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CASA no Brasil


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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” - UNESP FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO - CAMPUS BAURU ARQUITETURA E URBANISMO

Caroline Garcia Moreira da Cruz Carvalho

A CASA NO BRASIL

Trabalho de Conclusão do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação – UNESP Campus Bauru sob a orientação do Prof. Dr. Cláudio Silveira Amaral e Co-orientação do Prof. Dr. Vladimir Benincasa.

Bauru/SP 2014



Casa Brasileira A casa era uma casa brasileira, sim

Mangueiras no quintal e rosas no jardim A sala com o cristo e a cristaleira E sobre a geladeira da cozinha um pinguim A casa era uma casa brasileira, sim Um pouco portuguesa, um pouco pixaim Toalhas lá da ilha da madeira E atrás da porta arruda e uma figa de marfim A casa era assim ou quase A casa já não está mais lá Está dentro de mim Cantar me lembra o cheiro de jardim A coisa é a coisa brasileira, sim O jeito, a maneira, a identidade enfim E a televisão, essa lareira Queimando o dia inteiro a raiz que existe em mim A casa era assim Um pouco portuguesa e pixaim (Geraldo Azevedo)



Dedico este trabalho a minha av贸 Quinha que sempre fez de seu lar minha morada.


Agradecimentos e nada mais lindo do que ter a quem agradecer


Ser grato tem tanta beleza quanto estender a mão. À Verônica por ser tudo, a casa dessa alma. Ao José Carlos que me fez entender que o caminho é simples em sua complexidade, e que a vida é feita de mistérios racionais.

Mamãe e papai, que sorte a minha. Ao meu irmão, pela certeza de que nunca estarei só. Aos queridos de festas e projetos sem fim, que me fizeram saber que a amizade vai além do território, e que na arquitetura só se acaba quando termina, metáforas à parte, foram cinco anos intensos e muito bem vividos. A flexibilidade dessa vida é o que vai me faltar. À Bauru por me fazer nascer duas vezes em uma vida. À Unesp por ser um elo. Ao Angelo Bucci por me inspirar e pela gentileza com que me acolheu. Ao Cláudio Amaral pela (des) orientação e por sinalizar a força da brasilidade, ao Vladimir Benincasa por abrir portas. À todos que contribuíram direta e indiretamente para a realização deste trabalho. E nada mais lindo do que ter a quem agradecer. Muito Obrigada!


Sumรกrio


Introdução 16 Breve Contextualização Histórica 19 A Casa Colonial 20 A Casa do Século XIX 25 A Casa do Século XX 30 A Casa Contemporânea 34 A Casa de Ribeirão Preto 36 A Casa de Carapicuíba 42 A Casa de Ubatuba 49 A Casa de Santa Tereza 56 O Apartamento 64 O Apartamento Modernista 73 O Apartamento após 1960 83 Considerações Finais 87 Referências 89


Introdução das primeiras reflexões


Este trabalho tem como objetivo investigar a evolução da casa no Brasil ao longo do tempo, compreendendo e analisando como ocorreu este processo de transformação, do ponto de visto social, cultural, econômico, tecnológico e programático, pois a história da casa no Brasil nos apresenta diferentes desenhos e rearranjos de plantas ao longo destes séculos, interpreta-los é um dos estímulos deste estudo. Entender essas mudanças nos traria uma melhor compreensão da casa contemporânea. Um dos objetivos desse trabalho se não o principal é entender a relação que a casa brasileira contemporânea tem com a casa colonial, com a casa burguesa, com a casa do negro, com a Casa Grande, através de uma leitura das similaridades, diferenças, inovações entre o que vemos hoje e o que existia num passado nem tão distante assim. Mas estamos falando acima de tudo do morar, do habitar, no território nacional. Como é e como era a Casa no Brasil, pois quase que exclusivamente o morar neste país se deu através de casas, somente no último século é que surge o apartamento, nada mais que casas empilhadas, também abordaremos este morar, analisando como se estruturam e se modificam ao longo dos anos, sempre fazendo uma analogia com a casa, e em muitos casos nos surpreenderemos com as similaridades da organização espacial de ambos.

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Devido a grande extensão territorial do país, a diversidade cultural, climática, social e étnica, seria errôneo e inocente pensar na possibilidade de fazer uma síntese do morar brasileiro, por isso na segunda etapa deste trabalho foi feito um recorte, afim de abordar algumas das possíveis formas de morar brasileira, as residências analisadas aqui são todas paulistas, com exceção de uma, localizada no Rio de Janeiro, mas ainda assim estão na mesma região, sudeste, pensadas e executadas pelo escritório SPBR, que está neste trabalho pelo reconhecimento de sua produção e por ser um dos representantes da arquitetura residencial contemporânea no Brasil. Embora não seja nosso objetivo discutir o que seja brasilidade ou mesmo se é possível definir uma identidade brasileira, uma casa brasileira, autores variados divergem nesta questão, levando-a para um campo aberto e espinhoso, o fato é que essas questões não são uma busca, mas questionamentos, reflexões , essas questões estão presentes e manifestadas nas artes, na cultura, e claro na arquitetura. Mais do que isso, essas preocupações alimentam este fazer, sejam elas um exagero retórico, figuras de linguagem ou invenções. É inevitável tratar da arquitetura nacional sem abordar traços de brasilidade, mas a busca aqui não é está, e sim entender quase que visualmente, como o habitar no Brasil se transforma no que reconhecemos hoje como casa brasileira. “Enquanto do sistema estrutural da morada indígena resulta sempre um espaço abobadado de planta circular ou elíptica, dessa intervenção de técnica portuguesa, usando exclusivamente materiais locais, decorriam espaços cúbicos de plantas próximas ao quadrado. essas, as nossas primeiras moradas caracterizadas pelo sincretismo. Moradias que logo aceitaram a cozinha ao ar livre, embaixo da copa das árvores, sob algum precário tejubar ou rancho aberto próximo a casa. Adeus às lareiras e chaminés. Nos trópicos, o cozinhar deveria ser fora da área de estar e dormir, bem que os índios tinham razão. Fogo dentro da casa, só nas raras noites frias do sul ou para iluminar com as bruxuleantes candeias alimentadas com óleo de peixe, qualquer imagem sacra, lembrando o costume dos índios, que afastavam as “vexações de Anhangá” com pequeninas fogueiras fumarentas situadas ao lado das redes de dormir. Fogo grande de ferver caldeirões, só no quintal. Realmente, essa foi a primeira decisão assumida pela casa brasileira.” (LEMOS, p. 18, 1996).

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Breve Contextualização Histórica à procura de respostas


A Casa Colonial "Por mares nunca dantes navegados" Luiz de Camoes

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uniforme, com residências construídas sobre o alinhamento das vias públicas e paredes laterais sobre os limites dos terrenos. Não havia meio termo as casas eram urbanas ou rurais, não se concebendo casas urbanas recuadas e com jardins.

Durante o período colonial1 a arquitetura residencial urbana estava baseada em um tipo de lote, com características bastantes definidas. Aproveitando antigas tradições urbanísticas de Portugal, nossas vilas e cidades apresentavam ruas de aspecto

No Pará ou no Recife, em Salvador ou Porto Alegre, encontram-se ainda hoje casas térreas e sobrados dos tempos coloniais, edificados em lotes mais ou menos uniformes, com cerca de dez metros de frente, e de grande profundidade. Também em São Paulo as áreas mais antigas do centro eram edificadas com residências desse tipo. “ A Rua existia sempre como um traço de união entre o conjunto de prédios e por eles era definida espacialmente.” (REIS, 1978, p.24)

Conforme REIS (1978), a uniformidade dos terrenos correspondia a uniformidade dos partidos arquitetônicos: as casas eram construídas de modo uniforme e, em certos casos, tal padronização era feita nas Cartas Régias ou em posturas municipais.

A Impressão de monotonia era acentuada pela ausência de verde, Inexistindo os jardins domésticos e públicos e a arborização das ruas, acentuava-se naturalmente a impressão de concentração, mesmo em núcleos de população reduzida.

Foi o período em que o território brasileiro era uma colônia do império ultramarino português. Foi marcado pelo início do povoamento (fim do período pré colonial, em 1530), se estendendo até a sua elevação a reino unido com Portugal, em 1815.

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Dimensões e número de aberturas, alturas dos pavimentos e alinhamentos com as edificações vizinhas foram exigências correntes no século XVIII. Revela uma preocupação de caráter formal, cuja finalidade era, em grande parte, garantir para as vilas e cidades brasileiras uma aparência portuguesa. As repetições não ficavam porém somente nas fachadas. Pelo contrário, mostrando que os padrões oficiais apenas vinham completar uma tendência espontânea, as plantas, deixada ao gosto dos proprietários, apresentavam sempre uma surpreendente monotonia. As salas da frente e as lojas aproveitavam as aberturas sobre a rua, ficando as aberturas dos fundos para a iluminação dos cômodos de permanência das mulheres e dos locais de trabalho. Entre essas partes com iluminação natural situavam se as alcovas, destinadas a permanência noturna e onde dificilmente penetrava a luz do dia. A circulação realizavase sobretudo em um corredor longitudinal que, em geral, conduzia da porta da rua aos fundos. Esse corredor apoiava-se no centro da planta nos exemplos maiores. As técnicas construtivas eram geralmente primitivas, nos casos mais simples as paredes eram de pau a pique, adobe ou taipa de pilão e nas residências mais importantes empregava-se pedra e barro, mais raramente tijolos ou ainda pedra e cal. O sistema de cobertura em telhado duas águas, procurava lançar uma parte da chuva recebida sobre a rua e a outra sobre

o quintal, cuja extensão garantia, de modo geral, a sua absorção pelo terreno. Evitavase, desse modo, o emprego de calhas ou qualquer sistema de captação e condução das águas pluviais, os quais constituíam verdadeira raridade. A construção sobre os limites laterais na expectativa de construções vizinhas de mesma altura, procurava garantir uma relativa estabilidade e a proteção das empenas contra a chuva, o que, quando não era correspondido, se alcançava através do uso de telhas aplicadas verticalmente. A simplicidade das técnicas denunciava, assim, claramente, o primitivismo tecnológico de nossa sociedade colonial: abundância de mão de obra determinada pela existência do trabalho escravo, mas ausência de aperfeiçoamentos. Os exemplares mais ricos apenas acentuavam essa tendência: apresentavam maiores dimensões, maior número de peças, sem, contudo chegar a caracterizar um tipo distinto de habitação. O uso dos edifícios também estava baseado na presença e mesmo na abundância da mão de obra. Para tudo serviu o escravo, é sempre a sua presença que resolve os problemas dos barris de esgoto (os tigres) ou do lixo, especialmente nos sobrados mais altos das áreas centrais, que chegavam a alcançar até mesmo seis pavimentos. Era todo um sistema de uso da casa que, como a construção, estava apoiado sobre o trabalho escravo e, por isso mesmo, ligava-se a nível tecnológico bastante primitivo, Esse mesmo nível tecnológico era apresentado pelas cidades, cujo uso, de

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modo indireto, estava baseado na escravidão. A ausência de equipamentos adequados nos centros urbanos, quer para o fornecimento de água, quer para serviços de esgoto e, mesmo, a deficiência do abastecimento, eram situações que pressupunham a existência de escravos no meio doméstico; a permanência dessas falhas até a abolição poderia ser vista, até certo ponto, como uma confirmação dessa relação.

grande casa residencial do Rio de Janeiro. “O sistema de construção encontra-se, sem nenhuma alteração, nas grandes ruas comerciais, nas praças públicas da cidade; a diferença esta em que, nos bairros elegantes do Rio de Janeiro, o alto funcionário e o negociante reservam o andar inteiro as cocheiras e estrebarias, ao passo que na cidade o comerciante nele instala os seus espaçosos armazéns.”

