam fome e pessoas degradadas pelo crack, como vemos em várias cidades, como a de São Paulo. Portanto, o cuidado com o outro e com a vida é uma responsabilidade de todos. E, para que isso ocorra, é necessário que todos conversem consigo próprio, conversem com o outro, dialogue sobre: Quem eu sou? Porque eu existo? O que estou fazendo aqui? Como é que eu posso contribuir para a solução da degradação socioambiental? E, ao fazer isso, eu começo a encontrar o questionamento sobre: Será que eu posso carimbar? Eu posso jogar este resto de comida que eu coloquei a mais no meu prato? Será que eu não deveria ter colocado menos comida no meu prato? Será que eu posso contribuir para a redução da perda de alimentos na lavoura? Seja desenvolvendo uma máquina mais eficiente ou trabalhando com os agricultores para que eles tenham processos mais aprimorados de coleta, armazenagem e transporte? Então, existem muitos procedimentos que podem ser feitos se eles forem deflagrados por um diálogo que cada um faz consigo mesmo, com os outros, e dialogando também com a natureza, com Deus, para quem tem alguma crença de algo que vá além da matéria, que faz a pessoa acessar os seus valores e sentimentos. Um nazista alemão carimbava pois era a sua obrigação. Ele não estava se importando se seres humanos estavam indo para morte, e, no julgamento, ele responde que estava somente cumprindo com a sua obrigação, dizendo que era só uma peça na engrenagem, mas nós não queremos que as pessoas sejam alienadas. Então o conceito de diálogo é algo que precisa ser visitado com profundidade, para que a gente visualize como podemos trazer esse conceito para a grade curricular da ESALQ. O exemplo do princípio do diálogo já demonstra que tipo de ambientalização curricular nós estamos falando, que não é só mudar o conteúdo, mas é uma postura di-


alógica, que precisa ser adotada, o que não é uma receita de bolo. Não adianta dizer que o professor, antes de começar a aula, deve aplicar técnicas de diálogo, sem estar imbuído do saber da importância do diálogo. Senão, ele irá fazê-lo mecanicamente, para depois apenas recitar conteúdo sem que seja percebido que o estudante esteja realmente compreendendo e interagindo. Essa mudança não é trivial, pois nós somos educados dentro de um processo onde o nosso papel como professor é falar do nosso douto e saber recitar sobre aquilo. Outro fator negativo, com o qual ficamos assustados, é quando entramos em processos dialógicos interativos e negligenciamos com conteúdo que seja importante para serem disponibilizados aos estudantes. Então, encontrar o exato tamanho do que é possível fazer nessa transição, de uma aula expositiva monólogica para um processo aprendente na complexidade que significa a questão ambiental, é um processo que vai exigir com que a gente se abra com o outro, ou seja, converse. A educação ambiental prega a sustentabilidade no âmbito das pesquisas. No Puea, este quesito está presente na Diretriz de Ambientalização da Pesquisa. Entretanto muitas pesquisas estão calcados em temas tradicionalmente insustentáveis ao meio ambiente, como os transgênicos, monocultura, entre outros. Em sua opinião, a educação ambiental nada contra a correnteza? Eu acredito que nada contra a correnteza certamente, porque ela busca novas formas para o processo de ensino aprendizado e extensão universitária, apesar de alguns grupos de extensão já aplicarem os conceitos de ambientalização em seus processos de aprendizado. No entanto, quando a gente fala de pesquisa, não basta nós falarmos da forma que é feita, embora também seja importante que o professor consiga em

seu laboratório, ou no núcleo de pesquisa, aglutinar as pessoas entorno do desafio de produzir conhecimento e não meramente como cumpridores de tarefas. Assim, ele já estará fazendo um papel absolutamente diferenciado em termos de educação ambiental e ambientalização, isso está na forma de fazer uma pesquisa. Teremos também a questão do conteúdo. É possível fazer educação ambiental pesquisando transgênicos, monocultura de cana ou bovinocultura para alimentar os carnívoros do planeta, sem que se questione o excesso de carne que consumimos hoje e os impactos que cada atividade acarretará no ambiente? Eu acredito que não, e é necessário que todos esses temas sejam problematizados, porém, não significa que precisam ser extintos. Muitos pesquisadores têm a sua história de vida na pesquisa da monocultura da cana e da bovinocultura. E não significa que iremos dizer que essas pesquisas não são validas, e que esses professores não poderão ser educadores ambientais. Muito pelo contrário, é deles principalmente que precisamos essa adesão no sentido do questionamento da obviedade. Por que todos os seres humanos precisam comer carne duas vezes por dia? É impossível sustentarmos 7 bilhões de carnívoros do planeta. Há uma necessidade de buscar outros mecanismos além do que já é pesquisado, como a otimização do uso dos pastos, meios para conseguir uma maior produtividade, o que é importante para conter o desmatamento. Mas, além disso, nós precisamos de um professor que questione além da obviedade da monocultura, sabendo que isso não se muda rápido, pois estamos em uma economia fundamentada em commodities, entre outros quesitos da agricultura moderna. Precisamos fazer uma transição para valorizar a agricultura familiar, e o Brasil é um bom exemplo disso, aqui se criou, além do Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária e AbasteciRevista Campus APG | página 09


“hoje é imoral você falar que vai vender um escravo na feira, mas ainda não é imoral você vender um cachorro”.

mento), o MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário), que é mais focado no fortalecimento e valorização da agricultura familiar, para que se tenha, com a policultura, uma maior possibilidade de se trabalhar com alimentos orgânicos. Um outro exemplo é o de Ignacy Sachs, economista reconhecido no campo socioambiental, que cunhou o conceito de “ecodesenvolvimento”, sobre o qual estive presente em uma palestra ocorrida há cinco anos, na qual afirmara que é possível que tenhamos uma grande monocultura de cana sustentável, ou mais sustentável que a cultura atual. Mas, para isso, é preciso investir pesadamente em aproveitar todos os subprodutos da cana. Ao aproveitar todos os subprodutos da cana, você está se tornando mais sustentável que antes. Todavia, muitos de nós, ambientalistas, não concordamos porque não achamos suficiente, pois isso não é enfrentar as raízes da degradação, que está na concentração de terras, na falta de reforma agrária, da concentração exagerada da população nos ambientes urbanos. Então precisamos revalorizar o rural, mesmo que haja uma concentração de pessoas no núcleo, mas com uma economia rural fortalecida. Que permita a essas pessoas viverem da terra e não migrar para as periferias urbanas, formando favelas, com a finalidade de arrumar emprego, seja na indústria, ou em sub-empregos, como catadores de lixo reciclável na rua, ou qualquer outra atividade pouco valorizada pela sociedade. Então, é um complexo de procedimentos que precisam ser adotados para que nós possamos caminhar na direção da sustentabilidade, ou de uma educação comprometida com a sustentabilidade ambiental. Portanto, seria leviano da minha parte afirmar que uma linha de pesquisa sobre abate de bovinos não pode ser ambientalizada. Recebi em Brasília, no Ministério da Educação, um grupo do Ministério da Agricultura e da WSPA (World Society

for the Protection of Animals), que é uma organização não-governamental que trabalha com abate humanitário. E, sobre este tema, eles produziram uma série de vídeos e apostilas, para difundir nas escolas de veterinária, agronomia e zootecnia, estimulando os estudantes a buscar formas de abate que façam o animal sofrer menos. Contudo, sem abandonar o mote hegemônico presente hoje em nossa sociedade, que é o abate em larga escala. Só o fato de a pessoa parar para refletir sobre o sofrimento do animal, ou o que ele pode fazer para melhorar a qualidade da carne e do leite, em relação ao resultado de todo o estresse que o animal sofre durante o abatimento, já é um primeiro passo. A nossa esperança é que, ao darmos esses passos, que é o de considerarmos os outros seres que coabitam em nosso planeta como seres sencientes, que têm direito à vida e que possuem sensibilidade, possamos ter consideração e cuidado com eles, sem mudar os nossos hábitos alimentares. É necessário que a gente comece a pensar também porque que temos tantos animais servindo apenas ao gosto humano. Por exemplo, algum tempo atrás, era inadmissível que se questionasse a utilização de casacos de pele de animais, mas hoje, quem usa, o faz de forma constrangida, pois ficam preocupados por estarem fazendo algo ecologicamente e politicamente incorreto. Da mesma forma, era impensável, alguns anos atrás, considerar que índios, negros e mulheres tivessem os mesmos direitos que os homens brancos adultos, mas com o passar dos anos, os direitos foram dados a todas essas pessoas, e hoje é imoral você falar que vai vender um escravo na feira. Mas ainda não é imoral você vender um cachorro na feira. Eu acredito que a evolução da ética e dos pactos entre os humanos vão nos levar a outros comportamentos em relação aos seres que coabitam no planeta, até mesmo em relação às árvores e plantas, e isso irá significar novas


