POLÍTICAS URBANAS E O ESTADO DE EXCEÇÃO Zona Leste e a Copa do Mundo em Itaquera como estudo de caso
POLÍTICAS URBANAS E O ESTADO DE EXCEÇÃO Zona Leste e a Copa do Mundo em Itaquera como estudo de caso
Carolina Geise Trabalho Final de Graduação FAUUSP, 2012 Orientação: Maria Camila Loffredo D’Ottaviano
Banca examinadora: Flávio José Magalhães Villaça João Sette Whitaker Ferreira
“Pedimos, por favor, não achem natural o que muito se repete!” (B. Brecht, A exceção e a regra)
SUMÁRIO
10
INTRODUÇÃO SEÇÃO 1. A ZONA LESTE DE SÃO PAULO
1. Formação urbana do setor leste de São Paulo
2. Planos municipais passam a contemplar a região leste
2.1 Abertura da Av. Jacú-Pêssego
2.2 Plano Diretor Estratégico e Planos Regionais
2.3 As Operações Urbanas Consorciadas
_A Operação Urbana Consorciada Rio Verde-Jacú
_ Revisão da Lei
2.4 Polo Institucional e Tecnológico de Itaquera
2.5 Leis de Incentivos Seletivos para a Região Leste
16 37 39 42 47 54 57 64 70
SEÇÃO 2. DESTRINCHANDO A POLÍTICA DE MERCADO EM SÃO PAULO:
O CASO DA COPA DO MUNDO FIFA 2014
A. O papel do Estado na contradição capitalista
B. A cidade-empresa e o Estado de exceção
3. Megaeventos esportivos como estratégia: a promessa do Legado
3.1 Jogos Panamericanos do Rio de Janeiro, 2007
3.2 Copa do Mundo no Brasil: nova perspectiva para a política urbana
3.3 FIFA, COL e CBF
3.4 Discurso vs. Realidade
3.5 Festejando a cidade de exceção
3.5A. Lei nº 12.663, de 5 de junho de 2012 - Lei Geral da Copa
80 81 89 90 97 98 102 111 112
SUMÁRIO
3.5b. Lei nº 12.462, de 5 de agosto de 2011
Regime Diferenciado de Contratação (RDC)
116
3.5c. Lei nº 12.350, de 20 de dezembro de 2010 e
Decreto nº 7.319, de setembro de 2010 – Regime Especial
de Tributação para Construção, Reforma ou Modernização
de Estádios de Futebol - RECOPA
3.6 Estádio em Itaquera: Arena São Paulo,
Fielzão ou catalizador de transformações?
3.6a. O palco de São Paulo: Morumbi vs. Itaquera
3.6b. Viabilização econômica da Arena de Itaquera
3.6c. Malabarismo Financeiro
_ Programa PróCopa Arenas, BNDES
_ Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento (CID), PMSP
118 120 120 124 130 131 136
_ Assentos móveis para abertura da Copa, Governo
do Estado de São Paulo
_Conceção do terreno, PMSP
3.6d. Ações do Ministério Público
139 141 145
OBSERVAÇÕES FINAIS
4. Direitos para poucos
4.1 Articulações populares e resistência
4.2 A tomada de consciência: o verdadeiro Legado
150 155 161
BIBLIOGRAFIA
164
ÍNDICE DE IMAGENS
171
INTRODUÇÃO
A proposta do trabalho é analisar a pro-
físico e nas relações entre os habitantes
dução e reprodução da cidade sob uma ótica
desse espaço (de que forma o mercado,
urbanística, política e econômica, com o objetivo
formado principalmente por empreiteiras e
de tomar consciência de quem são e quais
agentes imobiliários, e a população se apropriam
os papéis de cada agente do espaço urbano.
das políticas urbanas e como elas incidem
Em especial, como as políticas urbanas
sobra cada um desses agentes). Ao conjunto
e as leis (criadas, reproduzidas e aplicadas pelo
dos agentes dá-se o nome de governança.
poder público) agem e interferem nessa produção, de que forma são tomadas as decisões
“Governança urbana é algo bastante distin-
com elas relacionadas (ou seja, a quais in-
to de governo urbano, uma vez que o poder
teresses as leis e políticas urbanas servem)
real de organização do espaço está em uma
e
ampla coalizão de forças mobilizadas por
10
quais
os
desdobramentos
no
espaço
diversos agentes sociais, onde o governo
físico? Além disso, de que forma é feita a dis-
e a administração urbana desempenham
tribuição de infraestrutura entre a população?
apenas um papel facilitador e coordenador.
São questões que permeiam as cidades.
É um processo conflituoso, principalmente em espaços onde a densidade social é muito
Como se chega à construção de uma nova
diversificada.” (HARVEY, 2005)
avenida na Berrini e não à provisão de creches em bairros como Brasilândia ou São Miguel,
Esse conceito é fundamental para compreensão
carentes de equipamentos públicos? Porque
do trabalho, cujo objetivo central é verificar a
conceder incentivos fiscais a grandes empresas
forma de atuação dessa constante coalizão e
e não aos pequenos produtores familiares?
disputa de forças pelo espaço urbano.
Porque anistiar dívidas de IPTU de proprietários de imóveis abandonados no centro de São
As edificações da cidade são o resultado con-
Paulo ao invés de conceder o direito de uso
creto de uma disputa mais ampla que corre
de áreas ocupadas por moradia de baixa renda,
nos bastidores da produção material e edílica.
hoje consideradas irregulares, como acontece
Afinal, o acesso à terra e aos bens físicos da
com mais de 6% da área do município de São
cidade não são concedidos a todos, pois enquanto
Paulo1?
alguns vivem em regiões cobertas por ampla 1 Fonte: Habisp, julho 2010.
infraestrutura, outros têm de se submeter à vida
A questão fundamental sobre a qual o presente
em locais desprovidos de necessidades básicas
trabalho se debruça, considerando-o a porta de
como água, luz, esgoto, transporte, áreas verdes,
entrada para a profissão de arquiteto urbanista,
empregos, escolas, hospitais. De que forma é
é com relação às decisões sobre quais, onde e
feita essa divisão das pessoas dentro do espaço
de que forma a produção edílica da cidade será
11
implantada. Para um projeto, não basta que ele
anúncio da Copa do Mundo FIFA 2014 no Brasil
seja adequado por si só e bem resolvido como
e a abertura do evento no novo estádio do
edifício isolado, mas que seja adequadamente
Corinthians, em Itaquera. Os olhos do mercado
inserido em um contexto: a cidade e a socie-
imobiliário se voltaram para a região e as disputas
dade que nela habita.
pelo espaço mudaram de forma e escala, enquanto o prazo e conseqüente senso de
Os temas aqui levantados foram trabalhados
urgência exacerbam as transformações. É
a partir da análise das políticas públicas
nesse contexto que abordaremos o que Carlos
implantadas na cidade de São Paulo, mais
Vainer chama de cidade de exceção, caso em que
especificamente na Zona Leste do Município e
o desrespeito à lei torna-se legalmente aceito
na região de Itaquera, cujo marco considerado
e autorizado pela própria lei, sob a justificativa
foi a instituição do Plano Diretor Estratégico
da necessidade de responder rapidamente
de São Paulo, em 2002. A escolha se deu pela
à demanda criada por uma exceção, como a
circunstância peculiar em que se encontra
Copa do Mundo (VAINER, 2010).
essa área: retrata a periferia autoconstruída e excluída, que cresceu nos anos 1950 durante
Megaeventos tornaram-se uma estratégia das
o surto industrial do município e, nas décadas
governanças urbanas para atrair investimentos
de 1970 e 1980, consolidou as franjas urbanas
e atenção às cidades onde estes se realizam,
como locus da população de baixa renda,
apoiados por um novo padrão discursivo, cuja
através da promoção de grandes conjuntos
retórica anuncia a convergência de interesses
habitacionais pelo poder público. Porém, um
públicos e privados. Em um contexto onde
novo contexto está mudando radicalmente o
as cidades competem por recursos e reconhe-
cenário desse território antes marginalizado: o
cimento de sua posição global, megaeventos
12
como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos
realidade, o que é apenas promessa e o que
são justificados como alavancas para um novo
de fato se desdobrará em benefícios concretos.
patamar de destaque e redefinição da sua ima-
Procura, finalmente, verificar o que Agamben
gem no cenário mundial, levando ainda à
chama de estado de exceção, ao comprovar
dinamização da economia ao atrair a atenção
que
do capital globalizado. Enquanto os lucros e benefícios são canalizados para o capital privado
práticas
das grandes empresas vinculadas aos eventos,
como medidas ligadas a acontecimen-
seu financiamento é quase sempre realizado
tos excepcionais, reservadas a situações
por
limitadas no tempo e no espaço,
instituições
neoliberal:
gastos
públicas.
É
a
compartilhados,
máxima lucros
inicialmente
apresentadas
tornam-se regra. (AGAMBEN, 2004)
concentrados. Ao comparar as políticas públicas para São O discurso do legado justifica a maciça partici-
Paulo e Zona Leste antes e depois do anúncio
pação pública para a realização de megaeven-
da Copa do Mundo, será possível perceber que
tos, que no caso do Brasil apela ao orgulho
as diferenças são menos gritantes do que se
nacional do país do futebol, da hospitalidade
poderia imaginar. O que ocorre é apenas uma
e da festa, deixando promessas vazias e planos
agudização da cidade de exceção.
descompromissados que não encaram as questões mais urgentes que assolam o país, que sofre com uma brutal desigualdade social. O presente trabalho visa identificar o que é discurso e de que forma ele se relaciona com a
13
SEÇÃO 1. A ZONA LESTE DE SÃO PAULO
1. FORMAÇÃO URBANA DO SETOR LESTE DE SÃO PAULO
A ocupação da região leste do município
ferroviário no relevo natural, inaugurando a
de São Paulo começou como um pontilhado
tradição de ocupação das várzeas pela rede de
de núcleos ao longo do antigo caminho que
transportes. A Estrada de Ferro (E.F.) Central do
ligava o centro histórico paulistano ao Rio
Brasil foi por muito tempo a única ligação do
de Janeiro, desde meados do século XIX.
Rio de Janeiro e Minas Gerais com São Paulo,
Esse caminho de penetração do território foi
sendo que a maior parte de seu traçado segue
aproveitado na implantação da Estrada de
paralelo ao eixo do Vale do Paraíba, mas se
Ferro Central do Brasil, inaugurada em 1877.
distancia do Rio Tietê ao se aproximar de São
As técnicas construtivas disponíveis na época
Paulo, devido, em parte, às características
tornavam os diversos obstáculos topográficos
topográficas favoráveis da região, de terras
do município um enorme empecilho, de
ainda baixas e relativamente planas.
modo que a solução foi acomodar o sistema
16
Outra linha férrea que orientou, de certa forma,
Além disso, a proximidade com o transporte
a formação da região leste foi a Santos-
público de massa representado pelas ferrovias
Jundiaí, inaugurada em 1867, responsável pelo
foi
escoamento da produção cafeeira do interior
pressões por implantação de modal para
de São Paulo para o porto de Santos. A
transporte
introdução das ferrovias impulsionou a dinâmica
linhas extraregionais, cujo objetivo inicial
do setor agroexportador dentro do incipiente
era o transporte de carga (VILLAÇA, 2001).
quadro
econômico
paulistano
determinante. de
Prova
passageiros
disso ao
eram longo
as de
(FRANCO,
2005). A acumulação de capital resultante
As ferrovias representaram um dos primeiros
criou condições para o florescimento de
fatores responsáveis pela urbanização extensiva
indústrias e boom urbano correlato. Essas
que caracterizou São Paulo. Diferentemente
escolheram as margens das estradas de ferro
das indústrias, que se encontravam na extensão
para se instalar, próximas à rede de escoamento
de todo o eixo, as localizações residenciais da
de mercadorias e com extensas áreas livres e planas.
suburbanização se restringiam às áreas próxi-
As várzeas inundáveis foram, por muito tempo,
masàs estações, uma vez que eram os únicos
desprezadas pelo processo de urbanização,
pontos de acesso ao transporte, ao passo que
que se concentrava nas regiões mais altas.
as indústrias poderiam facilmente puxar um ramal que as conectasse à rede principal. Como
Nas proximidades dos núcleos industriais surgi-
as estações eram escassas, implicaram na valo-
ram os bairros operários, onde hoje se encontram
rização de localidades específicas, construindo
Brás, Belém e Mooca, atraídos pelos baixos
um modelo de urbanização linear e polarizado
custos da terra, decorrentes das persistentes
(FRANCO, 2005), como mostra o Mapa 1.
inundações e baixas condições de salubridade.
17
MAPA 1. São Paulo: Estradas de ferro e mancha urbana, 1920. Fonte: elaboração do autor.
18
Os anos 1930 trazem o início da transição do
incrementada pela massa de trabalhadores
transporte sobre trilhos para o modelo baseado
atraídos pela oferta de empregos na metrópole.
no transporte sobre pneus. Esse modelo se
Estavam colocadas as condições que firmaram
consolida nos anos 50, mostrando-se muito
o padrão periférico de expansão urbana,
conveniente para São Paulo, pois se adequa
como mostram as densidades demográficas
com versatilidade à sua topografia acidentada,
do
permitindo a ocupação tanto de áreas recor-
(MEYER, GROSTEIN, BIDERMAN, 2004), com
tadas geograficamente quanto das longínquas
uma mancha urbana desarticulada e pouco
e rarefeitas periferias, até então não atingidas
densa que emergiu e se consolidou entre os anos
pelo sistema de transporte. Viabilizou, dessa
40 e 60. Pelos Mapas 2 e 3 é possível ver sua
forma, um novo modelo de expansão urbana:
grande expansão entre os anos 1949 e 1964, se
extensiva, descontínua e de baixa densidade,
espalhando por toda a extensão do município
a ocupação rarefeita do território que alguns
através da crescente malha viária, chegando
autores chamaram de padrão periférico .
até os municípios limítrofes de São Paulo.
A dinâmica territorial da metrópole se altera
A população da Subprefeitura de Itaquera saltou
significativamente pela conjugação de dois
de 15.246 habitantes na década de 1950 para
fatores: a instalação de grande número de in-
quase 37 mil na década seguinte, um aumento
dústrias automobilísticas e relacionadas na região
de mais de
do ABC paulista, impulsionando o crescimento
crescimento populacional ser quase o dobro da
rodoviarista da cidade e atraindo grande
de regiões mais centrais do município, como Sé
número de operários para a região leste, e a
e Pinheiros, sua densidade populacional ainda
mudança na escala da demanda habitacional,
é comparativamente baixa (Quadro 1).
2
2 Bolaffi, em 1979, utilizou o termo “padrão periférico de crescimento” e Bonduki, 1983 o termo “padrão periférico de urbanização” (MEYER, GROSTEIN, BIDERMAN, 2004).
município
em
1960:
2,46
hab/km²
242%. Apesar de sua taxa de
19
QUADRO 1. Taxa de crescimento populacional, de 1950 a 1960 Unidades Territoriais
Itaquera
Área (km²)
População
Hab/km²
População
1960
Hab/km²
Cidade Líder
10,2
7.254
711,18
15.064
1477
Itaquera
14,6
5.070
347,26
15.245
1044
José Bonifácio
14,1
Parque do Carmo
15,4
54,3
1.188
15.246
84,26
280,77
112,53
1.733
2.706
36.965
192
207,66 681
256
3.949
1950-1960 (%) 300,69 227,78
242,46
227,87
Pinheiros
31,7
169.003
5.331,32
247.079
7794
146,20
Sé
26,2
350.947
13.395
432.708
16.516
123,30
1.522.986
2.151.313
1,41
3.667.899
2,41
170,50
MSP Fonte: elaboração da autora com base nos dados: IBGE: Censos Demográficos, 1950, 1960
Sinopses Preliminares dos Censos Demográficos de 1950 e 1960 SMDU/Dipro - Retroestimativas e Recomposição dos Distritos para os anos 1950, 1960 Metrô/SP - Pesquisa Origem e Destino 2007
20
1950
MAPA 2. São Paulo: Mancha urbana, 1949. Fonte: elaboração do autor.
21
MAPA 3. São Paulo: Estradas de ferro, vias principais e mancha urbana, 1964. Fonte: elaboração do autor.
22
Junto com a industrialização iniciada a partir
de sua área inserida no plano, diferenciando
dos anos 1950, começa um processo de expansão
usos e parâmetros, as regiões norte e leste
da mancha urbana e especulação imobiliária
permanecem quase desprovidas de qualquer
no sentido leste, no espaço até então mais
definição e têm suas áreas identificadas como
ou menos ocupado por pequenas propriedades,
“não demarcadas”. Essa falta de controle
várzeas vazias e olarias.
materializou-se
em
uma
malha
urbana
fragmentada, com pequenas vias locais auto O descompasso entre realidade e ações públicas
construídas e sem planejamento.
de planejamento e controle urbano era tamanho que, em 1965, quando foi aprovada a primeria lei que regulava o uso do solo em zona considerada rural, a metrópole já havia alcançado uma mancha de aproximadamente 745 km² (MEYER,
GROSTEIN,
BIDERMAN,
2004),
avançando sobre as regiões antes rurais. Outro descompasso é visível no mapa de zoneamento de 1972, principal instrumento de planejamento urbano naquele momento. Ele mostra com clareza a diferença de postura quanto à gestão das diferentes regiões de São Paulo: enquanto as áreas ocupadas predomimantemente pelas classes mais altas da população (centro expandido, quadrante sudoeste) tem quase a totalidade
23
MAPA 4. Município de São Paulo – Zoneamento 1972. Fonte: Rolnik, 2000.
24
A partir dos anos 1970, no período de surto
do perímetro do município. Essas vias foram
rodoviarista, a região leste passou a ser sistema-
implantadas posteriormente à formação auto-
ticamente
crescente
construída da região e se sobrepuseram ao seu
importância de grandes avenidas, como a Av.
tecido irregular de forma brusca. Não existe uma
Salim Farah Maluf (1969), Av. Aricanduva (1979)
malha de transição entre essas duas escalas, local
e, porteriormente, a Av. Jacú-Pêssego (1995).
e metropolitana, e o resultado é um tecido
O Anel Viário Metropolitano, que compreende
urbano recortado, de baixa fluidez, com bairros
algumas das grandes vias da zona leste, construído
separados por barreiras urbanas quase intrans-
entre 1976 e 1985, carrega grandes fluxos
poníveis, além de enormes congestionamentos.
reorganizada
pela
metropolitanos, apesar de se situar dentro
FOTOS 1. (cont.) >
25
> FOTOS 1. Morfologia da região leste do município de São Paulo, composta por malha viária irregular e atravessada por grandes vias de fluxo rápido e vazios subutilizados, configurando uma série de barreiras urbanas de difícil transposição. O resultado é um tecido urbano de baixa fluidez. Fonte: Google Earth, 2011.
26
MAPA 5. São Paulo: Anel viário metropolitano, principais vias e cinturão industrial, 1974. Fonte: elaboração do autor.
27
FOTO 2. Congestionamento na Av. Alcântara Machado, principal ligação da região leste com o centro da cidade de São Paulo.
Mas apesar do crescimento rodoviarista, o elo
autoconstruída leste (ROLNIK, 2001), como pode
entre a cidade de São Paulo e as periferias pobres
ser visto no Mapa 5.
e distantes, principalmente a Zona Leste, permanece formado principalmente pelo sistema
É nesse quadro, a partir da década de 1960,
ferroviário, obsoleto e carente de investimentos
que o poder público acrescenta um forte com-
por parte do poder público. O cinturão industrial
ponente no processo de formação da periferia.
que se formou ao longo da E.F. Santos Jundiaí,
Na região de Itaquera perduravam extensos
somado à ferrovia propriamente dita configuram,
vazios e áreas semiocupadas, que chamaram a
desde então, uma forte barreira entre o centro
atenção do poder público para um enorme pla-
urbano da cidade e a ocupação
no habitacional. A COHAB-SP (Companhia de
28
periférica
Habitação de São Paulo) adquire glebas rurais
Previdência Social) e que foram passadas ao
no extremo leste para promoção de grandes
BNH (Banco Nacional de Habitação) para,
conjuntos
momento
finalmente, serem repassados à COHAB-SP. Os
os loteamentos populares, irregulares e clandes-
empreendimentos realizados foram possíveis
tinos, já eram uma realidade, assim como sua
graças a uma série de alterações na política
precariedade. Entre as décadas de 1960 e 1970
do BNH, que vinha promovendo a partir de
o maior incremento de ocupações irregulares
1960 maciça construção de grandes conjuntos
se encontrava justamente na região leste,
como política habitacional do governo fed-
com 167 hectares (MARCONDES, 1999).
eral e oferecendo financiamento através do
habitacionais.
Nesse
programa da PLANASA (Plano Nacional de A decisão da COHAB de investir em moradia
Saneamento). As principais exigência do
em grande escala se deu por uma questão
novo programa eram maior faixa salarial para
econômica, pelos preços acessíveis dos terrenos
financiamento das habitações – aumentou da
e presença de latifúndios improdutivos que
faixa de 1 a 3 salários mínimos (SM) para 3 a 5
serviam de lazer a famílias tradicionais. A cres-
SM – e o aumento da densidade de ocupação,
cente demanda por moradia, que na década
que passou de 150 hab/ha para 450 hab/ha.
de 1960 chegava a mais de 800 mil unidades, levou a COHAB a uma mudança de atuação, aumentando a proporção dos conjuntos construídos. Além disso, a região de Itaquera contava
com
outro
fator
determinante:
a existência de extensas glebas que pertenciam ao INAMPS (antigo Instituto Nacional de
29
MAPA 6. São Paulo: Conjuntos Habitacionais promovidos pelo poder público, 1988. Fonte: elaboração do autor com base nos dados de MEYER, GROSTEIN, BIDERMAN, 2004.
30
Nos anos 1970 e 1980, a população de Itaquera
foram construídos em Guaianases e Cidade
aumenta exponencialmente e este se consolida
Tiradentes. Só nesses complexos, entre 1980 e
como bairro dormitório, efeito causado princi-
1984, mais de 200 mil pessoas se instalaram.
palmente pela construção de enormes Conjuntos
Os quadros 2 e 3 revelam um crescimento cons-
Habitacionais pela Prefeitura (Mapa 6), a
tante e sempre acima da média da população
começar pelo Cohab I, na região do Arthur
na subprefeitura de Itaquera. Em especial en-
Alvim, na antiga fazenda Caaguaçu, seguido
tre os anos 1970 e 1990, quando contou com
pelo Cohab II e III, em José Bonifácio, em
um incremento de mais de 300 mil pessoas,
área antes pertencente à Fazenda do Mor-
aumentando em 330 % sua população.
gante. Além destes, outros grandes conjunto QUADRO 2. Crescimento populacional de 1950 a 2010 Unidades Territoriais Itaquera
1950
Cidade Líder
7.254
Itaquera
5.070
José Bonifácio
1.188
Parque do Carmo
1.733
Pinheiros MSP
1960
1970
15.246
15.245 2.706
1980
38.420
15.064 36.965
3.949
63.070 11.313
1991
70.508 129.314
16.511
126.727 24.049
2000
97.370 256.383
35.099
175.366 103.712
2010
116.841 431.191
54.743
201.512 107.082
126.597 489.502
64.067
204.871 124.122
523.848
68.258
169.003
247.079
297.644
378.617
339.630
272.574
289.743
2.151.313
3.667.899
5.924.615
8.493.226
9.646.185
10.434.252
11.253.503
Fonte: elaboração do autor com base nos dados: IBGE: Censos Demográficos, 1950, 1960, 1970, 1980, 1991, 2000 e 2010 Sinopses Preliminares dos Censos Demográficos de 1950 e 1960 SMDU/Dipro - Retroestimativas e Recomposição dos Distritos para os anos 1950, 1960 , 1970 e 1980
31
QUADRO 3. Taxa de crescimento populacional de 1950 a 2010 Unidades Territoriais Itaquera
1950-1960 (%)
1960-1970 (%)
1970-1980 (%)
1980-1991 (%)
1991-2000 (%)
Cidade Líder
207,66
255,05
183,52
138,10
120,00
Itaquera
300,69
413,71
200,93
138,38
114,91
José Bonifácio
227,78
Parque do Carmo
227,87
242,46
418,07
349,83
418,11
212,58
198,26
212,58
431,25
168,18
155,97
103,25
108,35 113,52
117,03
101,67 115,91
107,02
106,54
Pinheiros
146,20
120,47
127,20
89,70
80,26
106,30
MSP
170,50
161,53
143,35
113,58
108,17
107,85
Fonte: elaboração do autor com base nos dados: IBGE: Censos Demográficos, 1950, 1960, 1970, 1980, 1991, 2000 e 2010 Sinopses Preliminares dos Censos Demográficos de 1950 e 1960 SMDU/Dipro - Retroestimativas e Recomposição dos Distritos para os anos 1950, 1960 , 1970 e 1980
A construção das Cohab’s trouxe uma série de
não encontravam uma identidade própria.
problemas para a região, dentre eles a falta de
Em meio à vastidão formada por centenas de
identidade com o lugar. Os conjuntos habita-
prédios e apartamentos iguais, as pessoas mal
cionais em Itaquera e Guaianases significaram
conseguiam encontrar suas casas (LOPES, 2011).
um processo de massificação, trazendo milhares de pessoas das mais diversas regiões da cidade, sem nenhuma relação com o local e que não se reconheciam como parceiras. O espaço foi redefinido de forma violenta, sua identidade neutralizada, a memória sobreposta por uma massificada produção em série de moradias. Os moradores anteriores não reconheciam sua cidade nem seu passado e os novos habitantes
32
2000 -2010 (%)
FOTO 3. Conjunto Habitacional produzido pela COHAB-SP. Itaquera, São Paulo. Fonte: arquivo fotográfico SVMA (Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente).
Distantes dos locais de emprego e dos centros
das instalações disponibilizadas pela Cohab
de comércio, são ilhas desconectadas de
na região leste. Foram construídas, no caso do
qualquer relação com a cidade. A infraestrutura
Conjunto Habitacional José Bonifácio, quatro
da região foi sendo implantada de forma des-
creches para um universo de cerca de 98 mil
contínua, principalmente a partir de 1970, por
pessoas, ou seja, uma unidade para cada
pressão de iniciativas populares. Os investimentos
24.500 moradores. Não foram pensadas áreas
realizados pelo poder público, nesse sentido,
de comércio e serviços nem propostas de
são mais de conjuntura política do que fruto
desenvolvimento econômico complementares
de um processo planejado de expansão urbana,
às habitações. Hoje, o número de empregos di-
realizados apenas para responder às pressões de
sponíveis na região atende a pouco mais do que
grupos organizados. As habitações foram im-
10% da população total (Quadro 5), obrigan-
plantadas antes da chegada de equipamentos
do-a a um deslocamento diário de mais de 20
públicos. O Quadro 4 mostra a precariedade
quilômetros até regiões centrais onde a oferta
33
de postos de trabalho é mais farta. Essa pere-
casos, o gasto adicional com transporte não
grinação diária é feita através de um sistema
pode ser bancado pelos precários orçamentos
de transporte insuficiente e sobrecarregado a
das famílias moradoras da região, obrigando-as
partir de ônibus, trens e, posteriormente, metrô
a uma verdadeira condição de exílio.
(inaugurado em 1988). Além disso, em muitos
QUADRO 4. Características gerais dos conjuntos habitacionais Itaquera I, II e III Equipamentos
Itaquera I
Conjunto Habitacional Itaquera II e III Nome oficial: C. H. José Bonifácio
Distância do centro de São Paulo Área Construída Total de Unidades Apartamentos Casas Embriões População estimada
Equipamentos Comunitários Centros comunitários
21 km
28 km
648.000 m²
918.000 m²
12.260
19.600
11.610
17.240
650
1.782
_
578
61.300 habitantes
98.000 habitantes
27
11
(2.270 hab/equipamento)
(8.909 hab/equipamento)
6
_
Creches
4
4
EMEIs¹
4
4
Postos de Saúde
2
2
Escolas
5
6
Centro de Esporte, Saúde e Lazer
1
1
Igrejas
1
1
¹Escola Municipal de Educação Infantil Fonte: História dos bairros de São Paulo - Itaquera. LEMOS, Amália Inês Geraiges de. FRANÇA, Maria Cecília. São Paulo, 1999.
34
QUADRO 5. Densidade demográfica e Número de empregos por habitante, 2007 Unidades Territoriais
Itaquera
Área (km²)
Itaquera Cidade Líder
1.474 1.066
Parque do Carmo José Bonifácio
1.565 1.449
Pinheiros Sé
5.554 3.220 3.300 152.668
MSP
População 217.239 127.951 688.752 108.662
Densidade demográfica (hab/ha²)
522.604 236.630 367.282 10.896.639
147,38 120,03 440,10 74,99
94,10 73,49 111,30 71,37
Empregos 23.969 16.379 15.390 11.423
67.161 588.298 1.000.640 3.948.016
Empregos/ Habitante 0,11 0,13 0,02 0,11
0,13 2,49 2,72 0,36
Fonte: elaboração do autor com base em: IBGE: Censo Demográfico 2010 Metrô/SP - Pesquisa Origem e Destino 2007
A Linha 3 – Vermelha do metrô começou a
continua crescendo, até hoje (Quadros 2 e 3).
ser construída em 1972, mas alcançou o bairro
3 Uma série de investimentos viários, em infraestrutura e parques foram realizados no eixo que liga o centro de São Paulo até a Av. das Nações Unidas, passando por regiões como Consolação, Av. Paulista, Pinheiros, Higienópolis, Parque do Ibirapuera, Morumbi, Brooklin.
de Itaquera apenas em 1988. Foi planeja-
No processo de formação da região, a ação do
da para chegar até Guaianases, paralela à
Estado foi decisiva e aprofundou as desigual-
linha ferroviária e, em um segundo momento,
dades sócio-espaciais ao concentrar investi-
extender-se até Poá, o que acabou não ocor-
mentos em áreas já consolidadas e abastadas
rendo, mantendo como ponto final a leste
do município - notadamente o eixo sudoeste3
a Estação Corinthians–Itaquera. A linha, ao
- e, simultaneamente, confirmar a expansão da
ser inaugurada, já se encontrava saturada:
periferia atrevés da autoconstrução desregula-
só o bairro de Itaquera já contava, em 1980,
da, carente de investimentos e impulsionada –
com mais de 255 mil pessoas, número que
pode-se até dizer incentivada – pela promoção
chegou a 430 mil até o fim da década – e
de grandes conjuntos habitacionais nas franjas
35
do município, para onde foi enviado enorme
falta de uma política de desenvolvimento
contingente populacional de baixa renda. Hoje,
urbano que estimulasse a instalação de ativi-
a subprefeitura é mais densamente povoada
dades geradoras de empregos - consolidou
do que a média do município, ultrapassando,
a dinâmica de exclusão sócio-espacial iniciada
inclusive, bairros como Pinheiros (Quadro 5).
nas décadas anteriores.