De acordo com REIS (1978), os principais tipos de habitação eram os sobrado e a casa térrea. Suas diferenças fundamentais consistiam no tipo de piso: assoalhado no sobrado e chão batido na casa térrea. Definiam-se com isso as relações entre os tipos de habitação e os estrados sociais: habitar um sobrado significava riqueza e habitar casa de chão batido caracterizava pobreza. Por essa razão os pavimentos térreos dos sobrados, quando não eram utilizados como lojas, deixavam-se para acomodação de escravos e animais ou ficavam quase vazios, mas não eram utilizados pelas famílias dos proprietários. No mais, as diferenças eram pequenas. Os planos maiores correspondiam, quase sempre, apenas a um rebatimento ou sobreposição dos esquemas de plantas mais simples. Ainda no início do século passado, diria Debret2 , examinando um exemplo de

Um outro tipo de característica de habitação do período colonial era a chácara. Situando-se na periferia dos centros urbanos, as chácaras conseguiam reunir as vantagens dessa situação as facilidades de abastecimento e dos serviços das casas rurais. Solução preferida pelas famílias abastadas, ainda no Império e mesmo na República, a chácara denunciava, no seu caráter rural, a precariedade das soluções da habitação urbana da época. O principal problema que solucionavam era do abastecimento. Durante todo o período colonial e, em parte, até os dias atuais, as tendências monocultoras de nosso mundo rural contribuíram para a existência de uma permanente crise de abastecimento nas cidades. Assim sendo, as casas urbanas tentavam resolver em parte o problema, por meio de pomares, criação de aves e porcos ou do cultivo da mandioca ou

2 Jean - Baptiste Debret, foi um pintor, desenhista e professor de francês, integrou a Missão Francesa (1816), que fundou, no Rio de Janeiro uma academia de Artes e Ofícios, mais tarde Academia Imperial de Belas Artes, onde lecionou pintura. Castro Maya. DeBret. [S.I]: Ed, Capivara.264 p.

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de outro legume. Soluções satisfatórias eram conseguidas somente nas chácaras, as quais aliavam, a tais vantagens, a da presença de cursos d’água, substitutos eficientes para os equipamentos hidráulicos inexistentes nas moradas urbanas. Por tais razões, tornaram-se as chácaras habitações características de pessoas abastadas, que utilizavam as casas urbanas em ocasiões especiais. Vemos, portanto, que fundada no regime escravista, quer para a construção, quer para o uso, a habitação urbana tradicional correspondeu a um tipo de lote padronizado e este a um tipo de arquitetura bastante padronizada, tanto nas suas plantas, quanto nas suas técnicas construtivas. Este esquema não é

tipicamente brasileiro. Suas origens situam se no urbanismo medieval - renascentista de Portugal. As condições locais apenas selecionaram entre os modelos importados o de maior conveniência, desenvolvendoos e adaptando-os em termos de parcela do mundo luso-brasileiro. tais soluções tem sido caracterizados por forçar a aparência de concentração, mesmo em centros de populações e dimensões limitadas. de qualquer modo é preciso destacar que seu uso corresponde a uma década na qual os recursos rurais e o próprio mundo rural estavam sempre ao alcance da vista e da voz do homem urbano, para solucionar muito dos problemas fundamentais dessas vilas e cidades.

“O interesse de uma residência está muito mais no seu aspecto sociológico, do que nas suas qualidades arquitetônicas decorrentes da técnica construtiva e da intenção plástica. A casa deve ser entendida como um todo, como uma unidade, cuja função abrigo, a função principal, tem a primazia e o resto dela decorra.” (LEMOS, 1996, p.11).

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A Casa do SĂŠculo XIX fez-se a luz

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A corte transferida de Lisboa para o Rio trouxe consigo tanto os novos hábitos fidalgos quanto as novidades da Revolução Industrial, que rapidamente se manifestaram na arquitetura por meio das novas técnicas e matérias de construção. O que até poucos anos era caríssimo, como o vidro plano para as janelas, tornou-se banal, as pessoas viviam as escuras, as janelas eram somente de tábuas, que eram fechadas nas horas de muito vento ou chuva, as velas e candeeiros quase não iluminavam. “Literalmente, os horários da família coincidiam com os das galinhas.” (Lemos, 1996, p. 44).

O avanço industrial trouxe novos hábitos, as casas passaram a ser iluminadas com a luz do sol, graças a popularização das vidraças, e a noite a luz ampla passou a ser garantida por modernos lampiões, essa luz noturna mudou os hábitos caseiros, os horários, segundo Lemos (1996) propiciou o “telúrio” , quando a família permanecia na mesa após o jantar, conversando, costurando, lendo, ouvindo música. Dessa maneira o próprio programa de necessidades se alterou, o acesso de estranhos a essa reuniões já não mais íntimas, os jantares sociais tornaram se moda a partir deste momento, tanto nas cidades quanto nas fazendas. Os hábitos de higiene também se alteraram, os ricos passaram a ter “casas de

banho” nos quintais e nos jardins, espécie de tanques como se fossem pequenas piscinas, escavas em mármore de Carrara, nos quartos de dormir lavatórios com jarras e bacias, assoalhos encerrados, paredes revistadas de papel decorado, novas tintas, cortinas, grades de ferro nos balcões, as fachadas eram iluminadas a noite com lanternas penduradas em suportes delicados. Na área de serviço que as mudanças foram pouco perceptíveis, a maioria da população continuou usando os utensílios domésticos nacionais, panelas de barro, cuias, gamelas de madeira, os ricos importavam os utensílios ingleses de cozer e servir. Foi o período da introdução do ferro de passar, notava-se uma profusão de objetos puramente decorativos,

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vasos de flores, caixinhas de musica, relógios de mesa e parede, espelhos de cristal, tapetes do oriente, os vazios interiores da casa brasileira tornaram se repletos de quinquilharias. De acordo com Lemos (1996), trocou se o útil pelo fútil. Agora as diferenças de quantitativas, tornaram-se qualitativas. Com a facilidade de comunicação entre as cidades litorâneas e com a implantação das estradas de ferro, houve uma natural homogeneização da linguagem e dos partidos arquitetônicos, e a partir da metade do século XIX haviam basicamente duas modalidades de residência, a “local”, que estava ligada a tradição construtiva regional, e a “moderna”, própria da recente prosperidade. Os palacetes suntuosos fundamentalmente contrapõe as construções vernáculas por razões obvias, todos indistintamente chamados de eclético3, pois possuíam os mais diversos estilos arquitetônicos a começar pelo neoclássico. O dinheiro do café serviu para importar arquitetos, mestres de obras, pedreiros e materiais, tudo vinha da Europa e dos Estados Unidos, essas construções não possuíam identidade com a arquitetura e sociedade paulista, essas mansões buscando sempre novidades pressupunham em suas plantas programas de necessidades totalmente desvinculados da realidade local. Sendo essas moradias

altamente qualificadas, sempre inspiradas em modelos europeus. Os arquitetos brasileiros formados pela academia de Belas Artes inicialmente apegados ao neoclassicismo logo se uniram aos arquitetos de fora, pregando novos programas, assumidos como se fossem recentes posturas que a modernidade e etiqueta nova exigiam. Dentre as novidades está o estabelecimento de toda a área de serviço no porão, inclusive a cozinha, mesmo em terreno plano as casas passaram a possuir porões. A comida seria levada por montacargas ou por uma escada estreita que levaria a uma antessala de serviço de onde eram oferecidas as refeições. No entanto esta moda não vingou, pois não demorou a aparecer duas cozinha, a do porão e a superior. A acomodação dos criados, ou era no porão e quartos próximos a cozinha ou no quintal, somente os brancos permaneciam dentro da casa, se crioulos no quintal, era o embrião da edícula da casa urbana brasileira. A circulação foi repensada dentro da casa, era fina a residência que propicia a total independência entra as três zonas da casa, as áreas de estar, de repouso e a do serviço, deveriam estar distribuídas de forma que fosse possível se deslocar de uma a outra, sem passar pela terceira, essa exigência fez

Refere-se ao movimento arquitetônico predominante desde meados do século XIX até as primeiras décadas do século XX.

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surgir o vestíbulo, através dele era possível ir diretamente aos dormitórios sem que a sala ou demais dependências servissem de passagem. A casa seria realmente bem planejada se, além dessa distribuição, houvesse também uma comunicação direta entre a sala de jantar e a cozinha. O uso de calhas, condutores e águas furtadas, permitiu que os corredores laterais fossem descobertos, todos os dormitórios possuíam janelas para o exterior, medidas que favoreceram a ventilação e a insolação. Todas as casa agora deveriam ter porões, pois haviam normas que diziam que os assoalhos deveriam ficar afastados do chão. Surge também o “gabinete” dependência destinada aos livros e ao trabalho intelectual. No final do século XIX as famílias receberam o beneficio da água potável, distribuída por redes públicas, o alto custo dos materiais de hidráulica e a nascente influência norte americana confinaram em um mesmo espaço a latrina, a banheira, o lavatório e o chuveiro, convivência forçada pelas conveniências tecnológicas que também aproximavam dessa trama de tubulações da cozinha, a casa brasileira entra no século XX ostentando esses cômodos necessariamente vinculados, somente com a popularização das lajes de concreto é que o banheiro passa a ser em cima da cozinha, garantindo a proximidade sempre econômica.

Também no fim do século XIX a questão da moradia em São Paulo enfrenta uma problemática, a do adensamento em consequência da indústria nascente e do comercio próspero, a chegada dos imigrantes e a necessidade de abrigar toda esta demanda, surge a moradia operária. Segundo LEMOS (1996), podemos até dizer que a senzala foi o caminho da solução da moradia operária, a está senzala urbana deu se o nome de cortiço. A solução arquitetônica mais habitual foi a do cortiço com duas fileiras de cômodos separados por uma estreita passagem central, as vezes com dois metros de largura quando deveriam ser três ou quatro metros, ao fundos encontravam se dois ou três vasos ao lado dos tanques para uso comunitário. Estavam inseridos em interiores de quadras, terrenos muito baratos ou clandestinos, as condições eram as piores possíveis, insalubres e adensados. Logo apareceu o cortiço do subúrbio paulistano, quase que na zona rural, possuía três dependências ao invés de uma, quarto, sala, cozinha, a vida era um pouco mais saudável e amena, pelo menos havia sol e ventilação. Com incentivo do governo surge a casa operária, com três cômodos, sala, quarto e cozinha, as instalações sanitárias, chamada de “cazinha” ficava no quintal.

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O planejamento dos cortiços ocupando o interior das quadras inspirou os capitalistas a construírem nessas áreas ociosas conjunto de residências logo chamadas pela população de vilas, de início possuíam de três a quatro dependências, no entendo os industriais perceberam a vantagem de ter por perto os funcionários e construíram quarteirões inteiros de casas de variados tamanhos, foram as vilas operárias. A mais famosa localizada no Brás possuía armazém, farmácia, padaria, escola primária, creche, igreja, além de instalações esportivas.

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A Casa do Século XX lá vem ela, a televisão

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A Segunda Guerra Mundial 1914, significou para o Brasil um divisor de águas no que diz respeito a arquitetura, especialmente a residencial, a comunicação com a Europa era difícil, consequentemente a importação de matérias de construção que o nosso ecletismo consumia era quase impossível. E a indústria nacional não estava preparada para fabricar essa diversidade de materiais. Recorreu-se aos Estados Unidos, que enviaram poucos materiais, mas diversos objetos, relógios de parede, vidros, móveis, e desde então passamos a estar mais próximo a America do Norte que a Europa, até a nomenclatura inglesa foi substituindo a francesa, passamos a ter nosso livings, halls, bow-window, deste modo a arquitetura teria mesmo que se alterar.

aqueles três anos de declínio haviam forçado o surgimento de improvisações a partir das matérias-primas locais. A modesta indústria nacional também fez o que pode. Surgiu uma arquitetura inventiva e descompromissada, pelo menos na aparência, as adaptações se fizeram necessárias na medida em que o acesso a alguns materiais era muito restrito, os telhados foram simplificados, por conta da falta de folhas de cobre, de ferro zincado, usados nas calhas, águas furtadas e rincões. A nova forma de ocupação dos lotes também contribuiu para essa arquitetura, devido aos recuos laterais e frontais que as prefeituras passaram a exigir aos novos arruamentos, agora no início dos anos 20, isso também era possível e até obrigatório em relação a grande a maioria de casas remediadas e mesmo modestas, pois até então somente os grandes e raros palacetes da classe dominante proveniente do café é que eram desencostados das divisas e podiam ser admirados pelos seus quatro lados.