pactuações. Nós temos que alimentar 7 bilhões de humanos, mas existem projeções que vão de 10 para 12 bilhões em um futuro próximo, e, uma boa forma para alimentá-los, é cortando a planta e matando o bicho. Não podemos querer ser como Gandhi, nos alimentando apenas de sementes e leite de cabra, mas podemos impactar menos. Essa mudança não irá somente significar uma mudança nos conteúdos que serão ensinados, como, por exemplo, da polêmica questão da transgenia, que precisa ser discutida, mas nessa discussão não está sendo aplicado um princípio básico, que é o princípio da precaução do direito ambiental, que sinaliza que enquanto não tivermos segurança nos impactos que a transgenia pode causar na saúde e no ambiente, não podemos adotá-la da forma liberal que estamos adotando. A educação superior brasileira está preparada para realizar a transição de uma cultura educacional voltada à lógica do mercado para uma cultura voltada à ambientalização do conhecimento e as aplicabilidades desse conhecimento? A educação brasileira, se vista enquanto a postura dos seus servidores e gestores públicos, em geral, não está preparada para isso. Mas, se vista de acordo com a demanda da sociedade, está. Existe uma demanda, uma insatisfação que transborta das salas de aula, dos meios de comunicação de massa, dos antidepressivos que as pessoas tomam, que expressam esse descompasso da incapacidade da educação responder a todos esses desafios que a questão ecológica socioambiental nos traz. Nós como frutos de um processo educador que nos colocou

a obviedade de formar as pessoas para a profissionalização, para o mercado, precisamos aprender a fazer essa transição. E, ao mesmo tempo, não deixar de responder a essa expectativa de formar pessoas para o mercado e para a profissão. Mas trazer os germens da insatisfação para um diálogo que permita começarmos a delinear novas trilhas que deem conta dos novos desafios que nos são apresentados. Eu tenho tido a oportunidade de acompanhar, no MEC, que as universidades brasileiras, as escolas brasileiras e os municípios aspiram por alternativas de maior sustentabilidade para a gestão cotidiana. O que nós precisamos é encontrar respostas mais objetivas para que isso aconteça. E essas respostas objetivas podem acontecer por editais que financiem iniciativas inovadoras. Encontrei-me com o presidente do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), o professor Glaucius Oliva, que expressou com todas as letras a necessidade de fomentarmos pesquisas aplicadas que realmente dão respostas aos desafios socioambientais. Portanto, quando temos instrumentos de políticas publicas que possibilitem essa transição, fica mais fácil, pois não há mais tempo de continuarmos com medidas pontuais. Apesar de serem frutos da boa vontade das pessoas, como levar a sacola de pano ao invés de pegar uma sacola plástica e diminuir o consumo de água, por exemplo. Apesar de serem iniciativas importantes, não são o suficiente. Nós precisamos de medidas estruturantes e de políticas estruturantes, o que significa pensar quais são os instrumentos de política pública para fomentar essa mudança de cultura, essa transição.

“Nós precisamos de medidas estruturantes e de políticas estruturantes” O financiamento, através de editais das agências de fomento a pesquisa, é um instrumento de política pública, assim como o zoneamento ecológico econômico, a fiscalização, o licenciamento, a educação e a informação. São todos instrumentos de políticas públicas que podem e precisam ser mobilizados para fazer essa transição para o caminho da sustentabilidade. Existem condições para isso. Apesar de ainda ser muito precário o processo de formação do universitário para atuar com políticas públicas, já existe uma massa crítica de estudantes disseminada pelo sistema universitário brasileiro, pelas agências de pesquisa que compreendem essa necessidade de se trabalhar na formação de profissionais que tenham a capacidade de atuar com políticas públicas estruturantes. E não apenas com medidas pontuais para se resolver problemas específicos para os quais o profissional foi contratado. Portanto, precisamos investir mais neste sentido, e precisamos ter mais espaço no currículo escolar, na formação dos pós-graduandos em especial, para que eles tenham repertório capaz de responder a essa demanda que o serviço público possui. Mas não têm pessoas capacitadas na quantidade suficiente para implantar. Revista Campus APG | página 11


#pósgraduaçãosanduíche

Há vagas e

desafios


Tatiane Loureiro da Silva, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Fisiologia e Bioquímica de Plantas da ESALQ/USP, viveu o sonho de milhares de acadêmicos: realizar parte da pesquisa no exterior. Durante seis meses de seu doutorado, ela radicou-se na cidade de Davis, onde está localizado o campus da Universidade da Califórnia, considerada a mais bem conceituada na área de ciências agrárias. Neste período, Tatiane conduziu parte dos experimentos relacionados à sua pesquisa, cujo objetivo era obter plantas transgênicas de laranja doce resistentes à insetos causadores de doenças.


A oportunidade de fazer sua pesquisa no exterior foi fundamental para Tatiane, pois, na universidade norte-americana, os estudos nesta linha estão avançados em comparação aos realizados no Brasil. “É uma experiência que te engrandece em vários aspectos, seja científico ou cultural”, enfatiza. No caso da pesquisadora e de muitos universitários, esta experiência só foi possível devido ao apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), uma das principais agências de fomento da pósgraduação stricto sensu do Brasil, que, além da verba mensal para despesas correntes, inclui passagens aéreas e verba para aquisição de plano de saúde. Para Tatiane, tal apoio é essencial, uma vez que o custo de vida nos Estados Unidos é alto, especialmente as despesas oriundas da saúde, alimentação e moradia. De acordo com o diretor de Programas e Bolsas da Capes e professor associado do Departamento de Genética da ESALQ, Márcio de Castro e Silva, o estágio no exterior é visto pelas agências de fomento à pesquisa como fundamental para a formação do doutor pesquisador, o que reflete no número de bolsas concedidas ao longo dos anos, principalmente após o início do programa do governo federal Ciências sem Fronteiras (CsF). Segundo ele, a diferença do fomento do estágio no exterior antes do CsF é basicamente a escala. “É um salto sem precedentes; nós tínhamos de 4 a 5 mil bolsistas no exterior, agora temos em torno de 43 mil, entre bolsistas da Capes e do CNPq”, afirma. O diretor da Capes também ressalta a estrutura organizada para atender a escala do programa que mobilizou não apenas as universidades, mas embaixadas ao redor Revista Campus APG | página 14

Diretor de Programas e Bolsas da Capes, Prof. Dr. Márcio de Castro e Silva

do mundo. “Para qualquer chefe de Estado que vem ao Brasil, o CsF é pauta obrigatória no encontro, da mesma maneira quando a presidente Dilma vai ao exterior”, declara. Um movimento contrário também está acontecendo nas universidades brasileiras para receber pesquisadores de fora, observa Castro. Ele ainda realça o benefício da procura de programas internacionais pelos programas de pós-graduação no Brasil com a finalidade de formar parcerias, assim como alunos estrangeiros escolhendo as universidades brasileiras para cursar a pós-graduação, ou parte do projeto de pesquisa.