A conjugação de três procedimentos - a conivência com a abertura de loteamentos irregulares, a construção de conjuntos habitacionais de escala desproporcional e desconectados das redes de infraestrutura urbana e a
36
2. PLANOS MUNICIPAIS PASSAM A CONTEMPLAR A REGIÃO LESTE
A partir da década de 1990, diferentes
voltada para interesses econômicos, de aumento
visões sobre o território levaram à elaboração
das possibilidade de acumulação de capital,
de grandes projetos para a Zona Leste de
aproveitando a conexão estratégica entre
São Paulo. Por um lado, uma perspectiva de
dois dos maiores equipamentos logísticos de
desenvolvimento socioeconômico para uma
transporte de carga e mercadorias do país, o
região historicamente vulnerável, buscando
aeroporto de Guarulhos e o porto de Santos.
reverter o quadro de isolamento e expansão a partir de grandes conjuntos habitacionais,
A idéia de ‘revitalização’ através de grandes
loteamentos irregulares e autoconstrução. Por
projetos catalisadores de transformações passa
outro, alguns indícios parecem se sobrepor ao
a ditar o novo planejamento urbano. Seu
desejo de reverter a realidade socioespacial
objetivo principal é atrair a atenção do mercado
excludente, indicando uma motivação mais
imobiliário e impulsionar um processo de
37
valorização de seu entorno, além de criar ‘marcos’
que a região possui uma ‘vocação cultural’
na cidade. Não raro, esses grandes projetos
e buscando atrair um novo perfil de morador.
são diretamente vinculados a uma gestão da
Outra forma de megaprojeto são as faraôni-
prefeitura, tornando-se símbolos de grupos
cas obras viárias, como o Túnel Ayrton Senna,
políticos. No caso de São Paulo, é possível citar
a nova Ponte Estaiada, a duplicação da Marginal
como exemplo os investimentos realizados
Tietê, os Túneis Jânio Quadros e Sebastião
no centro da cidade em grandes equipamentos
Camargo
culturais, como a Pinacoteca do Estado, a Sala
(para citar alguns exemplos, pois existem
São Paulo, o Museu da Língua Portuguesa e
muitos outros), todos construídos dentro
a futura Praça das Artes, sob a justificativa de
do perímetro do centro expandido.
e
a
Avenida
Água
Espraiada
QUADRO 6. Ações e Leis incidentes na Região Leste a partir da década de 1990 Ações
Ano 1995-2012
Av. Jacú-Pêssego Lei nº 13.430
Plano Regional Estratégico (PRE)
Lei nº 13.885
2004
Operação Urbana Consorciada Rio Verde - Jacú (OUC-RVJ)
Lei nº 13.872
2004/2011 2004/2011-2012
Polo Institucional e Tecnológico de Itaquera
2004/2011-2014
Parque Linear Rio Verde - Jacú Leis de Incentivos Seletivos para a Região Leste
Leis nº 13.833, 14.654 e 14.888
Concessão de Incentivos Fiscais para construção de estádio para a Copa 2014
Lei nº 15.413
Intervenções viárias no entorno da estação de Metrô Corinthians-Itaquera Fonte: elaboração do autor
38
2002
Plano Diretor Estratégico (PDE)
2004/2007/2009 2011 2011-2012
No caso da zona leste, a ligação estratégi-
- 1992) e seu primeiro trecho inaugurado em
ca entre o aeroporto e o porto é utilizada
1995 durante a gestão de Paulo Maluf (1993 -
como justificativa de uma ‘vocação logística’,
1996) e vem, desde então, sofrendo uma série
servindo-se desse argumento para investir em
de prolongamentos, sendo o mais recente o
grandes projetos que visam aflorar esse poten-
trecho sul, inaugurado em novembro de 2011.
cial e atrair o interesse do mercado na região. A Avenida Jacu-Pêssego foi pensada como parte O capítulo a seguir contempla as ações que
de um anel viário, fazendo a ligação entre o
marcaram a política urbana na Zona Leste a
aeroporto de Guarulhos e o porto de Santos
partir da década de 1990, considerando leis e
(Mapa 7). Essa importante conexão atravessando
grandes projetos, para observar de que forma
uma região de grandes vazios fez com que
se deu a mudança de postura quanto à gestão
a avenida se mostrasse um eixo com grande
urbana da região e quais foram seus impactos.
potencial
de
desenvolvimento
industrial.
Criou-se um programa de incentivos a estabelecimentos fabris e posteriormente a Operação
2.1 ABERTURA DA AV. JACU-PÊSSEGO/ NOVA TRABALHADORES
Urbana Consorciada Rio Verde-Jacu (2004 e 2011), com a mesma intenção de atrair indústrias e gerar empregos. Entretanto, com a construção do trecho leste do Rodoanel, torna-se necessária
O complexo Jacú-Pêssego teve seu pri-
a revisão de sua função.
>
meiro projeto formulado durante a gestão de Luíza Erundina na Prefeitura de São Paulo (1989
39
MAPA 7. São Paulo: Ligação entre o Aeroporto de Cumbica e o Porto de Santos através da Av. Jacú-Pêssego, passando por Itaquera. Fonte: elaboração do autor.
40
A via foi traçada com dimensões de rodovia,
moradores por ligações entre os dois lados
de caráter expresso. Porém foi sobreposta a
transformou-a numa avenida semi-expressa,
um tecido urbano anterior, resultado de uma
com semáforos em alguns pontos. Ainda assim,
urbanização precária e sem planejamento,
apresenta altos índices de atropelamento,
composto por uma malha irregular de pequenas
um dos mais altos da cidade, devido à
vias e grande adensamento, culminando
incompatibilidade entre seu uso de ligação
numa relação conflituosa com a avenida. Bairros
rápida metropolitana e o tecido local.
foram cortados e divididos e a demanda dos
FOTO 4. Av. Jacú-Pêssego, cortando o tecido viário anterior.
41
Essa inconciliação levou à necessidade de novos
No caso do trecho sul, que liga a avenida ao
investimentos para construção de marginais e
município de Mauá, no período de sua inau-
transposições. Dentre os planos existentes para
guração (2010) existiam apenas três passarelas
a região, é citada inúmeras vezes a necessidade
provisórias5 para uma extensão de 13,2 km.
4 Operação Urbana Consorciada Rio Verde – Jacú, Plano Regional Estratégico de Itaquera, Pão Miguel Paulista e São Matheus.
de “recomposição das áreas atingidas pelas intervenções no sistema viário estrutural
Ainda assim, a via melhorou a acessibilidade
e
local e intrabairros, porém não se configurou
os
de
transporte
danos
público”4,
causados
ao
evidenciando
tecido
urbano
pela aberturas de grandes avenidas.
como uma nova centralidade, tampouco conseguiu atrair expressivo número de atividades
5 “Nova Jacu-Pêssego será inaugurada com passarelas provisórias”, acessado em 23.05.2012.
da propostas no traçado original, tornando
Antes de adentrar no tema específico da criação
o acesso à Avenida Jacu-Pêssego bastante
do Plano Diretor Estratégico do Município
limitado e escasso, configurando-se mais
de São Paulo, é fundamental falar de dois
6 Art. 11 – A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, no mínimo, os seguintes requisitos: I - o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social, o acesso universal aos direitos sociais e ao desenvolvimento econômico; II - a compatibilidade do uso da propriedade com a infraestrutura, equipamentos e serviços públicos isdponíveis; III - a compatibilidade do uso da propriedade com a preservação da qualidade do ambiente urbano e natural;
como barreira urbana do que como ligação.
artigos da Constituição Federal, incluídos a
(cont.) >
produtivas, industriais e de logística no seu Isso porque, apesar do discurso de seu potencial
entorno, principalmente pela falta de outras infra-
para tornar-se catalisadora de usos comerciais
estruturas necessárias à atividade industrial.
de serviços e melhorar a dinâmica de empregos do seu entorno, ela não foi construída para usufruto da população moradora da zona leste, mas para ligar duas regiões economicamente estratégicas – o porto de Santos e o aeroporto de Guarulhos. Prova disso é o reduzido
2.2 PLANO DIRETOR ESTRATÉGICO E PLANOS REGIONAIS
número de ligações entre as vias locais e a aveni-
42
> IV - a compatibilidade do uso da propriedade com a segurança, bem estar e a saúde de seus usuários e vizinhos. (...) Art. 13 - Para os fins estabelecidos no artigo 182 da Constituição da República, não cumprem a função social da propriedade urbana, por não atender às exigências de ordenação da Cidade, terrenos ou glebas totalmente desocupados, ou onde o coeficiente de aproveitamento mínimo não tenha sido atingido, ressalvadas as exceções previstas nesta lei, sendo passíveis, sucessivamente, de parcelamento, edificação e utilização compulsórios, Imposto Predial e Territorial Urbano progressivo no tempo e desapropriação com pagamentos em títulos. (Fonte: Lei nº 13.430/02, Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, 2002) 7 Constituição Federal, 1988, Art nº 182 § 4º.
partir da demanda de movimentos de reforma
porém, ser definidos no Plano Diretor (PD) de
urbana que, através de uma emenda popular
cada município, obrigatório para cidades com
que recolheu milhares de assinaturas (os
mais de 20 mil habitantes, segundo a Consti-
números variam de 120 mil a 160 mil nomes),
tuição. Os parâmetros de obrigatoriedade para
regulamentou a política urbana brasileira
criação do Plano Diretor foram detalhados no
com a inclusão dos Artigos 182 e 183. Dentre
Estatudo da Cidade, aprovado em 2001, regu-
seus pontos mais importantes destaca-se a
lamentando os Artigos 182 e 183. Estabelece
Função Social da Propriedade e a indicação
que “cidades integrantes de regiões metropo-
de instrumentos que devem ser aplicados
litanas e aglomerações urbanas, as integrantes
para o cumprimento desta. São eles:
de áreas de especial interesse turístico e as
6
inseridas na área de influência de empreendi• parcelamento ou edificação compulsórios;
mentos ou atividades com significativo impacto
• imposto sobre a propriedade predial e
ambiental de caráter regional ou nacional”8
territorial urbana progressivo no tempo;
devem elaborar um PD. Portanto, por maior
• desapropriação com pagamento mediante
força que a utilização efetiva do conceito de
títulos da dívida pública de emissão previa-
função social da terra pudesse ter, sua aplicação
mente aprovada pelo Senado Federal, com
ficou dependente da aprovação de um outro
prazo de resgate de até dez anos, em par-
plano. Até lá, era apenas uma promessa.
celas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.7
8 ESTATUTO DA CIDADE. Guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Instituto Pólis/ Laboratório de Desenvolvimento Local. Brasília, 2001.
A
elaboração
de
planos
diretores
para
municípios com mais de 20.000 habitantes já Tanto o conceito de função social da proprie-
é uma exigência do Governo Federal desde
dade quanto os instrumentos citados deveriam,
a Constituição de 1988. Mas apenas com o
43
Estatuto da Cidade se estabeleceu um prazo, até
não detalha. São os Planos Regionais, Lei de
outubro de 2006, para que essa obrigatoriedade
Uso e Ocupação do Solo, Plano de Circulação
fosse cumprida. Em setembro de 2002, durante
e Transporte e o Plano de Habitação. Até 2006
o mandato da então prefeita Marta Suplicy, foi
deveriam ser desenvolvidas as ‘ações estratégi-
finalmente aprovado o Plano Diretor Estratégico
cas’ previstas no Plano Diretor e propostas novas
(PDE) para o município de São Paulo :
diretrizes para um segundo período, até 2012.
9
Nessa fase, foi prevista a revisão do PDE. “O PDE define a política de desenvolvimento urbano do município; a função social
Grande parte dos 308 artigos são generalidades –
da propriedade urbana; as políticas públicas
diretrizes, objetivos, conceitos – que não obrigam
do
urbanístico-
ninguém a fazer nada. Em nenhum momento
ambiental; a gestão democrática.” (Lei nº
são previstas sanções para o não cumprimento
13.430/02, Plano Diretor Estratégico do
das 338 ações estratégicas propostas, nem
Município de São Paulo, 2002)
enunciado quem deverá executá-las, como e
Município;
o
plano
com quais recursos. Ao longo das 206 páginas, O PDE define conceitos relativos ao planeja-
10 mapas e 19 tabelas, é muito difícil iden-
mento urbano, prevê uma série de ações e dire-
tificar o que de fato será feito da cidade.
trizes, porém determina e obriga, de fato, muito pouco. As ações previstas são, na verdade,
Como bem descreve Flávio Villaça (2005), trata
resultados previstos, sem um plano de ações
-se de uma “prática burocrática de produzir
consistente. São estipulados prazos para a
planos”. Alguns definem diretrizes, porém sem
criação de mais planos, que deverão definir
oferecer meios reais para executá-las (caso do
mais minuciosamente o que o Plano Diretor
Plano Diretor Estratégico), outros tratam de
44
9 Lei 13.430, 13 de setembro de 2002.
10 O próprio nome do instrumento insiste em manter o que alguns urbanistas (tendo Ermínia Maricato como principal referência) consideram a raíz do problema das cidades: a questão fundiária e de propriedade da terra. Ao trocar “função social da propriedade” por “função social da terra”, talvez já se vislumbrasse uma mudança de postura mais consistente frente ao conceito de posse da terra e fosse possível extender o conceito de função social para além da propriedade.
instrumentos, mas não definem os conceitos
2 e 3 e na Operação Urbana Centro. Ou seja:
para os quais os instrumentos foram criados.
a função social da propriedade, um conceito
Um exemplo é a já mencionada função social
que deveria se extender à cidade como um
da propriedade : sua obrigatoriedade foi in-
todo, se restringe apenas a zonas especiais.
10
stituída pela Constituição Federal de 1988, os instrumentos para sua aplicação foram deta-
A irracionalidade e o excesso de planos serve tan-
lhados no Estatuto da Cidade de 2001, mas seu
to para desmoralizá-los quanto para sustentar
significado legal estava vinculado aos Planos
sua imagem tecnocrática (VILLAÇA, 2005).
Diretores, que no caso de São Paulo só foi aprovado em 2002. A Lei nº 15.234/2010,
“São cortinas de fumaça para tentar ocultar
que institui os instrumentos (listados no início
o fracasso da classe dominante em resolver
deste capítulo) para o cumprimento da Função
problemas urbanos.” (VILLAÇA, 2005:21)
Social da Propriedade Urbana no Município de São Paulo, só foi regulamentada em novembro
Os planos são exigidos, porém não são tratados
de 2010, através do Decreto nº 51.920 assinado
pelo poder público com seriedade. Uma forma
pelo então prefeito Gilberto Kassab. Em setem-
interessante de ilustrar a falta de diálogo entre
bro de 2011 foram entregues as primeiras no-
realidade e planos é observar, durante o pro-
tificações para 1.053 proprietários de lotes que
cesso de desenvolvimento dos Planos Region-
não cumprem sua função social. De acordo com
ais, as audiências públicas realizadas em 2004
a prefeitura, o número de imóveis notificados
para debatê-los com a sociedade. O Estatuto
corresponde a 3 milhões de m2. As notificações
da Cidade exige a realização de três audiências
se aplicam a terrenos e edifícios localizados
públicas como parte do processo participa-
em Zeis (Zona Especiais de Interesse Social)
tivo de construção dos planos. Em regiões
45
conhecidas pelo alto patamar de seus mora-
vida da população mais vulnerável de São Paulo:
dores na hierarquia socioeconômica da cidade,
em nada. Sabem que eles não contemplam
como Pinheiros, foi realizada uma consulta para
os problemas das classes populares excluídas.
toda a subprfeitura, que conta com cerca de
Portanto, nem os Planos e nem a população da
343 mil habitantes. Já no caso da Zona Leste,
Zona Leste têm nada a dizer um para o outro.
foi chamada apenas uma audiência pública
As audiências públicas são circos organizados
para todas as 11 subprefeituras que a compõe
de forma a impedir o diálogo objetivo e claro,
– um universo de mais de 3,69 milhões de
chamadas apenas para cumprir um protocolo
pessoas, ou 35,4 % da população paulistana. Na
e não para incluir a voz da população na
primeira, compareceram 85 pessoas no horário
discussão dos rumos da cidade.
de pico, enquanto na segunda foram apenas 60. O que se entende disso? Para um olhar de-
Alguns instrumentos elaborados pelo Plano
satento, pode parecer puro descaso da popu-
Diretor Estratégico, entretanto, conseguem in-
lação de baixa renda – grande maioria moradora
terferir diretamente no desenho da cidade. São
das regiões leste e sul da cidade – por não com-
aqueles relacionados à questão do zoneamento
parecer em peso e também da própria Câmara
e associados ao controle de uso e ocupação do
Municipal,
diferenciado
solo, como a Outorga Onerosa11, a Transferência
para cada área (e conseqüentemente grupo social)
do Direito de Construir12 e as Operações Urbanas
da cidade ao oferecer apenas um espaço de de-
Consorciadas (OUCs), estas últimas tratadas
bate para uma parcela tão grande da população.
com maior profundidade mais adiante.
com
tratamento
Mas uma interpretação que parece mais adequada é a de que ambos sabem de que forma esses Planos podem transformar – para melhor - a
46
Trazem uma nova forma de abordar o espaço
11 Outorga Onerosa é a concessão, pelo Poder Público, de potencial construtivo adicional acima do Coeficiente de Aproveitamento (CA) médio até o CA máximo estabelecidos para cada área, mediante pagamento de contrapartida financeira (Lei nº 13.430/2002, Art. 146).
12 Transferência do Direito de Construir é o direito de construir em outro local o restante do potencial construtivo de um determinado imóvel urbano, no caso de este ser tombado ou protegido, utilizado pelo poder público para implantação de equipamentos públicos ou servir a programas de regularização fundiária para população de baixa renda. Nesses três casos, o proprietário do lote pode utilizar o potencial subutilizado em outro lote, segundo cálculo específico (Lei nº 13.430/2002, Art. 217 e 218).
urbano, enfatizando a implementação dos chamados Grandes Projetos de Desenvolvimento Urbano (GPDU), com vetores privilegiados e “estruturantes”do desenvolvimento.
2.3 AS OPERAÇÕES URBANAS CONSORCIADAS As
Operações
Urbanas
Consorciadas
São operações emblemáticas, voltadas para a
(OUC) são instrumentos urbanísticos definidos
monumentalidade espetacular e projeção da
no Estatuto da Cidade como
imagem urbana. O que eles têm em comum é que oferecem incentivos para a ação da ini-
“o conjunto de intervenções e medidas
ciativa privada em determinadas áreas e sua
coordenadas pelo Poder Público munici-
implantação depende do interesse do mercado
pal, com a participação dos proprietários,
imobiliário, que tende a se concentrar em áreas
moradores, usuários permanentes e investi-
já imobiliariamente dinâmicas. A concessão de
dores privados, com o objetivo de al cançar
vantagens fiscais para a iniciativa privada sin-
em uma área transformações urbanísticas
tetiza a nova forma de gerir as cidades dentro do
estruturais, melhorias sociais e a valorização
capitalismo contemporâneo. Suas consequën-
ambiental. “(Art. 32 § 1)
cias são nebulosas, pois tendem à perpetuação
13 Trata-se do máximo aproveitamento construtivo de um lote, ou seja, o máximo de área construída permitida em um terreno.
do ciclo de investimentos para os já favorecidos,
Seu principal mecanismo é a alteração do
enquanto os excluídos permanecem social,
potencial construtivo13 e maior permissividade
econômico
exilados,
quanto aos tipos de uso permitidos nos lotes
aumentandoo abismo entre as classes sociais.
pertencentes ao perímetro definido pela
e
espacialmente
operação. Cada OUC tem sua abrangência, seus objetivos e os instrumentos de apoio utilizados tratados em lei específica.
47
MAPA 8. São Paulo: Operações Urbanas Consorciadas. Em destaque, Operação Urbana Consorciada Rio Verde-Jacú, 2011.
48
14 Parte dos lucros adicionais obtidos.
15 Fonte: SP Urbanismo – SMDU.
Ao alterar os índices de potencial construtivo e
especulação imobiliária financeirizada (Fix,
usos permitidos, ou executar melhorias em uma
2000). A lógica do CEPAP só funciona se o título
determinada área, o poder público promove
é valorizado, pois só assim sua compra des-
sua valorização fundiária. As contrapartidas
14
pertaria algum interesse, de forma que devem
recolhidas da iniciativa privada permitem a
estar vinculados a uma área que apresente
recuperação dessa valorização pelo poder
perspectivas de valorização imobiliária.
público e podem ser pagas através de dinheiro, bens imóveis ou títulos financeiros especí-
Os recursos obtidos através das contraparti-
ficos, os CEPACs - Certificados de Potencial
das só podem ser utilizados pelo poder públi-
Construtivo. Este último é um título emitido
co dentro do perímetro da operação urbana,
pelo Município e equivale a determinado valor
reinvestindo na mesma área, e a deliberação
de metros quadrados para utilização em área
sobre a destinação do montante arrecadado
adicional de construção ou em modificação
é feita por um Conselho Gestor formado por
de usos e parâmetros de um terreno dentro do
representantes do poder público e da socie-
perímetro da OUC . São vendidos em leilões
dade civil.
15
e podem, depois de arrematados, ser negociados livremente no mercado secundário, até
As Operações Urbanas foram aclamadas como
que sejam vinculados a um lote dentro do
alternativa ideal ante o congelamento financeiro
perímetro da Operação Urbana Consorciada.
e falta de verbas das prefeituras. Ao permitir
Por ser um título, seu preço oscila conforme
a compra de exceção à lei de zoneamento,
o mercado. Como sua compra é aberta a
como direito de construir além do permitido,
qualquer um, independente de ter ou não um
aumento da ocupação do terreno ou instalação
lote na região, o resultado é um novo tipo de
de atividade não prevista na legislação, a
49
prefeitura desperta o interesse do mercado para
pressão para realização de novos investimentos.
investir em uma região e, em troca, recebe o pa-
As OUCs pressupões algum interesse do mercado
gamento de contrapartidas. Direferentemente
imobiliário na região, fazendo com que se con-
das operações interligadas, instrumento prede-
centrem em setores já privilegiadas da cidade.
cessor das OUCs e que se restringia ao lote,
Geralmente incluem importante investimento
resolvendo o problema de investimentos isola-
inicial do Estado, a fim de criar uma perspectiva
dos, as operações urbanas expandiram a pos-
de valorização e dessa forma atrair investidores.
sibilidade de venda de exceção à lei de zonea-
São as chamadas “âncoras” ou “projetos motor”,
mento para regiões inteiras, permitindo criar
como novas avenidas (no caso da OUC Faria
zonas “planejadas”. O enorme e rápido aumento
Lima e Água Espraiada) ou equipamentos
da densidade dessa área, graças à maior ocu-
culturais (OUC Centro), por exemplo (FIX,
pação permitida, gera a médio prazo uma
2000).
sobrecarga na infraestrutura e conseqüente
FOTO 5. (esq.) Ponte Estaiada e Av. Roberto Marinho, dentro do perímetro da OUC Água Espraiada.
FOTO 6. (dir.) Av. Faria Lima, parte da OUC Faria Lima.
50
FOTO 7. (esq.) Pinacoteca do Estado, reformada em 1998.
FOTO 8. (dir.) Sala São Paulo, inaugurada em 1999.
Esta é uma importante contradição. A as-
iniciativa privada (FIX 2000). Se a operação
sociação entre Estado e capital é legitimada
vingar, o poder público pode contar com reem-
por instrumentos urbanísticos de parceria que
bolso dos investimentos realizados, porém, se
tomam como justificativa a crise fiscal, diante da
der errado, é o único a arcar com os prejuízos.
qual o Estado não teria condições de financiar, sozinho, obras urbanas, de forma que a única
A questão para entender os impactos da oper-
alternativa seria assumir o papel de ‘promotor’,
ação urbana não está apenas em seus aspectos
facilitando e criando condições para que a
técnicos, que por si só não têm a propriedade
oferta de infraestrutura seja feita pela própria
de ser benéficos ou maléficos, mas em sua
51
implementação em nível municipal. Ou seja, é
e o privado, ambos se ajudando mutuamente:
acima de tudo uma questão política e de gestão
a prefeitura cria condições para o mercado
do instrumento, já que depende de participação
atuar com grande liberdade e arrecada recursos
ativa da sociedade civil para impor um proje-
para investir ainda mais na região, promovendo
to que contemple seus interesses, colaborando
sua valorização e dinamizando seu mercado. Pois
para a construção de uma sociedade mais inclu-
bem, mas o que acontece quando a população
dente, como definido pelo Estatuto da Cidade.
não pertence à realidade do mercado? A proposta
Caso contrário, o instrumento abre espaço para
da OUC beneficia apenas quem já está dentro
a dominação por parte do mercado imobiliário,
dessa lógica e alimenta o ciclo de exclusão
permitindo que este aja com força total e
dos que não se enquadram nessa forma de
grande flexibilidade (Ferreira, Maricato, 2002).
crescimento – a grande maioria da população.
A redação das leis permite diferentes interpre-
“Políticas públicas que se associem à inicia-
tações, o que pode representar um risco, pois
tiva privada visando uma dinamização do
são as circunstâncias e os interesses que defi-
mercado como alavanca para a revitalização
nem de que forma ela será aplicada. Além disso,
urbana
por mais promissores que soem os discursos
parte da sociedade. Considerando a dimensão
em favor das operações urbanas consorciadas,
do mercado imobiliário legal entre nós, as
ter em mente o abismo que costuma separar
idéias neoliberais de fortalecimento do
o discurso da realidade é crucial.
poder do mercado e diminuição do papel
O ponto de partida da operação urbana consiste
do Estado mostram-se completamente deslocadas.” (FERREIRA e MARICATO, 2002)
na parceria que se cria entre o poder público
52
fatalmente
atingirão
somente
FOTO 9. Favela da Paz, em Itaquera, será removida até 2014 para construção do Parque Linear Rio Verde.
O objetivo arrecadatório se sobrepõe à possi-
Isso tem conseqüencias diretas para a população
bilidade de execução de um plano maior.
de baixa renda que mora dentro ou próxima a
A OUC torna-se um fim em si e suas áreas
esse perímetro, resultando em sua expulsão da
passam a ser escolhidas pelo critério da “mais
região, quase sempre para áreas mais distantes
rentável”, ou seja, são as áreas que mais des-
e precariamente servidas de infraestrutura, não
pertam o interesse do mercado imobiliário, em
raro áreas de proteção ambiental. Isso porque a
detrimento daquelas que realmente necessitam
valorização imobiliária decorrente dos investi-
intervenção, como as periferias.
mentos realizados e da especulação resultante 53
tornam enorme a pressão para que deixem a
objetivos sociais enquanto não houver efetivo
região, a fim de liberar seu espaço para empreen-
controle social por parte da população.
dimentos mais rentáveis ao mercado. Os altos
Porém, é importante refletir quanto a um dos
preços da terra inviabilizam sua permanência.
pontos que levou ao “sucesso” das OUCs: a possibilidade de flexibilizar a enrigecida legis-
Torna-se um ciclo, pois a proximidade com a
lação funcionalista17, principalmente quanto à
população de baixa renda é grande fator de
regulação de uso e ocupação do solo em todo
desvalorização do entorno e é portanto de
o território (Ferreira, Maricato, 2002). Pois essa
interesse dos investidores estar o mais longe
é, de fato, uma discussão importante, já que
possível dessa realidade. Caso ela se encontre
freqüentemente essa normatização não leva em
“perigosamente” próxima, a opção adotada
conta especificidades locais, peculiaridades dos
é removê-la, como ocorreu com as favelas da
territórios e as características que os tornam
Operação Urbana Água Espraiada16. A promessa
um lugar. A impessoalidade e frieza dos planos
de melhorar a qualidade de vida dessas pessoas
funcionalistas que excluem a espontaneidade
se inviabiliza pela própria proposta da operação,
demandou formas diferentes de gerir a cidade.
de valorização imobiliária. Em nenhuma das operações vigentes em São Paulo as habitações
sociais
foram
construídas,
apesar de previstas em seus textos.
A OPERAÇÃO URBANA CONSORCIADA RIO VERDE-JACU
A OUC Rio Verde-Jacú é uma das nove Operações Urbanas definidas no Plano Diretor de 2002.
O fato é que a regulação, frequentemente exa-
Foi aprovada em 12 de julho de 2004 através
gerada, convive lado a lado com o desres-
da Lei nº 13.872/04, durante a gestão de
peito à lei. Nenhum instrumento atingirá seus
Marta Suplicy (2000-2004), articulada ao
54
17 Refere-se aqui às leis que pretendiam abarcar a normatização do uso do solo no território urbano como um todo, de controle centralizado e burocrático, freqüentemente ignorando as especificidades de cada local (FERREIRA, MARICATO, 2002).
16 Para tratar do assunto com maior profundidade, ver o livro Parceiros da Exclusão, de Mariana Fix, 2000, editora Boitempo.