A partir do início de 1915 o número espantoso de construções começou a cair, chegando quase que a zero, somente depois de 1918 é que começaram apresentar alguma reação e a quantidade de obras passa a crescer. essa estagnação, mesmo porque não se reproduziram as anteriores facilidades de importação de materiais e

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Esse período de ociosidade arquitetônica em São Paulo, no tempo da guerra serviu no entanto de campo fértil para que logo prosperassem as ideias nacionalistas divulgadas por Ricardo Severo4, que tinha

verdadeira paixão ligada, antes de tudo, a autenticidade cultural do mundo lusitano, nisso é claro incluía o Brasil, suas ideias tiveram sucesso e a adesão e receptividade de vários arquitetos.

Assim surgiu o Neocolonialismo5, estilo caracterizado por soluções inspiradas no passado e repetidas a exaustão até depurarem - se formalmente para definirem um receituário que se popularizou durante toda a década de 20 e início da seguinte. Meia dúzia de apropriações como largos beirais de cachorros caprichosamente recostados, frontões curvos das igrejas do século XVIII, arrematadas das fachadas religiosas emprestadas as novas residências, as vergas de arco abatido das portas e janelas setecentistas, as treliças, os painéis, os papéis de parede, azulejos decorados, as telhas de capa e canal que a Cerâmica São Caetano passou a fabricar e assim por diante.” (Lemos, pag. 65, 1996)

Todas as casa da década de 20 elegeram uma dependência, a copa, como área de estar da família. A copa dessas casas “francesas” converteu a velha varanda ou sala de jantar em mero anexo da sala de visitas e ambas se tornaram áreas morta de uso eventual. A edícula no quintal, com as dependências de serviço e de morada da empregada doméstica e a copa ao lado

da cozinha vieram caracterizar as soluções eminentemente brasileiras. Em 1922 o formalismo neocolonial envolvendo uma circulação afrancesada elitista passava por solução moderna; em 1932/42, o art-deco6, chamado pela massa de “futurismo”, aliava a modernidade das fachadas a planta tradicional, ou melhor

Ricardo Severo da Fonseca e Costa (Lisboa, 6 novembro de 1869, foi um engenheiro, arquiteto, arqueólogo e escritor que, trabalhou como sócio de Ramos de Azevedo, famoso construtor brasileiro, juntos foram responsáveis pelas mais importantes obras de engenharia realizadas em São Paulo na primeira metade do século XX. 5 Movimento estético do começo dos XX especialmente associado a arquitetura. O movimento se propunha a resgatar a arquitetura e motivos decorativos da época colonial americana de origem ibérica e emprega-los na arquitetura da época. 6 Movimento popular internacional de design que durou de 1925 até 1930, afetando as artes decorativas, a arquitetura, assim com as artes visuais, a moda, a pintura, as artes gráficas o cinema. Este movimento foi, de certa forma, uma mistura de vários estilos (ecletismo) e movimentos do início do século XX, incluindo construtivismo, cubismo, modernismo, Bauhaus, art nouveau e futurismo. 4

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a circulação, que tinha como centro distribuidor a varanda. A hospitalidade responsável pela acolhida de gente alheia ao núcleo familiar desapareceu dos programas residenciais já no final do século XIX, e em meados do século XX já era coisa esquecida. O quarto de hóspedes desapareceu, restou a sala de visitas sempre fechada, aguardando os raros visitantes previamente combinados, era ainda a área nobre da casa, onde não havia a hipótese de qualquer tipo de superposição de atividades. Já a casa popular que pós Segunda Guerra passou a uma modalidade de construção residencial chamada autoconstruída, levantada quase sempre no plano geral, imediatista, alheia aos códigos de obra e regras, pelo próprio morador. Nestas moradias há o isolamento do quarto de dormir, e o destaque do estar, que se confunde com a cozinha, a superposição de atividades de estar, ou lazer e de serviço num mesmo espaço, deixando isoladas aquelas de repouso torna-se a característica da casa popular.

jantar à sala de estar, e foi o fim definitivo da sala de visitas como unidade da habitação e também o desaparecimento da copa, a copa como local de reunião familiar, a copa do velho rádio, o centro de interesse da casa desvencilhou-se da cozinha, da área de serviço. Em todos os programas surge o novo elemento, a sala de televisão. A família moderna esta estruturada de modo diferente, novos hábitos provenientes de uma nova tecnologia que alterou fundamente os meios de comunicação, os programas modernos são diversificados dos de vinte, trinta anos atrás.

A chegada da televisão interferiu na dinâmica espacial da habitação, logo de início invadiu a sala de visitas, transformando - a praticamente em um living - room, foi responsável por vasta mudança no mobiliário, que passou a ter como principal objetivo o conforto, exigência até então secundária e atrelada acessoriamente as razões dos estilos. A televisão uniu a sala de

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“A modernidade, então dever ter início na concepção ou na adoção de novos programas de necessidades a serem satisfeitos por arquiteturas as mais variadas neste Brasil multifacetado, conforme as disponibilidades de cada um.” (LEMOS, 1996, p. 76)


A Casa Contemporânea quem já viu uma não viu nenhuma

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A casa contemporânea será abordada neste capítulo a partir de estudos de caso de uma tipologia em particular, a casa unifamiliar, foi adotada como objeto de estudo na intenção de utiliza-la como meio para identificar o discurso arquitetônico contemporâneo, apontando seus programas de arquitetura, sobretudo a partir de seus princípios formais, compositivos, construtivos, estéticos expressos e manifestados nas diversas linguagens. A casa tem sido ao longo da história da arquitetura, um momento e um meio fundamental para a prática da arquitetura através da qual os arquitetos testam e expõem seus ideários. As casas aqui eleitas salvo as devidas diferenças, são momentos de singularidade onde os desejos e possibilidades estéticas e éticas de arquiteto e cliente se fundem. As casas aqui estudadas foram vistas sob este olhar. São casas brasileiras, mais

precisamente casas urbanas, localizadas na região sudeste, inseridas ou próximas a importantes centros como: Rio de Janeiro, São Paulo, Ribeirão Preto e Ubatuba. São todas projetadas pelo escritório SPBR, dirigido por Angelo Bucci, com exceção da Casa de Ribeirão Preto, que é da época em que Bucci ainda estava no MMBB, foram selecionadas por serem referências na arquitetura residencial e se diferenciarem nos programas ou inserção territorial, das quatro, três são premiadas: Casa de Ribeirão Preto - Prêmio IAB/SP 2002, Modalidade Habitação Unifamiliar e Menção Honrosa na V BIA SP - 2003; Casa de Ubatuba - O Melhor da Arquitetura, Arquitetura e Construção 2010; Casa de Santa Tereza - O melhor da Arquitetura, Arquitetura e Construção 2008, Menção Honrosa VII BIA SP - 2007. Portanto esta reflexão é sobre o fazer e o pensar arquitetônico residencial no Brasil hoje, mas pretendendo fazer uma analogia com o passado residencial brasileiro.

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A Casa de Ribeir達o Preto um jogo de arrimos


Estudo de Caso I - Casa de Ribeirão Preto MMBB/SPBR

O Projeto

esse esquema, a laje do piso elevado da residência não possuí vigas, deixando cerca de 2,40 metros de altura livres para o piloti.

A casa de Ribeirão Preto é complexa em sua simplicidade, descabida em sua escala e paradigmática em seu lugar. Projetada em 2000 pelo escritório paulistano MMBB, que à época ainda contava com o arquiteto Angelo Bucci , entre seus sócios, foi cercada de particularidades desde sua concepção. Sua gênese sempre esteve mais ligada ao pensamento de Bucci. Isso fica claro ao considerarmos os projetos posteriores do arquiteto, como a Casa de Ubatuba, que mais tarde abordaremos.

Porém, a casa não é simplesmente dividida em dois planos (térreo e superior). Existe a construção de uma geografia, através de 3 pequenos platôs de terra, cercados por blocos de concreto, que criam quatro níveis distintos, intermediários ao pavimento único da residência, elevada do solo.

Duas vigas invertidas amarram a cobertura: uma laje inundada com sistema construtivo similar ao da Casa de Ubatuba e de diversas casas projetadas na década de 1970. Em dias de chuva a água transborda e passa por uma gárgula, que despeja a água na piscina, sendo tratada e retornada à cobertura. Quatro pilares sustentam a laje plana da cobertura, enquanto tirantes penduram a laje do pavimento superior. Devido a

Nas imagens abaixo, é possível verificar o labirinto do térreo, delimitado pelos volumes de terra. O primeiro, posicionado logo à entrada do lote, é o recuo frontal extrudado até quase a altura da residência, hoje com um bonito jardim que cobre parcialmente a vista de quem olha da calçada. O segundo, intermediário tanto em planta como em corte, é a expansão do patamar da escada, um descanso que também comporta a piscina. E o terceiro, ao fundo do lote, é talvez o platô mais importante, e que provavelmente guiou o projeto dos demais: estrutura um arrimo, desfaz um erro de terraplanagem já existente no terreno antes que os arquitetos fossem chamados.

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A quadra onde a residência está implantada, sofre um aclive em direção ao fundo do lote. o Antigo proprietário do terreno realizou um movimentação de terra no terreno, de maneira a torna-lo plano. No entanto, a distribuição de terra acabou descompensada, o que acabou por prejudicar o arrimo do lote vizinho ao fundo. A tentativa de redistribuir a terra no lote, guiou o processo projetual.

Bucci em projetos posteriores, que resulta em uma fresta proposital entre o piso e o vidro, artifício que possibilita ventilação contínua, tão adequada a uma cidade quente como Ribeirão Preto. Os banheiros são fechados com vidro serigrafado, proporcionando certa privacidade. No sentido transversal, a residência possuí fechamento de alvenaria de argamassa armada, coberta com painéis de fórmica.

A escada de acesso se encaixa no platô central, e lembra muito as escadas externas de outros projetos de casas paulistas (ao modo de Carlos Millan e Paulo Mendes da Rocha, principalmente da Casa Gerassi).

O Ontem e o Hoje através da setorização

Toda a distribuição do terreno em níveis, inclusive a distribuição programática, locando as áreas de serviço também no térreo, libera o programa da residência em um único nível, na laje pendurada, acessada pela escada central externa, ou pelos platôs jardins. A planta é claramente separada em três setores, divididos nos vazios do formato em U do piso: a área frontal contém o living, nos fundos ficam os quartos e banheiros, e no centro a cozinha. Além da estrutura, outro destaque da casa são os fechamentos. No sentido longitudinal, a casa é fechada com vidro. Todos os panos não possuem caixilho, com interessante sistema de encaixe, repetido por Angelo

A circulação passa a ser algo fundamental na casa contemporânea, é ela que organiza os espaços e impede a sobreposição de atividades, tão comum no nosso passado residencial, aqui estar e jantar dividem um mesmo espaço, no entanto é amplo, sem barreiras visuais, paredes ou divisórias, mas cuja as atividades estão devidamente delimitadas pela disposição do mobiliário. A forma como se organiza o programa em muito se diferencia da planta colonial, onde via de regra a cozinha estava posicionada no fundo da residência, isso quando incorporada ao corpo da residência, quando não estava isolada no quintal, ou em puxados, aqui ela está no centro da planta, é valorizada, em nada lembra a cozinha

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desprezada do passado, é amplamente iluminada, o coração da casa, embora espacialmente distinta da planta colonial mantém uma relação com o quintal quanto a proximidade e acesso. Os dormitórios estão no fundo do lote, com aberturas para um jardim, uns dos três platôs criados no projeto, aqui podemos fazer uma comparação com a casa colonial, é como se a cozinha e as alcovas tivessem sua disposição na planta trocada, aqui a cozinha é o centro e os dormitórios estão no fundo, na casa colonial, a cozinha estava no fundo e as alcovas estavam no centro, sem aberturas, aqui são privilegiados, com aberturas generosas em painéis deslizantes e com vista para um jardim. Não há circulação entre os dormitórios, algo comum também nas casas coloniais, e até no século XIX, como na planta da Fazenda Milhã, a privacidade é algo valioso na configuração da morada atual, a área intima é reservada possuindo quase sempre um único acesso. Os banheiros também estão nesta área íntima, enfileirados, sendo o lavabo estrategicamente posicionado na ponta, assim os que não são moradores não precisam necessariamente adentrar o corredor dos dormitórios para acessá-lo.