“É no campo das ideias que acontecem as maiores transformações devido à mudança de pensamento crítico sobre a pesquisa”

Benefícios

O engenheiro agrônomo Tiago Tezzoto começou sua jornada acadêmica no exterior ainda na graduação, época em que estagiou por seis meses no Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), sediado na Universidade do Mississippi, no campus de Oxford. Atualmente, Tezzoto é doutorando do Programa de Fitotecnia da ESALQ/USP e passou pela sua segunda experiência no exterior, mas desta vez na Universidade do Missouri, no campus de Columbia. Tiago, que pretende seguir carreira acadêmica, conta que um dos benefícios do período no exterior foi a oportunidade de identificar futuros colaboradores. O pesquisador comenta que, desde o princípio, obteve o apoio do professor Joe C. Polacco, que o recebeu na universidade norte-americana. O docente também colaborou na elaboração da proposta de pes-


Berenice (com luvas brancas), reunida com outros pesquisadores no laboratório na Ohio State University.

quisa, auxiliando no delineamento e nas avaliações que seriam realizadas no decorrer do experimento, expõe Tiago. O pesquisador também ressalta a imersão que viveu na universidade em Columbia no tema em que estuda, o que lhe permitiu obter melhores resultados e diferentes habilidades, através de seminários diários com pesquisadores visitantes de outras universidades, como também integrantes da própria equipe. O coordenador do Laboratório de Genética Molecular do Departamento de Fitopalogia da ESALQ/ USP, Luis Eduardo Aranha Camargo, relembra que perguntou a uma aluna recém-chegada de um laboratório na Itália quais foram as vantagens dessa temporada no exterior. Prontamente, a aluna respondeu que foram as facilidades tecnológicas providas pelo laboratório, como um robô pipetador. Entretanto, após ponderar, ela acrescentou que a experiência de vida e profissional era a maior recompensa,

pois, no exterior, ela pôde conhecer um novo laboratório, com métodos e softwares diferentes, entre outras coisas. “Ao passar pela experiência de morar e pesquisar no exterior, o aluno sai da esfera de pesquisa brasileira para entrar no âmbito global”, afirma Iran José Oliveira da Silva, professor associado do Departamento de Engenharia de Biossistemas da ESALQ/ USP e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Ambiência (Nupea). “É no campo das ideias que acontecem as maiores transformações, devido à mudança de pensamento crítico sobre a pesquisa, e isso sem falar no banho de cultura e vivência”, ressalta. No Nupea, o professor Iran auxilia todos seus alunos para que eles possam obter uma experiência exitosa no exterior. De acordo com ele, 40% dos pesquisadores que orienta estão envolvidos na modalidade sanduíche. Ele ainda assegura que, em breve, 90% a 100% dos alunos do núcleo estagiarão em outros países.

Campus da Universidade da Califórnia em Davis EUA.

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Vagas e desafios “Não vai quem não quer!” Essa afirmação é unânime entre os professores da ESALQ entrevistados para essa matéria. “Estamos vivendo dias de glória para a internacionalização da pesquisa com os programas dos governos federal e estadual”, afirma o coordenador do Nupea. Contudo, ainda há vagas não preenchidas na maior escola de agricultura da América Latina. De acordo com o professor Aranha, duas bolsas sanduíche não foram preenchidas no ano de 2013 no Departamento de Fitopatologia da ESALQ. Para o docente, tal fato é consequência da falta de uma cultura de planejamento, tanto por parte do orientador quanto do aluno. Segundo ele, a escolha do local onde o aluno irá fazer parte de sua pesquisa é uma das etapas mais importantes do planejamento e isso é papel do orientador, que deve ter intimidade com o grupo de pesquisa no exterior para enviar seu orientando em um projeto em andamento, de maneira que acrescente benefícios para ambos

“O estágio deve servir à tese, e não a tese ao estágio”

Prof. Dr. Luis Eduardo Aranha, Presidente da Comissão de Pós Graduação na ESALQ/ USP

os lados. “Vemos muitos alunos irem sem planejamento e acabarem por mudar a tese”, alerta o professor Luis Eduardo, em relação ao “casamento” mal feito entre o projeto de pesquisa e o estágio no exterior, o que resulta em mais malefícios do que benefícios. “O estágio deve servir à tese, e não a tese ao estágio”, dispara. Mas, mesmo com todo o planejamento possível, imprevistos acontecem e a engenheira florestal Berenice Kussumoto de Alcântara teve que enfrentá-los. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação Internacional de Biologia Celular e Molecular Vegetal, uma parceria entre a USP, a Universidade do Estado de Ohio e a Universidade do Estado de Nova Jersey, ela alega que problemas surgiram quando estava no exterior. A engenheira destaca o auxílio que obteve da universidade de Ohio para realizar mudanças em seu experimento e que a cultura no laboratório onde estava foi preponderante neste processo. A doutoranda ainda conta que, no laboratório onde trabalhou,

era realizada uma reunião semanal para apresentação de resultados parciais, mesmo os negativos, para que os membros da equipe pudessem cooperar com os trabalhos de seus pares, propondo soluções para os problemas na condução da pesquisa. “Com esses seminários, acredito que aprendi a ouvir melhor e tirar proveito das críticas”, relembra. Apesar do grande desafio enfrentado pela doutoranda no exterior, os obstáculos começaram a aparecer ainda em solo nacional, quando se preparava para pleitear a bolsa que a financiou na empreitada. “O maior desafio para conseguir essa bolsa foi o inglês. Tive que estudar muito para conseguir o mínimo de pontos necessários para me candidatar a ela”, conta. Quem também enfrentou dificuldades foi Ricardo Gava, doutorando do Programa de Irrigação e Drenagem da ESALQ. O engenheiro agrícola, que também fez intercâmbio na Universidade da California, conta que optou por fazer sua temporada no exterior com a duração de um ano, para que pudesse melhorar o idioma


Prof. Dr. Iran José Oliveira Silva, coordenador do Nupea

inglês. Entretanto, ao voltar para o Brasil, Gava não conseguiu prorrogar sua bolsa de doutorado, já que havia ultrapassado o prazo normal do seu programa de bolsas da Capes. “Então comecei a pensar: valeu a pena ficar um ano fora?”, relembra ele, que teve de terminar de redigir sua tese sem auxílio financeiro. O pesquisador adverte que o calendário das universidades in-

ternacionais são diferentes das brasileiras e aconselha os candidatos a checarem o período de férias das universidades das quais farão o intercâmbio. “Para que não passe seu tempo de intercâmbio em uma universidade fantasma.” Gava também ressalta um planejamento maior para quem não possui um nível elevado de inglês: “Se preparem para passar um ano, pois muitos alunos levam entre um e três meses para se adaptar ao

idioma”. Para o professor Iran, o segundo idioma é, de fato, o maior desafio enfrentado pelos alunos. Mas pode ser também o maior ganho, pois dominar um idioma não nativo pode aprimorar a percepção vivencial do aluno para lidar com problemas diferentes.

Bolsas Oferecidas no Brasil 1) BOLSAS CONCENDIDAS POR ENTIDADES OFICIAIS BRASILEIRAS Capes Agência de fomento do governo federal que oferece uma série de bolsas para vários países, especialmente em nível de doutorado, pós-doutorado e estágios no exterior. Mais informações: http://www.capes. gov.br/bolsas/bolsas-no-exterior CNPq Vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, financia bolsas para doutorado sanduíche e doutorado pleno no exterior. Mais informações: http://www.cnpq. br/web/guest/apresentacao13 Ciência sem Fronteiras Até 2015, o programa pretende conceder mais de 45 mil bolsas de pós-graduação para os brasileiros.