Plano de Desenvolvimento da Zona Leste
A Lei nº 13.872/04 traz como diretrizes espe-
com o objetivo de atrair investimentos gera-
cíficas o incremento de atividades industriais,
dores de emprego e renda para a região. O Estudo
comerciais e de serviços na região, a fim de
de Impacto Ambiental e o Relatório de Im-
fomentar a geração de novos postos de tra-
pacto Ambiental (EIA-RIMA) não haviam
balho. Articulada a isso está a proposta de
sido,
prevista
criação do Polo Institucional e Tecnológico
sua realização posteriormente, o que acabou
de Itaquera, que contará em seu projeto
não ocorrendo. Com a mudança de gestão e
com um polo educacional voltado para a for-
reestruturação interna equipe de Operações
mação e capacitação profissional, pensado
Urbanas, o escritório técnico foi desativado
para qualificar a mão de obra da região
e a OU foi deixada de lado, permanecendo
para os novos empregos a serem gerados.
porém,
aprovados,
sendo
congelada até 2010, quando surge interesse 18 Direito de Preempção: confere ao poder público municipal a preferência na compra de imóvel particular. Caso o proprietário tenha intenção de vender um imóvel que se encontre dentro de perímetro sob ação do direito de preempção, a Prefeitura deve ser notificada e terá, a partir daí, 30 dias para manifestar interesse. Caso isso não ocorra, o proprietário fica livre para vendê-lo a terceiros nas condições da proposta apresentada, isto é, o valor oferecido não deve ser mais baixo do que aquele apresentado à prefeitura.
do governo em implantar as OUCs Lapa-Brás
Outras diretrizes são a criação de projetos
e Mooca-Vila Carioca e, com o anúncio da
especiais, criando áreas verdes junto aos cór-
Copa do Mundo e possível sede de São Paulo
regose áreas de risco, a regularização fundiária
no futuro estádio do Corinthians, em Itaquera,
e melhoria das condições de habitabilidade
volta também o interesse em retomar a OUC
e criação de habitação de interesse social (HIS)
Rio Verde-Jacú. O novo pacote de licitações
e de mercado popular (HMP).
foi aberto em 23 de junho de 2011 para contratação de projetos e estudos para a revisão
Quanto às áreas definidas sob ação de direito de
da lei anterior. Em 14 de maio do ano seguinte
preempção18, instrumento previsto nas opera-
(2012) foi anunciado o consórcio vencedor.
ções urbanas, o foco está voltado para intervenções de caráter prioritariamente viário, tanto
55
em escala regional quanto local. No âmbito local também são previstas HIS e projetos especiais compostos por parques e áreas verdes. Os estoques de área adicional de construção são distribuídos por subsetores, cada qual podendo sofrer um acréscimo de até 20% da área indicada a priori, respeitando o estoque total de 3,57 milhões de metros quadrados. Os centros de comércio e serviço foram desenhados com vistas à criação de novas centralidades, inexistentes na região até o momento. Essa falta de centralidades é fruto da urbanização sem planejamento e de um desenho de vias sem organização ou hierarquia.
56
MAPA 9. OUC Rio Verde-Jacú. Centros de Comércio e Serviço, 2004. Fonte: Lei nº 13.872/04.
MAPA 10. OUC Rio Verde-Jacú. Setores, 2011. Fonte: Termo de Referência para a Operação Urbana Rio Verde-Jacú, 2011.
REVISÃO DA LEI
A justificativa apresentada no termo de referência para a revisão da Lei nº 13.872/04 de 2004 consiste na aprovação de novas leis urbanísticas (Planos Regionais Estratégicos, Lei de Incentivos Seletivos para a Zona Leste, Polo Institucional Itaquera) e nos investimentos que vem sendo realizados ou programados para a região num futuro próximo, como o prolongamento da avenida que dá nome à operação, resultando numa revisão de seu perímetro de abrangência. Segundo entrevista realizada com representante da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU), Maria Teresa Oliveira Grillo19,
19 Entrevista realizada em 14 de novembro de 2011.
a revisão da lei se mostrou necessária pois, ao tentar ser inovadora, acabou se mostrando equivocada e ineficiente, por ser deslocada dos Planos Regionais das subprefeituras. A nova lei se propõe a aprofundar as questões levantadas nos planos e compatibilizar as duas escalas. Os estudos iniciais já foram realizados dentro
57
do âmbito da prefeitura e aguardam aprofun
estratégicos propostos pela OU, três têm como
do âmbito da prefeitura e aguardam aprofun-
diretriz, dentre outros, a “recomposição de
damento a ser feito pela empresa contratada. A
áreas atingidas por intervenções no sistema
lei, entretanto, será redigida dentro da Secretaria
viário”.
Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU). O pré-texto já existe e aguarda revisão
Outros objetivos são a diversificação do uso do
após os estudos. Para a comparação aqui
solo e do padrão de construção, incentivando
apresentada, será utilizado o último termo de
o remembramento de lotes, a verticalização e
referência publicado, em outubro de 2011.
o desadensamento construtivo. Ou seja, lotes populacionalmente mais adensados com menor
Os principais objetivos da Operação Urbana Rio
taxa de ocupação do terreno. O desdobramen-
Verde-Jacú são o desenvolvimento econômico
to desses incentivos será, certamente, um pro-
e a geração de empregos através do incremento
longamento para a zona lesta da cidade do
das atividades industriais, comerciais e de
padrão urbanístico que vem sendo adotado no
serviços. As principais intervenções previstas
restante da cidade, de condomínios fechados
são de caráter viário e de drenagem, visando
isolados no lote e sem relação com seu entorno,
recompor o tecido urbano rasgado por grandes
em contrapartida ao padrão horizontal, denso
avenidas e para as quais será destinada grande
e de pequenos lotes, predominante hoje. Para
parte dos recursos da operação. Esses projetos
isso, os parâmetros urbanísticos exigidos serão
deverão ser realizados conjuntamente com
simplificados, dando maior flexibilidade às leis
a SEHAB, devido às remoções previstas para
ao permitir diferentes usos e coeficientes de
as obras. Não há projetos vinculados à rede
aproveitamento maiores, a fim de atrair o in-
de transporte público. Dos cinco projetos
teresse do mercado para a região.
58
FOTOS 10. Morfologias predominantes na Zona Leste, no perímetro da OUC Rio Verde-Jacú.
O plano urbanístico específico prevê uma divisão da área total em grandes setores, caracterizados por certa autonomia funcional e espacial e que deverão se submeter a uma série de regras propostas (Mapa 10). São eles: • comércio e serviço, consideradas Zonas de Centralidade Polar e incluídas no Programa de Incentivos Seletivos da Zona Leste, que será tratado adiante. Entre elas está o Polo Institucional Itaquera; • comércio, serviço e indústria, onde devem ser implementados Centros de Distribuição Logística (CDL) ao longo das grandes avenidas estruturadoras (Av. Assis Ribeiro, Av. JacúPêssego), lindeiros ao centro petroquímico de Capuava a ao Polo Econômico Leste. Os CDL estão ligados a atividades de abastecimento, terminais intermodais e plataformas logísticas; • uso misto, onde é proposta verticalização e utilização de 70 % do estoque para habitação,
59
porém sem especificar a quantidade para
como as áreas mais aptas a estruturar as
cada tipo (HIS, HMP, médio e alto padrão);
transformações previstas, de forma a moldar uma estrutura de ocupação que sirva de
coincide
âncora e referência a todo o perímetro da
com a macrozona de proteção ambiental:
Operação Urbana Consorciada e que possa
APA do Carmo e APA Iguatemi.
acelerar sua requalificação, ressaltando ou
•
urbanização
controlada,
que
alterando suas características em função Cabe comentar a mudança feita no Termo de
do papel que essas áreas desempenharão
Referência para revisão da lei, onde os centros
no contexto do conjunto de intervenções e
de comércio e serviços deixam de configurar
a necessária relação de complementaridade
polos para tornarem-se eixos que correm ao
que deverá se estabelecer entre estas e o
longo das grandes vias. A proposta de criar nú-
entorno.”
cleos concentradores dos bairros é, portanto,
contratação de empresa para revisão da Lei
abandonada para que seja dada maior força
nº13.872/04 – Operação Urbana Consorciada
aos eixos viários estruturadores da proposta de
Rio Verde-Jacú – grifos do autor)
(Termo
de
referência
para
operação urbana (vide Mapas 9 e 10). De 2004 a 2011 todo o perímetro constante Além desses setores, propõe a criação de cin-
na lei ficou, em tese, sujeito às determinações
co projetos estratégicos, chamados São Miguel
da mesma. Assim, como a OUC RVJ não foi
Paulista, Caititu, entre Rios Verde e Jacu,
de fato implantada, uma vez que dependia da
Ragueb Chofi e São Mateus.
aprovação do EIA-RIMA que nunca foi realizado, os estoques construtivos previstos para a área
“Os projetos estratégicos foram definidos
60
no Plano Diretor foram congelados (Mapa 11).
Em novembro de 2011, por pressão do mer-
vinculadas diretamente à operação urbana e os
cado imobiliário, foram liberados os estoques
recursos dela provenientes não estão fisicamente
disponíveis mediante o pagamento de outorga
ligados ao seu perímetro, de forma que
onerosa até que a nova OUC fosse aprovada. As
o dinheiro que deveria ser canalizados
arrecadações feitas através da outorga foram
para melhorias urbanas na região não têm mais
realizadas mediante lei específica, indepen-
o compromisso formal com ela.
dentemente da UOC-RVJ, portanto não estão
MAPA 11. Os estoques de potencial construtivo na Zona Leste para uso residencial mostram que pouco ou nada do potencial disponível no extremo leste do município foi utilizado. Fonte: Secovi, 2012.
61
A Operação Urbana Rio Verde-Jacú tem uma
exemplificam a aplicação do instrumento com
proposta diferente das demais operações urbanas
objetivos bastante distintos, arrecadatórios para
de São Paulo. No termo de referência publicado
o poder público e de valorização imobiliária
encontra-se o seguinte trecho:
através da criação de uma nova “centralidade globalizada” (MARICATO, FERREIRA, 2002)
“É a primeira Operação Urbana Consorciada
para certos agentes da iniciativa privada.
proposta na cidade com vistas ao desenvolvimento econômico, buscando a melhoria das
Ambas as regiões sofreram enormes investi-
condições de vida de sua população, através
mentos em infraestrutura, melhoramento de
do incremento da oferta de empregos, da
vias, construções de túneis e pontes. Porém
capacitação profissional e da melhoria da
o caráter urbanístico-social foi esquecido e
qualidade ambiental da região.“ (2011, pág. 5)
a segregação sócio-espacial foi radicalizada, como mencionado anteriormente.
Esta afirmação é bastante significativa pela forma como foi redigida, ao defender ser a única a
A OUC RVJ, ao contrário do pressuposto arreca-
propor o que o Estatuto da Cidade descreve como
datório esperado ao promover uma reconversão
objetivo e função da operação urbana (o desen-
econômica (NEGRELLOS, 2005), deverá buscar
volvimento urbano, social e ambiental através
um caráter regulatório e a expansão da
de parcerias público-privadas), declarando seu
infraestrutura, buscando melhorar tanto a
fracasso nas operações até então implantadas
qualidade de moradia quanto criando condições
e trazendo à tona o caráter retórico da re-
para a implantação de empreendimentos,
dação da lei de 2001. As operações urbanas
principalmente industriais, oferecendo mais
Água Espraiada (FIX, 2001) e Faria Lima
e melhores postos de trabalho. A questão
62
da oferta de empregos é central para uma
pouco ou nada abordados (NEGRELLOS, 2005).
região que concentra cerca de 11,7% da popu-lação residente no município20 e ape-
Outra questão que deve ser considerada é a
20 Segundo censo IBGE – 2010.
nas 2,72 % do total de empregos formais .
de que a OUC-RVJ foi inicialmente baseada
21 Segundo RAIS 2007.
Porém, por mais necessários que sejam tais in-
reavaliada com a entrega do trecho leste do
vestimentos, uma análise minuciosa de seus im-
Rodoanel Metropolitano. Isso explica parte das
pactos é fundamental para avaliar se as melhorias
mudanças entre os planos de 2004 e 2011 e
realmente ocorrem e evitar que seja gerado
demonstra a fragilidade do plano. A propos-
um processo de gentrificação e elitização.
ta de desenvolvimento da região é encabeçada
Essa análise é em parte feita pelo EIA-RIMA
por uma justificativa ainda instável - a Avenida
(Estudo de Impacto Ambiental – Relatório de
acú-Pêssego - ainda mais considerando a
Impacto sobre o Meio Ambiente), mas para
relação conflituosa que mantém com os bairros
a Lei de 2004 ele não foi realizado. Para sua
que rasga.
22 A consultoria internacional At Kearney foi contratada para elaborar um estudo chamado “Atração de investimentos em atividades industriais para a Zona Leste de São Paulo” no campo econômico-empresarial para identificação das potencialidades de implementação de determinados setores de atividade econômica industrial. Ela orientou a elaboração do Programa de Desenvolvimento da Zona Leste.
21
numa única avenida, cuja função deve ser
revisão, o estudo ainda deve ser elaborado. O efeito dominó que uma grande intervenção
Além disso, segundo o termo de referência
pode gerar ainda não está sendo levado em
disponível, a nova proposta não contempla a
conta. Os relatórios apresentados
tratam de
discussão sobre a permanência da população
impactos na população economicamente ativa
atualmente residente nem a regularização
e no PIB e dão ênfase à questão da expor-
fundiária. Compreendemos, porém, que esse
tação, ao passo que o potencial que as econo-
ponto pode ser posteriormente trabalhado na
mias locais e domésticas têm como possível
redação da lei, mas é preciso que haja atenção
fonte de geração de riqueza e empregos são
para que o tema seja devidamente tratado, uma
22
63
vez que há grandes áreas de loteamentos irreg-
qualificar a mão de obra da região e prepará-
ulares e favelas na região. Dada a forma como
la para os novos empregos que se pretendia
o processo vem sendo trabalhado até agora,
gerar ao atrair novas indústrias para a região.
sem nenhum tipo de participação popular na
O Pólo contará com Fórum Judiciário, Etec23 (a
formulação e desenvolvimento dos projetos, é
segunda de Itaquera), Fatec24 e uma unidade
uma preocupação urgente. Não há perspectiva
do Senai25 para capacitação da população da
de participação nos próximos passos e a única
região, além de incubadora e laboratórios para
previsão de alguma aproximação com a
fortalecer as iniciativas de pequenas empresas
população deve ocorrer com a proposta já
que queiram se firmar na região. Um centro de
pronta, através de consultas públicas.
convenções e auditório visam oferecer espaço
23 Escola Técnica Estadual. 24 Faculdade de Tecnologia. 25 Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
para eventos. Contará também com um quartel da polícia militar e corpo de bombeiros, unidade
2.4 POLO INSTITUCIONAL E TECNOLÓGICO DE ITAQUERA
do Instituto Dom Bosco26 e um terminal rodoviário integrado à estação Itaquera de trem e metrô, ao terminal de ônibus urbanos e ao Parque
O Polo Institucional e Tecnológico de Itaquera é
Linear Rio Verde. Além disso, já conta em
um complexo previsto desde a Lei nº 13.872/04,
seu entorno com uma unidade da Fundação
que regulamentou a Operação Urbana Rio
Casa Escola, uma creche e a EMEF Danylo José
Verde-Jacú, definido como uma das Zonas
Fernandes Amacidade Líder.
de Centralidade Polar (ZPC) relacionadas pelo Plano Regional de Itaquera (PRE). Foi pensado como parte do programa de desenvolvimento da Zona Leste de 2004, com o objetivo de
64
26 Instituição evangélica que promove programas sociais para população de baixa renda.
MAPA 12. Polo Institucional de Itaquera, estádio do Sport Club Corinthians e primeira fase do Parque Linear Rio Verde.
Dos recursos necessários para as obras,
terminal rodoviário (abril de 2013), o batalhão
R$ 345,9 milhões vêm do Governo do Estado e
da polícia militar e a primeira parte do
R$ 132,3 milhões da prefeitura. A obra, no entanto,
Parque Linear Rio Verde deverão ser entre-
será realizada apenas pela municipalidade.
gues antes da Copa do Mundo de 2014.
A Fatec foi o primeiro equipamento entregue, dando início às suas aulas no segundo semestre
O terreno onde se situa o complexo é dividido
de 2012. Inicialmente foram oferecidas 160
de acordo com o Mapa 13, que mostra que
vagas no curso de graduação tecnológica,
a maior parte era pertencente à COHAB e o
sendo 80 para Fabricação Mecânica e 80 para
restante à PMSP. O terreno da Cohab foi trans-
Processos de Soldagem (40 à tarde e 40 à noi-
ferido à Prefeitura em 2010, mediante ressar-
te para cada curso). Já a Etec tem previsão
cimento realizado pelo município no valor de
de iniciar suas aulas em agosto de 2013. O
cerca de R$ 14,7 milhões.
65
“A Companhia formalizou com a Prefeitura
para implantação do Fórum de Itaquera e
do Município de São Paulo, através de seu
do Polo Institucional, o que representa o
Departamento de desapropriações, Ecritura
recebimento pela COHAB-SP do montante
Pública de Desapropriação amigável das
de R$ 14.767.811,27 a título de indenização.”
áreas de propriedade da COHAB-SP locali-
(Diário Oficial Empresarial, 19 de abril de 2011)
zadas em gleba denominada Itaquera I-D, MAPA 13. Propriedade dos lotes onde estão sendo construídos o Polo Institucional de Itaquera e o estádio do Sport Club Corinthians. Fonte: elaboração do autor a partir de imagem de imagem de D’Elias, 2012
66
FOTO 11. Primeira fase do Parque Linear Rio Verde em construção. Ao fundo, Favela da Paz e Favela Miguel Ignácio Curi I. Fonte: elaboração do autor a partir de foto do arquivo Depave – SVMA (Secretaria do Verde e Meio Ambiente)
Quanto ao Parque Linear, são 35 km de extensão
O trecho mais próximo ao Polo Institucional
de córregos a céu aberto que estão sendo recu-
deverá ficar pronto antes da Copa. É onde se
perados. Enquanto a prefeitura faz a limpeza, a
encontra a administração do parque e a maior
Sabesp se encarrega da infraestrutura de capta-
parte de seus equipamentos, como quadras
çãode esgoto. A proposta é transformar as mar-
esportivas, pista de caminhada, estaciona-
gens do Córrego Verde em uma nova área verde
mento e áreas de estar Mapa 12 e Foto 10).
que, hoje, é amplamente ocupada por barracos. 67
É, também, a área mais visível a partir do estádio de futebol e também onde se encontram a favela da Paz e a favela Miguel Ignácio Curi I. Desde o anúncio da realização da abertura da
27 D’Elias, Jessica. “A Copa do Mundo é Nossa?” São Paulo: Trabalho Final de Graduação FAUUSP, 2012.
Copa no estádio do Corinthians em Itaquera, canalizaram-se esforços em concretizar os projetos já em andamento ou, ao menos, previstos para o seu entorno. O parque linear saiu do papel com rapidez e ações integradas entre Sabesp e PMSP vêm sendo planejadas. São ações fundamentais para a região do entorno do estádio, como limpeza dos córregos, implantação de rede de esgoto e drenagem, mas seu principal motivador, infelizmente, não é a melhoria da qualidade de vida da população (caso contrário estariam sendo previstas habitações para todas as 4.500 famílias27 que deverão ser removidas da região para implementação desses projetos) e sim preparar o entorno do estádio para receber visitas internacionais. Como disse um representante da PMSP em seminário apresentado em abril de 2012, “pega mal ter uma favela como pano de fundo das transmissões dos jogos da Copa”. 68
MAPA 14. Área de abrangência do Parque Linear Rio Verde e demais equipamentos do entorno. Fonte: SVMA (Secretaria do Verde e Meio Ambiente)
É possível observar essa questão ao analisar
abril de 2014 (dois meses antes da abertura do
os cronogramas e a localização dos próximos
mundial de futebol).
investimentos a serem realizados (Quadro 7). Estão todos concentrados em uma mesma área
Impulsionados pelos investimentos públicos,
(entorno imediato do estádio e suas principais
estão previstas na região da antiga pedreira,
vias de acesso) e as ações de maior visibili-
uma área de cerca de 266 mil metros quadrados
dade estão previstas para serem finalizadas até
localizada nas proximidades do futuro estádio,
QUADRO 7. Cronograma de intervenções na Bacia do Córrego Verde
JUSANTE (1ᵃ etapa do Parque Linear Córrego Verde - da Av. Jacú-Pêssego até Av. Líder)
Trecho
Eixo
Ação
2012
Pólo Institucional
Copa 2014
2013
2014
1º Trim 2º Trim 3º Trim 4º Trim 1º Trim 2º Trim 3º Trim 4º Trim 1º Trim 2º Trim 3º Trim 4º Trim
Quantificação: famílias a serem reassentadas Provisão de áreas Habitação
Projeto Executivo dos Conjuntos Habitacionais Licitação das obras dos Conjuntos Habitacionais Construção de Conjuntos Habitacionais Desocupação das áreas irregulares Prolongamento Radial Leste - DERSA (obra em andamento)
Mobilidade urbana
Interligações viárias - DERSA (obra contratada) Alargamento Av. Itaquera - SPTrans - Projeto executivo Licitação das obras de alargamento da Av. Itaquera Alargamento Av. Itaquera - SPTrans - Obras
Drenagem
Canalização do Córrego Verde - Trecho Jusante - Projeto Executivo Canalização do Córrego Verde - Trecho Jusante - Obras Projeto executivo da 1ᵃ etapa do Parque Linear Verde
Área verde
Licitação das obras da 1ᵃ etapa do Parque Linear Verde Implantação da 1ᵃ etapa do Parque Linear Verde Remanejo de adutora (parceria com DERSA) Execução de redes de distribuição
Saneamento
Projetos executivos de coletores tronco Licitação das obras de coletores tronco Execução de coletores tronco do entorno do estádio execução do coletor tronco na Av. Itaquera
Fonte: SVMA, São Paulo 2012.
69
torres comerciais e de serviços, como restau-
sejam superiores a R$ 1 milhão. Para usufruir
rantes. Outra iniciativa vem da rede hoteleira,
dos incentivos oferecidos, é preciso que o pro-
que deve levantar pelo menos quatro hotéis
jeto que pretende recebê-los demonstre sua
no bairro, segundo projeções.
finalidade em termos de volume total de investimento a ser realizado, os empregos que serão gerados, os recursos a serem aplicados em ins-
2.5 LEI DE INCENTIVOS SELETIVOS PARA A REGIÃO LESTE
talações, equipamentos, pesquisas e na formação de recursos humanos. Os pedidos para concessão de incentivos deverão ser aprovados por um Conselho do Programa e deverão ser anualmente verificados pelo mesmo.
Em 27 de maio de 2004 a então prefeita Marta Suplicy instituiu o Programa de Incen-
Há duas formas de incentivos fiscais previstas:
tivos Seletivos para a Zona Leste, através da
a isenção direta de IPTU28, ITBI-IV29 e ISS30
Lei nº 13.833. Seu objetivo era promover e
sobre serviços de construção civil e a emissão
fomentar o desenvolvimento da região através
de Certificados de Incentivo ao Desenvolvi-
da concessão de incentivos fiscais, atraindo
mento, os CIDs. Eles podem ser utilizados
empresas geradoras de emprego e renda
no pagamento posterior dos impostos acima
para uma área carente desses recursos.
mencionados ou negociados pelo investidor com pessoas jurídicas localizadas na região de
A lei determina que podem ser beneficiários
abrangência do Programa. Os certificados têm
do programa pessoas jurídicas com atividades
validade de cinco anos a partir do prazo de
econômicas relacionadas ao setor industrial ou
expedição.
de prestação de serviços cujos investimentos 70
28 Imposto Predial e Territorial Urbano. Incide sobre a propriedade urbana imóvel. 29 Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis. Incide sobre transações (transmissão/cessão) que envolvam imóveis. 30 Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza. Incide sobre serviços gerados por empresas ou profissionais autônomos. É recolhido pelo município onde o serviço foi prestado.
A concessão dos incentivos é limitada de acordo
Itaquera. O novo perímetro corresponde a
com o porte do negócio. As micro e pequenas
apenas 10% da área definida na lei anterior.
empresas poderiam receber um incentivo proporcionalmente maior do que as demais (até
Os incentivos concedidos são mais amplos do
20% nos custos de implantação do empreen-
que os oferecidos em 2004, chegando a re-
dimento e 10% para despesas anuais contra
duções de até 50% do ITBI-IV e IPTU, sendo
10% e 5%, respectivamente, para empresas
que este último benefício tem duração de até
de maior porte), como forma de priorizar as
10 anos a partir da conclusão do investimento,
iniciativas locais e de pequeno porte.
e até 60 % de redução de ISS, também por 10 anos. Além disso, os benefícios se extendem
Uma revisão do programa foi publicada em 2007
a empresas comerciais, além das industriais e
através da Lei nº 14.654, de 13 de dezembro,
de serviços já contempladas anteriormente.
durante a gestão do prefeito Gilberto Kassab. O novo programa tem duração prevista de 10
Quanto à concessão de CIDs, há algumas dif-
anos, respeitando as validades dos incenti-
erenças consideráveis com relação à Lei anterior.
vos concedidos. Nessa revisão foram estabe-
A primeira é que eles serão emitidos apenas após
lecidos 5 perímetros para sua aplicação, com
a conclusão do investimento, ou seja, o ben-
diminuição significativa da área de abrangên-
eficiário deve ter um capital inicial suficiente
cia com relação à Lei nº 13.833, privilegiando
para arcar com os custos da operação ao longo
a região de Itaquera, em especial a região
de sua realização. Isso dificulta a operação para
onde hoje se localiza a obra do estádio do
micro e pequenas empresas, que não possuem
Corinthians, o eixo da Av. Jacu-Pêssego
esse poder financeiro e dependeriam de outras
e a área destinada ao Pólo Industrial de
formas de financiamento para iniciar as obras.
71
Outra mudança é que na revisão da lei não existe
retornados ao contribuinte na forma de CIDs.
a obrigatoriedade, como havia na lei de 2004, de
Na revisão de 2007, os certificados não podem
realizar investimentos superiores a R$ 1 milhão.
ser utilizados para pagamento de tributos
ntretanto, para aqueles que empregarem
anteriores
melhorias superiores a R$ 500 mil, a benefi-
Outra mudança é com relação ao Conselho
ciação equivale, proporcionalmente, ao dobro
do Programa, que apesar de ter as mesmas
(ou triplo) do oferecido para investimentos de
atribuições definidas em 2004, além de
menor porte, como mostra o Quadro 8. Isso
“formular diretrizes da política do programa”,
inverte a lógica da lei anterior, quando havia
mudou consideravelmente seus representantes
maior estímulo a micro e pequenas empresas
(vide Quadro 9). Ela muda novamente sua for-
em detrimento de grandes companhias.
mação na revisão de 2009, ainda sob gestão
ao
término
do
investimento.
do prefeito Gilberto Kassab, através da Lei nº Na lei anterior, os valores pagos em tributos
14.888. À medida que sua composição muda,
entre a aprovação do investimento e a aprovação
são acrescidos representantes da prefeitura en-
da concessão do benefício poderiam ser
quanto os representantes da sociedade civil
QUADRO 8. Lei nº 14.654 - Concessão de Incentivos Seletivos na ZL. Concessão de benefícios Investimento realizado até R$ 500 mil
5 parcelas anuais correspondentes a até 20% do investimento realizado
maior do que R$ 500 mil
10 parcelas anuais correspondentes a 40% para comércio e 60% para atividades industriais ou de prestação de serviços
Fonte: Lei nº 14.654/07
72
Benefício concedido
QUADRO 9. Representantes do Conselho do Programa de Incentivos Seletivos para a Zona Leste de São Paulo, em suas diversas revisões. Lei nº 13.833, 2004
Lei nº 14.654, 2007
Lei nº 14.888, 2009
Lei nº 15.413, 2011
Conselho do Programa de Incentivos Seletivos para a Zona Leste:
Conselho do Programa de Incentivos Seletivos para a Zona Leste:
Conselho do Programa de Incentivos Seletivos para a Zona Leste (COPISLeste):
Comitê de Construção do Estádio da Copa do Mundo de Futebol de 2014:
1 representante da Secretaria Municipal das
Secretário Municipal de Coordenação das
Secretário Municipal de Coordenação das
Secretário Municipal de Desenvolvimento
Subprefeituras
Subprefeitura (presidente)
Subprefeituras
Econômico e do Trabalho (presidente)
Secretário Municipal de Planejamento
Secretário Municipal de Planejamento
Secretário Municipal de Finanças
Secretário Municipal de Finanças
Secretário Municipal de Habitação
Secretário Municipal de Habitação
Subprefeito de Itaquera
Subprefeito de Itaquera
Secretário Municipal de Finanças;
Subprefeito de São Mateus
Subprefeito de São Mateus
Secretário Municipal de Desenvolvimento Urbano;
1 representante da Secretaria de Finanças e Desenvolvimento Econômico (presidente) 1 representante da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade 3 representantes da sociedade civil
Presidente da Empresa Municipal de Urbanização Subprefeito de Ermelino Matarazzo Coordenador do Comitê de Desenvolvimento da Cidade de São Paulo
Subprefeito de Itaim Paulista
2 representantes civis, indicados pelo prefeito
Subprefeito de São Miguel
Secretário Municipal Especial de Articulação para a Copa do Mundo de Futebol de 2014; Secretário Municipal do Governo Municipal; Secretário Municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão;
Secretário Municipal dos Negócios Jurídicos
Subprefeito de Guaianases Subprefeito de Cidade Tiradentes Presidente da Empresa Municipal de Urbanização Coordenador do Comitê de Desenvolvimento da Cidade de São Paulo 2 representantes da sociedade civil, indicados pelo Prefeito. 3 representantes do poder público
8 representantes do poder público
13 representantes do poder público
7 representantes do poder público
3 representantes da sociedade civil
2 representantes da sociedade civil
2 representantes da sociedade civil
nenhum representante da sociedade civil
Fonte: elaboração do autor com base nas Leis mencionadas.
73
diminuem até serem completamente excluídos.