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Figura 1 : planta do pavimento térreo. Fonte: SPBR. Disponível em < www.spbr.arq.br> . Acesso em 13 jan. 2014.

Figura 3 : Corte longitudinal. Fonte: SPBR. Disponível em < www.spbr.arq.br> . Acesso em 13 jan. 2014.

Figura 2 : Planta do pavimento superior. Fonte: SPBR. Disponível em < www.spbr.arq.br>. Acesso em 13 jan. 2014.

Figura 4 : Corte longitudinal. Fonte: SPBR. Disponível em < www.spbr.arq.br> . Acesso em 13 jan. 2014.

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Figuras 5, 6, 7, 8, 9 e 10. Imagens da Casa de Ribeirão. Fonte: SPBR. Disponível em < www.spbr.arq.br>. Acesso em 13 jan. 2014.

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A Casa de CarapicuĂ­ba como uma luneta

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Estudo de Caso II - Casa de Carapicuíba Projeto SPBR

O Projeto De uma depressão topográfica, surge um tubo que, como uma luneta, aponta para a rua do condomínio fechado em Carapicuíba, município da região metropolitana de São Paulo. O prisma longitudinal, de dimensões 3x25 metros, flutua sobre um térreo livre, apoiado em apenas dois pilares de 0,70m de diâmetro. Nesse volume comprido e estreito, fechado com blocos de concreto e telha metálica, as extremidades são transparentes. São aberturas que propiciam uma vista recortada da rua, como num funil, que possibilita maior privacidade e concentração, requeridas para o escritório que funciona nesse espaço. A laje que conforma o chão do escritório está atirantada à laje do teto, que por sua vez está pendurada em duas grandes vigas invertidas, sustentadas pelos dois pilares de seção circular. Da rua é possível obervar somente o escritório, quase flutuando sobre apenas dois pontos de apoio que surgem do vazio oculto.

A depressão é de tal sorte que fica impossível observar a casa, já que essa acompanha a queda brusca da topografia. O térreo livre criado pelo espaço liberado pelos dois pilares, guarda a vista do bosque que faz divisa com a parte de trás do lote. Nesse espaço, a interface entre escritório e residência acontece por meio de escadas e passarelas metálicas. No buraco, o vazio é enclausurado por dois muros laterais, de onde quatro pilares surgem e apoiam duas vigas que cruzam o terreno transversalmente, de ponta a ponta. As duas vigas transversais invertidas sustentam a laje de cobertura da casa, que atiranta uma laje em balanço onde funciona a cozinha. Os fechamentos da casa são simples: madeira e vidro sem caixilhos, presos por um engenhoso sistema de peças metálicas ligadas diretamente nas lajes. Esse método, utilizado anteriormente por Bucci em outros projetos, como na Casa de Ribeirão, deixa um espaço aberto pequeno entre o vidro e a laje, possibilitando abundante ventilação aos espaços.

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O projeto dessa Casa em Carapicuíba, desenvolvido no ano de 2003, é o elo entre dois projetos: a Casa em Ribeirão Preto com o MMBB no ano 2000 e a Casa em Ubatuba em 2006. Um projeto não seria possível sem seu anterior, já que trata-se de um processo de amadurecimento de conceitos. A cada projeto, a idéia das vigas invertidas e do atirantamento das lajes se faz cada vez mais forte, começando simples em Ribeirão Preto, até chegar ao edifício completamente pendurado em Ubatuba. Ao tocar o chão, a Casa em Carapicuíba volta a ficar longitudinal em relação ao terreno. Dessa maneira, é possível observar a disposição da casa em três volumes diferentes organizados verticalmente, sendo que os dois volumes extremos são longitudinais, e o intermediário transversal. No térreo, completamente escondido da vista da rua, estão os dormitórios e áreas mais íntimas da casa. Os acabamentos, como é comum na obra do arquiteto, prima pelo simples, como na piscina com piso revestido de pedra portuguesa. Em Carapicuíba, os planos de concreto armado e vidro dimensionam o espaço. Na maquete de estudos, é possível obervar a primeira proposta estrutural. Uma grande viga invertida estruturava o volume do escritório, ( que acabou sendo executado com duas vigas), e dois pilares sustentavam a cozinha que foi executada em balanço, atirantada na laje presa às duas vigas transversais como mostram as fotos abaixo.

A Casa em Carapicuíba é um passo à frente no panorama arquitetônico brasileiro, por apresentar soluções simples e mostrar que o arranjo de experiências de nosso passado, aliado a inteligente solução programática numa topografia desafiadora, são capazes de resultar numa arquitetura nova, dentro da discussão contemporânea.

O Ontem e o Hoje através da setorização Na Casa de Carapicuíba é possível fazer uma comparação interessante, nesta residência o escritório fica na cota mais alta, (um pedido dos moradores é de que o escritório ficasse isolado da residência), enquanto que no sobrado colonial, o comércio, a loja, o local de trabalho estava no térreo, que era um espaço pouco valorizado em detrimento do pavimento superior, tanto é que quando não havia comércio, era onde dormiam os escravos ou ficavam os animais, quando não acomodava nenhum desses se tornava um simples vazio. Mas na Casa de Carapicuíba, é no térreo, a cota mais baixa em relação ao nível da rua, 6 m, que estão os dormitórios, os banheiros que atendem estes quartos e a piscina, talvez possamos fazer uma analogia com os porões, cujo piso está abaixo do nível da rua, local que já abrigou cozinha e quarto de empregados no século XIX, e agora no

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século XXI abriga dormitórios amplamente no entanto iluminados e ventilados, diferentemente das alcovas escuras, sem aberturas. No nível acima dos dormitórios estão localizados estar e cozinha, aqui a cozinha se apresenta de forma muito particular. Lemos falava da extroversão da cozinha na habitação dos brancos, a cozinha separada, no quintal, cozinha no alpendre posterior, cozinha em puxado, sempre a cozinha menosprezada, lugar dos negros, aqui a cozinha aparece extrovertida8, mas no sentido quase literal da palavra, ela expande para fora de sí, se comunica, talvez pela transparência, talvez pelo posicionamento, é como se ela quisesse ser vista exibindo seu balanço pra quem adentra a residência ainda da praça de acesso ou mesmo da área de lazer. A cozinha aqui é oposta a cozinha do nosso histórico residencial, ela é exibida, não está localizada no fundo da planta como na casa dos negros ou mestiços, nem isolada do corpo da residência como na casa dos brancos. “É uma família que gosta de cozinhar e permanece neste espaço, dali eles conseguem ver a piscina, o quintal, o jardim” diz Ângelo Bucci. Talvez um posicionamento estratégico que possibilite a interação com os demais indivíduos em diferentes espaços dessa morada.

Figura 11: Praça inferior, planta dos dormitórios - nível 93.95. Fonte: SPBR. Disponível em < www.spbr.arq.br>. Acesso em 13 jan. 2014.

Figura 12: Planta sala de estar / cozinha - nível 96.7. Fonte: SPBR. Disponível em < www.spbr.arq.br>. Acesso em 13 jan. 2014.

ex.tro.ver.ti.do adj (part de extroverter) Que se expande para fora de si; sociável, comunicativo. sm Indivíduo cuja atenção e interesses são dirigidos total ou predominantemente para os valores fora do seu eu. Antôn: introvertido. 8

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Figura 13 : Planta praça de acesso / terraço - nível 99.69. Corte longitudinal. Fonte: SPBR. Disponível em < www.spbr.arq.br> . Acesso em 13 jan. 2014.

Figura 14 : Planta escritório - nível 102.095. Fonte: SPBR. Disponível em < www.spbr.arq.br> . Acesso em 13 jan. 2014.

Figura 15 : Corte longitudinal. Fonte: SPBR. Disponível em < www.spbr.arq.br> . Acesso em 13 jan. 2014.

Figura 16 : Corte longitudinal. Fonte: SPBR. Disponível em < www.spbr.arq.br> . Acesso em 13 jan. 2014.

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Figura 17 : Corte transversal. Fonte: SPBR. DisponĂ­vel em < www.spbr.arq.br> . Acesso em 13 jan. 2014.

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Figura 18, 19, 20, 21, 22 e 23 : Imagens da Casa de Carapicuíba. Fonte: SPBR. Disponível em < www.spbr.arq.br>. Acesso em 13 jan. 2014.

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A Casa de Ubatuba a estrutura da beleza

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Estudo de Caso III - Casa de Ubatuba Projeto SPBR

O Projeto A Casa em Ubatuba, se libertou dos muros do condomínio fechado e se abriu à natureza costeira. O lote destinado à casa, de 55 m x 16 m, de frente para o mar, em um morro da Praia do Tenório, em Ubatuba, litoral norte paulista, apresentava questões muito peculiares. Além da topografia difícil com inclinação de 50%, alcançando o nível da rua 28 m acima, o terreno tinha o solo e sua vegetação de Mata Atlântica protegidos por legislação ambiental. Essas questões, segundo Angelo Bucci, determinaram a estratégia do projeto, de construir a casa aberta para o mar e suspensa, tocando o solo em apenas alguns pontos. Inteiramente construída com concreto armado, a estrutura da casa é composta por três gigantescos pilares, com diâmetros de 70 cm a um metro - únicos elementos que tocam o solo, que sustentam um conjunto de quatro vigas na cobertura. Nessas vigas foram penduradas, em tirantes, as lajes de pequena espessura dos

três volumes independentes que compõem a casa. A concretagem dos pilares, feita com fôrmas deslizantes, reduziu o uso de escoramento e minimizou o impacto ambiental. Com lajes delgadas e penduradas, e ainda arranjos variados de níveis, o projeto possibilitou a vista para o mar de todos os ambientes da casa. Destinado a atender as necessidades de um casal com filhos adultos, o programa foi organizado em três volumes independentes, cada um com dois pisos e cobertura. O bloco mais próximo da praia é ocupado pela suíte do casal (no piso mais baixo). No alto, a varanda-mirante permite acesso ao interior da casa, por escadas. Há uma diferença de meio nível entre a laje desse bloco frontal e a laje do bloco do meio, onde estão os dormitórios dos filhos na parte mais baixa, e o ambiente que reúne estar, jantar e cozinha, mais alto. O volume mais próximo da rua e da garagem é ocupado pelo apartamento de

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hóspedes e área de churrasqueira, separados por meio nível. Sob o piso da garagem e da piscina foram projetados espaços para depósitos e serviços. Executado na cota superior, o acesso pela rua se dá por uma passarela que se conecta ao terraço, com espelhos d’água, deck e piscina. Contornando essa área de lazer, chega-se, por escadas, à grande varandamirante de frente para o mar, e ao interior da casa. Uma das quatro vigas da cobertura constitui a piscina, apoiada num único pilar, e aberta em duas partes que formam um V. Concreto, madeira e vidro são os elementos básicos de fechamento da construção. O metal é usado apenas nos guarda-corpos e corrimões. Os ambientes internos foram protegidos do excesso de luminosidade por brises de madeira em painéis deslizantes. Grandes painéis de vidro temperado, sem caixilho, possibilitam a continuidade espacial e a vista para o mar. Em alguns ambientes, ao invés de vidro transparente, foi empregado vidro serigrafado branco, também sem caixilho. As paredes externas foram executadas com concreto e servem como travamento da própria estrutura. Nas paredes internas foram usados blocos de concreto convencional, pintados de branco. O piso da casa é totalmente revestido de pastilhas cerâmicas, de 2,5 cm x 2,5 cm.