Para o doutorado sanduíche (parcial), e o doutorado pleno no exterior, o candidato interessado pode conseguir a bolsa apenas com o diploma de graduação. Mais informações: http://www.cienciasemfronteiras.gov.br/web/csf/ pos-graduacao-doutorado Fapesp A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo também oferece auxílio para a realização de estágios de pesquisa para bolsistas de pósdoutorado. Mais informações: http://www. fapesp.br/bolsas

2) BOLSAS CONCEDIDAS POR FUNDAÇÕES, INSTITUTOS E ONGs NACIONAIS

Fundação Estudar Criada em 1991, a Estudar concede bolsas para alunos brasileiros realizarem mestrado e doutorado no exterior. Mais informações: http://www. estudar.org.br/programadebolsas/ Fundação Lemann O Programa de Talentos Lemann Fellowship oferece bolsas de estudos parciais e integrais em universidades de ponta, como Harvard e Stanford. Mais informações: http://www.fundacaolemann.org.br/fellowship/ Instituto Ling Sediado em Porto Alegre, o Ling já distribuiu, através de seus programas, 178 bolsas de estudo de pós-graduação em conceituadas universidades do mundo. Mais informações: http://www.institutoling.org.br/?page_id=55

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#estrangeirosnaesalq

Longe de casa C

om um sonho na bagagem e uma oportunidade fora do país natal, mais de 1.400 alunos estrangeiros desempenham atividades acadêmicas nos 239 programas de pós-graduação da Universidade de São Paulo. Eles estão espalhados pelas sete cidades, onde ficam os 11 campus da USP, no interior do Estado e na capital. Em Piracicaba, onde está sediada ESALQ, mais de 1,1 mil alunos estão matriculados nos 20 programas de pós-graduação oferecidos no campus. E, dentro deste universo, apenas são 62 estrangeiros, o que correspende a 0,2% do total dos alunos da pós-graduação. Muito abaixo da média da USP, que é de 4,26% de quase 100 mil alunos, entre graduação e pós-graduação. Membro da maior comunidade estrangeira na ESALQ, Nelson Casas Leal, doutorando do Programa de Genética e Melhoramento de Plantas, é um dos 25 colombianos que estão realizando a pós-graduação no campus da USP, em Piracicaba. Ele conta que deixou para trás o conforto de casa e a proximidade com família e amigos em busca de melhores oportunidades no Brasil. Revista Campus APG | página 18


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Da esquerda para direita: Eleonora Zambrano; Nelson Casas Leal; Wilfrand Bejarano.

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“Eu tenho o sonho de me formar na melhor escola de agricultura da América Latina”, afirma Nelson, que revela nunca ter se sentido estrangeiro no país. Ele sempre contou com o apoio dos amigos brasileiros, assim como dos colombianos, que já conhecia antes de vir ao Brasil e que estão em Piracicaba pelo mesmo motivo. Para o pesquisador, nascido em Cubará, extremo nordeste da Colômbia, vir ao Brasil, além de permitir um maior crescimento profissional devido a melhores recursos, tanto em infraestrutura quanto em apoio aos pós-graduandos, representa uma importante experiência pessoal. “Temos que lidar com diferentes culturas e

idiomas”, conta. A falta de apoio ao ensino de pós-graduação também fez Eleonora Zambrano Blanco sair da Colômbia. Companheira de Nelson no Programa de Genética e Melhoramento de Plantas, a engenheira agrônoma de Santiago de Cali, explica que o acesso às bolsas em seu país é diferente do sistema brasileiro, pois, na verdade, é uma forma de crédito estudantil, a qual utilizou para fazer o mestrado na Universidade Nacional da Colômbia. “Para fazer o mestrado foi necessário um investimento de aproximadamente R$ 30 mil”, calcula a pesquisadora. Zambrano conta que escolheu o Brasil, mais especificamente a


ESALQ, por ser uma universidade reconhecida internacionalmente, além de ter alta nota do programa de Genética na Capes. A oportunidade de conhecer outras culturas e idiomas também atraiu a aluna, que realiza parte de seu projeto no Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Além dos benefícios pessoais de se fazer uma pós-graduação voltada à pesquisa, ajudar no desenvolvimento tecnológico do país é uma constante entre os discentes estrangeiros. E Wilfrand Bejarano Herrera revela que teve essa oportunidade mesmo longe de casa. Natural de Gachetá, distante 99 km da capital colombiana , Bejarano elogia o posicionamento do departamento no qual é aluno do programa de Solos e Nutrição de Plantas, ao aprovar seu projeto de pesquisa voltado ao solo colombiano. “Eu tive a oportunidade de mostrar para o professor que o solo da Colômbia é semelhante ao brasileiro, mas lá não há muita pesquisa, e, aqui no Brasil, existe muita coisa feita. Então, o professor intercedeu por mim junto ao departamento para que pudesse direcionar minha pesquisa para a realidade colombiana”, revela.

Obstáculos Antes de chegar ao Brasil, os estudantes que desejam ingressar em uma universidade pública enfrentam várias barreiras, principalmente se dependem de uma bolsa para permanecer no país. Para o agrônomo peruano Pedro Mansilla, da cidade de Tingo María, distante 534 km da capital, Lima, reunir os documentos necessários para obter a aceitação da universidade foi o maior desafio, o que demorou aproximadamente um ano para conseguir. Durante o tempo que levou para reunir a documentação, Nelson Casas chegou até a iniciar o doutorado na Colômbia, caso não fosse aprovado na seleção. Mas lembra que, no dia 24

de dezembro de 2010, recebeu a tão esperada notícia. “Pois mesmo com o aceite da universidade, com aprovação no Cepebras (prova de proficiência na língua portuguesa), e visto pronto, a universidade não me aceitou por não ter bolsa, mesmo eu tendo dinheiro para me sustentar. Então, minha viagem atrasou um ano e só pude vir com a bolsa aprovada”, explica. A adaptação com a distância da família e dos amigos para Eleonora foi a fase mais difícil em sua jornada. Ela afirma que a solidão faz parte da vida do pesquisador estrangeiro. “E é nessa hora que a saudade aperta”, enfatiza. A pesquisadora relembra que seu processo de adaptação demorou um ano e eram constantes os períodos de depressão. Por fim, conseguiu superar com o apoio dos companheiros de curso, inclusive de seus orientadores no projeto de pesquisa. Para Nelson, os amigos brasileiros e conterrâneos, são como uma família. Foi ela que o ajudou em seu período mais conturbado no Brasil, na ocasião em que sofreu um acidente em uma partida de paintball, que resultou em uma fratura em cada um dos dois ossos inferiores da perna. “Dependi de outras pessoas para fazer muitas coisas que antes conseguia fazer sozinho”, relembra. O doutorando também destaca o tratamento que recebeu do sistema público de saúde. Ele recorda a rapidez do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e o bom atendimento em seu período de internação, que foi mais longo do que o previsto, devido a uma infecção no local do trauma. Outra dificuldade enfrentada pelos pesquisadores estrangeiros é o alto custo de vida em Piracicaba. Eleonora reclama do custo da alimentação na cidade, assim como do valor dos produtos nos supermercados. “A cidade é legal, a qualidade de vida é boa, mas é cara”, dispara. Apesar de cada estudante possuir histórias de vida repletas de obstácuRevista Campus APG | página 21


los para ingressar e estudar em uma universidade pública brasileira, o desafio mais comum entre os estrangeiros é o domínio do idioma brasileiro, o português. Eleonora, mesmo fazendo um intercâmbio de cinco meses no Brasil durante seu mestrado, e sendo aprovada na prova de proficiência em português, revela que enfrentou muita dificuldade com o idioma no início. “Tomei um choque já ao chegar no aeroporto, percebi que é muito difícil”, rememora. Para Nelson, o esforço mental requerido quando começou a assistir aulas em português o deixava com enxaquecas diárias, pois seu processo cognitivo de entendimento no inicio era: escutar, entender, para, depois, traduzir para o espanhol, o que era muito cansativo. Principalmente, em aulas em que o professor falava mais rápido. O pesquisador avalia que para se adaptar completamente demorou,

aproximadamente, meio ano. O regionalismo linguístico do português foi uma das maiores surpresas para Wilfrand, que escolheu estudar o português em sua graduação por conhecer brasileiros e gostar do idioma. “Ao chegar aqui, no aeroporto do Rio de Janeiro, não entendia nada do que os cariocas falavam; eu perguntava: É português que vocês estão falando?”, recorda. Pedro Mansilla enxerga que o problema do idioma é sistêmico e todos os alunos que chegam de outros países sofrem com a adaptação.