Futebol de 2014.” (Lei nº 15.413/11)
A lei complementar também inclui nove novos
Aprovada pelo prefeito às vésperas do anúncio
perímetros e permite, ao contrário da lei anterior,
oficial da sede de abertura da Copa do Mundo e
que os incentivos fiscais sejam concedidos
poucos meses após o início das obras da Arena
concomitante com outros eventuais programas
São Paulo, na Zona Leste, a lei não vincula a
de incentivos seletivos.
concessão do benefício à nomeação de sede da abertura do mundial. Sua redação foi modificada
Em 2011, após o anúncio da FIFA da realização
para que o benefício não dependesse da decisão
da abertura da Copa do Mundo no estádio de
da FIFA para ser concedido, uma vez que o
Itaquera, o programa muda de caráter, com a
anúncio oficial ainda não havia sido feito. A lei
promulgação da Lei nº 15.413, que
aprovada na Câmara dos Vereadores apresentou uma versão onde constava o condicionamento
“Dispõe sobre a concessão de incenti-
dos incentivos à escolha do estádio como
vos fiscais para construção de estádio
sede, mas a emenda foi vetada pelo prefeito.
na Zona Leste do Município. Esse é um detalhe importante, que mais adiante,
74
Art. 1º Fica o Poder Executivo autorizado a
no desenrolar do trabalho aqui apresenta-
conceder incentivos fiscais para construção
do, sustentará a hipótese de que as partes
de estádio que venha a ser aprovado pela
envolvidas nos assuntos da Copa – FIFA, CBF,
Federação Internacional de Futebol Asso-
Governo do Estado, Prefeitura, COL, Corinthians
ciado - FIFA como apto a ser sede do jogo
– trabalham com cartas marcadas. As de-
de abertura da Copa do Mundo de
cisões já estavam tomadas, resta, para os
32 Índice de Preços ao Consumidor Amplo. Medido mensalmente pelo IBGE, foi criado com o objetivo de oferecer a variação dos preços no comércio para o público final. O IPCA é considerado o índice oficial de inflação do país.
envolvidos e beneficiados, encontrar uma
programa não sejam implementados, o ISS de-
forma de justificá-las em discurso oficial.
verá ser pago, acrescido de juros e atualização monetária. Eles podem ser negociados no merca-
A área de abrangência da Lei nº 15.413 é a
do aberto e transferir sua titularidade a terceiros.
mesma definida pelas Leis nº 14.654/07 e 14.888/09. Seus incentivos não podem ser
Para receber os benefícios disponibilizados pela
concomitantemente utilizados aos oferecidos
lei, o estádio a que ela se refere deve estar:
pela Lei de Incentivos nº 14.654 de 2007. “I – concluído antes da abertura da Copa do Os incentivos fiscais concedidos são a sus-
Mundo de Futebol de 2014; e
pensão de ISS sobre a construção e a emissão
II – localizado na área definida no § 1º do
de CIDs no valor de até 60% do investimento
art. 1º da Lei nº 14.654, de 20 de dezembro
realizado e limitado a R$ 420 milhões. Coin-
de 2007, com a redação dada pela Lei nº
cidência ou não, é justamente o valor faltante
14.888, de 19 de janeiro de 2009.” (Lei nº
para a construção do estádio em Itaquera, que
15.413/11, Art. 1, § 1º)
já conta com o financiamento de R$ 400 milhões do BNDES, aprovados em julho de 201231.
A lei de 2011 se volta para um empreendimento específico, privado, o estádio do Corinthians,
31 Voltaremos ao tema referente ao financiamento do estádio do Corinthians em Itaquera mais adiante.
Da mesma forma como estabelecido pela Lei
pois nenhum outro investimento poderia se
de 2007 e em sua revisão de 2009, os CIDs só
enquadrar nos requisitos por ela estabelecidos.
poderão ser utilizados após a conclusão do in-
Ela fere o princípio da impessoalidade e demon-
vestimento e sofrerão atualização monetária se-
stra primorosamente o que é a cidade das de-
gundo IPCA . Caso os requisitos exigidos pelo
cisões ad hoc (VAINER, 2011), quando a norma
32
75
geral – mesmo que, no caso das diversas versões das leis de incentivos seletivos, seria exagero chamá-la de geral - dá lugar a acordos caso a caso. Se torna cada vez mais específica: incentivos para uma região, substituídos por incentivos para uma subprefeitura, que finalmente se transfigura para favorecer um lote, um empreendimento, um consórcio.
76
SEÇÃO 2. DESTRINCHANDO A POLÍTICA DE MERCADO EM SÃO PAULO: O CASO DA COPA DO MUNDO FIFA 2014
O capítulo 2 contemplou as ações promovidas
existe para mediar uma contradição funda-
pelo poder público para a região leste do muni-
mental do capitalismo. A produção e troca
cípio de São Paulo. Nele foi possível verificar,
capitalistas são inerentemente anárquicas.
no âmbito das ações do Estado, uma forma
Os indíviduos, em busca de seus interesses
de regulação do espaço pautada no regime de
privados, não podem levar em consideração “o
exceção, seja pelo caráter das leis ou pela for-
interesse comum”, pois as relações do capital-
ma desigual de sua aplicação no território. A
ismo são principalmente pautadas na acumu-
cidade de exceção vai se tornando, ela mesma,
lação através da exploração do trabalho. Mesmo
regra do Estado contemporâneo. No limite, os
considerando os interesses de classes, como a
exemplos até aqui apresentados podem ser ex-
classe burguesa detentora dos meios de pro-
tendidos para todas as grandes metrópoles bra-
dução, a anarquia prevalesce dentro da própria
sileiras. A seguir será apresentada uma reflexão
classe e a competição é desenfreada. O Estado
teórica sobre a cidade de exceção a partir da
surge como mediador dessas relações, regu-
leitura de Carlos Vainer e David Harvey para,
lando a competição, a exploração do trabalho
em seguida, nos debruçarmos sobre a gestão
(através do salário mínimo e do limite máximo de
da política urbana da zona leste nos dias de
horas de trabalho, por exemplo) e, geralmente,
hoje, a partir do contexto criado pelo anúncio
estabelecendo um piso sob o processo de
da Copa do Mundo de futebol a ser realizada
exploração e acumulação capitalistas.
no Brasil em 2014. Além disso, o Estado desempenha papel funA. O PAPEL DO ESTADO NA CONTRADIÇÃO CAPITALISTA
Segundo David Harvey (2006), o Estado
80
damental no provimento de “bens públicos” e infraestruturas sociais e físicas, pré-requisitos necessários para a produção e troca capitalista.
Mas, apesar de fundamental, nenhum capita-
geral ilusório” e impondo-se “não como classe,
lista individual acharia possível provê-las com
mas
lucro, de forma que a única forma de obtê-las
da sociedade” (MARX e ENGELS, 1970,
é através do Estado.
apud. HARVEY 2006).
como
representante
do
conjunto
Essa análise permite fazer as seguintes obser-
“A classe dirigente tem de exercer seu poder
vações: o Estado capitalista não é uma instituição
em seu próprio interesse de classe, enquan-
neutra independente mas, pelo contrário,
to afirma que suas ações são para o bem de
surge a partir do embate de classes, como me-
todos.” (HARVEY, 2006)
diador de conflitos, de forma que o capitalismo não se autodestrua pela exploração desenfreada de uma classe sobre a outra.
B. A CIDADE-EMPRESA E O ESTADO DE EXCEÇÃO
“Esse poder, nascido da sociedade, mas co-
Houve um tempo em que a questão urbana que
locando-se acima dela e, progressivamente,
norteava discussões sobre a cidade trazia como
alienando-se dela, é o Estado.” (ENGELS,
temas estruturadores o crescimento desnortea-
1941, apud. HARVEY, 2006)
do das cidades, equipamentos de uso coletivo, racionalização do solo e movimentos sociais.
É formado por representantes de classes, quase
O pensamento moderno do pós-guerra era
sempre da economicamente dominante que, sob
funcionalista e pouco flexível, com forte caráter
o manto da neutralidade estatal, favorecem seus
estatal regulador. A ‘nova questão urbana’,
interesses de classe e impõe sua ideologia como
por sua vez, rechaçou a rigidez anterior para
universal, transformando-a em um “interesse
dar espaço a um novo eixo central de discussão:
81
a competitividade, que visa integrar as ci-
fiscal (rigor no controle de gastos), ligado a
dades na lógica da economia financeirizada
uma tendência ascendente de conservadorismo
e da liberalização do mercado, competin-
e um forte apelo à racionalidade do mercado
do entre si por investimentos externos
e à privatização constituem o plano de fundo
para que sobrevivam na nova ordem da
da adoção por diversos governos dessa nova
economia global (VAINER, 2001).
postura. O regime fordista, de produção em larga escala e de rígida organização, é substi-
“Em
contraposição
às
certezas
que
tuído pelo que David Harvey chama de acumu-
amparavam as concepções e proposições
lação flexível, com o intuito de garantir que o
dos urbanistas modernos, a pós-moderni-
sistema produtivo seja capaz de operar dentro
dade é caracterizada pela incerteza e pela
de contextos que exigem rápidas mudanças,
multiplicação/fragmentação
adaptando-se continuamente às variações
de
atores
sociais e interesses.“ (VAINER, 2010)
da demanda. Uma das formas de flexibilizar o processo produtivo foi a precarização dos
No contexto mundial, governanças urbanas
contratos de trabalho, a subcontratação e
que até a década de 1960 adotavam uma
a terceirização, que tornam a relação entre
abordagem mais administrativa deram lugar
o trabalhador e seu posto muito mais frágil.
a formas de ação empreendedoras na década de 1970 e 1980, inseridas num contexto de
Vale a observação de que governança urbana
dificuldades econômicas enfrentadas a partir
é algo distinto de governo urbano. Entende-se
da recessão de 1973, com a crise do petróleo.
por governança a vasta aliança de forças impulsionadas pelos diversos agentes sociais
Desindustrialização, desemprego, austeridade
82
que organizam o espaço urbano, sendo que o
governo e a administração urbana desempe-
Porém atentemos ao que foi descrito anterior-
nham apenas um papel facilitador e coordenador
mente, com relação à liberação dos mercados
(HARVEY, 2010). Nesse processo, as disputas
e a necessidade de buscar recursos com o merca-
são constantes – principalmente em “espaços
do global. É ele que se está buscando atrair e es-
onde a densidade social é muito diversificada”.
tão a venda os atributos específicos valorizados pelo capital transnacional: espaços de convenção,
O planejamento estratégico é o discurso que
parques industriais, segurança, torres de comuni-
pauta a nova questão urbana, empreende-
cação e comércio. São os atributos da ‘cidade
dora e competitiva, e se apóia sobre três
global’. E o que desvaloriza essa cidade é a
analogias: a cidade como mercadoria, a cidade
violência, a desigualdade social, a pobreza.
como empresa e a cidade como pátria
Feia e subdesenvolvida. Se o que valoriza as
(VAINER, 2000).
cidades são grandes prédios “ecológicos”, viadutos estaiados e helipontos e o que desvaloriza
33 Para aprofundar no conceito de cidade-global e no discurso de São Paulo como centro globalizado, ler “O Mito da Cidade Global”, de João Sette Whitaker Ferreira. Editora Unesp, 2007.
A cidade como mercadoria indica o que parece,
são favelas, ônibus lotados e movimentos
hoje, o maior objetivo dos governos locais:
sociais reivindicatórios, que fazem barulho
vender a cidade. Mas, afinal, o que é que está se
e confusão, o marketing urbano trata de exaltar
pondo a venda? Poder-se-ia iniciar uma discussão
os primeiros e esconder os segundos. Qual o
sobre quem são os consumidores da cidade,
discurso que se propaga aos quatro ventos?
pois estes decidiriam o que lhes é adequado.
Que São Paulo é uma cidade global, moderna,
Num primeiro momento poderíamos pensar
cujo símbolo é o entorno da Marginal
nos cidadãos comuns, que buscam espaços
Pinheiros33. A periferia distante e carente
de lazer, transporte adequado, educação de
pouco importa. Mas se a miséria está perto
qualidade, bons empregos, estabilidade social.
demais, trata-se de removê-la34. Para onde
83
vai tampouco interessa, desde que longe
políticos e seus “limitadores”. O mecanismo
dos holofotes do mundo dos negócios.
encontrado para isso são as Parcerias PúblicoPrivadas (PPP), que criam formas mais ágeis de
“A cidade agora é mercadoria de luxo.”
transferência de recursos para grupos privados.
(VAINER, 2000)
É uma parceria onde o setor privado projeta,
34 A remoção de cortiços do centro e de favelas no entorno dos eixos imobiliários de expansão vem ocorrendo frequentemente em São Paulo.
financia, executa e opera. Em contrapartida, A cidade-empresa alcança a eficacia, isto é,
o Estado paga uma remuneração periódica
competitividade e produtividade, permitindo
pelo serviço prestado. Ou seja, a separação en-
que as decisões sejam tomadas por agentes
tre aquele que planeja e aquele que executa,
vinculados diretamente ao mercado, os em-
favorável ao interesse público para que haja
presários. A cidade-empresa deve ser realista
um controle e transparência na execução e nos
e prática, ágil e flexível, evitando controles
gastos, é abolida. Agora quem constrói a cidade FOTO 12. Região da Marginal Pinheiros, próxima à Av. Berrini, símbolo de São Paulo como “cidade global”.
84
35 É o caso de organizações internacionais que se sobrepõe à soberania nacional, como ocorre no Brasil com a FIFA e CBF no período de preparação para a Copa de 2014. 36 Entrevista com Carlos Vainer. http://www. epsjv.fiocruz.br/index. php?Area=Entrevista&Num=21, acessado em 28.06.2012.
37 http://goo.gl/ToqAy acessado em 25.09.2012.
38 http://blogs.estadao. com.br/jt-cidades/ prefeitura-quer-proibir-sopao-gratis-no-centro/, acessado em 25.09.2012.
39 http://goo.gl/ZOYfn acessado em 25.09.2012.
40 http://s.conjur.com.br/ dl/projeto-lei-altera-consumo-bebida.pdf, acessado em 25.09.2012.
são seus compradores, sem intermediários.
junto diferente. Uma cidade sem conflito se
Quem está excluído da lógica capitalista está
enquadra em uma das duas possibilidades:
também excluído da cidade e de sua construção.
ou é brutaliza da por uma violência que impede a manifestação ou o autoritarismo
Segmentos de “escassa relevância estratégica”
foi internalizado por cada citadino. O
(FORN Y FOXÀ, 1993, p.11. in VAINER, 2000, p.
conflito permite que os atores sociais
89) serão destituídos. É a despolitização, miti-
se construam.” (VAINER, 2011)36
gação do conflito, do embate e da ação política. Na cidade-empresa não se elegem dirigentes,
A violência que impede a manifestação pode vir
eles
discutem
na forma de leis proibitivas que minimizam o
objetivos, pois ele já está definido: ganhar a
espaço público e seu uso natural, espontâneo.
competição entre cidades. Tampouco há tempo
Diminuindo o encontro, racionalizando seu
e condições de refletir sobre valores, filoso-
uso. Em São Paulo são freqüentes as notícias
fia ou utopias e predominam os interesses.
de proibições descabidas, feitas sob ameaça
Na cidade-empresa há a idéia de que o conflito
policial, como a ação de camelôs37, a dis-
é uma manifestação patológica da sociedade.
tribuição de ‘sopão’ a moradores de rua38, apre-
Eles atrapalham os negócios.
sentações de artistas de rua39 e muitos outros.
são
indicados . 35
Não
se
No início do ano de 2012 tramitava o Projeto “O banimento do conflito é o banimento
de Lei nº767/1140, que proíbe a venda e con-
da política. Uma cidade sem conflito é uma
sumo de bebida alcólica em lugares públicos.
cidade morta. As cidades podem ser defini-
Internalizar o autoritarismo significa instaurar o
das pela sua dimensão, heterogenei-
consenso. Para o sucesso do projeto estratégico,
dade e densidade. Ou seja, muita gente
a cidade é sempre tratada como unidade coesa:
85
‘a cidade compete, a cidade necessita, a cidade
Mas essa idéia é bastante instável – não se
deseja’. Ao discutir o que ela necessita e deseja
pode contar com o sentimento de crise, sabi-
e como compete, adota-se como natural o
damente passageiro, para sustentar um con-
emprego do substantivo simples, sem qualifi-
senso. Vem então a idéia de pátria, o senti-
cações nem separações. A Cidade. Para isso, as
mento de pertencimento.
idéias de crise e patriotismo unificam. Os megaeventos se enquadram em ambos. No O sentimento de crise dentro da idéia de econo-
caso da Copa do Mundo e das Olimpíadas, a
mia globalizada cria a condição de “trégua
urgência dos prazos permite que decisões sejam
para conflitos internos”, de união patriótica
tomadas sem debate e que se criem atalhos
frente às pressões externas. Necessita criar um
nos caminhos da legislação. O sentimento de
contexto análogo à guerra, ou à crise urbana,
orgulho nacional e a pressão por ‘fazer bonito’
um momento de insegurança que fragilize as
e propagandear mundo afora ‘do que o Brasil
representações políticas, criando espaço para
é capaz’ tornam-se justificativas para quaisquer
a formulação de uma nova forma de poder
ações tomadas sob a desculpa de preparação
na cidade, como uma empresa que responde
para os olhos do mundo. A flexibilização
prontamente a uma crise econômica. Os bons
das leis é uma resposta rápida da eficiência
líderes devem agir rapidamente, tomando
empresarial para agarrar a oportunidade que
as decisões cabíveis para retomar o rumo do
tais eventos oferecem. Quais oportunidades?
sucesso. Nesse contexto, as palavras de ordem
Visibilidade e bons negócios.
são flexibilização e empreendedorismo. “O que Ascher chamava de urbanismo ad hoc, o que pudicamente se designou de
86
flexibilidade, o que outros saúdam como
Já a idéia de patriotismo é também reforça-
empreendedorismo
cidade-
da por monumentos que consigam suportar a
empresa, sen transfigura em permanente e
nova identidade da cidade. Não se tratam de
sistemático processo de desqualificação da
monumentos que remetam ao passado, mas
política.“ (VAINER, 2010)
sim ao futuro. É a destruição da memória cole-
urbano
e
tiva de uma região e substituição por um novo A lei pode ser legalmente desrespeitada.
ícone que simbolize a cidade moderna e global.
Criam-se leis que legitimam seu desrespeito. Na verdade, leis que consolidam a prática
“Essa promoção interna deve apoiar-se em
da exceção legal, substituindo a razão pela
obras e serviços visíveis, tanto os que têm
negociação e a norma geral dá lugar a acordos
caráter monumental e simbólico como
caso a caso. O princípio da legalidade segundo
os dirigidos a melhorar a qualidade dos
o qual à administração pública só é permitido
espaços públicos e o bem-estar da popula-
fazer o que a lei autoriza, enquanto na
ção.” (CASTELLS & BORJA, 1996, p. 160.
administração particular é lícito fazer tudo
apud. VAINER, 2000, p. 94)
que a lei não proíbe, nesse contexto não vale mais. Não convém valer. Consolida-se a prática
Há bons exemplos em São Paulo. Os edifícios es-
da exceção como regra, que se torna uma
pelhados, altos e imponentes da Marginal Pinhei-
ação sistemática. As Operações Urbanas Con-
ros, junto da monumental ponte estaiada,
sorciadas, já comentadas anteriormente, são
que ilustram os cartões postais da cidade, ou
o exemplo primordial do que essa reflexão
os museus e centros culturais do centro, que
teórica traz. A cidade é negociada.
tentam alavancar um projeto de ‘revitalização’ da região central pela ação catalisadora de
87
equipamentos de cultura inseridos dentro de uma Operação Urbana que pretende mudar a cara da população residente e, recentemente, o estádio do Corinthians na Zona Leste, um “presente” para a população periférica, um símbolo da cultura popular do futebol e motivo de orgulho e sensação de, finalmente, pertencer à cidade. Eis a força que um monumento tem, junto de um discurso retórico bem amarrado.
88
3. MEGAEVENTOS ESPORTIVOS COMO ESTRATÉGIA: A PROMESSA DO LEGADO
“Sem medo de errar, podemos afirmar que
tensão e a violência foram constantes), a
poucos acontecimentos mobilizam tantas
valorização da tecnologia, a consolidação
paixões e emoções como os megaeventos
de identidades nacionais, a busca de uma
esportivos. Eles evidenciam o espaço social
emoção controlada, o exaltar de um certo
que o esporte vem ocupando no decorrer do
conceito de beleza, entre outras. Para falar
século XX. Por certo estamos falando de uma
um pouco mais sobre a pene-tração dessa
das mais importantes e influentes manifesta-
prática social por todo o mundo, basta
ções culturais da modernidade, eivada das
lembrar que há mais países filiados à FIFA
representações de valores e desejos que per-
e ao COI do que à ONU.” (MELO, 2007)
meiam o imaginário do século: a superação de limites, o extremo de determinadas situa-
Os megaeventos estão na ordem do dia em todo
ções (comuns em um momento onde a
o mundo. São os Jogos Olímpicos, a Copa do
89
Mundo FIFA, congressos, fóruns (Rio+20, por exemplo), todos mobilizando pessoas das mais diversas partes do mundo, atiçando o interesse
3 . 1 J O G O S PA N A M E R I C A N O S R I O D E J A N E I R O 2 0 07
de inúmeros segmentos econômicos e levando
A análise dos Jogos Panamericanos de 2007,
cidades de todo o globo a disputar o direito
no Rio de Janeiro, se faz pertinente antes de
a sediá-los, tomados como incontestáveis ala-
abordar a Copa por vir, pois serve de alerta para
vancas da dinamização econômica, erguendo
as conseqüências e verdadeiros legados deixa-
as cidades-sede a patamares que redefinem sua
dos por grandes eventos quando mal adminis-
imagem mundial de cidade competitiva, rumo
trados. Seu resultado foi uma catastrófica dívida
ao progresso. Mas a que preço?
pública, equipamentos com diversos problemas e que permanecem fechados até hoje para a
Antes de nos debruçarmos sobre o caso da
população carioca. Em 2002, seu custo inicial
Copa do Mundo no Brasil em 2014, será feita
foi avaliado em R$ 409 milhões. Em outubro
uma rápida análise do que significaram os
de 2006, os gastos previstos somavam
Jogos Panamericanos no Rio de Janeiro, em
R$ 2,8 bilhões - 584% a mais. Em março e
2007, um megaevento que pode ilustrar os
junho de 2007, os valores cresceram ainda mais:
riscos e limites da realização de grandes jogos,
R$ 3,2 bilhões e R$ 3,7 bilhões, respectiva-
caso não sejam apropriadamente debatidos e
mente (crescimentos de 684% e 793%), sendo
preparados com seriedade.
mais de 90% investimento público41. Não obstante, as pretensões iniciais com relação à infraestrutura urbana diminuiram drasticamente ao longo da revisão dos planos de metas para o evento42.
90
41 Fonte: . http://www1. folha.uol.com.br/folha/ esporte/ult92u632797. shtml, consultado em 24/08/2012
42 Até o final de 2004 constava nos planos da municipalidade a construção de novas linhas do metrô, alcançando a periferia metropolitana. Todavia, assim que o prefeito César Maia foi reeleito, com base em promessas como esta, todas articuladas explicitamente à realização do Pan-2007, a idéia de expansão do metrô foi imediatamente abandonada.
43 Fonte: http:// puc-riodigital.com. puc-rio.br/cgi/cgilua. exe/sys/start.htm?infoid=3626&sid=13&tpl=printerview , acessado em 25.08.2012. 44 No tocante à questão ambiental, a vila foi edificada em área próxima às margens da Lagoa de Jacarepaguá, sob solo predominantemente hidromórfico, isto é, com características de elevada umidade subterrânea. Por este motivo, as fundações da referida construção atingem a profundidade de quase trinta metros. Trata-se portanto de local mais adequado a usos leves, como parques, dadas suas condições naturais. O uso habitacional impôs o encarecimento da intervenção. 45 Área B da Subzona A-39, definida no Decreto 3.046/81.
CUSTOS DOS JOGOS PANAMERICANOS N O R I O D E J A N E I R O, 2 0 07
43
inadequada para construções do porte proposto44, uma série de edifícios de até 17 andares. Seus custos foram altíssimos devido às funda-
Prefeitura do Rio de Janeiro:
ções e, ainda assim, diversos deles sofrem com
R$ 588,7 milhões (54,6%)
problemas de rachaduras e estão fechados.
Governo federal: R$ 328,3 milhões (30,5%)
A Legislação vigente no local onde foi cons-
Governo do Estado do RJ:
truída a Vila do Pan45 estipulava lotes mínimos de
R$ 126 milhões (11,7%)
3 mil m², testada mínima de 40 m e construções
Iniciativa privada:
restritas a uma unidade habitacional de apenas
R$ 35 milhões (3,2%)
um pavimento e ocupação máxima de 10% do terreno. Esses parâmetros induziam a uma
Ainda assim, nenhuma das instalações esporti-
ocupação pouco densa e de pouca carga, pois
vas se prestou para qualquer uso social após os
levava em consideração as frágeis condições de
jogos. A Vila do Pan, local de hospedagem dos
resistência do solo no local (VERÍSSIMO, 2011).
atletas ao longo da competição, foi construída em uma área de expansão imobiliária da Barra da Tijuca, na Av. Ayrton Senna, reforçando o vetor de valorização. Além do alto custo da região, que por si só impossibilitaria seu usufruto pela população vulnerável do Rio de Janeiroe carente por moradias dignas, a área era considerada por muitos engenheiros como
91
FOTO 13. Vila do Pan, Rio de Janeiro.
A partir de 2002, após o anúncio da realização
A construção da Vila do Panamericano teve
dos Jogos Panamericanos no Rio de Janeiro,
grande apoio finaceiro por parte do poder
diversas leis e decretos alteraram significativa-
público:
mente os parâmetros urbanísticos e edilícios do local46, aumentando em diversas vezes seu
• R$ 189,3 milhões de financiamento da Caixa
potencial construtivos. Esse fato levou a duas
Econômica Federal
conseqüências: o aumento exponencial do
• R$ 25 milhões de direito de uso sobre os
valor de mercado desses lotes – já situados
imóveis (durante os jogos)
em importante vetor de expansão da cidade
• R$ 52,9 milhões para obras de infra-estrutura
do Rio de Janeiro - e, também, os riscos aos
no entorno (repasse à Prefeitura do Rio para
edifícios ali instalados, uma vez que a já sabida
execução)
precária
• R$ 31,8 milhões para os serviços de hotelaria,
condição
do
solo
dificilmente
daria conta de suportar a carga permitida. 92
governança e lavanderia (durante os jogos)47
46 Leis Complementares N.º 59, 60 e 61, de 2002; Decreto N.º 23811/2003; Decreto N.º 23900/2004.
47 Fonte: http://esporte. uol.com.br/pan/2007/ ultnot/2007/05/09/ ult4343u793.jhtm , acessado em 25.08.2012
Após o término da competição, os imóveis de
que conseguiram a suspensão, através de
1 a 4 quartos, foram vendidos a particulares de
determinação judicial, em setembro de 2006,
classes média e média-alta, com preços variando
das reformas na Marina. E em 29 de janeiro
entre R$ 146 mil e R$ 512 mil a unidade.
de 2007, o Comitê Organizador dos Jogos Pan-Americanos informou ao Ministério Público
Quanto aos complexos esportivos construídos,
Federal que não seriam executadas as obras
o potencial que teriam para abrigar usos sociais
de expansão na Marina da Glória, admitindo
e de incentivo à cultura do esporte foi abando-
que não se tratava de uma obra essencial para
nado e a maior parte deles está fechado.
a disputa dos jogos (MASCARENHAS, 2007).
Um dos polêmicos projetos foi o de “moder-
A construção do Parque Aquático Maria Lenk
nização” da Marina da Glória, no Parque do
custou aos cofres públicos R$ 85 milhões
Flamengo. O megaempreendimento fugia
e hoje encontra-se em estado de abandono.
completamente aos objetivos de uma marina,
Foi utilizada apenas em duas oportunidades
incluindo uma série de edifícios (galpões,
logo após o Pan: em outubro de 2007 rece-
centro de convenções, shopping center, esta-
beu as disputas do Mundial de Nado Sincron-
cionamento, restaurantes, centros de evento,
izado e, mais tarde, o Troféu Maria Lenk de
etc), cujas obras eram realizadas sob a justi-
natação e, desde então, permanece fechado.
ficava de urgência por conta da proximidade
Sem manutenção e abandonado pelo poder
dos Jogos. o projeto proposto resultaria em um
público, o parque aquático – que já sofreu
grande obstáculo visual para a contemplação
uma obra de manutenção – foi classificado
do mar e acabou por mobilizar movimentos
como área de foco de mosquitos da dengue.
sociais, tais como o SOS Parque do Flamengo,
93
O Velódromo utilizado nos Jogos foi projetado
FOTO 14. Velódromo do Rio de Janeiro. Na foto é possível ver as duas pilastras que atrapalham a visão plena do espaço.
em 2003 a um preço inicial de R$ 7 milhões. Ao final da obra o custo dobrou: R$14.116.000,00. Desse total, R$ 2,1 milhões foram do governo federal, para a importação de madeira maciça de pinho siberiano para a pista. Os R$ 12 milhões restantes saíram do orçamento da Prefeitura do Rio de Janeiro, segundo o relatório do Pan 2007, do Ministério do Esporte. A proposta original do Comitê Organizador
A instalação custou R$ 14 milhões e tem somente
do Pan era ter um velódromo provisório. O
uma similar na América do Sul, na Colômbia,
Ministério do Esporte e a Prefeitura do Rio
onde o ciclismo é um dos esportes nacionais.
decidiram por um permanente, pois não havia
A pista precisa de cuidados especiais exigidos
nenhum na cidade. Agora, cinco anos depois,
pela pista de madeira, que não vêm sendo
conclui-se que o espaço está “fora dos padrões
realizados. Ainda assim, atletas dependem dessa
olímpicos” e será, portanto, demolido. As novas
infraestrutura para seus treinos que, com a
exigências são quanto à capacidade, que
demolição do velódromo, ficarão prejudicados.
deve ser de 5000 lugares ao invés dos 1500
Outras 60 crianças que ali fazem iniciação ao
disponíveis. Além disso, duas pilastras que
ciclismo, além de atletas da patinação e da
sustentam a cobertura impedem a visualização
ginástica,
total da arbitragem e prejudicam as trans-
prejudicados .
missões de TV.
94
também 48
serão
diretamente
48 http://josecruz. blogosfera.uol.com. br/2012/07/legadode-r-14-milhoes-dopan-2007-sera-demolido/. Acessado em 25.08.2012.
FOTO 15. Estádio do Engenhão e entorno. O equipamento não foi capaz de mudar a qualidade de vida da população que vive nas proximidades e as pequenas vias de acesso não dão conta da vazão em dias de jogos, gerando grandes congestionamentos.