O Ontem e o Hoje através da setorização O programa peculiar resultou na organização espacial muito particular desta casa, os clientes, um casal de paulistanos que estava se aposentando, e que durante toda a vida viajaram para Ubatuba, agora iriam construir uma casa para viver lá, mas de fim de semana deveria acomodar os filhos adultos e casados que viriam visitar; para os pais um lar, para os filhos uma casa de veraneio. A preocupação de Ângelo Bucci era que a casa não tivesse um clima melancólico, com os quartos dos filhos quase sempre vazios, então ele organizou o programa em três blocos, onde os quartos dos filhos ficassem mais reservados dos ambientes de uso cotidiano dos pais, para que assim quase nem fossem notados. Um pedido do casal foi de que gostariam que todos os quartos tivessem vista para o mar. Esta junção de fatores bastou para que a casa fosse pouco convencional, a cota mais alta e de acesso a casa é a área de lazer, um cartão de visitas com vista para o mar, abaixo, estão um mirante e churrasqueira, o jantar, estar e cozinha dividem o mesmo espaço, A cozinha como mostra o histórico da casa no Brasil sempre se agenciou em franco contato com o quintal e anexa à copa ou a sala de jantar, aqui não se mostra muito

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diferente. Este espaço do bloco central é nossa antiga varanda, com a sobreposição estar e serviço, onde se come, se cozinha, onde se permanece, um espaço quase aberto quase fechado, a transparência do vidro e as venezianas, contribuem para a sensação de dentro e fora em quase todos os espaços deste projeto, é a antiga varanda alpendrada. O Bloco próximo a rua com o quarto de hóspedes, garagem, depósito, serviços tem uma aproximação com a antiga edícula, onde ficavam as instalações sanitárias, lavanderia, depósitos, garagem, e quarto de empregada, que segundo Lemos podia ser encontrada desde a moradia mais modesta até a mais rica, e para ele se trata de uma solução eminentemente nacional, uma vez que não se encontra em outras terras construções à parte para abrigo de empregados, algumas vezes se depara com exemplares cujas garagens estão apartadas da residência, mas nunca dormitórios separados. Pensando desta forma a Casa de Ubatuba seria uma série de edículas, seguimentada em três blocos, cada um deles com dormitórios, ora dormitório e estar, outras dormitórios e serviços, no entanto sempre conectados através da circulação que ocasiona uma coesão aos blocos, gerando o corpo “’único” da residência.

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Figura 24: Planta de cobertura - nível 31.00. Fonte: SPBR. Disponível em <www.spbr.arq.br> . Acesso em 13 jan. 2014.

Figura 26: Planta quartos - níveis 24.00 / 24.80 / 25.80. Fonte: SPBR. Disponível em <www.spbr.arq.br>. Acesso em 13 jan. 2014.

Figura 25: Planta sala de estar - nível 27.2 / varanda nível 28.40. Fonte: SPBR. Disponível em <www.spbr. arq.br>. Acesso em 13 jan. 2014.

Figura 27: Implantação. Fonte: SPBR. Disponível em <www.spbr.arq.br>. Acesso em 13 jan. 2014

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Figura 28: Corte. Fonte: SPBR. DisponĂ­vel em <www.spbr.arq.br>. Acesso em 13 jan. 2014.

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Figura 29, 30, 31, 32, 33 e 34 : Imagens da Casa de Ubatuba. Fonte: SPBR. DisponĂ­vel em < www.spbr.arq.br> . Acesso em 13 jan. 2014.

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A Casa de Santa Tereza a perspectiva dos sonhos mais sonhados


Estudo de Caso IV - Casa de Santa Tereza Projeto SPBR

O Projeto “Quando vi o terreno tive um grande impacto”, conta o arquiteto Angelo Bucci, do escritório SPBR Arquitetos, localizada no bairro de Santa Tereza, Rio de Janeiro, RJ. “Subi numa árvore e fiquei entusiasmado com a beleza da paisagem do Rio”, lembra. Daquele momento em diante, apesar das dificuldades por causa das características do terreno, o projeto constituiu-se num grande desafio para Bucci. No fim, recebeu menção honrosa na 7ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, em 2007. A casa, de 500 m², foi construída em um terreno de 5 mil m² no topo de um morro com 25 metros de declividade. Na cota mais alta (27 m) fica a sala de estar, a mesma da copa da árvore que Bucci viu a vista pela primeira vez . É da sala que se desfruta as melhores vistas: ao norte, o centro da cidade, ao sul, para o Pão de Açúcar. “Tratava-se de uma oportunidade excepcional, a de ter uma casa toda esparramada no terreno”, relata o arquiteto.

A construção tem dois blocos lineares e perpendiculares entre si, dispostos em níveis diferentes: o dos ambientes de estar e o dos dormitórios e escritório. Ambos estão apoiados sobre pilotis com o propósito de destacar a independência da casa em relação ao terreno. O bloco mais alto, com a sala de estar, tem 15 m por 17 m; o inferior, dos quartos, 6 m por 24 m. A área sob o volume mais alto, na cota 24,5 m, é um espaço predominantemente livre, com piscina, churrasqueira, garagem e cozinha. A piscina está totalmente assentada no solo, mas se estende até a crista de um talude construído para consolidar a situação, originalmente precária, de um barranco com desnível de 5 m. O volume dos dormitórios (que abriga cinco suítes e um escritório) situa-se abaixo, em um platô existente no terreno, 18,5 m acima do nível da rua, constituindo um pátio contínuo no sentido leste-oeste. “Não fizemos movimentação de terra”, esclarece Bucci. Nesse mesmo nível, mas na porção sul do terreno e próximo de um talude, fica o escritório.

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Para proteger as faces leste e oeste dos dormitórios, o arquiteto criou um sistema corrediço de brises de madeira, acionados por controle remoto, similar aos utilizados em portões de garagem. Cada quarto é fechado por uma única folha de vidro e protegido por um único painel de brise. Assim, é possível deixar o quarto completamente aberto, transformando-se em terraços nas duas fachadas. As portas dos quartos são também de correr e, quando recolhidas na frente dos banheiros, deixam completamente vazados todos os ambientes. A insolação sobre as fachadas do bloco social foi mais fácil de controlar. A face norte é protegida com um beiral de 2,5 m e na sul há uma pequena varanda. As fachadas leste e oeste, sem uma vegetação que pudesse protegê-las e sem vistas privilegiadas para desfrutar, foram fechadas com uma parede dupla de concreto que, além de sua função estrutural, abriga lavabo e escada. “Esse é o truque: tudo junto e, ao mesmo tempo, separado”, diz Angelo Bucci. O bloco social conta com cinco apoios: dois em cada extremidade que estão semiocultos pelas empenas laterais, formando pórticos de 15 m de extensão, e um central, que recebe a carga do piso da sala. O bloco dos dormitórios conta com apenas três apoios, dispostos no eixo longitudinal; dois suportam o corpo dos dormitórios e um único o do escritório.

Apesar do tamanho da casa e da área do terreno, eu acho que ela só poderia ser feita para uma família muito desprendida”, diz o arquiteto. Prova disso está no fato de os proprietários terem se mudado para a casa antes da conclusão da obra. “Acho muito significativo porque, num primeiro olhar, pode parecer que eles se mudaram para uma situação precária, quando na verdade, é um claro indício de desprendimento”, conclui.

O Ontem e o Hoje através da setorização Na Casa de Santa Tereza o programa está esparramado no terreno, como costuma dizer Angelo Bucci, essa distribuição espacial gerou a centralização de uma área de serviço entre dormitórios e escritório, e a da cozinha entre dois terraços, arranjo pouco convencional, mas que parece funcionar muito bem, pois há um eixo de circulação vertical que liga todos os patamares. Essa organização segundo o arquiteto, foi devido a intenção de valorizar a vista do lote na cota onde está hoje a sala de estar, era a cota da copa da árvore onde ele avistou o Pão de Açúcar ao visitar o terreno pela primeira vez, se o programa fosse todo nesta cota, afirma Bucci, ele ficaria muito grande, não era a intenção, ainda mais em um terreno

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tão generoso, então ele distribui os quartos na cota mais baixa, e na intermediária a cozinha, você tem que dar conta do terreno, disse ele. O estar que também é jantar nesta cota privilegiada pode ser associado a varanda de outrora, sempre um grande cômodo, por tempos foi o centro das atenções, seria realmente o local de estar da família9. Aqui se mostra abundantemente iluminado e ventilado, mantendo uma relação com o entorno através da transparência dos fechamentos em vidro, que permiti a vista de quase todos os pontos da casa, sem divisões internas, tem seu espaço interior organizado pelo mobiliário, que revela os diferentes usos. Os dormitórios alinhados em sequência numa grande caixa, praticamente em todo sua extensão com dois corredores laterais, quase que permiti o acesso direto entre dois quartos, que num primeiro momento remetem as camarinhas, que estavam centralmente posicionadas na planta e em muitos casos eram peças de passagem forçada10. Mas neste caso tem sua privacidade, algo tão valorizado nas residências atuais, preservada por portas de entrada individuais.

Extraido do livro: LEMOS, Carlos A. C. Cozinhas, etc. São Paulo, Perspectiva, 1976. p. 134. Os novos mandamentos de higiene ordenavam que todos os cômodos tivessem aberturas para o exterior, os corredores externos foram descobertos, (as novas possibilidades técnicas como o uso da calha permitiu isso), o que a princípio causou muita confusão no planejamento , fazendo os quartos centrais serem peças de passagem forçada. LEMOS, Carlos A. C. Cozinhas, etc. São Paulo, Perspectiva, 1976. p. 134. 9

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Figura 35: Planta térreo - nível 120.00. Fonte: SPBR. Disponível em <www.spbr.arq.br>. Acesso em 13 jan. 2014.

Figura 37: planta cozinha / terraço / piscina - nível 126.00. Fonte: SPBR. Disponível em <www.spbr.arq. br>. Acesso em 13 jan. 2014.

Figura 36: Planta quartos / serviços / escritório - nível 122.50. Fonte: SPBR. Disponível em <www.spbr.arq. br>. Acesso em 13 jan. 2014.

Figura 38: planta sala de estar - nível 128.60. Fonte: SPBR. Disponível em <www.spbr.arq.br>. Acesso em 13 jan. 2014.

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Figura 39: Corte Longitudinal. Fonte: SPBR. Disponível em <www.spbr.arq.br>. Acesso em 13 jan. 2014.

Figura 40: Corte Longitudinal. Fonte: SPBR. Disponível em <www.spbr.arq.br>. Acesso em 13 jan. 2014.

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Figura 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47 e 48 Imagens da Casa de Santa Tereza : Corte Longitudinal. Fonte: SPBR. DisponĂ­vel em < www.spbr.arq.br> . Acesso em 13 jan. 2014.

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O Apartamento a casa empilhada


Segundo Lemos podemos dividir a evolução do apartamento em três momentos, o primeiro, pioneiro que vai de 1925 até a Segunda Guerra, o segundo, entre 1945 até meados dos anos 70, e o terceiro, vem dessa época até os dias atuais.

na região central do chamado “triângulo histórico”, formado pelas ruas São Bento, XV de Novembro e Direita, contando, em geral, com dois ou três pisos além do térreo. Alguns deles já compunham a paisagem nos anos 1910, em meio ao casario colonial.

A primeira realização é de que o apartamento entrou na vida brasileira por meio da aceitação da classe média, depois foi a classe abastada. Inicialmente por volta de 1925, os edifícios eram apenas de escritórios, depois passaram a ser mistos, com lojas embaixo e dois ou três andares de residências acima, no fim da década já era comum prédios de diversos andares ,acessíveis não só por escadas, mas agora por elevadores. Os primeiros edifícios de apartamentos tiveram suas plantas norteadas pela idéia de empilhar várias casas em um mesmo terreno, todas iguais, mas confortáveis e isentas de promiscuidades que pudessem sugerir qualquer assimilação com os cortiços.

Esses primeiros pequenos edifícios estavam inseridos em lotes coloniais estreitos e profundos, e as referências para a solução das plantas de suas unidades vinham das casas térreas ou assobradadas, reproduzindo o agenciamento colonial bipartido, que separava a casa em duas grandes zonas: pública e privada. Uma das consequências era, certamente, o confinamento de “abafadas cozinhas e hábitos culinários tradicionais de longas horas de cozimento em quintais abertos e enfumaçados“ (TRAMONTANO, 2006, p. 68).

Os primeiros exemplares de edifícios de apartamentos construídos na cidade de São Paulo parecem ter sido realizados

A interferência da formação física da cidade colonial sobre o edifício de apartamento era clara. A própria legislação utilizada na construção dos primeiros prédios era antiquada. Eram implantados nos limites do lote, tanto frontal como laterais, alinhando, a construção à calçada

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e às construções vizinhas. A geometria do terreno padrão, a legislação construtiva, e as novas solicitações espaciais e de uso, como escadas e corredores internos contribuíram para soluções espaciais muito particulares. Carlos Lemos descreve o aspecto físico e os usos da habitação colonial: Casa assoalhada, de corredor central e, para cada lado desse eixo de simetria, as salas de receber na frente da construção. Atrás, a varanda ocupando toda a largura do terreno. No centro, no miolo, embaixo da cumeeira, a bateria de alcovas – algumas deitando portas para as salas de visitas, as outras comunicando-se com a varanda, onde se vivia (...) telhados só de duas águas, despejando a chuva escorrida para os fundos e para a rua (LEMOS, 1985, p. 124).