Bolsas “Vocês brasileiros são muito privilegiados”, acredita Wilfrand quando é interpelado sobre como conseguiu sua bolsa no Brasil. Hoje, com o apoio da bolsa de mestrado da Capes, Bejarano conta que, quando começou o curso,

Pedro Mansilla, no laboratório de Fitotecnia.


era financiado pelo programa de bolsa/empréstimo estudantil colombiano Colfuturo, que é uma iniciativa que possui o apoio do governo colombiano e de entidades privadas para o financiamento estudantil de pós-graduação. Além do Colfuturo, na Colômbia existem outras iniciativas governamentais para o financiamento estudantil de pós-graduação, como o Colciências e o Icetex. No entanto, todos funcionam como uma bolsa parcial, em que uma parte é fornecida na forma de crédito. No caso de bolsas/créditos cedidos para realizar cursos em outros países, há a exigência de que o aluno trabalhe durante dois anos no país natal. Caso contrário, todo o valor recebido pelo aluno é transformado em crédito, ou seja, ele será obrigado a arcar com o montante que recebeu. Eleonora, que hoje é bolsista da Capes, tomou o financiamento do Icetex para realizar seu mestrado na Universidade Nacional da

Colômbia, e, até hoje, paga parte do valor emprestado há cinco anos. “O Icetex cobra 40% do empréstimo no período de estudo e os 60% restantes após a formação, mas, com os juros, você acaba pagando um alto valor”, avalia. Apesar de não poder participar do programa do governo federal Ciência sem Fronteiras, que é exclusivo para brasileiros, Bejarano elogia a receptividade do Brasil em relação aos estudantes da Colômbia, que está em terceiro lugar entre as nações que enviam estudantes ao país. “O nosso pagamento ao governo brasileiro é o resultado de nossa pesquisa”, conclui Wilfrand, que está envolvido em um projeto fruto da parceria entre ESALQ, Embrapa e Petrobras, para o desenvolvimento de um fertilizante que terá uma duração maior no campo, reduzindo a quantidade utilizada pelo produtor, e, por consequência, diminuindo os custos e aumentando a rentabilidade da produção.

Protesto da comunidade colombiana na ESALQ contra o tratado de livre comércio entre a Colombia e os EUA, que está desmantelando a produção agrícola no país.

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#notadacapes

A

avaliação da Capes dos cursos de pós-graduação representa um eficiente método de comparação entre os programas para os pretendentes à carreira de pesquisador. Mas, para os professores e coordenadores, configura um desafio contínuo para se manter entre os cursos recomendados e reconhecidos pela instituição. No total, são 3.733 cursos e programas recomendados pela Capes, o que significa que estes obtiveram nota igual ou superior a três nos critérios estabelecidos pela entidade. No entanto, somente 320 são considerados cursos ou programas de excelência, ou seja, apresentam nota seis ou sete, a pontuação máxima. Para o doutorando do Programa de Genética e Melhoramento de Plantas da ESALQ, Augusto Lima Diniz, oriundo da Universidade Federal da Paraíba, a nota do programa de pós-graduação pode ser um indicador da qualidade dos cursos. E, quanto maior a nota, maior é a atratividade dele. Para sua colega de departamento, a agrônoma Carina de Oliveira Anoni, um programa bem avaliado, principalmente se estiver entre os de excelência, tem impacto direto na empregabilidade após a conclusão. “Assim como nós buscamos qualidade em um programa de pós-graduação as empresas também buscam profissionais de qualidade”, declara.


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Programas de excelência

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Apesar da nota na Capes não ter sido preponderante para a escolha da instituição onde iria cursar o mestrado, Renan Antunes, pesquisador do setor de piscicultura no Departamento de Zootecnia da ESALQ, conta que sua escolha foi consequência do engajamento com a linha de pesquisa e com os professores após o estágio de iniciação científica que realizou no setor. “Nem prestei em outro lugar, mas sabendo que este é um curso nível sete, pesa muito na decisão, se fosse um nível quatro ou cinco, eu iria repensar”, reconhece.

Nível sete Dentro do arcabouço dos critérios da Capes que integram o Sistema de Avaliação da Pós-graduação, constam indicadores que vão desde a produção científica como teses, dissertações, publicação de artigos em revistas acadêmicas, até infraestrutura, corpo docente, entre outros. Na ESALQ, dos 20 programas de pós graduação, sete são considerados cursos de excelência, sendo que, desses, seis possuem a nota máxima. O Programa de Ciência Animal e Pastagens é um dos nota “sete” da escola de agronomia da USP em Piracicaba. Seu conceito foi atingido em 2010, o que, para o coordenador do programa, o professor Silas Carneiro, é o resultado da conscientização dos professores e alunos em fazer com que o programa atingisse um nível de excelência internacional. “As atividades internacionais precisam ser normais no programa, assim como o treinamento e fluência em língua inglesa precisam ser algo natural”, constata Carneiro sobre um dos principais pontos cobrados pela Capes. O coordenador revela que 99% dos docentes possuem fluência em inglês pelo fato de terem feito PhD no exterior. Apenas um professor,

recentemente admitido, não possuía a fluência. Entretanto, este já está nos EUA para realizar um treinamento de um ano e meio, o que lhe dará, além da fluência, a experiência acadêmica no exterior. Um outro fator da internacionalização do curso é a vinda de pesquisadores estrangeiros e a realização de eventos internacionais, como a 50ª Reunião da Sociedade Brasileira de Zootecnia, cujo idioma oficial era o inglês. No evento, todas as 82 palestras foram ministrados no idioma oficial. Paralelamente à internacionalização, a produção científica publicada em periódicos de alto impacto pelos alunos e docentes do programa significa, para Carneiro, um atestado de que o trabalho tem sido feito de maneira adequada. “Isso traz um diferencial muito grande ao programa em relação aos outros 101 programas de zootecnia na Capes”, avalia. De acordo com o professor, um dos maiores benefícios ao superar a nota cinco da Capes, é ser inserido no Programa de Excelência Acadêmica (Proex), que visa manter o padrão de qualidade dos programas de pós-graduação com nota seis e sete, através de uma autonomia orçamentária. Ou seja, o programa utiliza a verba da maneira que achar melhor dentro das modalidades de apoio concedidas pela entidade, como bolsas de estudo, investimentos para o laboratório e até passagens aéreas. Silas explica que, devido à flexibilidade financeira, o programa decidiu disponibilizar a maior parte dos recursos anuais de custeio em bolsas, que são ressarcidas. “Com isso, no prazo de três anos, o nosso orçamento triplicou”, diz. A majoração de recursos teve como consequência a anulação do déficit de bolsas, o que levou ao

“As atividades internacionais precisam ser normais no programa, assim como o treinamento e fluência em língua inglesa precisar ser algo natural”


acirramento da concorrência pelas vagas no programa e permitiu fazer uma seleção mais rigorosa. “Nos últimos três processos seletivos a média da relação candidatos por vaga praticamente dobrou. Existem algumas linhas de pesquisa do programa que a média é de 12 candidatos para uma vaga”, aponta.

Discordância

Laboratório de nutrição de peixes do setor de piscicultura do Departamento de Zootecnia da ESALQ, que abriga o Programa de Ciência Animal e Pastagens nota “7” na Capes.

Para o professor do departamento de Genética da ESALQ, José Baldin Pinheiro, os critérios de avaliação da Capes não são unânimes entre os docentes e discentes, apesar de reconhecer o esforço feito pelo comitê em se chegar a critérios ideais para a comparação entre programas. O primeiro ponto levantado pelo professor é a aplicação de critérios iguais para áreas diferentes do conhecimento, sendo que, cada área, possui um comitê específico para a avaliação na Capes. Contudo, a maioria dos critérios são idênticos. “A medicina não pode ser avaliada com os mesmos critérios das ciências agrárias; são áreas diferentes e as especificidades devem ser mantidas”, alerta.

Mesmo dentro de cada área há diferenciações que, na visão do docente, devem ser levadas em conta. Ele cita o exemplo da área das ciências agrárias, que possui diferentes linhas de pesquisa, como a de solos, entomologia, genética, entre outras. “Se você utilizar critério único para avaliar todas as áreas, você pode acabar prejudicando ou beneficiando alguma”, opina. Entretanto, o ponto mais polêmico levantado por Baldin é a discrepância entre os programas do eixo sul-sudeste, em comparação aos do norte e nordeste. O professor argumenta que é impossível comparar os programas do Estado de São Paulo, onde há toda a infraestrutura necessária, com a maioria dos programas do nordeste, onde os recursos são limitados. Apesar destes possuírem profissionais de excelência, não possuem na quantidade suficiente. “Como é que você vai exigir de um curso de melhoramento (genético de plantas), como, por exemplo, o último a ser criado, na Universidade Federal do Piauí, os mesmos critérios de avaliação de um curso na região centro-sul do país?”, questiona Baldin.