A demolição do velódromo atende a interesses do mercado imobiliário, pois se situa em região altamente valorizada, próxima à Lagoa do Camorim. O Engenhão foi mais uma das obras em que o orçamento estourou. De R$ 74 milhões, quando anunciado, foi para R$ 380 milhões após a conclusão da obra – um aumento de mais de 400%. Construído especialmente para sediar o Pan, foi implantado em uma região de baixa renda, sobre o antigo campinho recreativo da comunidade. Hoje, abriga jogos dos grandes clubes cariocas e excui os moradores dos arredores. Não foram feitas melhorias na circulação viária do entorno, resultando em grandes tumultos em dias de jogos. Eles trazem oportunidades para os comerciantes ambulantes, mas ainda
promovido “mudanças espetaculares”, o evento
assim apenas margeando seu potencial uso e
esportivo foi capaz de chamar a atenção quanto
sem garantir um efetivo desenvolvimento
às “necessidades” da cidade, o que parece um
econômico.
retorno ínfimo para tamanho investimento realizado. Numa honesta e acertada cons-
49 Jornal do Commercio, 26 de março de 2007.
Em entrevista em 2007, o secretário estadual
tatação do secretário, afirmou que houve
de Habitação Noel de Carvalho afirmou que,
“poucas mudanças estruturais necessárias para
apesar de os Jogos Pan-Americanos não terem
o desenvolvimento” mas, “de qualquer forma,
95
o evento favoreceu o setor imobiliário”49.
de contratos superfaturados. Atualmente é o
As operações do Pan acabaram por favorecer
diretor de segurança do Comitê Organizador
a especulação imobiliária, beneficiar emprei-
dos Jogos Olímpicos. Em 2011 foi aberta uma
teiras, promover a valorização fundiária, implantar
ação civil pública pedindo a condenação do
moderna infraestrutura (telecomunicações) em
delegado por improbidade administrativa.
áreas nobres, aquecer o setor hoteleiro, bem
O processo ainda tramita. Além dele, outro
como assegurar a permanência de grupos
envolvido no mesmo processo é o delegado
políticos no executivo local. Ainda traz uma
Odécio Carneiro, que até janeiro de 2012
vantagem: atiça o otimismo nacionalista,
era diretor da Secretaria de Segurança para
que acaba justificando medidas arbitrárias em
Grandes eventos do Ministério da Justiça, órgão
nome do “fazer bonito”.
que cuidou da segurança da Conferência Rio+20 da ONU e cuidará da Copa do Mundo 2014 e dos
Após constatar todos os problemas ocorridos
Jogos Olímpicos de 2016. O então Secretário
antes, durante e depois da realização dos Jogos
do Esporte, Eduardo Paes, é hoje nada menos
Panamericanos, nos restaria verificar se os
do que o prefeito reeleito do Rio de Janeiro.
responsáveis foram devidamente punidos. O então secretário Nacional de Segurança Pública,
Ainda assim, a edição de setembro de 2007 da
o delegado Luiz Fernando Corrêa, ex-diretor
revista do TCMRJ50, com o título “Legado do
geral da Polícia Federal é réu em um processo
Pan: uma nova fase para o Rio?”, traz em suas
que tramita na Justiça Federal por desvio de
primeiras páginas algumas palavras do presi-
dinheiro público durante sua participação nos
dente da entidade, dizendo que
Jogos Panamericanos 2007, onde teria lesado os cofres públicos em R$ 18 milhões por meio
96
“Hoje, há consenso sobre o sucesso dos
50 Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro.
Jogos Panamericanos de 2007 realizados no
seria abrigada em um país da América do Sul,
Rio de Janeiro. Não há voz dissonante quan-
cuja confederação, a CONMEBOL (Confede-
to à bem-sucedida organização do evento.
ração Sul-Americana de Futebol) anunciou
(...) O grande legado do Pan contrariou todas
em 2003 a candidatura do Brasil, Argentina e
as expectativas negativas, pois demonstrou
Colômbia para 2014. Com a proximidade da
que o Poder Público é capaz de grandes e
data de votação a ser realizada pela FIFA, em
importantes realizações.” (Thiers Vianna
2006 as confederações da CONMEBOL votaram
Montebello, então presidente do TCMRJ)
de forma unânime na candidatura única do Brasil, cujo anúncio oficial foi feito em
3.2 COPA DO MUNDO NO BRASIL: NOVA PERSPECTIVA PARA A POLÍTICA URBANA
30 de julho de 2007. Três meses depois, foi eleito por unanimidade entre os membros do comitê da FIFA como nova sede da vigésima edição da Copa do Mundo de futebol.
Para a escolha das sedes do Mundial de
O processo de escolha da sede para 2014 não
futebol, a FIFA instituiu em 1998 um sistema
ocorreu sem complicações. O então presidente
de rodízio de continentes, de forma a ofere-
da FIFA Joseph Blatter se mostrou descontente
cer com maior igualdade chances aos países
com a candidatura única do Brasil, alegando que
emergentes e distribuir melhor o direito de
o ideal seriam ao menos três ou quatro países
sediar a Copa pelo globo. A África do Sul foi
na disputa. No mesmo ano foi votado pela FIFA
o primeiro escolhido dentro do novo sistema
o fim de rodízios entre continente, permitindo
e foi a estréia de um país africano como sede
que quaisquer países concorressem à candida-
da Copa do Mundo, em 2010. A Copa seguinte
tura para 2018 (menos África e América do Sul).
97
Antes de adentrar o tema específico da Copa no
e CBF. São os principais agentes do mundial,
Brasil, faz-se importante uma pequena intro-
responsáveis por decisões de grande impacto
dução sobre alguns dos principais agentes do
nas cidades sede, porém são instituições
evento. Instituições privadas que comandam o
alheias aos interesses da população. As pala-
rumo de toda sua organização e realização: a
vras de Julio Grondona, vice-presidente da
Fédération Internationale de Football Associa-
FIFA, são esclarecedoras: “A Copa do Mundo
tion (FIFA), a Confederação Brasileira de Futebol
é da FIFA e apenas ocorre no Brasil”. Apesar de
(CBF) e o Comitê Organizador Local (COL).
o Brasil ser tratado como salão de festas, quem está pagando por ela somos nós: mais de 90% dos recursos gastos com a Copa do Mundo são
3.3 FIFA, CBF E COL
de origem pública. Ou seja, os brasileiros pagam e cedem sua casa, mas a festa não é para eles.
A Copa do Mundo é um evento que envolve diversos interesses e tem grande impacto
Fundada em 1904, hoje a Fédération Interna-
econômico e social no país que a sedia. São
tionale de Football Association é integrada
bilhões de reais injetados em forma de inves-
por 208 países, mais do que a própria ONU,
timentos em infraestrutura e incentivos fiscais,
que conta com 192 nações filiadas. Poucas
grande parte deles vindos dos cofres públi-
instituições são tão poderosas, ricas e fecha-
cos. Mas as principais decisões tomadas com
das quanto a FIFA. A renovação do comitê é
relação ao evento são fruto de exaustiva nego-
extremamente baixa: a maioria dos cartolas51
ciação entre o poder público e órgãos inter-
está no cargo a mais de quinze anos.
nacionais responsáveis pela promoção da Copa sendo os principais deles, no caso do Brasil, FIFA
98
Legalmente, trata-se de uma entidade sem fins
51 Dirigente, diretor ou presidente de time de futebol.
lucrativos. Seus gastos se resumem a organi-
dependiam basicamente de bilheteria das par-
zação de campeonatos, viagens de cartolas,
tidas, da venda de jogadores e de moderados
repasses para times e confederações e prêmios
lucros comerciais. Foi a partir da eleição de
para jogadores e seleções. Na Copa de 2010,
João Havelange, em 1974, que a organização
a seleção campeã recebeu U$ 30 milhões e a
mudou de caráter e se tornou um grande
vice, U$ 24 milhões.
negócio. Hoje a FIFA é responsável pela comercialização de qualquer produto ligado ao fute-
“Talvez a FIFA deva ser pensada como um
bol profissional, patrocínios e, o grande gera-
híbrido entre uma empresa multinacional
dor de riquezas, direitos televisivos.
e um tipo de Estado supra e transnacional,
52 Foul: The Secret World of Fifa: Bribes, Vote Rigging and Ticket Scandals, livro do jornalista inglês Andrew Jennings, trata de suposto esquema de corrupção e compra de votos envolvendo dirigentes da Fifa, Adidas e ISL. Dentre eles está a compra de votos por parte de Horst Dassler na primeira eleição de João Havelange na presidência da Fifa.
dado o seu poder atual e o seu perfil de
Em 1983 foi criada a empresa de marketing
atuação. Ainda assim, ela mesma é uma
e gestão de direitos esportivos International
das grandes impulsionadoras e depositárias
Sport and Leisure (ISL), cujo dono era o então
dos sentidos de pertencimento nacional,
presidente da Adidas, Horst Dassler. A empresa
que se fazem construir através do apoio
tornou-se braço comercial e associada número
às “seleções nacionais” de futebol que a
um da FIFA. Essa relação é fruto de uma parce-
ela se vinculam, criando uma interessante
ria que começou durante a primeira eleição de
necessidade de coexistência entre a FIFA e
João Havelange à presidência da entidade, que
os Estados-Nação em que o futebol seja um
contou com grande apoio de Horst Dassler e
esporte de importância pública de média
rendeu à ISL o poder exclusivo sobre a comer-
para cima, em um sentido político amplo.“
cialização dos principais eventos futebolísti-
(ANDRADE, 2010)
cos mundiais52. Ela garantiu o monopólio da gerência econômica do futebol por décadas,
Até a década de 1970, as finanças da FIFA
mas foi à falência em 2001 quando veio à tona 99
um gigantesco esquema de propinas a altos
previstas para a execução da Copa, informando
executivos da Fifa.
à FIFA sobre o andamento dos preparativos. Presidida por Ricardo Teixeira até março de 2012, período em que renunciou aos postos
A Copa do Mundo de futebol é um evento
do COL e da CBF, da qual era presidente há 23
da FIFA, totalmente controlado por ela. O
anos, após uma série de denúncias envolvendo
país que queira sediar o evento deve aceitar
casos de corrupção, o posto máximo do COL é
todas as exigências listadas no chamado
agora ocupado por José Maria Marin, que tam-
Caderno de Encargos da entidade. Nele constam
bém assumiu o lugar de presidente da CBF. Foi
os mais diversos requisitos, desde a capacidade
nomeado pelo próprio Ricardo Teixeira na CBF
dos estádios, número e localização de banheiros
e no COL, sendo alinhado aos seus interesses.
até a distância entre as arenas e os centros
Antes de deixar o posto, o famoso cartola
de imprensa. Todos os itens são verificados e
Ricardo Teixeira nomeou sua filha, Joana
decididos pelo Comitê Organizador Local (COL),
Havelange, diretora executiva de Suporte,
cujo seleto grupo presta contas apenas à FIFA.
que trata do planejamento, marketing e
Até 2011 contava com apenas 6 representantes,
suporte a operações do COL. O Conselho
nenhum deles da sociedade civil ou do poder
de Administração conta com Ronaldo e
público. Conta hoje com cerca de 80 fun-
Bebeto, ex-jogadores de suma importância
cionários.
para o futebol nacional, símbolos do esporte. Ambos são defensores de Ricardo
O Comitê Organizador Local é uma entidade
Teixeira e os rostos carismáticos do comitê,
jurídica criada pela FIFA/CBF para realização
trazendo forte apelo emocional. O Diretor
da Copa no Brasil. Seu papel é exercer
Executivo de Operações do COL é Ricardo
o controle sobre o andamento das ações
Trade, nomeado em 2010 também por Ricardo
100
53 http://www.cartacapital.com.br/sociedade/ quem-vai-impor-limites/, acessado em 29.08.2012
Teixeira. Foi também gerente geral de serviços
Em maio de 2012 o COL passou a contar tam-
e um dos diretores de operações do Panameri-
bém com um membro do governo federal, o
cano de 2007. Francisco Müssnich, cujo es-
secretário-executivo do Ministério dos Esportes
critório Barbosa, Müssnich & Aragão representa
Luis Fernandes. Como coordenador do Gru-
a CBF em questões jurídicas da Copa, faz parte
po Executivo da Copa do Mundo (GECOPA),
do comitê como diretor jurídico, assim como
Fernandes tem um panorama de toda a prepa-
Rodrigo Paiva, diretor executivo de comuni-
ração do Brasil para o Mundial. Sua aproxi-
cação do COL, assessor de imprensa da CBF e da
mação no comitê resolve problemas mais
seleção desde 200253. Ele acompanhou todas
práticos, estabelecendo um canal direto entre a
as denúncias que envolveram o ex-presidente
entidade, responsável pela organização geral, e
da CBF. Além disso, o arquiteto Carlos de La
o governo, que toca as obras de infraestrutura.
Corte, que assessorou o Ministério do Esporte
A chegada de Fernandes também rompe com
em 2002 para projetos de centros esportivos,
um alinhamento político existente no comitê.
tornou-se consultor de estádios e finalmente
Até a indicção do membro do governo, to-
o último integrante, Carlos Langoni, ex-pres-
dos os diretores e conselheiros do órgão eram
idente do Banco Central e administrador do
ligados ao ex-presidente da CBF, Ricardo
patrimônio pessoal de Teixeira. Marco Polo Del
Teixeira.
Nero, substituto de Ricardo Teixeira no Comitê Executivo da FIFA, também entrou recente-
A participação de governos nos comitês orga-
mente ao COL, indicado pela própria entidade
nizadores da Copa não é comum. De acordo
internacional. É também o atual presiden-
com o próprio secretário-geral da Fifa, Jérôme
te da Federação Paulista de Futebol (FPF) e
Valcke, só na África do Sul, em 2010, é que
integrante do Comitê Executivo da Conmebol.
pessoas ligadas ao governo entraram no COL.
101
3.4 DISCURSO VS. REALIDADE O discurso mais recorrente das autoridades brasileiras é de que a Copa do Mundo trará recursos e desenvolvimento para o país numa escala jamais vista. Gerará empregos e riqueza, permitirá às cidades-sede expandir sua infraestrutura e seu reconhecimento internacional, deixando para a população brasileira um legado jamais visto. E o melhor de tudo, com o mínimo de investimento público, já que a iniciativa privada se encarregaria de grande parte dos gastos. O Brasil adotou,
Essas foram as palavras do então presidente da CBF, Ricardo Teixeira, em discurso proferido em 2007 em Brasília, ao lado do então presidente Lula, defendendo que não haveria motivos para se preocupar com excesso de gastos públicos na organização do Mundial de futebol. Em dezembro do mesmo ano, o então ministro do Esporte, Orlando Silva, em discurso no Rio de Janeiro, reforçou: “Os estádios para a Copa do Mundo serão construídos com dinheiro privado. Não haverá um centavo de dinheiro público para os estádios.”
durante a gestão de Lula na presidência, a missão de se projetar internacionalmente através da realização de megaeventos esportivos, como a Copa do Mundo 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro. “O melhor da Copa do Mundo é que é um evento que consome a menor quantidade de dinheiro público do mundo. O papel do governo não é de investir, mas de ser facilitador e indutor”.
102
Ainda em 2007, a FIFA publicou um relatório onde a entidade justifica a escolha do Brasil para sediar a Copa de 2014, trazendo a seguinte informação: “O modelo brasileiro para a Copa do Mundo de 2014 dará prioridade ao financiamento privado na construção e reforma dos estádios. O objetivo é erguer arenas modernas que atenderão ao padrão Fifa, enquanto os recursos públicos serão
54 http://www.conjur. com.br/2011-jun-05/ entrevista-francisco-mussnich-advogado-especialista-direito-societario, acessado em 12.09.2012
aplicados em obras de infraestrutura, de aeroportos, rodovias e hospitais. (relatório Fifa sobre a Copa no Brasil)
parte que lhe cabe.”54 (Francisco Müssnich) Infelizmente, tais alegações não poderiam ser mais falaciosas. É o que mostra o quadro abaixo (Quadro 10), realizado a partir do relatório de acompanhamento das obras da Copa pelo Tribunal de Contas da União (TCU), divulgado em agosto de 2012. Já está prevista a quantia de mais de R$ 27 bilhões em recursos públicos (10 vezes o orçamento do Ministério dos Esportes em 2011) nas obras das 12 cidades sede, mais de R$ 2 bilhões a mais do que o divulgado cinco meses antes, no relatório de março. Só para os estádios, o valor atinge mais de R$ 6,76 bilhões, o triplo do previsto em 2007 pela CBF, que à época informou à FIFA sobre a
Em alguns casos, o próprio discurso é incapaz de esconter sua contradição, tornando-se quase desconexo. Foi o caso da declaração de Francisco Müssnich, assessor jurídico da CBF e diretor jurídico do COL, que disse em entrevista publicada em junho de 2011 que “a Copa é 100% um evento privado. A FIFA é detentora dos direitos da Copa do Mundo. Tudo que estiver relacionado à organização da Copa não tem nada a ver com o Estado. (...) Não existe Copa do Mundo, mesmo sendo ela privada, sem que o governo faça a
quantia de cerca de R$ 2,12 bilhões.
QUADRO 10. Gastos em obras da Copa, por fonte do investimento Área de investimento
Governo Federal em R$ milhões
%
março de 2012 Municípios
Estados em R$ milhões
%
em R$ milhões
Setor Privado %
em R$ milhões
%
TOTAL
agosto de 2012 TOTAL
em R$ milhões
em R$ milhões
Estádios
3.356,63
50,14
1.537,90
22,97
0,00
0,00
1.800,21
26,89
6.694,74
6.761,00
Mobilidade urbana
6.576,30
60,15
2.923,20
26,74
1.433,50
13,11
0,00
0,00
10.933,00
12.050,00
877,10
97,57
21,80
2,43
0,00
0,00
0,00
0,00
898,90
899,00
6.134,78
93,76
0,00
0,00
0,00
0,00
480,00
7,34
6.542,78
7.335,00
-
371,00
67,59
4.482,90
17,88
1.433,50
5,72
2.280,21
9,10
25.069,42
27.416,00
Portos Aeroportos Telecomunicações TOTAL
16.944,81
-
-
-
Fonte: Relatórios TCU, março 2012; agosto 2012 *Foram usados os dados de março/2012 para comparar a origem dos gastos pois tais dados relativ os ao mês de agosto não foram encontrados.
103
QUADRO 11. Previsão de custo dos estádios da Copa (em R$ milhões) Estádio
outubro 2007 maio 2009
janeiro 2010 abril 2012
Arena Amazônia (AM)
535
533
Arena Baixada (PR)
151
234
Arena Fonte Nova (BA)
592
592
Arena Pantanal (MT)
454
519
Arena Pernambuco (PE)
491
530
Beira-Rios (RS)
média de
média de
143
330
Castelão (CE)
R$ 185,5 por estádio¹
R$ 309 por estádio²
452
623
413
350
Estadio Nacional (DF)
702
800³
Itaquerão (SP)
820
Maracanã (RJ)
705
890⁴
Mineirão (MG)
456
695
492,8
547,8
5.912
6.904
Arena das Dunas (RN)
VALOR MÉDIO TOTAL
2.200
3.708
808
Fonte: elaboração do autor a partir de dados do Ministério dos Esportes ¹ Segundo estimativ as da CBF em relatório env iado à Fifa após anúncio da Copa no Brasil ² Valor foi obtido atrav és da média do custo de 15 dos 17 estádios candidatos a sediar jogos da Copa – Curitiba e Belo Horizonte não informaram os v alores. Cálculo realizado pela Folha, http://w w w 1.folha.uol.com.br/fsp/esporte/fk2705200922.htm, acessado em 30.08.2012. ³ Prev isão do Gov erno de DF
104
O Quadro 10 mostra que quase três quartos
recebendo as delegações. Se forem contabiliza-
dos gastos em estádios para o Mundial são de
dos os recursos totais investidos na construção
origem pública – e esse valor segue galopante
de equipamentos para Copa e Olimpíadas, o
a cada novo relatório de contas, como pode ser
país poderia diminuir o déficit habitacional,
verificado no caso dos estádios, apresentado
ampliar o acesso aos serviços urbanos básicos,
no Quadro 11.
promover melhorias socioambientais, criar programas de trabalho e renda, investir na saúde
Mais de 90% do montante investido na Copa
pública e na educação.
vem dos cofres federais (67,59%), estaduais (17,88%) e municipais (5,72%), enquanto o in-
Para tornar a equação entre discurso e realidade
vestimento privado se restringe a meros 9,1%.
ainda mais complexa, soma-se o fato de que,
O abismo existente entre discurso e realidade
depois da competição, os nove estádios públi-
aparece de forma tão gritante no caso das
cos (pois três dos estádios do Mundial já são
contas que coloca em cheque as intenções e
privados – São Paulo, Porto Alegre e Curitiba)
a seriedade dos envolvidos com o evento. Essa
devem ser entregues a empresas para adminis-
é uma contradição mensurável, mas e quanto
tração, como indicado no Quadro 12 abaixo.
aos discursos de legado, de que forma será
Uma vez que os custos de manutenção são
possível quantificá-los?
demasiado altos para que o poder público possa arcá-los, após realizar os enormes gas-
Além das quantias apresentadas pelo TCU, foi
tos em construção e readequação de estádios
aprovada isenção de impostos para as constru-
eles serão entregues à iniciativa privada. Não
toras dos estádios e dos campos de treinamento
deixa de ser contraditório: investimentos
nas cidades que atuarão como apoio à Copa,
públicos sendo entregues para desfrute privado.
105
QUADRO 12. Destinação dos estádios da Copa após a realização do evento Estádio
Antes da Copa
Após a Copa
Estádio Mané Garrincha (Brasília)
Governo do Distrito Federal (pública)
Administração será concedida a uma empresa privada por meio de licitação.
Maracanã (Rio de Janeiro)
Governo do Rio de Janeiro (pública)
Administração será concedida a uma empresa privada por meio de licitação
Arena Amazônia (Manaus)
Governo do Amazonas (pública)
Administração deve ser concedida a uma empresa privada
Arena Pantanal (Cuiabá)
Governo do Mato Grosso (pública)
Administração deve ser concedida a uma empresa privada
Mineirão (Belo Horizonte)
Governo de Minas Gerais (pública)
Consórcio responsável pela reforma administrará estádio por 25 anos
Fonte Nova (Salvador)
Governo da Bahia (pública)
Consórcio responsável pela obra administrará estádio por 35 anos
Castelão (Fortaleza)
Governo do Ceará (pública)
Consórcio responsável pela obra administrará estádio por 8 anos
Arena das Dunas (Natal)
Prefeitura de Natal (pública)
Consórcio responsável pela obra administrará estádio por 20 anos
Arena Pernambuco (Recife)
Estádio novo
Consórcio responsável pela obra administrará estádio por 33 anos
Itaquerão (São Paulo)
Corinthians (privada)
Administração será privada
Beira-Rio (Porto Alegre) Arena da Baixada (Curitiba)
Internacional (privada) Atlético Paranaense (privada)
Administração permanecerá privada Administração permanecerá privada
Fonte: UOL Notícias. "Dinheiro público paga 97% dos estádios da Copa, mas governo não controlará nenhum". 28/05/2012.
Do projeto inicial da Copa, enviado à FIFA
realizadas, dificilmente se poderia identificar
como proposta em 2007, apenas quatro
algum resquício do estádio anterior, como no
estádios precisariam ser construídos do zero,
caso do Maracanã, posto praticamente inteiro
enquanto os demais seriam equipamentos
abaixo e agora reerguido a um custo previsto
já existentes adequados às exigências da FIFA
de quase R$ 1 bilhão, sendo, por enquanto,
através de reformas. 18 cidades brasileiras se
a obra mais cara dentre as 12 arenas. Vale
candidataram para sediar jogos do mundial,
destacar que ele já sofreu uma reforma para os
das quais um máximo de 10 seriam escolhidas
Jogos Panamericanos de 2007, há apenas
após inspeção da FIFA. Hoje temos 12 cidades
5 anos, que consumiu mais de R$ 200 milhões
selecionadas e 7 novos estádios sendo cons-
à época.
truídos (Quadro 13), sendo que, das reformas 106
QUADRO 13. Cidades candidatas a sedes da Copa, seus estádios e situação Cidade
Estado
Estádio
situação
proposta 2007
situação atual
Belo Horizonte
Minas Gerais
Estádio Mineirão
reforma completa
reforma
Brasília
Distrito Federal
Estádio Mané Garrincha
reforma completa
reconstruído
Cuiabá
Mato Grosso
Estádio Verdão
reforma completa
reconstruído
Curitiba
Paraná
Arena da Baixada
reforma
reforma
Fortaleza
Ceará
Estádio Castelão
Manaus
Amazonas
Estádio Vivaldão
Natal
Rio Grande do Norte
Estádio Estrela dos Reis Magos
Porto Alegre
Rio Grande do Sul
Estádio Beira-Rio
Recife-Olinda *
Pernambuco
Rio de Janeiro
estádios selecionados para sediar a Copa do Mundo
reforma
reforma
reforma completa
reconstruído
estádio novo
estádio novo
reforma completa
reforma
Arena Recife-Olinda
estádio novo
estádio novo
Rio de Janeiro
Estádio do Maracanã
reforma
reforma
Salvador
Bahia
Arena da Bahia
estádio novo
estádio novo
São Paulo
São Paulo
Estádio do Morumbi/Arena Itaquera**
reforma completa
estádio novo
Belém
Pará
Estádio Mangueirão
reforma
_
Campo Grande
Mato Grosso do Sul
Estádio Morenão
reforma completa
_
Florianópolis
Santa Catarina
Estádio Orlando Scapelli
reforma completa
_
Goiânia
Goiás
Estádio Serra Dourada
reforma
_
Maceió
Alagoas
Arena Zagallo **
estádio novo
_
Rio Branco
Acre
Arena da Floresta
reforma
_
estádios não selecionados
* Candidatura única ** Na proposta de 2007 constava o Estádio do Morumbi. Por fim, será erguido o novo estádio Arena Itaquera Fonte: elaboração própria a partir de dados do Relatório de Inspeção FIFA, 2007.
107
Posta rapidamente a real situação dos gastos
investimento um ganho social em si. As
públicos e para onde fluem, resta confrontar
prefeituras das cidades-sede vêm conceden-
o discurso de que o retorno financeiro e social
do uma série de incentivos para a construção
prometido compensaria largamente tamanho
das arenas de futebol e demais equipamentos
investimento. A palavra mais repetida em
exigidos para a Copa. De que outras formas
qualquer fala oficial é “legado”. Mas afinal, o
as cidades poderiam utilizar o mesmo fluxo de
que isso significa? Dificilmente se pode dizer
investimentos? Também, a capacidade de
que a população gozará de melhores condições
endividamento das prefeituras, limitada pela
de vida graças à Copa. É certo que as obras vêm
Lei de Responsabilidade Fiscal, é aumentada
gerando grande número de empregos, mas até
para
quando? O termo ‘custo e oportunidade’ trata
através do Regime Diferenciado de Contra-
da comparação do custo benefício de um certo
tação56. Novamente, o custo e oportunidade
investimento com o de um outro investimento
social não é levado em conta. Pois se um
que poderia ser feito utilizando o mesmo
município tem permissão para se endividar a
montante de recursos do primeiro. Por exem-
fim de construir um estádio de futebol e não
plo, a Arena São Paulo consumirá cerca de
para aumentar e melhorar, por exemplo, sua
R$ 1 bilhão, segundo projeções55, e está
rede de saneamento e provisão de moradia
gerando 2 mil empregos diretos em 3 anos. Mas
e saúde, pode-se concluir que as prioridades
esse mesmo R$ 1 bilhão, se convertido em pos-
do poder público estão defasadas quanto às
tos de saúde, centros de educação, habitação
reais necessidades da população.
popular, saneamento
obras
associadas
aos
megaeventos
e outras necessidades
sociais gerariam os mesmos 2 mil empregos,
Uma série de intervenções estão sendo reali-
além
zadas no entorno do estádio, grande parte de
108
de
trazer
com
o
produto
desse
56 Vainer, 2011. Le Monde Diplomatique Brasil, entrevista de 02.08.2011.
55 A Lei que regulamenta o Regime Diferenciado de Contratação (RDC) será mais minuciosamente analisada adiante.
57 Pesquisa Origem e Destino (POD) 2007, Metrô.
caráter rodoviário. Mas afinal, quantas pessoas
agora, nenhuma melhoria pode ser vista. Pelo
da região possuem automóveis e dependem
contrário, a paisagem no entorno imediato
desse tipo de transporte? Segundo a Pesquisa
da nova arena, se não permanece igual, está
Origem e Destino de 2007, realizada pelo
pior: é o caso da favela Vila Progresso, cujos
Metrô, das 900 mil viagens produzidas diaria-
moradores tiveram suas casas demolidas e, para
mente na subprefeitura de Itaquera, apenas
aqueles que permaneceram no lugar, sofrem
196 mil são feitas de carro .
de problemas estruturais além do convívio com
57
infiltrações, escombros e o medo de serem os próximos a perderem suas casas. As obras
FOTO 16. As linhas de metrô e trem que abastecem a Zona Leste de São Paulo estão sobrecarregadas a anos, obrigando os moradores que dependem de transporte público a se submeterem a situações quase insuportáveis.
do Parque Linear Rio Verde se encontram adiantadas, mas ao invés de trazer tranquilidade aos moradores do entorno, que poderão finalmente contar com equipamento público de lazer, traz insegurança, pois sua construção não abarca uma política habitacional compensatória para a população que será desapropriada das favelas que se encontram no perímetro Curiosa também a declaração do secretário de
previsto para o parque, de forma que as incer-
Desenvolvimento Econômico, José Alexandre
tezas superam qualquer possível retorno aos
Sanches, ao alegar que a obra do estádio em
moradores que conseguirem lá permanecer.