Alguns dos primeiros projetos apresentam esse princípio para a solução da planta da unidade. Ao comparar as plantas de um sobrado colonial com outro projeto de um apartamento projetado por Samuel das Neves na rua Florêncio de Abreu na década de 1910, percebem-se várias semelhanças. No edifício, os cômodos dos quartos estão centralizados: um abrindo para o vestíbulo que leva à sala de visitas na parte da frente, e outro dando para o corredor que leva à sala de jantar, no fundo. A ventilação, que na casa térrea é assegurada apenas nas fachadas frontal e posterior, nesse caso pelo quintal, é proposta no apartamento pela inserção de pátios de ventilação. Graças a eles, o apartamento não tem alcovas abafadas, como descreve Lemos

para as casas, o que constitui, talvez sua principal diferença. A massa construída não é significativamente maior do que de várias casas no centro da cidade, sobrados ou com três pavimentos. No caso dos edifícios são três pavimentos – térreo mais dois andares. Do ponto de vista construtivo e da solução espacial da planta, portanto, não houve grandes modificações. A diferença é que, agora, famílias diferentes passaram a habitar a mesma edificação, apesar de, na paisagem, o prédio ainda parecer-se com as casas vizinhas, assobradadas. Em outro projeto, do edifício Luiz de Rezende Puech, projetado por Ramos de Azevedo em 1921, apesar da largura dobrada do terreno, a solução da planta colonial foi mantida – sugerindo que ela seria, talvez, uma tendência à época, implantada em qualquer situação, independendo da posição ou dimensão do lote. Os dormitórios continuam centralizados, separando as instâncias pública e privada da residência. São duas unidades por andar, com projetos iguais. Nota-se que o programa habitacional já apresentava influências estrangeiras, com a inserção de ambientes denominados “copa”, “toilette” e “w.c.”. Apesar disso, a disposição dos cômodos ainda é praticamente a mesma da planta colonial. O térreo do edifício era ocupado por dois armazéns comerciais, inclusive dotados com escritórios e banheiros particulares. A entrada para as residenciais era separada da entrada para as lojas.

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Figura 51: planta edifício Luiz de Resende Puech, projetado por Ramos de Azevedo em 1921 na rua Florêncio de Abreu (fonte: arquivo FAU-USP. In: banco de dados de APARTAMENTOS – Nomads.usp)

Figura 49: plantas, elevação e perspectiva de habitação colonial (fonte; HOMEM, 1996 apud ANITELLI, 2010)t

Figura 50: planta de edifício de apartamentos na rua Florêncio de Abreu, projeto de Samuel das Neves da década de 1910 (fonte: arquivo FAU-USP. In: banco de dados de APARTAMENTOS – Nomads.usp)t

Nos anos 1920, algumas plantas já apresentavam inovações que alteravam a disposição dos ambientes e usos da habitação. Villa (2002) apud ANITELLI (2010) indica algumas ocorrências que ajudaram na modernização dos hábitos no cotidiano das residências, por causa da intensificação do contato brasileiro com a Europa: técnicas construtivas novas, como por exemplo o sistema construtivo de tijolos substituindo as paredes de taipa; a importação de novos materiais de construção; a chegada a São Paulo de uma diversidade de profissionais liberais qualificados, entre eles engenheiros e arquitetos europeus ou com formação europeia que vieram e passaram a edificar à maneira europeia; e a imigração de uma massa de trabalhadores que constituíram

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boa parte da mão-de-obra utilizada na construção civil. Lemos (1976) afirma que morar em edifícios não era bem visto pela sociedade em geral e que a pequena burguesia se submetia a “degradação“ da habitação coletiva porque ela estava bem situada, próxima dos locais de trabalho. Realmente, os primeiros edifícios ocuparam a região do Triângulo, seguido de alguns nas imediações da avenida São João e da rua Barão de Itapetininga, passando por áreas próximas como Santa Cecília, chegando à praça da República. Depois disso, é considerável o número de edifícios construídos no bairro de Higienópolis, até as proximidades da avenida Paulista. Portanto, boa parte dos edifícios na primeira metade do século XX foi construída entre o centro tradicional – Triângulo e distrito da Sé – e a região da avenida Paulista, além de se localizarem em algumas avenidas radiais como a São João, avançando por bairros mais afastados. É curioso notar a proximidade entre edifícios com apartamentos destinados a públicos diferentes ficavam próximos: edifícios com unidades do tipo kitchenettes, com um, dois, três ou quatro dormitórios estavam as vezes no mesmo bairro ou na mesma rua - muitas vezes, num mesmo edifício. Essa geografia permitiu que pessoas de perfís sociais diferentes convivessem na mesma região da cidade.

distingui-los dos cortiços e das casas de cômodos. Havia o preconceito, e o edifício coletivo de apartamentos era o mesmo que “casa mal frequentada”. Foi preciso alardear que apartamento era casa de família, casa de respeito. Por isso, aumentaram o números dos cômodos: o aparecimento da copa entre a cozinha e a sala de jantar, a distinção entre sala de visitas e a de jantar, acomodações para a criadagem. Foi talvez como um meio de melhorar a imagem dessas habitações, diz Queiroz (2009) apud Anitelli (2010), que se adotou a organização de interior dos apartamentos de acordo com o modelo francês, substituindo a solução de planta colonial. Quanto à fachada, os estilos arquitetônicos faziam referência ao “gosto francês”, levando “de roldão os estilos dos Luíses.“ (LEMOS, 1976) Vários dos projetos nos anos 1920 tinham grande ornamentação na fachada, quase sempre em estilo acadêmico, neoclássico. Muitos dos elementos construtivos decorativos usados na entrada do edifício, na moldura de janelas ou mesmo na platibanda eram peças industrializadas, produzidas em série e importadas.

Sendo os edifícios destinados às classes médias, seus promotores começaram a oferecer mais conforto, procurando

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Microcosmo percorrido por sinuosidades e fronteiras onde se defrontam o público e o privado, homens e mulheres, pais e filhos, patrões e empregados, família e indivíduos. A distribuição e o uso dos cômodos, escadas e corredores de circulação das pessoas e coisas, locais de descanso, para cuidados e prazeres do corpo e da alma, tudo obedece à preocupação para consigo (PERROT, 1991, p. 325).

Figura 52: foto do palacete Riachuelo, projetado por Luis Asson em 1925 na rua Dr. Luis Falcão esquina rua José Bonifácio (fonte: google, acessado em 07 de dezembro de 2013).

No Brasil, a introdução dessa habitação burguesa de matriz europeia e, particularmente, francesa, mudou a forma como muitas pessoas usavam suas casas. No parágrafo abaixo será descrito o ambiente desse novo espaço doméstico, Perrot afirma que nela tinham lugar as coisas íntimas, um lugar para lutas internas,

Podem-se observar as características no funcionamento e nos dispositivos espaciais da habitação abaixo, destinada a burguesia francesa do século XIX. Quando a autora descreve a separação do público e do privado, por exemplo, nota-se claramente o agrupamento das salas junto à fachada principal do edifício, e dos quartos – também agrupados – isolados do resto da casa e acessados através da galerie. Do outro lado do pátio interno de iluminação, encontramse as instalações de serviços: a cozinha e as acomodações dos empregados. O conjunto dessas funções, separadas de maneira estanque, formam as três zonas que compõem o espaço da casa: a social, a íntima e a de serviços. Mais à frente, a autora fala em diferenciação de homens e mulheres, pais e filhos. Percebe-se com frequência nessas plantas a presença de um boudoir para uso das mulheres, ou de uma biblioteca, frequentada pelos homens da casa e seus convidados. Também nos dormitórios, vêem-se vários quartos distintos. Patrões e empregados tinham seus acessos demarcados na casa: nessa planta, existem duas entradas – uma social,

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para a família e seus convidados e outra para os serviçais, localizada na zona de serviço. Gerrand diz que esse tipo de moradia ofereceu uma racionalidade que por muito tempo não foi igualada, compreendendo obrigatoriamente “um espaço público de representação, um espaço privado para a intimidade familiar e espaços de rejeição. Desde a entrada, a antecâmara, destinada à distribuição, impõe-se como um filtro que não se pode ultrapassar sem convite.” (GUERRAND, 1991, p. 332 apud ANITELLI, 2010, p. 148)

No Brasil, Lemos afirma que esse planejamento tripartido – elitista e avesso a circulações e atividades superpostas – vingou “nos hábitos da alta sociedade” (LEMOS, 1989, p. 14), e que aos poucos influenciou grande parte das moradias da classe média. Ele diz que o hall de entrada gerava circulações independentes, permitindo que se fosse de uma zona à outra sem cruzar uma terceira. O autor ainda fala do aparecimento de cômodos novos, como o quarto da criada ao lado da cozinha e a copa, esboçando agora um zoneamento moderno das funções, que implicava “novidades como a sala da senhora, o jardim de inverno, a sala de bilhares, o gabinete.” Em outro texto, Lemos afirma que essa compartimentação também aparecia nos apartamentos da época: ... [nos] apartamentos de classe média, é de bomtom, ou sinal de status que o programa sugira acomodações que satisfaçam isoladamente, cada uma por si, todas as funções da habitação. A marca da boa situação social é a casa com menor superposição possível de funções. Daí o grande rol de dependências nos programas e anúncios de moradas pretensiosas na intenção e mesquinhas, quase sempre, na execução. Daí a lista de cubículos, que caracterizam funções, que separam atividades, que diferenciam moradores (LEMOS, 1976, p. 18).

Figura 53: planta de habitação burguesa francesa, século XIX (fonte: VILLA, 2002 apud ANITELLI, (2010)

A arquiteta Lílian Vaz, estudando a evolução das habitações coletivas na cidade do Rio de Janeiro, apresenta um anúncio de jornal, um reclame publicitário do Correio da Manhã de 30 de novembro de 1930. Através dele, é possível perceber a

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importância dada à separação das funções dentro do apartamento e à quantidade de cômodos existentes: “são verdadeiras casas por sua independência e divisão. Têm ambiente distinto, vestíbulos, halls, etc. Têm 2 quartos, 1 sala independente, 1 saleta, wc, banho, cozinha, copa, varanda.“ (VAZ, 2002, p. 201 apud ANITELLI, 2010, p. 150). Villa deduz que, como os empreendedores construíam os edifícios visando o lucro, é possível afirmar que o melhor investimento era, portanto, a construção de prédios “bem aceitos pela sociedade da época, que ainda primavam pelas tais referências [burguesas] europeias de habitar“ (VILLA, 2002, p. 165 apud ANITELLI, 2010, p. 150).

peças de concreto possivelmente importadas da Europa. A casa, modernizando-se através da instalação e uso desses novos produtos industrializados, tinha a capacidade de proporcionar novos hábitos cotidianos e domésticos e, com isso, mudar os modos de vida. Apesar de profundas alterações de ordem estética, construtiva e de usos ocorridas a partir dos anos 1930, introduzida por arquitetos de filiação modernista, essa tripartição e a estanqueidade funcional que ela pressupõe “permanecerão praticamente intocadas na habitação brasileira até os dias de hoje.“ (TRAMONTANO, 2006, p. 69 apud ANITELLI, 2010, p. 150). Queiroz e Tramontano sistematizam e listam as características dessa habitação, que com o tempo se tornou modelo padronizado de organização da planta, e que pode ser encontrado em inúmeros exemplares em todas as décadas subsequentes, como no projeto do edifício Columbus, projetado por Rino Levi em 1930. São elas:

Tramontano conclui que essa habitação, consolidada na Belle Époque francesa, e que visava espelhar e estimular os hábitos da sociedade burguesa foi “difundida mundo afora na esteira da ampliação de mercados aos produtos europeus na segunda metade do século 19” (TRAMONTANO, 2006, p. 69). Era preciso, portanto, que ambientes como a cozinha modernizassem seus ambientes para a utilização de utensílios e equipamentos domésticos industrializados; que fossem demarcados determinando usos nos cômodos sociais, para que pudessem ser decorados com papéis de parede, mobília, tapetes e cortinas importadas; que fossem criados espaços novos, como o w.c. ou o toilette, para que na casa pudessem ser instaladas as peças de louça e de aço, e as instalações hidráulicas; que a ornamentação das paredes externas fosse rica, cheia de

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1. A divisão da planta em cômodos, como estratégia de organização de usos; 2. A estanqueidade funcional de espaços, com a vinculação de atividades a cômodos determinados; 3. A existência de uma relação de hierarquia entre os espaços; 4. A tripartição da habitação com o agrupamento de cômodos em zonas Social, Íntima, e de Serviços; 5. A articulação dos cômodos por meio de corredores e dispositivos de circulação; 6. A existência de uma relação de hierarquia também entre circulações, separadas para o uso de patrões e empregados, inclusive no âmbito coletivo do edifício (TRAMONTANO; QUEIROZ, 2009, p. 25).