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#prêmiodow

Reconhecimento Maria Letícia Bonatelli, vencedora do Prêmio Dow Sustentabilidade 2012.

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m meados de 2010, ao buscar uma solução para a antracnose do guaraná da amazônia em seu projeto de mestrado, Maria Letícia Bonatelli não tinha ideia dos desdobramentos que sua pesquisa provocariam em sua carreira. Somente depois da divulgação do resultado do Prêmio Dow de Inovação em Sustentabilidade, de 2012, que a doutoranda pôde perceber a visibilidade que seu projeto ganhara no meio acadêmico. Para Letícia, ganhar o primeiro lugar foi um sinal de reconhecimento após um trabalho que exigiu muita dedicação. Ela, no entanto, afirma que a participação em premiações deveria ser mais incentivada, pois o retorno é compensador para a carreira. “Quando eu terminei minha dissertação, procurei prêmios para enviar. É algo que não custa nada e que precisa ser estimulado”, declara. A notoriedade da pesquisa de Letícia não é obra do acaso, pois a antracnose, doença que é originada pela presença de um fungo nas folhas do guaranazeiro, é responsável pela queda acentuada na produção desse fruto do Estado do Amazonas. Seu cultivo é feito, na sua maioria, por pequenos agricultores, como é o Revista Campus APG | página 28

caso da cidade de Maués, distante 356 km da capital Manaus, que possui cerca de 3 mil pequenas propriedades rurais familiares, outrora responsáveis pela maior produtividade do país. De acordo com a pesquisadora, que foi à Floresta Amazônica para coletar amostras da folha do guaranazeiro, principal parte da planta atacada pela antracnose, trata-se de um ambiente complexo, devido à interação de diversos microorganismos, seja do fungo patógeno, o Colletotrichum, e até de bactérias que protegem a folha da doença. “O meu trabalho foi justamente investigar isso: Quem são essas bactérias? Como elas interagem com o fungo? Que compostos que elas podem estar produzindo que interferem no fungo?”, explica. O professor do departamento de Genética da ESALQ, João Lúcio de Azevedo, orientador de Letícia na dissertação vencedora, conta que o projeto para o estudo da antracnose no guaranazeiro da amazônia é fruto de uma parceria firmada há três anos entre a ESALQ e a Universidade Federal do Amazonas (UFAM). O estudo é financiado por meio de uma parceria entre entidades de fomento de pesquisas de


ambos os Estados, a Fapesp e a Fapeam. O docente, que divide sua vida lecionando em Piracicaba e Manaus, explana que na UFAM, o professor Spartaco Astolfi Filho ficou responsável para dirigir os estudos voltados aos fungos na folha do guaranazeiro, enquanto o Departamento de Genética da ESALQ ficou responsável para analisar a interação das bactérias, “e assim encontrar uma solução conjunta para esta doença”. Azevedo considera que apesar do estudo de Letícia ter obtido resultados relevantes, inclusive com a identificação de algumas bactérias que possivelmente possam inibir a ação do fungo patogênico, há ainda muita coisa para fazer, pois os testes podem ser feitos somente em Manaus, já que não é possível cultivar a planta do guaraná em regiões do sul. “A tese da Letícia é de mestrado, mas é quase um doutorado”, analisa Azevedo, lembrando que sua aluna, além de isolar bactérias cultivadas, conseguiu identificar algumas inéditas para a humanidade, e que podem ser muito úteis. Como no caso da antracnose, o que, para o docente, foi um dos principais motivos que levaram o comitê da premiação a escolher o trabalho como o mais relevante. Para o professor, o ineditismo e a utilidade são os fatores preponderantes de um projeto que pretenda concorrer a um prêmio acadêmico, devido ao fato de o Brasil ser um país ávido por inovação tecnológica. Ele critica, entretanto, a postura de algumas pesquisas realizadas no Brasil, mas pautadas por interesses levantados do exterior, principalmente dos Estados Unidos. “A exemplo da indústria automotiva, na qual todas as montadoras são de origem estrangeira. O Brasil não tem um carro brasileiro que seja internacional, é a mesma coisa com a ciência”, dispara. Azevedo considera o guaraná um trunfo para a pesquisa brasileira, pois é uma fruta originária no coração da amazônia e que, hoje, é exportada para todo o planeta. Ainda segundo ele, uma tese bem escrita é fundamental para agregar valor ao trabalho, além da proveniência de um reconhecido centro de pesquisa. Hoje, orientada pelo professor Carlos Alberto Labate, que também é diretor do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), Letícia trabalha em um projeto que busca entender a dinâmica do

processo de fermentação alcóolica em dornas de usinas, de acordo com o comportamento da microfauna e microbiota, para identificar e sanar possíveis falhas. De acordo com Labate, orientar uma aluna que já é sabida sua qualidade e dedicação é mais fácil, pois o conhecimento técnico apreendido no mestrado torna a pesquisadora no nível de doutorado mais independente. “Eu tenho uma pós-doutora que também ganhou o prêmio Dow e que está trabalhando aqui, então são pessoas que tem um enorme potencial” declara. Para o professor, uma premiação como a cedida pela Dow aos pós-graduandos da USP não é benéfico apenas para o aluno, mas para toda a equipe da pesquisa e o orientador. “É um reconhecimento de todos os componentes dessa cadeia que é o programa de pós graduação”, admite. “Um instrumento muito importante na promoção à pesquisa de qualidade”, dessa maneira define o Prêmio da Dow o Reitor da USP, o professor Marco Antônio Zago. Ele enfatiza o fato de a premiação pertencer a uma instituição fora da USP. “Isto é um reconhecimento da importância da atividade que ele fez, significa que outras pessoas estão entendendo a importância do que este aluno realizou”, reflete. Professor Marco Antônio Zago Reitor da USP

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#hoffmann


A estatística de uma vida

E

m sua sala, no segundo andar do Pavilhão de Engenharia da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, o professor e pesquisador Rodolfo Hoffmann trabalha envolto a centenas de livros e trabalhos acadêmicos, todos armazenados em suas estantes, que vão do chão ao teto. Ao longo de mais de quarenta anos de vida acadêmica e um sem número de artigos escritos, orientações, participações em bancas e congressos na área das ciências econômicas, Hoffmann conta que viu a evolução da estatística voltada à economia, que é o seu campo de pesquisa, por conta do avanço da tecnologia da informação; “Quando fiz mestrado em 1967, utilizei o único computador disponível na USP para conferir os dados da minha pesquisa, e certamente era muito inferior aos que tenho hoje”, relembra. O docente conta que, durante vinte anos, utilizava um computador mod-


elo IBM 1130, que ficava à disposição do professores do departamento e, hoje, dispõe de três máquinas que ficam em sua sala. Entretanto, ele alerta sobre o cuidado com a sofisticação da estatística aplicada à economia. “Hoje em dia existem programas prontos e o pesquisador somente coleta os resultados, o que pode levar a um aumento de interpretações erradas.” Tendo como mestre inspirador o professor Frederico Pimentel Gomes, estatístico, que além de lecionar na ESALQ, foi diretor da Escola de Engenharia de Piracicaba, reitor Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, entre outros cargos de destaque, Hoffmann ressalta a aplicabilidade da estatística em diversas áreas do conhecimento, de acordo com pesquisas que ele mesmo colaborou na área de bioestatística, voltada para farmacologia, entomologia e agronomia. Ao fazer referência de trabalhos estatísticos aplicados em outras áreas do conhecimento, o professor cita seu artigo, lançado no ano passado, que avalia a relação da renda com o sobrepeso e a obesidade. “Curiosamente, o fator renda impacta de diferentes maneiras a população. Nos homens brancos, quanto maior a renda, maior é a probalidade de obesidade, sendo que, nas mulheres brancas, é o inverso. Em relação à população negra, a relação já é o oposto em condições de maior renda”, afirma o estatístico. Estatística e Economia Matemática é, invariavelmente, o cerne dos estudos estatísticos de acordo com o professor, que também realça a necessidade de se conhecer de forma ampla a área do conhecimento que se deseja aplicar à estatística, de forma que os conhecimentos possam se combinar. “Por exemplo, para a área de economia, é necessário ter uma visão socioeconômica do problema”, aconselha. Em sua experiência como docente, Hoffmann ressalta que, apesar de a Revista Campus APG | página 32