Itaquera “antecipou uma série de melhorias no entorno, que vão impactar a vida da Zona Les-
O discurso de que o evento trará riquezas para
te como um todo”. Ao que foi observado até
o país é bastante questionável. Em nenhum
109
momento defini-se quem é, afinal, o “país”.
se beneficiar, pois o fluxo de pessoas poderia
São todos os cidadãos? Ou são empresas nacio-
permitir maior contato do mundo com a reali-
nais? Ou os cofres públicos? Vejamos: os cofres
dade local e sua produção. Artigos típicos e
públicos poderiam ser enormemente beneficia-
pequenas empresas teriam uma oportunidade
dos, de fato. Afinal, são centenas de milhares
única de propagandear e comercializar seus
de pessoas adentrando o país, requerendo a
artigos e serviços, promovendo uma troca real
concessão de milhares de vistos de entrada e
de cultura, conhecimento e oportunidades.
permissões de trabalho. Os impostos cobrados durante a construção da infraestrutura
Infelizmente, não é o que se vê. Em primeiro
necessária para a realização do evento seriam
lugar, as arrecadações tributárias relacionadas
enormes, permitindo que os benefícios gera-
à Copa não ocorrerão normalmente, pois foram
dos pela Copa pudessem ser redistribuídos para
aprovadas diversas leis de isenção tributária:
outras regiões das cidades e do país, benefician-
seja isenção fiscal na construção de estádios
do distintas áreas em um prazo de tempo mais
e infraestrutura, aeroportos, hotéis, seja com
longo. Também produtores locais poderiam
relação a direitos alfandegários e concessão de vistos com dispensa de pagamentos de eventuais retribuições, da mesma forma que ocorrerá nos procedimentos de registro de marcas, realizados junto ao Inpi sem qualquer ônus para a FIFA (tema que será tratado em maiores detalhes mais adiante). A isenção descriteriosa de impostos por parte do governo fecha os cofres públicos para importantes arrecadações, que
110
FOTO 17. O entorno do futuro estádio do Corinthians sofre com moradias precárias e falta de suporte governamental.
no contexto da Copa representam quantias
condições exigidas pela Fifa impedem que o
consideráveis que seriam capazes de beneficiar
país como todo disfrute das benesses geradas
o investimento do país em crescimento interno.
pelo evento de forma plena. De fato, muitos
Outra questão está relacionada aos parceiros
recursos são gerados e a economia aquecida,
credenciados da FIFA, que em um raio de dois
porém não para o país sede e sua população,
quilômetros dos locais oficiais do evento –
mas para grupos externos, agudizando a con-
estádios, centros de imprensa, alojamentos e
centração.
centros de treinamento das delegações – serão os únicos com permissão para comercializar seus produtos. A FIFA trabalhará apenas com seus parceiros multinacionais, tirando dos comerciantes e produtores locais uma grande
3.5 FESTEJANDO A CIDADE DE EXCEÇÃO
oportunidade e transferindo os recursos dire-
A seguir, serão apresentados alguns exemplos
tamente para as mãos dessas poucas grandes
de como o município de São Paulo está rea-
empresas, ao invés de distribuí-los. Nesse mes-
gindo a esse novo contexto através da criação
mo raio de intervenção da FIFA, fica proibido
de leis excepcionais, que vigoram especial-
realizar qualquer tipo de propaganda, sob pena
mente para a preparação da Copa do Mundo
de um tribunal especialmente criado para tal
e sua realização. O tema já foi iniciado na
tipo de julgamento, no período da Copa.
apresentação da Lei de Incentivos Seletivos para a Zona Leste e sua evolução até chegar
Ou seja, a festejada geração de recursos e in-
na Lei 15.413/2011, que trata dos incentivos
jeção de investimentos para dentro do país
fiscais concedidos para a construção do estádio
é, na verdade, apenas um discurso, pois as
do Corinthians.
111
3.5A. LEI Nº 12.663, DE 5 DE JUNHO DE 2012 - LEI GERAL DA COPA
termo “símbolos oficiais”, que pode efetivamente abranger qualquer imagem, idéia ou até expressão linguística. Mais de mil itens foram
A Lei Geral da Copa é uma exigência da FIFA
objeto de requisição de registro pela entidade.
para a realização da Copa do Mundo e se de-
Cria exceções à lei federal, como permitir o
bruça sobre diversos temas relativos à organi-
registro de marca a nomes, prêmios e símbolos
zação do torneio e aos direitos e deveres das
de eventos esportivos e dispensa a entidade de
partes envolvidas, até dezembro de 2014.
eventuais custos referentes aos processos de licenciamento junto ao INPI (Instituto Nacional
Um dos temas centrais da Lei trata da proprie-
de Propriedade Industrial). Trata-se quase de
dade intelectual de símbolos e marcas da FIFA e
um processo de privatização da cultura,
da Copa. A legislação brasileira, porém, já abarca
através do direito de uso exclusivista.
o tema (Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996 e outras). A Lei Geral cria condições especiais para
Quanto à captação de imagens, sons e retrans-
registro de marcas relacionadas e indicadas pela
missão de partidas ou eventos relacionados, a
FIFA e demais órgãos diretamente relaciona-
FIFA seleciona “flagrantes de imagem” de até
dos. Ela desregula e desburocratiza o processo,
dois minutos disponibilizados para fins não
dando carta branca para a entidade explorar
comerciais. A única emissora autorizada a trans-
qualquer conteúdo minimanente relacionado ao
mitir as partidas do Mundial é a Rede Globo,
evento, inclusive expressões como “Mundial de
que comprou os direitos referentes através de
futebol” e “Brasil 2014”. No caso da proteção
um contrato milionário que garante boa parte
à propriedade industrial, não há qualquer re-
da renda da FIFA com o evento.
strição ou definição sobre o significado do
112
IMAGEM 1. Em 2010, a compania aérea sulafricana Kulula Airlines criou um anúncio que, de forma irônica, remetia indiretamente à Copa do Mundo de 2010 na África do Sul. Por não se tratar de uma parceira oficial da FIFA, foi obrigada pela entidade a tirar o anúncio de circulação e pagar uma multa por infringir suas regras de direitos autorais. Como resposta ao que a empresa considerou uma reação exagerada da Fifa, refez o anúncio substituindo as imagens relacionadas a futebol que apareciam no primeiro anúncio – a bola, o estádio, o apito – por semelhantes sem relação direta com o esporte e reescreveu as mesmas informações sem mencionar os termos registrados. “Compania aérea não oficial de Você-SabeO-Que” (referindo-se à Copa do Mundo); “Não ano que vem, nem ano passado, mas em algum momento entre” (referindo-se ao ano de 2010, período do evento). O episódio exemplifica a forma de atuação da FIFA com relação aos direitos de imagem e símbolos oficiais.
Outro ponto bastante polêmico é com relação
e art.1º, IV da Constituição Federal), pois impli-
ao controle da FIFA sobre o território, através
ca na priobição de venda ou exposição, dentro
da criação de áreas de restrição comercial nos
desse perímetro, de quaisquer mercadorias que
“Locais Oficiais de Competição”, zonas de ex-
não obtenham permissão expressa da entidade.
clusão no entorno dos estádios e suas princi-
Os estabelecimento regularmente existentes
pais vias de acesso e espaços de transmissão
não serão comprometidos, desde que sem
dos jogos e eventos relacionados, que podem
qualquer forma de associação aos eventos – ou
chegar a até dois quilômetros ao redor dos
seja, os bares não poderão vender outra cerveja
locais oficiais. Trata-se de uma restrição ao
que não seja aquela patrocinadora do even-
direito de ir e vir e à livre iniciativa (art. 5º, XV
to, nem poderão citar o evento de qualquer
113
forma. O comércio ambulante, fonte de renda
em que a lei tem como princípios funda-
de milhares de pessoas e típico nos arredores
mentais a universalidade e a impessoali-
de grandes eventos, principalmente jogos de
dade – gerando uma lei especial para alguns
futebol, fica vetado. Pequenas empresas e
privilegiados e entregando a cidade ao des-
pequenos comércios locais serão comprometi-
regramento total.” (VAINER, em entrevista
dos, ao contrário do que diz o discurso cor-
de 2011)
rente de que a Copa traria oportunidades para a sociedade brasileira como um todo.
Os ingressos para o mundial terão seus preços definidos pela FIFA e serão divididos em qua-
Vistos e permissões serão emitidos em caráter
tro categorias de preço. Até a aprovação da Lei,
prioritário e sem custos para todos aqueles
estava em discussão a possibilidade de venda
indicados pela FIFA, com algumas restrições
de meia-entrada para estudantes, idosos e par-
previstas pelo Conselho Nacional de Imi-
ticipantes de prorgamas federais de transferên-
gração. Porém,
cia de renda. A FIFA se colocava contrária, mas esse direito, garantido por legislação federal,
“é da natureza de todo Estado soberano
foi mantido na Lei Geral da Copa.
determinar como se faz o ingresso dos estrangeiros em seu território. Mas essa lei
Foram criados novos tipos penais específicos,
entrega a uma instituição privada o poder
de natureza pontual e temporária: marketing
consular, isso é anticonstitucional, mas
de emboscada por intrusão, por associação e
é uma lei enviada pelo governo nacional.
utilização indevida de símbolos oficiais. Isso
Assim se constrói a legislação de exceção,
reforça a tendência à hiperpenalização já acen-
que tem a forma da legalidade, mas na
tuada na polícia criminal brasileira.
verdade fica à margem da lei – na medida 114
Outro ponto crítico é quanto à responsabili-
Lei Geral da Copa se extendeu por mais de um
zação da União quanto a quaisquer danos e
ano e diversos pontos foram alvo de discussão
prejuízos que possam eventualmente ser cau-
e negociação. A FIFA exigia medidas e pre-
sados à FIFA duante o torneio.
cauções que iam na contramão da legislação nacional, a fim de garantir o máximo possível
“Todo e qualquer dano resultante ou que
seus interesses econômicos.
tenha surgido em função de qualquer incidente ou acidente de segurança relacionado
“A cidade é expropriada do controle do seu
aos eventos.” (Lei nº 12.663/12, Art. 30)
próprio território. O Brasil não elegeu Joseph Blatter [presidente da Fifa], não entregou
Nada poderia ser mais genérico. Praticamente
poderes de governo a uma instituição
qualquer eventualidade pode se enquadrar na
privada sobre a cidade.” (VAINER, 2011)
formulação. O texto original enviado pela entidade sofreu O homem indicado para ser relator na Câmara
uma série de alterações até ser aprovado. Ainda
foi o deputado Vicente Cândido, também um
que alguns pontos tenham sido adaptados para
dos vices da Federação Paulista de Futebol
respeitarem a legislação brasileira, o governo
(FPF) e sócio de Marco Polo Del Nero, presi-
brasileiro se dobrou a uma série de exigências
dente da entidade. Uma situação que deve ser
feitas por uma entidade privada, favorecendo
ponderada pela sua proximidade com a FIFA e
interesses econômicos particulares em detri-
seus interesses.
mento da coletividade.
A disputa entre representantes da entidade e
Em meio a questões fundamentais que per-
do governo federal foi acirrada. A aprovação da
meiam a Lei Geral da Copa, como o veto à livre 115
iniciativa econômica, que permaneceu intocada
Ci-vil, articulada ao Ministério da Defesa),
na redação final aprovada, representantes de
cargos de confiança nos ministérios, autoriza
esferas do governo se degladiavam em torno
contratações temporárias (controladores de
de questões que ouso considerar, comparati-
tráfego aéreo) e revoga diversas disposições le-
vamente, pouco relevantes, como a permissão
gais59. 59 Revoga dispositivos da Lei nº 9.649/98.
ou não de venda de bebida alcólica dentro de estádios, que a legislação federal proíbe mas
Permite sigilo dos custos de obras e dispensa
que é uma exigência da FIFA, já que um de
publicação no Diário Oficial, pontos bastante
seus principais parceiros comerciais da Copa é,
controversos, uma vez que grande parte das
justamente, uma indústria de cervejas.
obras relacionadas conta de alguma forma com dinheiro público. Além disso, permite que
3.5B. LEI Nº 12.462, DE 5 DE AGOSTO D E 2 0 11 - R E G I M E D I F E R E N C I A D O D E CONTRATAÇÃO (RDC)
municípios e estados se endividem acima dos limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, o que pode levar a sérios problemas financeiros futuramente, caso o endividamento
A lei flexibiliza a contratação de licitações ex-
não seja adequadamente planejado e adminis-
clusivamente para a Copa 2014 e para os Jogos
trado. Considerando o caráter da lei, de encur-
Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, incluindo
tamento do processo burocrático de aprovação
as obras de infraestrutura e contratação de
de licitações e aceleração dos tramites legais,
serviços para os aeroportos próximos às suas
ações precipitadas quanto à gestão do di-
cidades-sede. Altera leis58 que tratam de con-
nheiro público são um sério risco.
tratações de obras públicas e, de carona, cria uma nova secretaria (Secretaria de Aviação
116
Constitui o desmonte do controle político e
58 Altera as Leis nos 11.182/05; 5.862/72; 8.399/92; 11.526/07; 11.458/07; 12.350/10 e a Medida Provisória nº 2.185-35/01.
60 O senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) sensatamente chamou o RDC de Regime “Desesperado” de Contratação. http://noticias.uol.com. br/politica/ultimas-noticias/2012/06/27/ senado-aprova-mp-deregime-especial-paraagilizar-obras-do-pacpara-copa-e-olimpiadas. htm, acessado em 22.07.2012. 61 Idem. 62 Idem. 63 O relator-revisor da matéria no Senado é o senador Renan Calheiros (PMDB-AL).
burocrático e um exemplo paradigmático da
escamotear essa incapacidade estatal de
cidade de exceção. O novo modelo do RDC
planejar o desenvolvimento nacional60.
dispensa a benéfica separação entre aquele que planeja e aquele que executa, permitindo
Como mostram as reflexões a partir de Harvey e
união, em uma única contratação, das ativi-
Vainer, apela-se ao discurso de crise para justi-
dades de elaboração do projeto e realização da
ficar a legitimação da exceção como estratégia
obra e turvando a necessária transparência que
de gestão: ”o senador Gim Argello (PTB-DF)
deve permear esse relacionamento.
reafirmou a importância do RDC como instrumento para desenvolver o Brasil neste momen-
Vale destacar o discurso recorrente das autori-
to de crise mundial”61.
dades, alegando que essa flexibilidade permite redução de custos e agilidade. O regime obje-
Segundo notícia de 27 de junho de 201262,
tiva facilitar as contratações e o desenvolvi-
foi aprovada pelo Senado a Medida Provisória
mento das obras para cumprir os cronogramas
(MP)63 que estende para as obras do PAC (Pro-
assumidos internacionalmente. Todavia, ele
grama de Aceleração do Crescimento) o regime
impede que se crie uma visão estratégica, de
especial de licitações que vem sendo usado para
longo prazo, que permita rever o modelo de
agilizar as obras da Copa e dos Jogos Olímpi-
contratação numa perspectiva
de conciliar
cos. É a consolidação, dentro da estrutura leg-
melhor o Estado gerencial com o Estado
islativa, de uma das leis mais polêmicas dentro
burocrático. A edição da medida provisória
do regime de exceção criado nos últimos
evidencia a inaptidão do Estado brasileiro
anos. Dessa vez, ele se extende para obras de
para eleger prioridades, buscando recuper-
saneamento, construção de escolas, postos de
ar o “tempo perdido” e, mais do que isso,
saúde e outros.
117
Os mecanismos de licitação são notoriamente
de ingerência imeditata do Executivo. Os
complexos e lentos, porém não sem motivos.
ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso
Eles envolvem quantias massivas de dinheiro
(1994-2002) e Lula (2002-2010) criaram 82 e
público transferidas para o setor privado e seu
72 MPs em seus mandatos, respectivamente.
emprego deve, portanto, ser minuciosamente
Se fica latente a necessidade de pensar me-
analisado e regulado para garantir sua apli-
canismos mais eficientes para os processos lici-
cação adequada. A teoria, porém, é distinta
tatórios, que se faça uma reflexão completa
da prática. Os mecanismos lentos e complexos
sobre o assunto ao invés de seguir aprovando
não vêm garantindo regularidade nas licitações
leis que relativizam leis anteriores, ou medidas
aprovadas e não é raro encontrar notícias de
provisórias como respostas paleativas a um
obras paradas devido a investigações por
sistema ineficiente, tornando a legislação
irregularidade no processo licitatório. Mas se
brasileira um campo tão turvo que passa a
os processos burocráticos se mostram inefici-
depender de mera interpretação, aplicada à
entes, flexibilizá-los através de medidas pro-
conveniência de cada um.
visórias para cumprir metas não resolverá o problema, visto que não modifica sua estrutura administrativa. O RDC é um verdadeiro atalho à Lei de Licitações, que teve início com uma medida provisória, a MPV nº 527/11. As medidas provisórias
3.5C. LEI Nº 12.350, DE 20 DE DEZEMBRO DE 2010 E DECRETO Nº 7.319, DE SETEMBRO DE 2010 – REGIME ESPECIAL DE TRIBUTAÇÃO PARA CONSTRUÇÃO, REFORMA OU MODERNIZAÇÃO DE ESTÁDIOS DE FUTEBOL - RECOPA
são uma frequente estratégia de enfraqueci-
A Lei nº 12.350 garante isenção fiscal à FIFA
mento de direitos. De medida de exceção, tor-
e ao Comitê Organizador Local (COL) da
nou-se prática comum e ferramenta cotidiana
Copa em impostos relativos a “operações de
118
importação e de venda de máquinas, equipa-
• Contribuição para a Seguridade Social dev-
mentos, materiais de construção e serviços,
ida pelo Importador de Bens Estrangeiros ou
quando importados ou adquiridos por pessoas
Serviços do Exterior – Cofins-Importação;
jurídicas beneficiárias e são também desti-
• Imposto sobre Produtos Industrializados
nados à construção, ampliação, reforma ou
– IPI; e
modernização dos estádios de futebol a serem
• Imposto de Importação – II.
utilizados nas partidas oficiais da Copa das
64 Programa de Integração Social (PIS) e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP). contribuições sociais tributárias devidas por pessoas jurídicas, com objetivo de financiar o pagamento do seguro-desemprego, abono e participação na receita dos órgãos e entidades para os trabalhadores públicos e privados. 65 Contribuição tributária incidente sobre a receita bruta de pessoas jurídicas, destinada a financiar a seguridade social. 66 http://goo.gl/nPir6 acessado em 07.08.2012.
Confederações FIFA 2013 e da Copa do Mundo
A expectativa é que haja uma renúncia de im-
FIFA 2014” (cf. Exposição de Motivos da MP
postos de cerca de R$ 35 milhões de tributos
n. 497/2010; Lei n. 12.350/2010, artigos 19
federais relativos ao Recopa66.
e 20, e Decreto n. 7.319/2010, art. 2º), assim como a todos os bens e mercadorias para uso
Em 11 de outubro de 2011 foi publicado o
ou consumo exclusivo na organização e reali-
Decreto nº 7.578, que complementou as regu-
zação da Copa das Confederações e da Copa
lamentações referentes aos benefícios relacio-
do Mundo, cuja importação seja promovida
nados à Copa. Ela prevê a possibilidade de a
pelas entidades mencionadas. Os benefícios
FIFA indicar à Receita Federal pessoas jurídicas
do RECOPA incidem, especificamente, sobre
como prestadoras de serviços relacionados
as alíquotas dos seguintes tributos federais:
ao evento, para usufruírem dos benefícios fiscais referido (CRESTANI e LARA, 2011).
• Contribuição para o PIS/Pasep ; 64
• Contribuição para o PIS/Pasep-Importação; • Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins65;
119
3.6 ESTÁDIO EM ITAQUERA: A R E N A S Ã O P A U L O, F I E L Z Ã O OU CATALIZADOR DE TRANSFORMAÇÕES?
lugares), como ambicionava o Governo do Estado e a municipalidade, mas uma série de outras adequações seriam necessárias. Porém, nota-se uma indisposição da FIFA e CBF em aceitar o Morumbi, estádio do São Paulo Futebol Clube (SPFC), como sede em São
3.6A. O PALCO DE SÃO PAULO: MORUMBI VS. ITAQUERA
Paulo. Seis projetos de reforma foram envia-
Na proposta de candidatura do Brasil à Copa
nal. Algumas análises, listadas a seguir, podem
2014 enviada à FIFA, constavam 18 cidades
ajudar a entender as escolhas feitas na capital
capazes de sediar jogos durante o torneio,
paulista e as polêmicas envolvendo as decisões
das quais de oito a dez seriam seleciona-
quanto ao seu estádio sede.
dos, todos vetados pela entidade internacio-
das para sediar o evento, segundo a FIFA. Ao final, doze acabaram sendo escolhidas, a
A primeira delas trata de conflitos pessoais e
pedido da CBF, usando como justificativa
divergência de interesses entre os envolvidos
a escala continental do país e alegando
na realização da Copa na cidade de São Paulo –
que, dessa forma, a competição ficaria melhor
representantes da FIFA, CBF e São Paulo Fute-
distribuída pelo território nacional.
bol Clube (SPFC). Como se viu no Capítulo 3.3, os cargos das diversas entidades relacionadas
Na proposta inicial, o estádio do Morumbi era
ao futebol (tais como federações, clubes, con-
listado como arena da cidade de São Paulo.
federações e a própria FIFA) freqüentemente
Sua capacidade para 80 mil pessoas seria mais
se confundem. Muitos de seus representantes
do que suficiente para comportar uma aber-
ocupam mais de um cargo, em diferentes orga-
tura de Copa (a FIFA exige ao menos 65 mil
nizações e as posições mais altas são alcançadas
120
67 Conhecido como Clube dos 13, seu nome oficial é União dos Grandes Clubes do Futebol Brasileiro. Pessoa jurídica responsável por defender os interesses comerciais dos 20 maiores clubes brasileiros (Atlético Mineiro, Atlético Paranaense, Bahia, Botafogo, Corinthians, Coritiba, Cruzeiro, Flamengo, Fluminense, Goiás, Grêmio, Guarani, Internacional, Palmeiras, Portuguesa, Santos, Sao Paulo, Sport, Vasco da Gama, Vitória), inclusive negociação de direitos televisivos.
através de um forte sistema paternalista de troca
A segunda observação refere-se às condições
de favores com base em distribuição de cargos
impostas pela FIFA e CBF para aceitar o projeto
de confiança, como demonstra a baixíssima
de reforma do Morumbi. Na primeira proposta
rotatividade dos componentes da FIFA e CBF e
apresentada pela diretoria do SPFC, de autoria
as recentes denúncias de corrupção e compra
do arquiteto Ruy Ohtake, o orçamento era de
de votos nas votações internas para presidência
R$ 135 milhões, a ser realizado inteiramente
da entidade máxima.
com recursos privados e utilizando as receitas do estádio projetadas até 2019 como garan-
Nesse contexto de troca de favores por cargos de
tias68. Mesmo após realizar as alterações de
confiança, Ricardo Teixeira e Juvenal Juvêncio,
projeto exigidas pelo COL, que incluíam a
presidente do SPFC, estiveram envolvidos, em
cobertura do estádio e o rebaixamento do
2010, na disputa pela presidência do Clube
campo em oito metros, a proposta foi recusada.
dos 13 . O então presidente da CBF defendia
A FIFA chegou a vetar a proposta do São Paulo
a candidatura de Kleber Leite, ex-presidente
Futebol Clube de utilizar arquibancadas móveis
do Flamengo e então vice-presidente do
para a abertura do Mundial, avisando ao comitê
clube, enquanto Juvela Juvêncio apoiava
organizador que, independentemente do tipo
Fábio Koff, ex-presidente do Grêmio Foot-Ball
de material utilizado para a estrutura das arqui-
Porto Alegrense. A vitória foi para o segundo,
bancadas provisórias, elas não seriam aceitas
reeleito, e a partir de então estabeleceu-se
no estádio de abertura69. O próximo proje-
uma rixa pessoal entre os dois cartolas, que
to enviado, com custo calculado em R$ 250
se refletiu no episódio da negociação entre
milhões, foi igualmente recusado. A cada novo
representantes do Morumbi, da CBF e da FIFA
projeto surgiam novas exigências por parte
para o estádio sede de São Paulo.
dos organizadores, que ao final resultariam em
67
68 Segundo SPFC.
69 Curiosamente, esse veto foi esquecido ao anunciar a Arena Corinthians como estádio da abertura.http://goo. gl/ebV19 acessado em 21.09.2012 e http://goo.gl/aj0wK, acessado em 19.03.2012.
praticamente reconstruir o estádio70 (tal qual 121
está ocorrendo com o Maracanã, no Rio de
pela extravagância dos valores apresentados,
Janeiro). Os projetos foram assinados pelo es-
com o qual não poderia arcar sem correr sérios
critório GMP, que já havia realizado reformas
riscos financeiros e, no próximo projeto envia-
de seis estádios para as Copas de 2010 e 2006
do à FIFA, ofereceu novamente um orçamento
e tinha, portanto, vasta experiência no tema,
de R$ 250 milhões, sem pleitear a abertura.
o que tornou as persistentes recusas surpresas
Em junho de 2010 a proposta foi novamente
ainda maiores. O Comitê Organizador Local
recusada e a entidade máxima do futebol vetou
tentou impor ao clube uma reforma de R$ 650
definitivamente o estádio do Morumbi para a
milhões, cujo orçamento não oficial incluía a
Copa, abrindo caminho para decisões ‘a toque
exigência por parte da FIFA e da CBF do pa-
de caixa’ a fim de viabilizar um novo proje-
gamento de R$ 100 milhões diretamente para
to de estádio, dados os curtos prazos restan-
cada uma das entidades . A viabilização finan-
tes até o mundial. A justificativa do veto foi
ceira para tal exigiria, além dos investimentos
a falta de garantias financeiras apresentadas
previstos pelo SPFC e bancados por dinheiro
por parte do SPFC, fato negado através de nota
privado, o empréstimo oferecido pelo BNDES
oficial emitida pela diretoria do clube73, que
através do Programa Arenas para estádios da
afirmou ser suportado por sólidas garantias
Copa, cujo teto é de R$ 400 milhões e que com-
prestadas por empresas de grande renome.
71
pletaria, dessa forma, os R$ 650 milhões exigidos. As garantidas exigidas para a realização do empréstimo envolviam o próprio estádio, além de obrigar o clube a assumir uma dívida pelos próximos 30 anos72. Dessa forma, a diretoria sãopaulina recusou-se a aceitar tais exigências
122
70 As maiores exigências envolviam o rebaixamento do campo em oito metros, desvio do corrego próximo ao estádio, demolição da arquibancada inferior, aumento do anel central, colocação de cobertura e construção de edifício de apoio com estacionamento. Fonte: entrevista realizada com representante do SPFC.
71 Informação obtida em entrevista com representante do SPFC.
72 http://www. cartacapital.com.br/ sociedade/quem-vai-impor-limites/, acessado em 28.08.2012.
73 http://www.saopaulofc.net/noticias/noticias/ futebol/2010/6/17/ nota-oficial-17062010/, acessado em 21.09.2012.
FOTO 18.1. Estádio do Morumbi, São Paulo, 2010.
FOTO 18.2. Simulação do Estádio do Morumbi após reforma proposta para a Copa 2014.
74 Infelizmente, essa decisão durou pouco, como veremos mais adiante.
75 http://copadomundo. uol.com.br/2010/ultimas-noticias/2010/06/19/ por-abertura-em-2014governador-de-sp-dizque-ira-procurar-teixeira-apos-esta-copa. jhtm, acessado em 19.09.2012.
76 A nota oficial publicada à época pela CBF não está mais disponível no site da entidade, sendo apenas encontrada em reproduções disponibilizada por outros veículos de informação.
Vale notar que, mesmo após a exclusão do
de exclusão do estádio como “complô políti-
Morumbi por parte da FIFA e CBF, represen-
co”75. De fato, o então presidente corinthiano
tantes do governo continuaram declarando,
Andrés Sanchez foi convidado pela CBF a
ao menos publicamente, apoio ao estádio
chefiar a delegação da seleção brasileira na
sãopaulino, alegando que tratava-se do projeto
Copa de 2010, na África do Sul, mantendo
mais adequado e viável, pois São Paulo havia
lá contato próximo com a cúpula da FIFA.
tomado a decisão de não desviar dinheiro
Coincidência ou não, foi durante a Copa que
público para a construção de estádio .
foi feito o anúncio oficial de exclusão do
Apesar disso, o poder público não teve força
Morumbi do mundial76. Durante o mesmo
ou vontade política o suficiente para seguir
evento, Andrés Sanchez admitiu a construção
com sua escolha e submeteu-se à resolução
do estádiocorinthiano em Itaquera, apesar
da FIFA de construir um novo estádio,
de apenas oficializá-lo no final de agosto.
74
ao invés de buscar com maior ênfase um projeto mais interessante para a cidade. Representantes do SPFC classificaram a decisão 123
3.6B. VIABILIZAÇÃO ECONÔMICA DA ARENA DE ITAQUERA
Dois mêses após a exclusão definitiva do estádio do Morumbi do Mundial, o Sport Club Corinthians anunciou a construção de sua arena na região de Itaquera (31 de agosto de 2010), no terreno cedido em 1988 pela prefeitura para construção de estádio. Um projeto assinado pelo arquiteto Anibal Coutinho com custo previsto de R$ 350 milhões e capacidade para 48 mil torcedores que, segundo representantes do clube, estava “à disposição da Copa do Mundo”. Mas para o jogo de abertura que o município e Governo do Estado de São Paulo ambicionavam, o estádio apresentado não seria suficiente. Os requisitos da FIFA exigem capacidade para pelo menos 65 mil torcedores e complexa estrutura de salas VIP e VVIP77, salas de imprensa, área para geração e captação de imagens e mais (vide Quadro 14), que encareceriam consideravelmente a proposta inicial, chegando a R$ 600 milhões78. Os dirigentes do clube lavaram as mãos quanto às
124
exigências extras e alegaram diversas vezes que, caso o Estado quisesse um estádio para
77 VVIP: Políticos e autoridades.
a abertura da Copa, deveria assumir os custos adicionais de adequação. O estádio que interessava ao Corinthians se restringia à primeira proposta apresentada e qualquer adição estava fora de seu escopo. Tem início um jogo político de empurra-empurra, com o então presidente corinthiano Andres Sanchez79 declarando em maio de 201180 que a cidade de São Paulo corria o risco de não sediar a abertura da competição, alegando que as adaptações exigidas para atender aos requi-
78 Segundo o diretor de marketing do Corinthians, Luis Paulo Rosenberg, em declaração de 2010. http://veja.abril.com. br/blog/reinaldo/geral/ copa-de-2014-obras-engatinham-e-ninguem-sabe-quanto-o-mundialvai-custar/, acessado em 17.09.2012.
79 Presidente do Corinthians de 2007 até dezembro de 2011, sendo então substituído por Mário Gobbi Filho.
sitos da abertura ultrapassavam muito a capacidade do clube, que não estava interessado em bancar tamanha monumentalidade. Uma eficiente estratégia para jogar a responsabilidade para as mãos do estado, declaradamente o maior interessado em sediar a abertura.
80 http://www1. folha.uol.com.br/ esporte/915908-por-exigencias-da-fifa-andres-admite-perder-abertura-da-copa. shtml, acessado em 17.09.2012.
MAPA 15. Localização do estádio do Corinthians no município de São Paulo. Fonte: elaboração do autor.