Figura 54: planta e foto do edifício Columbus, projetado por Rino Levi em 1930 na avenida Brigadeiro Luis Antônio. (fonte: google, 06 de dezembro 2013.)

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O Apartamento Modernista quase um modelo


São edifícios projetados, principalmente nos anos 1940 e 1950, que propunham novos agenciamentos espaciais e de uso do edifício. Provavelmente, eles são menos numerosos e talvez não representem a maioria do que foi construído mas que, por outro lado, acabaram sendo considerados paradigmáticos por estudiosos da arquitetura paulistana, como o Esther, o Prudência, o Copan, entre outros. Eles apresentam soluções que posteriormente, principalmente após 1964, foram sistematicamente suprimidas. Algumas dessas características serão relatadas a seguir, e podem ser exemplificadas através dos seguintes tópicos: - grandes janelas para a iluminação e ventilação dos ambientes. Caixilhos que ocupavam toda a extensão horizontal do apartamento, em alguns casos ocupando toda a altura do pavimento entre lajes. Existem projetos em que as janelas se transformam em elemento estético da própria fachada do edifício; - edifícios em que existe grande diversidade de usos propostos. Em alguns pavimentos térreos são previstos lojas comerciais, escritórios e consultórios de prestadores de serviço, e também certos equipamentos com atividades culturais,

como teatros e cinemas. A instância de transição entre o espaço público da rua e o privado das habitações localiza-se nessa parte do edifício com atividades comerciais; - edifícios com unidades habitacionais com certa diversidade nos programas habitacionais, gerando apartamentos que, supostamente, seriam ocupados por famílias de grupos sociais diferentes. Alguns têm moradias com três ou quatro dormitórios e duas ou três salas ao lado de unidades menores, com apenas um dormitório; - apartamentos com grandes áreas dos cômodos. Ao se comparar as áreas de apartamentos dos anos 1970 com os dos anos 1940 e 1950, percebe-se que houve substancial perda nas áreas gerais da moradia; - formais de implantação diferenciada dos edifícios, com a criação de ambientes que enriquecem a relação do edifício com o entorno. Alguns têm praças, caminhos de circulação de pedestres, bancos, etc., tudo em meio a um jardim com tratamento paisagístico apurado. Essas características, que compunham o repertório de vários projetos encontrados até os anos 1950, praticamente desaparecem a partir dos anos 1960. A partir disso, o projeto se padroniza.

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A partir dos anos 1940 a arquitetura modernista popularizou-se em São Paulo. Os arquitetos que participaram dessa renovação trouxeram várias inovações para o edifício. Eram propostas que ampliavam as possibilidades técnicas e plásticas, além de incorporar soluções que alteravam a forma burguesa de morar. São propostas espaciais que, eventualmente, sugerem outros usos, e uma forma diferente de agenciar as funções e atividades dentro da moradia. - unidade habitacional: alguns arquitetos aproveitaram melhor as possibilidades projetuais da separação entre estrutura e vedação. Já existiam edifícios altos com estrutura independente da vedação desde os anos 1910, realizados por arquitetos que não tinham filiação modernista. Apesar dessas modificações no sistema construtivo e utilização de novos materiais de construção, que denotam um saber construtivo muito acima da média das edificações construídas na cidade até fins de século XIX, eles não apresentavam novidades em planta, baseando-se nas plantas colonial ou burguesa. Portanto, a nova solução estrutural, ao menos nessa época e nesses projetos, não trouxe benefícios para novos usos da planta. Já existia um esboço de rigor construtivo em alguns desses projetos, como em edifício (1937) de propriedade de André Matarazzo na rua da Consolação, projetado pelo Escritório Técnico Ramos de Azevedo, Severo &Villares. Na fachada leste dos nove pavimentos desse edifício a modulação da estrutura determina a disposição dos

cômodos. Como resultado, os ambientes da sala de jantar, sala de estar e dormitório tem as mesmas dimensões. Quando os arquitetos modernos começaram a projetar edifícios de apartamentos nos anos 1930, e principalmente a partir dos anos 1940, a técnica do concreto armado como estrutura de edificações em altura já estava consolidada na cidade.

Figura 55: planta e detalhe de unidade habitacional de edifício de propriedade de Paulo Maluf, projetado por Chistiano das Neves em 1926 na rua Florêncio de Abreu (fonte: arquivo FAU-USP. In: banco de dados de APARTAMENTOS – Nomads.usp).

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A novidade estava na forma de organização da planta. Alguns projetos, como o do edifício Esther de propriedade da Usina Esther (1935) na avenida Ipiranga, projetado por Álvaro Vital Brazil, tinham suas paredes independente dos pilares, com alguns deles aparecendo no espaço vazio fora da parede. A planta poderia ser organizada de acordo com a necessidade de uso, e não mais necessariamente como consequência do limite estrutural. Além disso, permitia a adequação da unidade em função da demanda da família, como o edifício Prudência (1944) de propriedade da empresa Prudência Capitalização na avenida Higienópolis, projetado por Rino Levi. Nesse projeto, a planta era parcialmente livre e aberta para diferentes disposições. Enquanto a área “úmida” da habitação era fixa na parte posterior do edifício, quartos e salas podiam ter seus lugares trocados ou suas áreas alteradas, de acordo com as necessidades da família. Infelizmente, projetos que aproveitam as possibilidades de organização do espaço através da planta livre para alterar a configuração da habitação burguesa foram minoria. Mesmo nos projetos em que a intenção era potencializar as possibilidades de planta através de sua distinção das paredes de fechamento, encontram-se reminiscências da habitação burguesa.

dos ambientes propostos é a tradicional: sempre uma sala de estar junto a entrada social (outra referência burguesa) e ao hall, conjugada com uma sala de jantar (que em algumas opções tem entre elas passagem centralizada, como na planta burguesa), este ambiente ligado à cozinha (outro indício da tripartição) e às instalações de empregados e a entrada de serviço (como no apartamento burguês francês do século XIX). Somente depois desses ambientes é que se chega aos dormitórios e à sala íntima ou escritório.

Figura 56 e 57: detalhe de planta e foto do edifício Prudência, projetado por Rino Levi em 1944 na avenida Higienópolis (fonte planta: revista Acrópole. In: banco de dados de APARTAMENTOS – Nomads. usp, foto: tirada pelo autor, maio-2009)

Nos desenhos que Levi faz para a área social da unidade (a própria demarcação de tal área já mostra a referência) a sequência

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As aberturas de janelas também aumentaram de tamanho, e com isso os ambientes ficaram melhor iluminados. Esse é o caso do próprio edifício Prudência, ou do edifício Lausanne (1953), projetado por Franz Heep na avenida Higienópolis. Além da melhora na iluminação e na ventilação, os moradores poderiam se beneficiar de vistas panorâmicas para a cidade

Figura 58 ,59 e 60: detalhe da zona social planta do edifício Prudência, projetado por Rino Levi em 1944 na avenida Higienópolis (fonte: revista Acrópole. In: banco de dados de APARTAMENTOS – Nomads.usp)

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Figura 61: fotos do edifício Lausanne, projetado por Franz Heep em 1953 na avenida Higienópolis (externa: tirada pelo autor, dezembro-2008; interior – revista Acrópole. In: banco de dados de APARTAMENTOS – Nomads.usp)

andar-pavimento: a implantação de quatro unidades habitacionais por andar em pavimento com planta quadrada e circulação centralizada é comum nos prédios de hoje. Seus primeiros exemplares datam dos anos 1930, e foram realizados por Rino Levi: o edifício Columbus (1930) de propriedade de Lamberto Ramenzoni na avenida Brigadeiro Luiz Antônio; o edifício Higienópolis (1935) de propriedade de Miguel Lamgone na rua Conselheiro Brotero; e um edifício (1939) construído na rua Conselheiro Furtado. Antes desses, os prédios eram menores – seu volume, em área construída e em altura - e ocupavam lotes estreitos e profundos; ou ficavam em esquinas, em terrenos com geometria irregular.

Até os anos 1960, a solução de quatro unidades por andar com circulação central ainda era minoria, e muitos deles projetados por arquitetos modernistas, como, por exemplo, o edifício (1948) de propriedade da Companhia Seguradora Brasileira, no bairro da Liberdade, do próprio Rino Levi; de um edifício projetado por Plínio Croce e Roberto Aflalo (1951), no Conjunto Ana Rosa na Vila Mariana; ou de um edifício (1961) projetado por Eduardo Kneese de Mello, na rua Iguatemi. Essas soluções espaciais davam maior racionalidade para as plantas dos andares de edifícios da época. O edifício Higienópolis, por exemplo, agrupava todos os ambientes que utilizavam instalações hidráulicas no centro

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do edifício, junto às circulações: corredores, elevadores e escada. A contiguidade de cozinhas, terraços com áreas de serviço e banheiros dos quatro apartamentos permite uma economia construtiva e financeira para a obra. Tal fórmula permite que as unidades habitacionais sejam reproduzidas simetricamente em ambos os lados do edifício e centraliza a alimentação e evacuação de águas e esgotos e a conexão às redes públicas. A partir dos anos 1970, essa proposta de implantação das unidades se torna comum e é modelo de referência para a implantação das unidades no terreno.

Figura 62: planta e foto do edifício Higienópolis, projetado por Rino Levi em 1935 na rua Conselheiro Brotero (fonte planta: arquivo FAU-USP. In: banco de dados de APARTAMENTOS – Nomads.usp; fonte foto: tirada pelo autor, maio-2009)

A inicial racionalidade proposta foi transformada pelos promotores imobiliários em garantia de maiores lucros: independentemente da forma do terreno, se ele é pequeno ou grande, largo ou estreito, ou mesmo sobre as limitações da topografia, na grande maioria dos casos os edifícios são implantados dessa forma. As plantas dos próximos quatro edifícios abaixo têm a solução descrita, com quatro unidades habitacionais e circulação centralizada.

Figura 63: planta do edifício de propriedade da Companhia Seguradora Brasileira, projetado por Rino Levi em 1948 no bairro da Liberdade (fonte: revista Acrópole. In: banco de dados de APARTAMENTOS – Nomads.usp)

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Figura 64: planta de um dos edifícios do Jardim Ana Rosa, projetado por Plínio Croce e Roberto Aflalo em 1951 na vila Mariana (fonte: revista Acrópole. In: banco de dados de APARTAMENTOS – Nomads.usp)

áreas comuns: Os edifícios examinados exibem várias formas de tratamento da transição da esfera pública para a privada, ao longo do tempo. Os primeiros edifícios tinham estabelecimentos comerciais no andar térreo, com portas voltadas diretamente para a rua e as entradas – comerciais e residencial – separadas. Alguns desses edifícios formavam galerias com alguma diversidade de lojas e prestadores de serviço, servindo aos moradores e a própria cidade. A entrada já era única: pela galeria tinha-se acesso ao comércio e também à bateria de elevadores que levava aos andares habitados. São os casos de edifícios como o Copan, projetado por Oscar Niemeyer em 1951 na avenida Ipiranga; o Racy, projetado por Waldomiro Zarzur e Aron Kogan em 1955 na avenida São João; e o Guatemala, projetado por Francisco Beck em 1955 na avenida Nove de Julho.