matemática ser uma área fundamental para o conhecimento e para os estudos econômicos, muitos alunos apresentam particular dificuldade, devido a uma fraca educação em exatas no início da escolaridade, o que ele chama de efeito cumulativo. “Se a pessoa começa a aprender matemática de maneira ruim, ela terá antipatia pela disciplina mais a frente”, conclui. Apesar de ser imperativo o aluno aprender a matemática para acompanhar o curso de economia, para o pesquisador, é possível que uma pessoa seja um grande economista sem a necessidade de ser um grande matemático. Diferentes linhas “Eu tinha forte simpatia pela teoria econômica cepalina e marxista”, declara Hoffmann, admitindo que os economistas marxistas consideravam a econometria uma espécie de linha auxiliar da teoria neoclássica. Esta é a linha adotada na ESALQ e nas principais escolas de economia dos Estados Unidos, “onde a economia marxista é estudada apenas como curiosidade histórica”, ironiza. Como estudante prosélito às ideias de Karl Marx, o professor conta sobre a importância de estudar o economista e diplomata polonês, Oskar Ryszard Lange, para a direção de sua carreira. O autor marxista escreveu a obra “Introdução à Econometria”, na qual ele argumenta sobre a relevância que a econometria pode ter para o planejamento de uma economia socialista. Também professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE/Unicamp), Hoffmann afirma que essa tendência entre os economistas no mundo influenciaram diretamente o Instituto de Economia da Unicamp, que, na época, era parte do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). “Era um lugar cheio de esquerdistas”, conta. De acordo com o catedrático, diferentemente das escolas embasadas na


teoria neoclássica, o Instituto de Economia da Unicamp, desde o início, tende a valorizar autores como Joseph Schumpeter. Eles consideram que a teoria do “mainstream”, como eles chamam a neoclássica, é permeada por falhas. “Eu até concordo com isso, apesar de fazer uso da teoria neoclássica, (...) mas na prática o marxismo se mostrou ineficiente”, argumenta. Ditadura e prisão Com o golpe de estado executado pelos militares em 31 de março de 1964, depondo o presidente João Goulart, eleito democraticamente, subiu ao poder, 11 dias depois se iniciou uma caçada às ideias opostas ao regime, inclusive na academia. Na época, Hoffmann era aluno de agronomia da ESALQ. “Era bom aluno, mas considerado subversivo”, conta. “Estava aqui (no campus da ESALQ) assistindo aula, e o diretor, que na época era Hugo de Almeida Leme, ex-ministro da Agricultura no governo de Castello Branco, me mandou chamar. Quando entrei na diretoria, localizada no prédio central, lá estavam o diretor e o delegado, que me levaria preso sem mandado judicial, agindo de maneira ilegal”, revela o professor, que recorda ter ficado preso por 50 dias sem nunca ter cometido nenhum crime.

“era bom aluno, mas considerado subversivo”

Hoffmann, em 1965, em sua fotografia de graduação.

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#workshop_pae

1º Workshop

PAE na ESALQ O

primeiro workshop sobre o Programa de Aperfeiçoamento do A comissão organizadora do evento acompanhados de Ensino (PAE) aconteceu no último semestre de 2013, no auMyriam Krasilchik. ditório do Pavilhão Doutor Urgel de Almeida Lima. O evento, que contou com a presença da idealizadora do PAE, a professora aposentada da Faculdade de Educação da USP, Myriam Krasilchik, serviu para tratar da docência no ensino superior. A expectativa é de que novas edições sejam feitas. De acordo com a organização do workshop, composta por Mariana Luzia Bettinardi, mestranda em Recursos Florestais, e Isaac de Matos Ponciano, doutorando em Engenharia de Sistemas Agrícolas, a iniciativa buscou “A nossa expectativa é abastecer os estagiários e toda a comunidade da ESALQ sobre a experiência em docência proporcionada pelo que haja novas edições PAE. para que sempre tenha “Alguns integrantes se motivaram para realizar o esse tipo de reflexão evento com a finalidade de trocar experiências e apresentar aos professores e, principalmente, aos alunos que e discussão dentro da estão fazendo a disciplina de Etapa de Preparação PeESALQ e do PAE”. dagógica, que é obrigatória aos participantes do PAE, o que é a vivência de participar do estágio”, explica a mestranda. Bettinardi revela, também, que uma das causas que culminaram na realização do workshop foi a provocação dos professores da comissão coordenadora do PAE na ESALQ, encabeçados pela professora titular do Departamento de Ciências Biológicas, Beatriz Appezato da Glória, representante do Campus Luiz de Queiroz na Comissão Central do PAE. Para a Beatriz, relatar e discutir a experiência vivida na docência é uma etapa extremamente importante no processo de formação de docentes para Revista Campus APG | página 34


Lista de Disciplinas Preparatórias do Programa de Aperfeiçoamento do Ensino

o ensino superior. Ela agora anseia por uma segunda edição do evento. “A nossa expectativa é que haja novas edições para que sempre tenha esse tipo de reflexão e discussão dentro da ESALQ e do PAE”, afirma. De acordo com ela, há evidências claras de que o pós-graduando que passou pela vivência de ministrar aulas durante o estágio do programa, possui melhor aproveitamento em concursos. “Pois é um dado real que ele consegue efetivamente dar uma aula para a banca examinadora”, analisa. Isaac, que foi estagiário na disciplina de hidrologia e a ministrou aos graduandos em agronomia, acredita que, na formação de mestres e doutores, é esperado que se forme um conhecimento na área de docência. Isso compreende a interação com os alunos de maneira favorável para a transmissão do conhecimento de forma mais completa e continuada. Mariana, que teve sua experiência didática pedagógica auxiliando a ministrar a disciplina “Cultura de espécies nativas”, no quinto semestre da engenharia florestal, ressalta a importância da participação do professor que a acompanhou durante o estágio. Principalmente, segundo ela, na fase de elaboração do plano de ensino, com a finalidade de implementar metodologias diferenciadas para envolver os alunos.

Demanda • Ambiente, Sociedade e Prática Docente de Ensino Superior • Diálogos sobre o Ensino Superior • Educação, Ambiente e Sociedade: os Desafios da Docência no Ensino Superior • Oficina de Educação Superior • Preparação Pedagógica em Ciência Animal e Pastagens • Preparação Pedagógica em Ciência e Tecnologia de Alimentos I • Preparação Pedagógica em Entomologia • Preparação Pedagógica em Estatística e Experimentação Agronômica • Preparação Pedagógica PAE • Preparação Pedagógica para o Ensino de Solos

Na ESALQ, mais de 3 mil alunos de pós-graduação já participaram do estágio do Programa de Aperfeiçoamento do Ensino nas mais diferentes áreas do conhecimento. De acordo com a professora Beatriz Appezato, essa demanda apenas cresce e o número restrito de cotas para o auxílio financeiro não é fator limitante para que os alunos participem do programa. Entretanto, para doutorandos que possuem bolsa da Capes o estágio no PAE é uma obrigação. Os alunos possuem a possibilidade de atuar no programa como bolsista por quatro vezes, duas no mestrado e duas no doutorado. No entanto, antes de se inscrever, é necessário ter cursado uma das dez disciplinas preparatórias oferecidas na ESALQ para o estágio em docência. “Hoje, nós temos na pró-reitoria de pós-graduação 2 mil cotas, e, na última edição, nós tivemos mais de 2,6 mil alunos inscritos; então, muitos alunos acabam participando de maneira voluntária, porque eles têm interesse na formação como docente”, esclarece Apezzato. Revista Campus APG | página 35