FOTOS 19. Maquetes eletrônicas do futuro estádio do Corinthians (cont) >
125
> FOTOS 19. Maquetes eletrônicas do futuro estádio do Corinthians
Ainda sem definição oficial quanto ao local da
Paulo81, tudo passou a ser decidido muito
abertura, é dado início às obras do Itaquerão,
rapidamente. Tão rápido quanto as decisões
como a arena é chamada pela mídia e pela
tomadas a partir daí foi o crescimento do valor
população, apesar de insistentes pedidos por
final da Arena de São Paulo, nome oficial do
parte da diretoria corinthiana para abolir o ape-
estádio até que se defina o investidor que
lido. Em 30 de maio de 2011, nove meses após
comprará o direito de nomeá-lo, através dos
seu anúncio, começam as primeiras movimen-
namig rights82. Um mês após o pontapé inicial
tações de terra e, cinco meses depois, a FIFA
das obras o custo já estava estimado em R$
o anuncia oficialmente como palco da aber-
820 milhões, mais de 230% a mais do que os
tura da Copa do Mundo 2014.
R$ 350 milhões anunciados em 2010.
Depois de meses de incertezas, disputas políti-
Vale ressaltar que o orçamento constante-
cas, recusas por parte da FIFA e CBF e espe-
mente apresentado não leva em consideração
culações, que chegaram a apontar quatro dif-
as exigências da FIFA para o estádio de aber-
erentes arenas como possíveis sedes em São
tura da Copa, dentre eles, capacidade para
126
81 Estádio Cícero Pompeo de Toledo (Morumbi), Estádio Municipal do Pacaembu, Palestra Itália (ou Parque Antártica) e o ‘Piritubão’, proposta de estádio em Pirituba, rapidamente descartada.
82 Estratégia utilizada pelo Sport Club Corinthians para captação de recursos.
QUADRO 14. Estrutura exigida pela FIFA para o estádio de abertura da Copa do Mundo 2014 Para o público capacidade de 60.000 lugares
Para convidados pelo menos 1/3 de camarotes (1.600) capacidade de 4.800 lugares
1.130 assentos VIP 100 assentos VVIP
restaurante com 1.130 m² Restaurante para VVIP com 180 m²
Para a imprensa estrutura para atender 5.000 profissionais centro de imprensa com 6.000 m² área para geração de imagens e transmissão de jogos com 6.000 m²
Estacionamento especial 200 vagas para convidados VIP 30 vagas para ônibus VIP 450 vagas para veículos de imprensa 520 vagas para parceiros comerciais
Área interna espaço para patrocinadores com 5.000 m² espaço para artistas convidados: 5 vestiários com 30 m² cada 50 vagas de estacionamento para representantes Fifa 50 vagas de estacionamento para Comitê Organizador da Copa Fonte: http://esporte.uol.com.br/futebol/copa-2014/ultimas-noticias/2011/06/22/exigenciasda-fifa-podem-custar-ate-r-300-milhoes-segundo-odebrecht.jhtm
127
FOTO 20. Obras do estádio do Corinthians em setembro de 2012. Fonte: Portal da Copa 2014.
65 mil pessoas. Esse considerável acréscimo,
e infraestrutura necessários à operação do es-
porém, não foi publicamente debatido e não
tádio” não estão incluídos no valor firmado.
foram feitos anúncios oficiais quanto ao valor
Aos poucos, à medida que os documentos oficiais
que demandaria. Uma série de outros itens não
foram sendo divulgados, viu-se que o valor real
foram contabilizados e não constam no valor
ainda estava muito acima do até então previs-
do contrato assinado entre Corinthians e Ode-
to, podendo passar de R$ 1 bilhão (Quadro 15).
brecht, construtora do estádio. Uma das cláusulas define, por exemplo, que “equipamentos
128
QUADRO 15. Relação de gastos não considerados no contrato entre a Arena São Paulo e Odebrecht Itens a considerar para cálculo do custo final Valor do estádio previsto em contrato
Itens adicionais
Custo
R$ 820 milhões
20 mil arquibancadas móveis
R$ 46,6 milhões*
Tranposição dos dutos da Transpetro
R$ 9,8 milhões
Atendimento das exigências para obtenção de selo de excelência ambiental Leadership in Energy and Environmental Design – LEED, do Green Building Council Brasil (GBC), exigido para pleitear o empréstimo do BNDES
Até 7% do valor da obra (R$ 54,7 milhões)
Equipamentos de telecomunicações, instalações provisórias exigidas pela Fifa e mobiliário
R$ 50 milhões **
TOTAL
mais de R$ 981,1 milhões
Juros do empréstimo ***
R$ 340 milhões
TOTAL + juros
mais de R$ 1,32 bilhões
*http://esporte.ig.com.br/futebol/arquibancada+do+fielzao+que+governo+pagara+custa+33+menos+que+o+anunciado/n1597131996438.html, acessado em 25,09,2012 ** Segundo estimativa divulgada em http://www1.folha.uol.com.br/esporte/1171583-custo-para-levantar-e-operar-oitaquerao-vai-superar-r-1-bilhao.shtml, acessado em 19,10,2012. ***Segundo previsão de 10% de taxas e juros a.a. Sobre o empréstimo de R$ 400 milhões, ao longo de 12 anos Fonte: UOL Notícias. http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2012/05/18/licenca-ambiental-e-areas-vip-do-itaquerao-serao-pagas-pelo-corinthians-revelacontrato.htm, acessado em 15.04.2012. a partir do contrato para construção do estádio
129
3.6C. MALABARISMO FINANCEIRO
O estádio do Corinthians conta com complexa engenharia financeira para viabilizar economicamente sua construção, envolvendo diversos atores. Seus principais financiadores são o BNDES, a PMSP e o Governo do Estado. o BNDES oferece com o Programa PróCopa Arenas uma linha de crédito aos estádios participantes da Copa do Mundo, através de um empréstimo de R$ 400 milhões. A Prefeitura, por sua vez, publicou a Lei nº 15.413/11, refe-
rente aos incentivos seletivos para estádio em Itaquera, equivalentes a R$ 420 milhões em Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento (CID). Finalmente, o Governo do Estado se comprometeu a bancar todos os custos referentes à arquibancada móvel que deverá ser utilizada durante os jogos do Mundial. Isso tudo sem contar os pesados investimentos que estão sendo realizados no entorno do estádio, de caráter principalmente rodoviário e de embelezamento (através do Parque Linear Rio Verde).
QUADRO 16. Ações públicas para viabilização econômica da Arena Itaquera Ação
Agente
Programa Pró Copa Arenas
BNDES
Características principais Concessão de financiamento de R$ 400 milhões para estádios da Copa Taxas de juros muito abaixo das praticadas no mercado Financiamento a longo prazo: pagamento deve ser realizado em 15 anos
Lei nº 15.413 - Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento
PMSP
Concede títulos no valor de R$ 420 milhões a estádio na ZL aprovado como apto para sediar a abertura do Mundial
Assentos móveis para a abertura da
Governo do
Disponibilização de arquibancadas móveis e demais exigências específicas para o estádio de
Copa
Estado
abertura da Copa
Concessão do Terreno
PMSP
Fonte: elaboração do autor
130
Concessão do terreno onde se encontra o futuro estádio mediante pagamento de contrapartidas sociais
83 Tempo concedido para dar início ao pagamento da primeira parcela da dívida.
PROGRAMA PRÓCOPA ARENAS, BNDES
um prazo de até 180 meses (15 anos) para quitação da dívida, já incluído o período de
Para contrair
o empréstimo oferecido pelo
carência83 de até 36 meses (3 anos) a partir da
Banco Nacional de Desenvolvimento foi pre-
primeira parcela de financiamento recebida.
ciso cumprir uma longa lista de exigências e garantias, listadas no quadro abaixo.
O banco exige um Agente Financeiro Intermediário para realização do empréstimo, que
A participação máxima do empréstimo do
no caso do Itaquerão é o Banco do Brasil. Ele
banco é de 75% do valor total da obra e fica
repassará os recursos para uma empresa criada
limitado a R$ 400 milhões por projeto, inclu-
para receber o empréstimo, a Sociedade de
indo os investimentos do entorno. Define
Propósito Específico (SPE) Arena Itaquera SA,
QUADRO 17. Exigências do BNDES para concessão do empréstimo PróCopa Arenas • Projeto executivo da arena aprovada pela Fifa • Estudo de impacto de vizinhança • Certificado de sustentabilidade. A Fifa sugere o USGBC (U.S. Green Building Council), representado no Brasil pelo Green Building Council Brasil (GBC). O BNDES, porém, já libera 20% do empréstimo se a obra simplesmente estiver inscrita no processo de certificação. Para obter o selo, o empreendedor deve ater-se a práticas de construção sustentável nas áreas de eficiência energética, localização, uso racional da água, materiais com baixo impacto ambiental e qualidade ambiental interna. • Estudo de viabilidade econômica a longo prazo • Que o favorecido ofereça garantias reais equivalentes a, no mínimo, 130% do valor do financiamento Fonte: BNDES, 2012.
131
formada por Odebrecht Participações e Inves-
três estádios da Copa (Maracanã – RJ, Arena
timentos SA e Jequitibá Patrimonial SA. Essa
Pernambuco – PE e Arena Fonte Nova – BA), já
SPE foi criada, primeiro, pois o BNDES não
haveria estourado sua cota devido aos outros
permite concessão de financiamento direta-
empréstimos que realizou junto ao banco para
mente a clubes de futebol e, segundo, devido
financiamento das demais arenas.
às garantias reais exigidas. No primeiro pedido feito por Corinthians e Odebrecht pelo finan-
Os juros e taxas que deverão ser pagos pelo
ciamento junto ao banco, em abril de 2011,
empréstimo à construção da Arena Corinthians
o BNDES negou as garantias oferecidas pelo
giram em torno de 10% a.a., calculados
clube e construtora. O protocolo do banco
da seguinte forma:
pede, para entidades de capital privado que não possuam ações na Bolsa de Valores – caso
• 6% referem-se à taxa de juros de longo
do Corinthians e Odebrecht – garantias equiva-
prazo (TJLP);
lentes a 130% do valor do financiamento,
• 0,9% ao BNDES por remuneração anual;
ou seja, no mínimo R$ 520 milhões para o
• 1 a 4,18% de taxa de risco anual, depen-
Itaquerão . A Odebrecht, construtora de outros
dendo da análise de risco de crédito para o
84
84 Há poucas informações disponíveis quanto às garantias, quais são e quem às está oferecendo.
FOTO 21.1. (esq) Obras do Estádio do Maracanã (RJ)
FOTO 21.2. (centro) Obras da Arena Pernambuco (PE)
FOTO 21.3. (dir.) Obras da Arena Fonte Nova (BA)
132
cliente. Para o Estado, equivale a 1% e para
Club Corinthians e Jequitibá Patrimonial SA,
clientes privados pode chegar a 4,18%.
responsável pela construção e manutenção
Para base de cálculo consideraremos 1%;
do equipamento e, também, pelo pagamento
•
remuneração
instituição
financeira
do empréstimo junto ao BNDES. O Banco do
deve
negociada
Brasil também está diretamente ligado ao Fun-
diretamente com o banco – no caso do
do, pois é o banco intermediário da concessão
Itaquerão, o Banco do Brasil . Para base de
do empréstimo – e, portanto, o responsável
cálculo consideraremos 3%.
pela dívida no caso de inadimplência.
Condições como as oferecidas pelo BNDES não
O FII Arena terá validade de 30 anos, o do-
podem ser encontradas com outros bancos,
bro do tempo limite estipulado pelo BNDES
cuja taxa de juros anual para financiamen-
para pagamento da dívida do financiamento.
tos dessa magnitude gira em torno de 20%
A extensão do período de existência do Fundo
a.a. , números proibitivos para grandes em-
foi um pedido por parte do Banco Nacional
préstimos a longo prazo, tal qual está sendo
de Desenvolvimento, como medida de segu-
feito com quase todos os estádios da Copa
rança. Caso o Fundo se desfizesse findo o
(todos, menos o de Brasília, que não solicitou
prazo de 15 anos e fosse encontrada alguma
financiamento junto ao BNDES).
pendência quanto à quitação do emprésti-
intermediária,
da que
ser 85
85 Não foram encontradas informações mais precisas quanto às taxas cobradas pelo financiamento no caso da Arena São Paulo.
86
86 Segundo a Taxa de Juros média de Mercado publicada pelo Bando Central para agosto de 2012.
mo, o BNDES e o Banco do Brasil não teriam O empréstimo será realizado em nome da SPE
a quem cobrar a dívida, já que o contrato de
Arena Itaquera SA e aportado no Arena Fundo
financiamento foi feito em nome do FII Arena.
de Investimento Imobiliário (FII Arena), fundo formado pela Construtora Odebrecht, Sport
O Banco do Brasil assinou um contrato
133
IMAGEM 2. Esquema da engenharia financeira elaborada entre Corinthians e Odebrecht para viabilizar economicamente a obra do estรกdio.
134
diretamente com Corinthians e Odebrecht para
realizada pelo Banco do Brasil, responsável por
detalhar sua situação de banco intermediário
repassar o dinheiro, e a Odebrecht. O Corin-
entre clube, construtora e BNDES para aqui-
thians seria apenas o terceiro no comando.
sição do empréstimo de R$ 400 milhões. Qua-
87 Segundo notícias, em consultas extra-oficiais por parte dos dirigentes do Corinthians e Odebrecht junto a representantes do BNDES, o banco recusou propostas e garantias oferecidas pelos dois grupos, até entregar sua proposta oficial.
tro contratos diferentes foram necessários para
Em 11 de julho de 2012, 14 meses depois do
a construção do estádio: um para definir os
início das obras do Itaquerão e após três re-
termos da SPE (Sociedade de propósito espe-
cusas (não oficiais87), o BNDES finalmente
cífico), outra para o Arena Fundo de Investi-
aprovou o financiamento de R$ 400 milhões
mento Imobiliário (FII Arena), outro contrato
para a Arena Corinthians, equivalente a 46%
de construção do estádio entre Corinthians
do valor definido no contrato da obra. No
e Odebrecht e um último juntoa o BNDES.
entanto, três meses depois nenhuma parcela do valor havia sido repassada para a obra. A
A assinatura dos contratos passou por algumas
liberação do empréstimo depende da assina-
dificuldades, como o fato de o clube ser sócio
tura
minoritário da arena até 2026, ao quitar a úl-
financiamento entre o FII e o Banco do Brasil
tima parcela do financiamento, que desagrada
e o atual entrave consiste nas garantias de pa-
à diretoria do Corinthians. O segundo impasse
gamento do crédito por parte do Fundo.
do
contrato
de
intermediação
do
é o altíssimo montante de juros que deverão ser pagos: R$ 340 milhões pelo financiamento
Após aprovação do empréstimo por parte
de R$ 400 milhões junto ao BNDES (apesar de
do BNDES, a operação entre o banco inter-
ainda baixo de comparado ao que cobram os
mediário e a empresa beneficiada leva cerca
demais bancos). A última é quanto à gestão
de um mês. O atual atraso de dois meses
da nova arena, que será preferencialmente
preocupa os envolvidos na construção da
135
Arena, qua conta com o empréstimo para dar
Todas as três versões da Lei de Incentivos Se-
continuidade às obras no ritmo previsto .
letivos para a Zona Leste89, desde 2004, nunca
88
foram utilizadas. Mesmo assim, foi aprovada a nova Lei de Incentivos Seletivos para estádio na CERTIFICADOS DE INCENTIVO AO DESENVOLVIMENTO (CID), PMSP
A Lei nº 15.413 do Município de São Paulo,
Zona Leste, com funcionamento independente das demais e objetivo abertamente direcionado a um empreendimento específico e privado.
comentada no capítulo 2.5, é mais um recurso que será utilizado para financiar a obra do está-
“Apesar do diploma legal referir-se a
dio. Os Certificados de Incentivo ao Desenvolvi-
um programa novo, trata-se de simples
mento no valor de R$ 420 milhões concedidos
adatação de outro já existente e nunca utili-
pela prefeitura devem completar os R$ 820
zado.” (promotor Marcelo Milani, 2012)90
milhões previstos em contrato para execução da obra, segundo valor firmado em contrato.
88 http://copadomundo. uol.com.br/noticias/ redacao/2012/09/28/ falta-de-garantia-trava-emprestimo-para-itaquerao-construtora-admite-preocupacao. htm, acessado em 11.10.2012. 89 Leis nº 13.833/04, 14.654/07 e 14.888/09. 90 Ação Civil Pública pela prática de improbidade administrativa contra Gilberto Kassa, Sport Club Corinthians Paulista, Construtora Norberto Odebrecht S.A., Arena Fundo de Investimento Imobiliário, Administradora BRL Trust Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários, proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo por meio de Marcelo Camargo Milani, 8º promotor de justiça do patrimônio público e social da capital, em 25 de maio de 2012. IMAGEM 3. Reprodução de trecho do processo do Ministério Público contra o Sport Club Corinthians, prefeito Gilberto Kassab, Construtora Odebrecht e FII Arena, de 25 de maio de 2012.
136
91 http://copadomundo. uol.com.br/noticias/ redacao/2012/03/06/ mp-chama-simulacao-de-concorrencia-a-incentivo-do-itaquerao-de-risivel-e-anuncia-investigacao. htm, acessado em 30.05.2012.
IMAGEM 4. Reprodução do Diário Oficial do MSP, do dia 03 de março de 2012.
O Corinthians já havia anunciado a construção do estádio muito antes de a proposta de lei de concessão de benefícios fiscais para tal equipamento ter sido redigida. O poder público municipal apenas reformulou uma lei criada com o propósito de fomentar o desenvolvimento econômico da região leste, desconfigurando-a por completo até perder qualquer característica de incentivo ao desenvolvimento e se transformar em verdadeira transferência de capital público para um ente privado. Isso porque a redação da Lei não deixa margem para que outro equipamento que não o estádio do Corinthians receba incentivos. Ela canaliza o destino do invetimento público, sem brechas para disputa pelo benefício. Não houve qualquer tipo de licitação, apenas uma rizível simulação, segundo palavras do promotor Marcelo Milani91, responsável por uma ação civil pública aberta contra os envolvidos na construção do estádio e aprovação da lei em questão. A convocação de projetos pode ser lida na reprodução da Imagem 4, retirada do Diário Oficial do Município de
137
São Paulo do dia 03 de março de 2012, pá-
foi sancionada a Lei de Incentivos Fiscais para
gina 3. Nela, os “concorrentes” são convoca-
construção de estádio aprovado pela FIFA para
dos a apresentar proposta para avaliação do
o jogo de abertura da Copa. Dois meses depois
Comitê de Construção do Estádio da Copa.
é assinado o contrato entre Corinthians e
Não obstante, a Lei de Responsabilidade Fiscal
92
Odebrecht, no qual já constava em seu item
exige que a renúncia de receita esteja acom-
financiamento suas duas principais fontes de
panhada de estimativa do impacto orça-
recursos: a linha de créditos PróCopa Arenas,
mentário-financeiro e de medidas de compen-
do BNDES, e a concessão de CIDs oferecidos
sação. Nada disso foi realizado.
pela Prefeitura, completando os R$ 820 milhões previstos em contrato. O anúncio oficial da FIFA
Façamos então um retrospecto: em agosto
veio em outubro para confirmar a Arena Corin-
de 2010 o Corinthians anuncia a construção
thians como sede da abertura, a pesar de se
de seu estádio em Itaquera e suas obras são
especular desde vários meses antes sobre
iniciadas nove meses mais tarde, em maio de
esse resultado. E apenas em março de 2012
2011. Em junho do mesmo ano foi publicado
é feita a convocação dos interessados em
o PL 01-00288/2011 referente aos incentivos
receber os benefícios fiscais mencionados.
fiscais para estádio na Zona Leste e em julho
138
92 Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2011.
Ou seja, antes do anúncio da sede de abertura
Itaquera é uma das regiões mais carentes da
dos jogos - do qual dependeria a concessão
cidade e, ainda assim, o poder público age em
dos incentivos, pois mesmo que sediá-la não
favor a um estádio de futebol, como se seus
fosse (mais) um requisito, a FIFA deveria de-
cofres não dependessem de impostos e suas
clará-lo apto a recebê-la - e antes mesmo de
contas estivessem transbordando de recursos.
submeter o projeto ao crivo do Comitê de Construção do Estádio da Copa, responsável por deliberar se o projeto que concorre é apto ou não a receber os benefícios, Corinthians e Ode-
ASSENTOS MÓVEIS PARA ABERTURA DA COPA, GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
brecht já contavam e, inclusive, dependiam dos R$ 420 milhões oferecidos pela Prefeitura.
As arquibancadas móveis de 20 mil lugares
Contradição agravada pelas sucessivas decla-
foram a solução encontrada para completar
rações, ao longo de 2010, de que o Governo
os 68 mil lugares exigidos para a abertura da
do Estado e a Prefeitura de São Paulo não
Copa do Mundo (A FIFA pede um mínimo de
aplicariam recursos públicos para construção
65 mil assentos). Elas serão bancadas pelo
de estádio.
Governo do Estado a um custo estimado entre R$ 50 e 70 milhões.
Ainda: com a isenção de ISS, equivalente a R$ 42 milhões, a prefeitura abre mão de re-
O Secretário Estadual do Planejamento e
cursos suficientes para construir, por exemplo,
chefe do Comitê Estadual da Copa, Emanoel
40 creches, cada uma podendo abrigar até 100
Fernandes, se comprometeu a bancar o gasto
crianças, a um custo estimado de R$ 1 milhão
de forma um tanto irresponsável, como mos-
por unidade. É importante lembrar que
tra declaração feita por ele mesmo:
139
“Quando fomos ao Rio de Janeiro [em 11
milhões abarcam a arquibancada móvel com
de julho de 2011, no encontro com o COL
capacidade para 20 mil pessoas e outras es-
para apresentar as garantias financeiras do
truturas necessárias somente para a abertura,
estádio] e a Odebrecht ofereceu as garantias
como bancadas extras para jornalistas e outros
financeiras para o estádio, percebemos que
itens, já listados no quadro 14. Caso não se-
os assentos removíveis não estavam nesse
jam encontrados investidores, o dinheiro virá
orçamento. A Odebrecht só dá garantias
diretamente do estado. “A nação corinthiana
para 48 mil lugares. Daí, oferecemos essa
queria, a opinião pública queria abrir a Copa, o
possibilidade, mas nem cheguei a falar com
governo se sentiu na obrigação de ajudar”,
o governador e nem sabemos como fazer
disse um representante93. Infelizmente, a
esse investimento.”
resposta a outras demandas não vem tão rapidamente quando se trata de melhoria na quali-
Optou-se pelas arquibancadas móveis pois o
dade dos transportes da cidade, por exemplo,
Corinthians não estava disposto a arcar com o
ou mesmo em casos mais urgentes, como na
custo de um estádio para 65 mil pessoas, ale-
resposta a desabamentos de encostas provo-
gando que os 48 mil lugares que construirá dão
cados por chuvas. Os discursos fazem parecer
conta da demanda de cerca de 80% dos jogos
que R$ 70 milhões se materializam facilmente
que o time disputa. Além disso, quanto maior
nas contas do poder público, através de uma
o estádio, maiores os gastos com manutenção.
promessa. Trata-se de uma contradição com relação às declarações anteriores de que não
Sediar a abertura foi uma decisão tomada
seria empregado investimento público nos
pelo próprio Estado que, portanto, se com-
estádios e completo descaso com o dinheiro
prometeu a disponibilizar o investimento que
estatal, sem contar a escandalosa falta de pri-
a garantiria. Os gastos estimados em R$ 70
oridades na aplicação de verbas.
140
93 http://esporte. uol.com.br/futebol/ copa-2014/ultimas-noticias/2011/07/21/ promessa-de-r-70-mi-noitaquerao-foi-feita-aspressas-e-sem-consultaa-aclkmin.htm, acessado em 22.07.2012.
IMAGEM 5. Reprodução de reportagem da Revista Placar, de 1978.
CONCESSÃO DO TERRENO, PMSP
A área de 197.095 metros quadrados onde está sendo erguido o estádio do Corinthians era uma antiga pedreira que passou para propriedade da Cohab na década de 1970, quando a prefeitura adquiriu diversos terrenos na região leste do município para construção de conjuntos habitacionais. Segundo reportagem de outubro de 1986, o terreno havia sido doado pela prefeitura paulistana ao Corinthians em 1978 para construção de estádio. Três anos depois, seu projeto estava aprovado, porém nunca foi executado. Em maio de 1986 o então prefeito Jânio Quadros rescindiu a concessão do terreno, alegando que o Corinthians não havia executado qualquer benfeitoria na área (!). Em 1988, ainda na gestão da prefeitura de Jânio Quadros, foi assinada a Lei nº 10.622, de 9 de setembro, concedendo ao Sport Club: “mediante concessão de direito real de uso,
141
gratuitamente, pelo prazo de 90 anos, inde-
O contrato firmado faz algumas exigên-
pendentemente de concorrência, área de pro-
cias ao concessionário, que ficava obrigado:
priedade municipal que constitui parte da área recebida em permuta da Companhia Metropo-
“Artigo 3º (...) a iniciar as obras de terra-
litana de Habitação de São Paulo - COHAB/SP.”
planagem e execução das obras relativas as águas pluviais no prazo máximo de 90 dias, a contar da lavratura do instrumento MAPA 16. Implantação da Arena São Paulo e equipamentos propostos do entorno.
142
94 Comissão Parlamentar de Inquérito
de concessão, bem como a concluí-las no
Por esse motivo, em 2001 foi movida uma ação
prazo máximo de 6 meses, a partir e seu
contra o Corinthians pedindo a anulação da
início; a ter o estádio de futebol, ainda que
concessão do terreno pelo descumprimento
não totalmente construído, em condições
de suas cláusulas, iniciada a partir da CPI94
de realização de jogos oficiais, no prazo de
das Áreas Públicas, que avaliou a situação. O
4 anos a contar da aprovação dos
processo foi extinto em 2002 e reaberto em
necessários projetos (1992);
2005 por decisão do Tribunal de Justiça de
(...)
São Paulo, arrastando-se até 2011, quando foi
Artigo 6º (...) A inobservância de qualquer
assinado um Termo de Ajustamento de Conduta
prazo fixado, implicarão na automática
(TAC) entre o Ministério Público, Corinthians
rescisão da concessão, revertendo a área
e Prefeitura de São Paulo. o TAC devolveu o
à disponibilidade do Município e incorpo-
terreno para uso do clube através de um con-
rando-se ao seu patrimônio todas as
trato de cessão válido até 2078, mediante pa-
edificações e as benfeitorias nela construídas,
gamento de contrapartidas sociais no valor
ainda que necessárias, sem direito de
de R$ 12 milhões. O valor se baseia em um
retenção e independentemente de qualquer
cálculo equivalente à quantia compensatória
pagamento ou indenização, seja a que
do período em que o terreno foi usado, con-
título for.”
siderando os últimos 3 anos contados a partir da assinatura do TAC. O Grupo Advento,
95 http://goo.gl/AtUZK, publicado em 16.09.2010, acessado em 03.09.2012
As obrigações nunca foram cumpridas e o ter-
conglomerado de empresas de engenharia e
reno apenas abrigava, até o início das obras do
construção que apresentou proposta para a
estádio, em 2011, o Centro de Treinamento do
construção do estádio (e perdeu para a Ode-
Corinthians.
brecht) avaliou o terreno em R$ 200 milhões95.
143
FOTO 22. Terreno concedido ao Sport Club Corinthians, ocupado pelo Centro de Treinamento do clube, 2009.
A definição de onde serão aplicadas as con-
o clube solicitou o abatimento de parte da
trapartidas sociais consta no Termo de Ajusta-
dívida social pelo espaço da camisa, normal-
mento de Conduta e foi criada uma comissão
mente destinado a patrocínios, concedido em oito
pela Prefeitura para fiscalizar o andamento das
jogos do Campeonato Brasileiro a instituições
ações sociais do clube. Três projetos já estão
beneficientes e campanhas assistenciais96.
em andamento, como o Time do Povo, que
Em novembro ocorrerá uma reunião entre
ajuda crianças carentes, a cessão de espaço
Corinthians, prefeitura e Ministério Público
da sede do clube para atividades sociais e pro-
para avaliar a proposta e analisar o balanço
gramas de terceira idade. Em setembro de 2012
dos últimos seis meses.
144
96 As instituições beneficiadas foram a Graacc, AfroReggae, Criança Esperança, Doutores da Alegria, SOS Mata Atlântica e AACD.
3.6D. AÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO
serviços. O Sport Club Corinthians Paulista é uma associação civil, fugindo do objetivo ini-
Tantas irregularidades e questões abertas
cial de incentivo à atividade econômica na
não
Promotores
região. Traz também as contradições já apre-
estaduais e federais iniciaram investigações
sentadas nesse trabalho, com relação à análise
sobre as diversas polêmicas que rondam
cronológica dos fatos, como por exemplo
a construção da Arena de São Paulo.
o chamamento público publicado no Diário
passaram
despercebidas.
Oficial do Município convocando os interes97 Ato ilegal ou contrário aos princípios básicos da administração, cometido por agente público, durante o exercício de função pública ou decorrente desta.
98 Ação Civil Pública pela prática de improbidade administrativa contra Gilberto Kassa, Sport Club Corinthians Paulista, Construtora Norberto Odebrecht S.A., Arena Fundo de Investimento Imobiliário, Administradora BRL Trust Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários, proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo por meio de Marcelo Camargo Milani, 8º promotor de justiça do patrimônio público e social da capital, em 25 de maio de 2012.
O 8º promotor de justiça do patrimônio públi-
sados em participar do programa, um ano
co e social da capital, Marcelo Milani, entrou
após o início das obras do estádio nomeado
com uma ação civil pública por improbidade
pela FIFA como sede da abertura da Copa.
administrativa
na concessão de incentivos
O promotor pediu a suspensão da concessão
fiscais, alegando que a lei que a regulamen-
de incentivos fiscais e o cancelamento da lei,
ta, a Lei nº 15.413/11 , é “um engodo para
além do pagamento de multa civil, perda de
burlar não só a constituição federal, bem
função política e suspensão dos direitos políti-
como a lei de licitações e a lei de responsabi-
cos por três a cinco anos. O valor solicitado
lidade fiscal”98, justificando que seu programa
pela causa corresponde a R$ 1,742 bilhão.