Figura 65: planta de edifício projetado por Eduardo Kneese de Mello em 1961 na rua Iguatemo (fonte: revista Acrópole. In: banco de dados de APARTAMENTOS – Nomads.usp)

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Posteriormente, a massa edificada do edifício se afastou um pouco dos limites do lote e a diversidade de usos diminuiu. Apesar disso, a integração do edifício com a cidade continuou,apesar de estabelecer-se de outra forma: através de edifícios com pilotis. A ambiência das áreas do térreo se integrava à da rua. Existem muitos exemplos nos anos 1940 e 1950 em que a forma de implantação dos edifícios no terreno enriquece a relação com o entorno. Muito desses projetos não previam muros isolando a construção da rua. Figura 66: fotos do edifício Guatemala, projetado por Francisco Beck em 1955 na avenida Nove de Julho (fonte: ANITELLI, 2010).

Figura 67 e 68: planta do andar térreo (algumas atividades propostas na planta não foram construídas) e foto do edifício Racy, projetado em 1955 por Waldomiro Zarzur e Aron Kogan na avenida São João (fonte planta: revista Habitat. In: banco de dados de APARTAMENTOS – Nomads.usp; foto: tirada pelo autor – dezembro-2008)

No térreo, embaixo nos pilotis ou nas laterais do prédio havia caminhos e ambientes com tratamento paisagístico apurado, sugerindo que transeuntes pudessem usar os espaços. Em alguns casos, de acordo com a sensibilidade dos arquitetos, essas propostas de integração encontraram sutilezas formais e estéticas que mudaram completamente as características do entorno. Esse parece ser o caso do edifício Louveira (1946) projetado por Vilanova Artigas, que concebeu um espaço aberto arborizado entre os dois edifícios, relacionando-os com a praça Vilaboim em frente; e dos edifícios Lugano e Locarno (1962), projetado por Franz Heep, que previu uma praça interna interligando os edifícios à rua. Hoje, talvez por motivos de segurança, foi instalada uma grade na frente, isolando a praça para uso restrito dos moradores.

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Posteriormente, o uso de térreos ajardinados sob pilotis se popularizou, em muitos projetos de apartamentos localizados nas áreas mais centrais da cidade, como Higienópolis, onde verificase grande quantidade desses prédios datados das décadas de 1940 e 1950. Talvez da mesma forma que aconteceu com a disseminação do uso de grandes janelas ocupando toda a extensão dos ambientes, essa integração associa-se igualmente às particularidades estéticas do edifício, tanto quanto uma condicionante de uso. O uso de pilotis em edifícios de apartamentos vulgarizou-se, independentemente das melhoras ambientais que ele efetivamente proporcionasse.

Essas formas de integração do edifício com o entorno urbano compõem, aparentemente, grande parte dos projetos dos edifícios na primeira metade do século XX. A partir dos anos 1970, começou a popularizar-se a construção de condomínios verticais fechados. Esses edifícios, que ocupam por vezes grandes áreas na mancha urbana, tanto individualmente quando agrupados em regiões de alguns bairros, se isolam da cidade e as relações físico-territoriais e sociais são abruptamente cortadas. Esses equipamentos coletivos, além disso, resultariam da diminuição sistemática da área interna das habitações à medida que certas atividades iam sendo transpostas para fora da moradia.

Figura 69 e 70: fotos do edifício Louveira, projetado por Vilanova Artigas em 1946 na rua Piauí (fonte: google, acessadas em 07 de dezembro de 2013).

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O Apartamento ap贸s 1960 a procura de ser

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Tramontano (2006, p. 69) afirma que atualmente o modelo de planta com características da habitação burguesa europeia do século XIX está difundido por todo o país. Um levantamento realizado em 2008 confirma, inicialmente, a hipótese de que os projetos dos apartamentos seriam semelhantes em diversas regiões geopolíticas brasileiras. Nos apartamentos paulistanos, o uso dessas plantas tornou-se mais frequente a partir dos anos 1930, a adoção dessa solução se intensificou nos anos 1940 e se tornou recorrente nos anos 1950 e 1960. Na década de 1970, esse modelo de planta estava completamente consolidado, apresentando-se talvez como o mais rentável e seguro programa para os incorporadores da cidade. Esse apartamento, que trazia um programa reduzido da planta tripartida “se repetirá infinitamente no cenário imobiliário paulistano nos anos 1970.” (VILLA, 2002, p. 204 apud ANITELLI, 2010, p. 164). Sobre os apartamentos dos anos 1970, Lemos afirma que as salas eram minúsculas, os quartos de empregados eram quase

tão pequenos quanto armários e que em kitchenettes mal havia espaço para o preparo dos alimentos para as refeições. O autor coloca que como o objetivo dos produtores era o máximo aproveitamento do terreno, o resultado era o mínimo de conforto. Encontramos apartamentos nos anos 1930 cuja área total era pequena, apesar de cômodos relativamente grandes: poucos ambientes, mas espaçosos. Já nos anos 1940 e 1950 surgem vários pequenos apartamentos kitchenettes, mas que provavelmente, levando em consideração o seu desenho, eram ocupados por grupos familiares pequenos ou por pessoas sozinhas. Portanto, a metragem média disponível por pessoa não devia ser tão reduzida. A diferença é que, a partir dos anos 1960 e 1970, apartamentos com dois ou três dormitórios, mais uma ou duas salas, cozinha, área de serviço ocupam espaços cada vez menores. São programas habitacionais que por vezes propõem muitas atividades, mas que, entretanto, são distribuídas por minúsculos cômodos monofuncionais. Através da

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leitura dos apartamentos paulistanos contemporâneos realizada por Tramontano (2006), colocando a dificuldade de uso de ambientes com áreas diminutas, nota-se como as áreas foram reduzidas: a cozinha ficou cada vez menor, limitando-se, via de regra, a uma parede equipada, um corredor que liga o hall de entrada à área de serviço; os banheiros diminuíram ao limite possível. Seja qual for o preço ou a qual classe social a que se destine, eles são dimensionados na medida exata dos equipamentos que abrigam; dormitórios cada vez menores, mas que, em contrapartida, abrigam mesas de trabalho, armários, racks, estantes, televisores, aparelhos de som, computadores, etc. No edifício abaixo, percebemos as recorrências mencionadas por Tramontano, esse projeto do edifício New Hampton, tem características de planta praticamente idênticas a grande maioria de plantas dos anos 1970, 1980, 1990 e 2000. Além da planta da unidade, uma solução do edifício também se repete em muitos outros: a de implantar no pavimento-tipo quatro unidades habitacionais com uma circulação vertical centralizada.

Figura 71 e 72: planta e imagem do edifício New Hampton, incorporado pela Ditolvo em 1999 na rua Alcantarila (fonte: revista Veja. In: banco de dados de APARTAMENTOS – Nomads.usp).

De acordo com Anitelli (2010) a maioria dos bons projetos encontrados data dos anos 1940 e 1950. É nessas décadas que existe a maior concentração de soluções alternativas ao tradicional modelo de planta burguês, introduzido já nos anos 1920 e que ainda constitui a opção em grande parte dos apartamentos construídos nos dias de hoje. São projetos que alteram, além da tripartição espacial, a hierarquia e a disposição dos cômodos, a relação entre os ambientes, as atividades no interior do edifício, as circulações internas e externas à unidade habitacional, diversidade de programas habitacionais, técnicas e materiais de construção utilizados, a implantação do edifício no terreno, a relação do objeto construído com o entorno, etc..

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A própria popularização de conceitos da arquitetura modernista e a sua adoção também contribuíram para a renovação das qualidades estéticas e de uso dos edifícios. Nesse contexto, as referências de projeto, ao que parece, eram quase sempre incorporadas a partir de idéias trazidas pelos próprios arquitetos. E que depois de introduzidas, essas soluções passavam a integrar o vocabulário arquitetônico dos edifícios da cidade. São vários os exemplos: o cuidadoso detalhamento do funcionamento das janelas nos projetos de Franz Heep, e a sua integração com as lajes, dando motivos estéticos para as aberturas de insolação e ventilação. Essa solução foi largamente utilizada no bairro paulistano de Higienópolis, um dos principais locais de construção de edifícios em meados do século XX; a forma de implantação de quatro unidades habitacionais no pavimento projetada por Rino Levi, com circulação vertical e horizontal centralizada. Nos anos 1930 os únicos projetos encontrados com essa solução eram do arquiteto. Posteriormente, a partir dos anos 1970, praticamente todos os projetos utilizam-na; grandes projetos que misturam atividades comerciais e de serviços às habitações, gerando grande diversidade de usos nos primeiros andares. Esse é o caso do edifício Copan, projetado por Niemeyer e vários outros subseqüentes, como o edifício Racy projetado por Aron Kogan e Waldomiro Zarzur e o edifício

Guatemala projetado por Francisco Beck se comparar esses projetos com os de décadas posteriores, principalmente após 1964, nota-se que as soluções de plantas com a estrutura da planta burguesa se mantiveram, acentuando-a cada vez mais. A partir dos anos 1970, são raríssimas as plantas que têm dispositivos espaciais diferentes. (ANITELLI, 2010). Por outro lado, propostas inovadoras, como as inúmeras encontradas nos anos 1940 e 1950, praticamente inexistem nos exemplares das décadas de 1970 e 1980. A padronização espacial, portanto, acentuase nessa época, justamente no momento em que a forma de produção do edifício alterou-se novamente. O paradoxo desse sistema é que justamente o projeto, que reconhecidamente tem à época um empobrecimento de suas qualidades estéticas e espaciais, tenha se tornado o elemento primordial na etapa de aprovação do financiamento. Segundo Anitelli Comparando essas duas fases – anos 1940- 50 e 1960-70 – percebe-se que o projeto sempre foi muito valorizado. Antes de forma a evidenciar os atributos plásticos do edifício, associando as suas inovações à modernidade, ao novo, ao diferente, ao bom, etc. Depois, o que se tornou essencial foi exatamente o contrário: o apartamento deveria necessariamente ter plantas iguais ou muito parecidas, com a mesma estrutura.

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Considerações Finais terminando como no início

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Este trabalho começou com a idéia, de certa forma ingênua e idealista, de reconhecer, identificar, discernir a casa brasileira, como se fosse possível caracteriza-la como uma só, como se houvesse um padrão, uma forma ou forma a ser seguida, a partir deste momento o trabalho passou a buscar a casa no Brasil e não a casa brasileira, basta uma simples investigação pela história da arquitetura residencial no Brasil para perceber que a casa aqui é tão multifacetada quanto a cultura ou o território. Durante esses séculos da casa no Brasil, percebemos muitas modificações, ora sutis ora mais profundas, porém elementos transformadores de uma cultura em processo de afirmação não só no sentido ufanista do “em desenvolvimento”, mas quanto ao que podemos chamar de mudança social. O prazo é tão curto que é possível hoje encontrar a casa colonial na casa do cabloco, a senzala nas precárias instalações dos cortadores de cana ou colhedores de laranja, a casa grande nas residências de veraneio com a casa de empregados no fundo. Mas também é possível nos depararmos com soluções contemporâneas como os “apart hotéis” ou loft pós modernos ou ainda confortabilíssimos apartamentos triplex.

Vimos o projeto da casa se alterando, a cozinha que está dentro, ir para fora, passar para o porão, duas cozinhas, a de baixo a de cima, a dentro a de fora, os quartos sem aberturas, de alcovas e camarinhas se tornaram dormitórios, as varandas como sala de jantares, a copa tomando o lugar da sala de jantar, a sala de TV tomando o lugar da copa , do rádio e da tertúlia, vimos o banheiro deixar de ser a “cazinha” do quintal e se tornar um dos ambientes mais luxuosos da residência, ostentando metais e revestimentos nobres, sendo um símbolo de status, vimos a casa precária se tornar ampla, iluminada, ventilada, planejada, os cortiços dando origem as casas operárias, vimos a casa ser empilhada e se transformar em edifícios, mas há tantas casas, para tantas classes e tantos porques, que se perder nessa história pouco linear é quase um fato certeiro. Com isso podemos nos certificar de que a questão não é encontrar uma resposta, mas procurar entender a essência, os hábitos que moldam essa arquitetura. É para se perguntar mil vezes e reafirmar mil vezes, não vem pra fechar a questão, pelo contrário, abre o pensamento pra diversas reflexões . Talvez uma busca para a vida.

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ReferĂŞncias abrir a mente

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TFG 2013 | Unesp | Bauru 94


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