#50anosdapós

Pós-Graduação

Esalquiana

50 Anos Maria Lucia Carneiro Vieira Departamento de Genética ESALQ/USP

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A

pós-graduação representa, indubitavelmente, o nível de estudos mantido pelo setor público, de maior sucesso no Brasil, mormente em décadas recentes, em que a educação básica é alvo constante de críticas em decorrência de carências de todo o tipo. A pós-graduação tem início no País com a aprovação pelo Conselho Federal de Educação do Parecer 977, de dezembro de 1965, cujo relator foi o Professor Newton Sucupira e com a edição da Lei 5.540, de novembro de 1968, relativa à reforma universitária. Com base no Parecer Sucupira, estabeleceram-se as normas para organização, funcionamento e credenciamento dos cursos de pós-graduação no Brasil. Na Universidade de São Paulo, não foi diferente, embora alguns doutores tenham se titulado anteriormente à estruturação dos cursos de pós-graduação, cuja coordenação coube, especialmente, ao Professor Paschoal Ernesto A. Senise (1917-2011), um dos pioneiros do ensino e da pesquisa em Química na USP, primeiro diretor do Instituto de Química (IQ) e membro da Academia Brasileira de Ciências. Cabe ainda acrescentar que a concepção do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) - hoje Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico -, e da Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes) - hoje Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior -, em 1951, representaram a institucionalização da atividade de pesquisa e da capacitação docente. Seguiram-se, no País, no âmbito acadêmico e cultural, anos dourados. Sem detalhar, neste texto, todas as inciativas Brasil afora que culminaram na oficialização


de cursos de pós-graduação, na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” tiveram início seis cursos de mestrado: Experimentação e Estatística; Fitopatologia; Genética e Melhoramento de Plantas; Mecânica; Motores e Máquinas Agrícolas; Nutrição de Plantas; Solos. Oficialmente, em 15 de setembro de 1964, há 50 anos, os primeiros pós-graduandos (54) foram contemplados com a aula inaugural Evolução do Ensino na “Luiz de Queiroz”, proferida pelo professor Salvador de Toledo Piza Jr. (1898-1988), em uma solenidade que celebrou a profícua e pioneira implantação de cursos de mestrado na ESALQ, na área de ciências agrárias. Seguiu-se a criação de novos cursos de mestrado e, na década de 90, foram criados vários cursos de doutorado de forma a adequar a ESALQ à evolução e à contemporaneidade da pesquisa científica e ao ensino superior do país. À época, já estava consolidado o papel da Capes na condução de políticas de recomendação, fomento e avaliação da pós-graduação brasileira, papel que exerce, até hoje, de forma decisiva e de inquestionável importância. Às vésperas de comemorar 50 anos, o que dizer sobre a pós-graduação esalquiana? As particularidades e as estatísticas de cada programa estão disponíveis para consulta na página da ESALQ (http://www.esalq.usp.br/pg/): são programas de reconhecida excelência na formação de recursos humanos, desenvolvendo linhas de pesquisa que atraem estudantes de todo o país e do exterior, sobretudo da América Latina. A maioria desses programas tem recebido conceitos elevados

(5, 6 ou 7), atribuídos pela avaliações regidas pelas Capes. Além disso, há um programa internacional, envolvendo a Universidade de São Paulo, The State University of New Jersey (Rutgers) e The Ohio State University e um interinstitucional, o recém-criado Doutorado em Bioenergia, que agrega docentes da USP, Unicamp e Unesp. Ao longo desses 50 anos, a ESALQ outorgou cerca de 8.300 títulos a profissionais cujos destinos formam uma rede de artérias de multiplicação de conhecimento e consequente nucleação de pesquisadores e docentes, tanto em instituições públicas como naquelas de caráter privado. Este é o seu principal e mais nobre legado. O mais interessante a comentar, a meu ver, são as oportunidades que se apresentam aos estudantes da ESALQ, entre elas o Programa de Aperfeiçoamento de Ensino (PAE), que se destina a aprimorar a formação de pós-graduandos para a atividade didática de graduação. Também valorizo a oportunidade que lhes é dada de conviver com pesquisadores respeitáveis, os quais têm construído a pesquisa científica na área de ciências agrárias e biológicas, ao longo desses 50 anos. Da mesma maneira, a atualização de conceitos e metodologias é constantemente apresentada na forma de cursos extraordinários e chances de treinamento específico, inclusive no exterior. Mais ainda, o fomento à pesquisa e aos pós-graduandos (bolsas de estudo, bolsas sanduíches), sobretudo pelas ações da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), além do aporte financeiro federal, fazem da pós-graduação uspiana um nicho de excelência.

NÚMEROS

5.528 Mestres Titulados

DA PÓS

2.705 Doutores Titulados

Esses são os

2.885 Estagiários do PAE

números dos 14 programas de pós-graduação na ESALQ/USP.

671 Alunos matriculados no Doutorado 464 Alunos matriculados no Mestrado 460 Disciplinas Credenciadas 223 Orientadores Credenciados Revista Campus APG | página 37


#goumur

Fé e Razão

O ano de 2013 foi de renovação da fé, principalmente entre os católicos brasileiros, que receberam a visita do argentino Jorge Mario Bergoglio, mais conhecido como Papa Francisco. Milhões de pessoas se dirigiram para a cidade do Rio de Janeiro para acompanhar a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), e, entre os mais de 3 milhões de jovens presentes no evento, um grupo formado por alunos de graduação e pós-graduação da ESALQ marcou presença. A graduanda em Ciências Biológicas, Mariana Pontin, coordenadora do Grupo de Oração (GOU) Água Viva, conta que, de Piracicaba, foram cerca de 15 esalqueanos para o JMJ. Alguns no meio da semana e o restante com a caravana da Igreja de São Judas Tadeu, liderados pelo Padre Arlon Niquison Beltrão da Silva. Pontin revela que a presença do Padre Arlon nas reuniões do GOU Água Viva é uma novidade, pois, a partir desse momento, o grupo fez parte da Pastoral Universitária da Diocese de Piracicaba. “Ele atende as nossas confissões depois do grupo de oração e celebrou a missa em nossa experiência de oração.”

tão, apareceram mais duas pessoas; assim começou o grupo, com apenas quatro pessoas”, relembra. A futura bióloga conta que, pouco depois, as reuniões passaram a ser na sala do Centro Acadêmico Luiz de Queiroz (Calq), e participavam cerca de 12 pessoas a cada reunião. Mas o crescimento chegou a tal ponto que tiveram que sair para um lugar mais amplo e foram para o Centro de Conviência (CV) no campus da USP de Piracicaba. Atualmente, cerca de quarenta pessoas se reúnem, duas vezes por semana: na terça-feira, para o grupo de oração, no qual há espaço para a troca de testemunhos de vida, experiências religiosas, e do estudo da Bíblia; e na quinta-feira, no Grupo de Partilha de Profissionais, que se trata de um grupo de estudo sobre o catecismo e os documentos da Igreja Católica. “Nós estudamos a missa parte por parte, então é um grupo de estudos mesmo, o próprio grupo dá sugestões do que vai ser estudado”, explica. Além das reuniões, o GOU realiza eventos fora do campus, como retiros nos finais de semana e seminários. “É legal porque reúne pessoas vindas de outras dioceses”, afirma. Um dos desafios do crescimento do GOU-MUR em Piracicaba, para Mariana, além de manter o da ESALQ, pois a rotatividade de estudantes é grande devido à participação dos alunos nos programas de pós-graduação sanduíche, é abrir outros nas demais universidades presentes na cidade, sempre como o mesmo foco de unir a fé com a razão. “Eu tenho um carinho muito grande pelo nosso ministério, porque somos universitários, estudamos, fazemos ciência e cremos em Deus”, declara.

O grupo Atuando no campus da ESALQ/USP desde 2008, o Grupo de Oração é um dos mais de 700 GOUs espalhados nas universidades em todo Brasil, que fazem parte do Ministério Universidades Renovadas (MUR), da Renovação Carismática Católica. “Aqui na ESALQ, no início, eram somente duas pessoas que se reuniam para rezar, até que resolveram anunciar o grupo na missa da Igreja de São Judas, e, enRevista Campus APG | página 38


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