97
é uma mera adaptação de outro já existente, desvirtuado para adaptar-se à necessidade do
Outro promotor estadual, José Carlos Freitas,
estádio. As previsões legais para concessão
que responde pela área de Habitação e Urba-
de incentivos fiscais para o fomento da ativi-
nismo, faz uma investigação administrativa
dade econômica são oferecidos para empre-
pela cobrança do acordo judicial entre Corin-
sas comerciais, industriais ou prestadoras de
thians e Prefeitura pela concessão do terreno
145
e contrapartidas sociais a pagar, no valor de
o acesso ao contrato firmado com o Banco do
R$ 12 milhões. Questiona também a utilização
Brasil para análise do Ministério Público Federal.
do terreno, por parte do Corinthians, como
As ações abertas pelo MP-SP e MPF centraram
garantia no contrato firmado com a constru-
em fase de análise. O pedido de liminar por
tora Odebrecht99, uma vez que, antes que as
parte do promotor paulista Marcelo Milani,
contrapartidas sejam pagas, o terreno ainda
que pedia o pagamento imediato dos impostos
não pertence legalmente ao Corinthians.
que deixaram de ser cobrados, além de multa e cancelamento da concessão dos CIDs, foi ne-
Pelo Ministério Público Federal, o procurador
gado pela juíza da 2ª Vara da Fazenda Pública,
da república José Roberto Pimenta de Oliveira
Laís Lang Amaral. A ação civil prossegue nor-
niciou uma fiscalização do dinheiro do finan-
mal e vagarosamente.
ciamento concedido pelo BNDES, a fim de obter maiores detalhes quanto à intermediação do empréstimo pelo Banco do Brasil e quanto às garantias oferecidas ao Banco Nacional de Desenvolvimento. Pediu a divulgação dos detalhes do financiamento alegando que, por se tratar de dinheiro público envolvido (tanto por parte do BNDES quanto do Banco do Brasil), o sigilo bancário defendido pelas partes não cabe nessa situação. Após ameaça por parte do procurador de entrar com uma ação civil pública para quebra do sigilo, a Odebrecht autorizou
146
99 http://copadomundo. uol.com.br/noticias/redacao/2012/05/26/dois-promotores-e-um-procurador-da-republica-investigam-a-construcao-do-itaquerao. htm, acessado em 26.05.2012.
OBSERVAÇÕES FINAIS
DIREITOS PARA POUCOS
Ao reunir as principais ações que vêm sen-
da cidade: a gestão da política urbana como
do anunciadas e promovidas na região leste
negócio, nos moldes da iniciativa privada.
de São Paulo em diferentes momentos – durante seu processo de formação, ao consoli-
As intervenções são planejadas a partir da
dar-se como habitat da população socialmente
lógica do mercado: ocorrem onde há interesse
marginalizada e após o anúncio da Copa do
econômico ou potencial de valorização, utili-
Mundo e construção de novo megaprojeto
zando-se de mecanismos criados inicialmente
no coração do bairro – o que se buscou foi
para promover a democratização do acesso à
mostrar que, por mais aleatórios e desarticu-
cidade e que acabaram sendo incorporados
lados que eles, muitas vezes, pareçam, fazem
apenas pelo mercado, que deles se apropriou.
parte de uma forma de gestão do espaço ur-
É o caso das operações urbanas, como foi
bano que vem crescendo e tomando conta
descrito em capítulo anterior, ou das leis de
150
incentivos seletivos para a zona leste, que
mente com transporte público de massa, como
foram paulatinamente revistas e desvirtuadas
trens e metrôs. A atração de grandes indústri-
até tomar a forma da Lei nº 15.413/11, que
as e empresas de logística são uma boa fonte
concede incentivos fiscais para a construção de
de novos postos de trabalho, porém o incen-
um empreendimento específico, privado, o es-
tivo a pequenos estabelecimentos, cooperati-
tádio do Corinthians. Cada vez mais são nego-
vas e atividades que viabilizem uma economia
ciadas as condições específicas para a viabili-
autosustentável é mais compatível com a re-
zação de projetos e parcerias público privadas,
alidade local e promove um desenvolvimento
através de acordos caso a caso. A Copa do
mais equilibrado, a partir da base da popu-
Mundo veio consolidar essa prática, aprovei-
lação, além de melhorar a qualidade ambien-
tando-se das condições especiais que ela cria.
tal do dia-a-dia e trazer mais vida à região. A proposta de criação de um pólo educacional é
São ações que promoverão a valorização
de suma importância. Porém, com uma popu-
imobiliária de seu entorno, porém sem pre-
lação de cerca de 1.320.138 habitantes em sua
ver mecanismos de proteção e assistência
área de abrangência, desprovidos de um siste-
à população vulnerável que vive nas ime-
ma de equipamentos públicos, marginalizados
diações. Algumas delas são propostas im-
e vivendo em condições precárias, seria sufici-
portantes,
não
ente pensar nesse polo como fomentador de
levam em consideração a realidade socio-
desenvolvimento e educação para uma região
econômica de seus habitantes. A abertura
que inclui três subprefeituras e cujos índices
de vias que resolvam as rupturas originais
de vulnerabilidade social estão entre os mais
da formação da região devem ser realizadas,
altos da cidade, conforme mostra o mapa 17?
mas
insuficientes,
pois
porém é fundamental pensá-las conjunta-
151
O resultado são projetos desarticulados, sem que façam parte de uma rede planejada de infraestrutura capaz de aumentar o potencial de cada intervenção. Perde-se a dimensão da cidade em prol do ganho econômico isolado. Como conseqüência, ao invés de a cidade ser pensada como rede, constrói-se como conjunto de polos que surgem em torno de “projetos catalisadores”. Esses polos, fechados em si mesmos, tornam a cidade um espaço mais segregado e conflituoso, pois excluem a maior parte da população dos benefícios que porventura possam trazer. Nessa realidade onde se declara constante estado de alerta devido às mais diversas “urgências” - como ocorre no contexto de preparação para a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos
–
as
fronteiras
institucionais
entre o legal e o ilegal são um campo ardiloso, retrabalhado conforme a situação. Itaquera é historicamente uma região ocupada pela população de baixa renda, isolada dos 152
MAPA 17. Índice de exclusão/ inclusão social. Fonte: Município em Mapas – Série Temática: Índices Sociais. São Paulo: PMSP, 2002.
principais polos (econômicos, culturais, educa-
despejos forçados, alegando que se encontram
cionais, etc) da cidade e para quem os direitos
em “zona de risco” ou no caminho de “projetos
e a justiça nem sempre se aplicam de forma
necessários” promovidos pelo poder público;
plena . Grandes projetos urbanos que trans-
através de ostensiva ação policial, criminali-
formam bruscamente a realidade construída do
zando a pobreza e ignorando a diferença entre
local e promovem repentino valor especulativo
delito e trabalho precário101.
100
100 Exemplo disso são as remoções forçadas e a própria condição de exclusão territorial e falta de acesso a direitos básicos.
101 Como no caso dos vendedores ambulantes e mendigos, frequentemente tratados como bandidos.
trazem à tona as desigualdades sociais e tornam a região uma zona de disputas por interesses
A maleabilidade que o campo do direito
divergentes. Por um lado, os antigos mora-
adquiriu toma forma institucionalizada com as
dores buscando a manutenção de seu espaço
Medidas Provisórias e as leis criadas especifica-
na cidade e, por outro, o mercado imobiliário
mente para os megaeventos. A pressão de órgãos
avançando em novas áreas com potencial de
externos como a FIFA e o COI se sobrepõe à so-
valorização.
berania nacional ao exigir condições especiais independentes da regulamentação vigente.
Como resposta, a forma autoritária de gestão de conflitos que caracteriza o controle social
Para legitimar essas ações apela-se ao ideário
nas cidades brasileiras pode agir de diferentes
atiçado pelo esporte, uma das manifestaçãoes
formas: desregulando as leis de uso do solo
que mais mobilizam paixões em qualquer par-
que, ao promover a valorização imobiliária,
te do mundo. Aflora sentimentos alinhados
inviabiliza economicamente a permanência
com conceitos muito em voga nos dias atuais:
da população pobre, tirando-a de cena e obri-
a superação de limites, o orgulho nacional,
gando-a a se mudar para regiões mais dis-
a disciplina, a soberania sobre os demais Esta-
tantes; removendo-a a força através de
dos. Sentimentos são manipulados e a
153
perspectiva de sediar eventos tão grandiosos
e da modernidade. Os megaeventos esportivos
como Copa do Mundo e Jogos Olímpicos “jus-
entram como alavanca para o reconhecimento
tificam” os abusos cometidos.
internacional, elevando as cidades sede a um novo patamar no contexto global, utilizando
Nesse contexto, a FIFA, a CBF, a seleção bra-
-se do esporte como mobilizador de pai-
sileira de futebol, a nação e o próprio Estado,
xões, a política do pão e circo que cega para os
todos se confundem, o limite entre o interesse
abusos cometidos em nome do evento.
público e o privado, o individual e o coletivo, torna-se impreciso, indefinível. As instituições
Segundo os discursos mais propagados pelas
privadas vão se infiltrando no campo público,
autoridades brasileiras, a Copa traz consigo
assim como o Estado vai permeando o campo
imensas oportunidades de desenvolvimento
dos interesses privados. Sua porosidade e hi-
urbano e social, ao atrair maciça quantidade
bridismo vão tornando mais difícil distinguir a
de recursos antes (com o investimento privado
própria legalidade da ilegalidade, criando cam-
em obras de preparação para a competição),
po fértil para o abuso.
durante (graças aos turistas quem visitam o país para prestigiar o evento) e depois (pre-
Eis a receita para os abusos cometidos no con-
vendo que a Copa transmitirá uma imagem
texto dos megaeventos: propaga-se o senti-
favorável do país para possíveis investidores in-
mento de crise e instabilidade (econômica,
ternacionais e gerará um maior fluxo de capital
social), soma-se a isso a necessidade de as
e turistas) do evento. A questão da imagem do
cidades se mostrarem aptas a participar da
Brasil frente ao restante do mundo durante a
nova lógica do mundo globalizado, de entrar
Copa é crucial e justifica grande parte do der-
no circuito mundial dos grandes investimentos
rame de dinheiro público em obras e ações que
154
pulam etapas dos processos regulares de sua
A Copa do Mundo é um evento esportivo? Um
aprovação e execução.
investimento? Ou um negócio? Para os torcedores ludibriados ela é entretenimento, é a
Ao discorrer sobre as oportunidades geradas
política do pão e circo que cega para os abusos
pela Copa, os discursos oficiais falam sobre o
cometidos em nome de seu sucesso. Nos dis-
enorme investimento em infraestrutura que é
cursos oficiais é considerada investimento. Para
realizado para recebê-la e como isso funciona-
outros é negócio e para uma parcela sem voz
rá como alavanca para o desenvolvimento. Mas
ela representa injustiça e desrespeito.
parecem esquecer que é obrigação do Estado promover as melhorias urbanas que a sociedade demanda e não um privilégio concedido graças a um evento. O planejamento urbano
ARTICULAÇÕES POPULARES E RESISTÊNCIA
está sendo dirigido pelos grandes eventos e
A realização da Copa do Mundo de Fu-
não usando os grandes eventos para melhorar
tebol e dos Jogos Olímpicos no Brasil traz à
as cidades. Todos têm o direito irrenunciável
tona importantes questões quanto à gestão da
de, com ou sem megaevento, ter acesso a
política e da justiça no país. Pois a manutenção
transporte coletivo de qualidade, moradias
da cidade de exceção não se dá apenas através
dignas, educação e lazer. A vinculação de
da criação de leis excepcionais, mas também
políticas públicas urgentes e necessárias à reali-
através da penalização distintiva dada a dife-
zação de megaeventos, com duração de um
rentes grupos da população. Ou seja, as leis
mês, é um discurso irresponsável e descompro-
não são iguais para todos, a justiça e os direitos
missado com a sociedade brasileira.
incidem de forma desigual, dependendo de fatores como classe social e poder político
155
(dentre outros) e podem ser negociados, respeitados quando e onde convém. Em meio a todas as leis, ações, obras e bons
QUADRO 18. Relação entre intervenções propostas para a Copa do Mundo e famílias atingidas, em Itaquera Intervenção
negócios que estão tramitando no cenário nacional em função da Copa do Mundo, milhares de famílias vivem acuadas com a perspectiva de perderem suas casas em decorrência das
Favela atingida
300
300
Miguel Ignácio Curi I
500
500
Fco. Munhoz Filho
440
440
Lavios
90
90
Fco. Jorge da Silva Parque Linear Rio Verde
obras do Mundial.
Famílias* Famílias atingidas
Paz
Maria Luiza Americano
17
17
1.100
550
Senabria
5
5
Freguesia de Poiares
47
47
Jd. Marabá
273
137
Segundo levantamento da Articulação Nacion-
Francisco Tranchesi
33
33
al dos Comitês Populares da Copa (ANCOP) há,
Manuel Ribas
15
15
Gentil Fabriano
230
92
Três Cocos
900
900
520
520
Caititu
130
130
Jacupeval
480
480
Jd. Guarani II
272
em todo o Brasil, 170 mil pessoas ameaçadas de remoção forçada devido às obras ligadas à Copa de 2014 e às Olimpíadas de 2016. O cálculo tomou por base os projetos divulgados pelos próprios governos, nem sempre claramente disponibilizados.
Ligação N-S entre Av. Radial Leste e Av. Água de Haia
Ligação entre Av. Nova Radial e Pacarana Av. Águia de Haia Ligação da Av. Caititu a leste com a Av. Jacu-Pêssego e a oeste com a Av. Águia de Haia TOTAL
Fonte: D'Elias, Jessica. "A Copa do Mundo é nossa?". TFG, 2012, FAUUSP * HABISP
156
272 4.528
MAPA 18. Intervenções previstas para o entorno do estádio e favelas atingidas. Fonte: D’ELIAS, 2012.
102 As dificuldades quanto ao acesso às informações no caso de São Paulo são bem abordadas por Jessica D’Elias no Trabalho Final e Graduação “A Copa do Mundo é Nossa?”, FAUUSP, 2012.
Um dos grandes problemas é a falta de trans-
subsidie ações justas com relação às famílias
parência e informações no que tange às pre-
atingidas102. Com toda a atenção dada ao
visões de remoção. Não há uma organização
evento e às obras dos estádios, é contra-
dos dados, um levantamento consistente e,
ditória a falta de seriedade com que o tema
menos ainda, um planejamento adequado que
da habitação e dos direitos humanos é tratado.
157
O direito à moradia digna e saudável é assegu-
ao longo de todo o processo, não podendo
rado por normas como a Declaração Universal
haver em hipótese alguma formas de violência
dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional de
ou intimidação.” (D’ELIAS, 2012)
Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
As remoções também causam problemas indiretos, como o agravamento do gargalo no
“Todos esses documentos apontam que, no
transporte público – uma vez que muitos estão
caso de remoções por obras de infraestrutura
sendo reassentados em regiões distantes dos
que forem julgadas necessárias e indis-
bairros centrais – e limitações de acesso a
pensáveis, a participação da comunidade
serviços, como hospitais e escolas.
atingida ao longo de todo o processo deve ser garantida, permitindo-se, inclusive, a aber-
A questão das remoções forçadas virou tema
tura para acordos sobre os reassentamentos.
central em Itaquera e nas demais cidades-sede.
Quando houver a necessidade de reassenta-
Porém, até 2011, não existia um grupo organi-
mento, ele deve ocorrer em área próxima e
zado que tratasse especificamente da questão
em condições iguais ou melhroes às originais.
na região. Apesar de o processo de remoções
Tal
de
em grande número já ter se iniciado com
preferência antes que quaisquer obras sejam
a abertura da Avenida Jacú-Pêssego/Nova
iniciadas, e, caso não seja possível, deve
Trabalhadores, o anúncio da Copa veio para
ser prevista compensação monetária. As
agravar e massificar essas ações.
reassentamento
deve
ocorrer
informações referentes ao projeto e às
158
condições de remoção (porque remover,
Além da falta de informações, outra dificul-
para onde e quando ir) devem ser acessíveis
dade no processo de mobilização da população
é o próprio discurso oficial de que o estádio
Nesse sentido, a Arena Corinthians torna-se
dará conta de desencadear as transformações
mais do que um estádio, mas um monumento.
necessárias que gerarão uma melhoria na qualidade de vida dos moradores da região. A
Esse sentimento é legítimo, mas muito perigo-
própria população, frequentemente, reproduz
so, já que é aproveitado por outros agentes
esse discurso e passa a acreditar que o estádio
para manipular a população e mascarar ações
tratá, de fato, uma nova dinâmica que trans-
arbitrárias daqueles que detém o poder políti-
formará a cara do bairro e mudará a vida de
co e econômico. Os discursos oficiais são pro-
seus moradores para melhor. A força simbólica
feridos de forma a se aproveitar do imaginário
que uma arena de futebol carrega, principal-
despertado pelo esporte – principalmente o
mente no contexto da Copa, como sede de
futebol – e passam a impor seus interesses
sua abertura e pertencendo ao clube que tem
como interesses comuns a toda a sociedade
a segunda maior torcida do Brasil, situado em
(HARVEY, 2005).
uma região carente de infraestrutura e de identidade, é de uma grandeza imensurável.
Além das remoções diretas, os moradores da periferia repentinamente valorizada têm que lidar
O Itaquerão resgata a autoestima da população
com os novos valores da região, cujos altos preços
de uma região historicamente marginalizada,
podem inviabilizar sua permanência no local.
que finalmente se vê contemplada com ações que a tornam parte da cidade – mesmo que
“Imóveis que valem R$ 80 mil saltaram para
fazer parte da cidade exija, também, que faça
R$ 120 mil. Aluguel de casa de R$ 600 foi para
parte da lógica do mercado, realidade à qual a
R$ 800’, conta Hildeberg Araujo, dono da
maioria das pessoas da zona leste não pertence.
Aruana, uma das dezenas de imobiliárias do
159
bairro. ‘Em consequência, as vendas caíram’
articulação mais forte entre os cidadãos. Cria-
(...) Segundo o corretor, Itaquera está agora
dos em várias capitais do país para discutir os
com preços equivalentes aos de bairros da
impactos e as violações de direitos humanos
zona leste mais próximos do Centro, como
relacionados aos grandes eventos esportivos,
Penha e Vila Matilde. ‘Houve uma especula-
os comitês populares são articulações de movi-
ção imobiliária muito rápida’, constata.”
mentos sociais, pesquisadores, militantes e
103
estudantes. Têm por objetivo criar uma articuDesde 2007, ano do anúncio da Copa do Mun-
lação local, nacional e global com a finalidade
do no Brasil, até 2010, quando foi confirmada
de unir forças, denunciar violações, organizar
a construção do estádio de futebol do Corin-
assembléias e manifestações de forma a ame-
thians, os imóveis em Itaquera sofreram uma
nizar os efeitos negativos da Copa do Mundo
valorização de mais de 200% e seguem subin-
sobre a população. Permitem uma troca de
do. Segundo corretores da região, imóveis
informações fundamental para mobilizações
vendidos a R$ 450 mil em 2010 alcança-
eficientes. Comunidades cariocas, por exemplo,
vam o valor de R$ 600 mil em setembro de
contam com uma bagagem importante con-
2011 . O mesmo ocorreu com o metro
quistada após a realização dos Jogos Paname-
quadrado de imóveis comerciais: de junho
ricanos e vêm, através de encontros promovi-
de 2010 a junho de 2011 o preço foi de R$
dos entre os grupos organizados de luta por di-
650 para cerca de R$ 1 mil
reitos, transmitindo esse repertório para outros
104
105
e houve um
crescimento de 25% na procura de pequenos e médios empresários por terrenos e galpões. Porém, o risco iminente de despejo e expulsão pela repentina valorização despertou
160
uma
núcleos.
103 http://noticias.uol. com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2011/08/01/ itaquerao-vira-porta-da-esperanca-para-uns-e-porta-da-angustia-para-outros-moradores-do-bairro.htm, acessada em 05.08.2012.
104 http://www. cte.com.br/site/ ver_noticia.php?id_noticia=4852, acessado em 15.10.2012. 105 http://goo.gl/tyZY3, acessado em 15.10.2012.
106 37% da população, segundo Datafolha. Pesquisa realizada em 25 e 26.06.2012, registrada no TRE com o número SP-00087/2012.
107 Na região Oeste a torcida corinthiana soma pouco mais de 25% de seus moradores. http:// globoesporte.globo.com/ platb/files/1112/2012/07/ Fig-01.jpg, acessado em 26.09.2012.
A TO M A D A D E C O N S C I Ê N C I A : O VERDADEIRO LEGADO
um evento como a Copa do Mundo consegue
Em meio a tantos abusos e desrespeitos, é
Paulo. Esse mérito da construção do Itaquerão
possível vislumbrar o verdadeiro legado deixa-
é inegável: finalmente a atenção de toda a ci-
do pela Copa do Mundo e Jogos Olímpicos:
dade está voltada para uma área que era vista
a retomada de consciência da força política
apenas como “periferia”, longe e pobre demais
da população organizada e mobilizada, uma
para ser lembrada por outros aspectos. Por bem
conseqüência, inclusive, dos próprios direitos
ou por mal, é um elemento que vai inverter o
atropelados. Trata-se de um legado não tangível
fluxo de pessoas na cidade em dias excepcio-
e imensurável que carrega grande potencial de
nais. A torcida do Corinthians em São Paulo cor-
transformação, que vai muito além do próprio
responde a mais de um terço da população106,
evento. As trocas promovidas pelos encontros
com sua maioria morando nas periferias da
entre os diversos comitês e movimentos popu-
cidade, chegando a 40% na subprefeitura de
lares fomentam uma compreensão mais ampla
Itaquera107. O futebol é um esporte que mexe
de direitos e deveres dos cidadãos e de como
com o imaginário dos brasileiros e a longa es-
reivindicá-los. Seu reflexo é um maior controle
pera pelo tão aguardado estádio do segundo
social por parte da população sobre as ações
time mais popular do país faz com que sua
realizadas na cidade, de forma a garantir seus
construção tome ares de conquista, um direito
interesses e o respeito aos seus direitos.
alcançado e uma “honra” para os moradores
provocar nas pessoas, com especial importância para os moradores da região leste de São
de seu entorno. Um benefício que traz riscos, Também não podemos menosprezar a im-
como já foi abordado anteriormente.
portância da retomada da autoestima que
161
Temos ainda dois anos até que a Copa do Mundo seja realizada e muitos episódios ainda marcarão a trajetória até o evento. Mas mesmo com tantas contradições e probemas encontrados até agora, é possível guardar certo otimismo – despertado, principalmente, pelas pessoas que de forma consciente e combativa continuam se mobilizando para construir uma cidade, um bairro, uma comunidade e um país mais democráticos, acessíveis e saudáveis.
162
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168
Seletivos para regiões da Zona Leste do Município de São Paulo. SÃO PAULO. Lei nº 14.888, de 19 de janeiro de 2009 – Altera dispositivos da Lei nº 14.654, de 20 de dezembro de 2007, que dispõe sobre o Programa de Incentivos Seletivos para regiões da Zona Leste do Município de São Paulo. SÃO PAULO. Lei nº 15.413, 20 de julho de 2011 - Concessão de incentivos fiscais para construção de estádio na Zona Leste do Município. SÃO PAULO. Projeto de Lei nº 671, de 2007 – Proposta de revisão do PDE e PRE. SÃO PAULO. Termos de Referência e Editais para Revisão da Operação Urbana Rio Verde-Jacú, 2011. SITES www.habisp.inf.br comitepopulario.wordpress.com forumsocialurbano.wordpress.com www.portaldatransparencia.gov.br direitoamoradia.org www.prefeitura.sp.gov.br comitepopularsp.wordpress.com comunidadesunidasdazonaleste.blogspot.com.br www.jogoslimpos.org.br noticias.uol.com.br
169
copadomundo.uol.com.br/noticias www.diplomatique.org.br www.cartacapital.com.br www.folha.uol.com.br www.estadao.com.br redeforum.net revistapiaui.estadao.com.br carosamigos.terra.com.br www.corinthians.com.br www.odebrecht.com.br http://www.portal2014.org.br/
170
171
ÍNDICE DE IMAGENS MAPAS Mapa 1. São Paulo: Estradas de ferro e mancha urbana, 1920. Mapa 2. São Paulo: Mancha urbana, 1949. Mapa 3. São Paulo: Estradas de ferro, vias principais e mancha urbana, 1964. Mapa 4. Município de São Paulo – Zoneamento 1972. Mapa 5. São Paulo: Anel viário metropolitano, principais vias e cinturão industrial, 1974. Mapa 6. São Paulo: Conjuntos Habitacionais promovidos pelo poder público, 1988.
18 21 22 23 27 30
Mapa 7. São Paulo: Ligação entre o Aeroporto de Cumbica e o Porto de Santos através da Av. Jacú-Pêssego.
40
Mapa 8. são Paulo: Operações Urbanas Consorciadas. Em destaque, Operação Urbana Consorciada Rio Verde-Jacú, 2011. Mapa 9. OUC Rio Verde-Jacú. Centros de Comércio e Serviço, 2004. Mapa 10. OUC Rio Verde-Jacú. Setores, 2011. Mapa 11. Estoques de potencial construtivo na Zona Leste para uso residencial.
48 56 57 61
Mapa 12. Polo Institucional de Itaquera, estádio do Sport Club Corinthians e primeira fase do Parque Linear Rio Verde.
65
Mapa 13. Propriedade dos lotes onde estão sendo construídos o Polo Institucional de Itaquera e o estádio do Sport Club Corinthians. Mapa 14. Área de abrangência do Parque Linear Rio Verde e demais equipamentos do entorno. Mapa 15. Localização do estádio do Corinthians no município de São Paulo.
66 68 125
Mapa 16. Implantação da Arena São Paulo e equipamentos propostos do entorno. Mapa 17. Índice de exclusão/inclusão social. Mapa 18. Intervenções previstas para o entorno do estádio e favelas atingidas.
142 152 157
QUADROS Quadro 1. Taxa de crescimento populacional, de 1950 a 1960. Quadro 2. Crescimento populacional de 1950 a 2010. Quadro 3. Taxa de crescimento populacional de 1950 a 2010. Quadro 4. Características gerais dos conjuntos habitacionais Itaquera I, II e III. Quadro 5. Densidade demográfica e Número de empregos por habitante, 2007. Quadro 6. Ações e Leis incidentes na Região Leste a partir da década de 1990. Quadro 7. Cronograma de intervenções na Bacia do Córrego Verde. Quadro 8. Lei nº 14.654 – Concessão de Incentivos Seletivos para a ZL. Concessão de benefícios.
20 31 32 34 35 38 69 72
Quadro 9. Representantes do Conselho do Programa de Incentivos Seletivos para a Zona Leste de São Paulo, em suas diversas revisões. Quadro 10. Gastos em obras da Copa, por fonte de investimento. Quadro 11. Previsão de custo dos estádios da Copa (em R$ milhões). Quadro 12. Destinação dos estádios da Copa após a realização do evento. Quadro 13. Cidades candidatas a sedes da Copa, seus estádios e situação.
73 103 104 106 107 173
Quadro 14. Estrutura exigida pela FIFA para o estádio de abertura da Copa do Mundo 2014.
127
Quadro 15. Relação de gastos não considerados no contrato entre Arena São Paulo e Odebrecht. Quadro 16. Ações públicas para viabilização econômica da Arena Itaquera. Quadro 17. Exigências do BNDES para concessão do empréstimo PróCopa Arenas.
129 130 131
Quadro 18. Relação entre intervenções propostas para a Copa do Mundo e famílias atingidas, em Itaquera.
156
FOTOS Foto 1. Morfologia da região leste do município de São Paulo. Foto 2. Congestionamento na Av. Alcântara Machado. Foto 3. Conjunto Habitacional produzido pela COHAB-SP. Itaquera, São Paulo. Foto 4. Av. Jacú-Pêssego, cortando o tecido viário anterior. Foto 5. Ponte Estaiada e Av. Roberto Marinho. Foto 6. Av. Faria Lima. Foto 7. Pinacoteca do Estado, reformada em 1998. Foto 8. Sala São Paulo, inaugurada em 1999. Foto 9. Favela da Paz, Itaquera. Foto 10. Morfologias predominantes na Zona Leste, no perímetro da OUC Rio Verde-Jacú. Foto 11. Primeira fase do Parque Linear Rio Verde em construção, Favela da Paz e Favela Miguel Ignácio Curi I.
174
25/26 28 33 41 50 50 51 51 53 59 67
Foto 12. Região da Marginal Pinheiros, próxima à Av. Berrini, símbolo de São Paulo como “cidade global”. Foto 13. Vila do Pan, Rio de Janeiro. Foto 14. Velódromo do Rio de Janeiro. Foto 15. Estádio do Engenhão e entorno. Foto 16. Estação de metrô da Linha 3 – Vermelha em horário de pico. Foto 17. Barracos de madeira em favela de Itaquera. Foto 18.1. Estádio do Morumbi, São Paulo, 2010. Foto 18.2. Maquete eletrônica do Estádio do Morumbi após reforma proposta para a Copa 2014. Foto 19. Maquetes eletrônicas do futuro estádio do Corinthians. Foto 20. Obras do estádio do Corinthians em setembro de 2012. Foto 21.1. Obras do Estádio do Maracanã (RJ). Foto 21.2. Obras da Arena Pernambuco (PE). Foto 21.3. Obras da Arena Fonte Nova (BA).
84 92 94 95 109 110 123
123 125/126 128 132 132 132
Foto 22. Terreno concedido ao Sport Club Corinthians, ocupado pelo Centro de Treinamento do clube, 2009.
144
IMAGENS Imagem 1. Anúncios da compania aérea sulafricana Kulula Airlines, em 2010, remetendo de forma irônica à Copa do Mundo FIFA 2010.
113
175
Imagem 2. Esquema da engenharia financeira elaborada entre Corinthians e Odebrecht para viabilizar economicamente a obra do estádio.
134
Imagem 3. Reprodução de trecho do processo do Ministério Público contra o Sport Club Corinthians, prefeito Gilberto Kassab, Construtora Odebrecht e FII Arena, de 25 de maio de 2012. Imagem 4. Reprodução do Diário Oficial do MSP, do dia 03 de março de 2012. Imagem 5. Reprodução de reportagem da Revista Placar, de 1978.
176
136 137 141
177